Você está na página 1de 4

jornal das miudezas

o presente é um recém-nascido com séculos de vida

desde 2018 edição 1

reportagem breve
entrevista
balde
vazio sobre abrir
espaço
muita gente
de olho no dizem que há
invisível, o milhares de
perigo nas maneiras de
janelas e a sofrer, assim
avó de oitenta como milhares
anos: uma são as teias
investigação de aranha na perplexidade
calorosa do incerta cidade
mundo de otávia
o céu do sertão de paripiranga, na bahia,
página3 página2 é um palco sem cortinas
correspondentes
todos os elementos: água, terra,
doce, pedra, papel e sombra
página4

extra! extra!
jornal das miudezas junta
a fome com a vontade de comer
classificados
ofereço as linhas das minhas mãos
para você escrever versos
página3

a chuva chama previsão reinícios fábula afeto

alguém pensa primeiro em tirar ventos fortes a rainha o tempo não um obituário-
as roupas do varal varrem o país do abismo é o relógio homenagem
página2 página2 página3 página3 página4
2 miudezí edição 1 jornal das miudezas

q u a d r i n h a

o presente é um recém-nascido com séculos de vida


distâncias
publicado desde 2018 - criação de sorver versos
www.sorverversos.com
prosa@sorverversos.com
dinamitam
diretor de redação: andré gravatá
diretora de arte: serena labate
conselho editorial e revisão: aline oliveira, elidia novaes e luis ludmer d i a s
correspondentes desta edição: carla nastri, gandhy piorski, giulia spina,
joyce magalhães, katia eloise, leila monteiro, luciana ostetto, natame
diniz, silmara ferraz, tony marlon e vilma silva
agradecimenso especial: wisława szymborska
delírios
agradecemos pelo apoio da “diálogos – viagens pedagógicas”, por
confiar na força das miudezas (www.dialogosviagenspedagogicas.com.br) devoram
a chuva chama

quando alguém olha pra chuva


democracias
alguém pensa primeiro em fechar as janelas
alguém pensa primeiro em tirar as roupas do varal desobediências
alguém pensa primeiro em desligar os aparelhos das tomadas
alguém pensa primeiro na enchente
alguém pensa primeiro ainda bem não tô na rua nessa hora desatam
alguém pensa primeiro num abrigo pra dormir
alguém pensa primeiro que não falte luz
alguém pensa primeiro tô sem guarda-chuva desertos
alguém pensa primeiro não vai dar mais pra sair
alguém pensa primeiro não sou feito de açúcar
alguém pensa primeiro – mais raramente em adultos – em entrar na delicadezas
chuva pra brincar

desejam

deslocamentos

previsão do tempo

breve entrevista sobre abrir espaço no inferno


marco polo viajou por várias cidades do império de kublai khan e viu uma
cidade sobrevoada por pipas, outra em que ninguém se cumprimenta,
outra onde os habitantes são poupados de percorrer todos os dias os
mesmos caminhos. viu pontes, mercadores, mortos, montes de potes
de vidro, poços, lâmpadas queimadas, cupins, cobras e traças. atraído
pelo magnetismo de palavras porosas, marco polo chegou a um dos
escritórios do jornal das miudezas, localizado na cidade de esmeraldina,
onde concedeu a entrevista a seguir.
o país está sendo varrido por fortes ventos
jornal das miudezas: dizem que há milhares de maneiras de sofrer, assim que levaram embora
como milhares são as teias de aranha na incerta cidade de otávia. mas a calmaria
você já contou quantas são as diferentes maneiras de não sofrer? que nunca esteve
marco polo: existem duas maneiras de não sofrer. a primeira é fácil para entre nós
a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte dele até o
ponto de deixar de percebê-lo. a segunda é arriscada e exige atenção opinião
e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no
meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço. poesia não tem nada a ver com almas elevadas,
[as palavras de marco polo foram encontradas no livro “cidades invisíveis”, por ítalo calvino] poesia é a arte das almas levadas.
jornal das miudezas edição 1 firmamento 3

reportagem em cinco atos


se o balde esvazia fábula
1. 2.
cerca de vinte jovens na calçada vou entregar um jornal das miu-
com fones de ouvido, agachados, dezas para o motorista de uber, no
olhares fixos à frente, admiração final da corrida. bem na hora que
e espanto. movem-se ao mesmo chegamos ao destino, digo a ele:
tempo, a partir das mesmas coor- - tenho um presente pra você.
denadas – que ouvem pelos fones. faço uma pausa breve, ainda
é uma dança na cidade, uma ca- sem revelar a surpresa, pra criar
minhada a partir da escuta de um expectativa.
áudio-guia inventado para provo-
car outros rumos. duas senhoras a ácara ícara pulou de um prédio e caiu no
observam os jovens e riem alto. o motorista se inquieta, de repente chão um dia depois. mas ela diz que a sensação
- veja só! um tanto de gente olhan- um cheiro de pavor. é de ter passado um ano inteiro em queda.
do o invisível! haha! - tá com medo que eu te assalte? – moral: o tempo não é o relógio, você é tempo.
- como esse povo tem tempo de perguntei sem acreditar na minha
ver o que não existe, né? própria desconfiança. situação
- só pode ser teatro! - sim...
- verdade: não pode ser outra coi- - só vou te entregar um jornal de
sa, só teatro mesmo. poesia. tá aqui ó.
pergunta do primeiro ato: agachar - nossa!
na rua e olhar fixamente pra fren- pergunta do segundo ato: o medo
te só pode ser teatro e não direta- na corrente sanguínea é a infes-
mente vida cotidiana numa inves- tação no corpo daquele medo na muito além do amigo secreto
tigação calorosa do mundo? corrente de ar?
“se você faz uma coisa bacana pra alguém em
3. segredo, anonimamente, sem deixar a pessoa
rainha do abismo: não sabia de onde vinha o nome dela. essa planta pra quem você fez aquilo saber que foi você
foi um presente para o meu amor. as folhas parecem cobertas de pelos, que fez e sem de maneira ou forma alguma
papel camurça, tapete verde. um dia deixamos a rainha do abismo muito tentar levar crédito pela coisa feita, isso é
próxima do sol e as folhas queimaram. demorou um tempo e ela mur- quase um novo tipo de barato químico.” (david
chou de vez. então esquecemos do seu vaso na nossa estante de plan- foster wallace)
tas. não regamos mais, não havia sinal nenhum de vestígio de vitalidade em segredo, faça uma coisa bacana para três
ainda lá. meses se passaram, até que um dia o vaso olhou pra nós. não pessoas próximas de você.
exatamente o vaso, mas o broto de planta cavando seu lugar no mundo:
em algum ponto da terra seca na nossa sala ainda vivia a rainha e não classificados
tínhamos nos dado conta. o f e r e ç o :
p r o c u r o :
pergunta do terceiro ato: em que lugares não mais vemos vida mas ain-
da se escondem reinícios? - oi, você é do as linhas das
achados e perdidos minhas mãos
4. das palavras para você
nas noites de virada de ano, minha mãe sempre pedia para eu não ficar e seus sentidos? escrever versos
na janela, nem na rua. ela dizia que atiravam para o ar, sem direção – e
uma bala poderia me atravessar à meia-noite. no primeiro dia de um
ano que não me lembro o número, mas que poderia ser de qualquer ano 5.
antes de agora e a partir de hoje, vi uma marca de tiro na janela da co- “se o balde esvazia, tem que procurar água”,
zinha, próxima à pia onde ainda restava a louça do jantar. diz a avó com o corpo de oitenta anos de sertão.
pergunta do quarto ato: quais janelas precisam estar abertas para cir- não há pergunta no quinto ato. o quinto ato é
cular o ar e quais devem ser fechadas para afastar o fim? um balde vazio.
[anúncio publicitário] [anúncio publicitário]
jornal das miudezas edição 1 tramas 4

correspondentes

plantão miudezas

pessoa pisa em caramujo


– distração mata
tudo que é pacato

que tal se tornar


correspondente na
próxima edição?
envie fotos
e versos para
prosa@sorverversos.com

pés perdidos seguindo o caminho da sombra… aluga-se coração de concreto para tempos
logo ali… (giulia spina) difíceis. tratar pessoalmente na rua heitor a ssine o j o rna l
penteado, pouco depois do nº1000, no chão
da s miude z a s
(tony marlon)
intimidade com o presente

*
www.sorverversos.com

os frutos que nos dão a certeza de que colhemos


aquilo que plantamos (katia eloise) cada barco, uma criança (carla nastri)

um obituário
-homenagem
para a
enquanto brincam de
árvore-congá
modelar, as crianças
criam, compartilham e
a árvore-congá con-
se amparam
tou os seus dias de
(leila monteiro/ ateliê azu)
existência até a data
de 05/11/18, dia em
que foi derrubada
para dar espaço à
construção de uma
praça de alimentação,
onde o chão é concre- tsurus em roda de conversa,
to e não há espaços discutem como alçar voo no
para raízes. aeroporto (vilma silva, luciana
pessoas e coisas cos- ostetto e gandhy piorski)
tumam escavar um
espaço e ocupar nele
um lugar, que é vaci-
lante e diferente de to-
dos os outros lugares.
que fique essa última
imagem da árvore-
congá, uma manifes-
tação de afeto por en- contato
tre as luzes. com a observação
(natame diniz) experiências de criação (silmara ferraz) (joyce magalhães)

Você também pode gostar