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Brasil.
Março 8, 2016 por Fernando D'Osogiyan
Os africanos que se encontravam ali, lugar deserto naquela época, porém próximo
ao Palácio de sua Real Majestade, tiveram receio da intervenção das autoridades no
seu Culto, daí, Iyá Nassô resolveu arrendar terras do Engenho Velho do Rio
Vermelho de Baixo, no trecho chamado Joaquim dos Couros, lugar onde se encontra
até hoje, estabelecendo aí o primeiro Terreiro de Culto Africano na Bahia.
Segundo ele, a mãe de Iyá Nassô havia sido escrava no Brasil e depois de alforriada
voltou para a África, onde a concebeu. Anos mais tarde, Iyá Nassô teria vindo da
Nigéria acompanhada de Marcelina Obatossí, sua sucessora na Casa Branca, com a
missão de fundar um candomblé em Salvador.Após 21 anos de pesquisas, o antropólogo
Renato da Silveira, autor de artigos sobre a fundação dos terreiros mais antigos da Bahia
(e com um livro no prelo sobre a Casa Branca), lança um pouco de luz nessa história até
então bastante obscura. Tudo teria começado ainda no país iorubá, no reino de Ketu,
durante o governo do Alaketu, Akibiohu, entre 1780 e 1795. De lá vieram alguns
integrantes da família real Arô, aprisionados pelos daomeanos na cidade de Iwoye (Iuó-
iê), junto com um grupo de cerca de 200 escravos. Entre eles, estavam importantes
sacerdotes e também duas princesas, gêmeas, com cerca de 9 anos de idade. Eram netas
do Alaketu. Uma delas, Otampê Ojarô – que recebeu o nome cristão de Maria do
Rosário Francisca Régis -, foi a fundadora do Terreiro do Alaketu, no Matatu de Brotas,
e certamente participou dos rituais de fundação da Casa Branca.Reza a lenda que, ao
atingir a maioridade, a princesa foi alforriada pelo próprio Oxumarê, na figura de seu
proprietário. Mas, segundo Renato da Silveira, ela era ainda muito jovem quando o
terreiro da Barroquinha foi fundado e uma outra sacerdotisa deve ter iniciado os
fundamentos de Oxóssi, iniciando a soberania de Ketu na Bahia.Conforme Silveira, iyá
Adetá teria sido a sacerdotisa da linhagem Arô a fundar a primeira versão do candomblé
baiano, em um culto quase que doméstico a Odé (o caçador, um dos nomes de Oxóssi) e
Exu (o orixá mensageiro).Isso teria acontecido não nos fundos da Igreja da Barroquinha,
onde mais tarde seria criada a Casa Branca, mas na Rua da Lama (atual Visconde de
Itaparica), uma das travessas do bairro próximo à região central de
Salvador.SucessãoIyá Akalá pode ter vindo junto com o clã dos Arôs para a Bahia, ou
chegado logo depois.
Ela deve ter sido a fundadora do culto a Airá Intile, uma das qualidades de Xangô. Iyá
Nassô, por sua vez, era uma das figuras mais nobres do império de Oyó, responsável
pelo culto ao orixá do rei, mas é provável que ela tenha chegado em terras baianas
somente mais tarde, por volta de 1830, com a missão de comandar a união das diversas
divindades africanas em um único templo religioso. Muitos adeptos da casa começam a
contar, a partir daí, a história da fundação do candomblé, desde que todos os orixás
passaram a ocupar o mesmo espaço sagrado. Em homenagem a esta matriarca ancestral,
o título africano da Casa Branca ainda hoje é Ilê Iyá Nassô Oká, a casa de iyá
Nassô.Reza a tradição iorubá que iyá Nassô retornaria mais tarde à Nigéria, para
reconstituir alguns elementos do culto e provavelmente para adquirir tipos vegetais,
minerais e animais necessários nas cerimônias religiosas. Com ela levou sua sobrinha
Marcelina Obatossí, e retornou com outras figuras eminentes, que ajudariam a compor
na Bahia o cenário dos antigos rituais africanos.Marcelina Obatossí sucedeu sua tia. Em
seguida, duas mulheres disputaram o trono do terreiro: Maria Julia Figueiredo e Maria
Júlia da Conceição Nazaré. O oráculo de Ifá elegeu a primeira e Maria da Conceição
partiu com sua família e aliados para as terras de um antigo casal estrangeiro, de
sobrenome Gantois. Também por questões de preeminência, mãe Aninha deixaria a
Casa Branca anos mais tarde para fundar o Ilê Axé Opô Afonjá, na roça do São Gonçalo
do Retiro.Junto ao Alaketu, eles formam o berço do candomblé de origem iorubá na
Bahia. Depois de Maria Júlia Figueiredo viriam Ursulina Figueiredo (mãe Sussu),
Maximiana Maria da Conceição (tia Massi), Maria Deolinda, Marieta Vitório Cardoso e
Altamira Cecília dos Santos (mãe Tatá), atual ialorixá da Casa Branca, hoje reconhecida
como o candomblé mais antigo do Brasil, a matriz dos fatos, lendas e mitos que narram
a história de mulheres soberanas, que deixaram seus impérios africanos como escravas
para reinarem absolutas na Bahia de todos os santos, com a bênção de seus Orixás.
Completando os espaços do prédio estão a cozinha, uma pequena sala ocupada pelos
ogãs, os banheiros e o roncó, as camarinhas onde ficam confinadas as noviças no
período de iniciação, uma espécie de útero do candomblé que vai gestando suas novas
filhas-de-santo.Vegetação ritualAbraçando e acolhendo as divindades africanas, se vê o
mato, a vegetação ritual e as imensas árvores sagradas – como jaqueiras e gameleiras
brancas – que reservam outros assentamentos, como o do orixá Irôco. Por fim, se vê as
habitações da comunidade local, de famílias que há mais de um século ocupam o
candomblé, reunindo os mortais aos espíritos ancestrais.Na parte baixa da colina, o
visitante se surpreende com uma construção imitando um barco, feito de alvenaria,
dedicado a Oxum, um dos principais santuários ao ar livre da Bahia. O povo da Casa
Branca gosta de lembrar que a água da fonte de Oxum, onde impera uma sereia
prateada, corre até o oceano, onde a orixá das lagoas e rios se encontra com Iemanjá, a
rainha do mar. Vale destacar que a Praça de Oxum, como é chamada, foi projetada pelo
arquiteto Oscar Niemeyer, e a sereia, pelo artista plástico Carybé.A Casa Branca foi
tombada em 1984 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan),
depois de um esforço conjunto, uma aliança entre intelectuais e adeptos do candomblé,
sob a liderança do antropólogo Ordep Serra, que hoje é também ogã (uma espécie de
protetor civil) e ex-presidente da Sociedade Beneficente São Jorge do Engenho Velho,
entidade que dá conta de alguns procedimentos administrativos e projetos sociais.
Atualmente, a associação é dirigida por Arielson Chagas, o ogã Léo, filho de Aeronithes
Conceição Chagas, a mãe Nitinha D”Oxum, uma das ialorixás mais respeitadas do
Brasil.Depois da Casa Branca, o Terreiro do Gantois, o Ilê Axé Opô Afonjá, do São
Gonçalo do Retiro, o Alaketu, do Matatu de Brotas, e o Bate-Folha – este de nação
Angola – também já foram tombados como patrimônio da nação.
O antropólogo Ordep Serra explica que é o simbolismo dos elementos que formam o
conjunto e as características do culto que devem determinar as diretrizes da preservação
do templo matriz do rito nagô no Brasil. O profundo elo da natureza e sua ocupação
espacial pelo imaginário religioso cria um perfeito equilíbrio entre paisagem e
arquitetura, compartilhando matas, árvores, riachos e demais marcos naturais que se
integram à proposta religiosa e às festas do candomblé.Águas de OxaláAs festas da
Casa Branca se iniciam no fim de maio ou início de junho, com a celebração a Oxóssi, o
onilé, pai do terreiro. Depois, acontece a festa de Xangô, dono do barracão. Já na última
sexta-feira de agosto, é realizada uma das mais belas cerimônias: as Águas de Oxalá,
rito de purificação que prepara a casa para as cerimônias de todo o período festivo que
se intensifica a partir de setembro.Nas primeiras horas da manhã, ainda madrugada, as
filhas-de-santo seguem vestidas de branco em procissão até a fonte dedicada a Oxum.
As sacerdotisas carregam vasos, potes e outros artefatos de barro, enquanto cantam e
dançam ao som dos atabaques. Após encher os vasos de água, as mulheres voltam, em
fila, com seus potes nos ombros. O ritual tem uma pausa e depois continua à noite, com
uma longa festa no terreiro. Os três domingos seguintes às Águas de Oxalá são
dedicados a Oduduá (orixá da criação), Oxalufan (Oxalá velho) e Oxaguian (Oxalá
jovem).Na primeira segunda-feira após esse ciclo, o orixá Ogum é celebrado, e, na
segunda seguinte, Omolu. O ciclo de festividades termina no final de novembro, com
várias cerimônias de iniciação, tributos a Xangô e a Oxum. No dia de sua celebração, o
grande barco é enfeitado de amarelo e dourado, onde são depositados as iguarias
africanas em oferenda à orixá. Nenhuma dessas festas pode ser fotografada ou filmada
no interior do candomblé, por ordem expressa de sua governante, a iyalorixá Altamira
dos Santos, filha de Oxum que representa a mais antiga linhagem de mães-de-santo.
Uma linhagem de mais de dois séculos.
Que representa 200 anos de resistência e tradição. E de orgulho para toda uma
civilização.Perseguição e mudançasAfricanos da Casa Branca foram expulsos do centro
da capital e se mudaram para a roça do Engenho VelhoA Bahia estava passando por
profundas transformações naquele meado de século XIX. Desde então, a Barroquinha
não seria a mesma, passaria por reformas, e não haveria mais espaço para as
comunidades negras ali instaladas, tão próximas da sede do poder local. Era preciso
fazer uma limpeza geral, “modernizar” era a palavra de ordem entre os governantes. Por
volta de 1850, um ano antes de iniciar as obras na região, as autoridades decidiram
acabar com aquelas reuniões tidas como “bárbaras” e “primitivas”. Profanaram os locais
sagrados e expulsaram de vez os africanos e seus orixás do centro da capital. Seria
preciso reconstituir um novo templo longe dali, onde os atabaques pudessem clamar por
suas divindades distante dos ouvidos e olhares opressores das autoridades vigentes.
Nasceria a Casa Branca do Engenho Velho da Federação.Embora os cultos africanos
fossem terminantemente proibidos na Bahia de outrora – a liberação definitiva só foi
assinada pelo governador Roberto Santos. Em 1976 – a presença do candomblé na
Barroquinha conviveu com a passagem de alguns governos, uns mais permissivos,
como o do famoso Conde dos Arcos; outros mais intransigentes, a exemplo do temido
Conde da Ponte. Em qualquer caso, todos os rituais eram feitos às escondidas, ou pelo
menos disfarçados pelo sincretismo religioso que ganhava força na Velha Bahia. As
duas principais festas comemorativas da fundação do candomblé fazem referências aos
orixás mais venerados: Oxóssi, o senhor da terra, e Xangô, o regente da casa. A
primeira acontece no dia de Corpus Cristhi, e a segunda no dia de São Pedro, datas em
que não seriam necessários maiores pretextos para os banquetes africanos e a batida dos
tambores.Quando as festas para os orixás não eram mascaradas pelo sincretismo, os
rituais religiosos eram praticados em segredo absoluto para escapar da repressão. Reza a
tradição iorubá que, para realizar o culto de Xangô em sigilo, os adeptos da Casa Branca
construíram uma passagem secreta sob uma árvore oca, atingida por um raio.Lá, os
altares sagrados poderiam ser cultuados e as oferendas realizadas de maneira discreta e
preservada.
Segundo contam, o subterrâneo secreto deixou de existir, assim como outros que
haveria por ali, quando o terreno foi aplainado e as árvores sagradas extraídas, durante a
reforma da área.Ataque policialNo centro da cidade, o terreiro ficava próximo ao
Palácio dos Governadores, ao Mosteiro de São Bento e ainda do Solar do Berquó, na
época residência de um dos desembargadores do Tribunal da Relação. Temendo um
ataque policial, as sacerdotisas arrendaram as terras do Engenho Velho, longe do
governo central.Mas, segundo Pierre Verger, estudioso do assunto, antes de chegar na
Avenida Vasco da Gama, onde ainda se encontra, o terreiro mudou-se por diversas
vezes, “passando inclusive pelo Calabar, na Baixa de São Lourenço”.Depois desse
episódio, todos os templos africanos seriam construídos nos arredores da antiga
Salvador, onde as cerimônias poderiam ser realizadas de maneira mais discreta.Foi
durante o governo do Visconde de São Lourenço, entre 1848 e 1852, que os negros da
Casa Branca seriam de uma vez por todas expulsos da Barroquinha.Em 1851, a
“modernidade” chegou à capital, com a urbanização da área e pavimentação da Baixa
dos Sapateiros, antiga Rua da Vala, por onde esgotos corriam a céu aberto. Alguns anos
antes, vários levantes de escravos foram deflagrados em Salvador, até que em 1835 se
deu a sangrenta Revolta dos Malês, organizada pelos negros muçulmanos. Era mais um
pretexto para desmobilizar os encontros entre os africanos na Bahia. Iyá Nassô, tida
ainda hoje como a principal matriarca da história do terreiro, partiu com os seus súditos
para plantar o axé na então distante roça do Engenho Velho, “no Rio Vermelho de
baixo”. Dizem que foi o lendário babalaô Bamboxê Obticô, avô do saudoso Felizberto
Sowzer, uma figura importante na reconstituição dos cultos e rituais perdidos no tempo.
Sobre Yá Nassô, se sabe que ela morava na Rua das Flores, no Pelourinho, e era
comerciante de carnes no Mercado de Santa Bárbara. Mas, já no Engenho Velho, as
autoridades novamente tentaram calar os tambores e cânticos africanos da Casa Branca.
Uma reportagem publicada no antigo Jornal da Bahia, de 3 de maio de 1855, faz alusão
a uma reunião na casa de Yá Nassô que teria sido interrompida por uma diligência
policial: “Foram presos e colocados à disposição da polícia Cristovão Francisco
Tavares, africano emancipado, Maria Salomé, Joana Francisca, Leopoldina Maria da
Conceição, Escolástica Maria da Conceição, crioulos livres; os escravos Rodolfo Araújo
Sá Barreto, mulato; Melônio, crioulo, e as africanas Maria Tereza, Benedita, Silvana…
que estavam no local chamado Engenho Velho, numa reunião que chamavam de
candomblé”.Pierre Verger destacou o nome de Escolástica Maria da Conceição, não
muito comum, com o qual seria batizada, mais de três décadas depois, a famosa mãe-de-
santo Menininha do Gantois.
Isso indica que provavelmente os pais de Menininha também faziam parte ou pelo
menos freqüentavam a Casa Branca no período em que ocorreu a ação policial. Mas o
fato é que os adeptos da Casa Branca resistiram a mais de dois séculos de vigilância
repressora. E em tom de discurso, as palavras do elemaxó do terreiro, Antônio Agnelo
Pereira, revelam o sentimento de orgulho comum aos filhos e filhas do candomblé mais
antigo do Brasil:”Sim, nossa gente tem sofrido muito. Lutamos contra o cativeiro e
continuamos lutando contra outras injustiças, sempre com dignidade. Até há pouco
nosso culto era perseguido com cruel violência, mas resistimos. Ainda hoje, há quem
despreze nossas tradições, nossa religião, tratando-a, por exemplo, como simples
folclore, por ignorância ou preconceituosa má vontade. Isto não nos impede de manter a
herança divina que recebemos”. Sociedade paralelaHomens proeminentes e `mulheres
do partido alto´ criaram organizações secretas de negros na BahiaO culto a Babá Egum
é um traço da presença do Estado paralelo criado pelos iorubásDepois de criar as
irmandades e confrarias religiosas, e de incorporar novos rituais proibidos pelas
autoridades locais, os africanos ligados à Casa Branca seriam ainda mais audaciosos,
inaugurando as chamadas “sociedades secretas”. Com a chegada de mais e mais líderes
nagôs à Bahia escravocrata, o candomblé mais antigo do Brasil passaria a constituir uma
espécie de organização paralela à dos brancos do Novo Mundo. Adaptadas aos rigores
da clandestinidade, as sociedades secretas representavam o poder ancestral exercido
pelos soberanos da mãe África sobre seus súditos baianos.Entre as sociedades secretas
criadas pelos negros ligados à velha Casa Branca, a mais importante foi a Ogboni, na
visão do antropólogo Renato da Silveira.Ela representava, na Bahia, o conselho de
ministros do alto escalão do império de Oyó e de outros reinos iorubás. A sociedade
Ogboni estava acima das demais associações e até mesmo dos clãs, defendendo o
interesse da sociedade e servindo como poder moderador do Alafin (imperador). Era
uma espécie de corte de justiça do país iorubá, responsável pela manutenção da paz, da
ordem e pela determinação do consenso nas decisões políticas.A sociedade Ogboni era
dirigida por um conselho de seis êssas, chamados de Aramefá na Bahia. Algumas
decisões importantes, como o arrendamento das terras da Barroquinha na virada do
século XVIII, podem ter sido de sua responsabilidade.Mestre Didi, filho da célebre mãe
Senhora, do Ilê Axé Opô Afonjá, se refere à presença do Aramefá como um conjunto
composto por homens consagrados “com postos na Casa de Oxóssi”, existente ainda nos
anos 30.
O líder da Ogboni era o Oluô, cargo que na Bahia foi ocupado por Bamboxê Obticô,
africano que desempenhou papel fundamental na criação da Casa Branca e na história
dos chamados “terreiros de tradição Ketu”.O antropólogo Pierre Verger cita o nome dos
demais êssas: Assiká (ou Axipá, filho de Oxóssi ou Ogum), êssa Oburô (filho de
Xangô), êssa Kayodé (Oxóssi), e ainda os êssas Ajadi, Adirô e Akessan, servidores de
outros orixás importantes presentes no candomblé e também do culto de Babá Egum, o
espírito dos mortos. Silveira revela que os êssas baianos eram ex-escravos alforriados
que chegaram a prosperar na sua atividade e conquistar prestígio e destaque nas
irmandades religiosas, sobretudo a de Bom Jesus dos Martírios, recebendo ainda títulos
honrosos no candomblé da Barroquinha.GueledésJá as sociedades Iyalodê e Gueledé
eram formadas apenas por mulheres e representavam a influência feminina nas
organizações africanas reconstituídas na Bahia.As iyalodês, explica Silveira, foram
originárias dos reinos de Ibadan e Abeokuta. O título era o mais elevado que uma
mulher poderia alcançar nessas cidades, significando “senhora encarregada dos
negócios públicos”. As iyalodês baianas, portanto, defendiam os interesses das negras
que se tornaram comerciantes, e assim conseguiram fama e dinheiro depois de
alforriadas. Na Velha Bahia, elas ficariam conhecidas como “as mulheres do partido
alto”.Reverenciar os poderes unicamente femininos era a missão da Sociedade das
Gueledés, originárias do reino de Ketu. Na Bahia, as gueledés tinham as mesmas
funções de origem, exaltando a fecundidade e a magia dos rituais matriarcais. No
terreiro na Barroquinha, em seguida no Engenho Velho, e mais tarde em outros pontos
da cidade, elas faziam os chamados Festivais gueledés. Um par de máscaras usadas
pelas mulheres da sociedade secreta, pertencente à coleção do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia, e provavelmente apreendido durante uma diligência policial, revela
o caráter carnavalesco das festas promovidas pela associação, com o objetivo de
ridicularizar a violência e exaltar a paz entre as nações.Durante alguns anos, a mãe-de-
santo Maria Júlia Figueiredo (Omonikê) acumulou os títulos de iyalodê, de ialaxé das
gueledés, de ialorixá da antiga Casa Branca e ainda de provedora-mor da Irmandade de
Nossa Senhora da Boa Morte, a principal instituição das mulheres iorubás, ativa ainda
hoje na cidade de Cachoeira. Era Maria Júlia Figueiredo, portanto, a representante
suprema das matriarcas africanas. Através dos ritos misteriosos das sociedades secretas,
os adeptos do candomblé criaram na Bahia um novo estado iorubá, extinto após longo
período de repressão. E sua existência está intimamente ligada ao mito da criação do
candomblé mais antigo do Brasil.”Embora tenham perdido o grande poder que
representavam na África, esses títulos mantiveram a solenidade e a legitimidade, pois,
adaptados às condições locais, foram atribuídos de acordo com méritos, preceitos, ritos
e costumes tradicionais, reconhecidos e praticados pela diáspora nagô-iorubá, que
começava a tomar consciência de si como nacionalidade”, observou Renato da Silveira.
Do Estado paralelo criado pelos iorubás, ficaram apenas vagas lembranças, cânticos
cerimoniais e alguns títulos ainda hoje usados, além de máscaras e outros objetos de
culto, alguns apreendidos durante a repressão policial que se deu na Bahia, sobretudo
nos anos 20 e 30 do século que passou. No entanto, alguns rituais se mantiveram até os
dias de hoje, como o culto a Babá Egum, com presença marcante, sobretudo, em
candomblés da Ilha de Itaparica. Único panteãoAncestrais africanos foram cultuados no
mesmo templo pela primeira vez na BahiaNo Terreiro da Casa Branca eles se
encontrariam pela primeira vez, discretamente, para não atrair os olhares vigilantes e
repressivos das autoridades locais. Cultuados separadamente em seus reinos de origem,
os orixás africanos seriam invocados em um só lugar, na Bahia, pelos negros escravos
trazidos para o recôncavo. Por razões de proeminência, em um meticuloso acordo
político e espiritual, os fundadores do candomblé mais antigo do Brasil implantariam
em Salvador os cultos a Oxóssi, Xangô, Oxum e Oxalá, os quatro pilares de sua fé,
representando os quatro cantos do país iorubá.Enquanto o povo de cada reino iorubá
mantinha seus cultos orientados às diversas qualidades de um único orixá, na Casa
Branca, quando esta ainda funcionava nos fundos da Barroquinha, foi criado o xirê – a
roda dos orixás -, permitindo que as santidades fossem reunidas em um único panteão.
Mas não por acaso.O início dessa história começa ainda na África, em meados do século
XVIII, quando o reino do Daomé (atual República do Benin) inicia sua expansão sobre
o território iorubá. Ao passo que os daomeanos invadiam e saqueavam as cidades,
profanando os locais sagrados e deixando seu rastro de destruição por onde passavam,
os prisioneiros iorubanos eram feitos cativos e vendidos em um dos movimentados
portos da Costa da Mina (também conhecida como Costa dos Escravos). De lá, milhares
deles viriam para Salvador.Mais do que saudades do seu canto, cada povo trazia na
lembrança os rituais sagrados do orixá protetor de seu reino. Assim, à medida que os
daomeanos avançavam sobre os iorubás, novos povos iam chegando, com novas
características religiosas. Em pouco tempo, o litoral da velha Bahia se transformaria
num espelho demográfico da Costa da Mina. Com a fundação do primeiro candomblé
do Brasil, seria necessário, portanto, que ele representasse as diferentes nações que a
partir de então passaria a integrar.E foi o que fizeram os criadores da Casa Branca.Em
segredo absoluto, homens e mulheres africanos pertencentes às irmandades negras do
Bom Jesus dos Martírios e de Nossa Senhora da Boa Morte plantariam os fundamentos
de cada orixá na terra de todos os santos.
O primeiro a chegar foi Oxóssi, do reino de Ketu. Invocado por seus súditos, ele veio e
ocupou a terra, recebendo por isso o título de onilé. Mais tarde, Xangô – cultuado no
reino de Shabé e Oyó – tomaria conta da casa, do barracão principal, recebendo o título
de onilê. A esposa de Xangô, Iansã, também viria com os oyós.Anos depois Oxum e
Oxalá também ganhariam assentos privilegiados, representando a nação Ijexá e o povo
de Ifé, capital espiritual dos iorubás.Panteão sagradoNão se sabe ao certo quem foi o
responsável direto pela união de todos os orixás em um único panteão sagrado. Na
tradição oral dos seguidores da Casa Branca se perdeu esse importante detalhe histórico.
Mas dois nomes despontam como os mais prováveis; dois homens entre muitas
mulheres, dois grandes sacerdotes que vieram para Salvador exclusivamente para
participar da reconstituição religiosa que se daria na Barroquinha. Um deles,
possivelmente criou o xirê, inaugurou a roda dos orixás, a principal novidade de culto
fundada pelo terreiro baiano, e que, anos passados, seria seguida pelos seus filhos e
filhas.Os protagonistas dessa história são Babá Assiká (ou Axipá) e Bamboxê Obticô.
Ambos vieram da África para ajudar na fundação do terreiro. Os dois têm o título de
êssas (ou uêssas), que revelam serem ministros do conselho de Ketu, altos oficiais
iniciados no culto a Oxóssi.De acordo com o pesquisador Vivaldo da Costa Lima,
Bamboxê significa “ajuda-me a segurar o oxê”, sendo oxê o machado duplo, a
ferramenta ritual de Xangô. A tradição afirma que Bamboxê era um membro da família
real, um príncipe de Oyó, reino devastado pela guerra a partir dos anos 1830, data em
que muitos afirmam ter sido fundado “oficialmente” o terreiro na Barroquinha. Ainda
hoje sua memória é exaltada no Padê, a cerimônia de abertura do candomblé da Casa
Branca, como êssa Obticô.No Brasil recebeu o nome “branco” de Rodolpho Martins de
Andrade e, além de ter sido um dos possíveis criadores da roda dos orixás, participou da
iniciação de importantes mães-de-santo da Bahia, como a de Aninha, fundadora do Ilê
Axé Opô Afonjá.Atualmente seu corpo descansa em um jazigo na Igreja de Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos, depois de ter sido transladado do Cemitério Quinta dos
Lázaros, onde foi sepultado primeiramente.
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