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jornal das miudezas

o presente é um recém-nascido com séculos de vida

desde 2018 edição 5

reportagem
editorial
o dom do
arrepio e escândalo na
uma s o r ve t e r i a d o u r a d a
revelação tudo que é uma f i r me
a f ronta à per f ei ç ã o merec e
um inseto
o envol vi mento dos
nunca sabe
nossos senti dos página2
em qual
esquina
errata
ou escuro se
esconde uma as palavras não precisam
teia de aranha de medula, mas sim de
página3 medusa página3

correspondentes
as pedras, as pausas, as perdas, os farelos,
as folhas e os filhotes página4

ato poético flagrante


declínio
confio
ou levante
na na palma da
geografia mão, aquela
classificados página3 da sua arquitetura
remetia o
salão de frestas memória olhar para o
lugar planejado que me primeiro ninho
com teto furado leva pelos da história: em
que paisagem
como um país cantos
foi erguido?
de óleo saturado página3 página3

breve entrevista clarão limiares sob o sol plantão

gabriela escreve poesia para não o tempo ainda esquecer o gelo uma bebida
desobedecer o impulso é possível de propósito derrete de alvoroço
página2 página2 página2 página3 página4
2 miudezí edição 5 jornal das miudezas

q u a d r i n h a

o presente é um recém-nascido com séculos de vida


quantas são
publicado desde 2018 - criação de sorver versos
www.sorverversos.com as linhas
prosa@sorverversos.com
@sorverversos e limiares
diretor de redação: andré gravatá
diretora de arte: serena labate do corpo
conselho editorial e revisão: aline oliveira, elidia novaes e luis ludmer
correspondentes desta edição: bel santos mayer, eric pereira andrade,
letícia leão, nanda carneiro, paula pulgrossi, renata stort, rodrigo ladeira
quais linhas
e verônica batista
uma homenagem: dedicamos este jornal à violeta parra, que nos você é
ensina uma voz que reivindica e alcança a vida em cada pessoa
uma dica de leitura: reino dos bichos e dos animais é o meu nome, da valente
stela do patrocínio
de revoltar
agradecemos pelo apoio da diálogos – viagens pedagógicas, por
confiar na força das miudezas (www.dialogosviagenspedagogicas.com.br)
quais linhas
escândalo
a sorveteria tinha os sabores mais coloridos e caros. toda pura, limpa,
você vai
dourada e crocante. sublime e gelada. e bem na frente da porta doce
e aberta, um pombo morto. largado em carnes, trágico em penas. um esquecer
susto que fazia lembrar uma personagem da clarice lispector: “estava
querendo que o mundo não me escandalizasse”, “talvez eu me ache de propósito
delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes”.
o pombo que mancha a sorveteria é um escândalo. os olhos ao redor
evitam a carcaça aberta, como se aquela dor revelasse uma indiferença quais linhas
pegajosa rastejando pelas mãos que seguram os sorvetes e representasse
uma afronta à perfeição da cobertura de frutas vermelhas. tudo que é não aceitam
uma firme afronta à perfeição merece o envolvimento dos nossos sentidos.
escrever
só escavar
previsão do tempo

para que o céu


não desabe
sobre nossas
cabeças
breve entrevista sobre nunca cegar a nascente
escreva todos os poemas
a escritora chilena gabriela mistral é atenta ao seu chão e, em 1952, com lápis de pontas
afirmou: “a mentira galopa na américa do sul”. sua busca é pela palavra de palitos de fósforos
não roída, sem desgaste, dura como os veios da madeira do espinheiro.
recebeu em 1945 o prêmio nobel de literatura e ao jornal das miudezas assim sua poesia
respondeu uma questão relacionada com os mananciais. acende num clarão

jornal das miudezas: por que você escreve poesia? porque o tempo
gabriela mistral: escrevo poesia porque não posso desobedecer o ainda é possível
impulso, seria como cegar uma nascente que brota na garganta. para quem ficou
sem ar
[as palavras da gabriela mistral estão no livro bendita mi lengua sea – diario íntimo] diante do trovão
jornal das miudezas edição 5 firmamento 3

reportagem em quatro ímpetos


o dom do arrepio e uma revelação brutal classificados
1.
o gelo derrete sob o sol. os olhos de a l a g a - s e
duas crianças pararam tudo ao redor em caso
para ver o gelo derreter. pararam a de deserto
corrida, pararam a luz bem no meio. receba uma
parariam o movimento da terra para inundação
constatar o gelo no meio da praça. na sua
parariam o discurso de uma rainha, casca
o desfile de uma escola de samba e
re c a l l d e p a l av r a s
um asteróide prestes a colidir com
um casulo. parariam os próprios devolva ao vento
corações se pudessem, para escutar as palavras que
um silêncio total que abrisse um não são suas
tapete vermelho no mundo para o e só repetem
gelo a derreter na praça. as duas têm o que querem
uma sede de presenciar que é o dom que você diga
do arrepio.
2. 3. 4.
um inseto nunca sabe em qual localizar-se no mapa do cemitério não era fácil. de repente para que o céu
esquina se esconde uma teia de aparece um senhor, muito formal nas roupas e palavras, não desabe
aranha. em caso de captura, o corpo e pergunta se precisamos de ajuda. queríamos chegar sobre nossas
se prepara de suor e medo antes de ao túmulo do escritor julio cortázar, nossa vontade era cabeças
ser devorado. se cai uma chuva e visitá-lo como uma homenagem sutil. e o desconhecido
a água derruba o prisioneiro para disse que conhecia o endereço do túmulo. perguntamos: preste atenção
longe da teia, segundos antes do “o senhor trabalha aqui?”. respondeu que não, que criou nos encontros
aniquilamento, uma revelação brutal o hábito de visitar o cemitério para fazer amizade com os que nunca serão
anima as asas: a chance de tudo futuros vizinhos. esquecidos
mudar sobrevive apesar do caminho em seguida, contou que sua esposa estava enterrada lá. mas que não
que falsamente se define único. o costume era caminhar entre mortos dia após dia para acontecerão
escutar as novidades do silêncio, como um ato de paixão e se não forem
afinação do presente. percebidos
flagrante
declínio ou levante
nem com raio-x seria possível descobrir qual é o primeiro graveto do
ninho achado no chão. ninguém sabe como caiu o ninho. ninguém sabe
quem construiu o ninho. ninguém sabe se os pássaros do ninho estão
agora no topo de uma montanha ou se morreram como alvo de pedra.
com menos de dez gramas, o ninho mudo guarda segredos. por exemplo,
como um pássaro sente que terminou a construção? ou quando acerta
um determinado graveto como o primeiro da obra? na palma da mão,
aquela arquitetura remetia o olhar para o primeiro ninho da história: em
que paisagem foi erguido? não existiam humanos quando os pássaros
montaram o primeiro ninho em mutirão.
hoje, as ruínas de um ninho me encontraram, tão tombadas quanto
o coliseu. o ninho à minha frente vem de longe, seus ancestrais são
distantes, sua pergunta para mim é se minha alma é declínio ou levante.

ato poético
um ponto belo de memórias

errata
fui escrever “as palavras
precisam de medula”
diga a alguém: “tem um lugar muito importante na sua vida onde você sem querer veio a frase
poderia me levar, um ponto belo de memórias na geografia dos seus “as palavras precisam de medusa”
passos?”. caminhem até o lugar sem que você saiba o itinerário – a
confiança é a poesia que prolifera da intimidade. chegando lá, pergunte o erro talvez revele mais que o acerto:
o porquê da relação com o tal específico canto de mundo. as palavras mais vivas são fatais
jornal das miudezas edição 5 tramas 4

correspondentes
sentada na mureta, eu a via pela metade
o corpinho magricelo, o cabelo de nuvem, plantão miudezas
os olhinhos inquietos a boca do corpo
eu acho que herdei derrama

a vontade
a minha vó tem 83 anos de ser é encher
67 de casada, 64 de mãe garrafas
mas pra mim tem só 20 ou talvez menos e mais garrafas
que é o tempo que a minha memória alcança de indignação
a minha vó aprendeu a ler sozinha e entregar aos
pedestres
a minha vó cuidava das irmãs menores e depois
de um marido e depois de oito filhos e depois confio no alvoroço
de umas tantas pontes daquelas que se fazem da indignação
no coração quando a alma quer viver alguém reclamava das folhas caídas na calçada. na garganta
e o corpo já tá meio cansado dizia não aguentar mais a varrição sem fim. se
eu imagino qual a cor preferida da minha vó auto-consolava: “é a natureza”.
ela cozinha no mesmo fogão de lenha em que e eu... estou cansada de ver corpos negros que tal se tornar
eu me sentava pra ganhar abóbora na boca, sendo abatidos e varridos nas ruas do nosso correspondente na
os pés sem alcançar o chão, país. não há natureza que aguente. próxima edição?
naquela foto de que eu gosto tanto porque é feita a necropolítica e o genocídio da população envie fotos
e versos para
de alguma coisa subjetiva muito maior que os negra deveriam importar mais pessoas. prosa@sorverversos.com
resíduos de prata (nanda carneiro) (bel santos mayer)

numa manhã de sexta-feira, uma miudeza teve seu fim pela boca de uma
só não posso me confundir com pombos e
vira-lata filhote num ímpeto de energia canina. tentaram reunir as partes,
começar a alimentar meu espírito antigo com
mas a vida é breve e a poesia se esvaiu de cada pedaço do jornal. agora,
migalhas dos outros e do mundo.
tal miudeza descansa em paz em seu trajeto para a reciclagem – e em
farelos fazem mal à saúde. (letícia leão)
breve será folha em branco para a poesia de outro alguém.
(verônica batista)

meu grande identidade


tesouro
se encontra perco os vazios
nas pausas nas gavetas
(paula pulgrossi) preencho minhas mãos
com o silêncio
enquanto procuro no poema
minha identidade.
(rodrigo ladeira)

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o jornal das miudezas
intimidade com o presente

qual foi seu último pensamento? com as pedras do caminho eu faço arte
www.sorverversos.com
(eric pereira andrade) (renata stort)

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