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Ideias 18 Jornal Angolano de Artes e Letras | Quarta-feira, 27 de Março de 2024

Março Mulher
fotos dr

Esperança M.

N
Luieca Ferraz*

a ânsia de querer andar contigo,


verdadeira mulher empoderada,
tu que não tens um “papoite” na
cozinha para te pagar as contas,
de repente me lembrei da carta
que Paulo Flores escreve à sua
querida mãe. Tal como ele, preo-
cupo-me com a nova canção quo-
tidiana da mulher empoderada,
que anda na boca das senhoras
e das meninas desta vasta Ango-
la, que neste mês de Março, irá
com frequência aparecer nas re-
des televisivas.
Nos panfletos das ruas de Luan-
da, em todos os cantos das distin-
tas cidades de Angola, vêem-se
fotografias nas plataformas digi-
tais e a escrita do slogan “Empo-
derada”, termo do qual derivou
um outro, “AS PODEROSAS”,
também muito popular, apresen-
tado por aquelas manas bonitas
enfatadas ou seminuas, nas pro-
pagandas do marketing indivi-
dual em busca do mediático apa-
recimento popular nas redes so-
ciais, onde cada uma delas exibe
o bem e o mal que muitas podero- Na narração da temática “MULHER-AÇO”, Irene A’mosi retrata aquilo que a mulher da periferia faz no seu dia a dia
sas usam para influenciar aquelas
manas que, no intuito de rapida-
mente atingirem o número de se-
guidores pretendido, partem para
A zungueira

Uma cosmovisão de mulher


o absurdo, em busca do paraíso
perdido por Adão e Eva.
Mãe! Oh, minha querida mãe,
como diz Paulo Flores, eu não

angolana empoderada
quero falar das empoderadas dos
escritórios nem das famosas mu-
lheres socialmente bem sucedi-
das, pois o termo em si adequa-
se a elas. Assim, busquei um
pouco mais e quero trazer aqui A maioria dessas empodera- lo que é o quotidiano da mulher Luanda no nosso dia a dia, de Ja- É recomendável que sejamos
a minha humilde compreensão. das é mãe solteira, sem apoio ne- angolana e a sua forma de sobre- neiro a Dezembro, desde o ama- solidários com as outras mulhe-
Se olharmos para o dicionário, o nhum do pai das crianças; outras vivência nas periferias de Luanda nhecer a altas horas da noite com res, não só no mês de Março,
significado de empoderada está possuem um parceiro que não “Empoderamento Feminino colec- bacias à cabeça, uma imagem de mas também noutras etapas da
relacionado com “poder”, isto é, “bumba”, mas que lá no bairro tem tânea de textos de uma autora jo- autoridade, apesar da sua condi- vida, assim estaremos a cami-
alguém que conseguiu adquirir mais duas empoderadas que par- vem da praça angolana. ção de pequenez, condição caren- nhar para um verdadeiro “Em-
poder de alguma coisa; alguém tilham a comida a fim de os kan- Ao ler esta colectânea, obser- te de dependência, de submissão; poderamento Feminino”.
poderoso que possui o domínio dengues terem pelo menos a bi- vei que no texto, a fala da autora no entanto, arregaça as mangas Querida mãe, quero te mos-
da sua própria vida, que conse- lada e o conduto. Por conta des- reflecte a cosmovisão da mulher e sai em busca da sua subsistên- trar o que Irene A’mosi escreve
gue ter o autodomínio, ou seja, se cenário, fiquei inquieta elem- periférica, aquela que me reveste cia. São essas empoderadas sem no seu texto. Vê só estes peque-
que ganha o seu auto-sustento, brei-me de olhar para uns textos este Março Mulher, aquela que, a medo da vida, que enfrentam as nos extractos da narração da te-
dona da sua própria vida. Em con- angolanos que condizem com a meu ver, enfeita a cidade de Luan- vias e muitas vezes trazem lágri- mática “MULHER-AÇO”, em que
sequência disso, resolvi olhar e minha humilde forma de “galar” da às primeiras horas do dia e ali- mas de tristeza aos seres sensíveis se busca aquilo que a mulher da
caminhar com aquela mulher que este “mambo” de empoderadas menta os transeuntes. De acordo que as vêem circular pelas ruas periferia faz no seu dia a dia e co-
sai à rua com negócios peque- que enche a boca de muitas gari- com o que quero compreender de com crianças ao colo a chorar; é mo ela se empodera.
nos, que começa, muitas vezes, nas aqui na banda, mas que não “O Empoderamento Feminino”, a elas que, na vertente Março Mu- A partir do título Mulher-a-
com mil Kwanzas, ou procura conhecem o seu real significado. compilação de textos de Irene lher, quero com elas caminhar e ço, vê como ela usa a figura do
vender o negócio de outrem pa- Quero, por isso, partilhar con- A’mosi, esta jovem escritora do fazer a minha devida vénia, neste aço, que é um material resis-
ra poder ganhar e dar de comer vosco uma colectânea muito inte- Slam Poetry angolano, com qua- mês em que as festividades ocor- tente, versátil e durável, um
aos seus filhos à custa de muito ressante do nosso contexto luan- tro textos, sendo que os dois pri- rem muitas vezes com as “empo- elemento fundamental em vá-
sacrifício, com este nível de vi- dense que condiz com a minha for- meiros acarretam uma carga nar- deradas” que já são “poderosas” rios sectores-chave para o de-
da cada vez mais apertado para ma de perceber este “mambo” do rativa da imagem figurativa das no meio circundante em que fun- senvolvimento de uma socieda-
qualquer uma. “empoderamento feminino”, aqui- personagens que circulam por cionam e convivem. de. Trata-se de uma compara-
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Março Mulher

o negócio todo, não recebem


o seu pagamento e são obriga-
das a regressar a casa desespe-
radas. Além disso, as compras
do jantar são feitas na hora de
regresso não importa o horário
de saída, passam pelo mercado
no horário nocturno, na chama-
da praça da noite, a conhecida
hora do arreiou, para comprar
o jantar avaliado em mais de
quinhentos Kwanzas, mesmo
comprando aquilo que é o bá-
sico. Não estraga nada, se não
for um bife, na medida em que
elas entendem que o mais im-
portante é enganar a lombriga
e não alimentar-se. Elas que ao
amanhecer partem em busca de
uma solução para o pagamento
da propina de 1000 kwanzas, na
escola localizada naquele bair-
ro de difícil acesso para os seus
petizes, a fim de que eles pos-
sam aprender a ler e escrever,
na esperança de um futuro dife-
rente da sua empoderada mãe,
que sofre com o sol, com a chu-
va e com o kibidi do fiscal, que
também quer lucrar com o pou-
co que mal chega, e ainda assim
corre o risco de levar um tiro ou
morrer electrocutada numa des-
sas ruas perdidas.
Como alguém terá afirmado em
cadeia televisiva,“há famílias de 8
membros, em Angola, que vivem
com 500 kwanzas”. Andei, por is-
so, pelo Benfica e conversei com al-
gumas zungueiras, e descobri que
muitas delas zungam negócios das
ção muito forte, pois sabemos da com o pano da cintura pendu- O segundo texto femininas, as Marias dos Calun- patroas, saindo de casa “só com a
que a mulher é tão empodera- rado no ombro do lado esquerdo. dus de Damásio. vida”, como se diz aí na gíria. Vão
da desde a sua procriação, que No rosto, gotas secas de lágrimas
de Irene A’mosi, No que diz respeito ao pro- à procura de emprego para vender
dela depende a continuidade corriam”… “já com a banheira no SEXO FRÁGIL, cesso de formação de palavras, nas ruas, locais dos quais provém o
da espécie humana. Essa é a chão, pediu-me de volta o troco do empoderada é um vocábulo de- seu salário no final do dia.
mulher que “vende banana fri- dinheiro que disponibilizara para
condiz muito com rivado por parassíntese, que Querida mãe, resolvi invocar
ta, assada e fervida”. ”Mulher o almoço” …“crianças suas e das a forma como é numa das suas definições mais a Maria dos Calundus, de Ma-
de pulunguza”, “sangue quen- vizinhas corriam em direcção à próximas está atrelada a classes tias Damásio, para dizer que es-
te correndo nas veias”. banheira para cassumbular o bo-
vista a mulher na desfavorecidas. sas mulheres que trago nesta re-
Mãe, vê o quanto Irene A’mo- cado de banana frita que restara sociedade. Sexo As empoderadas são as mulhe- flexão são autênticas Marias dos
si busca demonstrar o potencial da venda. E, ela dizia - saiam daí res que enchem as ruas de Luanda Calundus, com sarilhos em suas
dessas empoderadas. “Ora ba- não me comam os lucros… Ma-
frágil simboliza desde as periferias às zonas urba- vidas, “não sei se é de pouca sorte
tom, ora lápis, mas sempre ma- mã era calculista, uma verdadeira aquela que não nas, com bacias à cabeça e crian- ou se é mesmo da avó”, mas elas
quilhada com a poeira da Calem- economista também. Tão calcu- ças nas costas com sede e fome, carregam mesmos dikulos que
ba. Ora zungueira, ora domésti- lista que comprava sal contando
possui força em dias ensolarados ou chuvosos, só com “Nzambi” dá para aguen-
ca, mas sempre jeitosas. Estou com as vezes que a vizinha da casa física, mas que é que enfeitam e ao mesmo tempo tar tanto sarilho, desde o próprio
a falar da tia Maria, a nossa su- ao lado viesse pedir um bocado”. entristecem o olhar das poderosas pai que fica com as crianças,que
perwoman, mulheraço de aço, que Viste, mãe? A maioria destas
a empoderada, a solidárias que empoderam muitas muitas vezes é o próprio demónio,
se a vires descalça por aí de pei- empoderadas tem um nível bai- força motriz das destas empoderadas. As zunguei- que as assusta ao ponto de engra-
to pra fora, por favor, não te rias xo de escolaridade, mas são exí- ras, do meu ponto de vista, são as vidá-las, sem medo dos estragos
dela.” Mãeeeee, viste? Eu, neste mias economistas e fazem um tipo
famílias autênticas guerreiras, merecedo- mentais que faz na vida dessas
Março descalcei os meus saltos de poupança que nem imaginas; ras desta nova canção quotidiana futuras mulheres.
e entrei no Bita, talvez eu não te- muitas guardam diariamente cem que é o Empoderamento Feminino. Querida mãe, é por isso que
nha pulunguza delas, mas vi lá kwanzas daquelas kixiquilas bási- Como vimos acima no extrac- me dirijo àquelas empoderadas
muitas rainhas Nzinga e Kimpa cas e assim vão se empoderando. to da colectânea de Irene A’mo- dos escritórios que possuem voz,
Vita, Irene A’mosi. Não é só a falta de nível de es- si, que retrata a vida dessas mu- para lhes dizer que a solidarieda-
Ao passo que o segundo tex- colaridade que coloca essas mu- lheres que alimentam várias bo- de não pode ser feita somente no
to de Irene A’mosi, SEXO FRÁ- lheres na rua, mas também a falta cas, diambulando pelas ruas de mês das festividades da mulher,
GIL, condiz muito com a forma de oportunidades. Não obstante, Luanda, e que em muitos casos isto é, no “MARÇO MULHER”.
como é vista a mulher na socieda- elas encontram a melhor forma são empregadas de outras empo- Logo, precisamos a cada dia em-
de. Sexo frágil simboliza aquela de sobrevivência nas ruas, ven- deradas com pequenos negócios, ponderar as mulheres, cada uma
que não possui força física, mas dendo de entre vários produtos que as pagam para venderem os na sua zona de conforto, seja na es-
que é a empoderada, a força mo- para sustentar os seus filhos e a pequenos negócios. crita, na saúde ou na economia…
triz das famílias. Mãeeeee, vê is- si mesmas. É digno que elas se- Elas esperam pelo salário-
to: “Mamã chegou a casa cansa- jam chamadas de empoderadas diário, pois se não venderem * Professora da Uniluanda

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