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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO REGIONAL


CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – LICENCIATURA

EDIEK PEREIRA NUNES JUNIOR

RITUAIS DE INVERSÃO:
Integrando Antropologia e Religião

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ


2022
EDIEK PEREIRA NUNES JUNIOR

RITUAIS DE INVERSÃO:
Integrando Antropologia e Religião

Monografia apresentada à Banca Examina-


dora do Departamento de Ciências Sociais,
no Instituto de Ciências da Sociedade e De-
senvolvimento Regional da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial
para a obtenção do grau de licenciado em
Ciências Sociais.

Professora Doutora Orientadora GEOVANA TABACHI SILVA

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ


2022
TERMO DE APROVAÇÃO

EDIEK PEREIRA NUNES JUNIOR

RITUAIS DE INVERSÃO:
Integrando Antropologia e Religião

Monografia apresentada à Banca Examina-


dora do Departamento de Ciências Sociais,
no Instituto de Ciências da Sociedade e De-
senvolvimento Regional da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial
para a obtenção do grau de licenciado em
Ciências Sociais.

Aprovada em 15 de dezembro de 2022.

BANCA EXAMINADORA

Professora Doutora Orientadora Geovana Tabachi Silva


Universidade Federal Fluminense

Professora Doutora Andréa Lúcia da Silva de Paiva


Universidade Federal Fluminense

Professora Doutora Maria Cláudia Martinelli de Mello Pitrez


Universidade Federal Fluminense

Campos dos Goytacazes – RJ


2022
Para Ada Sofia,
para Tales Henrique.
AGRADECIMENTOS

Sou grato às professoras Andréa Lúcia da Silva de Paiva e Maria Cláudia Martinelli de
Mello Pitrez pelos apontamentos e sugestões que fizeram durante a apresentação deste trabalho.
A intervenção delas aprimorou esta monografia.
Sou especialmente agradecido à professora Geovana Tabachi Silva por ter orientado
minha pesquisa. Sua postura exibiu o justo equilíbrio entre a liberdade de expressão concedida
ao orientando e a sempre presente lembrança de que o orientando é responsável pelos consectá-
rios de sua argumentação. A fineza da professora Geovana atinge o extraordinário.
Desejo igualmente expressar minha gratidão a todos os meus professores durante o
tempo em que estudei nesta honrosa Casa. Cada um deles empenhou-se, fosse no ensino das
disciplinas, fosse dividindo suas histórias de vida, em conceder a mim e a todos os seus alunos
a oportunidade de conhecerem-se a si mesmos, de conhecerem ao próximo, e de serem pessoas
melhores. Deixo aqui o meu ‘muito obrigado a todos’!
Por fim, sou profundamente agradecido à minha família, por suportarem minhas au-
sências, algumas vezes durante o dia, muitas vezes durante a noite, permitindo-me trabalhar
neste projeto.
Viver em sociedade é passar, e esse passar é ritualizado.
(Andréa de Paiva, 2014, p. 04).
RESUMO

O desfile do Bloco das Piranhas ocorre no Carnaval e, nele, homens se vestem de mulheres, e mulheres
trajam roupas de homens. Esse fato suscitou a pergunta que move este trabalho: por que, em certas datas,
homens se vestem de mulheres e vice-versa? Mediante pesquisa bibliográfica do tipo exploratória, reúne-
-se o registro dos estudiosos a respeito da finalidade das festas rituais de inversão, notadamente daquelas
em que ocorre a inversão dos papéis sexuais. Nessa senda, ver-se-á que, segundo Simmel e Lévi-Strauss,
feriado e cotidiano são pares antagônicos; que, consoante Durkheim e Caillois, a festa interrompe o
cotidiano de modo a aproximar as pessoas, a renová-las e aliviar suas tensões; e que, conforme Gennep,
Gluckman e Turner, os rituais surgem em razão do medo e do desejo de controle que as pessoas têm; que
os rituais se compõem de três fases: separação, limiar ou margem, e agregação; e que os rituais servem
para levar o indivíduo de um estado social a outro ou para renová-lo, mantendo-o no mesmo estado so-
cial. Aliás, Bateson, Houseman e Severi revelam que a inversão dos papéis de gênero nem sempre serve
ao alívio das tensões sociais. E em se observando a natureza dos rituais, também se propõe um breve
debate entre a opinião dos eruditos a seu respeito, a Religião, e o ensino de Jesus de Nazaré, uma vez que
os rituais, embora façam uso de alguns princípios do ensino de Jesus, por sua própria natureza controla-
dora e assecuratória, mostram-se contrários ao amor. Este trabalho termina por mostrar que os rituais de
inversão, inclusive os de inversão de papéis de gênero, servem à manutenção da ordem vigente mediante,
por exemplo, o alívio das tensões sociais, a definição e fixação dos papéis sociais masculino e feminino,
bem como resolvem outros problemas oriundos do modo de vida cotidiano. Explorando as festas rituais
de inversão, de ontem e de hoje, este estudo também revela que o Bloco das Piranhas é uma continuação
modificada das festas da Antiguidade, e que a religião institucional, seja cristã, seja pagã, possivelmente
fornece uma justificativa teológica para a inversão dos papéis sexuais uma vez que, segundo seus teólo-
gos, o Deus dessas religiões é macho e fêmea ao mesmo tempo.

Palavras-chave: Festa. Ritual. Inversão de papel sexual. Hermafroditismo divino.


ABSTRACT

The parade of the Whores Block takes place during Carnival and, in it, men dress up as women, and
women don men’s clothes. This fact stirred up the question that moves this work: why, on certain dates,
do men dress as women and vice versa? Through an exploratory bibliographical research, the record of
scholars is collected regarding the purpose of ritual inversion festivals, notably those in which sexual role
inversion happens. In this path, it will be seen that, according to Simmel and Lévi-Strauss, holidays and
quotidian are antagonistic pairs; that, according to Durkheim and Caillois, the festival interrupts every-
day life in order to bring people together, renew them and relieve their tensions; and that, according to
Gennep, Gluckman and Turner, rituals arise because of people’s fear and desire for control; that rituals
are composed of three phases: separation, limen or margin, and aggregation; and that rituals serve to
take the individual from one social state to another or to renew him, keeping him in the same social
state. Furthermore, Bateson, Houseman and Severi reveal that the inversion of gender roles does not
always serve to alleviate social tensions. And in observing the nature of the rituals, a brief debate is also
proposed between the opinion of the scholars about them, the Religion, and the teaching of Jesus of Naz-
areth, since the rituals, although they make use of some principles of the teaching of Jesus, by their own
controlling and ensuring nature, prove to be opposite to the love. This work ends by showing that the
inversion rituals, including the inversion of gender roles, serve to maintain the current order through,
for example, the mitigation of social tensions, the definition and settling of male and female social roles,
as well as solve other problems that arise from the quotidian way of life. Exploring the ritual festivals of
inversion, past and present, this study also reveals that the Whores Block is a modified continuation of
the festivals of antiquity, and that institutional religion, whether Christian or pagan, possibly provides a
theological justification for the inversion of sexual roles since, according to their theologians, the God of
these religions is male and female at the same time.

Key words: Festival. Ritual. Sexual role inversion. Divine hermaphroditism.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. Boneca do Waldir, ano 2005 .............................................................................................. 11

Figura 2. Boneca do Waldir, ano 2017 .............................................................................................. 12

Figura 3. Foliões da Boneca do Waldir, ano 2019 ........................................................................... 13

Figura 4. Travestismo na Festa de Purim, em Tel Aviv, Israel ........................................................ 42

Figura 5. Homem coberto de caulim e vestido de mulher durante a festa da Abissa .................. 44

Figura 6. Festival da Maquiagem da Lâmpada na Índia, em 2018 ................................................ 45

Figura 7. Virgem jurada ..................................................................................................................... 46

Figura 8. Afrodito ou Hermafrodito, o Deus andrógino ............................................................... 58

Figura 9. A Trindade dos Mistérios Cabirinos, na Ilha de Samotrácia (Grécia) ......................... 61


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

a.C. - antes de Cristo


c. - cerca de
d.C. - depois de Cristo
Dt - Livro de Deuteronômio
Et - Livro de Ester
EUA - Estados Unidos da América
Êx - Livro de Êxodo
f. - folhas
Fp - Epístola aos Filipenses
Gl - Epístola aos Gálatas
Gn - Livro de Gênesis
Jo - Evangelho de João
I Jo - Primeira Epístola de João
lâm. - lâmina
Lv - Livro de Levítico
MA - Massachusetts
Mc - Evangelho de Marcos
Ml - Livro de Malaquias
Mt - Evangelho de Mateus
Nm - Livro de Números
p. - página
PL - Patrologia Latina
PG - Patrologia Grega
Pv - Livro de Provérbios
Q - quelle, vocábulo alemão que significa ‘fonte’
Rm - Epístola aos Romanos
segs. - seguintes
vol. - volume
TASS - Agência Telegráfica da União Soviética, ou Agência de Notícias Russa
Tg - Epístola de Tiago
TVB - TV Barcelos, Televisão Barcelos
UK - United Kingdom, Reino Unido
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 11

2 A METODOLOGIA DA PESQUISA ......................................................................................... 15

3 O COTIDIANO E O FERIADO .................................................................................................. 17


3.1 O Carnaval ....................................................................................................................... 20
3.2 A Festa .............................................................................................................................. 21

4 O RITUAL ...................................................................................................................................... 24
4.1 Rituais de Inversão Ontem e Hoje ................................................................................ 34
4.2 O Que os Rituais de Inversão Expressam .................................................................... 47

5 UMA POSSÍVEL RELAÇÃO ENTRE A TEOLOGIA E O RITUAL DE INVERSÃO DO


PAPEL SEXUAL ........................................................................................................................... 58

6 CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 63

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................................................... 67


1 INTRODUÇÃO

Era o sábado do Carnaval de 2020. Passávamos uns dias em família na Praia de Grussaí,
em São João da Barra (RJ). No meio da tarde, eu, minha esposa Ana, minha filha Ada e meu
filho Tales decidimos passear a pé pelo local. Descemos a Rua Lourenço Augusto Russo até a
esquina com a Avenida Liberdade. À distância, já era possível ver uma grande quantidade de
pessoas em séquito. Quando chegamos naquela esquina, para nossa surpresa, deparamo-nos
com o desfile da Boneca do Waldir.

Figura 1. Boneca do Waldir, ano 2005. Wal-


dir Simões, acompanhado, tem atrás de si a
boneca que leva seu nome. A Boneca do Wal-
dir usa um vestido cujo corte é idêntico ao da
imagem da Deusa das Serpentes, a Britomartis
(‘Doce Virgem’) de Creta, uma manifestação
da Virgem Mãe Terra, a Deusa Mãe dos cre-
tenses em 1600 a.C. Fotografia em B ­ ERRIEL,
2017.

A Avenida Liberdade estava re-


pleta de folionas e foliões, que se movi-
mentavam a pé, seguindo uma grande
boneca de pele negra, com roupa e adere-
ços multicoloridos, era a Boneca do Wal-
dir. O inusitado naquele cortejo era que,
para onde quer que se olhasse, os homens
desfilavam vestidos de mulher. Minissaias,
sutiãs aparentes, perucas e maquiagens
exageradas adornando corpos masculi-
nos, eram as marcas daquele bloco carna-
valesco.
É usual que um dos dias do Car-
naval brasileiro seja separado para o desfi-
le do Bloco das Piranhas. Homens vestidos
com exíguas roupas femininas e mulheres trajando vestes masculinas desfilam pela rua, seguin-
do um carro de som. Na Praia de Grussaí, no município de São João da Barra (RJ), o bloco das
piranhas recebe o nome de ‘Boneca do Waldir’.
11
A história da Boneca do Waldir tem início no ano de 1977. Os irmãos Walter e Waldir
Simões montaram o bloco do Boi Piranha, para o desfile de rua no Carnaval em Grussaí. Os
foliões seguiam um grande boi pintadinho. Porém, o consumo de cachaça era muito grande, e,
geralmente, o boi tomava um rumo, e os foliões tomavam outro, causando a dispersão do bloco.
Insatisfeito com isso, Walter Simões preparou uma grande boneca de 2,3m de altura
aproximadamente. No seu pensamento, a boneca teria a propriedade de manter os foliões junto
de si. Essa boneca tem um vão interno à semelhança de um boi pintadinho e é colocada sobre
seu condutor, que tem a visão da rua através de uma pequena aberta quadrangular na altura da
cintura da boneca. Assim, os irmãos Walter e Waldir Simões colocaram a boneca na rua. Era o
ano de 1980. Ela chamava-se Gorina, ainda sob a influência da cachaça, porque os foliões gosta-
vam de tomar um goró. Ela nem sempre foi negra. A boneca já foi branca.

Figura 2. Boneca do Waldir, ano 2017. A Boneca do Waldir em meio aos foliões, na Avenida Liberdade,
na Praia de Grussaí, São João da Barra. O rosto da boneca aparenta traços masculinos. Na altura de sua
cintura, é possível ver a face do condutor através da abertura quadrangular. Fotografia em FRANCO,
2017.

No Carnaval de 1982, Walter Simões aborreceu-se com a grande quantidade de foliões


que entrava e saía de sua casa, atrapalhando seu trabalho. E, na hora do desfile, ele não compare-
ceu para sua abertura. Vendo a boneca pronta e premido pelo momento e pelos companheiros,
o médico Waldir Simões pôs a boneca na rua, que doravante passou a se chamar Boneca do
Waldir, o famoso bloco das piranhas de São João da Barra. Nas palavras de Waldir Simões:

No terceiro ano da boneca, que inicialmente se chamava Gorina, devido ao fa-


to dos foliões gostarem de tomar um goró, meu irmão teve um aborrecimento,

12
porque tinha muita gente entrando na casa dele durante os preparativos. Na
hora do bloco sair, ele não estava lá. O pessoal, que estava esperando, começou
a falar que eu colocaria a boneca na rua, e eu realmente coloquei. Daí em dian-
te, ficou com o meu nome. (BERRIEL, 2017).
(Waldir Simões em entrevista ao Jornal Folha1, num artigo datado de 24/02/2017).

O ano de 2006 foi muito molesto para esse bloco das piranhas. Quando os foliões mar-
chavam na Avenida Liberdade, um motorista embriagado arremeteu intencionalmente seu au-
tomóvel contra as pessoas que participavam do desfile da Boneca do Waldir. Felizmente, não
houve vítimas fatais. A Polícia Militar interviu e retirou o motorista do local, pois a multidão
queria linchá-lo. Segundo histórias que eu mesmo ouvi na época, o motorista é filho de um po-
deroso político de Campos dos Goytacazes, o caso foi abafado, e nada foi registrado oficialmen-
te. As notícias nos jornais não mencionaram o nome do condutor do veículo. Grandes quantias
de dinheiro foram pagas às vítimas do atropelamento, e a situação não precisou ser resolvida na
Justiça.

Figura 3. Foliões da Boneca do Waldir, ano 2019. Laura Assis e Albert Campos entrevistam dois ho-
mens vestidos de mulher durante o desfile da Boneca do Waldir, em Grussaí. Imagem do Canal TVB a
partir do filme Boneca do Valdir 2019 em Grussaí TVB Folia, lançado no YouTube. (BONECA do Valdir...,
2019).

Hoje, na internet, a vaga referência ao suposto autor do atropelamento só é encontrada


em comentários constantes em dois sítios. Num deles, o ex-vereador campista Marcos Vieira
Bacellar, cuja família é inimiga política da família Garotinho, lembra que, logo após o atropela-
mento dos foliões da Boneca do Waldir, surgiu uma marchinha carnavalesca que dizia: “Por cau-
sa do Wladimir, acabou, em Grussaí, a boneca do Waldir” (BACELLAR, 2011; XACAL, 2009).
13
O desfile da Boneca do Waldir foi interrompido por onze anos devido a esse infortúnio.
Em 2017, ela retornou ao sábado do Carnaval sanjoanense para a alegria do povo.
O barulho do carro de som era ensurdecedor. Homens e mulheres dançavam com um
copo de bebida nas mãos. Homens vestidos de mulheres, e algumas mulheres, de homens. Para-
mos alguns metros antes da esquina da Rua Augusto Lourenço Russo com a Avenida Liberdade.
Meu filho Tales, então com oito anos de idade e observando aquela multidão em procissão, não
deixou de ficar boquiaberto. Nunca vira algo assim. O incomum e o extraordinário chamaram
sua atenção. O estranhamento tocou-o. Então, ele olhou para mim e mandou:
— Pai, por que esses homens estão vestidos de mulher?
— É costume, filho, que num dos dias do Carnaval os homens saiam às ruas e desfilem
vestidos de mulher. Geralmente se diz que isso ocorre para que eles se aliviem do papel de ho-
mem. Alguns homens não gostam de atuar no papel de homem e acabam usando esse momento
em que agem como mulheres para se aliviarem de sua insatisfação e aguentarem mais um perío-
do agindo como homens até que chegue o próximo ano, com outro desfile como esse. — Assim
eu respondi, assertivo e terminante.
Aquele momento marcou indelevelmente minha memória. Eu segui em frente nos es-
tudos de graduação em Ciências Sociais e, quando chegou o tempo de definir o tema do trabalho
de conclusão de curso, a primeira questão que me veio à mente foi a memória daquele momento
em família no Carnaval de 2020, na praia de Grussaí, e a pergunta de meu filho. Então, bateu-me
a dúvida. De onde tirei aquela explicação que dei a meu filho a respeito dos homens vestidos
de mulher durante o Carnaval. Eu me baseei em quê ou em quem? Eu estava correto naquela
resposta? Embora forçasse minha mente, não consegui responder a nenhuma dessas perguntas.
Será que ensinei algo errado a meu filho?

14
2 A METODOLOGIA DA PESQUISA

Por que homens se vestem de mulher, e mulheres se apresentam com roupas de homem
em certos dias de festa? Essa pergunta levou-me a consultar as publicações de estudiosos da área
das Ciências Humanas, sobretudo da Antropologia e da Sociologia, em busca de respostas que
explicassem esse tipo de comportamento.
Por metodologia, empregou-se a pesquisa bibliográfica do tipo exploratória (­SEVERINO,
2014, p. 106-107; GIL, 2008, p. 27, 50). Bibliográfica porque esta pesquisa utilizou livros e cola-
cionou a contribuição analítica de seus autores a respeito do tema em questão. E exploratória
porque tanto mais se pautou pelo levantamento de informações quanto se buscou alcançar uma
visão geral sobre os rituais de inversão de ontem e de hoje e sua possível relação com a religião.
É interessante notar que essa busca por respostas para a pergunta de meu filho redun-
dou em meu próprio benefício. Interesso-me pelo estudo da Religião, e o ritual é um dos ele-
mentos que compõem esse ramo da ciência. Uns sete anos atrás, questionei-me por um tempo
a respeito da diferença entre o hábito e o ritual, visto que a mesma conduta pode configurar
tanto um quanto outro. Não consegui achar uma resposta satisfatória naquele tempo. Todavia,
em virtude deste trabalho monográfico, conheci a obra da antropóloga Margaret Mead e, com
ela, aprendi a respeito da diferença entre eles.
Creio ser oportuna a indicação de meu lugar de fala uma vez que, conquanto a Ciência
e o pesquisador devam ser imparciais, esse mesmo pesquisador não deixa de ser movido por
suas próprias questões e influenciado por sua história pessoal.
Sou nascido e criado no Cristianismo protestante. Lamentavelmente, a religião ins-
titucional não admite a dúvida, nem mesmo a dúvida sadia, aquela que, segundo o poeta e o
filósofo, é o preço da pureza (INFINITA Highway, 1987; SARTRE, 1939, p. 206-207), pois con-
duz à reflexão e à autocrítica. Entretanto, aos trinta e oito anos de idade, percebi incoerências
e contradições na religião cristã. Hoje, treze anos depois, ainda frequento a igreja, mas deixei
de ser devoto do Cristianismo. Hoje, esforçando-me por deixar para trás todo engano, busco a
religião pura e imaculada de que fala a Epístola de Tiago (Tg 1.27), não me conformando com o
sistema e me esforçando em praticar o ensino de Jesus de Nazaré.
Em razão disso, o presente trabalho também propõe um diálogo entre os eruditos que
analisaram os rituais de inversão ao mesmo tempo em que, devido a minha trajetória, se esta-
belece um breve debate entre esses mesmos rituais, a Religião, e o ensino de Jesus de Nazaré.
Quanto às traduções aqui apresentadas, elas são de minha lavra.
Além da formação religiosa, venho migrando paulatinamente da área das Ciências
Exatas para as Ciências Humanas. Sou graduado em Engenharia Química e em Direito. A Enge-
15
nharia Química, desde que pautada nas leis da física e da química, busca respostas exatas para
suas questões. E, no Direito, o aluno é ensinado a argumentar de maneira parcial porquanto ele
trabalhará defendendo uma das partes no litígio judicial.
Levando em conta tais características de minha educação, busquei expungir do tex-
to qualquer juízo de valor que implicasse uma exclusão ou um preconceito relativo a pessoas.
Esforcei-me em fugir das respostas exatas e fechadas, esforcei-me em não ser dogmático. Tentei
não ser parcial na minha argumentação. Na eventualidade de o leitor perceber ou entender ter
havido de minha parte algum preconceito, algum dogmatismo ou alguma parcialidade, peço
humildemente que me perdoe. Se ocorreu qualquer um desses desvios, infelizmente não fui
bem-sucedido.
Enfim, espero que o diálogo e o debate aqui propostos, possam oferecer outros pontos
de vista e conduzir o leitor a novas reflexões.

16
3 O COTIDIANO E O FERIADO

O Bloco das Piranhas é um dos desfiles de rua que ocorre durante o carnaval brasileiro,
que é um grande feriado nacional. E o termo ‘feriado’ já evoca a ideia de algo extraordinário e
invulgar. Ora, o extraordinário somente pode existir em relação ao ordinário, caso contrário as-
sim não o seria. Essa relação dual não deixou de ser observada por Georg Simmel, quem, certa
vez, notou o quanto a atual existência humana depende dos pares antagônicos:1

Nós reconhecemos duas forças, tendências ou características antagônicas, cada


qual, se deixada intocada, atingiria o infinito; e é por meio da limitação mútua
das duas forças que resultam as características do ânimo individual e coletivo.
[...]. As formas essenciais da vida na história de nossa raça invariavelmente
mostram a eficácia dos dois princípios antagônicos. Cada um, em seu âmbito,
tenta combinar o interesse na duração, unidade e similaridade com aquele na
mudança, especialização e peculiaridade. Torna-se por si só evidente que não
há instituição, lei, condição de vida que sejam capazes de satisfazer uniforme-
mente todas as exigências dos dois princípios opostos. (SIMMEL, 1957 [1904],
p. 541-542).

No mundo atual, cotidiano e feriado são pares antagônicos. O cotidiano é o período


destinado ao trabalho. Geralmente é um intervalo de tempo em que o ser humano tem de lidar
com a competitividade, com o esgotamento derivado de uma ocupação desagradável, com o
aumento de seu individualismo, com o enfraquecimento dos laços familiares, com a hierarqui-
zação das relações sociais. O feriado, por sua vez, vem em socorro dessa pessoa, usualmente lhe
oferecendo distração (espetáculos), torpor (bebidas alcoólicas) ou estimulação (por exemplo,
nos cultos religiosos) para que ele suporte mais um ciclo do cotidiano.
No mundo ideal, cotidiano e feriado seriam complementares, cada qual operando a
seu tempo a renovação do ser humano: a renovação pelo trabalho satisfatório no cotidiano, e a
renovação pelo fortalecimento dos laços sociais e pelos momentos de reflexão sobre a conduta
própria em relação aos outros e vice-versa, no feriado.
A cosmogonia judaica registra que o cotidiano e o feriado foram estabelecidos por Ya-
huah desde que se diz ter Ele trabalhado por seis dias e ter descansado no sétimo dia, com a de-
claração de que tudo que Ele fizera, era bom (Gn 1.31; Gn 2.2-3). Por assim dizer, Moisés sugere
que o feriado é algo bom e necessário à natureza humana, pois ele atribui a prática do feriado ao
próprio Yahuah, como também põe o feriado como algo anterior à Queda humana (Gn 3.6), co-

1
  O antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908 – 2009) também fez uso dessa ferramenta ao estudar os mitos.
Ele observou que há sempre um “duplo processo de oposição e correlação” (1986, p. 819) entre os elemen-
tos constituintes de um mito, elementos que existem num processo dialético de “pares dioscúricos” (1986,
p. 818) ou de “pares de oposições” (1967, p. 13), ou que existem num “sistema binário de contrastes” (1969,
p. 153).

17
mo algo pertencente ao reino do bom, e não pertencente àquilo que surge após a Queda, a saber,
o reino do bem (a imitação ou a deformação do bom) e do mal (a inversão do bom) (Gn 3.5).
À guisa de esclarecimento, o bom é inteiramente altruísta, por exemplo. Assim, se se dá
ou se empresta algo esperando receber alguma coisa de volta, pratica-se o bem. E se se toma algo
de assalto, pratica-se o mal. A dádiva com autossacrifício, por exemplo, é o bom. O bem e o mal
sempre pressupõem o sacrifício do próximo para a satisfação do desejo próprio. A sociedade hu-
mana insere-se no reino do bem e do mal, conquanto alguns seres humanos se esforcem em se
ater ao Bom e agir autossacrificialmente. Moisés, portanto, entendia o feriado como algo bom.
Por causa disso, ao promulgar o sistema legal da nação israelita e possivelmente mo-
tivado pelo sistema de feriados semanais da Babilônia (UNIVERSITY OF CHICAGO, 2004,
p. 449-450, verbete shapattu, vol. 17, parte 1; NORTH, 1955, p. 190, 195), Moisés instituiu o
feriado (shabat) semanal em Israel, além de alguns feriados anuais (Lv 23). Em Babilônia, o fe-
riado semanal, geralmente os dias de mudança de lua, era um dia de mau agouro, dia em que as
coisas poderiam dar errado. Talvez porque, no período da mudança de lua, usualmente se tenha
mau tempo (céu nublado, vento sul, chuva), ou seja, entendia-se que Deus Céu, o Pai, zangava-
-se. De qualquer modo, o medo fazia as pessoas cessarem suas atividades cotidianas. Por isso,
era um dia devotado ao apaziguamento dos Deuses. Em Israel, ao contrário, os feriados semanal
e anuais eram dias de alegria e regozijo. O tema, portanto, exige que se conheça a história do
vocábulo ‘feriado’.
A palavra ‘feriado’ deriva do latim feriatu, que significa “que está de festa” e que é o
particípio passado do verbo ferior, que quer dizer ‘festejar’ ou ‘descansar’, e este verbo, por sua
vez, tem origem na palavra feria (SARAIVA, 1927, p. 479-480, verbetes feriatus e ferior). Deve-se
observar que nossos vocábulos ‘feira’ e ‘férias’ igualmente derivam do termo latino feria, que sig-
nifica ‘dia de festa’, que é o mesmo que ‘dia de repouso em honra dos Deuses’ em sentido litúrgi-
co ou cultual (NASCENTES, 1955, p. 212, 213, verbetes ‘feira’ e ‘férias’). Já se percebe, portanto,
que a festa implica a interrupção ou cessação das atividades cotidianas em devoção à Divindade.
Cabe acrescentar que o antigo povo romano fazia distinção entre os dias de festa. Na
Roma Antiga, havia festa sem banquete e festa com banquete. Por exemplo, os romanos tinham
a nundinae, uma festa sem banquete. A Roma Republicana (509 – 27 a.C.), devido ao calendário
lunissolar, empregava semanas de oito dias, que eram separadas umas das outras por um dia
chamado nundinae. A nundinae, então, ocorria a cada nove dias, e era o dia de mercado, mas
também era uma feria, um dia de festa sem banquete, era o feriado semanal de Roma.
Nos dias de feria, cuja finalidade era cultual, “havia grandes mercados e costumavam
apresentar como oferenda [aos Deuses] animais, fazenda, cera e outras mercadorias que os co-
merciantes traziam para esse fim. Depois, o comércio, que era o acessório, passou a ser o prin-

18
cipal e as feiras se desnaturaram” (NASCENTES, 1955, p. 212, verbete ‘feira’). Por outro lado,
as Saturnais, uma festa anual em que se celebrava a colheita, eram dias de festa com banquete.
Daí a diferença apontada por Ernout e Meillet (2001, p. 226, verbete feriae): “Os an-
tigos distinguem feria, ‘repouso’, ‘descanso em honra dos Deuses’, de dies festus, ‘dia de festa’  ”.
E esses etimologistas franceses o fizeram na autoridade de um gramático romano que floresceu
no fim do século II d.C. e que elaborou um resumo da enciclopédia do gramático Vérrio Flaco
(c. 55 a.C. ‒ 23 d.C.). Veja-se:

Feria – a feriendis victimis appellata.


Feria – [festa, que era assim] denominada por causa das vítimas sacrificiais
golpeadas.
[...]
Ferias – antiqui fesias vocabant: et aliae erant sine die festo, ut nundinae; aliae
cum festo, ut Saturnalia: quibus adiungebantur epulationes ex proventu fetus
pecorum frugumque.
Ferias – os antigos chamavam de fesias; umas [festas] eram sem dia de banque-
te, como o dia de mercado; outras eram com banquete, como as Saturnais, nas
quais eles se ajuntavam em repastos por causa da produção fecunda dos gados
e das searas. (FESTUS, 1826, p. 264; FESTUS, 1846, p. 145-146).
(Sexto Pompeu Festo, Epítome de ‘Do Significado das Palavras’ de Vérrio Flaco, VI).

Logo, em última instância, o dia de feriado recebe esse nome em razão das vítimas que
eram feridas como sacrifício em honra da Divindade. Nesse sentido, e provavelmente apoiado
em Pompeu Festo, o abade de Fourcroy ensinou que os romanos “tinham seus dies festi, ou fe-
riae (feriados), porque nesses dias eles [faziam] o ferire victimas,2 isto é, ofereciam sacrifício”
(FOURCROY, 1617, p. 237).
O feriado era dia de festa. E, para os antigos, festejar não apenas era banquetear em
celebração da colheita mas também era imolar as vítimas sacrificiais em culto à Divindade. As-
sim, pode-se entender que tanto a missa católica ou o culto protestante quanto o carnaval são
momentos de festa, que ocorrem em dias de festa, quais sejam, no feriado semanal de domingo
e no feriado anual de Carnaval.
Posto isso, uma vez que “tudo que é insólito, singular, novo, perfeito ou monstruoso
torna-se receptáculo para as forças mágico-religiosas e, segundo as circunstâncias, um objeto
de veneração ou de temor” (ELIADE, 2018, p. 20), não é demais concluir que, por ser insólito e
singular, o dia de feriado pertence ao reino do sagrado ou, ao menos, tem um quê de sagrado, ao
passo que o cotidiano habita a região do profano.

2
  Ferire victimas. Latim, quer dizer ‘imolar as vítimas sacrificiais’. Ferire é o infinitivo presente de ferio, que
significa ferir, bater, golpear, matar.

19
3.1 O CARNAVAL

É difícil estabelecer um elemento único e definidor da origem do Carnaval. Na ver-


dade, o Carnaval é o resultado da confluência de vários fatores. Os estudiosos (FERREIRA,
2004, p. 18-20; ORLOFF, 1981, p.18-32) do tema enfatizam, primeiramente, a influência das
antigas festividades pagãs: a Saceia babilônica, as Dionísias gregas, as Saturnais romanas, dentre
outras. Tais festas impunham a suspensão temporária da ordem vigente, em cujas celebrações
geralmente havia a inversão de papéis sociais: o amo assumia o papel de escravo, e vice-versa; o
homem assumia o papel de mulher, e vice-versa; etc.
Noutra perspectiva, destaca-se o desejo do Cristianismo em se firmar como religião
dominante mediante a supressão da Religião Antiga, isto é, do paganismo. Percebendo-se in-
capaz de eliminar as antigas festas pagãs, a estratégia da Igreja consistiu em estabelecer festas
cristãs no mesmo período em que ocorriam as celebrações pagãs. Era o mais do mesmo, com
novo nome e traços refinados. Ou eram variações do mesmo tema.
O historiador francês Louis Félix Bourquelot (1815 – 1868), em sua introdução à publi-
cação de um ofício litúrgico elaborado por Pierre de Corbeil, arcebispo de Sens (1200 – 1222),
para a missa da Festa dos Bobos,3 expõe esse pensamento com base na autoridade de Guillaume
d’Auxerre (c. 1145 – 1231), professor de Teologia na Universidade de Paris. Confira-se:

Eu disse que minhas ideias concordavam em grande parte com aquelas do


Senhor Chérest. As festas dos Inocentes, dos Bobos, do Asno, dos Subdiáco-
nos parecem-me, como também a ele, divertidas desforras do povo contra os
grandes, do baixo clero contra os altos dignitários. Vejo nelas ‘a liberdade de
dezembro’, passando e se perpetuando de geração em geração, através das re-
ligiões e de diversas civilizações. A Igreja Cristã se esforça para regularizar
a efusão, muitas vezes grosseira, da alegria popular. Ela procura santificá-
-la apropriando-se dela, como havia feito consagrando os templos pagãos.

3
  Essa festa foi criada no século X por Teofilacto, patriarca da Igreja em Constantinopla, para entretenimento
dos cristãos (HONE, 1823, p. 157). Da Turquia, migrou para a Europa mediante rotas de comércio e de pe-
regrinação. A Festa dos Bobos (na França) ou Festa dos Inocentes (na Espanha) celebrava, nos dias 26, 27 e
28 de dezembro, a lembrança das crianças mortas pelo Rei Herodes na cidade de Belém, por ocasião da visi-
ta dos magos persas ao menino Jesus. Na Europa, durou do século XII ao século XVI, e, concernentemente
ao seu conceito de inversão, foi sucedida pelo Carnaval. A Festa dos Bobos era uma celebração promovida
por aspirantes ao clero e pelo próprio clero. Meninos do coro, seminaristas e diáconos faziam brincadeiras
que infamavam os sacerdotes cristãos. Elegia-se um bispo ou um papa dos bobos, a quem eram dadas vestes
e ornamentos oficiais do cargo; seminaristas vestiam as roupas dos sacerdotes e celebravam missas loucas
com canções obscenas. Diáconos comiam linguiças e salsichas no altar e, no mesmo altar, jogavam cartas.
Nos incensários, queimavam-se pedaços de calçados usados para deixar o interior do templo com mau chei-
ro. O clero comparecia a tais missas com trajes de comédia e mascarada; e os leigos, com trajes de monge
e freira (TILLIOT, 1741, p. 5-6; HONE, 1823, p. 156-167). Atualmente, tenta-se mostrar que não há docu-
mento fidedigno que corrobore tais afirmações, pois seriam relatos de segunda mão, e não de testemunhas
oculares (HARRIS, 2011, p. 65-97). Tais relatos seriam exagerados, havendo apenas um registro tardio de
primeira mão, aquele feito por Neuré (HARRIS, 2011, p. 286-287; HONE, 1823, p. 167).

20
­ uillaume d’Auxerre, numa época já remota, traduziu esse sentimento de uma
G
maneira notável:
Antes da vinda do Salvador, celebravam-se as festas denominadas ‘Paren-
tais’. Nesse dia, os crentes imaginavam que, se lhes ocorresse alguma boa
sorte, ela teria o mesmo pendor no resto do ano. A Igreja desejou suprimir
essa festa, que era contrária à fé. Não sendo capaz de extirpá-la inteiramen-
te, ela substituiu-a por outra que a eliminasse. De modo que, se nesse dia
se faz lá alguma coisa fora da fé, ao menos nada se faz contra a fé. E assim
a Igreja tem convertido as festividades que são contrárias à fé em festivida-
des que não são contrárias à fé. (Félix Bourquelot, apud CORBEIL, 1856,
p. 5-6).

Tendo em mente esses dois elementos, Felipe Ferreira (2004, p. 25-30) situa a origem
do Carnaval a partir do estabelecimento da Quaresma pelo papa Gregório I no ano de 604. Co-
mo a Igreja, mediante lei, obrigava os fiéis a que, num período de quarenta dias, se abstivessem
do que usualmente se reconhece como o melhor dessa vida (comida, bebida, sexo, desforra, e
toda sorte de descomedimento) no intuito de fomentar as virtudes do Evangelho e a espiritua-
lidade, nada mais natural do que as pessoas tentarem compensar esse período em que se viam
forçadas à privação com um período de total liberdade e excessos. Sendo estabelecida a Quarta-
-Feira de Cinzas no século XI, imediatamente se lhe seguiu o surgimento da Terça-feira Gorda,
sacramentando os festejos que ocorriam antes da Quaresma. Assim, “não fosse pela invenção
da Quaresma, não haveria Carnaval” (FERREIRA, 2004, p. 26), um grande momento de festa.

3.2 A FESTA

A vida não é um elemento estático. Aliás, já se disse que vida é movimento, ou uma
sucessão ininterrupta de fases, ou um ciclo a se completar. As mudanças de fase parecem não
provocar crises em a natureza. Nem ela se cansa de ser o que é: natureza. Os vegetais florescem
na primavera. E o fato de virem ou não virem a florescer em nada os abala. Uma abelha operária
será sempre uma operária enquanto viver. Em nenhum momento, essa abelha estará cansada
de suas funções. A natureza não tem medo da mudança nem se cansa de atuar no papel que lhe
cabe.
O ser humano, porém, é diferente. Para ele, o cotidiano conduz à exaustão pessoal e ao
enfraquecimento dos vínculos sociais. Para ele, o cotidiano significa muitas vezes exercer um
papel social que não lhe agrada. Quanto a isso, Durkheim percebeu que o dia a dia tem suas
ocupações e preocupações que distanciam os indivíduos, e que, em oposição à vida cotidiana, as
festas têm o condão de aproximar os indivíduos e são caracterizadas pelos excessos, pela viola-
ção das normas e pela efervescência. Em seus termos:

21
Inversamente, toda festa, mesmo que puramente leiga por suas origens, tem
certos traços da cerimônia religiosa, pois sempre tem por efeito aproximar
os indivíduos, pôr em movimento as massas e suscitar, assim, um estado de
efervescência […]. O homem é transportado [para] fora de si, distraído de
suas ocupações e preocupações ordinárias. […]. Foi assinalado com freqüên-
cia que as festas populares levam aos excessos, fazem perder de vista o limite
que separa o lícito do ilícito, também há cerimônias religiosas que determinam
como que uma necessidade de violar as regras, ordinariamente as mais res-
peitadas. (Grifo nosso). (DURKHEIM, 1996 [1912], p. 417-418).

Ainda segundo Durkheim, as religiões, com seus cultos (festas), refazem e fortificam
o espírito fatigado com o que há de sujeição excessiva no trabalho cotidiano
[…], pois é através delas [isto é, das representações que o culto evoca] que o
grupo se afirma e se mantém. […]. Assim que cumprimos nossos deveres ri-
tuais, retornamos à vida profana com mais coragem e ardor […] porque nossas
forças se revigoraram ao viver, por alguns instantes, uma vida menos tensa,
mais agradável e mais livre. Por isso, a religião tem um encanto que não é um
de seus menores atrativos. (DURKHEIM, 1996 [1912], p. 416-417).

O sociólogo francês Roger Caillois, ao elaborar uma teoria da festa, ressalta que a efer-
vescência da festa contrasta com a vida ordinária — e suas tarefas diárias e seu sistema de proibi-
ções em que o aforismo ‘não mexas com o que está quieto’ mantém a ordem social (1959, p. 97).
Então, ele chama a atenção para o fato de que a sociedade humana vê a mudança ou a inovação
como ameaças. Por isso, ela tentará impedir as mudanças. Mas esse ato, em si mesmo, já traz a
semente de sua própria destruição, pois uma sociedade que não se renova, acumula ferrugem e
sofre o desgaste de suas engrenagens. Os excessos festivos seriam, então, o remédio contra esse
desgaste e um meio de purgar os detritos (sentimentos e pensamentos maus) que se acumulam
na vida em sociedade (1959, p. 101-102). Seu pensamento a respeito das festas pode, então, ser
resumido nos seguintes termos:

Com efeito, quando essas festas, exaustivas e ruinosas, cessaram sob a influên-
cia da colonização, a sociedade perdeu seu vínculo e se desintegrou. Por mais
diferentemente que se possa concebê-las ou que possam parecer, estejam reu-
nidas numa única temporada ou espalhadas ao longo do ano, as festas em todo
lugar parecem exercer uma função semelhante. Elas constituem uma suspen-
são na obrigação de trabalhar, um livramento das limitações e da escravidão da
condição humana: é o momento em que se vive o mito, o sonho. Existe-se num
tempo e num estado em que se se atém unicamente a gastar e a se desgastar.
Os desejos de adquirir não são mais apropriados, deve-se dilapidar. Cada um,
mais do que os outros, esbanja suas riquezas, seus víveres, seu vigor sexual ou
muscular. Mas parece que, ao longo de sua evolução, as sociedades tendem
para a não diferenciação, a uniformidade, o igualamento de níveis sociais, o
alívio das tensões. À medida que se reconhece culpada, a complexidade do
organismo social sofre menos a interrupção do curso ordinário da vida. Tudo

22
tem que continuar hoje como foi ontem e, amanhã como é hoje.4 (CAILLOIS,
1959, p. 126-127).

O feriado (dia de festa, dia de culto) forma um sistema binário de contrastes com o co-
tidiano. O cotidiano é um período de contenção e economia. Ele dá causa à fadiga e ao acúmulo
de detritos. O ser humano se cansa de exercer os variados papéis sociais que lhe cabem: homem,
mulher, empregada, empregado, chefe, chefa, mãe, pai, e outros mais. Num mundo em que vige
a desigualdade social e a injustiça, o ser humano acumula sentimentos e pensamentos contrá-
rios à vigente ordem social. O feriado, então, é posto em socorro desse cotidiano.
A festa é um breve período de suspensão da vida quotidiana, de suas obrigações, res-
trições, trabalhos, normas. A festa é um tempo de gastamentos e excessos na comida, na bebida,
no sexo, na desforra; é um tempo de violação das normas rotineiras. A festa tem o condão de
aproximar as pessoas, seja pelo convívio, seja pela suspensão das normas relativas à hierarquia
social. A festa revigora e purga o indivíduo de seus ressentimentos e mágoas. Mas, sobretudo, a
festa, como hoje se dá, existe para que tudo retorne ao estado que existia anteriormente.
Há um elemento importante na compreensão sociológica das festas. Na Antropologia,
as festas são estudadas como manifestações dos rituais, porque há os rituais que são festivos e há
as festas que são rituais (AMARAL, 1998, p. 16). Festa e ritual estão inerentemente imbricados
na sociedade humana.

4
  Elaborei essa tradução a partir do texto em francês. Mas não logrei encontrar, na internet, um livro em fran-
cês e digitalizado. O texto em francês que verti para o português, não é paginado nem é a digitalização de
um livro físico. Isso não permitiu a remissão a certa página. Desse modo, vi-me premido a remeter o leitor
à tradução em inglês. Há ainda, disponível na internet, uma versão em espanhol na qual faltam as páginas
110-111.

23
4 O RITUAL

O ser humano comumente exibe padrões habituais de comportamento. É uma caracte-


rística tão marcante em nossa raça que uma das personagens de Charles Dickens disse que “nós
somos criaturas de hábito” (DICKENS, 1848, p. 529). E o filósofo pragmatista norte-americano
John Dewey (1998, p. 27), em seu artigo Em que Eu Acredito (1930), afirmou numa aparente
crítica à utilidade dos hábitos e dos impulsos que: “Nós perdemos a confiança na razão porque
aprendemos que o homem é primeiramente uma criatura de hábito e emoção”. Proveitoso ou
não, o fato é que o hábito é um elemento sempre presente na vida humana.
O hábito e o ritual se assemelham por serem ambos condutas reiteradamente pratica-
das. Entretanto, o que distingue um do outro? Alguém que todo dia vai trabalhar, pode ser a
mesma pessoa que todo domingo vai à igreja. Em que diferem a ida ao trabalho e a ida à igreja?
Uma família que almoça junto todo dia, pode ser a mesma família que compartilha a comida na
comemoração de um aniversário. Em que se distinguem a refeição cotidiana da refeição numa
festa de aniversário?
“Falar de ritual é falar de padrões de comportamento humano”. É como Margaret Mead
(1973, p. 87) começa a explicar o que é ritual. Em sua vida, o ser humano tem muitos compor-
tamentos habituais e repetitivos, mas nem todos são rituais. Algumas características distinguem
o ritual de qualquer outra prática convencionada e costumeira.
O ato ritualístico tem um grau de intensidade adicional em relação à prática cotidiana
(MATTA, 1997, p. 77, 83). Ou porque tem o elemento de sacralidade vinculado a ele, ou porque seu
atributo afetivo foi amplificado. O lamento por uma morte é mais intenso do que a tristeza pela par-
tida em uma grande viagem. Fazer a obra de Deus dá mais satisfação do que fazer a obra do próximo.
Comportamento social também é atributo do ritual, porque ele diz respeito a relacio-
namentos. Um ato definido como social não implica necessariamente que ele seja praticado por
várias pessoas. O ritual pode ser realizado por um único indivíduo desde que o ato se relacione
com uma Divindade ou com um grupo de indivíduos ligados àquele que pratica o ritual. Um
índio solitário em busca de uma visão, age social e ritualisticamente se aguarda a presença de
um espírito guardião. O devoto que entrega seu dízimo no templo, executa um ritual desde que
entregue sua oferta para Deus, ou contanto que o faça junto de seus correligionários.
Outra característica do ritual é que ele demanda a consciência daqueles que o execu-
tam. Uma ação só é considerada ritual se aqueles que dela participam estão cônscios, num certo
sentido, de sua natureza ritualística. Não se exige, todavia, que essa percepção seja completa.
Mas essa consciência deve apenas ser o bastante para que se notem quaisquer mudanças na
cerimônia. O ritual deve ser executado com os mesmos gestos, as mesmas palavras, as mesmas
24
vestimentas, os mesmos instrumentos. É a constância que garante a segurança ao devoto. Qual-
quer mudança no protocolo furtaria ao fiel aquele estado de bênção e o amparo assegurado pelo
ritual, por isso o ritual só é eficaz se não for alterado (MEAD, 1973, p. 87-95).5
O ritual tem semelhanças com o feriado em seu uso atual. A iminência da fratura so-
cial, o medo e o desejo de controle são elementos que dão origem a ambos. Por meio dos rituais,
o homem tenta controlar suas relações sociais.

Para a maioria de meus colegas, o ritual expressa aquelas categorias funda-


mentais pelas quais os homens tentam apreender e controlar a existência social
deles — categorias que se referem tanto a posições sociais quanto a entidades
místicas. Assumimos que o homem é uma criatura fazedora de regras e bus-
cadora de ordem, para quem transição e mudança representam um desafio,
se não uma ameaça real. Os cataclismos que periclitam a coerência do tecido
social, variam de epidemias e assassinatos à transição da adolescência à fase
adulta, do nascimento à morte, e da primavera ao inverno. As sociedades ten-
dem a lidar com essas situações de crise com o ritual, que representa a validade
duradoura de certos princípios da ordem. (CROCKER, 1973, p. 49).

Ainda associado ao medo e ao desejo de controle por parte do ser humano, o ritual
se apresenta como um modo de garantir a ocorrência de certo resultado final. Max Gluckman
(1911 – 1975), antropólogo fundador da Escola de Manchester, não deixou de notar que “rituais
de todos os tipos estão associados a esforços para garantir o sucesso e evitar o desastre” (1966,
p. 31). Além disso, Nathan Mitchell, professor emérito de Liturgia no Departamento de Teolo-
gia da Universidade de Notre Dame (Indiana, EUA), enfatizou que o ritual é uma maneira de
preservar o status quo ante, de garantir a continuidade de um determinado modo de vida. Seu
ensino é aparentemente contraditório porque não há como garantir um resultado final sem ser
utilitário. Ainda assim, confira-se:

Noutras palavras, o ritual é um modo de regular a vida social, de moldar iden-


tidades individuais e coletivas, de rever e renovar valores, de expressar e trans-
mitir significado em ato e palavra simbólicos, de preservar a tradição, e de
garantir a continuidade e a coesão cultural. Não é um modo de agir ‘eficiente’
ou ‘utilitário’. Do contrário, os atos ritualísticos são caracteristicamente am-
bíguos, sépticos, múltiplos no significado (e, por isso, não instantaneamente
claros ou inteligíveis). (Grifo nosso). (MITCHELL, 1999, p. 25-26).

A primeira contribuição substancial no estudo dos rituais veio de alguém que não era, à
época, ligado à academia. Arnold van Gennep (1873 – 1957), nascido alemão, de sangue franco-
-holandês, e criado na França, era professor e tradutor de francês, escritor de artigos etnográ-

5
  Ainda sobre a diferença entre hábito e ritual, veja-se HOUSEMAN; SEVERI, 1998, p. 228-30. Eles mostram
que, segundo Humphrey e Laidlaw (1994), o ato ritualístico é: não intencional (não tem o propósito que
o mesmo ato teria no cotidiano), estipulado (em abstrato, ele é pré-fabricado, e sua existência precede o
ato em si), elemental (tem sua própria razão de ser, e esse é seu poder) e apreensível (está à espera de um
significado dado por quem o executa).

25
ficos baseados em monografias e publicações acadêmicas na área da Antropologia. Em seus
estudos, Gennep notou que as mudanças de estado social ocorriam mediante rituais. Dito de
outra forma, na paráfrase da professora Andréa Lúcia da Silva de Paiva, do curso de Curso de
Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes, Gennep no-
tou que “viver em sociedade é passar, e esse passar é ritualizado” (PAIVA, 2014, p. 4).

Toda alteração na situação de um indivíduo implica aí ações e reações entre


o profano e o sagrado, ações e reações que devem ser regulamentadas e vigia-
das, a fim de a sociedade geral não sofrer nenhum constrangimento ou dano.
É o próprio fato de viver que exige as passagens sucessivas de uma sociedade
especial a outra e de uma situação social a outra, de tal modo que a vida indi-
vidual consiste em uma sucessão de etapas, tendo por término e começo con-
juntos da mesma natureza, a saber, nascimento, puberdade social, casamento,
paternidade, progressão de classe, especialização de ocupação, morte. A cada
um desses conjuntos acham-se relacionadas cerimônias cujo objeto é idênti-
co, fazer passar um indivíduo de uma situação determinada a outra situação
igualmente determinada. (GENNEP, 2011 [1909], p. 24).

Aliás, Gennep seguiu adiante. Ele classificou os ritos de passagem em três subclasses,
em três classes secundárias de ritos: os ritos de separação, os ritos de margem, e os ritos de agre-
gação. Os ritos de separação são preliminares. Os ritos de margem são liminares. Os ritos de
agregação são pós-liminares. Como exemplos, então, ele citou o funeral como um rito de sepa-
ração, o casamento como um rito de agregação, e o noivado e a iniciação como ritos de margem
(GENNEP, 2011, p. 29-30; GLUCKMAN, 1966, p. 2-3). Gennep associou os ritos de margem às
zonas neutras existentes entre os países, e ao deserto, ao pântano e à floresta virgem entre duas
nações, pois, ao adentrar esses espaços, o indivíduo “flutua entre dois mundos” (2011, p. 35).
Então, num rasgo de genialidade, ele afirmou:

[...] um dos objetivos do presente livro consiste em demonstrar que esta mar-
gem, simultaneamente ideal e material, encontra-se mais ou menos pronun-
ciada, em todas as cerimônias que acompanham a passagem de uma situação
mágico-religiosa ou social para outra. (GENNEP, 2011 [1909], p. 35).

A arguta observação de Arnold van Gennep pavimentou o caminho para aqueles que
vieram após ele, sobretudo para o casal Victor Turner (1920 – 1983) e Edith Turner (1921 –
2016), que magistralmente explicaram o pensamento de Gennep:
Ele mostrou-nos que todos os rites de passage (ritos de transição) são marca-
dos por três fases: separação, limiar ou margem, e agregação. A primeira fase
compreende o comportamento simbólico significando o aparte do indivíduo
ou grupo, seja de um ponto fixo antecedente na estrutura social, seja de um
conjunto relativamente estável de condições culturais (um ‘estado’ cultural);
durante a interveniente fase liminar, o estado do sujeito ritual (o ‘passagei-
ro’ ou ‘liminar’) se torna ambíguo, ele atravessa uma região ou dimensão que
pouco ou nada tem dos atributos do estado anterior ou do estado porvir, ele

26
está entremeio de todas as linhas de classificação conhecidas; na terceira fase, a
passagem se consuma, e o sujeito retorna a uma vida social mundana ou secu-
lar, e organizada em classes. O sujeito ritual, individual ou coletivo — ­grupos,
faixas etárias, e categorias sociais também podem sofrer transição —, está mais
uma vez numa posição estável, tem direitos e obrigações de uma classe estru-
tural claramente definida, e exige-se que ele se comporte de acordo com as
normas comumente praticadas e com os padrões éticos consentâneos com seu
novo e determinado status. (TURNER; TURNER, 1978, p. 2).

Nota-se, assim, que Arnold van Gennep definiu o ritual como o elemento que marca a
passagem do indivíduo de uma situação ou de um estado para outro, no âmbito da vida social.
Mas será que todos os rituais necessariamente marcam uma passagem, uma transição para ou-
tro status?
Segundo os antropólogos Michael Houseman e Carlo Severi (1998, p. 169), professores
da École Pratique des Hautes Études, “o modelo tripartido de Gennep tem sido repetidamente
verificado por subsequentes trabalhos de campo”. Por isso mesmo, a obra de Gennep exerceu
grande influência sobre Victor Turner, que aprimorou aquilo que o primeiro legou. O ritual e
seus apanágios podem ser definidos nos termos que abaixo se seguem, e que estão reunidos no
apêndice da obra intitulada Imagem e Peregrinação na Cultura Cristã:

Ritual. Comportamento formal prescrito para ocasiões que não são dedicadas
à rotina tecnológica e que se referem a crenças em seres e poderes místicos
(Victor Turner 1967a: 19). A unidade de um dado ritual é uma unidade dra-
mática. A observação das fórmulas do ritual é considerada essencial; pois so-
mente ao se permanecer dentro dos canais delimitados pela tradição e através
dos quais a ação coletiva deve fluir (ritus, deriva de uma raiz indo-europeia,
ri-, que significa ‘fluir’), é que a paz e a harmonia usualmente prometidas aos
participantes do ritual serão finalmente alcançadas (Victor Turner 1968a: 269).
Ritual é uma “atuação transformativa e que revela classificações maiores, ca-
tegorias, e contradições de processos culturais” (Grimes 1976: 16). “Não é um
bastião do conservadorismo social, cujos símbolos simplesmente condensam
estimados valores culturais. Mais precisamente, ele contém a fonte geradora
da cultura e da estrutura” (veja abaixo). “Portanto, ritual está por definição
associado a transições sociais, ao passo que a cerimônia está ligada a estados
sociais” (ibidem, p. 24). As execuções do ritual são fases distintas no processo
social, por meio do qual os grupos se ajustam a mudanças internas e se adap-
tam ao seu ambiente externo (Victor Turner 1967a: 20). (TURNER; TURNER,
1978, p. 243-244).

Victor Turner estudou atentamente a fase liminar dos rituais de passagem. Nesse cami-
nho, ele reafirmou que a sociedade é um processo no qual o indivíduo se vê oscilando entre dois
mundos, um mundo fixo e um mundo à deriva. E, por meio de categorias verbais e não verbais,
nós nos sujeitamos a várias restrições e limites com o fito de manter o caos ao largo. O ser hu-
mano se encarcera em classificações e posições sociais para afastar a desordem. Porém, nesse
próprio ato, ele também arreda o poder criativo, a imaginação e a reflexão que conduzem ao
27
aperfeiçoamento pessoal e à liberdade, uma vez que nem todas as condutas que fogem à tradição
ou ao costume são condutas más.
O cotidiano, então, já esvaído de suas forças, deve ser vivificado por meio de brechas
estruturais, que são intervalos de espaço e tempo inseridos no calendário e nos interstícios do
ciclo cultural, brechas que são esferas de ação insuscetíveis de passar pela peneira classificatória
da rotina diária. Essas mesmas brechas estruturais são regiões liminares de espaço e tempo — ri-
tuais, feriados, peças teatrais, filmes — nas quais reina o livre pensar, sentir e decidir. Esses inter-
valos propiciam o surgimento de novos modelos sociais, os quais, quando dotados de suficiente
poder, podem fortuitamente substituir retrocessivos padrões jurídicos e políticos que dominam
a corrente vida social (TURNER, 1991 [1969], p. vii).
A estrutura, então, é definida “como uma disposição mais ou menos característica de
instituições especializadas mutuamente dependentes e a organização institucional de posições e
atores que elas implicam” (TURNER, 1974 [1969], p. 201-202). ‘Estrutura’, no sentido conferido
por Turner, é um vocábulo que se refere às posições e aos indivíduos que ocupam essas posições
dentro de uma instituição.
A fase liminar de um ritual é aquele intervalo de tempo e espaço entre o deixar uma
posição social e reassumi-la (rituais de renovação) ou entre o deixar uma posição social para as-
sumir uma nova posição (rituais de passagem). Na fase liminar ocorre o ritual em si. A respeito
desse demover, Roberto da Matta (1997, p. 99) nota que o ato de ritualizar “é fundamentalmente
deslocar um objeto de lugar — o que traz uma aguda consciência na natureza do objeto, das
propriedades de seu domínio de origem e da adequação ou não do seu novo local”. No mesmo
sentido, a fase liminar foi vista por Victor Turner como uma antiestrutura, onde reina a liberda-
de e representa o momento de autorreflexão da sociedade. No seu dizer:

A liminaridade antiestrutural provida no âmago das formas rituais e estéticas


representa a reflexividade do processo social, onde a sociedade se torna simul-
taneamente sujeito e objeto direto. Ela também representa o modo subjuntivo
dele, em que suposições, desejos, hipóteses, possibilidades, etc., todos se tor-
nam lícitos. (TURNER, 1991 [1969], p. vii).

Victor Turner parece oscilar entre a esperança de dias melhores e a pura resignação
diante das aparentes possibilidades existentes na fase liminar do processo ritual. Porque, mais
tarde, ele passou a ver essa fase como um momento em que a autoridade observava pensamen-
tos, sentimentos e comportamentos que estavam reprimidos para cortar fora aqueles que não
lhe interessavam, ou ainda como um momento de seleção natural, em que os menos ajustados
deveriam ser removidos.6 Pois esse antropólogo também afirmou que:

6
  Os cursos de graduação, sobretudo eles, podem ser vistos como uma fase liminar na passagem de uma
pessoa sem título para uma pessoa com título. E, dentre os cursos de graduação, os cursos de Engenharia,

28
Na liminaridade de sociedades tribais, a autoridade tradicional poda des-
vios excessivos na brotação. Encontramos ali a inversão simbólica de papéis
sociais, a imagem espelhada de paradigmas normativos seculares. Não encon-
tramos abertura, a possibilidade de que a liberdade de pensamento inerente ao
próprio princípio da liminaridade possa levar a uma maior reformulação da
estrutura social e dos paradigmas que a programam. Mas, no limiar de toda a
história atual, quando divisões bem delineadas começaram a aparecer entre os
paradigmas fundamentais que guiaram a ação social por longo lapso de tempo
e o comportamento antiparadigmático das multidões em resposta a estímulos
e pressões totalmente novos, ficamos propensos a descobrir a prolífica geração
de novos modelos experimentais — utopias, novos sistemas filosóficos, hipó-
teses científicas, programas políticos, formas de arte, e semelhantes — entre os
quais o teste da realidade resultará na “seleção natural” cultural daqueles
mais adequados a tornar inteligíveis e a dar forma aos novos conteúdos das
relações sociais.
Tem-se tornado claro para nós que liminaridade não é somente transição mas
também é potencialidade, não é apenas um “vir a ser” mas também é “o que
poderia ser”, um domínio exprimível e no qual tudo que não é aparente nas
operações normais e diárias de estruturas sociais (ou em razão de repressão
social, ou porque é cognitivamente tornado “invisível” pela ardilosa negação
paradigmática) pode ser estudada objetivamente, apesar da característica mui-
tas vezes bizarra e metafórica de seus conteúdos. (Grifo nosso e itálico do au-
tor). (TURNER; TURNER, 1978, p. 3).

Houve uma observação muito perspicaz da parte de Turner. Ele identificou a formação
de um elemento característico na fase liminar do processo ritual: a communitas, uma palavra
latina que designa ‘comunidade’. O grupo que experimenta a fase liminar, torna-se uma com-
munitas.
Afastados do status anterior, os indivíduos temporariamente formam uma communi-
tas até que retornem ao estado anterior ou sejam alocados em suas novas posições sociais. A
communitas forma o par antagônico com a estrutura, e a correlação de ambos expõem os dois
principais modelos pelos quais os relacionamentos humanos podem se dar. No modelo operado
na vida cotidiana, a sociedade é um sistema estruturado, diferenciado, hierarquizado, desigual,
competitivo, fixo, não espontâneo, que classifica os homens de acordo com seus méritos e de-
méritos. No modelo oposto e que é praticado durante o feriado, os movimentos se dão pela
liberdade de consciência (à semelhança de uma anomia), e a vida é pautada na igualdade, na

Medicina e Direito se agigantam sobre os demais. Nessa fase liminar, isto é, durante a graduação, devido às
dificuldades que lhe são impostas, o candidato (aluno) é induzido a pensar que, por seu próprio mérito e
ao término da graduação, ascendeu a uma classe superior de ser humano. Poucos graduados não sucum-
bem a esse tipo de pensamento que leva a maioria dos titulados a reter informações e a decidir no lugar de
seu próximo. É a sociedade perpetuando a desigualdade e o desprezo para com os supostos fracos (menos
agressivos). No caso dos cursos de Teologia, eles servem para separar os discordantes dos aptos a assumir
uma liderança religiosa. Na graduação em Teologia, o estudante descobre as verdades sobre a Bíblia e sobre
as doutrinas da religião cristã e, então, tem de decidir se aceita ou não aceita trabalhar para o sistema, ao
assumir um cargo religioso.

29
humildade, na fraternidade, na ajuda mútua, no altruísmo, na liberdade, numa sempre presente
transição (TURNER, 1974 [1969], p. 118-120, 130-131; MATTA, 1977, p. 21).
Quanto a isso, o antropólogo Roberto da Matta notou que o Carnaval é um período de
communitas devido à relação de igualdade entre as características desse feriado e daquele ele-
mento formado na fase liminar do processo ritual. Aliás, numa perspectiva antagônica, Matta,
assim como Peter Burke (2010, p. 256), também percebeu que o Carnaval faz par oposto com o
cotidiano. Em suas palavras:

[...] o Carnaval parece ser a instituição paradigmática desta visão do Brasil co-
mo uma grande communitas, onde raças, credos, classes e ideologias comun-
gam pacificamente ao som do samba e da miscigenação racial, aqui vista como
um traço quase-hereditário do caráter nacional português.
O Carnaval seria o sumário perfeito desta visão anti-cotidiana da vida brasi-
leira. Um ritual que, ao romper com o continuum da vida diária, aponta gri-
tantemente para alguns pontos básicos da nossa ordem social. (MATTA, 1977,
p. 21-22).

É de se ressaltar que Roberto da Matta admite que, no Carnaval, há a presença de ritos


de passagem (1977, p. 55-56) porque o indivíduo passa da vida cotidiana para uma communitas,
por exemplo. Ou ele sugere, ainda que remotamente, que essa festa ritual é celebrada para que os
indivíduos passem do cotidiano para a Quaresma, um período de maior restrição. Mas Roberto
da Matta também vê o Carnaval como um rito de inversão (1977, p. 58; 1997, p. 69, 79-80). De
fato, o Carnaval pode ser um rito de passagem para aquela foliona que entrou filha e saiu mãe,
para aquele folião que entrou solteiro e saiu casado. Aliás, aqui e ali, Matta atenta para a dificul-
dade de se classificar as festas rituais porque elas podem se sobrepor ou porque podem ser vistas
diferentemente à medida que as perspectivas mudam.
Um questionamento que se faz com relação a Roberto da Matta, repousa no fato de
muitas vezes ele considerar cada fase do processo ritual como um ritual em si mesmo. Na ver-
dade, Matta o faz seguindo Gennep. Roberto da Matta não faz distinção entre o processo ritual
como um todo e cada uma de suas fases. Ao tratar do ritual do Dia da Pátria e seus desfiles mi-
litares, ele não o considera unicamente como um ritual de renovação (do papel social da autori-
dade militar), ou como ele denomina, de “reforço”. Porque, conquanto um general seja sempre
um general, periodicamente ele deve vestir uma farda coberta de paramentos, deixar a caserna,
e apresentar-se em desfile diante do povo ostentando seu poder.
Entretanto, porque o povo deve deixar suas ocupações ordinárias, e porque o general
deve deixar sua farda de serviços gerais para vestir uma farda de gala, ou seja, devido a esse
distanciamento do cotidiano para a comemoração do Dia da Pátria, Roberto da Matta (1997,
p. 78-79) também classifica esse evento como um ritual de separação.

30
Ora, há de se convir que essa separação a que se refere Matta constitui apenas uma fase
de todo o processo ritual de renovação porque, com efeito, para que ocorra o revigoramento ou
o reforço da vida cotidiana, é condição sine qua non que as partes envolvidas no ritual se sepa-
rem desse cotidiano, executem o ritual e, sobretudo, retornem para aquele mesmo cotidiano ou-
trora abandonado. Assim não o fosse, o cotidiano que se pretende revigorar, deixaria de existir.
E o ritual perderia sua razão de ser.
Percebe-se que Roberto da Matta se manteve dentro dos limites atingidos por Arnold
van Gennep (2011, p. 37), quem entendeu cada fase do processo ritual como um ritual por si mes-
mo ao estabelecer que o processo ritual de passagem era composto por ritos preliminares (ritos
de separação), ritos liminares (no estágio de margem), e ritos pós-liminares (ritos de agregação).
Não se pretende negar que os rituais de passagem sejam compostos por sub-ritos. En-
tretanto, o ato de ver os sub-ritos de um ritual como fases desse mesmo ritual permite que se
tenha uma melhor compreensão do processo ritual como um todo, além de facilitar a classifica-
ção porque, ainda que um ritual tenha um sub-rito de separação, ele não terá necessariamente a
função de separação, por exemplo.
O Carnaval, com efeito, é uma grande festa ritual de inversão na qual o pobre se faz de
rico, e o rico, de pobre; o homem se faz de mulher, e a mulher, de homem; o ignorante se faz de
erudito, e o erudito, de ignorante; na qual a estrutura se faz de communitas por um breve perío-
do de tempo. Finda a festa, o mundo retorna ao ordinário, e a antiestrutura é substituída pela
estrutura, que retorna agora renovada.
Em estudando a fase liminar do processo ritual e sua communitas, Victor Turner aten-
tou para um fato interessante. À moda de Claude Lévi-Strauss, ele fez uma lista de binários
opostos relativa ao par feriado (antiestrutura) e cotidiano (estrutura), tais como: transição/esta-
do, igualdade/desigualdade, humildade/justo orgulho da posição, ausência de classe/distinções
de classe, altruísmo/egoísmo, suspensão de direitos e obrigações/existência de direitos e obri-
gações; e, em seguida, Turner (1974 [1969], p. 130-131) ressaltou que não seria difícil perceber
que as propriedades da communitas e, por isso mesmo, dos feriados de ritos de inversão se
identificam com os valores propostos por Jesus de Nazaré. Todavia, desde que Jesus de Nazaré
não legou uma religião, isto é, um conjunto de dogmas, de rituais e de credo empregados por
uma estrutura hierarquizada na adoração de uma Divindade, deve-se dizer que os atributos da
communitas e das festas rituais de inversão se identificam com vários princípios anunciados pelo
evangelho do Jesus histórico.
Com efeito, no evangelho do Jesus histórico não há a necessidade de se harmonizar
as leis, nem há filigranas jurídicas, não há dependência de palavras das autoridades, não se
multiplicam os fardos. O Evangelho vê o homem como um ser responsável, capaz de tomar

31
suas próprias decisões, cujo julgamento moral é superior a qualquer lei ou norma social,7 e
capaz de, por si mesmo, conformar-se ao modelo de cidadão do Reino de Deus. O Evangelho
propõe a consciência no lugar da lei, a bondade espontânea em vez do cumprimento de regras,
o compromisso de realizar um julgamento moral de todas as conformidades externas, o acesso
pessoal a Deus sem a intervenção de terceiros sob qualquer forma, a realidade do perdão sem
a necessidade de qualquer sacrifício, o direito e a obrigação de pensar e questionar em lugar de
aceitar irrefletidamente os dogmas de um exclusivo grupo religioso, a abolição da hierarquia
social e da subordinação de um ser humano a outro ser humano (LESTER, p. 101, 120, 223;
CHEVITARESE, 2022, p. 78).
Jesus de Nazaré ensinou que o homem é o que ele faz e não o que ele diz ser, que o
homem é medido por seus atos e não por suas opiniões ou crenças (LESTER, p. 305). De fato, o
ensino do Jesus histórico abole o templo, o sacerdócio e o sacrifício, abole a religião institucional
(LESTER, p. 110-111, 286).
Não é curioso que a sociedade humana, na iminência da crise e da fratura, diante do
medo e da angústia, institua feriados com mecanismos de reforço ou de inversão, nos quais são
empregados os princípios de vida ensinados pelo Jesus histórico? E afastadas a crise e a fratura,
eliminados o medo e a angústia, essa mesma sociedade retorna àquele mesmo cotidiano com
hierarquia, dominação, competitividade, agressividade, obediência às leis e a homens. Não é
curioso que a sociedade humana, vendo-se em fadiga e desalento, momentaneamente assuma
para si o modo de vida proposto pelo evangelho do Jesus de Nazaré? E tendo tomado alento e
revigorado suas forças, essa sociedade retorna a um cotidiano geralmente opressivo e fatigante.
Esse estudo chama atenção para outro ponto. Os eruditos expuseram que a execução
de rituais é o meio empregado pela sociedade humana para assegurar a continuidade e a inte-
gridade do tecido social. Diante da crise, os rituais se apresentam como um meio para garantir
o bom termo e afastar a catástrofe (acima, p. 25). Os rituais são um modo de garantir a vigente
ordem social mediante a seleção dos melhores rebentos e a poda de qualquer broto avesso a essa

7
  Diz-se que Jesus veio ao mundo para cumprir a lei, toda a lei (Mt 5.17). Entretanto, por diversas vezes, Jesus
violou a lei do descanso sabático (Êx 20.10; Mt 12.1-14; Mc 2.23-3.6; Jo 9.16), que era um crime punível com
a morte (Êx 31.14-15; Nm 15.32-36). Há, porém, uma Bíblia do século V que parece mostrar um Jesus de
Nazaré ensinando a liberdade de consciência. Ela traz o texto grego ladeado com o texto latino entremeado
com leituras da Vetus Latina, e apresenta o seguinte registro em Lucas 6: “1. E ocorreu que ele [Jesus], no
shabat segundo-primeiro, ao passar por um campo de trigo, e também os discípulos dele começaram a ar-
rancar espigas e, esfregando-as com as mãos, comiam-nas. 2. Porém, alguns dos fariseus diziam-lhe: Por que
teus discípulos fazem nos sábados o que não é lícito? 3. Entretanto, respondendo Jesus, disse-lhes: Nunca
lestes isto, o que fez Davi quando ele mesmo teve fome e os que com ele estavam? 4. [Quando] entrou na casa
de Deus e comeu os pães da proposição e deu aos que com ele estavam, dos quais não era lícito comer, senão
aos sacerdotes somente? 5. E, no mesmo dia, vendo alguém trabalhando no shabat, disse-lhe: Homem,
se verdadeiramente sabes o que estás fazendo, és bem-aventurado; se, porém, não sabes, és maldito e
transgressor da lei. 6. E porque novamente entrara na sinagoga, no shabat, na qual estava um homem que
tinha a mão mirrada.” (Grifo nosso). (BÍBLIA, Vetus Latina, Codex Beza Cantabrigiensis, 1864, p. 183).

32
mesma ordem (acima, p. 29). Dito de outra forma, os rituais são motivados pelo medo desde
que visam garantir a ocorrência de certo resultado final. Por isso mesmo, segundo o pensamento
de um antigo escritor cristão, pode-se concluir que executar um ritual não é estar alinhado com
o amor, porque no amor não há medo (I Jo 4.18).
Que é, então, o amor? Amor não é uma ideia, nem um desejo, emoção ou paixão. Ele
não pertence à razão (mente, intelecto) nem ao sentimento. Amor é um ato da vontade. Amor
é uma decisão de pensar, sentir ou fazer algo. As ideias e sentimentos podem influenciar a von-
tade. Porém, como ato da vontade, amar pressupõe realizar algo. Mas o que um ato de amor
traz ou não traz em si? No capítulo intitulado ‘A Fenomenologia do Amor’, de seu livro Love’s
Endeavour, Love’s Expense (O Esforço do Amor, o Custo do Amor), o cônego William Vanstone
expõe o amor autêntico a partir da diferença entre o verdadeiro amor e o amor falso. Leia-se:

Quando refletimos sobre o poder prático da diferenciação, descobrimos três


marcas ou sinais que se reconhecem como a negação da autenticidade do amor.
A primeira é a marca da limitação. [...]. A pessoa que ama não guarda coisa
alguma para si mesma: ela não mantém direito próprio algum. Isso é o que ela
guarda: ela guarda um depósito ou uma dádiva. Ela guarda em depósito aquilo
que espera sua própria maturidade ou a necessidade ou a capacidade do outro
de recebê-lo. Ela guarda como dádiva aquilo que se lhe retorna na resposta do
outro que é amado.
[...]. Quando uma pessoa ama, tudo que está em seu poder é revestido com um
senso de propósito, conforme disponível para o outro, ou se torna a causa da ou
a ocasião para a gratidão, conforme é recebido como um presente pelo outro.
A falsidade do amor é exposta onde quer que um limite seja posto pela von-
tade daquele que professa amar — onde quer que, pela vontade dele, algo seja
retirado. Logo, o amor autêntico deve implicar uma totalidade do dar, isso é o
que chamamos de doar de si mesmo ou autodoação. [...].
A segunda marca que nega a autenticidade do amor é a marca do controle.
Quando aquele que professa amar, está totalmente no controle do objeto de
seu amor, então a falsidade do amor está exposta. Amor é atividade para o bem
de outro. E onde o objeto do amor está totalmente sob o controle daquele que
ama, esse objeto já não é mais um outro. É uma parte ou extensão daquele que
professa amar — uma extensão de si mesmo. [...].
Onde o objeto do amor é verdadeiramente o ‘outro’, a ação de amar é sempre
precária. Entre o eu e o outro sempre existe, por assim dizer, um ‘vão’ sobre
o qual o anseio do amor pode falhar em construir pontes ou suplantar. [...].
O amor pode ser ‘frustrado’. Sua mais ardente aspiração pode ‘dar em nada’.
[...]. Nisso repousa a pungência do amor, e sua potencial tragédia. A ação de
amar não contém garantias nem a certeza da realização; muito pode ser gasto,
e pouco, obtido. [...].
Na criação artística, como em relacionamentos humanos, a autenticidade
do amor é negada pela garantia do controle. [...]. Onde o poder do controle
aparece disfarçado ou mascarado de amor, nós lhe damos, dependendo das
circunstâncias, os mais variados nomes: amor próprio dilatado, manipulação,
complacência ou, no melhor, cortesia.

33
[...]. Por isso, aquele que ama e o artista devem esperar. A necessidade da es-
pera leva-o a reconhecer a precariedade de seu esforço de amor — sua falta de
controle decisivo sobre aquela situação que ele mesmo criou. Onde o controle
é completo e exercido com garantia completa, a falsidade do amor é exposta.
A terceira marca que nega a autenticidade do amor é a marca do desligamen-
to — ou da autossuficiência inatingida ou ilesa — naquele que professa amar.
Amor é doação de si mesmo: e o ‘de si mesmo’ inclui a capacidade de sentir,
como também a capacidade de possuir e de agir. Onde o amor retira do outro
a capacidade de sentir-se a si mesmo, ali a falsidade do amor é exposta. [...].
[...]. O amor é menos que autêntico se, em qualquer aspecto, a sensibilidade
daquele que ama permanece invulnerável em relação àquele que é amado. [...].
Nós revelamos as três marcas pelas quais a falsidade do amor é exposta — a
marca da limitação, a marca do controle e a marca do desligamento. A partir
dessas, podemos nos aproximar de uma descrição do amor autêntico como
irrestrito, precário e vulnerável. (VANSTONE, 2019, p. 42-53).

O amor é sempre altruísta. Não busca o próprio interesse (Fp 2.4).8 Não controla, não
garante um resultado final, mas dá ao outro a liberdade de ser diferente, a liberdade de lhe virar
as costas. Posto que os rituais visam garantir a ocorrência de certo resultado, assegurando que
nada contrário aconteça, e fundado no pensamento de cristãos como o escritor da Primeira Epís-
tola de João e William Vanstone, não se pode dizer que a execução de rituais sejam atos de amor.
Apesar disso, deve-se notar que a prática de rituais de inversão é muito antiga, e que ela
continua ainda hoje, não só no Brasil.

4.1 RITUAIS DE INVERSÃO ONTEM E HOJE

Há muita semelhança entre as inversões que se observam durante os dias de nosso


Carnaval e as inversões praticadas durante certas festividades na Antiguidade. Algumas vezes,
as inversões eram proibidas por lei, conquanto fossem autorizadas em dias de festa. Por isso
mesmo a denominação ‘inversão’, pois violavam a lei do cotidiano ou fugiam ao costume.
Em Babilônia, havia uma festa anual denominada Saceia, em grego Σάκαια, que se
pronuncia ‘Sákea’. Os eruditos divergem quanto ao período do ano em que ocorria a celebração.
Eventualmente, os calendários mudavam após alguns séculos. Geralmente se diz que o festival
ocorria em “julho-agosto, ou, de qualquer modo, no fim do verão ou no início do mês do outo-
no” (LANGDON, 1924, p. 67, 72).

8
  É o que diz esse versículo na Bíblia católica do padre Matos Soares (tradução da Vulgata Latina): “Não aten-
dendo aos seus próprios interêsses, mas aos dos outros” (BÍBLIA, 1982). O mesmo é dito na Vetus Latina
(BÍBLIA, Vetus Latina, Sabatier, 1751, vol. 3). Entretanto, a Bíblia protestante, nesse mesmo trecho (Fp 2.4),
ensina que a pessoa também deve buscar seu próprio interesse: “Não atente cada um para o que é propria-
mente seu, mas cada qual também para o que é dos outros” (BÍBLIA, 2004).

34
Berossos, um sacerdote de Bel Marduque, que floresceu no início do século III antes de
Cristo, refere-se a essa festa em sua obra História da Babilônia. Infelizmente, seu trabalho sobre-
viveu apenas em fragmentos citados por outros escritores, por exemplo, Ateneu de Náucratis,
que floresceu por volta do ano 190 d.C. Segundo Berossos, a festa durava cinco dias, durante a
qual os escravos domésticos governavam seus senhores, e o escravo que chefiava os outros es-
cravos era vestido com trajes reais.

Berossos, no primeiro [livro] de História da Babilônia, diz que, no décimo sex-


to [dia] do mês loo, era celebrada em Babilônia uma festa denominada Saceia
durante cinco dias, nos quais se tinha por costume serem os senhores governa-
dos por seus escravos domésticos, e um deles, sendo o dirigente dos trabalhos
domésticos, sendo vestido numa túnica semelhante à do rei, era chamado de
zoganes [governador, vizir]. (ATHENEUS, 1959, vol. 6, p. 451).
(Berossos, História da Babilônia, citado por Ateneu de Náucratis,
Banquete dos Eruditos, XIV.639).

A Saceia, entretanto, também era festejada na Pérsia. Um antigo geógrafo ajunta mais
informações. Natural da antiga cidade de Amaseia (Turquia), Estrabo (64 a.C. ‒ 23 d.C.) relata
que os sakes, uma tribo da Cítia, construíram um templo para as Divindades persas Anaíta (isto
é, ‘Imaculada’), Omanu e Anadatu, e instituíram um festival sagrado, anual e chamado de Saceia.
Essa festa ainda era celebrada na cidade de Zela (Ponto Euxino), no tempo de Estrabo. É de se
crer que a instituição dessa festa provavelmente tenha ocorrido sob o domínio persa.
Estrabo acrescenta outra explicação para o fato de a Saceia ser comemorada pelos per-
sas. Segundo ele (STRABO, 1969, p. 263-265), o persa Ciro perdera a batalha contra os sakes,
que passaram a perseguir seu exército. Ciro sagazmente deixou para trás um acampamento
cheio de provisões, que foi tomado pelos guerreiros sakes. Alegres pela vitória, os sakes come-
çaram a comer, beber e celebrar. Quando a bebedeira e a devassidão os deixaram incapacitados
para a luta, Ciro retornou com seu exército e atacou os sakes. Uns morreram no estupor da
bebida, outros sakes morreram dançando, e outros foram mortos enquanto se divertiam nus.
Considerando essa vitória como uma dádiva de Anaíta, a Virgem Mãe persa, Ciro instituiu um
festival nesse dia, o qual foi denominado Saceia. Leiam-se as palavras de Estrabo:

E [Ciro] considerando o sucesso uma ação divina, consagrou aquele dia à Deu-
sa dos [seus] pais denominando-o ‘Saceia’. E onde quer que haja um templo
dessa Deusa, ali se tem o costume das saceias, assim conforme uma festa bá-
quica, nas quais, arrumando-se de dia e de noite como cítios, [os homens]
bebiam ao mesmo tempo em que brincavam lascivamente uns com os outros e
junto com elas [mulheres], e bebiam com as mulheres. (STRABO, 1961, vol. 5,
p. 264-265).
(Estrabo, Geografia, XI.8.5).

35
A saceia persa também foi descrita por um orador, sofista e historiador romano. Em
seus Discursos, Dio Crisóstomo (c. 40 ‒ c. 115 d.C.) pôs Diógenes de Sinope e Alexandre Magno
num diálogo a respeito da conduta de um rei no governo de seus súditos. Nesse diálogo, pela
boca de Diógenes, Dio Crisóstomo retrata e explica a Saceia persa:
— Não observaste o festival das saceias, celebradas pelos persas, contra quem
tu te pões a travar uma guerra?
E ele [Alexandre] já estava perguntando: — Um [festival] de que tipo?
Pois ele pretendia conhecer todas as questões importantes a respeito dos per-
sas.
— Tomando dos prisioneiros — [Diógenes] dizia —, um dos [condenados] à
morte, eles assentam-no no trono do rei, e dão-lhe a vestimenta real, e o per-
mitem dar ordens, embebedar-se, e ser devasso, e naqueles dias ter intercurso
sexual com as concubinas do rei, e ninguém de modo algum o impede de fazer
o que deseja. Mas, depois dessas [coisas], eles o desnudam, açoitam e o suspen-
dem. Então, tu consideras isso ser um símbolo de quê? E, para os persas, isso
vem a ser comparado a quê? Não é que frequentemente homens insensatos e
perversos alcançam por acaso esse poder e fama, e, depois de certo período de
licenciosidade desenfreada, eles perecem execrabilíssimos e horrendíssimos?
Portanto, de vez em quando, sempre que um homem é retirado de [suas] ca-
deias, é provável que, enquanto insensato e não familiarizado com as circuns-
tâncias, ele se regozije e se congratule pelo que está ocorrendo. Mas, o sabedor,
ele se lastima, não estando intencionalmente disposto a prosseguir. E ainda
mais! Mesmo que viesse a possuir [poder e fama], ele continuaria em grilhões.
Portanto, e sobretudo, ó néscio, não tente ser rei antes de ter entendimento.
E, enquanto isso — [Diógenes] dizia —, é melhor não dar ordens de modo
algum, mas [é melhor] viver sozinho consigo mesmo, mantendo [sua] veste de
couro [para escravos]. (DIO, 1932, p. 199-201, vol. 1).
(Dio Crisóstomo, Discursos ‒ Do Reino, IV.66-70).

Na fala de Dio Crisóstomo, ressalta-se que o ato de se dizer ‘suspender’ um condenado


à morte, era um eufemismo grego para ‘estaquear’ ou ‘empalar’. Como se trata dos persas, muito
provavelmente o condenado era empalado. Na empalação, a vítima ficava espetada e viva no alto
da estaca pontiaguda e, depois que morria, ficava com os membros dependurados. Além disso,
a explicação que Dio oferece a respeito da Saceia, é tão interessante que ela será retomada em
momento posterior. De todo modo, pôde-se observar que a festa da Saceia era um período com
muita bebedeira, muita licenciosidade e, durante sua comemoração, um escravo tornava-se o se-
nhor da casa em que trabalhava, e um criminoso condenado à morte assumia o governo do reino.
Um festival durante o qual os escravos eram equiparados aos senhores, também exis-
tia na Grécia Antiga. Era o Festival de Kronos, ou Kronia. Essa festa ocorria no dia 12 do mês
hecatombaion, o primeiro mês do calendário ático. Esse mês começava com a lua nova antes do
solstício de verão boreal. Observando-se a data, nota-se que a Kronia se aproxima de nossa Festa
de São João, em 24 de junho.

36
Kronos era o Deus Tempo da Colheita, o Deus Filho que, junto com Urano (Céu, o pai)
e Gaia (Terra, a mãe), formava a trindade pertencente à religião grega mais antiga, anterior a
Homero e Hesíodo. Consoante Herbert Parke (1986, p. 30), o feriado da Kronia marcava o fim
da colheita dos grãos. Nesse dia, escravos e senhores, que trabalharam na sega, ceavam juntos
em honra de Kronos. Frise-se que o fato de um escravo comer junto com seu senhor era uma
grave violação das normas daquela época. Contudo, no dia da Kronia, as pessoas estavam isen-
tas de cumprir essa norma.
Ainda na Grécia Antiga, destacam-se as Dionísias, rural e urbana, que eram festas cele-
bradas em honra de Dioniso, o Deus Árvore, o Deus Boi, o Deus Uva, o Deus Vinho, o Deus Trigo,
o Deus Filho da Trindade grega.
Dioniso é um Deus andrógino. Num fragmento da peça Os Edônios, de Ésquilo, que foi
citado por Aristófanes, em As Tesmoforiantes, Licurgo pergunta a Dioniso: “ποδαπὸς ὁ γύννις;
τίς πάτρα; τίς ἡ στολή” (ARISTOPHANES, 2000, p. 474, linha 136; NAUCK, 1856, p. 16, n.º 59),
— De onde és, ó homem efeminado? Qual é sua pátria? Qual é sua roupa?
Pode ser duvidosa a referência ao androginismo de Dioniso numa peça teatral. Sua
roupa ou aparência, por si só, podem ter interpretações ambíguas. Todavia, no artigo Cavalgan-
do o Falo por Dioniso, Eric Csapo remete seu leitor aos atos de culto a Dioniso e afirma que “os
adoradores do Deus imitam sua imagem (e vice-versa). O travestismo é amplamente atestado
tanto no ritual dionísico público quanto no privado” (1997, p. 262). Homens vestiam-se de mu-
lher durante o sympósion (festa privada com comidas e bebidas, que podia terminar em orgia
sexual com as hetairas) e durante o kõmos (desfile de foliões bêbados pelas ruas). Referido por
Csapo (1997, p. 262), há um exemplo notório a respeito dessa prática:

Pois uma forma muito eficaz de calúnia é aquela baseada na oposição a uma
paixão do ouvinte, como quando, diante do [rei] Ptolomeu, o Dioniso, ocorreu
que alguém trouxe uma acusação que caluniava Demétrio, o [filósofo] platô-
nico, por ele [somente] beber água e, dentre outras coisas, por ser o único a
não vestir roupas femininas nas Dionísias. E, não obstante fosse citado bem
ao alvorecer, se não tivesse bebido [vinho] à vista de todos, tomado sobre si
um vestidinho tarentino, tocado címbalos e se não tivesse dançado, ele teria
morrido por não se agradar do modo de vida do rei, mas também por ser um
contraditor e um opositor da vida mole e sensual de Ptolomeu. (LUCIAN,
1913, p. 378, vol. 1; LUCIANO, 2013, p. 178, vol. 6).
(Luciano de Samósata, De Não Prontamente Crer na Calúnia, XVI).

Nas festas rituais celebradas em honra do Deus Dioniso, os participantes homens ves-
tiam-se de mulher, e as mulheres vestiam-se de homem (CSAPO, 1997, p. 263). O travestismo era
tão comum nas Dionísias quanto era difícil de ser debelado. Na tentativa de pôr fim a essa inversão,
no ano de 692, na Turquia, os dignitários da religião cristã decretaram o seguinte:

37
Nenhum homem doravante se vestirá com roupa de mulher, nem a mulher se
apresentará com roupa de homem; e também não usarão máscaras cômicas,
satíricas ou trágicas; não invocarão o nome do execrável Dioniso ao esmaga-
rem as uvas na prensa, nem começarão a rir ao verterem o vinho nos barris.
(MANSI, 1765, coluna 971).
(56.º Concílio da Igreja, em Constantinopla, ano 692, cânon 62).

Na antiga Roma também havia uma grande festa ritual de inversão. O filósofo romano
Macróbio Teodósio, que floresceu por volta do ano 400 d.C., sugeriu que a Kronia grega deu
origem a essa grande festa com rito de inversão e denominada de Saturnais, uma festa em honra
de Saturno e semelhante à Kronia. Em Roma, o Kronos grego era chamado de Saturno. E a Festa
de Kronos já era observada na Grécia muito antes da fundação de Roma (MACROBIUS, 1969,
p. 62). Contudo, mais informação é acrescentada pelo poeta romano Lúcio Ácio (170 ‒ 86 a.C.),
em sua obra Anais, que registra o seguinte:
A maior parte dos gregos, sobretudo Atenas, celebram um festival para Sa-
turno, que por eles é chamado de Kronia. Sempre que celebram o dia, eles se
ocupam com banquetes festivos pelo campo e por quase todas as cidades, e
todos servem seus escravos, semelhante ao nosso costume que de lá [nos] foi
transmitido de modo que os escravos comam junto com os [seus] senhores.
(ACCIUS, 1936, p. 591-593).
(Lúcio Ácio, Anais, fragmento).

Na Roma Antiga, semelhantemente à Saceia, havia um festival no qual “ius luxuriae


publicae datum est”, “o direito à luxúria é concedido à população” (Sêneca, o jovem; Epístolas
Morais a Lucílio, XVIII.1). Eram as Saturnais, uma festa anual que começou com um dia único
de celebração, a saber, no dia 14 de dezembro em tempos remotos, no calendário antigo (JUS-
TINUS, 1822, p. 527, vol. 1, nota ‘c’). Posteriormente, aumentou-se o número de dias de festa
até que as Saturnais passaram a ser celebradas entre os dias 17 e 23 de dezembro, na iminência
do solstício de inverno setentrional e da Heliaia, uma festa romana em honra do Deus Sol,
celebrada no dia 25 de dezembro, o dia do solstício no calendário juliano (Juliano, o apóstata;
Discurso IV ‒ Hino ao Rei Sol, 156.B-C).
O historiador romano Pompeio Trogo, que floresceu no século I a.C., indica a origem
das Saturnais em sua obra Histórias Filípicas e as Origens de Todo o Mundo e os Lugares da Terra,
cujo objetivo era relatar a história do reinado de Filipe II da Macedônia. Essa obra sobreviveu
apenas num resumo elaborado por Marco Justino, outro historiador romano, que viveu entre os
séculos II e III d.C.

Os primeiros habitantes da Itália eram autóctones, de cujo rei Saturno foi re-
latado ter sido ele de grande justiça, a tal ponto que ninguém fosse escravo
sob ele nem que ele possuísse coisa alguma privada, mas que todas as coisas
fossem comuns e indivisas para todos, como se fossem um único patrimônio

38
para todos, de cujo exemplo é a lembrança afiançada, a saber, as Saturnais,
igualando-se todas as pessoas perante a lei, e que, por toda parte, nos ban-
quetes, os escravos se reclinem9 [junto] com os [seus] senhores. (JUSTINUS,
1822, p. 526-527, vol.1). (JUSTIN, 1688, p. 292).
(Marco Justino, Epítome das Histórias Filípicas de Pompeio Trogo, XLIII.1.3-4).

Relato semelhante é feito pelo escritor romano Luciano de Samósata (c. 125 ‒ depois
de 180 d.C.), em sua obra Saturnais, desde que ele indica serem celebradas as Saturnais como
uma lembrança da Idade de Ouro, aquele tempo antes da Primeira Revolução da Agricultura
e antes de alguém ter a ideia de dominar sobre seus iguais e criar o primeiro Estado-Nação.
Observe, portanto, como Luciano explica a origem das Saturnais mediante a boca do Deus
Saturno:
Exceto que, como eu disse, resolvi reservar para mim esses poucos dias e, ne-
les, eu reassumo o governo apenas para lembrar os homens de como era a vida
sob mim, quando, sem arar e sem semear, tudo se lhes produzia — não espigas,
mas pães prontos e carnes já preparadas —, e o vinho fluía como um rio, e ha-
via mananciais de mel e de leite. Pois todas as pessoas eram boas, [eram] ouro.
Essa é a causa desta curta duração de meu domínio, e por isso há em todo o
lugar o som de chocalho e ode e jogo e igualdade de privilégio para todos,
tanto escravos quanto livres. Pois ninguém era escravo em mim. (LUCIAN,
1959, p. 98, vol. 6).
(Luciano de Samósata, Saturnais, VII).

As Saturnais eram dias de feriado. Interrompia-se o trabalho cotidiano para o preparo


e participação no festival em honra de Saturno. Durante a festa, apenas as padarias e seus fornos
funcionavam. Durante a festa, escravos e senhores estavam em pé de igualdade. É o que nos
diz Saturno ao enumerar as leis do seu festival. É digno de nota o fato de que, no idioma grego,
‘trabalhador’ e ‘pobre’ são palavras sinônimas uma vez que esses atributos são designados pelo
mesmo vocábulo, a saber, πένης (pénẽs). Leia-se a primeira norma reguladora do festival:
Ninguém deve estar ocupado com coisa alguma da ágora ou particular durante
a festa, exceto com o que concerne ao jogo, à luxúria, e ao regozijo. Somente
os que cozinham carnes e os que fazem massas recheadas estejam a trabalho.
Estejam todos em igualdade de privilégio, tanto escravos quanto livres, tanto
os trabalhadores [πένησι] quanto os ricos. (LUCIAN, 1959, p. 106, vol. 6).
(Luciano de Samósata, Saturnais, XIII).

As inversões das práticas cotidianas eram inúmeras durante as Saturnais. Não bastava
que os escravos se igualassem aos senhores; no período festivo, os mesmos escravos podiam
censurar e injuriar seus amos. Além disso, a bebedeira era regra para todos. Mais uma vez, Sa-
turno esclarece as normas de sua festa:

9
  No antigo mundo mediterrânico, as pessoas não se assentavam em cadeiras para a refeição. Naquele tempo,
elas reclinavam-se em divãs.

39
Se não se celebrasse um festival, ó homem, e não fossem permitidos pelas au-
toridades a embriaguez e o insulto aos senhores, tu saberias que me fora conce-
dido estar pelo menos irado — [ao ver-te] fazendo perguntas desse tipo e não
temendo um Deus idoso, de cabelo tão cinza. (LUCIAN, 1959, p. 94, vol. 6).
(Luciano de Samósata, Saturnais, V).

O jogo esportivo e os jogos de tabuleiro, ambos com apostas, embora condenados pelos
escritores latinos, eram tolerados pelo governo de Roma. De maneira geral, os romanos enten-
diam o jogo apostado como algo contrário à moral e aos bons costumes, sendo algo perigoso
por ser uma distração do trabalho e das obrigações civis e por ser dissipador dos recursos finan-
ceiros da família. Mas isso não impedia sua ocorrência em tabernas e estalagens (FARIS, 2012,
p. 200-202). Contudo, a situação mudava no que se refere ao jogo com dados. Tem-se notícia de
que houve a Lex Talaria, que proibia o jogo com dados por volta do fim do século III a.C. E che-
gou aos nossos dias, por meio das obras do jurista romano Júlio Paulo Prudentíssimo, o registro
de três leis do século I a.C. que proibiam o jogo de dados: as leis Cornelia, Titia, e Publicia.
Essas leis tornavam ilegal o jogo com dados visando garantir que a elite romana não
consumisse seu tempo com atividades improdutivas nem dilapidasse os bens da família em
apostas (FARIS, 2012, p. 205-207). “O único período em que o jogo de dados era oficialmente
permitido, era durante o festival das Saturnais em dezembro” (FARIS, 2012, p. 206), desde que o
jogador fizesse um pequeno sacrifício. O que se confirma numa das leis que regulavam os ban-
quetes das Saturnais: “Joguem gamão por nozes. Se alguém jogar gamão a dinheiro, que fique
sem comer até o dia seguinte” (Luciano de Samósata, Saturnais, XVIII) (LUCIAN, 1959, p. 115,
vol. 6). O gamão é um jogo que emprega dados.
Outra regra das Saturnais prescrevia aos ricos a entrega aos seus amigos de vestimen-
tas, de mobília, de prata e do dízimo da renda que eles auferiam anualmente. Esses presentes
eram repartidos e distribuídos segundo o mérito social ou moral desses amigos. E os pobres,
por sua vez, davam o produto de sua manufatura, sendo proibidos de presentear vestimentas,
prata e ouro além de suas posses. Se um pobre violasse essa norma, seu presente era leiloado; e
o valor obtido na venda era entregue no templo, como oferta à Divindade. No dizer de Luciano,
vejam-se as referidas regras estabelecidas por Saturno:

Bem antes da festa, escrevam os ricos num tablete votivo o nome de cada um
de [seus] amigos, tendo em mãos em dinheiro tanto quanto o décimo da renda
anual, e roupa de que não necessite, e mobília tão bruta quanto seja para eles,
e não poucas quantidades de dinheiros. Que essas coisas estejam mesmo pre-
paradas de antemão.
E no [dia] antes da festa [...] por volta do fim da tarde, que lhes seja realmente
conhecido aquele tablete votivo de amizades, sendo eles [os presentes] reparti-
dos segundo o valor [social ou moral] de cada pessoa; e, antes de o Sol se pôr,
que se enviem eles aos amigos. [...].

40
Se um pobre enviou roupa, dinheiro ou ouro além de [suas] posses para um
rico, que aquilo que foi enviado certamente seja apropriado pelo Estado, ven-
dido, e trazido para o tesouro de Kronos. E, o pobre, no dia seguinte, receberá
do rico golpes de nártex [Ferula communis] nas [suas] mãos, não menos de 250
[golpes]. (LUCIAN, 1959, p. 108-113, vol. 6).
(Luciano de Samósata, Saturnais, XIV-XVI).

Assim como na Saceia babilônica, em que um dos escravos era escolhido e vestido co-
mo governador da casa, nas Saturnais, era escolhido um mestre dos foliões, também chamado
de senhor do desgoverno. É uma ideia que persiste até hoje em nosso Carnaval, em que se elege
o Rei Momo. Luciano de Samósata refere-se a essa nomeação quando faz o Deus Saturno listar
algumas atividades realizadas durante as Saturnais. Não deixe o leitor de observar que o festival
era um período em que se suspendiam as atividades ordinárias da vida cotidiana. Leia-se:
Porém, nesses meus sete dias, não é permitida a pessoa alguma a seriedade, o
frequentar o mercado ou o administrar a casa. Beber e ficar embriagado, gritar
e brincar, jogar dados e nomear um governador, entreter suntuosamente os
escravos domésticos, cantar desnudo, aplaudir com mãos trêmulas, e, algumas
vezes, com o rosto untado de fuligem, ter a cabeça forçada na água fria — isso
me é permitido fazer. (LUCIAN, 1959, p. 91, vol. 6).
(Luciano de Samósata, Saturnais, II).

Os escritores latinos do período imperial denominavam esse governador (dos foliões)


de ‘rei’ ou de ‘príncipe’ das Saturnais. Ele era o mestre de cerimônias, o proponente de brindes
durante o banquete, era escolhido nos dados, e dava ordens engraçadas para alegrar a festa.
Epicteto (c. 50 – c. 135 d.C.), um filósofo estoico da Roma Oriental cujo ensino foi registrado
por seu pupilo Flávio Arriano, enfatiza esse aspecto da festa: “Nas Saturnais, um rei é escolhido
por sorteio. Pois se decidiu brincar essa brincadeira. [O rei] ordena: Tu bebes, tu misturas vinho
com água, tu cantas, tu vais, tu vens. E eu obedeço a fim de que a brincadeira não seja estragada
por mim.” (Flávio Arriano, Discursos de Epicteto, I.25.8) (EPICTETUS, 1956, p. 159, vol. 1).
Aliás, o historiador romano Tácito (c. 56 – c. 120 d.C.) registrou que, numa das Satur-
nais, a sorte coube ao jovem Nero, para que ele atuasse como rei do banquete. Nessa posição e já
almejando o trono, Nero ordenou que seu meio-irmão Tibério Britânico cantasse, na tentativa
de humilhar publicamente o herdeiro do trono de Roma. Confira-se seu relato: “Nos dias da
Festa de Saturno, em meio a outras brincadeiras de [seus] iguais, num jogo para escolher à sorte
um rei, a sorte recaiu sobre Nero” (Tácito, Anais, XIII.15) (TACITUS, 1962, p. 25, vol. 4).
Pode-se observar o emprego do título de ‘príncipe’ noutro escritor latino. Satirizando
o imperador Cláudio, Sêneca, o jovem (4 a.C. – 65 d.C.), sugeriu que o (des)governo desse im-
perador era um festival das Saturnais o ano todo, e que o imperador era o próprio príncipe da
festa. Em suas palavras: “Por Hércules! Se ele [Cláudio] tivesse pedido esse benefício a Saturno,
cujo mês o príncipe das Saturnais celebrou por todo ano, ele não o teria recebido; muito menos
41
de Júpiter, a quem, o quanto nele ocorreu, [Cláudio] condenou por incesto” (Sêneca, o jovem;
Apocolocintidose10 do Divino Cláudio, VIII) (PETRONIUS; SENECA, 1987, p. 456.).
Todos esses registros parecem indicar que Saturno é um Deus amoroso. Embora pareça
um Deus bondoso, os benefícios que Saturno concede a qualquer de seus súditos, derivam do
sacrifício de outros súditos ou de não correligionários. Saturno é um Deus que se agrada de sa-
crifícios humanos. Em tempos remotos, esse sacrifício ocorria no culto público. Hoje, ocorre no
culto secreto. De todo modo, observe-se o relato de um escritor latino que floresceu no início do
século V d.C. a respeito dos pelasgos, o primitivo povo autóctone da Grécia: “Em todo caso, por
muito tempo, eles creram em aplacar Dis com cabeças humanas e Saturno com homens por ví-
timas sacrificiais, porque o oráculo assim era: ‘Enviai cabeças como oferta a Hades, e homens, a
[seu] Pai’  ” (Macróbio Teodósio, Saturnais, I.7.31) (MACROBIUS, 1969, p. 60; e MACROBIUS,
VARRO, POMPONIUS MELA, 1850, p. 166).

Figura 4. Travestismo na Festa de Purim, em Tel Aviv, Israel. Fotografia de Sergey Orlof/TASS, em SOBEL,
2019.

Em Israel, a situação não era diferente desde que, durante o cativeiro na Babilônia
(598 a.C. – 538 a.C.), os judeus progrediram naquele processo de paganização iniciado pelo
rei Salomão, quem introduziu o culto de Deuses estrangeiros em Israel. No cativeiro, os judeus

10
  Depois de morto, o imperador romano passava pela cerimônia de apoteose, isto é, de divinização. Nessa
obra, com muito humor, Sêneca sugere que o imperador Cláudio passou por uma apoteose às avessas. Em
vez de se transformar em Deus e ir para o Céu, Cláudio foi para o Inferno e se transformou no fruto da
colocíntida, uma planta mediterrânica cujo fruto é semelhante a uma pequena melancia de polpa amarga
e purgativa. O termo ‘apocolocintidose’ origina-se pela aglutinação dos vocábulos ‘apoteose’ e ‘colocíntida’.

42
aprenderam a celebrar as Saceias e o Festival do Ano Novo babilônico com os seus captores e
seus vizinhos persas; e, dessas festas, na própria Babilônia, originou-se o carnaval judeu, deno-
minado ‘Purim’ (Et 9.16-32).11 Diz-se que:
O Purim surgiu originalmente entre os judeus da Pérsia, e foi adotado por eles
de seus vizinhos não judeus. Os judeus persas observavam, em comum com
seus vizinhos, um festival que era celebrado anualmente no meio do último
mês de inverno, da mesma maneira que os judeus de hoje observam, até certo
ponto, o usual Ano Novo no meio do inverno. Igualmente parece que o Purim,
desde o início, tinha o caráter de uma mascarada de primavera, e era uma festa
de brincadeiras e travessuras, de galhofada e desgoverno, de incontinência e
bebedeira. Essa festa era muito popular entre os judeus da Pérsia e da Babilô-
nia e, com o tempo, alcançou os judeus da Palestina. (SCHAUSS, 1970, p. 250).

Além das brincadeiras, da embriaguez intensa, da troca de presentes entre amigos, das
doações para os pobres, a festa de Purim também é caracterizada pelo travestismo. Homens
vestem-se de mulheres; e mulheres, de homens, em violação à lei de Moisés que diz: “Não haverá
trajo de homem na mulher, e não vestirá o homem vestido de mulher, porque qualquer que faz
isto abominação é ao Senhor teu Deus” 12 (Dt 22.5; BÍBLIA, 2004). Em Israel e nas comunidades
judaicas em todo o mundo, a festa de Purim é celebrada anualmente num único dia, que cai
entre 25 de fevereiro e 26 de março. Ela ocorre bem próxima de nosso Carnaval.
Quanto à bebedeira e ao travestismo nessa festa, há dois marcos históricos relevantes.
O mais antigo registro quanto à bebedeira no Purim se refere ao ensino do rabino Rava (Abba
ben Joseph bar Hama), que morreu no ano 352, segundo o qual “um homem é obrigado a se
embebedar no Purim até que ele não mais consiga distinguir entre ‘amaldiçoado seja Hamã’ e
‘bendito seja Mordecai’  ” (BABYLONIAN TALMUD, Megilla, 1918, p. 17, vol. 8). E, desde o
século XVI, há o registro de discussões rabínicas quanto a ser ou não ser possível o travestismo
na festa de Purim.13 Ou seja, possivelmente o travestismo no Purim teve início com as festas de
ritos de inversão na Europa medieval.
Há mais de duzentos anos, o povo N’zima, que habita o sudeste da Costa do Marfim e o
sudoeste de Gana, celebra o festival da Abissa durante catorze dias, que compreendem a última

11
  O livro de Ester é um romance escrito para dar um motivo justo ao festival de Purim, e dissimular a sombra
da paganização do Judaísmo. Segundo Schauss (1970, p. 250), a festa de Purim não tem origem na estória
contada no livro de Ester, que não é um livro histórico. “O livro de Ester foi criado como uma explicação
para o festival”.
12
  Muitas ordenanças mosaicas foram instituídas para impedir que o povo hebreu se voltasse para os Deuses
estrangeiros. Um dos rituais de magia do antigo povo cananeu consistia em cozinhar o cabrito, e um pouco
dos frutos da colheita, no leite de sua própria mãe, para depois borrifar esse ensopado nas plantações de
modo a assegurar uma boa colheita na próxima estação. Por isso, era proibido fazer o mesmo em Israel
(Êx 23.19). Nas nações estrangeiras, era comum que o devoto homem trajasse vestes femininas para prestar
culto a uma Deusa, e vice-versa (Macróbio Teodósio, Saturnais, III.8.2). Especula-se que a proibição de
Deuteronômio 22.5 também visasse impedir que os israelitas se voltassem para os Deuses de outras nações.
13
  Confira-se em: <https://www.sefaria.org/sheets/118626>. Acesso em 14 nov. 2022.

43
semana de outubro e a primeira semana de novembro. A festa marca o Ano Novo desse povo e
é celebrada na cidade de Grand-Bassam, em Costa do Marfim. É um grande festejo de purifica-
ção na virada do ano. A festa também é uma oportunidade para que as famílias mais abastadas
exibam seus símbolos de poder e riqueza. As pessoas portam aquilo que as torna ricas como
adorno de suas vestes: espigas de milho, frutos de palmeiras, etc.

Figura 5. Homem coberto de caulim e vestido


de mulher durante a festa da Abissa. Num dos
dias desse festival, que ocorre em Grand-Bassam
(Costa do Marfim), durante o ritual de acusação
e arrependimento, as pessoas se vestem imitando
quem as ofendeu, em uma festa dedicada à sua
Divindade suprema, Nyame, a serpente herma-
frodita ancestral. Fotografia de Landtours Ghana
Ltd ©2020.14

Na última semana de festejos, pro-


cede-se a um ritual de acusação, confissão e
arrependimento para que, livres do ressenti-
mento e da culpa, ofendidos e ofensores pos-
sam iniciar mais um ano. Durante esse ritual,
o rei se torna um cidadão comum e pode so-
frer críticas públicas quanto ao seu governo,
e homens e mulheres se vestem de modo a
imitar quem as ofendeu.
Ainda nessa última semana de
festa, há rituais de mascaradas com rostos
cobertos de caulim, rituais de dança, de purificação e de exaltação da boa governança. É um
grande festejo em honra do Deus Céu, do Deus Trovão Nyame, a grande serpente ancestral,
que também existe na forma feminina sob o nome de Ngame, o Deus hermafrodita que forma
a trindade divina da etnia Akan, que compreende os N’zima, os Ashanti e outros (DAWKINS,
2018; MÜLLER, 2013, p. 38-39, 233; ASANTE et MAZAMA, 2009, verbete ‘Nyame’).
A Índia oferece outro exemplo de festa de rito de inversão na atualidade. Anualmente,
entre os dias 09 e 25 de março, na cidade de Chavara (distrito de Kollam, Estado de Kerala),
ocorre uma festa denominada Kottankulangara. Os devotos participam de procissões, fazem
oferta de manjares (polpa de anoz, kottan) para a Deusa, e efetuam a circum-ambulação do
templo, dentre outros rituais. Nos dois últimos dias dessa festa acontece o festival da Maquiagem

14
  Imagem disponível em: <https://twitter.com/Landtours/status/1318131284024217601/photo/1>. Acesso
em: 16 nov. 2022.

44
da Lâmpada ou Chamayavilakku15. Homens travestidos apresentam suas preces para a Deusa
Durga, tendo em suas mãos a luz divina na forma de uma lâmpada de cinco pavios.

Figura 6. Festival da Maquiagem da Lâmpada na Índia, em 2018. Homens vestidos de mulheres e


portando uma candeia de cinco mechas apresentam suas preces à Deusa Durga diante da dipa-stambha,
coluna ou poste de iluminação, no Templo da Deusa, na cidade de Chavara. (KERALATOURISM, 2018).

Os rituais acima elencados, podem ser classificados como rituais de renovação median-
te um mecanismo de inversão. São rituais de renovação porque revigoram a ordem cotidiana,
porque, findo o ritual, os celebrantes abandonam a inversão e retornam ao status quo ante.
Uma vez que se tem tratado de rituais de inversão, não se pode deixar de fazer menção
a um exemplo de ritual de inversão cujo propósito não é renovar a vida cotidiana, mas é, sim,
operar uma passagem. As pessoas que celebram esse ritual, mediante uma inversão, executam
a passagem de um status social para outro. Trata-se do ritual das Virgens Juradas, existente no
planalto da península balcânica, na região dinárica (norte da Albânia, norte da Macedônia,
Sérvia, Bósnia, Montenegro) e cuja tradição se iniciou provavelmente no século XV (BRUJIĆ;
KRSTIĆ, 2021, p. 114).
Nessa área rural e montanhosa, as pessoas ainda vivem pelo Kanun, um conjunto de
leis orais que foram codificadas por escrito no fim do século XIX e início do século XX. Por

15
  Chamaya quer dizer ‘maquiagem’; e vilakku, ‘lâmpada’.

45
essa lei, cabe ao homem o trabalho pesado (cortar a lenha, arar, segar, proteger os animais e a
propriedade com o uso de armas); conversar, beber e fumar com os visitantes; vingar a honra da
família. E à mulher cabe gerar e cuidar dos filhos, cozinhar, limpar a casa, servir o marido e as
visitas, carregar água e lenha, cuidar da produção e da venda de laticínios, armazenar alimentos,
lavar roupas, tecer a lã e fazer trabalhos com linha e agulha. Ali, a sociedade é patriarcal, patrilo-
cal e patrilinear (YOUNG, 1998, p. 59-60). O homem é o cabeça da família. A mulher, quando se
casa, vai morar na residência ou na comunidade do marido, mas não passa a fazer parte da famí-
lia dele. Ela torna-se propriedade dele. E a descendência do casal pertence à linhagem paterna.

Figura 7. Virgem Jurada. Seu nome é Mark


(nome masculino), e ela mora na Albânia.
Fotografia de Jill Peters ©2011.16

Diz-se usualmente que esse ritual


surgiu para resolver problemas socioe-
conômicos, mas os motivos de sua cele-
bração são variados. Certamente não diz
respeito à homossexualidade, porque a
comunidade muitas vezes encoraja a in-
versão do papel sexual e vê as virgens ju-
radas como homens e, ao contrário, nos
séculos XVI a XIX, atribuía às mulheres
travestis uma posição social marginal,
mulheres que “primariamente tinham
motivos psicológicos e sexuais para ocul-
tar seu sexo feminino” (BRUJIĆ; KRSTIĆ,
2021, p. 117; YOUNG, 1998, p. 67).
Uma mulher se torna virgem jura-
da por decisão dos pais ou por decisão
própria. Ela pode ser uma menina ou uma adulta. A decisão é acompanhada de um voto de
castidade, e a pressão social é um desestímulo à reversão dessa decisão. Desde que se torna uma
virgem jurada, a mulher assume o papel social masculino e é socialmente respeitada como tal.
Veste-se e fala como homem, passa a portar arma, fuma, participa das assembleias comunitárias,
torna-se o herdeiro de seu pai (só o filho homem recebe herança), torna-se o cabeça da família,
e assume o trabalho de homem (BRUJIĆ; KRSTIĆ, 2021, p. 113, 115; YOUNG, 1998, p. 63-64).

16
  Imagem disponível em: <https://www.jillpetersphotography.com/swornvirgins.html>. Acesso em: 11
fev. 2023.

46
Os motivos para se tornar virgem jurada são geralmente estes: (1) a falta de um homem
adulto na família (como filho substituto, a virgem jurada salva a honra da família passando a ser
o chefe da casa e herdeiro legal); (2) evitar um casamento indesejado (se o noivado da menina
for rompido, e ela se casar com outro, seu ex-noivo e a família dele têm o direito de matar os
parentes masculinos dela numa vingança da honra); (3) uma vingança de sangue (os parentes
masculinos jurados de morte não podem sair de casa; então, uma das filhas assume o papel so-
cial masculino, como virgem jurada, para cuidar do governo da casa) (BRUJIĆ; KRSTIĆ, 2021,
p. 117-120; ELSIE, 2001, p. 246-247, verbete ‘sworn virgin’).
Antonia Young informa que, devido às grandes mudanças sociais, e mesmo devido à
chegada da televisão nas áreas rurais dos Alpes dináricos, essa tradição deve deixar de existir em
uma ou duas gerações (1998, p. 62, 68).
As festas de rito com mecanismos de inversão e sua ocorrência entre diversos povos e
em várias épocas sugerem que as mesmas não se dão aleatoriamente ou inconsequentemente.
Como já se percebe, elas devem existir por alguma razão, porque
Ritual, então, é essencialmente comunicação, uma linguagem pela qual as so-
ciedades discutem uma variedade de questões. Ele lida com as relações que um
homem tem com outro homem, com as instituições, os espíritos, e a natureza,
e com todas as várias transposições de que são capazes essas matérias. Então,
nosso problema imediato vem a ser: O que exatamente o ritual está comuni-
cando? (CROCKER, 1973, p. 49).

Antropólogos, sociólogos e até historiadores debruçaram-se sobre essa questão, bus-


cando descobrir a mensagem transmitida pelas festas rituais. Eles chegaram a algumas respostas.

4.2 O QUE OS RITUAIS DE INVERSÃO EXPRESSAM

Levando em conta que os rituais se associam àqueles esforços dirigidos à garantia do


sucesso e ao afastamento do desastre (GLUCKMAN, 1966, p. 31), como também visam asse-
gurar a continuidade social (MITCHELL, 1999, p. 25-26), é de se deduzir que os rituais estão
de alguma forma ligados àquilo que determinada sociedade valoriza. Nesse sentido, Roberto da
Matta ensina que o ritual é um discurso que ressalta valores essenciais de certa realidade (1997,
p. 66), reafirmando que o ritual é um modo “de salientar e tornar manifesto, por meio de um dis-
curso específico, aqueles aspectos considerados importantes da estrutura da sociedade” (1997,
p. 67, itálico do autor).
O mundo fica de ponta-cabeça nas festas com ritos de reversão de status. Se se atentar
para as celebrações da Idade Média, um folião completamente despreparado saía pelas ruas
47
imitando um governador, um magistrado, um médico, um padre, um advogado (BURKE, 2010,
p. 249-250, 256, 262). O resultado não poderia ser outro senão a caricatura. Nessa fase de re-
versão de status, a ordem estrutural — com suas posições sociais e com os atores que cotidia-
namente ocupam essas posições — ilusoriamente se mostrará como a única e real possibilidade
de existência social. No caso do Carnaval, as inversões das posições sociais cotidianas e que
autorizam comportamentos ofensivos à moralidade diária, “terminam por provocar a confiança
na ordem” (MATTA, 1977, p. 58). Nesse sentido, o Bloco das Piranhas apresenta-se, portanto,
como uma ferramenta de manutenção do status quo: os seres humanos que habitam um corpo
masculino devem continuar a agir como homens; e os seres humanos que habitam um corpo
feminino devem continuar a agir como mulheres. Os processos rituais com ritos de reversão de
status atuam em favor da manutenção do status quo ante. Tais processos rituais atuam no senti-
do de reforçar a ordem vigente.
Semelhante lição já nos foi ensinada por Dio Crisóstomo (c. 40 ‒ c. 115 d.C.), em sua
obra Discursos. Ali, esse professor de filosofia e retórica explica a Saceia, o carnaval persa, ao dar
os motivos pelos quais se tomava um criminoso condenado à morte para assentá-lo tempora-
riamente no trono real. O trecho abaixo colacionado já foi citado acima, mas será repetido para
a comodidade do leitor:
Então, tu consideras isso ser um símbolo de quê? E, para os persas, isso vem
a ser comparado a quê? Não é que frequentemente homens insensatos e per-
versos alcançam por acaso esse poder e fama, e depois de certo período de
licenciosidade desenfreada, eles perecem execrabilíssimos e horrendíssimos?
Portanto, de vez em quando, sempre que um homem é retirado de [suas] ca-
deias, é provável que, enquanto insensato e não familiarizado com as circuns-
tâncias, ele se regozije e se congratule pelo que está ocorrendo. Mas, o sabedor,
ele se lastima, não estando intencionalmente disposto a prosseguir. E, ainda
mais! Mesmo que viesse a possuir [poder e fama], ele continuaria em grilhões.
Portanto, e sobretudo, ó néscio, não tente ser rei antes de ter entendimento.
E, enquanto isso — [Diógenes] dizia —, é melhor não dar ordens de modo
algum, mas [é melhor] viver sozinho consigo mesmo, mantendo [sua] veste de
couro [para escravos]. (DIO, 1932, p. 199-201, vol. 1).
(Dio Crisóstomo, Discursos ‒ Do Reino, IV.66-70).

A Saceia lamentavelmente transmitia a seguinte mensagem: Ó, povo, como tu não tens


como adquirir entendimento, continua a usar teus trajes de escravo. Noutra forma de dizer,
aquele festejo persa reforçava o modo de vida cotidiano. Quem atuava no papel de rei, deveria
continuar a ser rei. E quem atuava no papel de escravo, deveria continuar a ser escravo. E, desse
modo, a sociedade continuava a ser composta de reis e escravos, de dominador e dominado.
Essa mesma ideia é comunicada por Luciano de Samósata, porquanto ele igualmente
sustenta que a ordem social e cotidiana deve ser mantida. Em sua obra Saturnais, Luciano faz
certo folião escrever uma carta para o Deus Saturno. Naturalmente, observando a distribuição
48
de presentes durante as Saturnais, o folião lastima a pobreza em que cotidianamente vive a
maioria das pessoas e solicita que as riquezas em posse dos ricos fossem redistribuídas.
Saturno responde a esse folião argumentando que o pedido de redistribuição dos bens
deve ser dirigido a Zeus, que é o novo governante. Ele, Saturno, é rei por apenas sete dias, e seu
reino não vai além de jogos de dados, batidas de palmas, cantos, licenciosidade e embriaguez.
E, em seguida, ele declara:

Mas, em geral, deveis saber, pobres, que vós tende sido enganados, não pen-
sando corretamente a respeito dos ricos. E, de fato, vós supondes serem eles de
todo bem afortunados, vivendo sozinhos aquela vida prazenteira, por suntuo-
samente fazerem refeições, e se embriagarem de vinho doce, e terem relações
sexuais com belos meninos e mulheres, e fazerem uso de vestimentas macias.
Vós realmente não sabeis de que tipo é [a vida deles]! Ela é de não pequeno
cuidado em torno dessas coisas. E há a necessidade de estarem vigilantes em
tudo: que ao escravo que administra a casa não passe despercebida a perda
pela preguiça ou pelo furto, que o vinho não azede, que os grãos não sejam
fermentados pelo piolho [de vegetais], que o ladrão não furte as taças, que o
povo não tenha fé nos sicofantas quando dizem que eles [ricos] desejam ser
tiranos. Todas essas coisas não são senão a mínima fração das aflições deles. Se
vós ao menos soubésseis dos medos e das preocupações que eles têm, a riqueza
pareceria a vós algo que se deve evitar por todos os meios. (LUCIAN, 1959,
p. 125, vol. 6).
(Luciano de Samósata, Saturnais, XXVI).

Mediante a boca de Saturno, Luciano de Samósata apresenta os argumentos que justifi-


cam a manutenção do status quo. Conquanto haja uma breve e pequena redistribuição de rique-
zas durante a celebração das Saturnais, a vida cotidiana deve ser resguardada, os papéis sociais
de pobres e de ricos devem continuar a existir. Contudo, esses rituais não se prestam somente ao
reforço da ordem quotidiana mediante a prática ostensiva da desordem e a exibição do absurdo
e do extravagante. Os rituais de inversão de status também revigoram o cotidiano por meio da
desopilação.
O cotidiano é opressivo e extenuante para a maioria dos trabalhadores. Segundo o
historiador Peter Burke (2010, p. 271), as festas populares “eram diversão, pausa bem-vinda na
luta diária pela subsistência; ofereciam ao povo algo pelo que ansiar”. O sociólogo francês Roger
Caillois (1959, p. 98) acrescentou que, no cotidiano, o homem provê suas necessidades imedia-
tas de subsistência, mas que, nesse mesmo cotidiano, “ele vive da lembrança de uma festa e da
expectativa de outra”. Por isso, não causa estranheza que ao rei Lemuel tenha sido ensinado o se-
guinte: “Dai [...] vinho aos amargosos de espírito, para que bebam e se esqueçam de sua pobreza,
e do seu trabalho não se lembrem mais” (Pv 31.6-7; BÍBLIA, 2004, p. 644). As drogas lícitas não
existem somente para curar mas também para fazer esquecer as durezas do cotidiano, para que
o cotidiano continue quotidiano.
49
Quanto a isso, já se associou ao cotidiano a figura do vasilhame que periclita explodir
por reter gás sob pressão, e se vinculou às festas de rito de inversão a imagem de uma válvula de
alívio. Por meio de uma carta circular emitida no ano de 1444, os professores da Faculdade de
Teologia da Universidade de Paris dirigiram-se aos prelados e cabidos de França condenando e
pedindo a abolição da Festa dos Bobos. Nessa carta, esses professores citaram um dos argumen-
tos do partido cristão paladino da festa:
Mas dizem eles [os defensores da Festa dos Bobos]: Nós o fazemos tal qual
uma pilhéria e não a sério, como tem sido o costume desde a antiguidade, a
fim de que a tolice em nós inata possa, uma vez ao ano, vazar e dissipar-se.
Odres e pipas de vinho não se romperiam amiúde se seus espiráculos não fos-
sem abertos de tempo a tempo? Na verdade, nós somos odres velhos e pipas
quase rompidas, pois que o vinho da sabedoria que está fermentando exces-
sivamente e que reteríamos nos contraindo com força por todo o ano na ser-
vidão para Deus, fluiria em vão se não nos esvaziássemos com brincadeiras e
tolices de tempo em tempo. Portanto, é para se esvaziar com pilhérias de vez
em quando, para que depois retornemos mais fortes para reter a sabedoria.
(MIGNE, PL 207:1171; TILLIOT, 1741, p. 30; BAKHTIN, 1984, p. 75; DAVIS,
1975, p. 299, nota 21).
Em sua tese de doutoramento, Alexandre Agnolon também frisou esse significado e
essa função dos ritos de inversão. Ao analisar duas obras do poeta romano Marcial, ele se viu na
contingência de estudar as Saturnais romanas e a obra de Luciano de Samósata sobre esse tema.
Agnolon terminou por concluir que o mundo invertido e que é instituído nesses feriados se
presta a aliviar as tensões sociais e a ratificar a própria ordem social existente. Veja-se:

Repare-se, ainda, no próprio texto luciânico, o monde renversé, representa-


do pela paródia do diálogo filosófico, rebaixamento, por extensão, da παιδεία
[cultura mental] do mundo oficial. No entanto, os festejos, por tudo isso, legiti-
mavam, paradoxalmente, o status quo, já que funcionariam como uma espécie
de alívio das tensões sociais. Nesse caso, as Saturnais afigurar-se-iam funda-
mentais para a manutenção da ordem, que retorna à cena passado o período
da festa. (AGNOLON, 2013, p. 65-66).

O antropólogo Max Gluckman estudou, entre os povos africanos, os rituais que ele
denominou de rituais de rebelião, nos quais as tensões sociais são francamente expressas. Na
sociedade Zulu, as mulheres estão ordinariamente submetidas aos homens (1963 [1954], p. 115-
116, 127). Mas, durante uma dessas cerimônias, as mulheres zulus vestem as roupas dos homens,
pastoreiam e ordenham o gado, e se comportam licenciosamente, como se elas fossem homens,
chegando mesmo a maltratar e injuriar os homens zulus. Esse ritual é dirigido à Princesa do Céu
quando a semente começa a brotar da terra e tem por objetivo o afastar as pragas e garantir que
a Deusa faça crescer as plantações (1963 [1954], p. 112-113, 117-118). Em sua palestra publica-
da sob o título Rituais de Rebelião no Sudeste da África (1954), esse antropólogo apresenta suas
considerações iniciais nos seguintes termos:
50
Eu deverei arrazoar que esses rituais de rebelião são executados dentro de um
sistema tradicional, sagrado, fixo e no qual há a disputa sobre distribuições
específicas de poder, e não sobre a própria estrutura do sistema. Isso oferece
oportunidade para o protesto institucionalizado e, de maneiras complexas, re-
nova a unidade do sistema. (GLUCKMAN, 1963 [1954], p. 112).

Os processos rituais com ritos de inversão apresentam-se, à primeira vista, como uma
revolta contra o sistema. Porém, tais ritos existem apenas para validar esse mesmo sistema, pois
a questão não se põe aqui em termos de um protesto contra o fato de o homem dominar sobre a
mulher. Tal rito de inversão entre o povo Zulu é executado para confirmar que um ser humano de-
ve continuar a dominar sobre outro ser humano ao passo que a inversão é empregada para dar alí-
vio momentâneo à mulher oprimida e manter eventuais insurreições sob contenção permanente.
A sociedade humana lamentavelmente não deve se pautar pela cooperação, mas pela
subordinação. Não deve haver complementaridade, deve, sim, haver antagonismo, infelizmente.
A coesão social deve se manter sempre num ambiente de conflito, e o conflito deve ser encenado
periódica e ritualisticamente mediante a permuta dos papéis sociais, num meio controlado, e em
prol da desopilação dos membros da sociedade. Assim ocorre a acomodação dos atores sociais
nos papéis em que atuam, e a coesão dessa sociedade conflituosa é mantida. Como se disse:
A aceitação da ordem estabelecida como justa e boa e mesmo sagrada parece
permitir o excesso desenfreado, mesmo os rituais de rebelião, para que a
própria ordem mantenha a rebelião sob amarras. Assim, encenar o conflito,
seja diretamente ou por inversão ou noutra forma simbólica, enfatiza a coe-
são social dentro da qual o conflito existe. Todo sistema social é um campo
de tensão, cheio de ambivalência, de cooperação e de luta entre opostos. Isso
é verdade tanto para sistemas sociais relativamente estacionários — que eu
gosto de chamar de ‘repetitivos’ — quanto para sistemas que estão mudando e
se desenvolvendo. Num sistema repetitivo, determinados conflitos são esta-
belecidos não por alterações na ordem das posições, mas por mudanças das
pessoas que ocupam essas posições. O decurso do tempo, com o crescimento
e a mudança da população, produz realinhamentos após longos períodos, mas
não uma mudança radical de padrão. E como a ordem social sempre contém
uma divisão de direitos e deveres, e de privilégios e poderes em contraste com
as responsabilidades, a encenação cerimonial desse sistema assevera a natu-
reza desse sistema em toda sua retidão. (Grifo nosso). (GLUCKMAN, 1963
[1954], p. 127-128).

As festas rituais oferecem a todos uma suspensão temporária da ordem instituída e


uma pausa na vida cotidiana. Com os rituais de inversão, a prática do dia a dia e a vigência das
normas são interrompidas, e então o mundo se inverte. O homem atua como mulher; e a mu-
lher, como homem. Nessa inversão de papéis sexuais, tensões contidas são purgadas, desejos
reprimidos são satisfeitos, e a pressão social é aliviada sem que seja necessária a criação de novos
papéis sociais, ou que os atores sociais troquem permanentemente seus papéis, ou que haja a
eliminação de algum papel social já existente. Ou seja, finda a festa ritual de inversão, o mundo
51
retorna ao status quo ante. Contudo, é possível que nem sempre os ritos de inversão de status se
prestem à manutenção da ordem cotidiana mediante o alívio das tensões sociais. Há um povo
que executa o ritual de inversão dos papéis de gênero para garantir a continuidade do modo de
vida quotidiano por outros meios.
Em Papua-Nova Guiné habita o povo Iatmul, conhecido por serem caçadores de cabe-
ças. O antropólogo Gregory Bateson (1904 – 1980) esteve entre eles no período de 1929 a 1932 e,
depois, publicou o livro intitulado Naven (1936), em que registra o comportamento cerimonial
dos Iatmul. Descrevendo o ritual em que homens se vestem de mulheres e mulheres se vestem
de homens, Bateson relacionou esse comportamento com a estrutura e o funcionamento da cul-
tura Iatmul, e ainda com seu etos (1958, p. 02, 220). O principal rito desse povo é o ritual Naven,
em que há o travestismo de homens e mulheres.
O Naven não é um ritual de passagem (1958, p. 09). É, porém, um rito que celebra notó-
rias realizações do menino e da menina, do homem e da mulher. “Há mais naven e mais ocasiões
para naven na vida de um menino e de um homem do que na vida de uma menina” (1958, p. 10).
Os principais participantes do ritual são o(a) filho(a) da irmã (sobrinho ou sobrinha)
e o irmão da mãe (tio materno), sem bem que outros parentes e parentas também participem.
Quando o feito notório é realizado pela primeira vez, o Naven é mais elaborado, mas esse ritual
não deixa de ser celebrado, ainda que de uma forma bem simples, toda vez que o ato valorizado
culturalmente é realizado. Contudo, os atos menos valorizados são festejados com Naven apenas
quando realizados pela primeira vez.
São ocasiões para o Naven na vida do indivíduo masculino, os seguintes atos: (1) ho-
micídio de um inimigo, de um estrangeiro ou de uma vítima comprada, ou um ato que contri-
bua para o homicídio; a morte de um animal de grande porte, como crocodilo, javali, enguia;
(2) outros atos menores, tais como matar pequenos animais, plantar certos vegetais, derrubar a
palmeira do sagu, entalhar um remo, fazer uma canoa, tocar um tambor ou uma flauta, adquirir
conchas valiosas; (3) aqueles pertinentes a um sobrinho, como exibir o ancestral totêmico do clã
do tio materno ou dançar usando máscaras que representam esses ancestrais; (4) vangloriar-se
na presença do tio materno; (5) mudança no status social, como perfurar as orelhas ou o septo
nasal, o casamento, a iniciação, a possessão por um espírito xamanístico.
Para as meninas, o Naven é celebrado quando elas pescam um peixe com linha e anzol,
lavam a polpa do sagueiro, cozinham a pasta de sagu, fazem uma armadilha para peixes ou uma
capa de chuva, dão à luz uma criança, são iniciadas, ou exibem o ancestral totêmico do clã do
tio materno ou dançam usando máscaras que representam esses ancestrais (BATESON, 1958,
p. 06-10).
O ritual Naven é celebrado da seguinte maneira pelo sobrinho e pelo tio materno. Re-
sumidamente, o tio veste a saia mais imunda e gasta que uma viúva poderia usar e, como uma
52
viúva, ele se esfrega com cinzas. Na sociedade Iatmul, a viúva “é quem ocupa a posição mais bai-
xa na escala social” (HOUSEMAN; SEVERI, 1998, p. 44, 19). Sobre a cabeça do tio vai um tipo
de chapéu todo esfarrapado. Pendente em seu nariz, em lugar de pequenos triângulos feitos de
conchas de pérolas que as mulheres usam em ocasiões festivas, ele usa panquecas triangulares de
sagu velho. Assim trajado, semelhantemente a uma mulher, o tio materno passa a ser chamado
‘mãe’ e começa a caminhar pela vila, curvado, com um velho remo como bengala, com pernas
arqueadas, dando gritos agudos, à procura de seu ‘filho’, na verdade, seu sobrinho; e dizendo:
“Tenho uma galinha para dar ao jovem”.
Durante a execução dessa parte do ritual, o sobrinho está escondido ou ausente para não
ver o comportamento grotesco e autodegradante do tio. Se ele é achado pelo tio materno, seu tio
vira-lhe as costas, curva-se para diante e esfrega as nádegas na perna do sobrinho. Após esse tipo
de saudação sexual, o sobrinho apressa-se em dar conchas valiosas ao tio, uma concha para cada
esfregada de nádegas, no intuito de “fazê-lo sentir-se bem”. Ao final, a galinha é entregue ao so-
brinho, o tio sai de cena, lava-se e volta a trajar suas vestes cotidianas (BATESON, 1958, p. 12-14).
O ritual Naven não se restringe ao sobrinho e ao tio materno, apenas. O comportamen-
to naven dos parentes do sobrinho e da sobrinha é assim sumarizado:

O wau (irmão da mãe [tio materno]) veste grotescos trajes femininos, oferece
suas nádegas ao laua macho [sobrinho]; em pantomima, dá à luz a laua fêmea
[sobrinha], quem corta suas amarras; apoia-se na enxó presenteada por ela;
presenteia um alimento ao laua de ambos os sexos, e recebe de volta conchas
valiosas; atua como fêmea numa cópula sexual grotesca com a mbora. Esses
atos cerimoniais podem ser realizados pelo próprio wau ou por um wau clas-
sificatório17 — na maior parte das vezes, o último.
A mbora (esposa do irmão da mãe [esposa do tio materno] traja grotescas
vestimentas femininas ou (provavelmente grotescas) vestes masculinas; dança
com a vara de cavar [enxada] atrás de sua cabeça; assume o papel masculino ao
simular uma cópula sexual com o wau; semelhantemente ao wau, ela presen-
teia o herói do naven com alimento e recebe de volta bens de valor.
A iau (irmã do pai [tia paterna]) veste um magnífico traje masculino, bate no
menino para quem o naven é celebrado; passa por cima de sua mbora [con-
cunhada] que está deitada no chão; participa de uma disputa simulada com a
mbora em que esta última lhe arrebata o cocar [usado pelos homicidas].
A nyame (mãe) retira sua saia, mas não está travestida; deita-se no chão com
outras mulheres quando o homicida passa por cima delas.

17
  O parentesco classificatório difere do descritivo, que é linear. No parentesco classificatório, um parente
da linha colateral (não em linha reta, ascendente ou descendente) em relação ao ego (a quem a relação de
parentesco se refere) receberá a mesma designação daquele parente de mesmo sexo e da mesma linha reta
relativa ao ego. Por exemplo: o irmão do pai (linha colateral) também é chamado de pai (linha reta ascen-
dente), mas a irmã do pai é chamada de tia; a irmã da mãe é chamada de mãe, mas o irmão da mãe é chama-
do de tio. Essa designação de parentesco foi proposta pelo antropólogo Lewis Henry Morgan (1818 – 1881)
e já não mais é empregada, pois se provou improfícua uma vez que qualquer terminologia de parentesco
sempre traz em si os aspectos classificatórios e descritivos (BALDUS; WILLEMS, 1939, p. 171, verbete ‘pa-
rentesco classificatório’; SEYMOUR-SMITH, 1986, p. 159, verbete ‘kinship terminology’).

53
A nyanggai (irmã) veste magníficos trajes masculinos; acompanha o homicida,
seu irmão, quando ele passa por cima das mulheres; ele fica envergonhado,
mas ela ataca [com suas mãos] as genitálias delas, especialmente a da tshaishi;
chora quando o wau exibe o clitóris anal [a fruta da Ervatamia aurantiaca (ou
Tabernaemontana aurantiaca) enfiada em seu ânus].
A tshaishi (esposa do irmão mais velho [cunhada]) veste magníficos trajes
masculinos, bate no irmão mais novo do marido, e sua vulva é atacada pela
irmã dele [sobrinho]. (BATESON, 1958, p. 21-22).

Na sociedade Iatmul, “a criança identifica-se estreitamente com seu pai, mas compete
com ele”. Com relação a sua mãe, “a criança não é uma competidora, mas, ao contrário, uma rea-
lização da mãe; e as realizações da criança são realizações dela, triunfos do clã dela” (BATESON,
1958, p. 48). No ritual Naven, o comportamento do tio materno é o de uma mãe, mas de uma
maneira exagerada e dramática (1958, p. 76-77, 81).
Observando isso, Bateson explica o travestismo iatmul em razão do etos desse povo.
O homem iatmul “alcança posição na comunidade por suas façanhas na guerra, por feitiçaria e
conhecimento esotérico, por xamanismo, por riqueza, por intriga, e, até certo grau, pela idade”.
Ele se ocupa com atividades espetaculares, dramáticas e violentas, e tudo descamba na casa
cerimonial, seu local de assembleia para a execução de rituais e debates ou de reuniões sociais
nas quais bazofiam publicamente a respeito dos homicídios praticados. Não importa se se es-
tá numa conversa na casa cerimonial, conduzindo uma iniciação ou construindo uma casa, a
atitude masculina é de orgulho, autoafirmação, severidade e exibicionismo, que eventualmente
vem tingida de ironia e histrionismo. Sua vida é pública, fora da casa, uma vida barulhenta e
com ostentação. Eles sabem muito bem expressar alegria ou tristeza quando seu orgulho pró-
prio é alimentado ou é ferido. Entretanto, talvez pela competitividade, “expressar alegria pelas
realizações do outro está fora das regras do comportamento deles” (1958, p. 123-124, 198, 201).
O espírito que permeia a conduta da mulher iatmul, é de outra natureza. Sua vida ocupa
outro espaço. Sua atenção está voltada para as rotinas necessárias à coleta e ao preparo de alimen-
tos, e à criação dos filhos. Seu espaço se restringe à casa em que habita e à horta em que trabalha.
Aliás, “essas atividades não são executadas publicamente ou em grandes grupos, mas privada e
silenciosamente”. Raramente, ela tem a oportunidade de participar de cerimônias públicas em
que a plateia é masculina. A vida da mulher iatmul é regulada por uma semana de quatro dias,
em que o quarto dia é o dia de mercado, no qual ela pega sua canoa ou sai caminhando até ou-
tras vilas para comprar ou trocar alimentos. O cotidiano da mulher iatmul não compreende o
orgulho e apresentações espetaculares. Sua vida é silenciosa e sem ostentação, uma vida de coo-
peração que “as tornou capazes de facilmente expressar uma alegria ou uma tristeza altruístas,
mas não as ensinou a assumir um papel público e espetacular” (1958, p. 123, 142-144, 199, 201).
O ritual Naven, portanto, será balizado pelo etos do homem e da mulher iatmul. E é
um ritual que surge justamente porque o etos cotidiano impede que as condutas socialmente va-
54
lorizadas, sejam publicamente elogiadas por um homem e por uma mulher. Porque ao homem
iatmul não lhe é dado o expressar alegria pela façanha de outrem. E porque à mulher iatmul não
lhe é permitido o vir a público. O cotidiano obsta o reforço público daquelas realizações que a
sociedade Iatmul considera importantes.
O contraste entre os etos masculino e feminino modelou o Naven de modo que as
impossibilidades da vida cotidiana foram evitadas por meio do travestismo. A mulher iatmul
veste-se de homem para vir a público e externar aquela alegria que cotidianamente só poderia
ser demonstrada dentro de casa, e o homem iatmul traja vestimentas femininas para expressar
orgulho e alegria pela façanha de outra pessoa que não ele mesmo. Os papéis sexuais são inverti-
dos para que o louvor seja dirigido no sentido oposto — de modo que o homem expresse alegria
e orgulho não por seus feitos, mas pelos feitos de outrem —, e para que o louvor seja manifesto
no espaço oposto — de modo que a mulher possa externar sua alegria não somente no espaço
privado mas também no público. Além disso, porque vai travestido com as piores roupas de
uma viúva, o homem não deixa de externar seu desprezo pelo etos feminino (BATESON, 1958,
p. 201-203, 209-210).
Com efeito, esse mesmo contraste de etos masculino e feminino revela-se, no Naven,
como “um processo dinâmico de diferenciação com homens ‘aprendendo’ a não se comportar
como mulheres e com mulheres ‘aprendendo’ como evitar as atitudes físicas e mentais dos ho-
mens, e vice-versa” (HOUSEMAN; SEVERI, 1998, p. 22; veja p. 207). Aliás, travestidos, homens
e mulheres “competem numa zombaria recíproca” e “fazem mais do que defender suas diferen-
ças: eles porfiam uns com os outros ao imitarem o outro sexo” (HOUSEMAN; SEVERI, 1998,
p. 43, itálico dos autores). Na verdade,

Nós tocamos aqui num aspecto que nem a mera inversão dos etos nem o equi-
líbrio das cismogenéticas18 tendências de oposição podem explicar. A fim de
exibir essa competitividade simétrica, cada lado simultaneamente desempe-
nha as séries de oposições hierárquicas (forte/fraco, ator/espectador, domina-
dor/dominado, etc.) que definem suas atitudes recíprocas na vida cotidiana.
No travestismo praticado no naven, a oposição complementar — longe de se
revelar como uma tendência de oposição — é, ao contrário, expressa pela riva-
lidade simétrica. [...]. Agora, vemos que esse travestismo une — numa única
mensagem não verbal — as duas possíveis e contraditórias formas de cismo-
gênese: a simétrica e a complementar. (HOUSEMAN; SEVERI, 1998, p. 43-44,
itálico dos autores).

18
  Cismogênese (literalmente, ‘nascimento da separação’) é um termo criado por Bateson para definir “um
processo de diferenciação nas normas de comportamento individual resultante da interação cumulativa
entre os indivíduos” (1958, p. 175). Esse processo pode se dar em relação ao gênero, à religião, à política, etc.
No caso do ritual naven, a cismogênese ocorre definindo e fixando os papéis sociais de homem e de mulher.

55
Gregory Bateson, entretanto, notou a influência de outro elemento na celebração do
Naven. As relações de parentesco entre o povo Iatmul parecem gerar hostilidade entre os clãs
materno e paterno, notadamente entre o tio materno e seu cunhado e, mesmo, seu sobrinho:
É possível, entretanto, ver o wau como um homem culpado de franca hos-
tilidade para com o casamento de sua irmã, quem, consequentemente, faz
compensações exageradas para o filho dela, e uma hipótese plausível pode ser
construída sobre essa base. Mas, igualmente, podemos ver o wau não como
um homem culpado fazendo compensações, mas como um homem inocente
declarando sua inocência. Ele pode ter-se oposto ao casamento de sua irmã e
ter nutrido ressentimentos para com o marido dela. Em todo caso, cultural-
mente se presume que alguma oposição existe entre os cunhados. Ele, porém,
não tem desavença alguma com o rebento daquele casamento, quem deveras
está vinculado a ele pelo sangue, interesse e fidelidade. O rebento, contudo,
também não está menos intimamente vinculado a seu pai, e é esse fato que
poderia constituir uma acusação de que o wau talvez seja hostil para com eles.
Isso sugere que a hostilidade do wau, anteriormente centrada no marido da
irmã, talvez pudesse se estender para incluir o laua. Essa acusação, o wau tal-
vez esteja negando quando enfatiza o fato de que ele é uma mãe e uma esposa.
(BATESON, 1958, p. 208).

Assim, pela lente do parentesco, é possível entender que o ritual Naven também se
prestaria ao alívio das tensões geradas pelas relações sociais entre o povo Iatmul.
Considerando que o Naven pode ser uma exceção dentre os rituais de inversão uma vez
que ele mantém a ordem cotidiana não pelo alívio das tensões sociais, mas pelo louvor público
daqueles atos valorizados e praticados por outrem, e pela diferenciação entre os papéis sexuais
de homem e de mulher, retornamos a Victor Turner para enfatizar que, de um modo geral,
[...] os rituais de reversão de “status” tornam visíveis, em seus padrões sim-
bólicos e de comportamento, as categorias e formas de agrupamentos sociais,
consideradas axiomáticas e imutáveis, tanto em essência quanto na relação de
umas com as outras.
Do ponto de vista cognoscitivo, nada realça melhor a regularidade que o ab-
surdo ou o paradoxo. Emocionalmente, nada satisfaz tanto como o compor-
tamento extravagante ou [o] ilícito temporariamente permitido. Os rituais
de reversão de “status” conciliam ambos os aspectos. Tornando o baixo alto
e o alto baixo, reafirmam o princípio hierárquico. Fazendo o inferior imitar
o comportamento do superior (chegando até a caricatura), e restringindo
as iniciativas dos orgulhosos, acentuam a racionalidade do comportamento
diário, culturalmente previsível, entre os diversos estamentos da sociedade.
(­TURNER, 1974 [1969], p. 213).

Nesse estudo, tem-se notado que o componente religioso eventualmente tem parte nos
festivais rituais em que homens e mulheres invertem seus papéis sociais. Nas Dionísias gre-
gas, homens vestiam-se de mulheres, e vice-versa, em culto e celebração a Dioniso, um Deus
andrógino. Entre o povo Zulu, mulheres usam vestes masculinas e agem como homens num
ritual dirigido à Princesa do Céu quando a semente brota da terra. O povo N’zima celebra o fes-
56
tival da Abissa, que é dedicado ao Deus Céu Nyame, a serpente hermafrodita. Aliás, o próprio
Carnaval, se não diretamente estabelecido pelo Cristianismo, surge por influência dele. Então,
considerando que homens e mulheres algumas vezes invertem seus papéis sexuais em uma festa
ritual dedicada a um Deus hermafrodita, pergunta-se: À semelhança de povos não cristãos, não
poderia haver uma relação entre o Deus do Cristianismo e o desfile do Bloco das Piranhas, que
ocorre no carnaval brasileiro, celebrado por um povo cuja religião majoritária é de orientação
judaico-cristã?19

19
  Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em notícia datada de 29/06/2012 e inti-
tulada Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas e sem religião, no ano de
2010, 22,2% dos brasileiros declararam-se cristãos evangélicos e 64,6% declararam-se cristãos católicos.
Fonte: <https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?busca=1&id=3&idnoticia=2170>. Acesso em:
06 fev. 2023.

57
5 UMA POSSÍVEL RELAÇÃO ENTRE A TEOLOGIA E O RITUAL DE INVERSÃO
DO PAPEL SEXUAL

Primeiramente, deseja-se expor a inutili-


dade de qualquer discussão a respeito da essência
de Deus. Deus tem corpo ou não tem corpo? Deus
é um? Deus é três? Deus é macho? Deus é fêmea?
Deus é hermafrodita? Se tem corpo, que tipo de
substância o constitui?
Nenhum homem viu a Deus (Jo 1.18; I Jo
4.12). Então, para quem se agrada da religião pura
(Tg 1.27), é despicienda a discussão a respeito do
monoteísmo uno (Deus um em um), do monoteís-
mo trino (Deus três em um) ou do politeísmo, pois
todos esses conceitos têm sua origem na religião
institucional (NUNES JUNIOR, 2021, p. 133-165).
Aliás, tais conceitos são questões de crença, e nada
contribuem para o desenvolvimento moral e espiri-
tual da humanidade, uma vez que o ser humano é o
que ele pratica, e não o que ele crê ou afirma ser.
Contudo, conquanto não sirvam para a
elevação moral, tais conceitos prestam-se muito
bem para a condução das massas: unindo-as, sepa-
rando-as, dando a elas motivos para guerras e par-
tidarismos, oferecendo justificativas irreais para
seus comportamentos.
Basta ver que, no Mundo Antigo, a es-
sência de Deus mudava à medida que se mudava
o estrato social, indo de uma infinidade de Deuses, Figura 8. Afrodito ou Hermafrodito, o
Deus andrógino. Estátua em mármore
no culto do povo (culto aberto), até a existência do retratando Afrodite (ou Deméter) itifálica.
Deus um sozinho (monoteísmo uno), no mais al- Ela segura a barra de sua túnica num gesto
to grau do culto de Mistério (culto secreto). Num de anasyrma (exposição da genitália). So-
bre sua cabeça repousa uma cesta cheia de
dos graus do culto de Mistério, dizia-se que Deus frutos. Peça abrigada no Museu Nacional,
existia na forma de uma trindade na qual Deus é em Estocolmo, Suécia (DELCOURT, 1961,
p. 36a, 63-64; CZAKO, 1980, lâm. 34).
pai, Deus é mãe e a si mesmo se gera na pessoa do
58
Filho. Ou seja, Deus Pai é hermafrodita e renasce na pessoa do Deus Filho. As religiões grega,
egípcia e babilônica declaravam isso (NUNES JUNIOR, 2021, p. 143-160).
Tomando-se a religião grega como exemplo, em seu culto misterioso, a trindade era
composta por Zeus (Deus Céu, Deus Trovão, Deus Chuva), Perséfone (Deméter virgem, uma
manifestação de Gaia, a Deusa Terra) e Dioniso (o fruto da Terra: a árvore, o boi, o bode, o trigo,
a cevada, a uva...). A respeito do Pai e do Filho, o teólogo e filósofo Élio Aristides (117 – 181 d.C.,
Mísia, Turquia) declarou que Dioniso era hermafrodita e contou ter ouvido a estória de que o
Pai (Zeus) era o próprio Filho. Veja-se:
Portanto, o Deus [Dioniso] é macho e fêmea — como dizem: o Pai compar-
tilhou em si mesmo cada uma das duas naturezas [com relação a ele]. Eu já
ouvi de algumas pessoas outra estória sobre esses [Deuses] na qual o próprio
Zeus é Dioniso. O que dirias quanto a isso? Ele parece conformar a [sua] natu-
reza na [sua] aparência. Pois, por assim dizer, ele é em seu todo um gêmeo de si
mesmo. E porque está [a meio-termo] entre moços e moças [κόραις, virgens].
(Grifo nosso). (ARISTIDES, 1898, p. 331).
(Élio Aristides, Discurso XLI – Dioniso, 4-5).

E, durante o culto nos Mistérios Órficos, mediante um hino da autoria de Orfeu


(c. 1000 a.C.), cantava-se a encarnação de Zeus e o fato de Zeus ser a própria Virgem Perséfone:

Zeus veio a ser o primeiro, Zeus [veio a ser] o último, é o Senhor do Relâmpago;
Zeus é o cabeça, Zeus é o meio; de Zeus, todas as coisas foram feitas;
Zeus nasceu homem [ἄρσην],20 Zeus imortal tornou-se a Virgem Núbil
[νύμφη];
Zeus é o fundamento da terra e do céu estrelado. (Grifo nosso). (CORY, 1832,
p. 289-290).
(Orfeu, Hino a Zeus, versos 1-4).

Ora, se Zeus é Perséfone, se Dioniso é hermafrodita e é Zeus, vê-se que o Deus Filho é
a mãe de seu pai, a Deusa Mãe é o pai de seu filho, e “o próprio Dioniso era somente um renas-
cimento de Zeus” (COOK, 1914, p. 711, vol. 1; também em COOK, 1925, p. 522, vol. 2, parte 1).
Atentando-se, agora, para o Cristianismo, Johannes van Oort (2016, passim) expôs
uma questão muito pouco ventilada sobre a essência do Deus cristão, e o fez em seu artigo O
Espírito Santo como Feminino: os primeiros testemunhos cristãos e sua interpretação. Nesse artigo

20
  Os Mistérios Órficos têm origem na Trácia (hoje, nordeste da Grécia, sul da Bulgária e norte da Turquia).
No mito trácio, Zeus comete adultério com a mortal Semelê, filha de Cadmo, rei de Tebas (Grécia). Dessa
relação nasce Dioniso (OTTO, 1989, p. 65 e segs.), ao mesmo tempo homem e Deus. Daí se dizer que “Zeus
nasceu homem”, porque Dioniso é Deus-homem, e Dioniso é Zeus renascido. A palavra ἄρσην (ou ἄρρην,
no dialeto ático) significa ‘macho’, mas também quer dizer ‘homem’ (BAILLY, Dictionnaire Grec-Français,
1935, p. 275, verbete ἄρρην). A Bíblia, na versão Almeida revista e atualizada, traduz ἄρσην por ‘homem’
(Rm 1.27; Gl 3.28; Mt 19.4; Mc 10.6).

59
de Johannes van Oort, vê-se que alguns pais da Igreja indicaram que o Espírito Santo é a Deusa
Mãe da trindade cristã. Confira-se o ensino de um desses pais:

Se alguém der crédito ao Evangelho segundo os Hebreus, onde o próprio Sal-


vador diz: “Minha mãe, o Espírito Santo, tomou-me agora por um de meus
cabelos e levou-me ao grande monte Tabor”, suscitará o problema de expli-
car como o Espírito Santo, que foi chamado à existência [γεγενημένον] pelo
­Lógos, pode ser a mãe de Cristo. Mas nem a passagem nem esse problema são
difíceis de explicar. Pois, se aquele que faz a vontade do Pai que está no céu é ir-
mão, irmã e mãe de Cristo [Mt 12.50], e se o nome de irmão de Cristo pode ser
aplicado não somente à raça dos homens mas a seres de categoria mais divina
do que a deles, então não há nada absurdo em que o Espírito Santo seja a mãe
dEle, e que cada um que faz a vontade do Pai que está no céu seja a mãe dEle.
(Grifo nosso). (MIGNE, 1857, PG 14:132-133; ORIGEN, 1912, p. 329-330).
(Orígenes de Alexandria, Comentário no Evangelho de João, II.6).

Eis a questão: se o Espírito Santo foi criado pelo Lógos (Deus Filho), como o Espírito
Santo pode ser a mãe do Lógos? Socorrendo-se da teologia grega, pode-se dizer que o Filho é
Pai de sua mãe, e a Filha (Espírito Santo) é a Mãe de seu pai, porque o Filho é o Pai, e o Pai é
hermafrodita e se gera a si mesmo na pessoa do Filho. No início do século III, outro pai da Igreja
esposava o mesmo entendimento, porquanto disse que o Deus cristão, sendo macho (pai), se fez
fêmea (mãe) para gerar a Si mesmo. Segundo ele:

O que mais, pois, é necessário? Contempla os mistérios do amor e, então, ve-


rás como um epoptes21 o íntimo do Pai, a quem o unigênito Deus unicamente
manifestou. Deus, em Si mesmo, é amor; e, por causa do amor, Ele tornou-se
visível para nós. Enquanto sua parte inefável é Pai, a parte que tem compai-
xão de nós se tornou [γέγονε] Mãe. Por meio de seu amor, o Pai veio a ser
efeminado [ἐθηλύνθη], uma grande prova de que é Ele a quem Ele gerou de
Si mesmo. E o fruto que é gerado do amor é amor. (Grifo nosso). (CLEMENT,
1960, p. 347; CLEMENT, 1901, p. 63-64).
(Clemente de Alexandria, Quem É o Homem Rico que Vai Ser Salvo? , 37).

Por corolário, se o Deus da religião institucional é macho e fêmea ao mesmo tempo, e


que, se Ele é macho ou fêmea conforme a necessidade de gerar um Filho, não será difícil encon-
trar uma lógica que, para solucionar um problema (aliviar tensões sociais, louvar publicamente
atos interessantes para a comunidade e que foram praticados por outra pessoa que não aquele
que louva, promover a diferenciação dos papéis masculino e feminino, fazer com que os bens

21
  Literalmente, ‘supervisor’. Era o último grau de iniciação nos Mistérios de Elêusis, era o grau mais alto.
Aqui, Clemente parece sugerir que a religião cristã tem graus de conhecimento assim como um culto de
Mistério — a Maçonaria da antiguidade — tem seus graus de iniciação. Clemente também parece insinuar
aquilo que foi exposto por Albert Pike: que a massa ocupante dos graus inferiores deve ser enganada pelos
príncipes dos graus superiores (Morals and Dogma, 1946, p. 819). Pois é de se supor que o Pai somente será
visto como Ele realmente é, isto é, como hermafrodita, se o devoto adentrar o misterioso do Cristianismo.

60
continuem na família, etc.), justifique a conduta de trocar os papéis masculino e feminino de
acordo com o momento.

Figura 9. A Trindade dos Mistérios Cabirinos, na Ilha de Samotrácia (Grécia). A estátua é uma peça
única com três faces, em que se tem o Pai, a Virgem Mãe e o Filho. Eles são os três Cabiros (Grandes) ou
grandes Deuses da Samotrácia. Arthur Cook (1925, p. 314-315, vol. 2, parte 1) menciona seus epítetos
no culto de Mistério e dá os significados: Axiókersos (‘Ele que abre a racha com o machado’), Axiokérsa
(‘Ela que é rachada com o machado’) e Axíeros (‘Espírito-machado’). Axiókersos (ao centro) é concebi-
do como Dioniso-Hades, o Dioniso idoso, com um falo ereto por atributo; Axiokérsa (à direita), como
Perséfone ou Kórẽ (Virgem), esposa de Dioniso-Hades, completamente vestida; e Axíeros (à esquerda),
como Dioniso renascido, o espírito que permeia a ambos e quem também é caracterizado pelo falo. Nos
três lados, na base, destacam-se em relevo as figuras humanas de Apolo-Hélio, correspondente a Dioni-
so-Hades; de Afrodite, correspondente à Virgem; e de Eros, correspondente a Dioniso renascido. Essas
Divindades correspondem ao Deus-Céu-Chuva-Trovão (Pai) que fertiliza a Deusa Terra (Virgem Mãe)
gerando o Filho (Dioniso, o reino animal e vegetal), que é o Pai renascido. O machado de dupla lâmina
é a imagem da trindade fálica e do Deus hermafrodita (WAITES, 1923, p. 55-56). Peça descoberta pela
Duquesa de Chablais na década de 1820, numa escavação em Tor Marancia (Itália), datada de c. 200 a.C.
(CZAKO, 1980, p. xviii, lâm. 40), e abrigada no Museu do Vaticano. (CREUZER, 1841a, p. 118; CREU-
ZER, 1841b, lâm. 131; GERHARD, 1844, p. 286; GERHARD, 1830, lâm. 41).

61
Não se pode negar que a Teologia tem função social. Ela é capaz de atribuir significa-
dos à existência humana e conduzir o comportamento humano a partir de uma Divindade que
tem sua essência e às vezes seu suposto caráter definidos segundo os ditames da religião insti-
tucional. E o interessante é que essa essência divina assume as mais variadas formas conforme o
estrato social e o momento histórico aos quais será aplicada.
Assim, não parece haver certo grau de continuidade entre as Dionísias gregas, por
exemplo, e o atual desfile do Bloco das Piranhas, uma vez que aparentemente tanto a religião
grega quanto a religião cristã definem Deus como macho e fêmea ao mesmo tempo? À seme-
lhança da relação entre a teologia grega e as Dionísias, não parece que a teologia cristã justifica
o desfile do Bloco das Piranhas?

62
6 CONCLUSÃO

O ser humano periodicamente interrompe suas atividades diárias para experimentar


dias de festa (feriados). Nesses dias de festa, suspende-se o modo de vida cotidiano para celebrar
uma mudança de status social ou, simplesmente, para fugir à ordem diária com a prática ex-
cessos, desvios, desvarios e inversões, por exemplo. Esse contraste entre o cotidiano e o feriado
revela que ambos formam um par de binários opostos.
No cotidiano se vê a economia, a restrição, a observância das normas, a rigidez da
hierarquia, e cada um atuando no papel social que lhe foi designado. O cotidiano geralmente é
cansativo, enfadonho, é enfraquecedor dos relacionamentos e, devido às desigualdades sociais,
gera o ressentimento e a mágoa entre as pessoas e entre os segmentos sociais.
Aliás, o cotidiano apresenta mudanças de ordem natural e social. As pessoas nascem,
crescem, se reproduzem e morrem. As pessoas trabalham e exercem cargos nas instituições so-
ciais. Passa-se de filho a pai, de mãe a avó, de cidadão a funcionário público, de leigo a ministro
religioso, de vivo a morto. Viver é sempre experimentar a angústia da próxima passagem.
De sua parte, o feriado promove o livramento das aflições que essas mudanças acarre-
tam, bem como traz em si a prodigalidade, a licenciosidade, o desregramento, a despreocupa-
ção, a igualdade entre as pessoas, em contraponto ao cotidiano.
Como ensinaram os romanos, há feriados e feriados. Nuns, comemora-se sem banque-
te. Noutros, celebra-se com uma lauta refeição. No feriado sem banquete, interrompe-se o coti-
diano para ferir a vítima sacrificial, de onde vem o termo ‘feriado’. Esse dia de festa é destinado
à realização de sacrifícios e apresentação de ofertas diante da Divindade. Segundo a teologia da-
quela época, alguém poderia ter praticado um ato que desagradasse a Deus, e Ele poderia estar
zangado com os homens. Então, era preciso parar tudo para aplacar a Deus. Esse é um feriado
semanal e é o dia de culto. Contudo, o interessante é que quem participava desses atos (rituais)
de culto se sentia revigorado ao retornar para as atividades do dia a dia.
Havia ainda os dias de festa com banquete, usualmente os feriados anuais, relativos a
eventos cívicos (nascimentos, maioridade, casamento), agrários (semeadura, colheita), políticos
(coroação, assunção de cargo, guerra), morais ou religiosos (ressentimentos, ódios).
A festa, então, é um momento de interrupção do cotidiano para que o ser humano
possa tratar a fadiga, o ressentimento, o medo de uma mudança, o receio de não alcançar a
realização de certo desejo, por exemplo. Resolvida a situação de crise, retorna-se ao cotidiano.
O tratamento de cada um desses elementos de crise — ou a mudança, ou o desejo que
se espera realizar, ou a fadiga, ou o ressentimento — ocorrerá dentro de um processo ritual. Daí

63
que, na Antropologia, diz-se que as festas são festas rituais, e os rituais são rituais festivos. Como
estão imbricados, são estudados em conjunto.
O ritual assemelha-se a um hábito cotidiano. Todavia, dele difere, a uma, porque o
ritual tem um grau de intensidade adicional, que pode vir do sagrado ou de um sentimento
amplificado; a duas, porque é um comportamento social que também considera o Divino como
o outro da relação social; e a três, porque tem consciência de si mesmo apenas o bastante para
despertar os participantes e fazê-los se sentirem desamparados caso haja qualquer mudança no
processo ritual. O choque pela mudança no procedimento é deletério do ritual, porquanto que-
bra o vínculo entre o passado e o presente, entre a segurança de outrora e a certeza de que essa
segurança persistiria.
O ritual é algo criado pelo ser humano e é destinado a lidar com as crises na natureza,
na fisiologia humana e nas relações sociais. A produção, ou não, de frutos vegetais e animais,
bem como a chuva ou a seca, são exemplos de crises naturais. O nascimento, a adolescência, o
casamento, a morte são crises na vida do ser humano. Uma eleição, uma coroação, um despoja-
mento de cargo são exemplos de crise política. As mudanças de papéis sociais e a fadiga gerada
na atuação desses mesmos papéis são crises sociais.
Em vista de tais considerações e sabendo que um objeto pode assumir diversas defini-
ções se observado sob várias lentes, observa-se que os rituais podem dividir-se em dois grupos
consoante sua finalidade:
(I). Rituais de passagem: com mudança definitiva para um status novo e prefixado. São
os casos de coroação, de destituição de patente, de maioridade, de funeral, de casamento, de
batismo, de formatura ou colação de grau, de despojamento de ministério, de posse de cargo
público, de exoneração de cargo público.
(II). Rituais de renovação: aqueles destinados a manter a ocorrência das fases de um ci-
clo natural ou social, os indicados para afastar um mal, os que promovem a temporária inversão
de papel social ou da ordem cotidiana, os reservados à rememoração. São exemplos, as festas de
solstícios e equinócios, as festas de aniversário, festas nacionais de fundação ou independência,
o Carnaval, a Santa Ceia ou Eucaristia, a entrega do dízimo (Ml 3.8-11), o culto protestante, a
missa católica.
O processo ritual espelha aquilo que a sociedade valoriza e fornece um ambiente para
que as crises se mantenham sob controle, mantendo a ordem cotidiana. O processo ritual visa
garantir certo resultado final: um renovo da ordem cotidiana ou uma passagem segura. Numa
perspectiva geral, os rituais renovam a existência humana, e permitem que a passagem de um
status social para outro se dê de maneira controlada. Então, mesmo que a festa ritual empregue
a desordem, essa desordem ocorrerá sob uma ordem.

64
Portanto, empregando a terminologia de Gennep associada ao aclaramento dos Turner
(TURNER; TURNER, 1978, p. 2), os rituais de passagem são constituídos de três fases: I) fase
de separação, com os procedimentos para o abandono do cotidiano; II) fase liminar ou fase de
margem, na qual se executa o rito em si; e III) fase de agregação, em que se tem os procedimen-
tos para o retorno ao cotidiano, mas agora num novo status.
Os rituais de renovação são igualmente constituídos de três fases: I) fase de separação,
com os procedimentos para o abandono do cotidiano; II) fase liminar ou fase de margem, na
qual se executa o rito em si; e III) fase de agregação, em que se retorna ao cotidiano e ao status
quo ante.
Os processos rituais de passagem e de renovação não são mutuamente excludentes,
podem ocorrer concomitantemente. Na fase liminar de ambos os processos rituais se forma a
communitas, o ambiente que contém os participantes do rito, no qual ocorre a execução desse
rito e cujos valores se opõem àqueles da vida cotidiana. Logo, não se deve estranhar que na festa
ritual dominical (culto ou missa) um prefeito se sente ao lado de um simples cidadão. Ou que,
durante o Carnaval, não haja distinções de riqueza e que as autoridades possam ser infamadas.
Uma vez que se tenha analisado vários rituais de inversão, é possível entender que,
sejam eles um ritual de passagem ou um ritual de renovação, os rituais de inversão operam a
manutenção da ordem cotidiana mediante vários modos. Sem a pretensão de que o rol abaixo
seja exaustivo, os rituais de inversão preservam a ordem cotidiana pelos seguintes meios:
(I) A exibição do absurdo: como é o caso do Carnaval, do Purim ou da Festa
dos Bobos, que ocasionalmente exibem atitudes e comportamentos contrários à moralidade do
dia a dia, num ambiente em que aparentemente impera a desordem. Quem quer que presencie
o contraditório ou o paradoxal da festa ritual de inversão poderá supor que a ordem cotidiana é
o único modo de vida a ser considerado;
(II) A diferenciação dos papéis sexuais: quando o homem desempenha cari-
catamente o papel sexual daquela mulher que ocupa o lugar mais baixo na hierarquia social; e a
mulher, vestindo-se com as melhores roupas do homem, evita as atitudes físicas e mentais dele,
num ritual em que ambos temporária e reciprocamente zombam do papel sexual do outro, como
é o caso do ritual Naven — e, aparentemente, também é o caso do desfile do Bloco das Piranhas
(em que o homem momentaneamente assume o papel sexual de uma prostituta, que é socialmen-
te desvalorizada) —, que ensina os meninos a evitar o papel sexual das mulheres, e vice-versa;
(III) A mudança de papel sexual: em que, por exemplo, para salvar a honra
da família que não tem descendente masculino e resguardar a herança paterna, a filha assume
definitivamente o papel sexual de homem, no ritual da Virgem Jurada;
(IV) O alívio das tensões sociais: nas festas rituais de inversão, ocorre o des-
cumprimento das regras e a inversão dos papéis sociais cotidianos. Autoridades são infamadas,
65
normas são descumpridas, o inferior se torna o superior, o dominado assume-se como domina-
dor, o ignorante transforma-se em erudito, o ofendido passa a ser o ofensor, a economia dá lugar
à prodigalidade, a sensatez se converte em dislate, o homem vira mulher, e vice-versa. Nessas
inversões da ordem e dos papéis sociais, desejos reprimidos são satisfeitos, e ressentimentos
são purgados sem que haja a eliminação de papéis sociais, ou mesmo sua alteração. Assim é no
Carnaval, no Purim, no desfile do Bloco das Piranhas, no ritual celebrado pelas mulheres zulu
quando a semente brota da terra, e na festa da Abissa, por exemplo. Não há debate ou reflexão a
respeito da ordem cotidiana ou sobre os papéis sociais desempenhados no dia a dia. Finda a fes-
ta ritual de inversão, os atores sociais retornam a seus papéis originais, e a vida retorna ao status
quo ante : a desigualdade continua, a dominação continua, e a insatisfação continua.
Além disso, o estudo comparativo dos rituais de inversão da Antiguidade com os rituais
de inversão atuais autoriza concluir que o desfile do Bloco das Piranhas, e o próprio Carnaval, é
uma continuação modificada das festas rituais da Antiguidade. É uma continuação porque, no
Bloco das Piranhas, homens e mulheres invertem seu papel sexual como invertiam os partici-
pantes das Dionísias gregas há mais de dois mil anos, por exemplo. E é modificada porquanto,
embora a função social continue a mesma (manter a ordem vigente), as justificativas são outras.
Outrora se invertiam os papéis de homem e de mulher para honrar a Divindade; atualmente no
Brasil não mais, se bem que, na Índia, homens ainda se vestem de mulher para demonstrar sua
devoção à Deusa.
Retornando ao início deste trabalho, hoje, se eu fosse responder à pergunta de meu
filho, diria que periódica ou eventualmente homens se vestem de mulher e mulheres se vestem
de homem por vários motivos: para que o menino aprenda a não se comportar como a mulher
e vice-versa, para que a menina ou a mulher salve a honra da família que não teve descendente
masculino, para alívio das tensões sociais, e talvez por outros motivos mais cujo fundo, ontem e
hoje, é manter o modo de vida cotidiano. Assim, não posso deixar de expressar minha gratidão
a meu filho: Tales, muito obrigado por perguntar!
Em tudo isso, que a festa seja sempre um tempo de aproximação e fortalecimento dos
relacionamentos sociais, seja sempre um tempo de reflexão. Quanto aos rituais, desde que exis-
tem em razão do medo e do desejo de controle, uma vez que são realizados para assegurar a
ocorrência de certo resultado, eles precisam ser repensados porquanto se mostraram contrários
ao amor.

66
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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