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EXTRAÇÃO DOS DADOS DOS ESTUDOS

Extração dos dados dos estudos

Vamos falar sobre uma das etapas mais trabalhosas de uma revisão sistemática, que é a
extração.
Trata-se de um processo em que é feita a coleta das informações dos artigos incluídos,
pois bem, para evitar o viés de aferição, essa etapa é feita por dois pesquisadores, de
uma maneira independente, ou seja, um pesquisador vai coletar as informações
dos artigos e outro pesquisador também vai coletar as informações dos artigos.
Essas informações, então, são confrontadas e são resolvidas as concordâncias e
discordâncias para avaliar se a extração foi bem realizada.
É uma etapa muito trabalhosa e precisa de uma equipe engajada. Podemos utilizar papel
e caneta, softwares específicos, criar um banco de dados, usar planilhas eletrônicas para
o processo de extração, cada uma delas vai ter diferença de custo, na forma de
organização desses instrumentos, no planejamento, vai também determinar o processo
de análise e, não menos importante, também vai influenciar em como as concordâncias
e discordâncias serão realizadas.
Pois bem, também é possível usar softwares que façam a extração automática desse
conteúdo, entretanto, há uma evidência ainda escassa a respeito do desempenho desses
instrumentos.
Além do óbvio, ou seja, informações a respeito da população, intervenção ou exposição,
comparador, desfecho e tipo de estudo, há algumas nuances que é importante destacar
para facilitar o processo de concordância e discordância.
Por exemplo, no que se refere à população, faça um trabalho mais minucioso na coleta
de informações a respeito de critérios de inclusão e de exclusão, ou seja, os critérios de
elegibilidade usados nos artigos selecionados.
No que se refere à intervenção e à exposição, faça uma anotação cuidadosa a respeito,
por exemplo, da dose utilizada nos produtos que estão sendo analisados ou a respeito da
intensidade da exposição.
No que se refere ao desfecho, faça uma mensuração adequada a respeito de que critérios
foram utilizados, os parâmetros utilizados para aferir os desfechos e no que se refere aos
tipos de estudo, faça uma anotação minuciosa a respeito do delineamento, e isso
facilitará no processo de avaliação crítica.
É possível, também, na extração, um pesquisador coletar e outro conferir o
resultado, mas isso exige uma maturidade da equipe.

Ferramentas para extração

Na era do "Big Data" e da inteligência artificial, a tecnologia da informação já tem


aprimorado muito o nosso cotidiano. Com a revisão sistemática não seria diferente. Até
mesmo os clássicos gerenciadores do processo de revisão sistemática já têm adotado
algoritmos de aprendizado de máquina, o "machine learning", por exemplo, na etapa da
seleção, auxiliando melhor esse processo. Algumas situações, como é o caso do
RobotReviewer, todo o processo de busca, identificação, extração e até mesmo a análise
do risco de viés já pode ser automatizada. Mas tenha cautela, o próprio Robot Reviewer
já alerta que ele não pretende ser substituto do humano nesse processo. O manual da
Cochrane também não chegou ainda num consenso sobre orientar e recomendar a
adoção ou não desses métodos ou um método entre outros. Assim, busque conhecer
esses métodos, adote e pondere a sua utilidade dentro do seu processo de revisão
sistemática.
Outra ferramenta muito útil é o digitalizador de figuras. Imagine a situação que você
tem que fazer uma meta-análise de tumores e as suas recidivas em seis meses. Porém, os
relatos só trazem esse desfecho três meses ou doze meses. Contudo, se essa informação
está contida algo gráfico, alguma figura ou alguma curva, por exemplo, é possível obter
esse dado com a digitalização dessa imagem. Já estão disponíveis várias ferramentas
com esse propósito, incluindo ferramentas gratuitas, abertas e até ambiente web, como é
o caso do WebPlotDigitizer. Seu funcionamento é bastante prático e inclusive contém
bons tutoriais disponíveis na internet.
Basicamente, você terá que carregar essa figura, calibrar com pontos
conhecidos, determinar de qual ponto você deseja saber o valor e obter esse dado. Se
você tem interesse nessas e outras ferramentas, acompanhe os trabalhos de grupos
metodológicos, como é o caso do grupo de métodos da Cochrane. Acompanhe também
os trabalhos de colaborações internacionais nesse sentido, como é o caso da colaboração
internacional para a automatização da revisão sistemática.

Coleta dos dados

Estudos vs publicações

As revisões sistemáticas possuem os estudos como sua unidade de pesquisa. Contudo,


esses estudos são comumente identificados a partir da recuperação de seus registros ou
publicações/relatos de seus resultados. Assim, é importante diferenciar o estudo da
publicação, os quais podem inclusive não refletir o mesmo número, pois um mesmo
estudo pode originar mais de um registro ou publicação. Antes de iniciar a extração de
dados, é importante que se identifique e vincule os artigos que se referem a um mesmo
estudo. Softwares de gerenciamento de meta-análise permitem vincular publicações
pertencentes a um mesmo estudo, o que facilita a etapa da extração em seguida.

Lista das variáveis

Pesquisadores experientes definem de antemão quais informações dos estudos


selecionados irão utilizar na revisão para então extraí-los em um formulário específico
(ex: uma planilha de Excel). O procedimento evita retornos frequentes ao texto original
do artigo e facilita a condução das análises por consolidar todos os dados em um único
local ou arquivo. Em geral, coletam-se dados sobre autor, data de publicação, tipo de
estudo, participantes (número, média de idade, proporção de cada sexo), exposição ou
intervenção, desfecho, tempo de seguimento e perdas.
Apesar de não ser um item essencial como no processo de seleção, é desejável que a
coleta de dados também seja feita por dois ou mais pesquisadores trabalhando de forma
independente. Outra sugestão, na baixa viabilidade de uma extração pareada e
independente, é também aceito que um pesquisador colete os dados e outro faça a
conferência desses dados. Ressalta-se que essa última situação é mais aplicável a grupos
experientes no processo. Ao final, as discordâncias devem ser compatibilizadas por
meio de reunião de consenso ou avaliação de um terceiro pesquisador envolvido na
revisão.

Natureza das variáveis


Ao extrair informações sobre o desfechos, é importante considerar seu tipo, se é
variável contínua ou categórica. Para desfechos contínuos, como pressão arterial em
milímetros de mercúrio e tempo de hospitalização em dias, devem ser coletados o
número de sujeitos, a média e o desvio-padrão de cada grupo de participantes. Em
desfechos categóricos, os dados coletados são usualmente o número de pessoas que
tiveram o desfecho e o total de pessoas expostas em cada grupo.

Dados faltantes

No cenário de dados ausentes nas publicações ou registros, é relativamente comum ter


que recorrer ao autor e a transformações dos números para viabilizar as sínteses¹.
Algumas vezes, por exemplo, há somente o erro padrão e não o desvio padrão em uma
medida contínua, requerendo calcular essa medida para que a meta-análise seja possível.
Em outras ocasiões, as tentativas de contato com autores podem ser frustradas. Para
evitar excluir o estudo da síntese quantitativa, pode-se fazer uso da imputação desse
dado a partir de técnicas estatísticas.
Como exemplo, na ausência de determinada estimativa, pode-se fazer uso do valor
médio obtido nas demais estimativas dos estudos incluídos, sendo essa uma estratégia
chamada de imputação com a média incondicional.
Na hipótese de que a média simples seja pouco aplicável aos dados ausentes, como, por
exemplo, na meta-análise de estudos conduzidos em diferentes contextos, pode-se fazer
uso da imputação com a média condicional. Nessa estratégia, a estimativa imputada
não seria uma média geral, mas uma média dos valores observados em estudos que
obedecessem a determinadas condições (ex: estudos brasileiros com população acima de
60 anos etc).
Além de outras técnicas práticas (ex: vizinho mais próximo), existem ainda técnicas
avançadas de imputação múltipla, disponíveis em softwares e pacotes estatísticos,
fazendo uso de regressões, simulações, inferências bayesianas e até algoritmos de
aprendizado de máquina (machine learning) para a predição dos valores a serem
imputados.
ão existe consenso no limite do número de dados que podem ser imputados (ex: até 10%
da amostra completa). Sugere-se prudência na adoção da imputação e que essa seja uma
estratégia adotada apenas na impossibilidade de obtenção dos dados por outra via. Da
mesma forma, sugere-se fortemente que a adoção ou não dos valores imputados seja
motivo de análises de sensibilidade de uma meta-análise e que seja descrito de forma
transparente.

Registro da extração

É boa prática prezar pelo registro seguro e organizado dos dados extraídos, bem como o
permitir o acesso e compartilhamento de dados futuros. Para essa tarefa, usualmente se
trabalha com planilhas, formulários eletrônicos ou softwares específicos (ex: Microsoft
Excel, Google forms etc). Criar um dicionário de variáveis e detalhar procedimentos e
transformações adotadas auxilia nesse processo.
O melhor cenário para a extração de dados exige a criação de formulários de fácil
manipulação, compartilhamento e seguros. A informação coletada deve representar
fielmente o que foi relatado nos estudos incluídos de maneira estruturada e organizada.
Um bom planejamento dessa etapa permitirá identificar os dados necessários para as
sínteses quantitativas.
Compartilhamento do banco de dados

Com a evolução e disseminação do conceito da ciência aberta, que busca promover a


reprodutibilidade da pesquisa científica por meio de estratégias como o incentivo ao
compartilhamento de bancos de dados, é cada vez mais desejável o acesso público aos
bancos de dados utilizados nas meta-análises. Tal prática, além de tornar o trabalho
transparente e reprodutível, auxilia a recondução futura de uma meta-análise por outros
membros ou grupos de pesquisa na hipótese de surgirem novas evidências, facilitando o
processo de atualização por diferentes grupos, além de análises adicionais. Em alguns
periódicos científicos a disponibilização pública do banco de dados já é uma solicitação
rotineira aos autores no momento de submissão do artigo científico.
Para auxiliar o compartilhamento público de bancos de dados, já existem plataformas
gratuitas de repositórios. Como exemplo, a plataforma Data Mendeley permite a
disponibilização do banco de dados de forma segura com a geração de um número de
identificação único (doi) que pode ser referenciado em uma eventual publicação
científica. Outras plataformas, como o github, já são bastante disseminadas no meio da
disponibilização de códigos, arquivos e bancos de dados de softwares abertos. Caso
tenha interesse em saber mais sobre ciência aberta, disponibilizamos uma lição com
mérito sobre o tema.
Independentemente do processo, formulário e técnicas adotadas na fase de extração de
dados, lembre-se de ser transparente sobre suas escolhas metodológicas e os impactos
nos dados que originarão a meta-análise.

Referência
1. Deeks JJ, Higgins JPT, Altman DG (editors). Chapter 10: Analysing data and
undertaking meta-analyses. In: Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, Cumpston M, Li T,
Page MJ, Welch VA (editors). Cochrane Handbook for Systematic Reviews of
Interventionsversion 6.0 (updated July 2019). Cochrane, 2019. Available from
www.training.cochrane.org/handbook.

Entrevista com Tiago Pereira - imputação de dados

E: Na sua experiência acontecem muitos casos de ausência de metanálise, de não


conseguir fazer uma metanálise devido a ter tido problemas na extração, ou uma falta de
imputação de dados devido a dados faltantes, dados que não estavam disponíveis ali no
manuscrito?

T: é relativamente comum, então a gente tem visto bastante estudos na área de revisão
sistemática que não procedem para a próxima etapa que é a combinação estatística
dessas estimativas porque os pesquisadores têm algum receio, ou algum tipo de
inabilidade metodológica de converter todos os dados disponíveis naqueles dados que
nós precisamos usar metanálise, então só pra gente exemplificar, tipicamente quando a
gente conduz uma metanálise de dados contínuos a gente precisa do tamanho
amostral, da média, e do desvio padrão de cada grupo tipicamente isso é, relativamente,
frequente. Ocorre que os trials, os estudos clínicos, eles não relatam exatamente essas
três entidades estatísticas mas eles relatam outras formas, por exemplo, a diferença
média comparado com o baseline, a mediana, o intervalo interquartil, entre outras
estatísticas. Quando os revisores não tem uma expêriencia tão aprofundada na área de
metanálise a tendência é excluir esses dados que não são prontamente aplicáveis dentro
do contexto meta-analítico, e a gente sabe que excluir estudos que deveriam ser
incluídos causa viés, causa a modificação na estimativa sumária e reduz o nosso poder
estatístico.

E: E qual abordagem metodológica que você recomenda então frente a esses casos,
frente a ausência de dados prontamente utilizáveis para a metanálise?

T: Aí é uma decisão que varia de caso a caso, mas antes de nos discutirmos qualquer
tipo de metodologia, é super importante pra quem ta começando na área, pra quem ja
conduz revisões sistemáticas saber que não devemos excluir estudos pertinentes mas
que não relatam os dados úteis metanálise, então a primeira metodologia, ou neste
caso, a minha primeira recomendação é incluir todos os estudos e discute aqueles onde
não foi possível extrair os dados, termos de metodologia e estatística existem
vários métodos existem metodologias frequentistas, existem metodologias bayesianas e
todas são relativamente acuradas quando nós assumimos as premissas corretas, o que
nem sempre é o caso na prática.

E: E aí nesse sentido, qual seria o impacto do emprego dessas estratégias na extração ou


imputação de dados na metanálise, você tem conhecimento de comparação
metodológica do uso das estratégias, por exemplo, e o dado real prontamente
disponível, utilizável na metanálise, a imputação versus o dado verdadeiro?

T: Sim, a gente sabe que quando a gente usa algum tipo de metodologia
adequada, quando aplicada de modo consciente, a gente consegue obter estimativas que
são confiáveis. Quando a gente inclui todos esses estudos, aqueles com
dados prontamente disponíveis e aqueles com dados imputados, a gente obtém
estimativas menos enviesadas com uma precisão mais aprimorada e, portanto, poder
estatístico maior. Existem alguns estudos na literatura, todos apontam para a mesma
direção, é melhor imputar do que excluir, qual que é a recomendação prática que a gente
faz dentro das nossas atividades?
A gente usa duas ou mais metodologias de imputação, quando pertinente, quando
apropriado, e compara a robustez dos nossos resultados. Se os resultados após a
imputação forem consistentes nos dois ou mais diferentes métodos de imputação, a
gente tem uma maior credibilidade de que aqueles resultados gerados estão adequados.

E: Então Tiago, pros nossos alunos que querem aprender pouco mais, entender pouco
mais sobre essas técnicas ou entender o impacto delas, que sugestões você daria?

T: É uma área que, a gente sabe Thaís, que demanda mais investigação. Tanto
metodológica quanto empírica, então é uma área que poderia ser mais bem explorada no
contexto nacional, dentro das revisões sistemáticas do Brasil. E pra quem quer aprender
mais existem basicamente os artigos científicos que discutem mais a fundo essas
metodologias, e o handbook da Cochane que dá uma visão bastante pragmática do que a
gente deve fazer e não fazer na prática.
RISCO DE VIÉS DE ESTUDOS PRIMÁRIOS

Risco de viés

A avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos em uma revisão


sistemática é uma etapa fundamental e que a diferencia dos demais tipos de síntese.
Essa etapa, também, é conhecida como avaliação do risco de viés dos estudos incluídos,
e geralmente é feita por meio de ferramentas que foram elaboradas por meio de
consenso de especialistas, e foram validadas para esse fim. Essas ferramentas
conseguem nos direcionar se, o estudo incluído foi bem feito e qual a sua qualidade
metodológica. É importante observar que algumas revisões podem
utilizar, erroneamente, guias de redação, guias que são utilizadas para escrita do artigo
para avaliar a qualidade metodológica do estudo incluído. Esses guias, como, por
exemplo, o CONSORT, que guia a redação de ensaios clínicos randomizados, o
STROBE, que orienta a escrita dos estudos observacionais, e o PRISMA, que orienta a
escrita das revisões sistemáticas, não conseguem fazer a discriminação da qualidade dos
métodos aplicados. É bem verdade que, quando artigo tem uma redação de melhor
qualidade, geralmente, nós conseguimos apreciar melhor os métodos que foram
aplicados. Então, de uma forma indireta, podemos dizer que há, sim, um aumento na
qualidade metodológica, mas a ferramenta, em si, não serve para esse fim. A avaliação
do risco de viés dos estudos incluídos, independemente do seu delineamento,
geralmente, vai se focar em três aspectos principais: A seleção dos participantes, dos
sujeitos incluídos na pesquisa; a aferição do desfecho; e o controle de confundimento. A
depender do delineamento desse estudo primário, há ferramentas específicas, e é papel
do elaborador da revisão sistemática verificar se essa ferramenta é a mais adequada para
aquele delineamento. Uma questão muito importante, também, é, além de informar
qual a ferramenta que vai ser utilizada, ou que foi empregada na revisão, quando nós
estamos fazendo a leitura crítica de uma revisão sistemática, é verificar se, de fato, essa
avaliação da qualidade metodológica foi feita, se há a apresentação desse resultado e se
a qualidade dos estudos incluídos é considerada quando dá a avaliação dos resultados da
revisão. Nessa etapa fundamental da revisão sistemática, mais importante do que dizer
que fez, é fazer, e fazer de forma correta.

Avaliação crítica de ensaios clínicos randomizados

O ensaio clínico randomizado é o principal delineamento para estudar


intervenções. Sejam elas preventivas ou terapêuticas. Isso se deve ao fato desse estudo
afastar principalmente o viés de confusão. Isso é feito com a possibilidade de
aleatorização ou a randomização, ou seja, sortear os grupos para os quais serão alocados
os indivíduos. Por isso, avaliar uma randomização adequada de estudo é ponto
primordial na avaliação crítica de ensaio clínico. Primeiramente, observe se foi
adequadamente gerada uma sequência aleatória. Isso deve ser feito por meio de um
sorteio seja com uso de softwares, tabelas de números randômicos, por exemplo.
O uso de datas de nascimento, dias da semana, são métodos sistemáticos, e que não
garantem a randomização. Depois de avaliar se foi adequadamente gerada essa
sequência aleatória procure buscar se foi garantido o sigilo da alocação. Ou seja, não
adianta você gerar uma sequência aleatória e o pesquisador que for incluir os
participantes da pesquisa tiver a possibilidade de manipular essa sequência. Existem
também estratégias para garantir a preservação desse sigilo. Como por exemplo o uso de
centrais de randomização.
Procure observar o nível de cegamento adotado todos os envolvidos no estudo.
Em uma situação ideal, nem os pacientes, nem os profissionais de saúde que aplicam a
intervenção, nem os pesquisadores que avaliam o desfecho e até mesmo nem o analista
que irá escolher os testes estatísticos conhecem quais são os grupos e quais são os
tratamentos adotados. Além da randomização e do cegamento, outros pontos críticos
também são importantes na avaliação de ensaio clínico randomizado. Como porexemplo
qual o grau de perdas ao longo do seguimento desse estudo. Avalie também a existência
ou não de relato seletivo dos desfechos. Será que os autores relataram somente aqueles
desfechos que foram estatisticamente significativos?
Procure adotar ferramentas validadas nessa avaliação crítica e tome uma decisão, um
julgamento sobre o risco de viés da sua evidência.

Avaliação de estudos pre-clínicos

A revisão sistemática de estudos pré-clínicos, os estudos que são realizados com


animais, devem também, avaliar a qualidade dos estudos incluídos. E essa avaliação
deve ser parecida com a avaliação dos ensaios clínicos randomizados realizados em
humanos, se preocupando com a randomização, o sigilo da alocação, o cegamento e as
perdas. Vamos observar como isso se daria estudo com animais.
A formação dos grupos deve ser feita por meio de um sorteio seguro, colocando os
animais de forma aleatória nos grupos de comparação. A lista que foi feita a
randomização deve permanecer oculta, evitando que haja manipulações na inclusão dos
sujeitos de pesquisa. Também deve haver o cegamento das pessoas que vão aferir o
desfecho, ou seja, os pesquisadores que vão fazer exames nos animais ou em parte
desses animais não podem saber, idealmente, em que grupo o animal foi alocado.
As perdas devem estar balanceadas entre os grupos, garantido homogeneidade nas
aferições. Geralmente, em estudos realizados animais temos uma tendência a imaginar
que esses fatores não vão interferir nos resultados. Mas vamos imaginar, ao abrir uma
gaiola para pegar os animais que vão ser incluídos ensaio clínico, qual serão os ratinhos,
por exemplo, que estariam logo ali, no início, ao alcance da mão do pesquisador.
Provavelmente seria os animais mais doentes, aqueles que estão mais letárgicos e que
dependendo do grupo que estão alocados podem estar favorecendo ou desfavorecendo a
intervenção. O resultado desse estudo pode ser devido, então, a condição biológica do
animal e não a intervenção si. Existem ferramentas validadas já disponíveis para
fazermos esse tipo de avaliação, que são resultados de iniciativas de pesquisadores que
já trabalham com estudos pré-clínicos e que também tem experiência revisão
sistemática. São ferramentas específicas para avaliação crítica dos estudos pré clínicos e
que são incluídos revisão sistemática. Destacamos a iniciativa SYRCLE e o
CAMARADES. Há também guia de redação científica para estudos pré-clínicos, o guia
ARRRIVE. Mas mais uma vez enfatizamos, guias de redação científica não servem
para avaliar a qualidade metodológica de estudos incluídos revisão sistemática. É
possível que a qualidade melhore, mas esse instrumento não tem o poder discricionário
de nos dizer se o estudo foi bem conduzido. Se você tem interesse fazer uma revisão
sistemática de estudo pré-clínico, nós damos especial ênfase e estímulo para que seja
feito esse tipo de estudo. Há uma carência e uma necessidade de fazer revisões
sistemáticas nesse tipo de delineamento e isso evitaria o consumo de recursos, a
utilização de animais que vão posteriormente ser sacrificados e pode ser à toa, porque
pode já estar respondida a pergunta. Então esse tipo de estudo é necessário e importante
e recomendamos que sejam feitos.
Avaliação crítica de estudos observacionais

As revisões sistemáticas de estudos observacionais devem realizar avaliação crítica dos


estudos incluídos. E observar qual delineamento específico que foi aplicado para
escolher, então, a ferramenta mais adequada. Para estudos observacionais, vamos nos
preocupar, principalmente, se as pessoas que foram observadas são representativas; e,
também, se a forma que foi mensurada a observação é confiável. Se estamos tratando de
estudo de coorte, vamos, principalmente, tentar verificar se tanto os expostos quanto os
não expostos provém da mesma fonte da população; ou se minimamente se
parecem. Também precisamos ter certeza de que o desfecho - a doença que se pretende
observar ao final da coorte, como resultado da exposição, ou não - Se estava ausente no
início do estudo. É importante, também, observar se houve controle dos fatores de
confusão desse estudo de coorte. E, também, qual foi o impacto das perdas nesse
delineamento. Em revisões sistemáticas de estudos caso-controle, a nossa preocupação
será na comparabilidade entre os casos - as pessoas doentes - e os controles, os não
doentes. E, também, garantir que a forma que foi aferida a exposição nos grupos de caso
e de controles, foram semelhantes; sem estar extraindo de maneira desigual entre esses
dois grupos. Até porque os grupos já podem ter respostas diferentes em relação ao viés
de memória. Se ocorreram perdas no estudo caso-controle, devemos verificar se elas
impactam na estimativa final do estudo. Em revisões sistemáticas de estudos
transversais, o objetivo, geralmente, será verificar a prevalência de uma doença, ou
agravo na população. Então, a preocupação na avaliação crítica será observar se
essa população é representativa da população alvo. Se o processo de amostragem foi
claro e seguro o suficiente para que a população incluída seja parecida com a população
na qual queremos saber qual é a prevalência da doença, ou do agravo.
O instrumento para aferir o desfecho, a doença, ou o agravo que se planeja verificar,
deve ser instrumento validado. Seja ele na forma de questionário ou exame sanguíneo,
por exemplo. E deve ser aplicado da mesma forma todas as pessoas do estudo. Devemos
verificar, também, se houve perdas e se elas impactam, também, nos resultados do
estudo transversal. Independentemente do tipo de estudo observacional que foi
incluindo na revisão sistemática, em geral, os resultados são representados de formas
separadas pelo tipo de delineamento. Isso porque o delineamento pode ter impacto nas
estimativas; e não é prudente fazer a mistura desses tipos de estudos.

Avaliação crítica de estudos diagnósticos

Revisões sistemáticas de estudos diagnósticos não são tão comuns como de


intervenções de tratamento ou de prevenção. O seu processo de elaboração é
relativamente o mesmo. Ou seja, o processo de busca, seleção e extração é basicamente
parecido mas têm algumas nuances. Por exemplo, a primeira seria a aplicabilidade dos
testes de diagnóstico. Por exemplo, você pode usar o teste de diagnóstico para
rastreamento para confirmar a suspeita de uma doença, para avaliar o desempenho de
um tratamento ou até mesmo para definir a dose de uma intervenção
farmacêutica. Outra nuance envolvendo o teste de diagnóstico é, por exemplo, os tipos
de tecnologias desenvolvidas a gente pode ter, por exemplo, a medicina laboratorial que
se refere aos exames laboratoriais, exames de sangue e por aí vai. Nós temos também as
tecnologias de imagem como raio X, tomografia computadorizada, temos também a
medicina de precisão, por exemplo o uso de testes específicos para nortear algum tipo
de tratamento e também temos a medicina patológica que é, por exemplo, para avaliar
biópsias.
Quanto aos delineamentos, é importante destacar o seguinte, podem ser feito estudos do
tipo coortes pode ser feito ensaio clínico randomizado, mas o mais comum é o
delineamento transversal. Tenha desconfiança do delineamento do tipo caso-controle.
E por que? É porque na avaliação crítica desses tipos de estudos a primeira
pergunta refere-se aos pacientes terem dilemas diagnósticos, ou seja, as pessoas que
são incluídas nos estudos primarios, eles já não podem ter a especificação da
doença. No que se refere também a avaliação crítica é importante também destacar
que tem que haver independência entre os testes que estão sendo testados, ou seja, um
resultado do teste índice ou do teste que está sendo avaliado, ele não pode influenciar o
resultado do padrão ouro e vice versa.
Também é importante destacar as medidas de desempenho de teste diagnóstico, as mais
comuns são a sensibilidade e a especificidade.
A sensibilidade é a proporção de pessoas com resultado positivo entre os doentes e a
especificidade é a proporção de pessoas com resultados negativos em pessoas sem a
doença, são os saudáveis. Pois bem, além de ter, também, essa preocupação a respeito
das medidas de desempenho pode ser útil para uma revisão sistemática de estudos de
acurácia diagnóstica, avaliar os limiares, ou seja, em que ponto um resultado de exame,
por exemplo, confirma ou descarta a presença de uma doença. Então, para isso, para o
revisor é importante conhecer, por exemplo, as curvas ROC e também os limiares de
cutoff.

Avaliação da qualidade

Revisões sistemáticas são utilizadas para orientar processos de tomada de decisão. Uma
forma de distinguir revisões sistemáticas das outras formas de síntese justamente é
averiguar se houve algum processo de apreciação crítica dos estudos que foram
incluídos.
Esse escrutínio é conhecido como avaliação do risco de viés. Viés, aqui, refere-se a
erros sistemáticos, ou seja, a ocorrência de uma tendência (proposital ou não) de se
desviar da verdade.
Tenha como analogia um controle de qualidade de um processo industrial: o que
aconteceria em uma fábrica de suco se não houvesse uma separação daquelas
inapropriadas para consumo? Em uma linha de produção, a qualidade é baseada no
cumprimento de requisitos. Tais propriedades satisfazem, pelo menos em princípio, as
expectativas do usuário final e de órgãos de regulação.
Ao exemplificamos com o processo fabril de um suco o entendimento do controle de
qualidade é fácil de compreender, pois se refere a características que são inspecionáveis,
como aspectos físico-químicos (% de polpa, acidez), propriedades organolépticas
(sabor, cor, aroma), quantificação microbiológica (bactérias, fungos) e averiguação das
práticas de produção (uso de agrotóxicos, aditivos). São critérios definidos a priori e
que são testados para garantir a qualidade.

Qualidade metodológica das pesquisas incluídas

Nesta etapa a revisão sistemática tem dois desafios importantes.


O primeiro é que a maior parte da evidência considerada na síntese é proveniente de
artigos publicados em periódicos científicos. A priori, tais relatos já passaram por
inúmeros escrutínios (comitês de ética, bancas de mestrado/doutorado, revisão por
pares, entre outros) e, independente do prestígio da revista publicada, terão mais uma
avaliação.
Essa separação de que a qualidade da evidência não está vinculada ao periódico de
publicação é de difícil compreensão pelo revisor inicial: por mais que a árvore seja boa,
não se consegue aproveitar todos os frutos.

O segundo desafio trata-se de que muitos dos conceitos usados na apreciação crítica
exigem qualificação prévia da equipe de revisão. Assim como o controle de qualidade, a
apreciação crítica da evidência tem sua técnica específica. Revisores pouco
familiarizados tem percepção abstrata da relevância e da potencial influência que
eventuais desvios na condução do estudo impactam nos resultados finais.
Os autores de revisões sistemáticas devem julgar como eventuais vieses influenciam os
resultados encontrados, ou seja, avaliar como essa tendência de erro pode submestimar
ou superestimar os achados. A forma de investigar o risco de viés depende da pergunta
de interesse e precisa ser previamente especificada no protocolo da revisão sistemática.

A tabela abaixo aponta os principais elementos que são investigados em perguntas da


área da saúde:

Interesse Delineamento primário Seleção Aferição Confundimento

Quadro clínico de Relato de caso e séries de


- - -
doenças raras caso

Prevalência Estudos transversais Amostragem Instrumento* -

Pareamento, análise
Incidência Coorte Representatividade Instrumento*
multivariada

Pareamento, análise
Fatores de risco Caso-controle, coorte Representatividade Instrumento*
multivariada

Estudos de acurácia, Dilema


Diagnóstico Cegamento -
transversais diagnóstico

Evolução Pareamento, análise


Coorte Representatividade Instrumento*
(prognóstico) multivariada

Pareamento, análise
Etiologia Caso-controle, coorte Representatividade Instrumento*
multivariada

Ensaio clínico
Prevenção Sigilo da alocação Cegamento Randomização
randomizado

Ensaio clínico
Tratamento Sigilo da alocação Cegamento Randomização
randomizado
Ferramentas para avaliação crítica de estudos

Há diversas ferramentas desenvolvidas e testadas para avaliar criticamente os estudos


incluídos em uma revisão sistemática. Geralmente, estão dispostas como lista de
verificação ou checklists. Frequentemente, esses instrumentos são revisados e
atualizados frente a colaborações trazidas pela comunidade científica e pelo grupo
elaborador.

A tabela abaixo lista os principais instrumentos para cada tipo de delineamento.

Tipo de estudo Instrumento

Ensaio clínico randomizado Cochrane risk of bias (RoB) tool

Estudo de coorte Newcastle-Ottawa Scale

Estudo caso-controle Newcastle-Ottawa Scale

Estudo transversal Joanna Briggs critical appraisal tools

Revised toll for the Quality Assessment of Diagnostic


Estudo de acurácia diagnóstica
Accuracy Studies (QUADAS-2)

SYstematic Review Centre for Laboratory animal


Experimentation (SYRCLE); Collaborative Approach to Meta-
Estudos pré-clínicos
Analysis and Review of Animal Data from Experimental
Studies (CAMARADES)

Há esforços em avaliar quais instrumentos são os mais adequados para cada tipo de
delineamento, considerando a grande diversidade de checklists disponíveis. Vale a pena
avaliar os resultados dessas pesquisas para elencar a ferramenta mais adequada para
avaliar criticamente cada tipo de estudo¹ ².

Referências

1. Quigley JM, Thompson JC, Halfpenny NJ, Scott DA. Critical appraisal of
nonrandomized studies-A review of recommended and commonly used tools. J
EvalClin Pract. 2018;25(1):44-52. doi: 10.1111/jep.12889.

2. Zeng X, Zhang Y, Kwong JS, Zhang C, Li S, Sun F, Niu Y, Du L. The


methodological quality assessment tools for preclinical and clinical studies, systematic
review and meta-analysis, and clinical practice guideline: a systematic review. J Evid
Based Med. 2015;8(1):2-10. doi: 10.1111/jebm.12141.
RISCO DE VIÉS DE ESTUDOS SECUNDÁRIOS

Avaliação crítica de avaliações econômicas em saúde

Revisões sistemáticas de avaliação econômica são importantes para o processo de


tomada de decisão, porque elas sinalizam como determinadas tecnologias se comportam
termos de custos e desfechos em saúde. Embora os estudos de avaliação econômica
sejam contexto-dependente, ou seja, são desenhados para um processo de tomada de
decisão específico, é importante a gente conhecer, em termos globais, como essas
tecnologias se comportam. Por exemplo, se estamos analisando o rastreamento do
câncer do colo do útero versus o não rastreamento, neste caso é importante saber se essa
estratégia é custo- efetiva países com alta prevalência desse tipo de câncer e também
países com baixa prevalência. Isto as revisões sistemáticas de avaliação econômica
podem sinalizar para o tomador de decisão. As avaliações econômicas geralmente
utilizam várias fontes de dados, provenientes de ensaios clínicos, de estudos
observacionais, de análise de custo. Então é muito importante avaliar criticamente se a
inclusão desses estudos é a melhor evidência disponível atualmente. Para isso existem
instrumentos de avaliação crítica, há vários publicados na literatura e eles permitem
uma avaliação crítica, transparente, rápida e reprodutível. Os roteiros de avaliação
crítica para avaliar as avaliações econômicas incluídas numa revisão sistemática
geralmente contemplam quatro dimensões. A primeira é o delineamento do estudo.
Nesta, avalia-se a adequação da perspectiva do estudo, da pergunta do estudo de
avaliação econômica, o horizonte temporal e os comparadores utilizados. A segunda
dimensão é a questão da mensuração dos custos e dos desfechos em saúde. Aqui é
importante estar atento na qualidade dessas evidências se os desfechos saúde provieram
de revisões sistemáticas, ou ensaios clínicos de boa qualidade, se a análise de custo foi
feita com um método apropriado. Então todas estas questões devem ser verificadas com
bastante cuidado. A terceira dimensão é a análise e interpretação dos resultados. Aqui,
analisa-se o modelo analítico utilizado. Há vários, como árvore de decisão, modelo de
Markov, eventos discretos e modelos dinâmicos. Cada um tem as suas características e
são adequados para determinados cenários clínicos. Temos que verificar se aquele
modelo foi usado de forma adequada na condução da avaliação econômica.
Também é importante ter uma medida final que é a razão de custo
efetividade incremental pois esse é o resultado final de uma avaliação econômica, onde
se ponderam os custos incrementais com os seus desfechos incrementais. A última
dimensão refere-se ao conflito de interesses e aos aspectos éticos.
É importante verficar se os estudos receberam alguma fonte de financiamento de
alguma instituição que possa ter interesse nos resultados finais. Além disso, se os
estudos primários utilizaram dados de seres humanos é importante verificar se houve
a aprovação de um comitê de ética pesquisa.

Avaliação crítica de revisões sistemáticas

Revisões sistemáticas são a base para o desenvolvimento de protocolos clínicos e


diretrizes terapêuticas e também para informar políticas públicas, por isso, é importante
termos certeza de que a revisão sistemática foi conduzida de forma adequada e as
evidências são de boa qualidade. Há vários instrumentos para a gente avaliar
criticamente a condução de uma revisão sistemática, mas cabe ressaltar que a
revisão sistemática pode ser feita de forma adequada, com todos os critérios, com a
melhor prática nessa área, porém, os estudos primários podem ser de baixa qualidade, e
com isso, o resultado final vai ser uma evidência de baixa qualidade. Os instrumentos de
avaliação crítica de revisão sistemáticas são importantes porque eles fornecem roteiro
para fazer as análises sobre a qualidade da condução da revisão sistemática de forma
rápida, transparente, sistemática e reprodutível. Devemos fazer distinção entre dois tipos
de roteiros, aqueles para relato de revisão sistemática e os outros para avaliação
crítica. Os roteiros de relato não podem ser utilizados para mensurar a qualidade de uma
revisão sistemática, porque eles não têm essa finalidade, apenas eles indicam a
capacidade do pesquisador em relação à redação científica. Os instrumentos para
avalição crítica para revisão sistemática, geralmente, incluem questões sobre a pergunta,
se ela estava clara e factível de ser respondida, se o protocolo da revisão sistemática foi
registrado, se a busca por estudos primários foi detalhada e exaustiva, se os critérios de
elegibilidade foram apropriados para a pergunta da revisão sistemática, se a seleção e
extração dos dados foi feita de forma pareada e independente, se a qualidade
metodológica dos estudos incluídos foi feita de forma adequada. Relação à síntese, se
houve alguma agregação por meio, por exemplo, de meta-análise. Nesse sentido, é
importante que ela seja adequada e que tenha usado os instrumentos estatísticos
apropriados. Além disso, é importante verificar a heterogeneidade, se ela afeta essa
agregação dos resultados, além disso, é importante analisar o viés de publicação.

Qualidade metodológica dos estudos secundários


Estudos secundários compreendem aqueles que utilizam estudos primários para fazer
suas aferições.
Incluem-se aqui:
 Revisões sistemáticas
 Avaliações econômicas em saúde
 Diretrizes clínicas
 Relatórios de agências de avaliação de tecnologias em saúde
Há diversos instrumentos que podem auxiliar na avaliação crítica desses estudos, entre
os quais destacamos os mais usuais:
Tipo de estudo secundário Instrumento

Estudos de avaliação econômica em saúde Drummond 1996; Silva 2014

Diretrizes clínicas AGREE

Revisões sistemáticas AMSTAR 2; ROBIS

Relatórios de avaliação de tecnologias em saúde INAHTA checklist


AGREE - Appraisal of Guidelines for Research and Evaluation; AMSTAR - A
MeaSurement Tool to Assess systematic Reviews; ROBIS - Risk Of Bias In Systematic
reviews; INHATA - International Network of Agencies for Health Technology
Assessment
Semelhante à avaliação do risco de viés de estudos primários, a escolha do instrumento
deve ponderar características da ferramenta, sua capacidade de identificar vieses, a
habilidade e treinamento da equipe responsável pelo julgamento. Frequentemente são
examinadas essas características e disponibilizadas na literatura¹ ². Buscar por essas
pesquisas ajudará na decisão de qual checklist adotar.

Qualidade metodológica X qualidade da evidência


Um estudo secundário bem feito não significa que a qualidade da evidência é alta.
Uma revisão sistemática de boa qualidade não corrigirá os erros metodológicos
existentes nos estudos primários. A qualidade da revisão sistemática indicará o quanto
ela é confiável e adequada para as conclusões apresentadas. A qualidade da evidência,
como veremos no próximo módulo, avalia a confiança nos achados e parte do
pressuposto que a síntese da evidência foi adequada.
Ao avaliarmos o risco de viés de estudos secundários estamos verificando se os
processos de coleta das informações, análise e interpretação foram bem feitos e não se a
evidência é de boa qualidade.

Referências
1. Banzi R, Cinquini M, Gonzalez-Lorenzo M, Pecoraro V, Capobussi M, Minozzi S.
Quality assessment versus risk of bias in systematic reviews: AMSTAR and ROBIS had
similar reliability but differed in their construct and applicability. J Clin Epidemiol.
2018;99:24-32. doi: 10.1016/j.jclinepi.2018.02.024.
2. Pieper D, Puljak L, González-Lorenzo M, Minozzi S. Minor differences were found
between AMSTAR 2 and ROBIS in the assessment of systematic reviews including
both randomized and nonrandomized studies. J Clin Epidemiol. 2019;108:26-33. doi:
10.1016/j.jclinepi.2018.12.004.

BÔNUS – REVISÕES DE ESTUDOS PRÉ-CLÍNICOS E DIRETRIZES


CLÍNICAS

Entrevista com Luciane Cruz Lopes - estudos pré-clínicos

E: É, a sua carreira de pesquisa então iniciou na pesquisa básica, como você falou,
farmacologia. E como se deu esse processo então de passar dessa área para realizar
pesquisas aplicadas, pesquisas em seres humanos, pesquisas com revisões sistemáticas?

L: Então, isso aconteceu durante o meu convite para trabalhar junto ao Ministério da
Saúde e, na realidade, a gente já vinha buscando trabalhar com a parte clínica. Por
quê? Porque quando você é professor de farmacologia ou farmacodinâmica, você não
pode só ficar trabalhando com mecanismo de ação. Meu Deus do céu. Nenhum paciente
vai chegar na farmácia lá: " eu quero saber o mecanismo de ação desse fármaco". Então,
você tem que saber, você tem que saber linkar quando que o conhecimento biológico do
mecanismo de ação, ele é importante para tomada de decisão clínica com base nos
estudos epidemiológicos. Então, eu sentia muita, muita vontade de conhecer pouco
melhor os desenhos epidemiológicos que pudessem subsidiar o conhecimento da parte
farmacológica que eu tinha, que na realidade eu conhecia e conheço ainda pouco do
mecanismo de ação dos fármacos. Mas tem gap, tem uma janela muito grande entre
você ter um medicamento que reduza a pressão arterial porque ele é vaso dilatador e
realmente ele reduz ... alguns disfechos que são importantes, como a
mortalidade. Então, por exemplo, nifedipino, que a gente usou muito tempo Adalat
para diminuir a pressão arterial, a gente sabe hoje que ele é fármaco que aumenta o risco
de mortalidade, principalmente em determinados grupos de pacientes. É mesma coisa
que tratar qualquer dor e tal. Então, não basta você ter o conhecimento da categoria do
fármaco, do mecanismo de ação dele. Você tem que saber interpretar estudos
clínico, avaliar criticamente e a aplicabilidade dele para a saúde pública.

E: E você falou também que veio também dessa possibilidade de trabalhar no


Ministério, provavelmente nesse momento, da COMARE, né?

L: É, no momento da COMARE, eu percebi que se eu não me atualizasse, eu não me


envolvesse nos estudos de epidemiologia, eu não conseguiria coordenar a comissão e
etcetera. Foi aí que eu estabeleci relação com a McMaster no Canadá e eu fiquei de
2008 até 2013 desenvolvendo trabalhos para o meu pós doutoramento, onde eu vinha e
voltava de Hamilton, no Canadá. E eu fui aprendendo a fazer e analisar criticamente a
literatura para poder contribuir com a comissão que eu estava coordenando
também. Também a comissão me ajudou muito, tinha muita gente competente
nessa comissão que fazia a gente ler, fazia a gente interpretar pouco. Então, eu tive que
mudar necessariamente do básico... eu tive que mudar não, eu tive que agregar o
conhecimento do clínico ao meu conhecimento do básico.

E: Que aprendizados você tira então? Porque eu acho que é uma coisa muito completa
de ter tido experiência nessa área básica e agora na avaliação de tecnologias e
saúde, condução de revisões sistemáticas...

L: Olha, eu tenho uma opinião bastante crítica nisso. Por exemplo, a minha
formação, ela foi aquém daquilo que o farmacêutico precisa hoje, entendeu? Naquela
época, a gente voltava muito para o conhecimento da área básica. Hoje, eu vejo que
falta na formação, principalmente do farmacêutico, eu não posso dizer dos outros
cursos, mas no curso que eu estou mais envolvida, uma formação forte em avaliação de
tecnologia e saúde, forte em estudos epidemiológicos e forte em sabe no quê? De uma
farmacoterapia baseada evidência. Eu acho que farmacêutico fica muito preocupado
follow-up de farmacoterapia, mas o que ele tem que entender é fazer uma boa análise
crítica da literatura e usar os formulários que existem padronizados e validades para
fazer o seguimentos do paciente, mas ele tem que saber, ele tem que saber de clínica, ele
tem que saber daquilo que realmente funciona, e qual é a primeira, a segunda, a terceira
linha de tratamento? Embora isso seja trabalho do médico, não é só do médico. Quando
você faz follow-up do paciente, você precisa ter na sua cabeça o guideline, você tem
que ter na sua cabeça aquilo que realmente tem evidência, aquela evidência que foi
produzida com base conflito de interesse. Eu acho que eu resgato de todo esse
conhecimento é quais são os cursos hoje que no Brasil a gente pode dizer que o
professor de farmacologia, de farmacodinâmica realmente conhece esse trabalho clínico
e não fica trabalhando só com mecanismo de ação? Quais são os cursos que integram a
epidemiologia ou a avaliação tecnologia e saúde na farmacoterapia ou na
farmacodinâmica? Então, eu acho que isso para mim, por exemplo, eu revi toda a minha
forma de dar aula na graduação. Hoje, o meu formato de aula na graduação implica que
eu trabalho farmacocinética, farmacodinânica, mecanismo de ação, mas eu tenho,
necessariamente, que trabalhar quais são os desfechos que existe benefício no
tratamento usando aquele grupo farmacológico ou, especificamente, se não for efeito de
classe ou efeito daquele fármaco sobre a doença do paciente.

E: É, e o que é que você acha dessa área, então, juntando as duas áreas, aplicar revisões
sistemáticas na pesquisa básica, né? Você acha que é comum, por exemplo, antes de
delinear projeto de pesquisa original, de bancada, os grupos, por exemplo, se
debruçarem sobre a literatura e também planejarem uma revisão sistemática para então
desenhar melhor esse projeto dentro de uma lacuna de conhecimento, por
exemplo? Você acha que tem demanda desse tipo de revisões nessa área?

L: Nossa, se você olhar pouco a literatura que é produzida na bancada. Tem, eu posso
até te mostrar alguns slides, eu não sei se você vai querer ver os resultados, mas, por
exemplo, os estudos de bancada, eles têm viéses imensos e eles não conversam entre
si. O que pesquisador usa de dose ou o modelo que ele usa... ele pode até usar modelo
padronizado para estudar edema, que é dos sintomas do processo inflamatório, como
edema de pata ou efeito analgésico em cauda, etcetera. Então, tem vários modelos
experimentais aí. Ou úlcera induzida por etanol, úlcera induzida por algum
antinflamatório e tal. O que acontece é, você não tem ensaios animais
cegos, randomizados, é com análise estatística cega, realmente controlado a análise
como ela precisa ser feita e há uma preocupação que o modelo esteja seguindo o certo,
mas não há uma preocupação... E que todo o estudo esteja correto. Então o que a gente
percebe? Eu ja fiz umas duas, três revisões sistemáticas, a gente tá terminando de
rodar. É muito difícil você fazer uma metanálise disso. Porque a forma de coletar o
dado, ou de colocar o dado na tabela, ela é muito diferente de grupo pro outro, os
experimentos faltam informações que são importantes. O pesquisador acabou matando o
animal ou não reportando quando o animal morreu devido ao tratamento, os tratamentos
são administrados antes da indução, então você não tem realmente certeza se aquele
efeito se comportaria novamente da mesma forma depois que a pessoa já está com a
doença instalada. Então na realidade você tem, enquanto os estudos em animais são
feitos em um único laboratório, quando voce compara com o estudo clínico voce tem
estudos que são multicêntricos, voce tem uma consistência, uma robustez de estudo
clínico maior, então eu acho que é uma carência muito grande de estudos de revisões
sistemáticas consistentes, para que isso balize o próximo experimento do pesquisador
que vai para a bancada, e isso diminui o número de animais, diminui o número de
esforço jogado ao vento, já que pode existir uma literatura melhor sobre isso.
Isso respaldaria pesquisas que são translacionais, ou seja, onde a gente revê o uso de
medicamento que aparece efeito um pouquinho diferente, como foi o caso da
Talidomida, que a gente reinventou o uso da Talidomida. Acho que se a gente tivesse
prestado atenção pouco nos experimentos em animais ou feito uma boa revisão
sistemática avaliando a qualidade do estudo, que já mostravam esses aspectos
antes, agente pouparia tempo enorme e avançariamos em termos de ciência. Se você
olhar, tem pouca revisão sistemática feita em animal, você tem dois grupos importantes
no mundo, você tem o grupo do SYRCLE, que é na Holanda, e é junto com o pessoal da
Inglaterra e da Austrália, fundaram o grupo dos CAMARADES, e eles pularam alguns
checklists, algumas ferramentas para fazer a avaliação crítica de estudos em animais.
O nosso grupo está se capacitando para isso. Quais são os desafios para isso? Formar
pesquisador competente em fazer essa análise crítica. Sim. Entender, porque uma coisa
é o epidemiologista olhar pro estudo clínico, você ter médico ali ou especialista naquela
área e te ajudar a enxergar que desfechos além daqueles importantes de
hospitalização, mortalidade, seriam importantes para uma determinada
condução, porque os experimentos animais trabalham muito com desfechos
substitutos, que é medir epidemia, que é medir pressão arterial, e isso a gente sabe que a
gente precisava trabalhar, por exemplo, com indução de pressão. Até existem ratos já
modificados geneticamente que são hipertensos, mas precisava estudar pouquinho os
desfechos que são importantes. Ou seja, quanto tempo demora pro rato desenvolver uma
lesão renal, quanto tempo demora para uma mortalidade devido a evento cardiovascular
no animal, não tem quase estudos dessa natureza. Os estudos são, 14 dias, 20 dias, tudo
controlado no laboratório, e para medir desfecho substituto. Então falta gente
competente para desenhar os estudos da área básica, se você olhar alguns papers da área
básica você vê que falta objetivo, falta pergunta na pesquisa, e se você olhar teses,
dissertações, faltam perguntas nessas teses, dissertações que envolvam uma pesquisa
que pode ser por ventura utilizada mais adiante num estudo clínico e daria origem a
estudo clínico

E: É, e eu fico imaginando Lu, do mesmo jeito que você teve então, ao longo da sua
carreira, o contato com isso e percebendo essas fragilidades, eu vejo também o grande
potencial de uma pessoa, que ela pesquisa a base, que vai elaborar uma revisão
sistemática, de ela se apropriar disso e perceber que essa variabilidade é grande. Porque
muitas vezes está, como você falou, inserido num contexto de laboratório, e é assim que
é feito, mas vamos verificar a comparabilidade e vamos verificar as lacunas de
conhecimento, então eu vejo que aí tem potencial muito grande de a área crescer e ter
esse aprendizado, se a gente for ver lá atrás a área de epidemiologia clínica também era
super heterogênea, até aparecer os checklists, enfim. Você falando aí eu até me lembrei
de comentário que o professor Douglas Altman, que já faleceu, ele fala que ele fazendo
no Journal Club dele sobre ensaio clínico que disse assim: "os pacientes foram mais ou
menos randomizados". E aí ele escreveu pro editor da revista e falou "olha, não dá pra
ser isso", e o editor meio que ignorou, e isso ai lá atrás, e ai depois então o Douglas
Altman liderou, por exemplo, a iniciativa CONSORT para ajudar no relato de ensaios
clínicos, e hoje dia ninguém vai conseguir escrever que os pacientes foram "mais ou
menos randomizados". Então eu acho que é uma evolução natural, e eu acho que a sua
carreira também mostra isso, que é possível a gente melhorar, aprender com as outras
áreas também. Assim como a área da saúde também pode aprender com outras áreas
que, por exemplo, fazem a análise totalmente cega, faz a análise estatística sem
saber qual é o grupo, que é uma forma também da gente super induzir os resultados.

L: É isso, cegamento, randomização, alocação todos os cuidados que você ao usar a


ferramenta que o CAMARADES e o SYRCLE desenvolveram, você vai conseguir fazer
bom experimento. Pra começar da pergunta do experimento e aí, pra começar, quais
desfechos que menos intermediários possíveis, você pode colocar na sua pesquisa e que
pode contribuir depois para uma pergunta clínica, entendeu?

E: Verdade. Lu, gostei muito de conversar com você, e eu queria que você deixasse
então algum comentário adicional, alguma dica, sugestão, pros nossos alunos aqui do
curso.

L: Então, olha só, a gente tá tentando desenvolver metodologias nessa área, a gente tá na
3ª revisão sistemática com nosso grupo, e se vocês quiserem se associar a nós serão
super bem-vindos. É um trabalho de formiguinha, porque na realidade precisa formar,
capacitar, para depois essas pessoas talvez trabalharem no laboratório, ou com seus
grupos, capacitá-los para formar uma equipe que faça os ensaios experimentais pré-
clínicos de forma adequada para poder ser utilizado nessas revisões que vão subsidiar
outros pesquisadores, mas deixo meu contato aí e vamos trabalhar juntos.

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