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«Num bairro moderno»

Giuseppe Arcimboldo, O verão (1573).


«Num bairro moderno»

Composição poética que apresenta


um sujeito em deambulação

Composição de teor narrativo


dividida em três momentos:

1 — Descida para o «emprego»


2 — Encontro com a vendedeira
(exame e transfiguração poética)
3 — Despedida revigorante
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude, […]

«Num bairro moderno» —


verão de 1887.

Giuseppe Arcimboldo, Vertumnus (c. 1590).


Num Bairro Moderno

Dez horas da manhã; os transparentes E rota, pequenina, azafamada,


Matizam uma casa apalaçada; Notei de costas uma rapariga,
Pelos jardins estancam-se as nascentes, Que no xadrez marmóreo duma escada,
E fere a vista, com brancuras quentes, Como um retalho da horta aglomerada
A larga rua macadamizada. Pousara, ajoelhando, a sua giga.

Rez-de-chaussée repousam sossegados, E eu, apesar do sol, examinei-a.


Abriram-se, nalguns, as persianas, Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos;
E dum ou doutro, em quartos estucados, E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Ou entre a rama do papéis pintados, Se ela se curva, esguelhada, feia,
Reluzem, num almoço, as porcelanas. E pendurando os seus bracinhos brancos.

Como é saudável ter o seu conchego, Do patamar responde-lhe um criado:


E a sua vida fácil! Eu descia, "Se te convém, despacha; não converses.
Sem muita pressa, para o meu emprego, Eu não dou mais." E muito descansado,
Aonde agora quase sempre chego Atira um cobre lívido, oxidado,
Com as tonturas duma apoplexia. Que vem bater nas faces duns alperces.
1. Descida para o emprego

«Num bairro moderno» Os seus habitantes


têm privilégios

O sujeito poético percorre


o «bairro moderno», • A sua rua é macadamizada
indo a caminho do trabalho: • Descansam ou tomam
(«Eu descia / Sem muita pressa, o pequeno-almoço
para o meu emprego,») às «dez da manhã»

A sua existência
é marcada pelo ócio
• Capta imagens em constante
deambulação
• Valorização das perceções «E fere a vista […]»
imediatas «Reluzem […] as porcelanas»
2. Encontro com a vendedeira (I)

Poema de teor narrativo:


o eu poético narra o seu encontro com uma personagem —
a vendedeira

«E rota, pequenina, azafamada, /


Notei de costas uma rapariga»

Anteposição
da qualidade/característica
à designação do objeto —
técnica impressionista

Fede Galizia, Cesto de fruta (c. 1610).


2. Encontro com a vendedeira (II)

• É «rota, pequenina, azafamada»

• É «esgadelhada, feia»

• Pertence ao campo

Contraste entre a sua descrição


e a do espaço envolvente

A vendedeira prende a atenção


do sujeito poético:
«E eu, apesar do sol, examinei-a: […]»

Postal da coleção «Costumes» (Porto, 1922).


2. Encontro com a vendedeira (III)

O criado

Serve, mas representa


os de uma classe superior

Revela desprezo e arrogância em
relação à figura da vendedeira
+
Paga-lhe pouco pelos seus
produtos

«Eu não dou mais […]» Bartolomé Esteban Murillo,
Vendedores de fruta (1670-1675).

Representa a humilhação/exploração
do campo pela cidade
Subitamente - que visão de artista! - As azeitonas, que nos dão o azeite,
Se eu transformasse os simples vegetais, Negras e unidas, entre verdes folhos,
À luz do Sol, o intenso colorista, São tranças dum cabelo que se ajeite;
Num ser humano que se mova e exista E os nabos - ossos nus, da cor do leite,
Cheio de belas proporções carnais?! E os cachos de uvas - os rosários de olhos.

Bóiam aromas, fumos de cozinha; Há colos, ombros, bocas, um semblante


Com o cabaz às costas, e vergando, Nas posições de certos frutos. E entre
Sobem padeiros, claros de farinha; As hortaliças, túmido, fragrante,
E às portas, uma ou outra campainha Como alguém que tudo aquilo jante,
Toca, frenética, de vez em quando. Surge um melão, que lembrou um ventre.

E eu recompunha, por anatomia, E, como um feto, enfim, que se dilate,


Um novo corpo orgânico, ao bocados. Vi nos legumes carnes tentadoras,
Achava os tons e as formas. Descobria Sangue na ginja vívida, escarlate,
Uma cabeça numa melancia, Bons corações pulsando no tomate
E nuns repolhos seios injetados. E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.
2. Encontro com a vendedeira (IV)
«E eu, apesar do sol, examinei-a»

Exame e transfiguração poética

«Atira [o criado] um cobre ignóbil, oxidado,


Que vem bater nas faces duns alperces.» Alperces  faces

Início da transformação/transfiguração do real:

Os «simples Os vegetais na «visão de artista» —


vegetais» um corpo humano
Riqueza
Melancia Cabeça cromática
Repolhos Seios injetados +
Azeitonas Tranças Fortes
impressões
Tomate «bons corações»
visuais

Panfilo Nuvolone, Natureza morta (1620).
O Sol dourava o céu. E a regateira, E enquanto sigo para o lado oposto,
Como vendera a sua fresca alface E ao longe rodam umas carruagens,
E dera o ramo de hortelã que cheira, A pobre, afasta-se, ao calor de agosto,
Voltando-se, gritou-me, prazenteira: Descolorida nas maçãs do rosto,
"Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!..." E sem quadris na saia de ramagens.

Eu acerquei-me dela, sem desprezo; Um pequerrucho rega a trepadeira


E, pelas duas asas a quebrar, Duma janela azul; e, com o ralo
Nós levantamos todo aquele peso Do regador, parece que joeira
Que ao chão de pedra resistia preso, Ou que borrifa estrelas; e a poeira
Com um enorme esforço muscular. Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.

"Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!" Chegam do gigo emanações sadias,


E recebi, naquela despedida, Ouço um canário - que infantil chilrada!
As forças, a alegria, a plenitude, Lidam ménages entre as gelosias,
Que brotam dum excesso de virtude E o sol estende, pelas frontarias,
Ou duma digestão desconhecida. Seus raios de laranja destilada.
3. Despedida revigorante
Consequências do agradecimento
e da despedida:
O sujeito poético é interpelado • O sujeito poético recupera as «forças»,
pela vendedeira, a quem ajuda a «alegria» e a «plenitude»
• O sujeito poético afasta-se,
Eu  Nós contemplando-a a uma certa distância

«Nós levantámos todo aquele peso»

Nessa contemplação,
existe um contraste entre:
Agradecimento da vendedeira
pela sua boa ação: • o corpo «magro»
«Muito obrigada! Deus lhe dê saúde» e «enfezadito» da vendedeira
• a largura, o peso e a abundância
dos vegetais que carrega
«Ela apregoa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.»
E pitoresca e audaz, na sua chita,
O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,
Duma desgraça alegre que me incita,
Ela apregoa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.

E, como as grossas pernas dum gigante,


Sem tronco, mas atléticas, inteiras,
Carregam sobre a pobre caminhante,
Sobre a verdura rústica, abundante,
Duas frugais abóboras carneiras.

Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde'


Recursos expressivos e linguagem

Comparação «como as grossas pernas dum gigante»


Exclamação «— que infantil chilrada!»
«e, com o ralo / Do regador, parece que joeira /
Imagem Ou que borrifa estrelas; e a poeira / Que eleva nuvens
alvas a incensá-lo.»
Adjetivação «E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.»
«As azeitonas […] / São tranças dum cabelo que se
Metáfora
ajeite.»
Sinestesia «brancuras quentes»
Recursos expressivos e linguagem

Recurso a diminutivos:
• «pequenina», «enfezadita» — enfatizam o esforço da vendedeira.

Dimensão impressionista:
• Anteposição da qualidade/característica à designação do objeto;

• Importância da cor e da luz («reluzem […] as porcelanas»; «raios de laranja destilada»).

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