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TRABALHOS

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Os Graus de Cavaleiro e batizado - síntese de que a Cavalaria
Templário e Cavaleiro de seria símbolo mais completo. Foi no
Malta das "Ordens Unidas próprio coração da época bárbara que
Religiosas, Militares e Ma- a Igreja começou a realizar essa união,
çônicas do Templo de São abençoando as armas de todos aqueles
João de Jerusalém, Palestina, que iam combater e propondo-lhes
Rodes e Malta" foram inspi- santos-e-senhas. Por volta do ano mil, o
rados nos ideais cristãos das sacerdote orava assim pelo adolescente
Cavalarias da Idade Média prestes a tornar-se guerreiro: "Ouvi, Se-
no século IX. nhor, as nossas orações e abençoa i com
a vossa mão majestosa esta espada que
O Cavaleiro! Entre todos
o vosso servo deseja cingir para poder
os tipos representativos da
defender e proteger as igrejas, as viúvas,
Idade Média, haverá algum os órfãos de todos os servos de Deus
que mais Impressione o espí- contra a crueldade dos pagãos, e para
rito e impressione o coração? amedrontar os traidores!" A partir de
Tudo que o homem traz em si meados do século XI, este ideal foi-se
de paixão animal e de vonta- aprofundando e cristianizando ainda
de de poder, tudo o que nas mais. No limiar do século XII, a institui-
zonas obscuras da sua cons- ção estava inteiramente estabelecida e
ciência, tende tragicamente era universalmente venerada nos países
para a violência e para a des- mais civilizados.
truição, encontra-se realizado O que era um cavaleiro? Que quali-
e ultrapassado nessa nobre imagem dade e virtudes se exigiam naquele que
do guerreiro justo e reto, nimbado usava esse título? Era um soldado, um
de intacta pureza, e cujo fim último é homem a cavalo (porque combater a
não tanto a vitória como o sacrifício, cavalo era um privilégio), um homem
não tanto o sangue derramado como o de guerra, cuja primeira vocação era o
sangue oferecido. combate. Mas era também um homem
A Cavalaria não nasceu em terra a quem se propunham princípios morais
cristã, mas nas tradições das tribos que ele se comprometia por juramento
germânicas, onde um jovem só usava as a defender, um homem que reconhecia
armas - capacete, escudo e lança - que existirem, acima da força, valores a
tivesse recebido da mão de seu pai ou que ele passava a dedicar-se. Desse
do seu chefe'. A Igreja trabalhou com modo, os mandamentos que regiam
lentidão para fazer da investidura mili- a sua vida traziam indissociavelmen-
tar uma espécie de sacramento que mais te unidas a marca militar e a marca
Irm:. Anatoli Oliynik tarde se tornaria a cerimônia em que se cristã. Como soldado, devia acima
Or:. Curitiba - PR armava um cavaleiro. Passaram-se sécu- de tudo ser corajoso, nunca recuar e
los até que se realizasse em todos os pla- enfrentar o inimigo onde quer que os
nos a íntima fusão das duas tradições - seus chefes dispusessem. Estes eram os
a do Norte selvagem e a do Sul, romano seus deveres de estado e, para que lhes

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a honra da categoria era apenas uma
forma particular da honra do cristão.
Todas as qualidades requeridas A honra devida a Jesus Cristo e a Deus
devia ser a sua honra; era por Ele que
no cavaleiro da Idade Média devia combater, sofrer e morrer. O cava-
leiro permanece fiel até a morte à causa
eram a aplicação prática dos de Cristo, e assim a fidelidade, que é
uma obrigação particular da Cavalaria,
mandamentos cristãos. torna-se uma obrigação cristã.

A entrada para a Cavalaria fazia-se


por meio de uma minuciosa e grandiosa
fosse inteiramente fiel, exigia -se dele chefes, rigoroso no cumprimento dos
cerimônia em que se armava o cavalei-
força física, saúde perfeita e destreza; seus deveres de vassalo. Era leal, odiava
ro. O seu caráter propriamente religioso
não havia mirradinhos ou homens de a mentira e olhava de frente a verdade,
mostra que a instituição era realmente
pernas tortas entre os cavaleiros. Mas como olhava o inimigo. Era caridoso,
uma Ordem; constituía uma espécie de
essas qualidades indispensáveis não devotado à proteção dos fracos, dos clé-
"sacramento". O cerimonial- podería-
eram suficientes. rigos, das mulheres e das crianças, e era
mos dizer, a liturgia -, simples no século
generoso com os que estavam sob suas
É tão gentil-homem como parece XI, não parou de se aperfeiçoar e de se
ordens, e mesmo com o inimigo. Ideal
aquele que tem ambas estas coisas enriquecer com símbolos. Os velhos
admirável, que nenhuma civilização
juntas: ritos germânicos, como o do banho
ultrapassou! É verdade que esse ideal
valor de corpo e bondade de alma. purificador e o da entrega da espada,
raramente foi alcançado e que as cobiças
continuaram a existir, mas integrados
o que entendia o ditado por "bon- humanas o prejudicaram muitas vezes,
num ritual místico, que tinha em vista
dade de alma"? As mais altas virtudes, mas já é muito que uma sociedade inteira
fazer sentir ao postulante a extensão
todas elas, tanto religiosas como as hu- o tenha considerado válido e que os seus
das responsabilidades que iria assumir
manas e sociais. A fé ocupava o cume, e melhores membros tenham procurado
perante Deus.
dava às outras o seu sentido e alcance. difundi-Io por toda parte.
Encerrado na igreja, no meio de um
Por ser um homem de fé, o cavaleiro Gustav Schnürer fez uma observa-
profundo silêncio, sozinho com alguns
devia venerar a Igreja e defendê-Ia em ção profunda sobre a mudança operada
círios que oram por ele a Deus, o jovem
todas as ocasiões, e era necessário que no próprio sentido da palavra honra.
Concluiu ele: "donzel'? vela e medita. Tem vinte anos
tudo aquilo que acometesse na dura
e está cheio de coragem e de energia.
tarefa das armas fosse feito por Deus.
A honra cavaleiresca cercou-se de Desde há muitos anos, na convivência
Se alguma vez um tipo de homem teve um prestígio particular; houve um gran- com o seu suserano, habituou-se a
o sentimento de viver sob o olhar de de progresso moral na formação, levada andar a cavalo, a manejar a espada e a
Deus, foi certamente o cavaleiro perfei- a cabo pela Igreja, desta concepção da derrubar com a lança o boneco de pano
to, tal como o encarnavam um Godofre- honra, progresso não só em relação que representa o inimigo.
do de Bulhões, um Balduíno o Leproso ao passado imediato, mas mesmo em Na noite da véspera, devidamente
ou um São Luís, ou seja, o soldado que relação à Antiguidade. Na Antiguidade confessado, toma banho numa cerimô-
entregava antecipadamente a vida e a pagã, a palavra honor não significava nia, para que o corpo e alma estejam
morte nas mãos do Todo-Poderoso. senão prestar honras exteriores. Essa igualmente limpos, e veste uma longa
ideia foi aprofundada. As honras ex- túnica como que para um segundo
COMO SE ARMAVA teriores só deviam ser prestadas àquele batismo, pois efetivamente propõe-se
UM CAVALEIRO que as merecesse interiormente, ao entrar numa vida nova.
homem de honra que tivesse a digni- Na manhã do grande dia, a longa
Todas as qualidades requeridas dade de si mesmo. O essencial na nova cerimônia vai desenrolar a sua pompa
no cavaleiro da Idade Média eram a concepção era, portanto, o laço que passo a passo. Chegam as testemunhas,
aplicação prática dos mandamentos se estabelecia entre a honra exterior e geralmente doze, todas conhecidos ca-
cristãos. Era fiel, devotado aos seus a dignidade interior. Para o cavaleiro, valeiros, bem como a família e todos os

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vizinhos. Um alto dignitário da Igreja do antigo Ritual germânico. A seguir, Cavaleiro de Malta. Por volta do ano
celebra a missa, rodeado por numeroso pronuncia a fórmula consecratória, que de 1777, nas Ilhas Britânicas (Irlanda)
clero. Depois de a sagrada comunhão começa com uma invocação a São Mi- foram encontrados registros das ativi-
ter confirmado nele as resoluções da guel e São Jorge, e o jovem é admitido dades do Cavaleiro Maçônico Templá-
piedosa vigília, começa a cerimônia. na Ordem de Cavalaria. Depois de cin- rio. Em 1791 se constituiu um Grande
Diante do padrinho, o postulante gir a espada, o novo cavaleiro perfila-se Conclave. Todavia, somente em 1845 se
declara que quer entrar para a Cavala- diante do altar e, com a mão direita registra um crescimento efetivo das Or-
ria. As testemunhas vestem-lhe o novo estendida, presta o seu juramento. dens Unidas em torno de um GRANDE
hábito: duas delas põem-lhe uma farda Esta era a solene mistura de Ritos PRIORATO na Inglaterra, mas este é
de tecido espesso, apertando cada uma militares e litúrgicos que constituía a um assunto para outra ocasião.
das mangas, outra veste-lhe a loriga, cerimônia de ingresso na Cavalaria, e
outras duas colocam-lhe uma espécie nada melhor do que ela para assinalar NOTAS
de fraldão de ferro e ainda outra as es- o modo como a Igreja introduziu o seu 1 Germânia de Tácito, capo XIII.
2 Na Idade Média, moço ainda não armado
poras. Enquanto colocam cada uma das ideal naquilo que, no fim das contas, cavaleiro.
peças, lembram-lhe que essa armadura não passava de uma simples formalida- 3 Esta pancada chamava-se em provençal cola-
da. Dava-se-lhe também o nome de palmada,
deve "servir retamente a justiça" e ele de de incorporação. porque a princípio se dava com a mão.
responde de cada vez: "Que Deus me Alguns séculos mais tarde, a tradição
faça assim!" das Cavalarias inspirou as "Ordens BIBLIOGRAFIA
O padrinho aproxima-se agora com Unidas Religiosas, Militares e Maçônicas
DURANT, Will. A História da Civilização.
a espada desembainhada e estende-a ao do Templo de São João de Jerusalém, 2. ed. Rio de Janeiro: Record, V. IV, s/d.
donzel, para que a beije. Depois bate Palestina, Rodes e Malta" na criação PETIOT, Henri. A Igreja das Catedrais e
com ela nos seus ombros', em lembrança dos Graus de Cavaleiro Templário e das Cruzadas. São Paulo: Quadrante, 1993.

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