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jornal das miudezas

o presente é um recém-nascido com séculos de vida

desde 2018 edição 3

reportagem editorial

daqui para a gente


a frente, ainda quer
um passeio mais vida
veemente a caminhada
de olho na pela praia
beira do copo, interrompida
a sabedoria por uma
dos idiotas e água-viva
a hilda vêm ofegante
atiçar nossa de desejo e
valentia radicalidade
página3 página2

correspondentes
o catálogo dos tesouros da rua
e a rebeldia na geladeira página4

ato poético

toda
semana
visitar
o cavalinho fica onde quiser um lugar
tirem o cavalo da chuva, onde
ordenaram. nunca
não só não tiramos o cavalo da chuva, estive
como também saímos de casa para lançar antes
nossos corpos no aguaceiro com o animal,
e brincar com a perplexidade que nos olhava. página2

breve entrevista clamor denúncia movimento cabelos

nossa voz ardente como o mistério meu último substâncias tendências


o sol das malangas vertical pedido tectônicas nos salões
página2 página3 página3
página2 página4
2 miudezí edição 3 jornal das miudezas

q u a d r i n h a

o presente é um recém-nascido com séculos de vida escutar


publicado desde 2018 - criação de sorver versos
www.sorverversos.com
p a r a
prosa@sorverversos.com
@sorverversos se envolver
diretor de redação: andré gravatá
diretora de arte: serena labate se envolver
conselho editorial e revisão: aline oliveira, elidia novaes e luis ludmer
correspondentes desta edição: aline oliveira, amanda cavalcante, p a r a
camila haddad, débora lima do carmo, fernanda doubek, giulia spina,
isabella marques, nathalia fernandes, paulo ludmer e vivian nantes escutar
uma homenagem: dedicamos este jornal para bel santos mayer,
pela sua defesa da literatura como direito humano

agradecemos pelo apoio da “diálogos – viagens pedagógicas”, por


enfrentar
confiar na força das miudezas (www.dialogosviagenspedagogicas.com.br)
p a r a
uma radicalidade
entender
era para ser apenas mais uma caminhada pela praia. sozinho, cedo, os
pés na mania de afundar. algumas conchas na areia e, de abandono, uma
garrafa, um palito de sorvete. e uma água-viva. assim diante da água-viva
atracada na areia, um tanto murcha, primeiro incomodou o receio de entender
pisar nela, então os pés riscaram um passo atrás. num segundo instante,
me agachei pois a água-viva se movia com sua fraqueza que escapava p a r a
um magnetismo, ela na areia mais seca, e pela primeira vez presenciei,
debaixo de um céu agudo, o corpo de uma água-viva nos seus estertores. enfrentar
estertores: invadia inteira na água-viva essa palavra séria e volumosa
para dizer da agonia perto da morte. não dava para achar contornos
ato poético
humanos na água-viva, não reconhecia nariz ou olhos ou pernas, nada
tinha precedente naquele corpo em ponto terminal, todo excessivo de toda semana nunca
vida, morte e silêncio. ela se movia como quem arqueja, um cão ofegante
sem língua nem boca. aquela água-viva, quase água-morta, murmurava:
até nos últimos segundos, a gente ainda quer mais vida. a gente quer
mais vida sempre. e o desejo por mais vida é uma radicalidade em nós,
uma coragem de bicho para não esquecer. aquela água-viva desabou
em mim todo seu desejo por vida.

copiar o senhor que um dia me disse:


“toda semana visito um lugar onde nunca
estive antes”.
breve entrevista sobre vozes ardentes
previsão do tempo
os olhos da poeta moçambicana noémia de sousa são “órbitas vazias
no desespero de possuir vida”, como ela mesma diz. noémia nasceu
numa época em que moçambique ainda era colônia de portugal e suas
palavras são luas cheias nas noites mais escuras.

jornal das miudezas: como se levantaram as vozes do seu povo?


noémia de sousa: nossa voz ergueu-se consciente e bárbara
sobre o branco egoísmo dos homens
sobre a indiferença assassina de todos.
nossa voz molhada das cacimbadas do sertão
nossa voz ardente como o sol das malangas
nossa voz atabaque chamando
a gota
nossa voz lança de maguiguana
se desprende da nuvem
nossa voz, irmão, e se arremessa
nossa voz trespassou a atmosfera conformista da cidade vertical no desconhecido.
e revolucionou-a a chuva é um clamor
arrastou-a como um ciclone de conhecimento. para nos entregarmos
[versos do livro sangue negro, de noémia de sousa, publicado pela editora kapulana] totalmente.
jornal das miudezas edição 3 firmamento 3

coluna social obituário


tem muita gente

- tem muita gente que acorda cedo e não entende de orvalho,


assim diz a dona maria.

reportagem em três atos


daqui para a frente, um passeio veemente
1. 2.
tempo de cobertores na casa do sol, quase a gente interrompe a
onde viveu a poeta hilda hilst, em história com a desculpa do sono. os
campinas, no interior de são paulo. contornos da mosca inchavam sob
antes de dormir na noite em que nossos olhos. salar tentava afastá-la
nos hospedamos por lá, resolvemos com a mão, mas começou a “sentir
ler uma história no quarto quase um prazer com as visitas da mosca,
todo escuro se não fosse o pequeno mesmo que ela bebesse um pouco
abajur. o livro “a sabedoria dos do seu suco. ele assistia a mosca
idiotas” era uma companhia na dançar e costumava passar muito
mochila naqueles dias, de um autor tempo pensando nela”. quanto
indiano chamado idries shah. uma mais a mosca espichava, mais salar
história aleatória nos escolheu: “a se sentia fraco e nosso cansaço se
mosca dourada”. multiplicava. salar golpeou a mosca [fotos de aline oliveira]
agitação de vento lá fora e de e ela voou para longe, dizendo:
início se apresenta um homem “você foi ingrato comigo...”. “no meu velório, falem do alívio que era minha
chamado salar. “um dia, ele largou logo retornou. a luz no abajur sombra e da denúncia que é a minha seiva.”
seu copo de suco na mesa e uma revelava a mosca de novo entre
mosca minúscula, dourada e nós. descomunal, desceu do teto classificados
cintilante, pousou na borda do copo como um homem com duas mãos o f e r e ç o : p r o c u r o :
e deu um gole”. a mosca repetiu o gigantescas estendidas. empurrões no meu corpo as
mesmo ato outros dias e começou a mosca matou salar e cobriu nossa afetuosos substâncias antigas
vagarosamente a crescer de corpo. noite de assombro. para quem que me fazem
hesita em afirmar parente das placas
3. passos atrevidos tectônicas
um zumbido continuou na mente
até de manhã, quando um verso
num canto da casa, de autoria p r u m o p a r a o r u m o
da hilda, se levantou como um
as palavras nunca serão suficientes.
tapa para afastar a mosca de vez
os gritos de dor, de ira,
e atiçar uma renovada valentia
continuam meios de dizer:
daqui para a frente: “por que
as palavras não chegam
não tentas esse poço de dentro/
onde a carne mais sofre e anseia.
o incomensurável, um passeio
veemente pela vida?”.
as palavras nunca serão suficientes e são preciosas.
que nasçam em nós mais palavras que convocam
* no relógio da casa do sol, a voracidade capaz de estender a mão.
palavras são mais importantes
do que números. a “firmeza permanente” é uma espécie
de expressão que não se esquiva.
mas com a impermanência talhada
flagrantes na nossa data de validade,
a palavra “permanente” dura pouco
aqui onde a morte é o desfecho de todos.

só que a expressão “firmeza permanente”


foi esculpida pelas mãos de trabalhadores,
conhecidos pelo nome de queixadas,
durante uma greve de sete anos,
de sete incontáveis anos
em que a “firmeza permanente”
se tornou a maneira de traduzir
e sustentar um rumo de não-violência ativa,
a maneira de dilatar a palavra “permanente”
casa de pássaros é demolida para rachaduras se unem contra a em outro contorno de dizer:
dar espaço a novo empreendimento especulação imobiliária requerer o máximo é o meu risco.
jornal das miudezas edição 3 tramas 4

correspondentes

plantão miudezas
cabe mais nas
entrelinhas
do que nas linhas

que tal se tornar


correspondente na
próxima edição?
envie fotos
e versos para
prosa@sorverversos.com

catálogo dos tesouros encontrados por francisco procura-se calopsita. recompensa: o preço da
no caminho da padaria (camila haddad) liberdade (nathalia fernandes)

hoje de manhã a rua me convidou a cabelos com agrotóxicos: ainda um entre a água que gela, as mãos
seguir em frente (giulia spina) risco assumido por muitos salões no fervem e algo se rebela. um boneco
campo (vivian nantes) de gelo surgiu com um único
intuito... derreter (fernanda doubek)
o tropel do humor resiste esbelto
no chorume do inferno, assine o jornal das miudezas
no festim da chacina da luz,
intimidade com o presente
na nuvem de pólvora e gelo seco.
*
rir descasca palavras www.sorverversos.com
nas noites mais antigas do que dias,
desarma mãos e cabeças lentas.
(paulo ludmer)

o celular descarregou no meio da noite.


acordei atrasada. despertador não
tocou. o chuveiro estava mais gelado. o
café mais amargo e não deu tempo de
adoçar. esqueci a identidade em casa.
sempre atravesso na faixa da frente.
dessa vez atravessei na da esquina e
havia uma moça entregando panfletos
que falavam sobre o fim do mundo e ela meus olhos chovem
leu minha mão. por não conseguirem
vi um cachorro atravessando na faixa sorrir o sol resultado de raio-x indica que flora passa bem
de pedestres. (amanda cavalcante) (isabella marques) (débora lima do carmo)

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