A VIDA NO CARMELO - MONS. ASCÂNIO BRANDÃO - 2 A VIDA NO CARMELO
Cristais - 2023 Design Editorial: Ivayr Saraiva
Trínita Edições Sacras
A VIDA NO CARMELO 3
CLAUSURA
A Carmelita vive em perpétua clausura. Fechada atrás das
grades austera do Mosteiro. Estas grades de ferro ainda tem por detrás um longo véu espesso e de cor escura, de modo que ninguém chega a ver as monjas. No locutório, como na Ca- pela, rezam, conversam sem serem vistas. Apenas em circuns- tâncias excepcionais e para a família e os mais íntimos é per- mitido falar nas grades do locutório sem a cortina. Observam rigorosamente a regra da Clausura Monástica- “nec videre, nec videri - nem ver nem ser vista”.
As grades do coro dão para o altar mór da Capela ao lado direi-
to e atrás delas um véu escuro, porém transparente para deixar ver as cerimônias. Clausura perpétua. A Carmelita nunca mais sai do Mosteiro em que voluntariamente professou. É a regra geral. Uma vez abandonado o mundo e recolhida naquela Ar- ca-Santa, como a chamava Teresa, jamais poderá ver ou viver as agitações da vida aqui de fora. Realiza-se a palavra de São Paulo: - “Está morta e escondida em Cristo Jesus.” Quando, por qualquer motivo necessário de- vem se apresentar sem serem vistas por estranhos ao Mosteiro, descem o véu sobre o rosto, e ocultam a face. Dentro do Mos- teiro, além dos limites da Clausura, ninguém pode passar, sob penas canônicas muito severas. Apenas o médico, operários, 4 A VIDA NO CARMELO
jardineiro, etc., em serviço das profissões.
A Carmelita observa uma das Clausuras mais rigorosas da vida
Monástica. Quando, encantada pelas belezas das montanhas da Suíça, a Teresinha contemplava as maravilhas do céu, lem- brava-se então da austera Clausura do Carmelo: “Como posso descrever as impressões que em mim despertava aquele espetá- culo tão poético e tão grandioso? Antevia, escreveu ela, então, as maravilhas do céu...”
Representava-me a vida religiosa tal qual é na realidade, com
o seu cortejo de sujeições e de pequenos sacrifícios quotidianos praticados na solidão. Compreendia quão fácil é, então, descer do primitivo fervor, recuar, e esquecer o fim sublime da própria vocação e refletia comigo: “Mais tarde, nas horas de provação, quando prisioneira no Carmelo, já não puder descortinar mais que um pedacinho do céu, recordar-me-ei do dia de hoje; a lem- brança deste quadro me infundirá coragem. Nenhum caso farei já dos meus mesquinhos interesses, lembrada da grandeza e do poder de Deus; a Ele só hei de amar e não terei a fraqueza de me apegar a coisas de nada, depois que o meu coração entreviu o galardão que reserva para quem deveras o ama”. A VIDA NO CARMELO 5
SILÊNCIO
O silêncio foi e será sempre uma das bases da vida ascética. Os
Mosteiros Carmelitanos são oásis de recolhimento em meio do barulho ensurdecedor da vida no mundo. A alma de Teresa sentia necessidade deste silêncio para amar a Jesus e se imolar pelos pecadores e a santificação dos sacerdotes, para viver de meditação”...
A Carmelita passa todo o seu dia no mais profundo silêncio
absoluto, a exceção apenas de duas horas de recreio.
Há um depoimento no Processo de Canonização de Santa Te-
resinha, escreve o Pe. Petitot, O.P., que mereceria ser escrito em letras de ouro no frontispício de todas as obras sobre a vida ascética do Anjo de Lisieux:
“O seu grande meio para a perfeição era o silêncio. Tinha-o
aprendido da Santíssima Virgem, cujo exemplo a arrebatava de admiração, principalmente quando a Virgem preferiu sofrer uma suspeita a desculpar-se junto de São José, revelando-lhe o Mistério da Encarnação. Como Maria, gostava de guardar tudo no coração, alegrias e tristezas. Esta reserva foi a sua for- ça e o ponto de partida da sua perfeição, como também o selo exterior que a distinguia do comum pela grande ponderação”. 6 A VIDA NO CARMELO
Nos primeiros dias de entrada no Carmelo deram lhe como
guia para lhe ensinar a rezar o Ofício Divino, a Irmã mais velha, Soror Maria do Sagrado Coração. Três semana depois Teresa a dispensava: - Minha Irmã, agradeço-lhe a caridade. Gostaria tanto de conversar com a senhora, mas devo me pri- var desta consolação. Já não estamos mais nos “Buissonnets”. A jovem Carmelita dava lições de observância fiel ao rigoroso silêncio do Carmelo.
Observemos ainda que além daquelas duas horas de recreio a
Carmelita só pode falar, em absoluta necessidade, e há um có- digo de gestos para traduzir o que deseja ou precisa, sem que- brar o silêncio. A VIDA NO CARMELO 7
ORAÇÃO
O Carmelo é a montanha santa onde, como no Sonai, a fi-
lha de Santa Teresa ora e sofre pelo mundo pecador. Duas horas de profunda meditação, uma pela manhã e outra a tarde após o “Angelus” ajoelhadas no “coro” diante do Santíssimo Sacramento.
A Carmelita está obrigada como os sacerdotes, a recitação do
Breviário ou Ofício Divino. A salmódia é o encanto das almas desejosas de viverem unidas a Igreja pela oração pública e uni- versal do Ofício. Longo tempo dividido pelas horas canônicas, passam as Carmelitas no coro a entoar louvores a Deus. Obser- vam fielmente todas as prescrições litúrgicas do Divino Ofício. Se erram ou se distraem a ponto de perturbar a oração, são logo punidas com algumas penitências. Dentre estas a maior é a prostração completa com os braços em cruz e estendida no pavimento sagrado. Teresa achava na oração do Ofício Divino, o enlevo de seu coração abrasado no desejo de amor a Nosso Senhor. 8 A VIDA NO CARMELO A VIDA NO CARMELO 9
PENITÊNCIAS
A vida no Carmelo é toda de oração e penitência. A regra
prescreve austeridades cuja prática exige almas fortes e generosas. O jejum vai da Festa da Exaltação da Santa Cruz, em 14 de Setembro até a Páscoa, sem contar os jejuns da Igreja e as Vigílias. Nunca podem comer carne, a não ser um caso de enfermidade. Há jejuns a pão e água na semana Santa. As Carmelitas tomam a disciplina que fere o corpo já tratado com tamanha austeridade. Estas disciplinas em que os açoites são tão doloridos, Teresa as tomava com todo rigor e muitas vezes as lágrimas de dor brotavam-lhe dos olhos. Em tudo queria a perfeição. Fazia com que tal disciplina a mortificasse o mais possível.
As prescrições do Carmelo são mortificantes para a natureza.
Não permitem qualquer conforto. Assentam-se as monjas sem se encostarem, passam longo tempo de joelhos. Repousam so- bre os calcanhares sem cadeiras ou poltronas. Executam tra- balhos grosseiros de cozinha, lavanderia, e asseio da casa. O alimento é grosseiro e de pobre em uma só refeição, embora forte e substancial. A cela de uma Carmelita é paupérrima. Um enxergão sobre três tábuas duras e uma grossa manta que a co- bre, e tanto serve para frio como para o calor. Uma cruz nua 10 A VIDA NO CARMELO
à parede. Nesta cela pobre e sem conforto passa a monja em
recolhimento, oração e trabalho, boa parte do dia.
Deita-se depois das 23 horas, após haver recitado o Divino Ofí-
cio no coro e às quatro e quarenta e cinco da manhã já está de pé para recomeçar a luta. Em jejum absoluto recita o Breviário, assiste a Santa Missa e recebe a Santa Comunhão. Só vai tomar a primeira refeição às onze horas.
O hábito que traz é grosso e pesado, muitíssimo sem conforto.
Teresa tão delicada e frágil sentia grande incomodo dentro da- quele enorme burel. No tempo de calor é extremamente quente e no frio não aquece suficientemente. Enfim, a vida no Carme- lo é toda crucificante para a natureza. As observâncias da regra de Santa Teresa foram feitas de molde a formar almas heroicas e santas.
No Carmelo se celebram todas as solenidades do Ano Litúr-
gico, algumas delas com cerimoniário próprio da Ordem. A Semana Santa tem nos Mosteiros Carmelitanos especial fer- vor. Penitências, austeridades peculiares sobretudo no grande Tríduo.
A guarda do Sacramento Augustíssimo e de toda noite de Quin-
ta para Sexta-feira Santa, em que passam as monjas acordadas. Começam as cerimônias da grande Semana pela benção dos Ramos e a Procissão de Ramos no interior do Convento. Há piedosas procissões litúrgicas, como a das velas no dia 2 de fe- vereiro, e outras extra-litúrgicas em honra da Virgem Santíssi- ma, embora estas mais raramente.
Eis a vida austera de um Carmelo. Acrescentemos a tudo isto
as mortificações voluntárias e que dependem da generosidade de cada uma, e imaginemos quanto a alma generosa de Tere- A VIDA NO CARMELO 11
sa, além da fidelidade absoluta à “Regra” as teria acrescenta-
do nas lutas heroicas e íntimas para a conquista do seu grande ideal, “Amar a Jesus para dar-lhe almas, almas de sacerdotes e almas de pecadores”. Excerto do Livro; Santa Teresinha do Menino Jesus, Monsenhor Ascanio Brandão. Capítulo XIX, “A vida no Carmelo”. Páginas 200 à 206. 12 A VIDA NO CARMELO