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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

THAÍS LIMP SILVA

Feminilidade, parceria amorosa e a entrada das adolescentes no tráfico de


drogas: uma contribuição da psicanálise

Belo Horizonte
2014
THAÍS LIMP SILVA

Feminilidade, parceria amorosa e a entrada das adolescentes no tráfico de drogas: uma


contribuição da psicanálise

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Psicologia da Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais como
requisito parcial para obtenção do título de
mestre em Psicologia.

Área de concentração: Estudos


psicanalíticos

Orientadora: Profa. Dra. Andréa Maris


Campos Guerra

Belo Horizonte
2014
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na publicação
Biblioteca Prof. Antônio Luiz Paixão - FAFICH

150 Silva, Thaís Limp


S586a Feminilidade, parceria amorosa e a entrada das adolescentes
no tráfico de drogas: uma contribuição da psicanálise
2014 [manuscrito] / Thaís Limp Silva. - 2014.
102 f.
Orientadora: Andréa Maris Campos Guerra.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas


Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Psicologia – Teses. 2. Psicanálise – Teses. 3. Adolescência


– Teses. 4. Criminalidade urbana – Teses. I. Guerra, Andréa
Maris Campos. II. Universidade Federal de Minas Gerais.
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Nome: Thaís Limp Silva


Título: “Feminilidade, parceria amorosa e a entrada das adolescentes no tráfico de drogas:
uma contribuição da psicanálise”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia da


Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de
Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de mestre em
Psicologia.

Aprovado em:

Banca examinadora:

_________________________________________________
Prof(a) Dra. Andréa Maris Campos Guerra
Orientadora- UFMG

___________________________________________________
Profa. Dra. Rita Maria Manso de Barros
Membro titular externo – UERJ

_____________________________________________________
Profa. Dra. Márcia Maria Rosa Vieira Luchina
Membro titular interno

_______________________________________________________
Profa. Dra. Nádia Laguardia Lima
Membro suplente

Agradecimentos
À minha mãe, que vibra, torce e se alegra a cada conquista.
Ao meu avô, que com sua forma discreta e simples de viver me ensina que a vida pode ser mais
leve e com mais música.
Aos meus tios Del, Mara e Lívia, pelo apoio incessante e certo nos momentos necessários.
Ao meu querido Ronielle, que suportou as ausências estando ao meu lado.
À professora Andréa Guerra, que me abriu as portas da UFMG e que com seu carinho e sua
orientação precisa me incentivou a cada dia a escrever mais.
Às professoras Dra. Nádia Laguardia e Dra. Cristina Marcos, pelas contribuições na banca de
qualificação.
Às professoras Dra Márcia Rosa e Dra Rita Manso, pela leitura cuidadosa e por terem aceitado
com muita gentileza constituírem a banca de defesa.
Aos colegas de mestrado, que tornaram todo o percurso mais divertido e mais leve.
À Mari, Flavia G., Ana Elisa, Raquel, Gleice, Carina, Valéria e Ramon, que acompanharam tudo
desde o início e torceram e comemoraram comigo a entrada no mestrado.
À Sandrinha, pela torcida constante e pelo carinho que muitas vezes facilitou o dia a dia.
À Ana Pereira, pelo “colinho virtual” nos momentos difíceis.
À Juliana Motta, pela escuta orientadora.
À equipe do Liberdade Assistida, por me ensinar que clínica e política coincidem,
principalmente, aos supervisores Márcia, Morelli e Carolina.
À equipe da Semiliberdade, por me abrir mais uma oportunidade de trabalho com os
adolescentes.
Aos alunos do estágio básico I (1º semestre de 2013), que me acolheram tão bem em sala de
aula.
Aos adolescentes que confiaram em minha escuta e que, todo dia, me ensinam um pouco.
Obrigada!
“[...] Até mais de treze anos, por exemplo, eu estava atrasada quanto ao que os americanos
chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem
e uma mulher, da qual nascem os filhos. Ou será que eu adivinhava, mas turvava minha
possibilidade de lucidez para poder, sem me escandalizar comigo mesma, continuar a me
enfeitar para os meninos? [...] Até que um dia, já passados os treze anos, como se só então me
sentisse madura para receber alguma realidade que me chocasse, contei a uma amiga íntima o
meu segredo: que eu era ignorante e fingida de sabida. Ela mal acreditou, tão bem eu havia
fingido. Mas terminou sentindo minha sinceridade e ela própria encarregou-se ali mesmo na
esquina de me esclarecer o mistério da vida. Só que também ela era uma menina e não soube
falar de um modo que não me ferisse a sensibilidade de então. Fiquei paralisada olhando para
ela, misturando perplexidade, terror, indignação, inocência mortalmente ferida. Mentalmente
eu gaguejava: mas por quê? Mas pra quê? O choque foi tão grande – e por uns meses
traumatizante- que ali mesmo na esquina jurei alto que nunca iria me casar. Embora meses
depois esquecesse o juramento e continuasse com meus pequenos namoros. Depois, com o
decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um
homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande
delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado
a bastante selvageria e muita timidez.
Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido
evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. Esse
adulto saberia como lidar com uma alma infantil sem martirizá-la com a surpresa, sem obrigá-
la a ter toda sozinha que se refazer para de novo aceitar a vida e seus mistérios. Porque o mais
surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu
saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da
natureza. E se continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até
hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.”
Clarice Lispector

RESUMO

Silva, T.L. (2014). Feminilidade, parceria amorosa e a entrada das adolescentes no tráfico de
drogas: uma contribuição da psicanálise. Dissertação de mestrado. Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Programa de Pós Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte

Esta dissertação de mestrado busca elucidar a relação entre as parcerias amorosas e a entrada
das adolescentes no tráfico de drogas. O estudo só foi possível a partir da prática de trabalho
com a Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida no município de Belo Horizonte. As
Medidas Socioeducativas estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente e podem ser
aplicadas ao adolescente quando do cometimento de um ato infracional. Na execução da Medida
de Liberdade Assistida, os atendimentos realizados com algumas adolescentes meninas traziam
como impasse o próprio processo de responsabilização, essencial no cumprimento de uma
Medida, quando ao vincularem sua atuação infracional de tráfico de drogas ao amor, elas
acabariam por se desresponsabilizar pelo ato cometido. Com isso, fizemos um percurso no
sentido de elucidar aquilo de que se trata na adolescência, assim como o processo de tornar-se
mulher, buscando a relação que pode haver entre a posição assumida pelas mulheres na parceria
amorosa e o envolvimento das mesmas na criminalidade. Nosso caminho foi orientado pela
psicanálise de Freud e Lacan, mas antes, buscamos em outros campos de saber um panorama
sobre as mulheres na criminalidade. Com esses dados, percebemos que o crescimento da
população carcerária feminina tem sido mais veloz que a masculina, e que o tráfico de drogas
tem sido responsável por 60% das prisões. Com a psicanálise, buscamos dar prosseguimento ao
ponto onde as ciências sociais pararam, ao acrescentarmos a causalidade inconsciente na
discussão. A partir do aporte psicanalítico, verificamos que a adolescência pode ser tomada
como um sintoma da puberdade e, assim, cada adolescente dará sua resposta sintomática mais
singular. Para as meninas, há um trabalho a mais, pois ela terá que dar também uma resposta
para o enigma da feminilidade. Frente à não existência d´A Mulher, a menina precisa criar a sua
saída feminina e tornar-se uma mulher. Essa é a proposta de Lacan. Ele ainda acrescenta que aí
o amor toma um lugar privilegiado, pois a mulher tenta formar seu ser aliando-se a um homem.
Nesse sentido, buscamos, como metodologia, estudar dois casos atendidos. A partir destes,
verificamos que o amor é necessário para a vida de uma mulher, enquanto o crime é contingente.
Além disso, foi possível constatar também que, nos casos em questão, a entrada na criminalidade
se dá apenas de forma transversal e não por uma decisão pela criminalidade.

Palavras-chave: Psicanálise. Adolescência. Feminilidade. Parceria amorosa. Infração.

ABSTRACT

Title: Femininity, loving partnership and the entry of female adolescents in drug trafficking: a
contribution of psychoanalysis.
This dissertation seeks to elucidate the relationship between loving partners and the entry of
female adolescents in drug trafficking. The study was only possible from practical work with
the Socio Penalty Probation in the city of Belo Horizonte.The Socioeducational Penalties are
contained in the Statute of Children and Adolescents and can be applied to the teenager when
perpetrates an offense. In implementing Penalty Probation , the appointments with some teenage
girls brought to halt the process of accountability itself, essentially in compliance with a penalty
when the infraction bind their drug trafficking activities of love , they would not ultimately
accept responsibility for the act committed . With that, we made a movement towards
elucidating that which it comes in adolescence, as well as the process of becoming a woman,
seeking the relationship that may exist between the position taken by women in loving
partnership and involvement in the same crime. Our path was guided by the psychoanalysis of
Freud and Lacan, but rather seeks other fields of knowledge an overview of women in crime.
With these data, we noticed that the growth of the female prison population has been faster than
the male, and that drug trafficking has been responsible for 60 % of prisons. With
psychoanalysis, we seek to continue from the point wherethe social sciencesstopped, to add to
the discussion unconscious causality. From the psychoanalytic contribution, we find that
adolescence can be taken as a symptom of puberty and thus each one will give a more natural
symptomatic response. For girls, there is some extra work, because it will also have to give an
answer to the riddle of femininity. Facing the lack of The Woman, the girl needs to create her
female output and become a woman. This is the proposal of Lacan. He adds that in this point
love takes a privileged place because the woman tries to form her existence entering into an
alliance with a man. In this sense, we seek, as a methodology, study two cases treated. From
these, we see that love is necessary for the life of a woman, while crime is contingent.
Furthermore, it was also possible to observe that in the cases in question, the entry in the crime
occurs only horizontally and not by a decision by the crime.

Keywords: Psychoanalysis;Adolescence;Femininity;Loving partnership; Infraction.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Esquema do véu............................................................................................ 57


Figura 2: Duplicidade da posição feminina na parceria amorosa................................ 58
Figura 3: Tábua da sexuação ....................................................................................... 67

SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 9

2. O CONTEXTO DA PESQUISA: AS MULHERES, A CRIMINALIDADE


E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ..................................................... 15
2.1 As mulheres envolvidas com o tráfico de drogas no Brasil .......................... 17
2.2 Justificativa de escolha do tema de pesquisa................................................. 24
2.3 Sobre o sistema Socioeducativo..................................................................... 25

3. ADOLESCÊNCIA, SEXUAÇÃO E O TORNAR-SE MULHER ............. 30


3.1 A adolescência............................................................................................. 30
3.1.1 Freud: puberdade e adolescência............................................................. 31
3.1.2 Édipo, sexuação e adolescência: a leitura lacaniana do Édipo
freudiano................................................................................................... 34
3.1.3 O despertar da primavera com Lacan..................................................... 36
3.1.4 Os pós- lacanianos e a discussão da adolescência................................... 40
3.2 Freud e o tornar-se mulher............................................................................ 44

4. AS POSIÇÕES FEMININAS E SUA RELAÇÃO COM O AMOR: A


FORMALIZAÇÃO LACANIANA.............................................................. 52
4.1 A significação fálica e a mascarada: a mulher e o fazer-se de objeto na
parceria amorosa........................................................................................... 53
4.2 Amante e amado: não há coincidência no par amoroso................................. 59
4.3 Amor, desejo e gozo...................................................................................... 63
4.4 A Mulher não existe e a devastação.............................................................. 66
5. A ARTICULAÇÃO COM A CLÍNICA....................................................... 75
5.1 A pesquisa em psicanálise .............................................................................. 75
5.2 Caso Amanda................................................................................................. 78
5.2.1 Discussão................................................................................................... 81
5.3 Caso Camila................................................................................................... 85
5.3.1 Discussão.................................................................................................... 87
5.4 . Considerações finais..................................................................................... 90
6. CONCLUSÃO........................................................................................... 92
REFERÊNCIAS................................................................................................... 96
9

1. INTRODUÇÃO

A presente dissertação surgiu a partir de questionamentos advindos da prática de


trabalho com adolescentes autores de ato infracional, em cumprimento de Medida
Socioeducativa de Liberdade Assistida. Em 1990, em resposta a um forte movimento da
sociedade brasileira, o Código de Menores, lei de 1927, foi revogado, sendo substituído pelo
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Com isso, as crianças e os adolescentes passaram
a ser considerados sujeitos de direito e não apenas objeto de intervenção estatal. Há uma
substituição de doutrina nesse cenário, passando da doutrina de situação irregular para a de
proteção integral.
As Medidas Socioeducativas significam um avanço do Estatuto, uma vez que por meio
da aplicação de uma destas há a resonsabilização jurídica do adolescente quando do
cometimento de um ato infracional. Ainda, as Medidas podem proporcionar um espaço para a
responsabilização subjetiva do adolescente. Conforme veremos no primeiro capítulo, estão
previstas no Estatuto seis Medidas Socioeducativas: Advertência, Obrigação de Reparar o
Dano, Prestação de Serviços à Comunidade, Liberdade Assistida, Semiliberdade e Internação.
Fica a critério do juiz da Vara Infracional ou da Vara da Infância e Juventude, na ausência
daquela, a aplicação de uma Medida, levando em consideração a comprovada autoria do ato,
sua gravidade, a trajetória infracional e a capacidade do adolescente de cumprir a Medida a ele
aplicada. Além disso, dois princípios devem ser aplicados: o da brevidade e o da
excepcionalidade, ou seja, as Medidas devem ser as mais breves possíveis, e aquelas mais
gravosas só podem ser aplicadas em casos excepcionais (ECA, 2010).
No município de Belo Horizonte, as Medidas em meio aberto - Prestação de Serviços à
Comunidade e Liberdade Assistida - são executadas pela Prefeitura de Belo Horizonte, por meio
de nove equipes regionais de atendimento. Importante ressaltar que a execução da Medida de
Liberdade Assistida na capital mineira nasce em 1998 numa parceria entre o órgão municipal e
o juizado da infância e da juventude, a partir de um esforço de orientação da psicanálise. Dessa
forma, desde seu surgimento, há uma orientação clínica bem definida, sem descartar o trabalho
de articulação da rede de atendimento aos adolescentes (saúde, escola, educação,
profissionalização, lazer, assistência social e outros). Nesse sentido, a psicanálise na Medida de
Liberdade Assistida “é chamada a dar sua contribuição, não como metodologia a ser aplicada,
tampouco uma técnica a ser utilizada, mas como uma orientação, cujas balizas éticas abrem
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espaço para o aparecimento da singularidade do sujeito através da fala” (Ribeiro, Mezêncio e


Moreira, 2010, p.36-7).
A medida de Liberdade Assistida consiste em atendimento semanal ao adolescente e
atendimentos pontuais a sua família, além do acompanhamento em relação à escolarização,
profissionalização, relacionamento familiar e acesso à rede de atendimento. Na Medida, é aberta
ao adolescente a possibilidade de falar sobre o ato cometido e sobre suas questões. Dessa forma,
há um espaço para que o adolescente possa dizer de seu ato, e não apenas ser falado pelos órgãos
pelos quais foi atendido.
Nesse trabalho, percebemos que não é possível desvencilhar o objetivo do subjetivo. As
relações dos adolescentes com o ato são as mais variadas. Tem aquele que busca justificar um
furto por desejar um tênis que a mãe não pode dar, até aquele que afirma que entrou no tráfico
de drogas porque precisava adquirir uma arma para poder vingar a morte do irmão. Ainda,
víamos, principalmente no caso das adolescentes meninas, como questões amorosas
perpassavam o acompanhamento da Medida.
Foi nesse rico campo de trabalho que surgiu a questão central desta escrita. Apesar de o
número de adolescentes do sexo feminino ser bastante reduzido, foram as meninas que se
tornaram questão para nós. A visada de uma Medida é a responsabilização, porém,
esbarrávamos em um impasse em relação às meninas: Como responsabilizá-las pelo ato
cometido quando a infração se remetia a uma parceria amorosa? Era comum as adolescentes
trazerem como justificativa para a entrada na criminalidade, especificamente no tráfico de
drogas, um relacionamento com um parceiro envolvido com esse tipo de crime. Quando
questionadas sobre as razões para o cometimento do ato infracional, ouvíamos, conforme
veremos em um dos casos estudados: “eu entrei por causa do meu namorado”. A partir disso,
decidimos que havia aí um ponto de investigação.
O que buscamos compreender aqui não é a responsabilização, tão importante e tão
debatida na discussão sobre as Medidas Socioeducativas, mas um ponto que, para nós, se
apresenta como novo. Qual seria a relação entre a inserção na criminalidade pelas adolescentes
e suas parcerias amorosas? Essa foi a pergunta sobre a qual repousou nosso trabalho.
Com essa pergunta no horizonte, começamos a investigação dos casos de duas
adolescentes atendidas nas Medidas Socioeducativas. Verificamos, a partir deles, que o que
estava em jogo era mais a parceria amorosa do que uma trajetória infracional decidida e, com
isso, seguimos em busca de nosso referencial teórico. Partimos, então, do pressuposto que o
amor tem um lugar central para as mulheres. A esse ponto central, trazemos uma especificidade
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à qual não poderíamos deixar de nos dedicar: os casos que suscitaram a pesquisa são de duas
adolescentes, o que tornou a discussão sobre a adolescência imprescindível.
Acreditamos que era necessário esclarecer para os leitores nosso campo de pesquisa e
trazer mais dados sobre a inserção das mulheres na criminalidade. Dessa forma, elaboramos o
primeiro capítulo nesse sentido. Partimos dos alarmantes dados do sistema prisional, que nos
mostram um aumento progressivo da população carcerária brasileira, e constatamos que esse
aumento é mais alarmante no caso das mulheres. A população carcerária feminina cresceu 132%
em doze anos, sendo que no caso dos homens o aumento foi de 36% (Souza, 2009).
Após um levantamento de dados e perfil das mulheres presas, fomos ao campo da
sociologia e buscamos pesquisas que nos dissesse mais que os dados. Aí, deparamo-nos com
poucos trabalhos sobre mulheres e criminalidade que não trouxesse a mulher como vítima. Nos
trabalhos encontrados, percebemos que apesar de as condições socioeconômicas prevalecerem
como causa da entrada da mulher no crime de tráfico de drogas, alguns autores dão relevo
também à relação afetiva. No trabalho de Pimentel (2005), encontramos uma relação direta entre
a prática amorosa e a entrada no tráfico de drogas.
O filósofo Lipovestsky (2000) propõe que o amor não é o mesmo para os homens e as
mulheres, dizendo de uma “vocação feminina para o amor” (p.23). É a partir dele que Pimentel
(2005) estabelece uma relação entre a prática amorosa e a criminalidade, pois toma o amor
como parte central da constituição da identidade feminina. Em sua parceria com um homem
envolvido com a criminalidade, a mulher acaba por dar provas de seu amor, muitas vezes,
inserindo-se para ajudá-lo no crime. Também trouxemos alguns casos apontados pela socióloga
Alba Zaluar (1994), estudiosa referência sobre a criminalidade brasileira, bem como um caso
do livro “Falcão: as mulheres e o tráfico”, de 2007.
Ainda nesse primeiro capítulo, buscamos também esclarecer o campo socioeducativo,
do qual retiramos as questões para esta pesquisa. Ao tratarmos das Medidas Socioeducativas,
não poderíamos deixar de nos centrar em outro importante eixo, a adolescência.
A adolescência é o momento em que a sexualidade, adormecida durante o período de
latência, desperta novamente. Nesse período, o saber da infância não responde às novas questões
que surgem, principalmente em relação ao saber-fazer com o novo corpo. Ainda, é quando há a
possibilidade de consecução do ato sexual, pois o corpo agora está pronto para isso. O corpo,
sim, mas o restante, não. Não há um saber apriorístico sobre como fazer esse encontro de corpos
dar certo, é o momento em que o sujeito se depara com a não complementaridade entre os sexos,
na máxima lacaniana, com a inexistência da relação sexual (Lacan, 1972-73/2008).
12

Freud (1905/2006) centra sua discussão na puberdade, tomando-a como o período em


que há o primado sobre o genital e a separação dos pais da infância. Seguindo a via aberta por
Freud, Lacan (1957-58/1999) nos mostra que é após o declínio do Édipo que o sujeito se
posicionará como homem ou mulher, tomando posse dos atributos quando for convocado para
isso na adolescência. Ele também nos aponta, em 1974, que o embaraço com a sexualidade não
se dá apenas em razão das mudanças biológicas, mas porque a sexualidade faz “um furo no
real” (Lacan, 1974/2003, p.558), não havendo um saber constituído.
Os autores pós-lacanianos e também Lacan (1950/2003) propõem, então, uma
diferenciação entre adolescência e puberdade. Na formalização de Stevens (2004), a
adolescência é um sintoma da puberdade, e a isso, cada sujeito adolescente vai inventar sua
resposta sintomática. Dessa forma, por não existir uma resposta unívoca, o período da
adolescência é um período aberto a invenções. Muitas vezes, vemos no sistema socioeducativo
que frente ao não saber escancarado na puberdade, os adolescentes podem se apegar ao saber
do tráfico de drogas. Eles se mostram alienados a ele.
Além disso, aprendemos com Freud que para se tornar uma mulher é preciso uma longa
elaboração psíquica, pois até a fase fálica, não há uma diferenciação da sexualidade feminina
da masculina. Dessa forma, após o Édipo, há dois trabalhos para as meninas: um próprio da
adolescência e outro próprio da feminização. O da adolescência é o mesmo para os meninos,
inventar sua resposta sintomática frente à inexistência da relação sexual. Já em relação ao
tornar-se mulher, as meninas têm um trabalho a mais no Édipo, que é a mudança de zona
erógena e de objeto de amor (Freud, 1905/2006), bem como a mudança da posição ativa para a
posição passiva (Freud,1931/2006). Sabemos que Freud (1933/2006) propõe como saída
feminina por excelência a maternidade, confundindo-se, aí, feminilidade e maternidade. Não
satisfeito com sua própria resposta, Freud aponta como uma das soluções possíveis ao enigma
da feminilidade que se consultem os poetas.
Dando seqüência ao pensamento freudiano, Lacan (1958/2008) inicia sua teorização
sobre o feminino mantendo a centralidade fálica até formalizar a repartição sexual por meio das
categorias lógicas na tábua da sexuação, na década de 70. Se com Freud veremos a teoria sobre
o processo de tornar-se mulher, com Lacan, veremos a posição feminina na relação amorosa. É
isto que está em jogo nos casos eleitos como interesse desta pesquisa, o lugar das adolescentes
na parceria amorosa e a consequência disso para sua entrada na criminalidade.
Ao longo do ensino de Lacan, esclarecemos que posicionar-se como homem ou mulher
é uma tarefa da ordem do semblante, sendo, então, preciso passar pela ordem do discurso. Desde
13

a mascarada, na qual a mulher faz-se objeto causa de desejo do homem, ao vestir-se de objeto
agalmático, até a elaboração do feminino como não-todo, buscamos articular as posições
femininas com o amor.
Ainda com Lacan (1960-61/1992), vimos que nunca haverá uma complementaridade no
par amoroso. Localizando dois lugares no casal, Lacan indica que o que o amante busca, não é
o que há no amado. O encontro então, sempre será cercado de equívocos. Em seu seminário de
1972-73, Lacan formaliza isso de uma forma mais sofisticada: não há relação sexual. Isso não
quer dizer que não haja encontros, mas sim, que pelo fato do gozo fálico ser uma forma de gozo
que dispensa o Outro, ele impede que a relação aconteça.
À inexistência da relação sexual temos outra máxima lacaniana: A mulher não existe. A
partir das categorias lógicas, Lacan (1972-73/2008) separa dois lados na tábua da sexuação: o
lado masculino – todo fálico – e o lado feminino – não-todo fálico. O que ele propõe com o
não-todo é que não há A mulher, não há um significante único que diga o que é uma mulher,
assim, podemos falar de uma mulher, mas não d´A mulher. Ele demonstra ainda que a mulher
está submetida à significação fálica, mas não-toda, há uma modalidade de gozo propriamente
feminino – gozo Outro. Essa modalidade, por sua vez, também não identifica a mulher e, por
isso, o amor é uma tentativa da mulher se especificar ao se tornar a mulher de um homem.
Na década de 70, Lacan não nega o que propôs em 1960: que a forma de amar do homem
é fetichista, pois ele faz um revestimento fálico da mulher, e a forma de amar da mulher é
erotomaníaca, que sempre demanda mais e mais.
Após esse percurso de revisão bibliográfica, propusemos o estudo de caso de duas
adolescentes: Amanda e Camila. No primeiro, encontramos uma adolescente cujas
características são as mesmas que encontramos no sistema prisional, que veremos no primeiro
capítulo: pouca escolaridade e precária condição financeira. No segundo, trata-se de adolescente
de classe média, com boa escolaridade, filha única, o que nos permite concluir que a
problemática do amor independe de classe social.
Este trabalho se justifica por trazer para a discussão questões contemporâneas, mas
buscando demonstrar que aquilo que afeta a sociedade, como a criminalidade, não está disjunto
do que há de mais singular no sujeito. Não objetivamos, aqui, romancear sobre aquilo que de
grave vem ocorrendo, a violência. O que tentamos foi esclarecer um ponto que tornouse um nó
no trabalho com os adolescentes agentes de violência, sem, no entanto, abordar essa temática
tão complexa, por questões de recorte de pesquisa.
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Por não recuarmos frente ao embaraço clínico, pois é justamente aí que podemos fazer
pesquisa em psicanálise, este trabalho foi sendo possível de produzir. Buscamos ainda, com esta
pesquisa, poder auxiliar na orientação do trabalho com as Medidas Socioeducativas,
principalmente na condução dos casos referentes a adolescentes meninas, justificando, também
por essa via, nossa produção.
15

2. O CONTEXTO DA PESQUISA: AS MULHERES, A CRIMINALIDADE E AS MEDIDAS


SOCIOEDUCATIVAS

Desde a década de 90, o Brasil vem sofrendo forte aumento da criminalidade, sendo
atualmente o país que mais cresce em população carcerária no mundo1·. Nesse sentido, Souza
(2009) adverte-nos que a taxa de encarceramento feminino cresceu de forma mais veloz que a
masculina. A autora indica-nos que entre os anos de 1988 e 2000, houve um aumento de 132%
no número de presidiárias, enquanto o aumento dos presos masculinos foi de 36%. Em 2011, as
mulheres representavam 7% de toda a população carcerária brasileira, correspondendo a um
total de 34.058 mulheres presas2 em 82 estabelecimentos prisionais femininos (Ministério da
Justiça, 2012). O que mais chama a atenção no dado de encarceramento feminino é o fato de
60% dos delitos cometidos pelas mulheres ser o de tráfico de drogas, o que faz com que
voltemos a atenção para esse tipo de crime.
O delito de tráfico de drogas é o mais cometido pelas mulheres em todas as regiões
brasileiras, sendo a faixa etária mais comum dos 18 aos 24 anos, seguida pelas mulheres de 30
a 34 anos, e pelas de 25 a 29 anos. Assim, percebemos que a maioria maciça das mulheres
encarceradas são jovens. Pouco mais de 50% delas tem entre 18 e 34 anos de idade. Vamos ao
perfil das mulheres presas no Brasil em 2011, segundo dados do INFOPEN (Sistema Integrado
de Informações Penitenciárias) lançados em 2012.

Delitos:
Crimes contra a pessoa 7%
Crimes contra o patrimônio 23%
Tráfico de drogas 60%
Tráfico internacional de drogas 4%
Crimes relacionados ao porte/uso ou comércio 2%
de armas de fogo

1
Segundo dados do DEPEN, em 1995, a taxa de encarceramento brasileiro era de 95,9 para cada 100.000
habitantes; em 2003, oito anos depois, era de 181,6, ou seja, houve um aumento de 100% na taxa de
encarceramento, sem, de forma alguma, ter resolvido o problema da criminalidade brasileira.
2
Dado de 2011. Apesar de existirem dados mais atualizados (junho de 2012) até o momento da pesquisa, optamos
por trabalhar com este, a partir do documento “Mulheres presas - Dados Gerais: Projeto Mulher/DEPEN”. Esse
documento foi elaborado pelo “Projeto Efetivação dos Direitos das Mulheres no Sistema Prisional”, por meio da
Diretoria de Políticas Penitenciárias, do próprio DEPEN, para abordar a especificidade da situação das mulheres
presas.
16

Outros 4%

Escolaridade
Analfabetas 5%
Alfabetizadas 9%
Ensino fundamental incompleto 44%
Ensino fundamental completo 13%
Ensino médio incompleto 12%
Ensino médio completo 11%
Ensino superior incompleto 2%
Ensino superior completo 1%
Não informado 3%

Faixa etária:
18 a 24 anos 26%
25 a 29 anos 23%
30 a 34 anos 18%
35 a 45 anos 21%
46 a 60 anos 9%
Mais de 60 anos 1%
Não informado 2%

Cor/ raça3
Branca 37%
Negra 16%
Parda 45%
Amarela 0%

3
Em relação ao dado de cor/raça das detentas, observamos que na região sul, a maioria delas, 71%, é de cor/raça
branca. Portanto, a grande porcentagem de mulheres de cor/raça branca que aparece no dado nacional tem relação
com esse número elevado na região sul do país.
17

Indígena 0%
Outras 2%

Os dados indicam que, assim como acontece com os homens, as mulheres encarceradas
são jovens, com baixa escolaridade e de cor parda. Aqui, compartilhamos da leitura estrutural
de Moura (2005), que veremos adiante, e podemos refletir sobre a seletividade do sistema
prisional. Por outro lado, não desconsideramos que cada um vai, à sua própria maneira,
inscrever-se no laço social, mas compreendemos que as condições precárias de sobrevivência
oferecem maiores chances de inserção na criminalidade, sem definir, a priori, o sujeito como
criminoso.
Neste capítulo, buscamos nos apropriar do nosso campo de pesquisa e conversar com
outras áreas de saber diferentes da psicanálise. Iniciamos a discussão com sociólogos e com a
pesquisa empírica realizada por dois artistas em diferentes favelas brasileiras. Em seguida,
buscamos justificar nosso tema de pesquisa e o recorte escolhido, e para isso, foi preciso
elucidar o campo de partida desta pesquisa, a saber, o trabalho com adolescentes em
cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida.

2.1 As mulheres envolvidas com o tráfico de drogas no Brasil.

Ainda que haja um número significativo de mulheres presas, poucos são os trabalhos
que abordam essa temática. Souza (2009) realizou uma pesquisa nos bancos de dados Scielo e
BVS-Psi, e no banco de dissertação e teses em saúde pública da Fiocruz, e concluiu que há um
número baixíssimo de trabalhos que tratam da relação feminina com a criminalidade sem trazer
a mulher como vítima. No banco de teses e dissertações da Fiocruz, a autora encontrou 124
dissertações que abordavam a violência feminina, mas apenas sete trabalhos tratavam as
mulheres como agentes de algum crime. A maioria dos trabalhos trazia a mulher como vítima
de violência, referindo-se, principalmente, à violência familiar e de gênero. No banco de dados
Scielo, foram encontrados 78 artigos, mas apenas cinco tratavam da temática da mulher como
agente de algum crime. Já no BVS-Psi, os artigos encontrados eram mais voltados para a
violência sexual e intrafamiliar contra a mulher.
18

Conforme Souza (2009), o número de mulheres presas significativamente menor que o


número de homens presos, a menor reincidência por parte das mulheres, a baixa notificação dos
crimes cometidos e a menor pressão popular sobre esse tema são os fatores que dão pouca
visibilidade ao público feminino envolvido com a criminalidade. A autora indica, ainda, que é
principalmente por ser colocada no lugar de vítima que há tão pouca visibilidade dos crimes
cometidos pelas mulheres. “Há um processo de vitimização da mulher, sendo ela rotulada como
vítima da violação dos direitos básicos, como o direito à vida, à segurança e ao bemestar.”
(p.652). A autora aponta que há uma caracterização social da mulher como frágil e ainda ligada
ao ambiente doméstico, resquício do poder patriarcal de nossa sociedade, havendo, com isso,
um reforço na caracterização da mulher como vítima e não como perpetuadora de violência.
Por essas razões, ao mesmo tempo em que há um apagamento dos crimes femininos, há
uma grande repercussão quando uma mulher comete um crime grave. Encontramos isso no
“Caso Nardoni”4, no qual a madrasta e o pai da criança são acusados de jogar a filha dele pela
janela, bem como o “Caso Richthofen”5, no qual a filha é a mandante do assassinato dos pais,
sendo seu namorado e o cunhado os executores do crime. Percebemos que, nesses casos, a
indignação é dupla, primeiramente pela gravidade dos atos, mas, principalmente, pelo fato de
os mesmos terem sido cometidos por mulheres. Os jornais da época mostraram, no primeiro
caso, que a violência sofrida na penitenciária pela madrasta, acusada de ter matado a enteada,
foi maior que a do seu marido acusado de matar a própria filha.
Essa suposta fragilidade da mulher, que causa, ao mesmo tempo, sua vitimização e
resulta em pouca visibilidade para seus crimes mais comuns, faz com que o horror aumente
quando uma mulher está envolvida em um crime mais grave. No entanto, fazendo frente a essa
fragilidade que localiza a mulher, a priori, como vítima, temos hoje sua entrada na
criminalidade, marcadamente no tráfico de drogas.
Sobre o crescente aumento da taxa de encarceramento das mulheres, Moura (2005) nos
indica, em sua dissertação de mestrado, cuja pesquisa de campo foi realizada no presídio
feminino do Ceará, duas hipóteses para o crescente envolvimento de mulheres com o tráfico de
drogas: 1- o envolvimento das mulheres devido à influência de companheiros, esposos,

4
O assassinato da criança Isabella Nardoni, na época com cinco anos, aconteceu em 2008 sob forte comoção
nacional, quando o pai e a madrasta da criança supostamente a jogaram pela janela do apartamento onde moravam,
depois de uma briga familiar, após terem-na machucado e acreditado terem-na matado. Ambos foram condenados
pelo júri pelo homicídio da criança.
5
Em 2002, Suzane Von Richthofen foi acusada de ter sido a mandante do assassinato dos próprios pais, com a
ajuda do namorado e do cunhado – os irmãos Cravinho, que executaram o homicídio. Em 2006, os três foram
condenados pelo assassinato do casal Richthofen.
19

namorados, filhos e netos, o que leva em conta um componente afetivo; e 2- o tráfico como uma
opção laboral frente ao desemprego. Para a autora, o envolvimento afetivo, porém, deve ser
levado em conta apenas de forma transversal, uma vez que ele não aparece como principal
motivador entre as reclusas entrevistadas no IPFDAM - Instituto Penal Feminino
Desembargadora Auri Moura Costa. Conforme Moura (2005):
A má distribuição de renda, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, emprego precário, baixa
escolaridade e pouca qualificação contribuem para que o mercado do tráfico de drogas no Brasil,
nomeadamente no estado do Ceará, tenha crescido de forma tão significativa, absorvendo a mão de obra
feminina. O fato evidencia outro aspecto: o tráfico de drogas está perdendo a exclusividade do signo
masculino que socialmente tinha adjudicado (p.55).

Nessa perspectiva, o tráfico de drogas se apresenta para as mulheres como uma saída à
precarização do trabalho, à baixa qualificação e ao desemprego. A partir do aspecto social da
relação das reclusas com a criminalidade, a autora chama a atenção para o fato de que no ato da
prisão, 56% delas estavam desempregadas e 81% eram as provedoras da família. Ao apresentar
algumas falas de detentas entrevistadas, estas apontam a falta de emprego como a causa de
inserção no tráfico de drogas, mas indicam também o fato de que elas tinham que sustentar os
filhos, ou que não poderiam vê-los passando fome. Como exemplo, temos a fala da detenta
Jasmim III, entrevistada por Moura (2005):

Quem é que aguenta ver seu filho chorando com fome e não fazer nada? [...] Eu já saí por todo canto
procurando emprego, mas não tem, eu não tenho mais onde procurar não, aqui não tem trabalho pra
gente, minha Senhora, o jeito é vender droga. (p.56)

No mesmo sentido, se apresenta a fala de Rosa II, também entrevistada: “Tentei várias
vezes outros trabalhos, mas o ‘ganho’ era pouco, não dava para sustentar meus três filhos. Sou
separada e ainda ajudava minha mãe que tem asma.” (Moura, 2005, p.57). Em nosso
entendimento, essas falas indicam que algo do afeto está enlaçado na justificativa da ausência
de emprego como impulsionador da entrada na criminalidade. Perguntamos mesmo se o
desemprego até não poderia ser suportado desde que os filhos não sofressem em decorrência
disso.
Outro fator relacionado ao aumento da inserção das mulheres no tráfico de drogas é a abertura
dessa atividade para o universo feminino. Apesar de oferecer alguns riscos, o tráfico de drogas
não exige força física e se caracteriza por ser uma atividade que se inclui na esfera doméstica,
o que Moura (2005) relaciona a uma característica feminina: “Nossa cultura tende a idealizar a
esfera doméstica ou privada como espaço que tudo comporta. Não é por acaso que o negócio
20

da droga vai encontrar, nessa esfera, espaço para se instalar, pois nela está o irrevelável, o
refúgio.” (p.59). Temos como característica da inserção das mulheres no tráfico de drogas o fato
delas se localizarem, geralmente, em papéis secundários e menos remunerados que os homens:
“no comércio de tráfico de drogas há um viés hierarquizado, em que as mulheres assumem
funções de menor complexidade, sempre vinculadas ao universo doméstico, com tarefas:
enrolar drogas, guardar, informar, transportar etc.” (p.60).
Podemos extrair daí três aspectos fundamentais para compreender essa situação da
inserção feminina no tráfico de drogas: a conjuntura social que torna precária a condição da
mulher, a própria atividade ilícita que comporta tarefas femininas por excelência, e um ponto
do afeto.
Alba Zaluar (1994), estudiosa da criminalidade e da segurança pública brasileira, nos mostra
que, na década de 90, as mulheres tinham um lugar secundário na criminalidade, quando o seu
principal envolvimento criminoso era com roubos e furtos sem o uso de armas de fogo. Em sua
pesquisa na favela carioca “Cidade de Deus”, foram encontradas apenas três histórias de
mulheres que se destacaram no crime, até sua época de estudo, 1994.
A primeira história é de Dona Dadá, traficante na década de 60, que não manteve seu
ponto de venda de drogas quando o tráfico tornou-se violento e o entregou para um traficante
mais forte e conhecido. Dona Dadá era solteira e mãe de vários filhos, dos quais cuidava
sozinha. Quando ainda atuava no tráfico de drogas, obrigava homens a manter relações sexuais
com ela, usando droga como moeda de troca, motivo pelo qual Zaluar (1994) a nomeia como
“uma mistura da mulher-mãe e do macho que escolhe seus parceiros” (p.226). Já Sueli Brasão
furtava e roubava para manter sua independência ou para sustentar o parceiro amoroso que
precisasse. Sobre ela, diz a autora: “fêmea no amor pelos homens e macho na maneira de lutar
por eles.” (p.226). Por fim, a autora conta a história de Dona Erinis, que precisou assumir o
comércio de drogas quando seu filho, que era o comandante, foi preso. Ao contrário de Dona
Dadá, assumiu o tráfico de drogas quando este já era violento, usava arma e matava para não
morrer. Da mesma forma que a primeira, a autora a nomeia como “uma mistura também de
mulher-mãe e macho” (p.226).
Nessas três personagens, encontramos como características comuns dadas pela autora o
fato de serem mulheres ‘machos’. “Essas três mulheres masculinas sempre foram faladas como
sendo especiais, diferentes, fora do padrão. Na verdade, elas negam, na história de suas vidas,
as trajetórias mais comuns das mulheres que passam ou entram pelo mundo do crime.” (Zaluar,
21

1994, p.227), ou seja, a relação entre crime e violência, até então quase que exclusiva dos
homens, é encontrada nessas mulheres.
Essas mulheres, no entanto, tiveram uma forma de entrada diferente no crime, visto que,
“usualmente, o envolvimento das mulheres [na criminalidade] começa pelo amor por um
bandido ou pelo vício” (Zaluar, 1994, p.227). Ao contrário de Moura (2005), que apontou o
envolvimento afetivo como secundário, Zaluar (1994) afirma que, muitas vezes, as jovens
começam a furtar para comprar drogas ou para ajudar o namorado. Entretanto, com exceção aos
casos citados, não tratou, na época, diretamente das mulheres envolvidas com o tráfico de
drogas, o que demonstra ser este um fenômeno mais atual.
Em ambas as perspectivas de trabalho - Zaluar (1994) e Moura (2005) - a lente fálica é
a utilizada para ler o fenômeno da criminalidade e do tráfico de drogas. Todavia, perguntamo-
nos se não poderíamos pensar em algo que é próprio à feminilidade nessas três personagens
trazidas por Zaluar (1994), bem como pelas entrevistadas por Moura (2005).
As “mulheres-macho” de Zaluar (1994), conforme leitura realizada pela autora, parecem
encontrar na função exercida na criminalidade uma posição masculina, contudo, aqui, já
podemos nos perguntar se não seria uma saída para o enigma da feminilidade, conforme
veremos nos capítulos seguintes.
Dona Dadá, que supostamente em nome de seus filhos, manteve seu ponto de venda de
drogas, não poderia ter encontrado na violência uma saída pela posição fálica, que não se
manteve quando um homem criminoso mais forte apareceu? Não teria buscado no semblante
de traficante uma resposta para o enigma feminino, que, no entanto, não se manteve? Em se
tratando de Sueli Brasão, como veremos com Lacan, não haveria nela uma confusão entre
encarnar o objeto do parceiro e fazer-se objeto causa de desejo, o que a fazia roubar para
sustentar seus parceiros? Ela não poderia mesmo nos apontar algo da devastação na sua posição
de fazer tudo em nome deles? No caso de Dona Erinis, tem algo que a aproxima de Rosa II e
Jasmim III, entrevistadas por Moura (2005). Em nome dos filhos, elas acreditam que podem
tudo. As entrevistas parecem nos indicar que a fome do filho pode ser algo que as autoriza a
assumir uma posição no crime. Atravessadas por questões sociais, como a baixa qualificação e
o desemprego, perguntamos por que a saída pelo crime prepondera sobre uma saída pelo
trabalho sacrifical doméstico, por exemplo?
Essas são apenas algumas perguntas, afinal, não temos elementos para respondê-las,
visto que são pequenas passagens nos textos. No entanto, elas nos indicam que algo de subjetivo,
e até mesmo relacionado ao próprio enigma da feminilidade, poderia estar somado aos
22

determinantes estruturais (como o desemprego, a baixa qualificação das mulheres encarceradas


e a própria seletividade do sistema prisional6) na relação das mulheres com a criminalidade.
O rapper MV Bill e o produtor e DJ Celso Athayde contribuem nessa discussão.
Juntos, fizeram por oito anos uma pesquisa em vários pontos comandados pelo tráfico de drogas
do país e dedicam o segundo livro da série às personagens mulheres que encontraram ao longo
do trabalho. No livro “Falcão: As mulheres e o tráfico”, cada capítulo conta a história de uma
mulher que faz ou fez, de alguma forma, parte do tráfico de drogas brasileiro. Sem linguagem
acadêmica e dotado de certa crueza, o livro torna-se fundamental para se obter uma visão das
mulheres envolvidas com o tráfico de drogas. Os autores nos trazem também duas razões para
a entrada das mulheres na criminalidade: a de fundo econômico e social e a razão afetiva, que
para eles é colocada como a pior:

Era normal a gente conhecer mulheres que trabalhavam ou trabalharam no tráfico por causa da falta de
dinheiro ou por um motivo que acho que é ainda pior: o envolvimento de algum filho ou marido no crime
organizado, que cada vez mais desorganiza a sociedade brasileira. (Athayde & Bill, 2007, p.121)

Os autores indicam que ser a parceira de um homem criminoso do tráfico de drogas gera
um lugar de destaque para a mulher na comunidade. Ela pode ordenar alguns atos, andar com
determinada permissão, mas ao preço da submissão e da fidelidade cegas e, por vezes, do
envolvimento criminal, como podemos localizar na história da jovem Meire.
Meire, jovem de classe média, começa a frequentar bailes funks na favela, até que
conhece o Foca - líder local do tráfico de drogas - e opta por ser mais uma de suas mulheres.
Após a prisão de Foca, Meire assume a intermediação entre ele e os jovens que traficavam para
ele, tornando-se “a primeira-dama do crime” (Athayde e Bill, 2007, p.45). Ela circulava
protegida por homens armados e, mesmo não sendo querida na comunidade, pois, por ser de
classe média, muito se diferenciava das outras mulheres, tinha acesso irrestrito ao território. Ela
chegava mesmo a ser consultada pela associação de bairro local. Athayde e Bill (2007) dizem
que ela “não era somente uma moça bonita, era inteligente, falava mais de um idioma, de
família, tinha pele diferente, os dentes diferentes, ela era de outro mundo. Estava cega, a paixão
a cegava.” (p.42). Eles apontam que, pelo parceiro, ela daria até sua própria vida, comportando-
se como uma escrava.

6
Sobre a seletividade do sistema prisional brasileiro, conferir Monteiro, Cardoso e Silva (2011). A Seletividade
do sistema prisional brasileiro e as políticas de segurança pública. Disponível em
<http://www.sbsociologia.com.br/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=2046&Item
id=171>.
23

O caso de Meire parece nos indicar que sua parceria amorosa a conduz para o crime. É
como se no parceiro criminoso houvesse alguma coisa de agalmático que a coloca nesse lugar
de submissão a ele. Este caso nos indica dois pontos essenciais: 1- a importante função de ser
marcada com um a mais, como a mulher eleita por um homem na falta da existência d´A
Mulher7; e 2- como o amor aparece como necessário em sua vida, enquanto o crime aparece
como contingente. Isso não quer dizer que tomamos essa jovem, assim como nos dois casos a
serem estudados, como vítima dessa situação. O que tentamos é verificar como o embaraço
próprio ao processo de feminização tem como uma de suas saídas a parceria amorosa, que em
alguns casos, é o que vincula a mulher ao crime.
Sobre a importância do amor para as mulheres, a socióloga Pimentel (2008) propõe que
a cultura amorosa do universo feminino pode contribuir para o envolvimento das mulheres em
práticas ilícitas ligadas à droga. Apoiada em Lipovetski, ela parte do princípio que o afeto é um
“elemento cultural formador de representações sociais e que, nessa qualidade, contribui para o
estabelecimento de um culto feminino ao amor, de modo a impulsionar práticas sociais,
inclusive ilícitas.” (p.3). Pimentel (2008) indica ainda que:

a mulher age em nome do afeto, na medida em que suas práticas estão diretamente relacionadas à sua
identidade na relação afetiva. Por isso, as práticas sociais femininas no contexto do tráfico de drogas não
têm os mesmos fundamentos representacionais que as práticas masculinas, notadamente justificada a
partir de aspectos financeiros e da necessidade do homem se firmar como sujeito em determinado grupo
social. (p.8)

Ressalta-se que a autora coloca o afeto e o amor como claramente do lado da mulher.
Conforme Lipovetsky (2000) indica em sua obra “A terceira mulher”, mesmo com a revolução
feminina de 1960, o amor não se afastou do campo feminino e a forma de vivenciálo é o que
mais diferencia a mulher do homem.
A identidade, na linha de pesquisa da autora, é algo que se constrói socialmente, é um devir,
sendo que, no caso da mulher, o afeto tem um papel substancial na formação da sua identidade
feminina. Pimentel (2008) reconhece que há uma nova tentativa de construção de identidade
pelas mulheres, mas constatou, em sua pesquisa no presídio feminino de Alagoas, que ainda há,
para as mulheres, um resquício do que seria o amor platônico. O casamento ou a parceria com
um homem ideal ainda é um sonho das mulheres, uma necessidade que traria sentido para a vida
delas. “É como se o fato de estar vivendo ao lado de um homem concedesse à mulher a

7
No terceiro capítulo, quando abordamos as posições femininas na parceria amorosa, trabalharemos essa
formulação lacaniana sobre a inexistência d´A Mulher.
24

identidade ideal, sobretudo quando diante de um relacionamento afetivo como o casamento ou


suas modalidades semelhantes.” (p.10).
Assim, já conversando com a psicanálise, podemos compreender que Pimentel (2008)
nos indica que a formação do que seria a identidade feminina necessitaria passar pelo
reconhecimento de um homem, um homem que a assinalasse como sua mulher, com um a mais.
Nesse sentido, as relações da mulher com o parceiro são permeadas por situações em que a
mulher busca dar provas de seu amor e fidelidade, que podem ser desde um gesto simples, como
um corte de cabelo, até o envolvimento com um delito.
Quando a transgressão passa por um envolvimento amoroso, não há a identificação da
mulher como criminosa, ainda que ela esteja consciente de sua transgressão à norma. A
identidade relacionada à vida doméstica (mãe, filha, esposa/ companheira) sobrepõe-se à de
criminosa, passando esta a ser reconhecida apenas “por força das determinações da norma
jurídica aplicada no ato da condenação, ou antes mesmo, quando da prisão” (Pimentel, 2008,
p.11).
Dessa forma, podemos concluir que há, na inserção feminina no tráfico de drogas, dois pontos
que a distinguem radicalmente da inserção masculina. O primeiro reside na própria motivação
de entrada na criminalidade, e o segundo é o fato de encontrarmos, em grande parte dos casos,
outras identidades sobrepostas à de traficante (Cf. Moura, Pimentel e Athayde e Bill), o que é
menos comum no caso dos homens, que se nomeiam e se exibem como tal.
Portanto, a partir dessas leituras, podemos compreender o cenário econômico e social que
envolve a criminalidade. Ainda, podemos extrair que haverá, para cada uma das mulheres, um
ponto que a leva a se envolver com o tráfico de drogas, seja a rejeição sofrida pelo mercado de
trabalho, seja o filho que passa fome, seja ter herdado o ponto de tráfico do filho preso, seja o
envolvimento amoroso. No entanto, o componente afetivo foi eleito por nós como objeto de
pesquisa, conforme justificaremos adiante.

2.2. Justificativa de escolha do tema de pesquisa.

Dentre as posições levantadas pelos diferentes autores, escolhemos pesquisar a entrada


das mulheres no tráfico de drogas a partir do envolvimento amoroso da adolescente com um
traficante, já considerando que a parceria amorosa é uma saída para o enigma da feminilidade.
25

As questões que foram sendo suscitadas pelo tema e estão aqui formalizadas surgiram a
partir da prática de trabalho no acompanhamento de adolescentes em cumprimento de Medida
Socioeducativa de Liberdade Assistida.
Nessa prática de trabalho, deparamos com algumas adolescentes apreendidas por tráfico
de drogas que traziam como justificativa de sua inserção na atividade ilícita um relacionamento
anterior com um parceiro já envolvido na criminalidade. Esses relacionamentos se
apresentavam marcados pela violência e pela infidelidade, sendo comum que a adolescente
relatasse que o parceiro a agredia fisicamente e psicologicamente, além de situações nas quais
se verifica a introdução das adolescentes na venda de drogas.
Não temos a intenção de afirmar que a relação da inserção das mulheres na criminalidade
se daria exclusivamente por essas vertentes da relação com o feminino e com a parceria
amorosa. Já sabemos que existem multifatores determinantes para a entrada de uma pessoa no
crime. A escolha por esse recorte se deu e se tornou nosso problema de pesquisa por criar
dificuldades na condução dos casos no sistema socioeducativo quando, ao vincular seu ato
infracional ao parceiro, a adolescente, muitas vezes, acabaria por não se responsabilizar pela
infração cometida. Portanto, foi por um embaraço na condução do atendimento às adolescentes
que vinculavam seu ato infracional ao amor que escolhemos esse recorte.

2.3. Sobre o sistema socioeducativo

Uma vez que esta dissertação tem como ponto de partida a Medida Socioeducativa de
Liberdade Assistida, especificamente em Belo Horizonte, onde o trabalho é orientado pela
psicanálise, entendemos ser importante esclarecer esse campo.
Em substituição ao Código de Menores, foi sancionada a lei 8069 de 13 de julho de
1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, lei que regulamenta a questão
infanto-juvenil no país, baseado no pressuposto da proteção integral. O Código de Menores,
promulgado em 1927, tinha um caráter discriminatório que associava pobreza e delinquência.
Ele dava às crianças e adolescentes infratores, abandonados ou mal cuidados o nome de
“menores em situação irregular”, atribuindo ao Estado a tutela destes, condenandoos, assim, à
segregação. Já o ECA eleva as crianças e os adolescentes à categoria de sujeitos de direito e
responsabiliza os adultos e o próprio Estado pelas violações cometidas a eles. Ainda, o Estatuto
26

dá prioridade à convivência familiar e comunitária em detrimento de internações


desnecessárias, visando, com isso, o não rompimento de vínculos importantes como os
familiares e sociais.
O capítulo onze do ECA é destinado às medidas socioeducativas, que é a forma pela
qual o adolescente responde juridicamente quando do cometimento de ato infracional, definido
como uma conduta análoga a crime ou à contravenção penal. O adolescente - considerado
juridicamente como os indivíduos de 12 a 18 anos incompletos - não é imputável penalmente,
não podendo ser julgado pelo Código Penal Brasileiro. Entretanto, por meio da imputação de
uma Medida Socioeducativa, o adolescente é responsabilizado pelo seu ato. O ECA conta com
seis Medidas que podem ser imputadas ao adolescente:

• Advertência,
• Obrigação de reparar o dano,
• Prestação de serviço à comunidade,
• Liberdade Assistida - LA,
• Semi-liberdade,
• Internação (em centro socioeducativo).
• Ainda pode ser imputada em conjunto ou separadamente uma Medida
Protetiva8.

A medida de Liberdade Assistida, como o próprio nome indica, é cumprida pelo


adolescente em liberdade e possui como índices de cumprimento a inserção escolar, a
profissionalização e a não reiteração infracional, sendo pautada em três eixos de
acompanhamento: família, escola e profissionalização (ECA, 1990). Sobre essa Medida,
propõe-nos o ECA:

Seção V
Da Liberdade Assistida
Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de
acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.
§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por
entidade ou programa de atendimento.

8
As Medidas Protetivas são medidas de proteção previstas no ECA e são aplicadas quando há uma violação dos
direitos da criança ou do adolescente. Em caso de adolescente autor de ato infracional, elas podem ser aplicadas
no lugar de uma medida socioeducativa ou cumulativamente a ela. Quando alguma criança comete um ato
infracional, não há a aplicação de uma medida socioeducativa, apenas as medidas protetivas podem ser aplicadas.
O estatuto conta oito medidas protetivas, prevista em seu artigo 98.
27

§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser
prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o
defensor.
Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos
seguintes encargos, entre outros:
I - promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se
necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;
II - supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua
matrícula;
III - diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de
trabalho; IV - apresentar relatório do caso.
(BRASIL, 1990/2010, art.118)

Em Belo Horizonte, as Medidas de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à


Comunidade estão localizadas dentro do CREAS – Centro de Referência Especializado da
Assistência Social9, da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, da Prefeitura de
Belo Horizonte. Atualmente, esse é o modelo de gestão determinado para todo o Brasil,
segundo a lei do Sistema Único de Assistência Social - SUAS -, e também pelo SINASE -
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo -, lei que regulamenta a execução das
Medidas Socioeducativas no país.
O município de Belo Horizonte se divide em nove regionais, que funcionam como
subprefeituras. Em cada uma destas, há uma equipe para executar as medidas socioeducativas,
sendo a equipe composta por psicólogos e assistentes sociais, em que cada técnico será o
responsável pelo acompanhamento integral do caso atendido.
A Medida Socioeducativa tem como objetivo principal a responsabilização do
adolescente, tanto juridicamente (uma vez que ele possui todas as garantias processuais), quanto
subjetivamente. O tema da responsabilização é fundamental na discussão sobre as medidas
socioeducativas e, nesse sentido, diversos são os trabalhos referentes a esse assunto. Aqui, é
suficiente compreender que a responsabilização que se busca na execução de uma Medida
Socioeducativa não está desvinculada da responsabilidade jurídica imposta pelo ECA, mas, no
entanto, a ultrapassa. Souza (2013) aposta que o encontro do adolescente com o técnico na
Medida dá a ele a possibilidade (o que não vai ocorrer necessariamente) de, a partir da palavra,
“posicionar-se de forma responsável ante seu ato infracional e suas escolhas” (p.110), de modo
que possa se interrogar sobre o ato cometido e se implicar no mesmo e com aquilo que se passa
com si próprio. O que buscamos no acompanhamento de um adolescente infrator é a introdução
da palavra onde elas não existiam. Trata-se de uma tentativa de trabalhar os significantes

9
A política de assistência social é divida em dois níveis de proteção. A proteção social básica, composta pelos
CRAS - Centro de Referência da Assistência Social -, visa fortalecer os laços comunitários, possuindo um
28

trazidos pelo adolescente, assim como de ofertar novos significantes que possam tratar o real
da pulsão. Não podemos nos esquecer que a adolescência é um momento em que há um novo
despertar pulsional (cf. próximo capítulo) sem um despertar de saber sobre o que fazer com
isso. Frente a isso, cada adolescente vai responder de uma forma: via saber, adições, atuações,
passagens ao ato e outras soluções.
Seguindo nossa reflexão, perguntávamos como pensar a implicação dessas adolescentes
que responsabilizavam o parceiro pela inserção na criminalidade, e antes de tentar responder
essa pergunta, optamos por compreender como se dá essa entrada no crime.
Segundo dados do Tribunal de Justiça de MG, o ato infracional mais cometido pelos
adolescentes, na média dos anos de 2009 e 2011, é o tráfico de drogas, sendo ele o

caráter preventivo e localizado nas comunidades mais vulneráveis. A proteção social especial é dividida em
proteção especializada de média complexidade, os CREAS, e a alta complexidade. Os CREAS estão localizados
nas nove regionais de Belo Horizonte e é composto por três serviços: PAEFI – Serviço de Proteção e Atenção
Especializado da Família e Indivíduo -, as Medidas Socioeducativas e o Programa de Atendimento à População
de Rua. A proteção especializada de alta complexidade inclui o acompanhamento dos abrigos, quando os vínculos
familiares já foram totalmente rompidos. (SUAS, 2011)
responsável por 24,5% das apreensões. Ainda se ressalta que a quantidade de adolescentes do
sexo feminino é inferior em relação ao sexo masculino, sendo elas responsáveis por 14,6% das
apreensões, o dobro em termos de porcentagem, quando comparadas ao sistema prisional
adulto. Não há registro, no entanto, da tipificação do ato infracional por sexo.
Sobre o atendimento ao adolescente na Medida de Liberdade Assistida, Ribeiro,
Mezêncio e Moreira (2010) indicam o seguinte:

Trata-se de um trabalho de recolhimento das passagens subjetivas que possam esclarecer a relação do
sujeito com o Outro, assim como pontos de repetição ou aqueles em que o jovem só tem como saída a
prática de um ato infracional. Essa construção permite que o técnico que o acompanhe opere numa lógica
de trabalho no qual o próprio adolescente dirá qual a possibilidade de novos enlaçamentos sociais. É
importante compor a história do sujeito, delimitando, assim, os fatores que favorecem o início da prática
de atos infracionais, buscando reconhecer as repetições, assim como as intervenções realizadas. (p.34)

Portanto, o trabalho com a Medida de Liberdade Assistida, ainda que se trate de uma
política pública, não se faz sem uma escuta clínica refinada. Os adolescentes atendidos deixam
evidente como questões subjetivas estão associadas às questões sociais em seu envolvimento
infracional. Como demonstraremos nos capítulos seguintes, a partir de dois estudos de caso,
fica evidente como o ato infracional aparece vinculado à dificuldade de se tornar mulher,
quando daí surge a parceria amorosa no campo do necessário. Assim, por um lado, o Estado
exige, como é sua função, que não haja reiteração infracional, bem como que a adolescente
volte aos estudos, retire documento, dentre outras exigências do campo do direito. Já por outro,
29

lidamos, na condução do caso, com o desafio de saber como operar com as adolescentes quando
sua infração caminha lado a lado com a própria dificuldade de se saber o que é ser uma mulher,
ou seja, quando a dimensão política e a vida íntima operam juntas na composição de uma
posição no laço social.
Aqui, é importante recordarmos que Lacan (1950/1998) localiza muito bem que no
trabalho com o criminoso, só entramos depois que este tenha sido julgado pelo Estado, não
sendo essa nossa função. Para ele, a responsabilização passaria pelo assentimento subjetivo ao
castigo. Dessa forma, a psicanálise não seria oposta à punição, mas entende-se que esta não é
suficiente no trabalho com o criminoso. Lacan (1950/2003) diz mesmo que só a psicanálise tem
condições de

libertar a verdade do ato, comprometendo com ele a responsabilidade do criminoso, através de uma
assunção lógica que deverá conduzi-lo à aceitação de um justo castigo, um tratamento em que o sujeito
não fica alienado em si mesmo. A responsabilidade por ela restaurada nele corresponde à esperança, que
palpita em todo ser condenado, de se integrar num sentido vivido. (p.131)

Com Lacan, compreendemos que a possibilidade de responder a uma Medida


Socioeducativa humaniza o sujeito, uma vez que lhe dá a possibilidade de resposta, ao
considerá-lo capaz de responder pelo ato cometido. Afinal, não é a palavra que nos humaniza?
Isso é diferente de uma inimputabilidade, que tira do sujeito sua capacidade de responder.
Os casos que serão trabalhados deixam evidente que é a partir do mais singular de cada
um que podemos compreender a entrada e também a saída de um sujeito da criminalidade. É aí
que a psicanálise nos orienta no trabalho com o infrator, juntamente com outros saberes e outras
disciplinas. Com a psicanálise, acrescentamos ao já complexo campo dos determinantes da
entrada de jovens mulheres no tráfico, a dimensão inconsciente e sua causalidade. É também
pela via da psicanálise que podemos oferecer a palavra ao sujeito de forma que ele diga de seu
ato a partir daquilo que lhe é mais íntimo e, ao mesmo tempo, estranho, desconhecido.
Orientados pela psicanálise, podemos, sem desconsiderar as determinações social, econômica e
política, dar dignidade à determinação inconsciente que cada um porta em sua forma de se
posicionar no laço social.
No capítulo seguinte, trabalharemos a especificidade da adolescência e do processo de
feminização. Com isso, buscamos introduzir a dimensão do inconsciente nessa discussão sobre
a criminalidade, visto que a sociologia já fez o levantamento das causas sociais e econômicas
sobre o fenômeno. O que buscamos é seguir, com a psicanálise, o que a sociologia não tocou,
por sua própria especificidade.
30

3. ADOLESCÊNCIA, SEXUAÇÃO E TORNAR-SE MULHER

Conforme localizado no primeiro capítulo desta dissertação, os casos que suscitaram a pesquisa
e serão trabalhados no último capítulo são de duas adolescentes e, nesse sentido, foi necessário
abordar o tema da adolescência e sua localização no campo psicanalítico. Trabalharemos a
adolescência a partir da perspectiva teórica da psicanálise, privilegiando sua relação com o
redespertar da sexualidade (após a latência) e com a tomada de posição dos sujeitos na partilha
dos sexos. Em seguida, abordaremos o tornar-se mulher e a discussão sobre o campo do
feminino.

3.1. A adolescência

“Eu nunca senti nada assim antes, esse tipo de desejo, essa sensação insuportável. É
insuportável. Por que não me deixaram passar por tudo isso dormindo e eu acordar quando já
31

tivesse acabado?” (Wedekind, 1991, p.3). Moritz, um dos protagonistas da peça “O despertar
da primavera”, de Frank Wedekind, adianta a discussão proposta por Freud (1905/2006) nos
“Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, a saber, de que a puberdade é o momento em que
há o redespertar das pulsões após o período de latência. Na linha aberta por Freud, a proposta
lacaniana é de que a maturação biológica que prepara o adolescente para a consecução do ato
sexual não exclui o mal entendido inerente ao encontro entre os sexos, sendo necessário o
“despertar dos sonhos” (Lacan, 1974/2003, p.557), o que reforça a tese freudiana.
Sabemos que o termo adolescência foi pouco empregado nas obras de Freud e Lacan,
mas nem por isso podemos desconsiderar a importância desse período na vida do sujeito. O que
ocorre na adolescência tem consequências para toda a vida psíquica, como por exemplo, a
tomada de posição sexuada e a separação da autoridade dos pais. Stevens (2004) indica-nos que
o termo adolescência só foi incorporado ao discurso social no início do século XX, sendo
recente considerar que há um período entre a infância e a vida adulta. Lopes e Sarué (1991)
esclarecem que o termo adolescente vem do latim, adolescere, que significa brotar, crescer,
fazer-se grande, tendo surgido em português apenas no século XV.
Freud (1905/2006) usa o termo puberdade para designar o momento da vida em que há
a emergência da genitalidade, de forma que o adolescente pode dar consecução ao que antes
ficava apenas no plano da fantasia – o ato sexual. Ele ainda utiliza os termos jovem, adolescente
e escolar para designar esse tempo que surge após a latência (Lopes & Sarué, 1991). Assim, é
como se houvesse uma equivalência entre os termos puberdade e adolescência. Já autores
lacanianos separam puberdade de adolescência, considerando que a adolescência é uma resposta
subjetiva às mudanças advindas com a puberdade.
Chamamos a atenção para o fato de que Lacan (1950/1998), em seu texto sobre a
criminologia, separa a adolescência da puberdade na parte IV. Ele assinala que são cinco as
crises em que ocorre uma nova síntese do aparelho do eu em constituição – “desmame, intrusão,
Édipo, puberdade, adolescência” (p.142). Com isso, Lacan já aponta, em 1950, que há uma
diferença entre puberdade e adolescência, designando esta como uma das crises decorrentes da
formação do eu.

3.1.1. Freud: Puberdade e adolescência


32

Freud publica, em 1905, os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, quando


anuncia a existência da sexualidade infantil e descreve as vicissitudes da vida sexual e suas
implicações psíquicas. Nesse texto, a sexualidade é separada em dois tempos lógicos,
sexualidade infantil e puberdade, intercaladas pelo período de latência.
A puberdade é o momento em que ocorrem as mudanças que levam a sexualidade à sua
configuração final. É quando a pulsão sexual, que era predominantemente auto-erótica e parcial
durante a infância, conjuga-se em um objeto sexual único, subordinada agora ao primado da
zona genital. Até esse momento, o desenvolvimento sexual feminino e masculino não se
diferenciavam muito, pois ambos estavam sob o primado fálico e a atividade auto- erótica das
zonas genitais era idêntica. É somente a partir da puberdade que o desenvolvimento sexual
começa a divergir.
Nesse período, ainda, a pulsão sexual coloca-se a serviço da reprodução, uma vez que
adquiriu a maturação biológica para isso: crescimento da genitália externa e o desenvolvimento
dos genitais internos. A isso, Freud (1905/2006) acrescenta que a pulsão tornou-se altruísta.
Com a possibilidade de execução do ato sexual, há, para os homens, um novo alvo sexual, a
saber, a penetração do membro numa cavidade e, “ao mesmo tempo, consuma-se, no lado
psíquico, o encontro do objeto para qual o caminho fora preparado desde a tenra infância”
(p.209). O objeto sexual segue um protótipo traçado já na infância - o seio materno - sendo o
encontro com o objeto na puberdade um reencontro, uma vez que é baseado nas primeiras
experiências de satisfação.
Dessa forma, na escolha objetal realizada pelo púbere, resta algo do primeiro e mais
importante vínculo sexual – a amamentação. Assim, seria mais fácil que os filhos escolhessem
como objetos sexuais as mesmas pessoas a quem amam desde a infância. No entanto, durante
o período de latência, ganhou-se tempo para que se erguesse a barreira do incesto. Esta é,

acima de tudo, uma exigência cultural da sociedade, esta tem de se defender da devastação, pela família,
dos interesses que lhe são necessários para o estabelecimento de unidade sociais superiores, e por isso,
em todos os indivíduos, mas em especial nos adolescentes, lança mão dos recursos necessários para
afrouxar-lhes os laços com a família, os únicos que eram decisivos na infância [itálicos nossos] (Freud,
1905/2006, p.213).

A escolha de objeto, portanto, consuma-se, inicialmente, no plano da fantasia, no campo das


representações destinadas a não se concretizarem e, após o repúdio à escolha objetal incestuosa
fantasiada, ocorre uma das realizações psíquicas mais significativas na puberdade: o
desligamento da autoridade dos pais.
33

Em 1914, em seu texto sobre o narcisismo, Freud (1914/2004) indica que existem duas
formas de escolha objetal: a anaclítica (ou por veiculação sustentada) e a narcísica. A primeira
forma é esta, já presente no texto de 1905, que trata da escolha objetal baseada nas primeiras
experiências de satisfação, tendo como modelo a mãe ou quem em seu lugar se ocupa dos
primeiros cuidados com a criança. Já a escolha objetal do tipo narcísica ocorre quando “a
escolha de seu futuro objeto de amor não se pauta pela imagem da mãe, mas de sua própria
pessoa” (p.107). Todavia, ambos os caminhos estão presentes em todos os seres humanos,
havendo o privilégio de um ou outro caminho.
Freud (1905/2006) esclarece que desde a mais tenra infância já se reconhece bem as
disposições femininas e masculinas, mas a atividade auto-erótica das zonas erógenas infantis é
idêntica em ambos os sexos, “e essa conformidade suprime, na infância, a possibilidade de uma
diferenciação sexual como a que se estabelece depois, na puberdade” (p.207). No período
infantil, a sexualidade feminina tem um caráter inteiramente masculino, pois o órgão sexual
estimulado nas meninas, o clitóris, é homólogo ao masculino. Em nota de rodapé acrescentada
em 1915, Freud indica que no conceito de feminino e masculino mais utilizado em psicanálise
não se trata nem do biológico nem do sociológico. É no sentido de atividade (ligado à
masculinidade) e passividade (ligado à feminilidade) que os termos masculino e feminino
devem ser considerados.
Na “transformação da menina em mulher” (Freud, 1905/2006, p.208), que ocorre na
puberdade, há uma nova onda de recalcamento, fazendo sucumbir na menina a sexualidade
masculina. Um novo órgão, então, precisa ser impelido a assumir o lugar do clitóris. Dessa
forma, quando há a excitação sexual da mulher, “o próprio clitóris é excitado e compete a ele o
papel de retransmitir essa excitação às partes femininas vizinhas, assim como lascas de lenha
resinosa podem ser aproveitadas para atear fogo num pedaço de lenha mais duro” (p.208).
Contudo, para que isso ocorra, é necessário um tempo em que a moça fica insensível. É apenas
quando a mulher consegue transmitir sua excitabilidade do clitóris para a vagina (órgão
feminino por excelência) que ela muda de zona erógena dominante, ao contrário do homem,
que conserva a sua desde a infância. Assim, temos uma diferença fundamental na puberdade
feminina e masculina: enquanto na primeira temos uma nova onda de recalcamento da
sexualidade (masculina), nos homens, a puberdade traz um grande avanço na libido.
Sobre o desligamento da autoridade parental, Freud (1914/2006), baseando-se em sua
própria relação com os mestres da época de escola, trata do assunto em seu texto sobre a
psicologia escolar. Ele assinala que é difícil compreender se o que mais influencia os jovens
34

alunos são as ciências ou a personalidade de seus mestres, e crê que, “para muitos, os caminhos
das ciências se passavam apenas através de nossos professores.” (p.248). Essa relação
privilegiada com os mestres se dá, uma vez que os professores aparecem como figuras
substitutivas às quais serão transferidas todas as expectativas ligadas ao pai. Freud (1914/2006)
ainda generaliza, ao dizer que as figuras substitutivas, como os professores, por exemplo, serão
sempre provenientes da imago dos pais e irmãos, como uma certa “herança emocional” (p.249),
com toda a ambivalência que ronda a relação com os pais.
Esse encontro com os primeiros mestres se dá na segunda metade da infância, quando
ocorre, no complexo de Édipo, a separação do menino do pai (ele não fala, nesse texto, sobre
as meninas), momento em que o pai desce da posição do mais poderoso dos seres para um ser
criticável que não supera as expectativas do filho. Assim, indica Freud (1914/2006):

De seu quarto de criança, o menino começa a vislumbrar o mundo exterior e não pode deixar de fazer
descobertas que solapam a alta opinião geral que tinha sobre o pai e que apressam o desligamento de seu
primeiro ideal. Descobre que o pai não é o mais poderoso, sábio e rico dos seres; fica insatisfeito com ele,
aprende a criticá-lo, a avaliar o seu lugar na sociedade; e então, em regra, faz com que ele pague
pesadamente pelo desapontamento que lhe causou. Tudo que há de admirável e de indesejável na nova
geração é determinado por esse desligamento do pai (Freud, 1914/2006, p.249).

O que Freud nos mostra, com isso, é a importância da existência de figuras que possam
preencher o lugar de ideal para os púberes, que se encontram nesse momento tão singular do
desenvolvimento psíquico. O ideal é o que Freud vai nomear como Ideal do eu, instância
secundária em relação ao Eu Ideal. Este se constitui num período pré-edípico e se traduz numa
dimensão imaginária ligada ao narcisismo perdido dos pais, que dá à criança uma sensação de
onipotência e perfeição. Já o Ideal do eu é uma nova forma de ideal, já atravessada pelos valores
culturais e morais, e pela experiência de castração. É a forma a partir da qual o sujeito busca
recuperar a perfeição narcísica perdida com o recalcamento advindo do Édipo, sendo o que
projeta diante de si como seu ideal.
O que Freud (1914/2006) propõe em seu texto sobre a psicologia escolar é que neste
momento em que o pai não preenche mais esse lugar de ideal, os professores (e/ou outras
figuras) poderiam ocupar esse lugar. Ele dá ênfase, com isso, à importância de que haja figuras
balizadoras que possam dar uma orientação aos jovens no momento em que o pai perde um
pouco seu lugar.
Passaremos à leitura de Lacan da formalização freudiana sobre o Édipo, pois é nesse
momento que o adolescente fará sua escolha na posição sexuada, bem como encontrará sua
solução após a castração.
35

3.1.2. Édipo, sexuação e adolescência: a leitura lacaniana do Édipo freudiano

No “O seminário, livro V – As formações do inconsciente”, de 1957-58, Lacan relê o


Édipo freudiano e dedica três lições ao tema da metáfora paterna e ao Complexo de Édipo. Ele
separa o complexo, didaticamente, em três tempos, localizando nele o processo de sexuação.
Sexuação “é o processo de reconhecimento na posição masculina ou feminina, constituindo um
assunto de significante, desarticulado do corporal/ biológico” (Capanema, 2009, p.34), ou seja,
é a tomada de posição na partilha dos sexos, não tendo relação exclusiva e direta com o
biológico.
A função do Édipo é normatizadora não apenas no campo moral ou nas relações dos
sujeitos com o campo da realidade (questão de estrutura: neurose, psicose ou perversão), mas
também quanto à assunção do sexo. Lacan (1957-58/1999) indica-nos, entretanto, que o
complexo de Édipo não é o mesmo que genitalização, uma vez que esta é um salto que comporta
uma maturação biológica, enquanto
há no Édipo a assunção do próprio sexo pelo sujeito, isto é, para darmos os nomes às coisas, aquilo que
faz com que o homem assuma o tipo viril e com que a mulher assuma um certo tipo feminino, se reconheça
como mulher, identifique-se com suas funções de mulher. A virilidade e a feminização são os dois termos
que traduzem o que é, essencialmente, a função do Édipo. (p.171)

O pai no Édipo é uma metáfora, substituindo o significante materno, primeiro significante


introduzido no processo de simbolização, que organiza a constituição psíquica do infans. Na
relação da mãe com o bebê, ainda num período pré-edipiano, já há uma primeira simbolização,
uma subjetivação em nível primário, em que a mãe ainda é primordial, mas pode estar presente
ou não na sua relação com a criança.
O primeiro tempo do complexo de Édipo é marcado pela posição em que a criança busca
satisfazer o desejo materno, estando aí identificada ao falo imaginário. Aqui, a instância paterna
se introduz de forma velada ou ainda não aparece nessa relação. Essa relação mãe e criança, no
entanto, já é uma relação simbólica, indica-nos Lacan (1957-58/1999), porque o que a criança
quer não é a mãe, mas o desejo da mãe, comportando aí uma triplicidade. “É um desejo de
desejo” (p.205). Desse modo, nesse tempo edípico, a criança fica isolada, “desprovida de
qualquer outra coisa que não o desejo desse Outro que ela já constituiu como sendo o Outro que
possa estar presente ou ausente.” (p.206).
36

No segundo tempo do Édipo, o pai intervém como privador da mãe, remetendo-a a uma lei que
não é apenas a dela, mas a de um Outro, que é quem possuiu seu objeto de desejo. Trata-se do
pai proibidor, que intervém no discurso materno, anunciando duas proibições: ao filho (não te
deitarás com tua mãe) e à mãe (não reintegrarás seu produto). Dessa forma, a criança sai do
assujeitamento em que se encontrava, quando estava à mercê dos caprichos maternos, sendo
retirada do lugar de falo imaginário, posição na qual ela e a mãe poderiam se satisfazer. O pai,
aqui, aparece menos velado que no primeiro tempo, mas também não é todo revelado, pois seu
discurso aparece a partir do discurso materno, já que é a mãe quem confere valor à palavra do
pai. Capanema (2009) orienta-nos que, deixando assim de se identificar com o ser o falo, a
criança passará a escolher entre ter ou não ter o falo, o que permitirá, na saída do Édipo,
localizar-se nas funções de homem ou de mulher.
No terceiro tempo edípico, o pai intervém como aquele que detém o falo, invertendo sua
posição, daquele que priva a mãe do falo para aquele que pode lhe dar o falo.

O terceiro tempo é este: o pai pode dar à mãe o que ela deseja e pode dar porque o possui. Aqui, intervém,
portanto, a existência da potência no sentido genital da palavra – digamos que o pai é um pai potente.
(Lacan, 1957-58/1999, p.210)

A mãe, por sua vez, pode ter acesso ao falo via pai, que é quem o possui. O pai aparece,
neste momento, como permissivo e doador no nível materno, surgindo, pela primeira vez, em
seu próprio discurso. E assim,

por intermédio do dom ou da permissão concedidos à mãe, ele [o sujeito], afinal, consegue isto: que lhe
seja permitido ter um pênis para mais tarde. Aí está o que é efetivamente realizado pela fase do declínio
do Édipo – ele realmente carrega, como dissemos da última vez, o titulo de posse no bolso. (Lacan, 1957-
58/1999, p.212)

Lacan (1957-58/1999) indica que ter o título de posse “não quer dizer que o menino vá
tomar posse de todos os seus poderes sexuais e exercê-los” (p.201). Sabemos que após o
declínio do Édipo, há o período de latência, no qual ocorre o adormecimento das funções
sexuais, mas fica ao menino resguardada a sua potência, que poderá ser despertada na
puberdade.
O processo edípico, dessa forma, interdita uma parte do gozo ao mesmo tempo em que
permite outra por meio da significação fálica. É permitido o gozo fálico cifrado pela castração,
e é na puberdade que o sujeito poderá servir-se deste gozo, posicionando-se no campo da
sexuação. Portanto, o que Lacan (1957-58/1999) nomeia como título de posse é uma autorização
que dá ao adolescente o direito de servir-se da significação fálica quando for convocado para
37

isso. No menino, temos a saída do Édipo aí, com sua identificação ao pai como ideal do eu. Já
no caso das meninas, o desfecho é outro, diz Lacan (1957-58/2009):

Ela não tem que fazer essa identificação nem guardar esse título de direito à posse da virilidade. Ela, a
mulher, sabe onde ele está. Sabe onde deve ir buscá-lo, que é do lado do pai, e vai em direção àquele que
o tem. Isso também indica por que uma feminilidade, uma feminilidade verdadeira, tem sempre um toque
de uma dimensão de álibi. Nas verdadeiras mulheres, tem sempre algo de extraviado. (p.202)

O que Lacan indica, aqui, é que as meninas não precisam ter o título de virilidade, pois elas
podem acessar o falo dirigindo-se a quem o tem. O trabalho psíquico que se exige das meninas
é de estabelecer essa posição de álibi, que marca sua saída edípica.

3.1.3. O despertar da primavera com Lacan

A discussão sobre a adolescência é retomada por Lacan em 1974 em seu comentário à peça “O
despertar da primavera”, que estava sendo remontada pela Sra. Brigitte Jaques para o festival
de outono do mesmo ano. A peça, originalmente escrita em 1891 por Frank Wedekind, traz
como tema os impasses aos quais o encontro com o sexual dá origem na adolescência, e tem
quatro personagens centrais: Melchior, Moritz, Wendla e o Homem mascarado. Os finais
trágicos contidos na peça - suicídio de Moritz, a morte de Wendla e o envio de Melchior para
um instituto correcional - fazem jus ao subtítulo “Uma tragédia na juventude”.
Em seu comentário sobre a peça, Lacan (1974/2003) a define do seguinte modo:
“Assim um dramaturgo alemão abordou, em 1891, a história do que é, para os meninos
adolescentes, fazer amor com as mocinhas, assinalando que eles não pensariam nisso sem o
despertar dos seus sonhos” (p.557). Dessa forma, Lacan entende que, justamente por fazer furo
no real, é preciso o recurso da fantasia para que o sujeito adolescente possa saber fazer com a
sexualidade. Ele também indica que Wedekind adianta Freud, que em 1891 ainda estava
formulando sua teoria sobre o inconsciente e a sexualidade.
Na peça, fica evidente a angústia de Moritz, que se divide entre ser aprovado no ano letivo para
não decepcionar seus rígidos pais e a curiosidade em relação ao sexo, sobre o qual nada sabe.
Em busca de uma resposta para esse não saber, revira a enciclopédia, mas só encontra “palavras
e mais palavras!” (Wedekind,1991, p.14), indicando, com isso, que o conhecimento sobre o
sexo escapa à articulação significante. Frente a essa inexistência de saber, Moritz pede que
38

Melchior lhe escreva sobre o que sabe e que coloque o escrito dentro de um livro para que possa
ser lido de surpresa.
Melchior, por sua vez, encontra no saber uma forma de tentar articular o desconhecimento
sobre o sexo. No entanto, ele se depara com o enigma sobre o gozo feminino e não consegue
compreender o prazer de Wendla em ajudar aos pobres. Ele sabe que meninos e meninas são
diferentes, mas não sabe bem como as coisas se passam com o sexo oposto, buscando, então,
um saber sobre o Outro sexo. Após ler o manual escrito pelo amigo, Moritz também interroga
o gozo feminino:

O que mais me perturbou foi o que você disse sobre as meninas. A sensibilidade delas tem a frescura de
uma flor que brota na pedra. Ela ergue a taça (que nenhuma boca encostou) e toma o néctar, enquanto ele
queima e brilha. O prazer do homem, comparado a isso, é insosso e miserável.” (Wedekind, 1991, p.38)

Mais uma vez, Wedekind (1991) se adianta em relação à psicanálise, e dá dignidade ao mistério
insolúvel sobre o gozo feminino, conforme veremos no próximo capítulo.
Lacan (1974/2003) indica que Moritz e Melchior se posicionam na sexuação de forma
diferente. Melchior se encontra na posição masculina, enquanto Moritz se encontra na posição
feminina. “O fato é que um homem se faz O homem por se situar a partir do Um-entre-outros,
por entrar-se entre seus semelhantes” (p.558). Como veremos, o grupo dos homens se forma a
partir da exceção do pai primevo à lei, é a exceção que faz a regra e forma o conjunto de homem.
Capanema (2009), aplicando à peça a orientação lacaniana, nos aponta que Melchior está
submetido à função fálica, já Moritz, não, e por isso, na última cena, aparece do mundo dos
mortos carregando sua cabeça cortada debaixo dos braços. “É só ali que ele se conta: não por
acaso, dentro os mortos, como excluídos do real.” (Lacan 1974/2003, p. 558-559).
A principal personagem feminina é Wendla, que inicia a peça brigando com sua mãe
devido ao comprimento de seu vestido. Ela diz que se soubesse que teria que usar um vestido
tão longo, preferiria não fazer catorze anos e pularia para os vinte. Ela não entende a
preocupação de sua mãe em vesti-la de tal modo coberta, pois “nem crianças pequenas, de
joelhos de fora, ficam doentes” (Wedekind, 1991, p.5). Constatada a terceira maternidade da
irmã, Wendla pergunta à mãe como os bebês vêm ao mundo, pois “com quatorze anos ninguém
mais acredita nessa história de cegonha” (p.29). Esse não é, no entanto o único assunto que a
interessa. Wendla fica fascinada enquanto houve sua amiga Martha contar de seus
espancamentos pelo pai, chegando a dizer que gostaria de ficar em seu lugar.
Em um encontro no campo sexual com Melchior, Wendla pede que ele lhe bata,
atualizando sua fantasia masoquista de ser espancada pelo pai, saindo dos jogos infantis para
39

inaugurar-se no campo das relações sexuais. A princípio, ele hesita, mas em seguida consente.
Wendla, por sua vez, diz que não dói e sobe as saias para que ele possa acertá-la com mais força,
ao que Melchior responde atacando-a com violência e furor. Após o ato, Melchior é tomado
pela angústia e foge para a mata soluçando. Com isso, ele demonstra que todo o conhecimento
que buscou ter sobre a sexualidade, via o saber formal, não abole o mal entendido do encontro
entre os sexos. Nesse sentido, Lacan (1974/2003) afirma: “Notável por ser encenada como tal:
isto é, por demonstrar que isso não é satisfatório para todos, chegando a confessar que, se é mal
sucedido, é para todo mundo.” (p.557).
Após essa cena, Wendla enfrenta a mãe e diz que não dorme enquanto não souber como
os bebês vêm ao mundo e, envergonhada, diz que colocará a cabeça entre as saias da mãe para
que esta possa lhe contar. Sra. Bergman explica, articulando o sexo ao amor entre um homem e
uma mulher:

Se você quer ter um bebê, você tem que amar o homem – o homem que é seu marido – você tem que amar
esse homem, amar de verdade, só como uma mulher pode amar um homem. Você tem que amar tanto –
com todo seu coração e todo, tanto que... Nem se pode dizer com palavras. Você tem que amar esse
homem de um jeito que uma menina da sua idade ainda não sabe amar. É isso. Pronto. (Wedekind, 1991,
p.34)
Num segundo encontro com Melchior, quando este tenta lhe beijar, Wendla diz: “as
pessoas se amam quando se beijam... Não, Melchior!” (Wedekind, 1991, p.37). Contudo,
Melchior, que não acredita no amor, ataca-a mais uma vez. A relação do casal retrata, portanto,
que o ato sexual não se dá, necessariamente, no campo do amor. Nesse ínterim, Wendla, que
acredita que é preciso haver amor para que os bebês venham ao mundo, engravida e é obrigada
por sua mãe a fazer um aborto, falecendo em decorrência do mesmo.
Aprisionado no desejo dos pais, Moritz se pressiona em relação a fracasso escolar ao mesmo
tempo em que se angustia com todas as questões que o sexo lhe suscita. Sem encontrar resposta
para tantas questões, o adolescente se suicida. Antes do suicídio, dando a entender que é à
pressão imposta pelos pais que seu ato responde, profere:

É assim que tem que ser. Eu não me encaixo. Eles que enlouqueçam, eu não ligo mais. Vou fechar a
porta e pronto – liberdade. Chega de me empurrarem para lá e para cá. A pressão. Eu não culpo meus
pais. Mesmo assim, eles deveriam estar preparados para o pior. (Wedekind, 1991, p.40)

Porém, mais adiante, diz: “É uma vergonha ter sido homem e não ter conhecido aquilo que é
mais humano. ‘Foi ao Egito e não conheceu as pirâmides, senhor?’” (Wedekind, 1991,p.40).
Com isso, o personagem demonstra que o embaraço com a sexualidade o impediu de ter um
encontro com o Outro sexo, levando-o a esse trágico ato.
40

Antes de seu suicídio, Moritz encontra Ilse, uma antiga colega de escola que abandonou os
estudos para posar para pintores na Falópia. Ela o convida para entrar em sua casa, mas ele
nega, preferindo a morte ao encontro sexual que a jovem lhe ofereceu.
Em busca de respostas para o suicídio do adolescente, suas coisas são vasculhadas,
momento em que é encontrado o manual feito a ele por Melchior, nomeado como “O coito”.
Constatada a autoria de Melchior, o reitor da escola pronuncia que, “apesar de não justificar a
atrocidade [o suicídio], comprova o estado de degradação moral que foi decisiva para o crime”
(Wedekind, 1991, p.41). Com isso, Melchior é punido com uma internação no reformatório.
Já no reformatório, sabendo da morte de Wendla, Melchior sente-se culpado e foge para o
cemitério, onde se pergunta: “Por que é que ela tem que ser punida por um crime que eu
cometi?” (Wedekind, 1991, p.57). Moritz surge na cena, carregando a cabeça debaixo dos
braços, e convida o amigo para acompanhá-lo para o mundo dos mortos. Neste momento, surge
o Homem mascarado, que expulsa Moritz e convida Melchior a afastar-se do amigo morto.
Melchior pergunta ao Homem mascarado se ele é seu pai, e este lhe diz: “Numa hora dessas,
seu pai está se consolando nos braços de sua mãe.” (p.60).
O Homem mascarado é “aquele que constitui o fino do drama, e não só pelo papel que
Wedekind lhe reserva – o de salvar Melchior das garras de Moritz –, mas porque Wedekind o
dedica à sua ficção, tida por nome próprio” (Lacan, 1974/2003, p.559). É ele quem abre a porta
do mundo para Melchior e representa um dos Nomes-do-Pai. Vale lembrar que nesse momento
de sua obra, Lacan está trabalhando na pluralização do Nome-do-Pai, tomando-o como
semblante.
Conforme dito, o Homem mascarado é um dos nomes possíveis do Pai: “Mas o Pai tem
tantos e tantos que não há Um que lhe convenha, a não ser o Nome do Nome do Nome.
Não há nome que seja seu Nome-Próprio, a não ser o Nome como ex-sistência” (Lacan,
1974/2003, p.559). Sobre isso, Porge (1998) explica que o termo homem mascarado diz bem
desse lugar do Nome-do-Pai como semblante, e como nada se sabe sobre esse personagem, ele
bem poderia ser uma mulher, já que ele se reduz à sua máscara, a seu semblante. Como veremos
no capítulo quatro, há uma afinidade entre a máscara e a mulher. Lacan (1974/2003) diz:
“Somente a máscara ex-sistiria no lugar de vazio em que coloco A mulher. No que não digo

que não existam mulheres.” (p.559). A mulher poderia ser aí uma versão do Pai.
Cabe ressaltar que, no drama, Moritz questiona ao Homem mascarado o porquê dele não
aparecer para salvá-lo de seu suicídio. O Homem mascarado responde que apareceu em seu
41

último momento. Ele apareceu sob a forma de Ilse, convidando-o para o encontro sexual, mas
Moritz, no auge do seu embaraço, negou a possibilidade de encontro com o Outro sexo, e se
precipitou na cena, por meio de uma passagem ao ato. Já para Melchior, é o Homem mascarado
que sustenta a possibilidade da vida. Vimos que na puberdade, ao deparar-se com o pai não todo
potente, o adolescente precisará encontrar alguém que incorpore essa função do Pai, que pode
muito bem ser uma mulher.
Assim, em seu comentário sobre a peça de Wedekind, Lacan (1974/2003) traz como central
para as questões na adolescência, o encontro com o Outro sexo e seu mal entendido inerente.
Ele segue a via freudiana da centralidade da sexualidade, mas a isso acrescenta a inexistência
da relação sexual. Nesse momento, ele ultrapassa o Nome-do-Pai como único e acrescenta que
qualquer um que sustente um ponto de desejo pode fazer essa função. Assim, temos a via aberta
para os comentadores lacanianos. Vejamos.

3.1.4. Os pós-lacanianos e a discussão da adolescência

Da adolescência como a idade de todos os possíveis à adolescência como a idade do


encontro com o impossível, Stevens (2004) optou por precisar sua exposição sobre a
adolescência tratando-a como um sintoma da puberdade, uma vez que “todos os possíveis é a
vertente da resposta ao encontro com o impossível” (p.28). A partir das exposições de Freud e
Lacan, podemos pensar no encontro com o impossível do sexo, o impossível de simbolizar do
sexual, que Moritz nos indica muito bem ao dizer que não há respostas, apenas palavras. É o
que Lacadée (2011) nomeia como “mancha negra” (p.78), referindo-se ao indizível que alguns
adolescentes podem achar insuportável.
O encontro com o real na puberdade não é o encontro apenas do ponto de vista biológico em
relação ao surgimento dos caracteres sexuais secundários, nem em relação ao surgimento
hormonal precipitado. É uma relação com o órgão marcado pelo discurso, “ou seja, há uma
irrupção, uma emergência de alguma coisa sobre a qual as palavras falham um momento antes
de poderem, a partir da ‘mudança dos sonhos’, recolocar-se
progressivamente.” (Stevens, 2004, p.33). Dizer a uma jovem, por exemplo, que ela está se
tornando mulher não lhe protege do desconhecimento que o surgimento da coisa lhe causará.
As palavras que o púbere tinha até o momento não correspondem ao que agora lhe acontece. O
42

que está em jogo é mais o surgimento do novo, sobre o qual há uma falha do saber, que terá
repercussões na vida e no discurso do adolescente, do que simplesmente as mudanças biológicas
em si.
Stevens (2004) no lembra que, em seu Seminário XI, Lacan remete o real ao encontro
com algo novo, Tyché, articulando-o diretamente à ideia de eclosão. Já no final de sua obra, o
real é remetido à inexistência da relação sexual, que é a inexistência de um saber préconstituído
sobre a relação entre um homem e uma mulher, representada pelo conjunto vazio (ϕ). Podemos
constatar isso no ato de Melchior, que após o encontro sexual com Wendla, foge para a mata,
angustiado e chorando. Melchior, vale lembrar, buscava no saber uma tentativa de articular o
não saber sobre o sexual, chegando até a escrever uma manual sobre o assunto. Frente ao não
saber preestabelecido, portanto, resta a cada um a invenção de uma resposta. Lacadée (2011)
complementa que este enunciado ‘não há relação sexual’ poderia ter o seguinte correlato: ‘mas
há o gozo’, conforme também propõe Miller (2000). No entanto,

o gozo é, no fundo, ideal e solitário, não estabelecendo nenhuma relação com o Outro. Mesmo quando o
sujeito acredita ser possível a experiência da relação sexual, o gozar do corpo do Outro se depara com um
impasse, um impossível, uma não relação. (p.74)

Por outro lado, esse não saber instintual sobre o sexual abre um lugar para a invenção simbólica
pelo sujeito.
O autor aponta que nenhuma palavra responde ao que se modifica no corpo púbere, nem ao
encontro com o Outro sexo. “Esse real, no entanto, suscita o despertar de fantasias e sonhos que
conduzem o sujeito a certo exílio.” (Lacadée, 2011, p.75). O que o autor propõe aqui é que, ao
mesmo tempo em que os sonhos são necessários para que o encontro com o
Outro sexo seja possível, ele não viabiliza a relação sexual, pois “esse real suscita, em nome da
causa, o gozo das fantasias que afastam tal possibilidade” (p.75).
Antes do exílio do adolescente, temos que lembrar, primeiramente, do exílio
fundamental do sujeito que, ao se situar como falasser na linguagem, exila-se da natureza do
ser vivo e renuncia ao gozo primitivo, para poder entrar na linguagem. Sobre o exílio
adolescente, Lacadée (2011) aponta:

Devido ao real da puberdade, o sujeito é exilado de seu corpo de criança e das palavras da infância, sem
poder dizer o que lhe acontece. O paradoxo com que se defronta em seu encontro com o Outro sexo é
dado, então, pelo exílio de seu próprio gozo, que em vez de se relacionar com o Outro, exila-o ainda mais
numa solidão que não pode traduzir em palavras. (p.75)
43

Zanotti e Besset (2007) acrescentam que o encontro com o sexual, além de despertar o
adolescente dos sonhos, o desperta para o mal estar, pois este será sempre marcado pelo
desencontro. Isso aponta, para cada sujeito, seu desamparo fundamental e a não completude. O
estranhamento com o próprio corpo também é um dos aspectos para esse despertar do mal estar,
pois “com as transformações do corpo, é possível o acesso à realização das fantasias -
incestuosas - relacionadas ao encontro com o sexual.” (p.53). As autoras indicam, então, que a
escolha de objeto implica a re-vivência do complexo de Édipo, portando um mal-estar inerente.
Elas utilizam o “troumatisme”, neologismo forjado por Lacan para dizer do trauma na
puberdade. O troumatisme é a junção do trou, que significa buraco (em francês) com o
traumatisme – trauma. É um trauma que surge frente ao encontro com esse vazio, esse buraco
de significação.
Frente a isso, cabe ao adolescente inventar, pela linguagem, um modo de nomear o que
lhe acontece de forma singular, sendo sua tarefa inventar esse enlace, orienta Lacadée (2011).
Ele aponta também que a puberdade apresenta todas as características de um sintoma. Trata-se
do que Stevens (2004) forja ao dizer que a adolescência é uma resposta sintomática à puberdade,
a partir de um seminário em que Jacques-Alain Miller situa o sintoma como resposta metafórica
à inexistência da relação sexual:

Ʃ Adolescência

ϕ Puberdade

Assim, os autores fazem uma diferenciação entre a puberdade, que consiste nas transformações
corporais, e a adolescência, que será a resposta criada pelo adolescente para responder às essas
transformações para as quais não há uma resposta pronta. Stevens (2004) expõe sete
possibilidades exemplificativas de respostas sintomáticas que o adolescente pode dar.
A primeira resposta é em relação ao saber, havendo aí duas posições que podem ser assumidas:
uma seria a posição positiva, quando o adolescente põe-se a estudar, buscando no saber sobre o
mundo uma substituição ao não saber sexual. A segunda posição seria negativa, quando há um
abandono do saber, visto que ele não responde à única questão realmente em jogo. A segunda
possibilidade apontada por Stevens (2004) são as identificações simbólicas ou imaginárias que
fundamentam os grupos, que podem aparecer na adolescência como resposta. Temos ainda a
44

passagem ao ato e o acting out10, que podem surgir como respostas à falha na fantasia construída
na infância frente às novas problemáticas púberes. Retomando Lacan no Seminário X sobre a
angústia, Stevens relembra que o que faz barreira à angústia é o sintoma, e que, quando ele
falha, temos o acting out e a passagem ao ato como a última barragem a ela.
A quarta possibilidade de resposta é o pai como sintoma. Remetendo ao Homem mascarado
como uma das figuras do Nome-do-Pai, Stevens (2004) aponta que “é um pai de substituição
sólido, como se pode encontrar sob a forma de um professor e que serve como sintoma. É o pai
como sintoma” (p.36). Aqui, o autor remete-se a Melchior, que estava quase sendo levado para
a morte por Moritz, mas que não passa ao ato após a intervenção do Homem mascarado. No
mundo atual, entretanto, o declínio da função paterna é de estrutura, uma vez que na lógica do
“para todos” do mundo globalizado, não há mais o lugar da exceção. Essa forma de organização
contemporânea que busca que todos sejam iguais gera, no entanto, seu oposto, que é a própria
segregação. Com isso, tem-se um ciclo de violência, que é um misto do declínio da função
paterna na contemporaneidade com a recusa em responder a isso, a partir do declínio da
virilidade. A esse declínio da função paterna, temos a ascensão da religião como forma de
resgatar o pai simbólico da lei, e o fundamentalismo, que é uma tentativa de buscar um pai
gozador, senão até o pai da horda, diríamos. Esta tem sido, também, uma resposta construída
por alguns adolescentes.
A bulimia e a anorexia, sintomas orais da demanda de amor, são outras duas respostas
sintomáticas que levam principalmente as moças a corpos esquálidos, sem forma, e à
interrupção da menstruação numa tentativa de recusar a sexuação.
Por último, Stevens (2004) traz a toxicomania como uma forma por meio da qual o sujeito
adolescente pode encontrar o gozo fora do sexo, não precisando assim, embaraçar-se com a
sexuação. Este é um sintoma bastante sólido, pois além da relação com um gozo solitário, ele
dá ao sujeito uma identificação como toxicômano.
Com isso, concluímos que cada adolescente terá que dar sua resposta singular a esse
momento tão precioso que é a adolescência como uma solução sintomática à puberdade. No
entanto, como vimos com Freud (1905/2006) e com Lacan (1957-58/1999) há uma diferença
na sexuação feminina e masculina. As meninas, Freud nos mostrou, precisam de um esforço a
mais, e por isso dedicamos a próxima seção às especificidades do tornar-se mulher.

10
Acting out e passagem ao ato são dois tipos diferentes de resposta. Lacan (1962-63/2005) afirma que o acting
out é o oposto da passagem ao ato, pois ele é orientado para o Outro, “é, em essência, a mostração, a mostragem,
velada, sem dúvida, mas não velada em si.” (p. 138). Ao contrário, a passagem ao ato, que tem como paradigma o
suicídio, é a saída de cena, sem endereçamento, quando o sujeito é totalmente apagado.
45

3.2 Freud e o tornar-se mulher.

A partir da discussão sobre a adolescência, concluímos que a relação do sujeito com a assunção
do seu sexo se dará a partir da significação fálica resultante do Édipo, mas só será assumida na
puberdade, quando haverá a escolha de objeto de amor e um novo despertar pulsional. Nesta
dissertação, iremos tratar das posições femininas, visto que ser homem ou mulher é uma questão
de assumir uma posição na partilha dos sexos. Iniciaremos a discussão com Freud, que chegou
a nomear as mulheres como “o continente negro” (1926/2006, p.212) da psicanálise,
encontrando limites em sua abordagem sobre a feminilidade ao tentar ler o fenômeno por meio
da lente fálica. Ao mesmo tempo, ao abordar o desejo feminino, Freud demonstra que o
falocentrismo não elucida todo o mistério, deixando, quem sabe, já uma pista aberta para a
elaboração lacaniana do não-todo e do gozo além do falo, que veremos no próximo capítulo.
Na realidade, Freud só pôde se interrogar sobre o inconsciente a partir das queixas de
suas pacientes mulheres. No entanto, ao longo da teorização psicanalítica, ele se deparou com
o enigma do feminino, e no decorrer de sua obra, sugeriu três opções a quem quisesse saber
mais sobre as mulheres: consultar a própria experiência de vida, aguardar os avanços da ciências
ou, então, consultar os poetas (Freud, 1933/2006).
Segundo a nota do tradutor inglês da coleção standard das obras completas de
Sigmund Freud (no texto “Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os
sexos”, de 1925), o fundador da psicanálise, em relação ao complexo de Édipo e ao
desenvolvimento da sexualidade, ora equiparava os acontecimentos femininos aos masculinos,
ora reconhecia que não poderia dar explicação ao fenômeno da sexualidade feminina. No
entanto, ao verificar e valorizar a existência de um período pré-edipiano na menina, Freud
(1925/2006) não mais supõe que a situação edipiana possa ser equiparada entres os homens e
as mulheres.
Antes de desenvolver esse argumento em Freud, é importante destacar que, em 1923a,
Freud busca reparar alguns equívocos em relação à sua teoria do desenvolvimento sexual
infantil. Ele indica que não é apenas a escolha de objeto que aproxima a vida sexual infantil da
46

vida adulta11, mas que a primazia dos órgãos genitais também existe na infância, não com a
conjugação total das pulsões genitais, mas em relação a um interesse das crianças sobre os
genitais. Mantendo o órgão masculino como central para ambos os sexos, ele aponta que “o que
está presente, portanto, não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do falo”
(p.158). Com isso, ele faz uma diferenciação entre o falo como significante12 que articula a
diferença sexual e o órgão pênis.
André (1987) assinala que, nesse texto, Freud traz uma fineza em sua tese, ao indicar
que haveria um sexo único, pois ele aponta que o menino constata, sim, a falta do órgão na
menina, “mas vai encobri-la, fazendo da falta um modo de existência do falo” (p.12). Com isso,
Freud mantém a existência de apenas um sexo, o falo, mas sustenta que pode haver duas
maneiras de manifestação em relação a ele: pela presença ou pela ausência. Sobre o
desconhecimento do sexo feminino, a questão não gira em torno de haver um desconhecimento
da materialidade da vagina como órgão feminino, e sim que a consciência dessa existência não
significa que haja no inconsciente um significante do sexo feminino. É apenas um pedaço do
corpo qualquer, orienta-nos o autor.
Ao investigar a constituição da sexualidade humana, Freud (1924a/2006) busca elaborar
as razões pelas quais ocorre a dissolução do complexo de Édipo. Ele tem clareza de que é o
complexo de castração que coloca fim ao Édipo dos meninos, visto que o menino faz a escolha
narcísica de salvar seu pênis em detrimento de manter a catexia libidinal em relação à mãe como
objeto de amor. Após essa escolha, o menino vira as costas para o complexo de Édipo e as
catexias objetais são substituídas pela identificação ao pai, sendo a autoridade dos pais
introjetada no supereu. O complexo edípico salva o pênis para o menino, mas também paralisa
sua função, introduzindo-se, assim, o período de latência.
A respeito das meninas, Freud (1924a/2006) escreve que:

Nesse ponto, nosso material, por alguma razão incompreensível, torna-se mais obscuro e cheio de lacunas.
Também o sexo feminino desenvolve um complexo de Édipo, um supereu e um período de latência. Será
que também podemos atribuir-lhe uma organização fálica e um complexo de castração? A resposta é
afirmativa, mas essas coisas não podem ser as mesmas como são nos meninos. (p.197)

Em relação ao complexo de castração, há uma diferença essencial entre os sexos, já que


para o menino há uma ameaça, enquanto para as meninas a castração é percebida como um fato.

11
No sentido de que a escolha de objeto na vida adulta será apoiada nas matrizes infantis.
12
Para esclarecer, Freud não usa o termo significante em sua obra, porém, optamos por usar esse termo nesta
passagem por acreditar que, apesar de não ter acesso a ele, Freud já adianta essa proposição que será desenvolvida
apenas com Lacan.
47

Enquanto os meninos só dão valor à visão do órgão sexual feminino castrado a partir das
admoestações verbais, “a menina se comporta diferentemente, faz seu juízo e toma sua decisão
no instante. Ela o viu, sabe que não tem e quer tê-lo” (Freud, 1925/2006, p.281), caindo assim
vítima da inveja do pênis, penisneid, termo central da teorização freudiana sobre a feminilidade.
A inveja do pênis é mesmo o que Freud (1936/2006) vai apontar como o obstáculo para o final
de análise das mulheres. Constatada a ausência do pênis, a menina busca explicá-la, primeiro,
como uma punição pessoal, mas após descobrir a universalidade dessa ausência, passa, assim
como o menino13, a desprezar o sexo feminino, “um sexo inferior em tão importante aspecto”
(Freud, 1925/2006, p.282). Se não há o temor da castração, o que faria a menina atravessar e
dissolver o complexo de Édipo? E ainda, quais as razões pelas quais a menina abandonaria a
mãe, que assim como se dá no sexo oposto, é seu primeiro objeto de amor? É a partir dessas
perguntas que Freud investiga o período pré-edipiano das meninas e, em 1931, dá corpo a essa
discussão.
O período pré-edípico é caracterizado pela vinculação amorosa da menina com a mãe,
visto que “também o primeiro objeto de uma mulher tem que ser a mãe; as condições primárias
para uma escolha de objeto são, naturalmente, as mesmas para todas as crianças”
(Freud,1931/2006). Conforme sabemos, a menina, em seu desenvolvimento sexual, comportase
como um menino durante a fase fálica, sendo o clitóris um órgão análogo ao pênis. No processo
de tornar-se mulher, ela recalca essa sexualidade masculina, muda de zona erógena para a
vagina, e, assim, “à mudança em seu próprio sexo deve corresponder uma mudança no sexo de
seu objeto” (p.237), passando da mãe ao pai como objeto de amor.
Abrimos aqui um parêntese para afirmar, então, que ser mulher não é algo que se dá a
priori. Há um tornar-se mulher, quando a menina dirige-se ao pai e muda seu órgão sexual do
clitóris para a vagina. Se, no início do desenvolvimento sexual, haveria uma equivalência entre
os sexos, “a mulher deve ser praticamente fabricada através de um longo trabalho psíquico”
(André, 1987, p.191).
O primeiro fator que levaria a menina a afastar-se da mãe, comum a ambos os sexos, é
o ciúme infantil, que ilimitado, exige a posse exclusiva da genitora. Porém, a razão central e
mais forte para esse afastamento tem relação com o complexo de castração e é “a censura por a
mãe não ter lhe dado um pênis apropriado, isto é, tê-la trazido ao mundo como mulher” (Freud,
1931/2006). Isso já havia sido adiantado, quando Freud (1924a/2006) aponta, como uma das

13
Freud (1924a/2006) indica que existem duas reações possíveis do menino quando ele constata a ausência do
pênis nas meninas: a primeira é o horror à “criatura mutilada”, e a segunda, o desprezo por ela.
48

conseqüências da inveja do pênis, o afastamento da menina da mãe, que lhe “enviou ao mundo
tão insuficientemente aparelhada” (p.283). Esse afastamento é, segundo a proposição freudiana,
um passo para o curso do desenvolvimento de uma menina. Trata-se, além da mudança de
objeto, de uma inibição dos impulsos ativos com aumento dos impulsos passivos, já que as
tendências ativas são mais afetadas pela frustração sofrida pela menina em relação à constatação
de sua castração desde sempre consumada. Já a passagem da mãe ao pai como objeto de amor
é realizada com a ajuda dos impulsos passivos, iniciando, desse modo, o período edipiano.
O Édipo feminino, portanto, é introduzido pelo complexo de castração. Constatada a
universalidade da privação feminina em relação ao pênis, e sendo a mãe afastada como objeto
de amor, a menina parte em busca do pai a fim de que este possa lhe dar o que lhe falta.
Assim, “a libido da menina desliza para uma nova posição ao longo da linha – não há outra
maneira de exprimi-lo da equação ‘pênis-criança’” (Freud, 1931/2006, p. 284). Essa operação
de substituição, no entanto, não apaga o núcleo da posição feminina em Freud, que é a
centralidade da inveja do pênis em sua vida psíquica.
Freud (1933/2006) aponta três saídas para a menina em relação à penisneid: a primeira
é a inibição da sexualidade, a segunda, o complexo de masculinidade, e a terceira, a saída à
feminilidade normal. Em relação à primeira saída, Freud relembra que o primeiro prazer é o
prazer gerado pelo órgão fálico, com a excitação clitoridiana. Contudo, ao constatar-se castrada,
a menina repudia seu pequeno órgão e nega qualquer prazer advindo dele, pois ele está muito
aquém do órgão do menino. Esse também é o caminho inicial da saída à feminilidade normal,
caso não haja perda de demasiados elementos no recalque e, assim, a menina consiga voltar-se
para o pai - o que não ocorre, no entanto, nessa primeira saída frente à inveja do pênis, na qual
a mulher fica insensível. São necessários vários processos de elaboração na complexa assunção
da sexualidade feminina, como estamos constatando.
Já em relação ao que Freud (1933/2006) nomeia como complexo de masculinidade, a
menina recusa-se a se reconhecer castrada e “exagera sua masculinidade prévia, apega-se à sua
atividade clitoridiana e refugia-se numa identificação com sua mãe fálica ou com seu pai.”
(p.129). Ele ainda ressalta que a homossexualidade feminina raramente é continuidade da
masculinidade infantil, e indica que o inevitável desapontamento com o pai pode forçar a
menina a retornar a tal complexo.
A saída pela feminilidade normal se dá, então, quando, com ódio da mãe, a menina volta-
se para o pai, esperando obter dele o pênis negado pela mãe. “No entanto, a situação feminina
só se estabelece se o desejo de ter o pênis for substituído pelo desejo de um bebê, isto é, se um
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bebê assume o lugar de pênis, consoante uma primitiva equivalência simbólica.” (Freud,
1933/2006, p.128). Aí, o desejo feminino é identificado como sendo, por excelência, o desejo
do pênis. André (1987) traz a seguinte indicação: tornando a inveja do pênis como a
problemática feminina central, e colocando o desejo feminino como único, Freud estaria
tentando reunir as mulheres num conjunto, o que veremos, com Lacan, não ser possível. É
exatamente nesse ponto que Freud estanca, mantendo enigmática a solução feminina. Dessa
forma, percebemos que Freud erige sua tese sobre a sexualidade feminina tendo como
referencial o falo e a centralidade da inveja do pênis na mulher, aproximando, como que em
equivalência, a feminilidade da maternidade. Com isso, uma tomada de posição feminina
autêntica dependeria de que a mulher tivesse um parceiro. Ainda, Freud (1925/2006) indica que
o sentimento de inferioridade e o ciúme são mais duas conseqüências da inveja do pênis na
menina, sendo estruturais na mulher.
Outra pontuação de Freud sobre a feminilidade está relacionada à discussão sobre o
masoquismo, em 1919 e em 1924. Laurent (2012) ressalta que apesar de Freud trazer as
perversões como constituintes da sexualidade humana, ele dá ao masoquismo (uma forma de
perversão) a dignidade de ser algo feminino. Não que Freud tenha nomeado a mulher de
masoquista ou perversa, mas sim que o fenômeno se particulariza como feminino. O autor
assinala ainda que o fundador da psicanálise rompe com o mandatário da época, em que o
masoquismo estava sob o signo de exclusivo dos homens, e, com isso, aponta que as meninas,
à sua maneira, também têm acesso à fantasia masoquista. Vejamos.
Em 1919, Freud (1919/2006) trabalha a fantasia de espancamento infantil a partir de
seis casos, quatro de mulheres e dois de homens, indicando que essa fantasia de estar sendo
espancado é transestrutural, ocorrendo tanto na histeria como na neurose obsessiva. A fantasia
em questão é composta por três tempos, e aqui trabalharemos apenas a fantasia das meninas,
que se diferencia da dos meninos.
No primeiro tempo, pertencente a um período muito primitivo na infância, a menina
fantasia que uma criança é espancada. Tanto o agente como o objeto da intervenção de
espancamento estão indeterminados a princípio. No entanto, após a análise, Freud
(1919/2006) percebeu que, “mais tarde, esse adulto indeterminado torna-se claro e
indeterminadamente o pai da menina” (p.200). Este tempo é lembrando conscientemente. No
segundo tempo, a fantasia muda para “estou sendo espancada pelo meu pai”. O agente e o objeto
estão identificados e a fantasia é masoquista. Esse tempo não é lembrado conscientemente,
sendo uma construção feita em análise. No terceiro tempo, não é o pai que bate, mas sim um
50

substituto, e quem apanha não é a criança que fantasia, mas outras crianças, sendo, em geral, na
fantasia das meninas, os meninos que apanham.
No primeiro tempo, ainda ligada ao amor incestuoso ao pai, a menina elabora: “ele só
ama a mim, por isso bate em outra criança”. Para passar ao segundo tempo, há uma inversão,
em razão do sentimento de culpa: “o sentimento de culpa não pode descobrir um castigo tão
severo do que a inversão desse triunfo: ‘Não, ele não ama você, pois está batendo em você’”
(Freud, 1919/2006, p. 204). Essa inversão só se faz possível por ter uma parcela do amor genital
ao pai em questão, e o “meu pai me ama”, por regressão, torna-se “o meu pai me bate”.

Não é apenas o castigo pela relação genital proibida, mas também um substituto regressivo daquela
relação, e dessa última fonte deriva a excitação libidinal que se liga à fantasia a partir de então, e que
encontra escoamento em atos masturbatórios. Aqui, temos, pela primeira vez, a essência do masoquismo
(Freud, 1919/2006, p.205).

Sobre a terceira fase, a criança torna-se expectadora do ato de espancamento, enquanto o pai é
encarnado em figuras substitutivas. Apesar da criança não ser a que bate, a fantasia, nesse
tempo, é, em sua forma, sádica. O fato de nesse terceiro tempo serem quase invariavelmente
meninos os espancados faz com que tenha havido pela menina um abandono do seu papel
feminino, ativando, assim, seu complexo de masculinidade, ao querer ser menino.
Freud (1919/2006) aponta que não pode fazer um paralelo completo em relação à fantasia de
espancamento entre meninas e meninos, apesar de já ter acreditado que isso seria possível. Ele
acreditava nesse paralelo, pois nas fantasias masculinas, a posição masoquista do menino
coincidiria com uma posição feminina, uma vez que eles se transferem para o papel de mulher
em uma posição passiva. Nessa época, 1919, Freud ainda relacionava passividade com
feminilidade, mas em 1933, ele retifica essa posição, ao constatar que dedicar-se a fins passivos
é diferente de passividade, já que para atingir esse fim, é necessária uma grande quantidade de
atividade.
Em 1924, Freud traz com mais clareza a relação do feminino com o masoquismo ao propor três
formas de masoquismo: 1) Masoquismo erógeno: criado como condição imposta à excitação
sexual; 2) Masoquismo feminino, como expressão da natureza feminina; 3) Masoquismo moral,
como norma de comportamento.
O masoquismo feminino é o mais conhecido por Freud (1924b/2006) e o mais acessível às
observações. É interessante que essa forma de masoquismo tenha sido estudada a partir de
pacientes homens, frequentemente impotentes, nos quais a fantasia masoquista se conclui em
um ato de masturbação ou satisfazem-se em si próprias. Freud indica que essas fantasias podem
51

também servir para induzir a potência e levar o ato sexual a cabo. As fantasias têm como
conteúdo manifesto o sujeito sendo amarrado, maltratado, sujado, forçado à obediência, como
se o masoquista quisesse ser tratado como uma criança desamparada e levada. No entanto,
existem fantasias mais elaboradas que colocam o sujeito em uma

situação caracteristicamente feminina; elas significam, assim, ser castrado, ou ser copulado, ou dar a luz
a um bebê. Por essa razão, chamei essa forma de masoquismo, a potiori, por assim dizer, de forma
feminina, embora tantas características apontem para a vida infantil. (Freud, 1924b/2006, p.180)

Com isso, Freud (1924b/2006) vai indicar que a posição feminina é encontrada nessa situação
masoquista, e não busca, em seu texto, dizer que as mulheres são masoquistas. Dar a luz a um
bebê é, para Freud, a saída mais feminina que pode ser encontrada por uma mulher. Assim,
embora estudada a partir de fantasias masculinas, essa forma de masoquismo se refere ao
feminino, dada a tomada de posição do sujeito nelas. Essa forma de masoquismo dito feminino
baseia-se no masoquismo erógeno (ou primário).
O masoquismo erógeno deve ser entendido a partir da vinculação da pulsão de morte com a
libido. A libido tem a função de tornar a pulsão de morte inofensiva ao eu e realiza isso
desviando-a para objetos do mundo externo. Desse modo, uma parte da pulsão de morte é
colocada a serviço da função sexual sob forma de sadismo. No entanto, há uma porção pulsional
que não se dirige para objetos externos “e, com o auxílio da excitação sexual acompanhante
acima descrita, lá fica libidinalmente presa. É nessa porção que temos que identificar o
masoquismo original erógeno.” (Freud, 1924b/2006). O masoquismo secundário se daria
quando, após dirigida para fora, a pulsão de morte fosse novamente introjetada no eu. Esse
masoquismo seria, assim, acrescentado ao original.
Os masoquismos acima trabalhados têm como condição de acontecimento o fato de estarem
relacionados a pessoas amadas, o que os difere, em muito, do masoquismo moral. Este tem com
a sexualidade uma relação afrouxada, o que importa é apenas o sofrimento em si. “O verdadeiro
masoquista sempre oferece a face onde quer que tenha oportunidade de receber um golpe.”
(Freud, 1924b/2006, p.183). Este seria, então, o verdadeiro masoquismo.
A partir dessa explanação, podemos concluir que, para Freud, a feminilidade é um devir que
exige das mulheres um elaborado trabalho psíquico. A não resposta sobre o enigma da
feminilidade, que fica evidente quando Freud (1933/2006) orienta a todos que desejam saber
mais sobre as mulheres que procurem os poetas, aproxima a mulher do real, como impossível
de dizer. Achamos importante trazer brevemente a discussão sobre o masoquismo para
52

desmistificar um pouco a relação direta feita entre a mulher e uma posição masoquista. Como
veremos com Lacan, essa relação pode mesmo não passar de uma fantasia masculina.
Buscamos, neste capítulo, articular dois eixos fundamentais de nosso trabalho: a adolescência
e a feminilidade. O que podemos constatar é que ambos são um devir que exige um elaborado
trabalho psíquico. Na adolescência, o encontro com o Outro sexo é algo que coloca o sujeito
numa posição de exílio, sendo necessário aí criar uma resposta singular. E do lado das mulheres,
apostamos que o trabalho é maior. Além de uma resposta para o enigma do encontro com o
sexual, há um enigma com o próprio sexo, enigma que nem mesmo Freud, com todo seu esforço,
conseguiu esclarecer.
Freud deixa uma via aberta para o estudo sobre as mulheres. A lente fálica não é
suficiente para isso, e Lacan responde muito bem à abertura deixada pelo fundador da
psicanálise. Seguiremos no próximo capítulo com Lacan, buscando entender as vicissitudes do
processo de feminização, aliando a isso a posição feminina nas parcerias amorosas, até
chegarmos à formalização lógica com a tábua da sexuação.

4. AS POSIÇÕES FEMININAS E SUA RELAÇÃO COM O AMOR: A FORMALIZAÇÃO


LACANIANA

Posicionar-se como homem ou mulher, indica Lacan (1971/2009), é uma tarefa que se coloca
para todos os seres falantes.

O importante é isto: a identidade de gênero não é outra coisa senão o que acabo de expressar com estes
termos “homem” e “mulher”. É claro que a questão do que surge precocemente só se coloca a partir de
que, na idade adulta, é próprio do destino dos seres falantes, distribuírem-se entre homens em mulheres.
Para compreender a ênfase depositada nessas coisas, nesse caso, é preciso nos darmos conta de que o que
define o homem é sua relação com a mulher, e vice-versa. Nada nos permite abstrair essas definições do
homem e da mulher da experiência falante completa, inclusive nas instituições que elas se expressam, a
saber, no casamento. (p.30-31)
53

Com isso, vemos que a definição de homem ou mulher vai além do real biológico, sendo da
ordem do semblante, quando o parecer-se homem tem como correlato dar sinais à menina de
que o é. Usaremos, em alguns momentos, por facilidade de escrita, os termos homem e mulher
para dizer da posição feminina e masculina.
No final da década de 50 e início da década de 60, Lacan buscou elucidar um ponto que ficou
encoberto na obra de Freud: a feminilidade. No começo de sua discussão, Lacan a elaborou
orientado pela centralidade da castração na vida psíquica, e como consequência, em relação ao
falo, tomando a parceria amorosa na perspectiva de um ter e o outro ser o falo. Entretanto, já na
década de 70, quando se dedica às formalizações sobre o real e o gozo, Lacan passa a discutir o
feminino não em relação a um a menos, a uma falta, mas em relação ao a mais, a um gozo não-
todo cifrado pela significação fálica.
Ao longo da escrita desta dissertação, constatamos que a formalização sobre o feminino
não poderia se fazer desvinculada da posição assumida na parceria amorosa, uma vez que os
casos estudados, que balizam toda a discussão teórica e circunscreve nosso objeto de
investigação, passam justamente por essa relação entre o tornar-se mulher e a parceria
amorosa.
Não é nosso objetivo abarcar toda a formulação lacaniana sobre o amor, mas, sim, a
relação do feminino e sua posição na parceria amorosa, bem como a relação não harmônica
entre os sexos. Indica-nos Rosa (2010) que se a forma de se pensar a mulher foi alterada, isso
tem consequência na forma de se pensar o amor para ela. A partir disso, selecionaremos os
pontos essenciais desta discussão e trabalharemos principalmente a partir dos seguintes
seminários e escritos: “A significação do falo” (1958/1998), “Diretrizes para um Congresso
sobre a Sexualidade feminina” (1960/1998), “O Seminário, livro 8 – A transferência”
(196061/1992), “O Seminário, livro 10 – A angústia” (1962-63/2005) “O seminário, livro 20

Mais, ainda” (1972-73/ano), “Televisão” (1975/2003) e “O aturdito” (1972/2003). A estes
serão somadas passagens de outros textos e outros seminários, assim como produções de
comentadores lacanianos.

4.1. A significação fálica e a mascarada: a mulher e o fazer-se de objeto na parceria amorosa


54

Em A significação do falo, Lacan (1958/1998) ultrapassa o falocentrismo freudiano, mas


mantém a centralidade da referência fálica na discussão da constituição do homem e da mulher.
Ele indica, nesse texto, que o complexo de castração tem uma função de nó não apenas na
estruturação dos sintomas, mas também na instauração de uma posição em relação ao sexo.
Lembramos que esse texto é contemporâneo ao seminário As formações do inconsciente, que
trabalhamos no capítulo anterior, no qual Lacan (1957-58/1998) localiza a sexuação em relação
ao complexo de Édipo.
O falo é elevado à dignidade de significante. Nesse texto, o significante recebe uma
definição interessante: é aquilo que “tem função ativa na determinação dos efeitos em que o
significável aparece sofrendo sua marca, tornando-se através dessa paixão, significado.”
(p.695). Em outros termos, é a partir do falo que, na sua relação com a sexualidade, o sujeito
vai assumir uma posição feminina ou masculina.
Diferenciando o desejo da necessidade e da demanda, apontando-o como aquilo que se
apresenta no homem como um rebento, tendo como características a errância e o paradoxo,
Lacan (1958/1998) indica que o falo é o significante privilegiado que dá a razão do desejo.
Ele é a marca do desejo “com a ameaça ou a nostalgia da falta-a-ter” (p.701), a ameaça, no caso
dos meninos, e a nostalgia, no caso das meninas. Bessa (2012), seguindo a orientação lacaniana,
indica que o termo razão é utilizado na acepção matemática, que significa média, razão extrema:
“Razão é aquilo que tem uma medida comum e permite uma proporção justa em uma operação
de divisão” (p.47). Assim, o falo é tomado como o denominador comum para os sexos, criando
uma ilusão de divisão harmônica entre eles: um tem e o outro é o falo.
Lacan (1958/1998) substitui o “não ter” da formalização freudiana sobre a mulher em
sua relação com o falo pelo “ser”, ser o falo do lado da mulher:

Por mais paradoxal que possa parecer, essa formulação é para ser o falo, isto é, o significante do desejo
do Outro, que a mulher vai rejeitar uma parcela essencial de sua feminilidade, nomeadamente todos os
seus atributos na mascarada. É pelo que ela não tem que ela pretende ser desejada, ao mesmo tempo que
amada. Mas ela encontra o significante de seu próprio desejo no corpo daquele a quem sua demanda de
amor é endereçada (Lacan, 1958/1998, p.701).

Bessa (2012) assinala que “ser o falo” é uma substituição metafórica ao fato de não têlo,
e que essa substituição só se dará “quando transforma o não ter em um bem que desperte o
desejo do homem em possuí-lo. A falicização do corpo de uma mulher passa por esse registro,
é uma solução pela via da mascarada” (p. 48). É a falicização de seu corpo o que sustenta a
fantasia masculina, no entanto, é importante que a mulher não tenha uma identificação
55

imaginária ao falo. Então, surge um paradoxo: ao mesmo tempo em que a posição feminina
apresenta o valor fálico por meio da mascarada, não se pode acreditar nela. É aí que se localiza,
segundo Laurent (2012), o saber operar com o nada.
A noção de mascarada é tomada a partir do texto da psicanalista inglesa Joan Rivière
(1929/2005) - “A feminilidade como máscara”. A autora elabora como as mulheres que desejam
ascender à masculinidade “podem colocar uma máscara de feminilidade para evitar a ansiedade
e a vingança temida dos homens” (p.14). A discussão é realizada a partir de algumas mulheres
intelectuais, que além de serem bem sucedidas nos negócios, são boas donas de casa, esposas e
mães excelentes, têm cuidados com a aparência e satisfação sexual com os maridos. Este é o
caso de uma paciente americana, bem sucedida no trabalho e que tinha que falar para o público
como palestrante em algumas situações. Apesar de desenvolta, ela era tomada de uma grande
ansiedade após cada palestra e ficava preocupada se havia cometido algum erro, apresentando,
com isso, uma necessidade de reconhecimento.
O reconhecimento visado pela paciente possuía duas naturezas, embora, em qualquer
situação, fosse buscado em figuras paternas: primeiro, o reconhecimento direto e profissional,
e segundo,
um reconhecimento indireto, sob a forma de atenções sexuais por parte desses homens. De maneira ampla,
a análise de seu comportamento, após seu desempenho, mostrava que ela tentava obter investidas sexuais
daquele tipo especial de homem por meio de flerte e coquetismo14, de forma mais ou menos velada.
(Rivière, 1929/2005, p.15)

Após cada apresentação bem sucedida, a paciente entregava-se ao jogo de sedução.


Julgando o bom desempenho em suas exibições públicas como algo masculino, a paciente,
além de buscar o reconhecimento a partir de seus jogos de sedução, buscava garantir segurança,
como mulher castrada, mascarando-se com a feminilidade.
A feminilidade, portanto, podia ser assumida e usada como máscara, tanto para ocultar a posse da
masculinidade, como para evitar as represálias esperadas, se fosse apanhada possuindo-a; tal como um
ladrão que revira os bolsos e pede para ser revistado a fim de provar que não furtou os bens roubados
(Rivière, 1929/2005, p.16-17).

A isso, a autora acrescenta que não há uma diferença entre a feminilidade genuína e a
mascarada, e explica que, no caso de sua paciente, a capacidade da feminilidade sempre esteve
presente, mas ela era usada mais como artifício do que como uma forma primária de prazer

14
Coquetismo vem do termo coquete, do francês coquette. Segundo o dicionário Aurélio, coquete é aquilo que
procurar despertar admiração, tendo cuidados excessivos com a aparência física e a indumentária.
56

sexual. Se não há uma diferença entre elas, podemos concluir, então, que a máscara é intrínseca
à feminilidade.
Lacan (1957-58/1999) comenta o texto de Rivière e localiza a máscara como uma forma de
evitar a represália dos homens pela sua subtração desleal, ilícita da potência masculina. Ele lê
o caso com a autora, apontando que, após a mostra de sua potência fálica no campo do trabalho,
a paciente se mascarava com a feminilidade de duas formas, uma via jogo da sedução e
coquetismo, e outra sob a via sacrificial, própria também de uma posição feminina. Com isso,
é como se dissesse: “Vejam bem, eu não tenho o falo, sou mulher e puramente mulher” (p.266).
A mascarada não é uma simulação, “não é um traje que se tire atravessada a porta”
(Soler, 1998, p.205). É um efeito de véu, uma maneira pela qual a mulher vai se inscrever na
relação com o homem a partir da posição de fazer-se objeto causa de desejo. Soler (1998)
acrescenta que a mascarada é mais visível nas mulheres que nos homens, podendo se estender
até uma abnegação de seu ser. Aí, a autora faz uma diferenciação importante: oferecer-se como
objeto causa15 de desejo não é o mesmo que uma posição masoquista. A mascarada é o modo
particular com o qual a mulher se relaciona com o falo.
Quando Freud, nos textos de 1919 e 1924, aponta uma intimidade entre o masoquismo
e o feminino, ele não tenta explicar a mulher pela via masoquista. Soler (1998) nos adverte que
em seus textos posteriores, nos quais busca explicar a mulher, Freud não lança mão do
masoquismo para isso. Se Freud qualifica o masoquismo de feminino é em relação à sua gênese,
“se o sujeito termina por aspirar ser batido, é para ser como a mulher do pai” (p.211).
Há, portanto, uma diferenciação entre a posição masoquista e a feminina, bem colocada
por Lacan, em 1960, na seguinte pergunta: “Será que não podemos nos fiar no que a perversão
masoquista deve à intenção masculina, para concluir que o masoquismo da mulher é uma
fantasia do desejo do homem?” (Lacan, 1960/1998, p.740). Soler (1998) esclarece essa questão,
partindo do que há de comum entre as posições masoquistas e femininas: ambas ocupam a
posição de semblante de objeto. Aí, ela inclui o analista, que, em seu discurso, também ocupa
esse lugar de semblante. No entanto, na forma como cada qual faz esse semblante é que reside
a diferença central. O masoquista quer ser um objeto rebaixado, ele banca o dejeto; já a mulher
“veste-se de brilhante fálico para ser objeto agalmático” (Soler, 1998, p.216). O analista, por
sua vez, passa do status de agalma de sujeito suposto saber para o de rejeito no final da análise.

15
Em 1958, Lacan ainda usa o termo objeto de desejo. Aqui, optamos por já usar o termo objeto causa de desejo.
Quando trabalharmos o Seminário 10, iremos esclarecer essa passagem do objeto de desejo para o objeto causa de
desejo.
57

Agalma é um termo grego que vem de Agallo, que significa enfeitar-se, ornamentar-se,
explicita-nos Lacan (1960-61/1992), que vai dedicar uma lição de seu oitavo seminário ao
termo.
Laurent (2012) também busca marcar essa diferença, afirmando que Lacan contesta a
ideia de um masoquismo ligado ao ser da mulher. O autor faz uma digressão teórica para nos
levar à discussão sobre o gozo da privação no lugar de um masoquismo feminino. Privação é
uma noção lacaniana que visa dar conta de uma modalidade de gozo que se acessa ao se despojar
do registro do ter, sem que isso tenha relação com o masoquismo. Essa noção foi introduzida
por Lacan no fim dos anos 50 em resposta aos analistas da concepção anglosaxônica que
trabalhavam de forma equivocada a noção de frustração, articulando-a ao objeto, como se ao
acessar o objeto o desejo cedesse16. Lacan passa, então, a discutir a frustração em relação à
demanda e não ao objeto que se demanda. Deste ponto, parte para a discussão da privação num
nível ainda mais radical, ao dizer que há um nível em que não se demanda e que esse nível é o
do ser. Para Lacan, os meninos fabricam seu ser confrontando a ameaça de castração, enquanto
as meninas, por não terem o medo da ameaça, fazem seu ser livrando-se do ter, na privação,
orienta-nos Laurent (2012).
É o caso de uma mulher que, na análise, lembra de uma época na escola em que atirava
seus materiais fora e gostava muito disso, recebendo a admiração dos colegas. Na idade adulta,
tornou-se um sujeito que sofre por amor:

É que isso de que ela gozava era de ser privada de ter aquilo de que ela podia gostar, seus objetos. No
fundo, ela fabricava seu ser e seus companheirinhos reconheciam bem que ela se fabricava do prestigio,
se podemos dizer de seu ser, nessa espécie de plotatch. (Laurent, 2012, p.80)

Plotatch é uma cerimônia de luta por reconhecimento dos índios da América do Norte,
na qual cada um sacrifica mais que o outro. Essa paciente mostrava que “sacrificando seus
objetos para, sabe-se lá, que deus obscuro, ela fabricava seu ser” (Laurent, 2012, p.81). É nesse
ponto, no qual o sujeito feminino fabrica seu ser a partir da subtração do ter, que se encontra o
gozo da privação sem que haja relação com o masoquismo.

16
Os autores da psicologia do ego acreditavam que o acesso ao objeto era possível, o que Lacan contesta, em sua
retomada a Freud, indicando que o objeto é desde sempre perdido. Na psicanálise de orientação lacaniana não é
possível estabelecer uma relação direta com o objeto de desejo, pois o objeto da demanda não coincide com o
objeto do desejo.
58

Lacan (1956-57/1995) traz uma passagem sobre o plotatch, em seu quarto seminário.
Neste seminário, ele busca explicar o amor localizando-o no campo das trocas simbólicas e nos
apresenta uma importante elaboração sobre a posição feminina a partir do esquema do véu:

Figura 1 - Esquema do véu. (Lacan, 1956-57/1995, p.158)

O véu, a cortina, é o que melhor ilustra a situação fundamental do amor. O que Lacan (1956-
57/1995) visa demonstrar em relação ao amor é que o sujeito ama o nada. Esse nada é o que
está mais além do objeto e do qual o objeto torna-se suporte. Daí, torna-se clara a afirmação de
Lacan: “o que é amado no objeto é aquilo que falta a ele - só se dá o que não se tem” (p.153).
Com isso, podemos formalizar que enquanto o desejo está ligado ao objeto, o amor implica o
ser.
O amor está, nesse momento do ensino lacaniano, localizado no campo das trocas
simbólicas e, nesse campo, o que se transmite “é sempre alguma coisa que é tanto ausência
quanto presença” (Lacan, 1956-57/1995, p.155), sendo que aquilo que circula deixa sempre por
trás de si um signo de ausência. Nesse sentido, o falo como objeto de desejo existe para a mulher
como ausência.

No ato do amor, é a mulher que recebe realmente, ela recebe mais do que dá. Tudo nos indica, e a
experiência analítica o acentuou, que não existe posição mais captadora, até mais devoradora no plano
imaginário. Se isso é invertido na afirmação contrária, que a mulher se dá, é na medida em que deve ser
assim simbolicamente, a saber que ela deve dar alguma coisa em troca daquilo que recebeu, isto é, o falo
simbólico. [itálicos nossos] (Lacan, 1956-57/1995, p. 156)

Acrescenta-se que o amor é postulado como dom. Dom é, segundo a definição do dicionário
Aurélio: “1. Dádiva, presente. 2. Qualidade inata. 3. Mérito, merecimento. 4.
Poder” (p. 264). O dom, assim, só pode ser dado em troca de nada, é o princípio da troca no
amor.
Em outras palavras, o que faz o dom é que um sujeito dá alguma coisa de uma maneira gratuita; na medida
em que, por detrás do que ele dá, existe tudo o que lhe falta, é que o sujeito sacrifica para além do que ele
tem (Lacan, 1956-57/1995, p.143).
59

Temos, então, duas formas de se posicionar em relação ao falo e, portanto, duas formas de se
posicionar na relação amorosa: a forma fetichista e a forma erotomaníaca (Lacan, 1960/1998).
A forma fetichista de amor está ligada à masculinidade e transcende a simples escolha do
homem por uma mulher. Ao dizer “você é minha mulher”, que é a forma como o homem
constitui sua parceira, ele recebe de volta, na forma de mensagem invertida,
“eu sou teu homem”. Há uma proliferação no inconsciente do homem das mulheres-falo, fruto
de seu próprio desejo de falo, “no que se confirma que ressurge no inconsciente é o desejo do
Outro, ou seja, o falo desejado pela mãe” (p. 742). Essa forma é fetichista, pois o homem faz
um revestimento fálico da mulher, que vela o horror da castração. Com isso, podemos
compreender porque Lacan (1959/1998) afirma que a impotência é menos tolerada no homem.

Se, de fato, sucede ao homem satisfazer sua demanda de amor na relação com a mulher, na medida em
que o significante do falo realmente a constitui como dando no amor aquilo que ela não tem, inversamente
seu próprio desejo do falo faz surgir seu significante, em sua divergência remanescente, dirigido a “uma
outra mulher”, que pode significar essa falo de diversas maneiras, quer como virgem, quer como
prostituta. (Lacan, 1958/1998, p.701)

Já do lado feminino, Lacan (1960/1998) nomeia a forma de amar como erotomaníaca,


que aqui será seguida pela dúvida - “será que ele me ama?” - e não pela certeza, como se daria
numa estrutura psicótica. Dessa forma, o amor, no caso das mulheres, é marcado pela dúvida.
Quinet (2001) aponta, elucidando o texto de Lacan, uma duplicidade na posição feminina, na
parceria amorosa:

Figura 2 - Duplicidade da posição feminina na parceria amorosa. (Quinet, 2001, p.16)

Em frente ao véu do recalque, a mulher vai em direção ao parceiro sexual, onde ela pode
encontrar o significante de seu desejo – o falo, pois ela só o é na relação por não tê-lo.
Por outro lado, “é um amante castrado ou um homem morto (ou os dois em um) que, para a
mulher, oculta-se por trás do véu para ali invocar sua adoração” (Lacan, 1960/1998, p. 742).
Esse atrás do véu é nomeado por Lacan de íncubo ideal.
60

Íncubo é um tipo de demônio que vem possuir as mulheres à noite, durante o pesadelo,
também significa, em latim, incubare: estar deitado sobre, tomar posse, usurpar ou pesadelo.
Quinet (2001) esclarece que o íncubo é a figuração do pai morto. O pai, aqui, tomado como
guardião do gozo e agente da castração, sendo de onde advém uma ameaça de castração que
para a mulher é inoperante. Há um desdobramento do pai: por um lado, inoperante em relação
à castração e, portanto, impotente, e por outro, numa tentativa compensatória, aparece a figura
do pai ideal. Entendemos, aqui, que quando Quinet diz de uma inoperância do pai, ele está se
remetendo às formalizações lacanianas da década de 70, quando há a elaboração do gozo
suplementar do lado das mulheres. Esse gozo suplementar, regido pela lógica do não-todo, é
um gozo que ultrapassa a significação fálica.
A esse lado idealizado a mulher faz sua demanda de amor e pede por adoração. Dessa
forma, Quinet (2001) mostra que o gozo da mulher não está apenas ligado ao falo, mas antes,
“trata-se de um circuito que parte deste ponto atrás do véu e vai culminar no órgão masculino
desejado, que aparece em primeiro plano” (p.17). Ele aponta que Lacan já abre, em 1960, um
caminho, que será desenvolvido na década de 70, com o gozo feminino e a não submissão total
das mulheres à lógica fálica. Com isso, se o objeto de desejo das mulheres é o falo, o objeto de
amor está para além dele. Quando Lacan (1958/1998) diz que a mulher vai encontrar no corpo
daquele a quem endereça sua demanda de amor o significante de seu desejo, ele já separa o falo
como objeto de desejo e o homem, a quem a mulher se dirige, como objeto de amor. Assim,
podemos concluir que o amor se endereça ao ser, enquanto o desejo ao objeto.

4.2. Amante e amado: não há coincidência no par amoroso

Em seu oitavo seminário, Lacan (1960-61/1992) dedica-se ao estudo da transferência,


utilizando como referência o diálogo do texto “O Banquete”, escrito em 380 a.C. por Platão17.
O autor faz uma importante relação entre o amor e a experiência analítica, claramente em uma
referência a Anna O. e Breuer: “No começo da experiência analítica, vamos lembrar, foi o amor”
(Lacan, 1960-61/1992, p.12). O autor afirma que o amor interessa ao estudo da transferência na
medida em que é o problema do amor que nos permite compreender o que se passa na

17
Platão foi discípulo de Sócrates e tomou como sua a tarefa de escrever as ideias do mestre após este ter sido
condenado à morte.
61

transferência. Há uma confusão entre o fenômeno do amor e o da transferência, uma vez que
ambos conduzem à falta, o que tem relação com a sua afirmação “o amor é dar o que não se
tem” (p. 41).
Deste seminário, visamos três pontos fundamentais: a não relação harmônica no par amoroso,
a posição feminina e o apontamento sobre o agalma. Todavia, para isso, consideramos
importante apresentarmos brevemente o texto platônico. O banquete era uma cerimônia grega,
marcada por regras, de concurso íntimo, realizado entre pessoas da elite e na qual cada pessoa
presente dava sua contribuição a um tema eleito com um pequeno discurso. O tema escolhido
para o banquete de Platão foi o amor. Cabe esclarecer que, apesar de escrito por Platão, quem
narrou a ocasião a ele foi Apolodoro, que supostamente havia recebido a narração de
Aristodemo. Lacan (1960-61/1992) indica que, se há alguma mentira na história, ela “é uma
bela mentira” (p.36).
Na cerimônia, exigia-se que não se bebesse demais, o que demonstrava seu caráter de seriedade.
No entanto, a mesma é interrompida por Alcibíades que, bêbado, invade o espaço e passa a
discursar sobre o amor de forma escandalosa. Sócrates, por sua vez, foi um filósofo que deu
toda importância ao conhecimento, mas que, no entanto, ao falar do amor, não disse quase nada,
passando sua palavra para uma mulher: Diotima. Sobre o amor, Sócrates não o coloca em lugar
elevado, e toma a palavra enquanto falava Agatão, seu amado. Quem abre os discursos é Fedro,
colocando o amor no campo dos deuses.
Indica-nos Lacan (1960-61/1992) que “o amor grego nos permite retirar, na relação de amor,
os dois parceiros do neutro” (p. 41), ao ter criado duas funções existentes no casal: o érastès -
o amante e o éróménos - amado. O amante é localizado como o sujeito desejante, e o amado,
como aquele que tem algo no par amoroso. Então, surge a questão de saber se o que o amado
possui tem relação com o que falta no sujeito de desejo, e é aí que reside todo o problema do
amor. O que ocorre é que não há nenhuma coincidência no par amoroso: o que falta em um não
é o que existe no outro. Essa afirmação já não apontaria para o que é formalizado na década de
70 sobre a inexistência da relação sexual? Acreditamos que sim.
Apesar do desencontro na parceria amorosa, o par amante e amado faz do amor “um vínculo
contra o qual qualquer esforço humano viria se quebrar” (Lacan, 1960-61/1995, p.52). Dessa
forma, um exército feito de amantes e amados seria invencível, já que ambos representam um
para o outro alta autoridade moral, diante da qual não se cede. O extremo disso seria o amor
como princípio do sacrifício.
62

No discurso de Fedro, o amor é colocado no campo dos deuses. Ele conta que os deuses
comparam o amor de Alceste, Orfeu e Aquiles, para tentar eleger qual seria o melhor amor.
Ressalta-se que o amor grego é o amor homossexual, mas Fedro diz: “e quanto a morrer, só os
consente quem ama, não apenas homens, mas também as mulheres” (Platão,
2003, p.10), e fala de Alceste. Ela era casada com o rei Admeto e tinha com ele três filhos.
Admeto é sorteado pelas divindades das trevas para morrer e Alceste se oferece para morrer em
seu lugar, mesmo havendo outros que pudessem morrer em lugar do rei.
Lacan (1960-61/1992) indica que Alceste é a encarnação do amor e que substitui o ser de
Admeto na morte. “A substituição, a metáfora, de que lhes falava há pouco é aqui realizada no
sentido literal. Alceste se coloca, autenticamente, no lugar de Admeto” (p. 53-54). Há, aí, a
metáfora como mola do amor, um ser é colocado no lugar de outro ser. Aqui, não há a
transformação do amado em amante, como veremos em Aquiles, é como amante, desde sempre,
que Alceste se oferece para morrer no lugar do marido. Importante ressaltar que os deuses
permitem que Alceste retorne do mundo dos mortos, coisa rara, mostrando assim “que até os
deuses honram ao máximo o zelo e a virtude do amor” (Platão, 2003, p. 11), afirma Fedro. O
amor é um significante que opera como metáfora, como substituição. E a significação do amor
se dá na medida em que o amado se comporta como amante.
Orfeu, por sua vez, é autorizado por Plutão a descer ao Império dos mortos para buscar
sua mulher Eurídice, tendo como condição que não olhasse para trás até que chegasse à região
da luz. No entanto, corroído pela dúvida de estar mesmo sendo seguido por ela, olha para trás
e, com isso, ela desaparece. Sobre Orfeu, Lacan (1960-61/1992) diz que ele foi enganado pelos
deuses que não lhe mostraram sua mulher de verdade, mas sim um fantasma. Há uma diferença
entre “o objeto de nosso amor enquanto que encoberto pelas nossas fantasias e o ser do outro,
na medida em que o amor fica se interrogando para saber se pode alcançá-lo” (Lacan, 1960-
61/1992, p.53). Eurídice, assim, estaria no lugar de objeto, o objeto recoberto pelas fantasias do
amante, enquanto Alceste teria visado ao ser do amado, ao oferecer seu ser no lugar do ser de
Admeto.
Já Aquiles nos interessa aqui por ser a partir de sua história que podemos compreender
a significação do amor, quando o amado passa a se comportar como amante. Aquiles foi
escolhido pelos deuses para simbolizar o amor, e não Alceste, pois por estar na posição de
amado, seu sacrifício tornou-se mais admirável.

O que realmente mais admiram e honram os deuses é essa virtude que se forma em torno do amor, porém,
mais ainda admiram-na e apreciam e recompensam quando é o amado que gosta do amante do que quando
63

é este daquele. Eis por que Aquiles eles honraram mais do que Alceste, enviando-o às ilhas dos bem-
aventurados. (Platão,2003, p.11)

Aquiles, personagem do poema Ilíada de Homero, recebe a notícia de que seu amante
Pátroclo foi morto por engano em um combate com Heitor. Quem era visado por Heitor era ele
próprio. Enfurecido, Aquiles resolve se vingar. Sua mãe, Tétis, pede que ele renuncie à
vingança, pois somente assim sobreviveria à guerra, voltaria para casa e morreria de velhice.
No entanto, mesmo sabendo da sua iminente morte, Aquiles escolhe se vingar e mata Heitor.
Lacan (1960-61/1992) ressalta que Aquiles teve escolha e que sua escolha é tão decisiva quanto
o sacrifício de Alceste, tendo o mesmo valor de substituição do ser pelo ser, no entanto, com
Aquiles temos uma virada de posição. Se a princípio estava na posição de amado, ele passa a se
comportar como um amante, sendo essa a significação do amor. Daí, Lacan adverte que no par
erótico é do lado do amante que se encontra a atividade. O amor, portanto, é uma metáfora que
produz o acontecimento de fazer com que o amado comporte-se como amante, ou seja, quando
o amado passa, então, a sinalizar seu desejo pelo amante. Ainda nesse Seminário, há dois pontos
que nos interessam aqui: o primeiro refere-se ao objeto agalmático, e o segundo, à posição de
Alcibíades que faz a Sócrates “uma cena feminina” (Lacan, 1960-61/1992, p.160). Ele faz da
sua entrada no banquete uma irrupção, mudando as regras do jogo. Se antes faziam um elogio
ao amor, Alcibíades propõe que se faça um elogio ao outro, ao parceiro que está à sua direita.
Com isso, passam a falar do amor em ato.
A tentativa de Alcibíades é a de fazer com que Sócrates mostre a ele algum sinal de seu desejo,
que no passado não havia ficado escondido. Alcibíades foi o amado de Sócrates. O que estava
em jogo era, portanto, a metáfora do amor, ao passar, ele, de amado para amante. Por sua vez,
a posição de Sócrates era a de impassibilidade, ele não suporta a posição passiva de amado, e
por saber disso, por saber que o amor é essa metáfora, ele não ama. Mas o que há em Sócrates
que causa Alcibíades? “Há, pois, agalmata em Sócrates, e foi isso o que provocou o amor de
Alcibíades” (Lacan, 1960-61/1992, p.152).
Agalma é o objeto que possui as características de ser precioso, é o objeto agalmático que
mobiliza o desejo do amante, tendo como característica fundamental o fato de haver uma
submissão do amante àquele que possui o objeto agalmático. Não é ao ser que o desejo se dirige,
mas ao objeto, diferentemente do amor como testemunha Alceste e Aquiles. Lacan (1960-
61/1992) nos indica isso quando, no discurso de Sócrates, é pontuado que Alcibíades, na
realidade, dirigia-se a Agatão: “Mas Alcibíades deseja sempre a mesma coisa. O que ele busca
64

em Agatão, não duvidem, é este mesmo ponto supremo onde o sujeito é abolido na fantasia,
seus agalmata” (p. 161). Alcibíades faz a metáfora do amor e, por isso, é ele quem ama.

Por que ele quer ser amado? Na verdade, ele já o é, e sabe disso. O milagre do amor é realizado nele na
medida em que ele se torna o desejante. E quando Alcibíades se manifesta como amoroso, não é, como
diria, como uma mulherzinha. Porque ele é Alcibíades, aquele cujos desejos não conhecem limites;
quando se engaja no campo referencial, que é para ele o campo do amor, demonstra aí um caso notável
de ausência do temor de castração, em outras palavras, de falta total desta famosa Ablehnung der
Weiblichkeit [rejeição da feminilidade]. Todos sabem, com efeito, que nos modelos antigos os tipos mais
extremos de virilidade são sempre acompanhados de um perfeito desdém pelo risco eventual de se fazer
tratar de mulher, mesmo que por seus soldados, como aconteceu, vocês sabem, com César (Lacan, 1960-
61/1992, p.160).

Lacan, com isso, quer nos apontar que no amor é a posição feminina que está em jogo.
Rosa (2010), em seu trabalho sobre os transtornos amorosos, indica que colocar Alcibíades na
série de mulheres aponta para uma constatação que se impôs em seu trabalho: que o amor
feminiza. Ele tem efeitos feminizantes ao colocar o sujeito em relação com a falta e, ao não se
obter a complementaridade na parceria amorosa, isso poderia levar às mais transtornadas
atitudes. Aquiles representa bem isso ao matar Heitor, quando carrega arrastando dia e noite o
seu corpo, mostrando aí seu desvario.
O amor, neste momento da obra de Lacan (1960-51/1992), é colocado no campo
simbólico, como uma metáfora, e tiramos daqui algumas indicações que serão formalizadas na
década de 70: a não relação sexual e o ilimitado do amor feminino. Antes, porém, ainda que
não seja nosso objetivo abordar toda a teorização lacaniana sobre o amor, achamos válido trazer
a discussão do Seminário 10 sobre a articulação do gozo com o desejo e o amor.

4.3 Amor, desejo e gozo

Solano-Suarez (2007) indica que até o décimo seminário de Lacan, o objeto de desejo aparecia
como sendo alguma coisa visada pelo sujeito, até que Lacan derruba o engodo da
intencionalidade. O objeto a passa, então, a ser a causa do desejo e não a visada do sujeito.

Para fixar nossa meta, direi que o objeto a não deve ser situado em coisa alguma que seja análoga à
intencionalidade de uma noese. Na intencionalidade do desejo, que deve ser distinguida dele, esse objeto
deve ser concebido como a causa do desejo. (Lacan, 1962-63/2005, p. 114-115)
65

O objeto a é o que resta da operação de subjetivação, é o objeto para sempre perdido,


quando o sujeito (S), ainda num tempo mítico de puro gozo, constitui-se como sujeito de desejo
(S) a partir do lugar do Outro (A) como tesouro de significantes. O objeto a é, então, o dejeto,
aquilo que não foi assimilado na “significantização”, constituindo-se como a causa do desejo.
Ele não dá acesso ao gozo, mas sim ao Outro. Só podemos ter acesso ao Outro por meio do
objeto a.
De objeto do desejo, como algo a ser alcançado tal qual a cenoura que produz o
movimento do burro, o objeto a, na qualidade de resto de uma operação e causa para um sujeito,
reorienta toda a teoria da Psicanálise até então revista por Lacan. Ainda apoiado na ideia do
objeto perdido de Freud, Lacan dá um novo passo epistêmico, iniciando a conformação de um
conceito verdadeiramente lacaniano. A partir daqui, ele empreenderá esforços na busca da
formalização do objeto a, enquanto objeto causa do desejo, o que trará consequências diretas
sobre sua proposição acerca do feminino.
Assim, além de mudar o estatuto do objeto a, Lacan (1962-63/2005) traz um ponto de
virada em relação ao feminino, que será mais bem costurado dez anos depois, em seu vigésimo
seminário, a saber, que em relação ao desejo, à mulher não falta nada. O falo era, desde sempre,
o objeto de desejo em torno do qual a parceria amorosa se dava em sua vertente positiva. No
entanto, o gozo coincide com a detumescência do órgão pênis, uma função negativa. “É por
funcionar na cópula humana não apenas como instrumento de desejo, mas também como seu
negativo, que o falo se apresenta na função de a com o sinal de menos” (p.194), é o . E frente
a isso, em relação ao desejo, nada falta à mulher, a falta está do lado masculino.
Em sua articulação entre amor, desejo e gozo, Lacan (1962-63/2005) afirma que “só o
amor permite o gozo condescender ao desejo” (p. 197), ou seja, só o amor pode fazer passar do
gozo auto-erótico para a relação com o Outro como objeto a. É pela via do amor que o sujeito
(S) se forma, saindo da posição mítica de puro gozo (S). O gozo (sempre parcial) é auto-erótico,
goza-se no próprio corpo. Dessa forma, é o amor que pode permitir que se renuncie ao gozo do
próprio pênis e que se aceite um gozo mais difícil, em busca do desejo, entrando em sua cadeia
metonímica infinita. O que faz vínculo é o amor.
“Propor-me como desejante, eron, é propor-me como falta de a, e é por essa via que abro
a porta para o gozo de meu ser.” (Lacan 1962-63/2005, p.198). Essa citação de Lacan parece
uma forma de articular a relação entre desejo e gozo. O que ele propõe é que para me tornar
desejante, a falta do objeto precisa estar do meu lado, só há gozo com a castração. Goza-se,
portanto, a partir da lei. Só podemos desejar se o Outro torna-se meu objeto, o que causa
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angústia “justamente por eu não poder fazer dele mais que a, por meu desejo o “aizar”, se assim
posso dizê-lo” (p.199).
O que deseja a mulher, então, é poder usufruir do parceiro, o que o angustia, pois só
pode haver desejo com a castração. Ao objetivar o ser do homem, pois o que ela quer é seu
gozo, a mulher só pode atingi-lo castrando-o. Lacan (1962-63/2005) indica que, assim, a mulher
apresenta uma diferença no campo do gozo. Para ela, há uma frouxidão no nó do desejo. No
desejo do homem, o é o que está em jogo como termo central, e isso implica , em sua relação
com o objeto, que ele tenha que passar por uma negativização do falo e pelo complexo de
castração. Para a mulher, isso não está em questão. No ato da cópula, é o homem que joga com
o órgão, que detumesce no orgasmo, enquanto a mulher não tem que se haver com isso, por
isso, há essa diferença em relação ao gozo do homem e da mulher.
Isso não tira a mulher da relação com o desejo do Outro, ao contrário, é justamente isso
que ela enfrenta. Entretanto, para ela, o objeto fálico chega em segundo lugar. Lacan (1962-
63/2005) indica que não podemos considerar o Penisneid como o o termo final em relação às
mulheres. Para a mulher, o objeto, diferente do homem, não está ligado à falta. Com isso, não
há, para ela, nada a desejar no caminho do gozo. Lacan afirma que isso não lhes simplifica a
questão do desejo, “mas, enfim, interessarem-se pelo objeto como objeto de nosso desejo causa
menos complicações para elas” (p.200). Essa afirmação remete-nos mesmo à mulher fazendo-
se como objeto causa de desejo do homem. Lacan conclui mesmo que o gozo da mulher é maior
que o do homem. Por isso, elas estão mais próximas do real, “é que ao real não falta nada”
(p.205).
Aqui, encontramos as duas fantasias relativas às posições homem e mulher. O masoquimos
feminino, presente no texto de 1960, e o mito do Don Juan. A fantasia do masoquismo feminino
é a suposição masculina de que a mulher gozaria estando no lugar de objeto fetiche, não
colocando nada de seu desejo, pois é isso que angustia o homem. Já “Don Juan é um sonho
feminino” (Lacan, 1962-62/2005, p.212), pois nele não há a detumescência. Ele é o homem que
tem ( ) e no qual a sua relação com o objeto é apagada, já que não é um sujeito desejante. O
que está em jogo é que ele pode ter todas as mulheres, desde que tomadas uma a uma.
Concluindo, nesse Seminário, Lacan mais uma vez demonstra a radicalidade da dissimetria
entre os parceiros. Enquanto a mulher supera a angústia pelo amor, para o homem, o desejo da
mulher o angustia. Lacan também nos aponta que o amor pode fazer o gozo ceder de seu
imperativo auto-erótico e passar pelo desejo. Dessa forma, entendemos que o amor pode ser
tomado como um dos fundamentos do próprio laço entre os sujeitos e, mesmo que marcado pela
67

dissimetria, há o encontro. Ainda, o autor dá um passo em relação ao gozo feminino, mostrando


sua diferença em relação ao gozo masculino, o que culmina na formulação, no Seminário XX,
do gozo não-todo.

4.4 A Mulher não existe e a devastação

O seminário lacaniano “Livro XX - Mais, ainda”, ministrado nos anos de 1972 e 1973, é
o seminário das não-relações, orienta-nos Miller (2000), e nele diversas viradas acontecem na
obra de Lacan. O próprio conceito de linguagem sofre alteração com a invenção de lalíngua, a
fala antes do ordenamento gramatical, o que coloca a linguagem não mais como originária, mas
secundária. Há uma aliança originária entre o gozo e lalíngua, sob a forma do gozo do blábláblá,
ou seja, a palavra é um meio de gozo. As noções de grande Outro, símbolo fálico e Nome-do-
Pai passam a ser tomados como semblantes, com a função de conectores de elementos disjuntos.
É nesse seminário, ainda, que Lacan (1972-73/2008) traz dois aforismos polêmicos – “A mulher
não existe”, e seu corolário, “a relação sexual não existe”.
Miller (2000) aponta que, nesse seminário, o gozo é tomado como fato, e se a relação
sexual não existe, há o gozo. “Há gozo enquanto propriedade de um corpo vivo, ou seja, tratase
de uma definição que relaciona o gozo unicamente ao corpo vivo” (p. 102). Nesse sentido, é o
corpo que goza, e o gozo, portanto, não tem relação com o Outro, tudo que é gozo, é gozo Uno
(sem o Outro). O autor nos chama a atenção para o título de seminário, em francês Encore
(Ainda), homófono a En-corps: é o corpo que está em questão. O gozo fálico está situado em
relação ao gozo Uno, podendo ser acessível por meio da masturbação, sem passar pelo Outro,
é o gozo do idiota, do solitário. Há, ainda, o gozo da palavra.

O gozo da palavra quer dizer que a palavra é gozo [...] É isso que quer dizer o blábláblá, tal como ele se
exprime, enquanto o último grau da qualificação pejorativa da palavra. Blábláblá quer dizer, exatamente,
que, considerada na perspectiva do gozo, a palavra não visa o recobrimento, a compreensão, ela não passa
de uma modalidade do gozo Uno. (Miller, 2000, p.103-104)

Com isso, não há garantia de que, quando se fala, esteja-se ligado ao Outro. Além do
gozo fálico e do gozo da palavra Miller (2000) aponta que existem mais duas modalidades de
gozo Uno no Seminário “Mais, ainda”: o gozo do próprio corpo, pois sempre é o corpo próprio
que goza, independente do meio, e o gozo sublimatório. Miller assinala que Lacan dá uma
68

versão da sublimação que não implica o Outro e, quando deixado só, o corpo falante sublima o
tempo todo. Com isso, “Lacan, indica-nos, verdadeiramente, que é no lugar do gozo

Uno que a sublimação encontra seu verdadeiro fundamento” (p. 104).


Do mesmo modo que o gozo é privilegiado nesse Seminário, o estatuto de feminino
também se dará nessa vertente. Lacan (1972-73/2008) separa as posições masculina e feminina
a partir de dois modos de gozo: o gozo fálico e o gozo não-todo fálico. Vamos iniciar essa
proposição lacaniana a partir da tábua da sexuação. Essa ferramenta de leitura foi construída a
partir do recurso da matemática com a lógica proposicional Aristotélica18.

Figura 3 - Tábua da sexuação (Lacan, 1972-73/2008, p.84)

Na parte de cima da tábua, temos os quantificadores. Do lado masculino (esquerdo),


temos a universal afirmativa de que todos os homens estão inscritos na função fálica justamente
por existir o um da exceção que fundou a regra: o pai primevo, de “Totem e Tabu”. Com Freud,
temos a evidência disso, quando o pai tirano da horda primeva possuía todas as mulheres, mas
negava aos filhos o acesso a elas. É a partir do seu lugar de exceção à lei que se funda a regra
no grupo dos homens. Na parte de baixo, temos como o homem se encontra na parceria amorosa.
Ele está na posição de sujeito desejante e terá acesso à sua parceira sob a forma do objeto a,
mediado, aí, pela fantasia. Miller (2003) indica que, com isso, a forma de amar fetichista
permanece do lado homem, em quem o desejo passa pelo gozo, requerendo um mais-de-gozar.
A mulher, dessa forma, constitui-se como um sintoma para o homem.
O gozo que aparece do lado do homem é o gozo fálico, que vale relembrarmos, é Uno e
não necessita do Outro. O homem, em relação a seu gozo, portanto, não necessita do amor, ao
contrário da mulher. Lacan (1972-73/2008) ressalta que “o gozo fálico é o obstáculo pelo qual
o homem não chega, eu diria, a gozar do corpo da mulher, precisamente porque o de que ele

18
Na lição ‘De uma função para não escrever’ do “O seminário – livro 18, De um discurso que não fosse
semblante”, Lacan adianta as formulações presentes na tábua da sexuação, bem como nos apresenta a lógica das
categorias universais aristotélicas (a universal afirmativa, a universal negativa, a particular afirmativa e a particular
negativa, que são traduzidas por Frege com os quantificadores: ‘para todo’ e ‘existe’).
69

goza é do gozo do órgão” (p.14). O que ele goza é de si, do seu corpo e do objeto da fantasia.
Daí tiramos uma das possíveis indicações de que a relação sexual não pode existir. Ela não
existe enquanto complementaridade.
Já do lado da mulher, há uma radicalidade. Não há a universal afirmativa, o que existem
são duas negações: Não existe uma mulher que escape à função fálica - , e não-toda
mulher está submetida à função fálica - . Portanto, não existe uma mulher que faça
exceção à regra e, com isso, não se funda um grupo da mulher, de forma que A mulher não
existe. Na parte inferior da tábua, temos a duplicidade a partir da qual a mulher vai se relacionar
na parceria amorosa: se, por um lado, ela se direciona ao falo (La →Φ), por outro ela se
direciona ao S(Ⱥ)19. O que isso significa? Significa que a mulher vai, em seu gozo, em direção
ao falo e também em direção ao S(Ⱥ), buscando no Outro barrado um significante que lhe diga
o que é uma mulher. No entanto, não há o Outro do Outro, não há um significante dessa falta
do Ⱥ e, dessa forma, a demanda da mulher se infinitiza, não sendo regulada pelo registro fálico.
Solano-Suaréz (2006) indica que isso quer dizer que o gozo feminino não pode ser todo
articulado à função fálica, sendo, portanto, o gozo feminino da ordem do infinito. Lacan (1972-
73/2008) chama esse gozo de gozo Outro, tendo como paradigma o gozo místico. Dessa forma,
pode-se pensar o não-todo como sendo não da ordem de uma ausência, de um a menos, mas
como da ordem do a mais, do suplementar, do infinito. E aí a mulher tem mais liberdade que o
homem, podendo se inventar.
Lacan (1972-73/2008) não exime as mulheres da submissão ao registro fálico, mas
indica que o registro fálico não diz tudo sobre o gozo feminino e sobre a mulher. “Não é porque
ela é não toda na função fálica que ela deixe de estar nela de todo. Ela está lá toda.
Mas há algo mais.” (p. 101). Portanto, não há A mulher, mas uma mulher, que vai, à sua
maneira, lidar com a ausência de significante que lhe diga o que é uma mulher. O ‘não-toda’
indica que há uma modalidade de gozo propriamente feminino. No entanto, esse gozo feminino
continua a não identificar a mulher, e neste ponto o amor faz sua aparição na face de sem limite:
“o amor demanda o amor. Ele não deixa de demandá-lo. Ele o demanda... mais... ainda. Mais
ainda é o nome próprio dessa falha de onde, no Outro, parte a demanda de amor.” (p.12).
Ao não poder se identificar com A mulher, que não existe, então

resta, às mulheres, ao menos serem ‘uma mulher’. Mas como uma mulher não pode se especificar ‘uma’
por seu gozo, resta-lhe ‘ao menos ser a mulher de um homem’. [...] Para assegurar-se de não ser um sujeito

19
Para esclarecer, o La é o artigo A, em francês. O Ⱥ do S(Ⱥ) é o grande Outro barrado. Em português, isso se
presta à confusão, em algumas versões de desenho da tábua da sexuação.
70

qualquer - o que ela é no momento em que é um ser falante – porém, um a mais de ser ‘uma mulher’, isto
é um sujeito especificado sexualmente, ela passa pelo ‘um’ do homem do qual espera um amor que
gostaria exclusivo. (Soler, 1998, p.249)

O que há é um apelo a uma identificação sexuada pela via do amor. Isso é central na
compreensão da posição feminina nas parcerias amorosas. Lacan (1972/2003), em “O
aturdito”, afirma: “É também por isso que é como única que ela quer ser reconhecida pela outra
parte: isso é mais que sabido.” (p.467). Assim, ela pode ser marcada como a mulher, pelo menos
de um homem.
O amor, que estruturalmente tem um lugar privilegiado para as mulheres, tem como
princípio o Ⱥ, o não-todo, o sem limites, e a devastação é seu outro nome. Enquanto no lado
masculino, temos como rubrica do modo de gozar o sintoma, do lado feminino, temos a
devastação. O sintoma, por sua estrutura própria, é um sofrimento localizável, limitado, por isso
podemos fazer uma clínica do sintoma. Já na devastação, trata-se de outra coisa: “Não podemos
classificar as devastações. Ser devastado!... Não vou me devastar por causa disso. O que é a
devastação? É ser devastado” (Miller, 2003, p.20). Tomando como metáfora devastar uma
região, a devastação é uma depredação sem limites.
Se o homem responde à inexistência da relação sexual fazendo de sua parceira seu
sintoma, ao tomá-la como objeto causa de desejo, do lado da mulher “é de outra coisa que não
do objeto a que se trata no que vem em suplência a essa relação sexual que não há.” (Lacan,
1972-73/2008, p.69). Do lado da mulher, vem o amor, que tem como uma de suas faces a
devastação. A devastação é mesmo simétrica ao sintoma e o amor possui o mesmo princípio
dela, que é o Ⱥ, o não-todo, orienta Miller (2003).
O amor, então, é suplementar para o homem. O gozo masculino é silencioso, não passa
necessariamente pelo amor, o que está em jogo é o objeto fetiche, mas isso, no entanto, não
nega a possibilidade do amor do lado masculino. Para a mulher, o valor do amor é outro, ele é
essencial e, nesse sentido, diríamos que a posição erotomaníaca da mulher na parceria amorosa
é elevada ao máximo. O gozo feminino não-todo exige que seu objeto fale, ele é tecido no amor.
“O ser sexuado dessas mulheres não-todas não passa pelo corpo, mas pelo que resulta de uma
exigência lógica da fala.” (Lacan 1972-73/2008, p. 16-17). Assim, o que está do lado da mulher
é a exigência da fala de amor.
Vale lembrar que Lacan não nega a posição feminina da mascarada no final de seu
ensino. Na seguinte passagem de “Televisão”, em 1975, ele afirma:
71

Ela se presta, antes, à perversão que considero ser d´O homem. O que leva à mascarada que conhecemos,
e que não é a mentira que lhe imputam os ingratos, por aderir a O homem. É mais o hajao-que-houver do
preparar-se para que a fantasia d´O homem que há nela encontre sua hora da verdade. Isso não é exagero,
visto que a verdade já é mulher, por ser não toda – não toda a se dizer, em todo caso. (Lacan, 1975/2003,
p.538)

Entendemos que, na tentativa de se mascarar para se prestar à perversão d´O homem,


para que assim possa obter sua palavra de amor, a mulher pode se devastar pelo fato de a palavra
que o homem lhe dá não ser suficiente. Assim, para tentar satisfazer a perversão do macho, não
há limites para as concessões que uma mulher pode fazer a um homem, indica Lacan
(1975/20013).
Lacan (1972/2003) propõe, em “O Aturdito”, um ponto bem interessante sobre o amor
e a divisão da mulher em relação a seu modo de gozo. Ele indica que, “mesmo que satisfaça a
exigência do amor, o gozo que se tem da mulher a divide, fazendo-a parceira de sua solidão,
enquanto a união permanece na soleira” (p. 467). Dessa forma, por mais que o amor tenha a
função de fazer suplência à relação sexual, bem como localizar a mulher no campo do Outro, o
gozo Outro, propriamente feminino, ultrapassa a mulher, coloca-a no campo do infinito. Se o
amor resolvesse a problemática do gozo feminino, não haveria aí a infinitização do mesmo e
poderíamos, finalmente, fazer um conjunto das mulheres, o que vimos não ser possível.
A devastação aparece nesse momento da obra de Lacan (1972/2003), primeiramente,
relacionada à relação entre mãe e filha.

A elucubração freudiana do complexo de Édipo, que faz da mulher peixe na água, pela castração ser nela
ponto de partida (Freud dixit), contrasta dolorosamente com a realidade da devastação que constitui na
mulher sua relação com a mãe, de quem, como mulher, ela realmente parece esperar mais substancia que
do pai – o que não combina com ele ser segundo, nessa devastação. (p.465)

O que Lacan (1972/2003) parece nos indicar é que a demanda de amor frustrada e
direcionada à mãe, que conforme vimos com Freud, é o primeiro objeto de amor da menina,
ainda no período pré-edipiano, é devastadora. Considerando que a mãe é antes mulher, não seria
pelo fato da menina se encontrar com esse gozo Outro que a devastação apareceria na relação
mãe e filha?
A devastação parte da relação mãe e filha, mas faz sua aparição na vida amorosa das
mulheres, sendo este último viés o que nos interessa aqui, como vimos. A devastação está ligada
ao gozo feminino, que conforme já indicamos, “está direcionado ao Outro, ao amor do Outro,
sob a forma do S(Ⱥ). É nessa vertente que a demanda de amor surge com toda a sua insistência”
(Lacan, 1972-73/2008, p.87) e pode devastar. Soler (1995) propõe que a devastação indica um
72

sujeito à mercê da vontade, do desejo e da demanda do Outro. Enquanto a máscara é utilizada


para se inscrever na parceria, “há devastação quando saímos da mascarada, quando a mascarada
que ficou sobre uma cena transborda e realiza-se como sujeição real, sujeição realizada” (Soler,
1995, p.127).
Parece-nos, então, que a devastação é uma tendência estrutural no caso das mulheres,
em consequência da própria forma de amar erotomaníaca. Alvarenga (2003) acrescenta a essa
tendência o arrebatamento20, sem, no entanto, fazer uma equivalência entre eles:

A devastação é uma depredação que se estende a tudo, que não conhece limites, e é em função dessa
estrutura que o Outro pode ser o parceiro-devastação, mas pode também, ser o modo como acontece o
arrebatamento para a mulher, pois a palavra francesa ravage (devastação) tem a mesma raiz de ravir de
ravissement (arrebatamento)... Arrebatar é levar a um estado de felicidade suprema e tem, por isso, um
valor erotômano. Temos, portanto, no horizonte da erotomania, no melhor dos casos, o arrebatamento e,
no pior, a devastação. (p.46)

Miller (1998), a partir das duas modalidades de gozo propostas por Lacan, forja a noção
de parceiro-sintoma na tentativa de formalizar as duas formas em que a parceria amorosa se
estabelece para cada sexo: a parceira-sintoma do homem e o parceiro-devastação da mulher.
Para discutir o termo parceiro-sintoma, Miller (1998) implica na discussão a
modificação do termo sujeito, que foi substituído por falasser. Este é oposto à noção de sujeito
como falta-a-ser, pois “é o sujeito mais o corpo, o sujeito mais a substância gozante” (p.102).
Miller também indica que a centralidade do corpo foi introduzida progressivamente na obra de
Lacan, pois não se pode falar de gozo sem uma referência ao corpo, já que é somente um corpo
que goza. Ele nos apresenta a seguinte formulação para elucidar sua proposição:

S <> Outro
____________________________
falasser <> parceiro - Ʃ

Na perspectiva da relação do sujeito com o Outro, a questão da relação sexual está


apagada, já na relação do falasser com o parceiro-sintoma, ela está no centro da relação:

O Outro do qual se trata com o parceiro-sintoma não é mais um corpo mortificado, esvaziado de seu gozo,
é um corpo vivo; o Outro é sempre representado por um corpo vivo. E isso nos obriga a que nos
apercebamos que este corpo é sexuado. O grande Outro é representado por um corpo sexuado; e é por

20
O arrebatamento foi abordado por Lacan (1965/2003) em seu texto “Homenagem a Marguerite Duras pelo
arrebatamento de Lol V. Stein.”. Optamos aqui por não abordar esse termo, uma vez que ele não aparece como
central na nossa discussão, mas acreditamos ser essencial indicar sua referência.
73

isso que, necessariamente, se coloca a questão da relação sexual, esta questão que estava apagada na
perspectiva da relação do sujeito com o Outro. É nessa direção que avançamos com a questão do parceiro-
sintoma, é uma mudança de perspectiva na relação do sujeito com o Outro. (Miller, 1998. p.103)

O parceiro-sintoma é o parceiro ligado à relação sexuada, significando que “a relação


do parceiro supõe que o Outro torna-se sintoma do falasser, isto é, torna-se um meio de gozo”
(Miller, 1998, p. 104). O falasser não faz parceria no nível do significante puro, mas no nível
do gozo, e essa ligação será sempre sintomática. Aqui, Miller retoma a fórmula de Lacan de que
a relação sexual não existe.
Para esclarecer, Miller (2008) indica que o sintoma no último ensino de Lacan se
apresenta como um quarto elemento no ternário real, simbólico e imaginário, como aquele que
pode enodá-los, como uma suplência. Ele não é tratado como uma disfunção, mas como um
aparato que estabelece um funcionamento, sendo um meio de gozo.
O gozo, apesar de não incluir o Outro por sua característica auto-erótica, o inclui ao
mesmo tempo. Tomando o gozo masturbatório masculino, ele é claramente auto-erótico, no
entanto, produz-se um sentimento fora-do-corpo e o corpo aí se revela Outro, no momento do
gozo. No caso das mulheres, temos o atravessamento do gozo no corpo, sendo seu corpo
outrificado.
Com isso, na modalidade de cada gozo, o parceiro-sintoma tomará uma forma diferente:
o parceiro-sintoma do homem tem a forma de fetiche, enquanto o da mulher tem a forma
erotomaníaca, como vimos com Lacan. O parceiro-sintoma do homem é aquele que temos desde
o início da formalização lacaniana: seu modo de gozar exige apenas que a parceira responda a
um modelo, está ligado à sua fantasia, ao objeto a.
Já do lado da mulher, em que o gozo é tecido no amor, é preciso que o parceiro seja Ⱥ,
aquele a quem falta algo, que o faça falar. A demanda de amor feminina vai incidir sobre o ser
do parceiro, sob a forma erotomaníaca do amor. Miller (1998) nos lembra que Lacan usou o
termo no estudo do caso Schreber, no empuxo à posição feminina, por isso Lacan pode dizer
que as mulheres são loucas:

Assim, o universal do que elas desejam é a loucura: todas as mulheres são loucas, como se diz. É por isso
mesmo que não são todas, isso é não-loucas-de-todo, mas antes conciliadoras, a ponto de não haver limites
para as concessões que cada uma faz a um homem: de seu corpo, de sua alma, de seus bens (Lacan,
1975/2003, p.538)

E é nessa posição de não haver barra à concessão que se pode fazer a um homem que o
homem pode tornar-se um parceiro-devastação da mulher. Há, na devastação, um retorno da
74

demanda do homem sobre o falasser feminino, é em função da própria estrutura do não-todo


que o parceiro-sintoma se desdobra no parceiro-devastação. A devastação, já a definimos, e
Miller (1998), aqui, acrescenta que ela é uma “pilhagem que se estende a tudo, que não termina,
que não conhece limites e é em função dessa estrutura que o homem pode ser o parceiro-
devastação, para o melhor e o pior.” (p. 115).
Assim, ao longo da obra lacaniana, verificamos um encadeamento de ideias em relação
à posição da mulher na parceria amorosa até a década de 70, com a formalização do não-todo.
Podemos considerar que o amor, desde sempre, está colocado como um desencontro pelo fato
de a forma fetichista de amar masculina e a forma erotomaníaca feminina não terem
coincidência, bem como por não haver um encontro dos gozos. O que concluímos é que mesmo
sendo o amor uma peça chave na vida da mulher, ele também não resolve todas as questões da
feminilidade porque o gozo feminino continuará Outro e a ultrapassando.
Parece, com isso, que Lacan se mostra um tanto pessimista em relação ao amor, mas não
podemos esquecer que é só o amor que pode fazer passar do gozo Uno para o gozo articulado
ao desejo. Também é principalmente por ele que a relação pode se dar, pelo menos pelo lado da
mulher que sempre buscará encontrar o amor. No entanto, se em excesso, o amor pode retornar
como devastação.
Por outro lado, no Seminário XXIV, na aula de 15 de março de 1977, Lacan
(1977/inédito) traz um sopro de brisa em relação ao amor. Ele apresenta a ideia de um amor
mais temperado, que não se encontre tão cheio como encontramos o amor no Seminário VIII
(onde o amante espera algo do amado), nem no Seminário XX, em que a mulher aparece
buscando sua substância no amor.
Nesse seminário, Lacan (1977/inédito) diferencia sentido de significação, a partir da
palavra plena versus palavra vazia. A palavra plena é a plena de sentido, e a vazia tem apenas a
significação. A palavra plena significa que uma palavra (parole) pode ser plena de sentido.
A poesia é algo que fracassa “por ser puro nó de uma palavra (mot) com outra palavra” (p.115).
Ela não tem sentido, mas significação. A proeza do poeta é justamente fazer com que um sentido
esteja ausente, e ele só faz isso, substituindo-o por uma significação.

A significação não é, de forma alguma, o que o povo crê, se posso dizer, a significação é uma palavra
(mot) vazia. Dito de outra forma, é o que, a propósito de Dante, é expresso no qualitativo atribuído à sua
poesia, isto é, que ela é amorosa. (p.115)
75

O amor é, então, uma significação, ele é vazio, diz Lacan (1977/inédito). Ao contrário
do desejo, que tem um sentido. Assim, pensamos que o amor como vazio poderia suportar o
que estaria por vir de uma parceria amorosa, inclusive seus equívocos.
Discutidos os principais aspectos referentes à feminilidade e sua posição nas parcerias
amorosas na obra de Lacan, vejamos como esses aspectos se articulam com a adolescência e a
infração, a partir do estudo dos casos, no próximo capítulo. Vista a teoria, passamos à clínica.
76

5. A ARTICULAÇÃO COM A CLÍNICA

Neste capítulo, trabalharemos dois casos atendidos na Medida Socioeducativa de Liberdade


Assistida, nos quais veremos dois pontos fundamentais em relação à parceria amorosa para uma
mulher: como a parceria amorosa localiza a mulher ao colocá-la num lugar de exceção e,
também, como a parceria amorosa rompida pode devastar uma mulher. Ainda, poderemos
verificar como o uso de drogas pode entrar como uma forma sintomática de tamponar a não
relação sexual após o amor falhar nessa tentativa.
Antes de estudarmos os casos, no entanto, consideramos importante localizar o lugar da
pesquisa em psicanálise, principalmente por ser esta uma pesquisa orientada pela psicanálise
dentro de uma instituição universitária. Além disso, buscaremos circunscrever a importância do
estudo de caso na pesquisa psicanalítica e, assim, justificar nossa metodologia de investigação.

5.1 A pesquisa em psicanálise

A problemática da metodologia surge sempre que buscamos fazer uma pesquisa em


psicanálise. Isso se deve ao próprio conflito existente entre psicanálise e ciência, visto que uma
visa um saber sobre o particular, enquanto a outra um saber que se julga universal. Entretanto,
a preocupação com a cientificidade nasce junto com a psicanálise, a partir da preocupação de
Freud em aproximar, em um primeiro momento, a psicanálise à ciência, uma vez que a ciência
era seu ponto de referência e sua mira. “Sua descoberta, no entanto, descortinou o que se pode
chamar a inadequação do ser humano à pesquisa científica, uma tendência a recusar, recalcar o
saber.” (Mezêncio, 2004, p.104). O que indica a divergência entre o objeto da psicanálise, o
sujeito divido por excelência, e a objetividade da ciência.
Mezêncio (2004) observa que “Freud foi levado, inicialmente, em razão da natureza do
seu objeto de investigação, ao princípio metodológico da simultaneidade do tratamento e da
investigação, da clínica e da teoria.” (p.104). Tem-se, então, o princípio metodológico de aliar
o tratamento analítico à investigação, o que se torna mais claro quando localizamos que a
psicanálise nasce a partir da clínica da histeria.
77

Em 1911, a pedido do Dr. Andrew Davidson - Secretário da Seção de Medicina


Psicológica e Neurologia Australiano, Freud (1911/2006) escreveu um artigo para ser lido
perante o Congresso Médico Australiano. Após situar a extensão da psicanálise nos EUA e na
Europa, Freud chama a psicanálise de uma “combinação notável”, uma vez que “abrange não
apenas um método de pesquisa das neuroses, mas também um método de tratamento baseado
na etiologia assim descoberta” (p.225). Ele acrescenta que a psicanálise se encontra incompleta,
como todo e qualquer novo produto da ciência. Aqui, vê-se a importância dada por Freud à
localização da psicanálise no campo da ciência, bem como a ênfase de que a psicanálise abrange
a pesquisa e o tratamento.
Em “Dois verbetes de enciclopédia” Freud (1923b/2006) define a psicanálise a partir
de três eixos: como procedimento de investigação, como um método de tratamento e como uma
coleção de informações psicológicas. Portanto, na definição mesma de sua teoria, ele não abre
mão de aliar a pesquisa (investigação) ao tratamento.
A partir dessas notas, podemos extrair dois fundamentos essenciais: o primeiro referese
à impossibilidade de completude do saber da psicanálise, e o segundo, ao enlace entre a clínica
e a pesquisa, tendo como indubitável resultado a produção de saber psicanalítico. Ainda, quando
o autor indica que a teoria está sempre pronta a se modificar, pode-se pensar na própria evolução
da psicanálise a partir dos casos estudados por Freud.
Tendo sido a psicanálise criada a partir das histórias clínicas dos pacientes de Freud,
Barroso (2003) pergunta como se poderia pensar a clínica da histeria sem o caso Dora, bem
como a teoria da psicose sem o caso Schreber, e da neurose obsessiva sem o caso do Homem
dos ratos. Ainda, o caso do Homem dos lobos, “[...] testemunha, sobretudo, que foi em torno do
real da clínica que Freud tece suas construções.” (p.19). Assim, Freud produz o saber da
psicanálise a partir de sua prática clínica, demonstrando, com isso, a afinidade existente entre a
psicanálise, a pesquisa e a construção do caso clínico.
Contudo, Freud afirma que por surgir da clínica não exclui da psicanálise seu rigor
teórico, mas aponta para algo fundamental sobre a construção do caso: o mesmo não serve para
uma mera demonstração e/ou afirmação da teoria, “mas, ao contrário, trata-se da exigência de
retificação dos conceitos, a partir de cada caso em especial” (Pacheco, 2003, p.35). Se seguimos
o percurso freudiano, isso fica evidente quando Freud retoma e reformula conceitos ao longo
de sua obra a partir de sua experiência clínica. Podemos tomar, como exemplo, o abandono da
teoria da sedução, quando Freud a substitui pela teoria da fantasia de sedução a partir dos
atendimentos às histéricas.
78

Sobre a construção do caso em Freud e Lacan, podemos seguir com a contribuição de


Laurent (2003) em seu texto “O relato do caso, crise e solução”, no qual ele nos indica que o
relato de caso freudiano se aproxima de um modelo romanceado, mas sem que Freud deixe de
fixar algo que seria próprio a seu modelo, a saber, o sonho do paciente e as associações
subsequentes. A forma freudiana de relato consegue “integrar a sessão analítica, por natureza
enodada na dissimetria do analista e do analisante, em um mesmo relato contínuo do diálogo do
sujeito com seu inconsciente” (p.70).
Na década de 20, as novas formações sintomáticas que resistem ao desvelamento
inconsciente colocaram em xeque a prática da interpretação e, consequentemente, a construção
do caso clínico pela via do sonho e suas interpretações. Nesse período, o caso torna-se uma
tentativa de elucidar a dificuldade de cada analista. Surge, então, uma nova forma de construção
e relato de caso, a partir da extração de elementos cruciais da sessão psicanalítica, sendo a forma
curta o que passa a prevalecer. “A unidade do caso não era mais o destino de um sujeito, mas o
fato memorável, transmissível, extraído de uma sessão” (Laurent, 2003, p.71).
Lacan, em sua tese de doutoramento, em psiquiatria, faz um estudo exaustivo do caso
Aimeé, em torno do conceito de personalidade. Laurent (2003) indica que o fundo do método
utilizado nesta tese é de Karl Jasper, e que ao fazer sua passagem para a psicanálise, Lacan
abandona “as experiências falaciosas de um método exaustivo. Mais exatamente, ele substituirá
a exaustão pela coerência do nível formal onde o sintoma de estabelece” (p.71). Lacan já
demonstrava a função de produção de saber a partir do caso clínico em sua tese.
Nela, opta por escandir um único caso, buscando “a descrição completa dos laços etiológicos e
significativos por onde a psicose depende da história de vida do sujeito” (Barroso, 2003, p.22),
ou seja, lhe interessa menos produzir uma saber geral sobre a psicose paranóica que um saber
sobre o caso trabalhado. O valor metodológico do caso se deu pela sua particularidade, sem
desconsiderar o que do caso se encaixava na classificação de psicose.
Já em sua leitura dos casos freudianos, Lacan os eleva ao lugar de paradigma, uma vez
que, a partir dos casos, localiza-se tanto a estrutura como aquilo que tem de mais singular no
caso, aquilo que se repete no sujeito, bem como o modo de interrupção da repetição. Lacan
localiza a “combinatória inconsciente” (Laurent, 2003, p72) em sua leitura dos casos freudianos.
Em “O mito individual do neurótico”, no qual estuda o caso do Homem dos ratos, ele aponta
que apesar deste caso ser essencial para o estudo dos determinantes da neurose, não é aí que
está seu valor metodológico. “Seu valor é tributário da ‘constelação originária que presidiu ao
nascimento do sujeito’, isto é, as relações familiares que estruturaram a união de seus pais, e
79

que mostrou uma íntima relação com a contingência motivadora do sofrimento do sujeito”
(Barroso, 2003, p.23).
A construção do caso deve incluir o não programado, o contingente, as surpresas que
pegam o analista e o fora da cadeia significante que surge. Só assim, pode-se considerar a
experiência do real em jogo na análise - “um caso é um caso se ele testemunha sobre a incidência
lógica de um dizer no dispositivo de cura, e sobre sua orientação em direção ao tratamento de
um problema real, de um problema libidinal, de um problema de gozo.” (Laurent, 2003, p.69).
Laurent parece nos indicar, nessa passagem, que o caso clínico será sempre de um sujeito
específico, e que o analista está nele implicado. E ainda, ao localizar a transmissão do real e do
singular como o mais importante no caso clínico, não se busca eliminar nele o que se tem de
estrutural, o que caberia numa classificação, mas trata-se de transcender as classificações,
apontando, inclusive, o que do sintoma do sujeito pode desconstruir as classes pré-estabelecidas,
uma vez que “a nominação do sintoma remete, em ultima instância, a um impossível, ao que da
pulsão se recusa ao significante.” (Laurent, 2003, p.72).
Assim, propor-se a pesquisar em psicanálise, principalmente no âmbito acadêmico, faz
questionar a metodologia nesse campo, bem como a própria relação com a ciência, como foi
apontado inicialmente. Quando um psicanalista ou um estudante de psicanálise se insere na
pesquisa acadêmica, não é possível que a sua experiência oriunda da clínica seja posta de lado.
Se o caso clínico, mesmo que criticado, for aceito no meio acadêmico, ele consegue marcar a
transmissão do saber da psicanálise pela via do singular, fazendo dialogar psicanálise, ciência e
universidade. É o saber da experiência clínica que pode ser abordado a partir da construção do
caso, e por terem sido os próprios casos que nos levaram à pesquisa, e não o contrário, optamos
por trabalhar com a metodologia de construção de caso. Com isso, vamos a eles.

5.2. Caso Amanda

Ao que leva o amor


Clarice Lispector
- (Eu te amo)
- (É isso então o que sou?)
- (Você é o amor que tenho por você)
- (Sinto que vou me reconhecer... estou quase vendo... falta tão pouco)
- (Eu te amo) - (Ah, agora sim. Estou me vendo. Esta sou eu, então. Que retrato de
corpo inteiro)
80

Amanda21 iniciou o cumprimento da Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida aos


15 anos de idade, após ter sido apreendida com grande quantidade de drogas ilícitas, destinadas
à venda. A adolescente residia com a mãe, Sra. Maria e uma irmã mais nova. Os pais eram
separados e ela possuía dois irmãos mais velhos, Patrícia, que era uma liderança do tráfico de
drogas em seu bairro, e Pedro, que não tinha envolvimento com a criminalidade. O pai de
Amanda não tinha contato regular com a filha. Após a separação, ele deixou para a família um
imóvel para aluguel, do qual a genitora retirava seu sustento. Além disso, ele era usuário de
drogas e envolvido com o tráfico de drogas em outro bairro, no entanto, traficava apenas para
manter seu uso, sem ter adquirido uma posição de ascensão no crime.
Sobre sua apreensão, Amanda disse que as drogas eram do namorado e que foi apreendida por
“culpa dele”, pois desde que iniciara o relacionamento, começou a traficar para ele. Era ela
quem escondia as drogas e também quem, muitas vezes, ficava na rua entregando-as aos
compradores. Amanda nunca usou uma arma e não tinha histórico de qualquer ato violento.
Quando a genitora compareceu ao atendimento, apenas se queixou da filha, dizendo que
Amanda passava o dia todo na rua, usando drogas com as amigas. Quando interpelada sobre o
fato da filha ter ido morar com um namorado aos treze anos de idade, disse que não gostou
disso, mas que “não podia fazer nada”. Mostrou-se pouco interessada na filha, apresentando-
se apática e cansada.
A dificuldade na condução do caso de Amanda residia no fato dela não querer falar sobre
seu relacionamento, ao mesmo tempo em que responsabilizava o ex-parceiro pelo seu
envolvimento infracional. A isso, somava-se o fato de Amanda estar sempre indisposta e de
demandar algumas coisas, embora não desse continuidade àquilo que pedia no momento em
que suas demandas eram atendidas, como aconteceu em relação à escola, cursos e
encaminhamento para tirar documentos.
A certa altura do acompanhamento, Amanda é convocada para uma audiência. No
atendimento seguinte, quando questionada sobre a mesma, fica muito nervosa e grita: “Se eu
tiver que ficar indo lá, não vou aguentar, vou fazer uma besteira!”. Esse é o primeiro
atendimento em que se propõe a falar do ato infracional e conversar sobre os eixos da Medida.
Pela primeira vez, fala do namorado, e esse assunto vai sendo tratado nos atendimentos
seguintes. Diz que o medo de fazer besteira tem relação com o medo que sente do ex- namorado:
“Eu não consigo nem dormir direito, fico pensando nele”.

21
Todos os nomes, de ambos os casos, foram alterados para preservar o sigilo dos envolvidos.
81

Amanda começou a namorar Ronaldo aos 13 anos de idade e sabia que ele era
traficante:“Não sei o que vi nele, ele tinha um tanto de namorada na rua”. Também afirmou
que algo nele a atraiu, mas não sabia bem o que era, no entanto, fazia questão de dizer o quanto
ele era desejado por outras jovens. Amanda relatou que, quando foi morar com Ronaldo, ela era
a única que residia na mesma casa que ele, mesmo ele tendo outras parceiras na rua. No
momento dessa fala, ela demonstra certo orgulho, o que raramente aparecia quando falava de
Ronaldo, já que o mais comum eram frases do tipo: “eu era burra”; “eu não ouvia ninguém,
minha mãe falava comigo para eu parar, mas não adiantava”. Sobre o namoro, dizia o seguinte:
“Ele já me bateu e tinha outras mulheres. Eu era boba demais. Ele tinha um tanto de
namorada”. O fato de Ronaldo ter várias outras mulheres era um ponto da queixa de Amanda,
mais do que as próprias agressões e proibições que ele lhe impunha. Em um atendimento,
conclui: “Olha o que eu fiz com a minha vida”, e se refere ao fato de “por causa dele” ter sido
apreendida. Sobre o fim do relacionamento, Amanda conta que Ronaldo foi expulso do bairro
por outras pessoas também envolvidas com o tráfico de drogas e a abandonou sem se despedir.
O fato de ter sido abandonada a deixou sem uma resposta sobre o fim do relacionamento.
Em certo momento, Amanda conta que foi à igreja porque lhe disseram que Ronaldo
havia feito “macumba” para ela, e que por esse motivo ela estaria sentindo tanto medo dele.
Na igreja, teriam desfeito esse processo, e agora estava “livre dele”. Amanda conta que seu
medo era de que ele voltasse para o bairro, embora não soubesse a razão de sentir tal medo de
sua presença. Esse medo sentido por Ronaldo nunca foi bem explicado por Amanda, pois ela
própria não o compreendia direito, o medo a ultrapassava.
Sempre que se tentava trabalhar com Amanda a sua responsabilidade em relação a seus atos e
suas apreensões, ela repetia: “já te falei, fui vender drogas quando comecei a namorar”. Assim,
não se responsabilizava pelo envolvimento infracional, indicando-nos que o que estava em jogo
não era uma relação com o ato infracional, mas um relacionamento amoroso fracassado com
todas as vicissitudes advindas daí.
O atendimento de Amanda foi interrompido no momento em que a técnica mudou-se de
regional, quando a adolescente passou a ser atendida por outra pessoa. Segundo últimas
informações, Amanda ainda demandou os mesmos cursos, mas não os efetivou, e se queixava
de muita tristeza e de uma vontade repentina de chorar, principalmente, após a prisão da irmã e
do cunhado por tráfico de drogas. No entanto, a adolescente retomou os estudos após um longo
período e conseguiu finalizar o cumprimento de sua Medida Socioeducativa de Liberdade
82

Assistida. Depois disso, não tivemos mais informações sobre Amanda, que hoje está com 18
anos.

5.2.1 Discussão

Amanda apresenta-se no período da puberdade, que, conforme vimos com Freud


(1905/2006; 1914/2006), é o momento em que figuras de ideais são importantes para que o
adolescente possa ter um ponto onde se apoiar, via identificação. A adolescência torna-se mais
difícil para as meninas, pois para elas, há o processo de feminização concomitante. Nesse
momento, comum a todas as adolescentes, cada uma dará uma resposta singular.
No caso de Amanda, temos uma mãe opaca, que não lhe transmite algo sobre o campo
do desejo, um pai fraco, que nem mesmo no crime conseguiu se sobressair, e uma irmã
traficante, com quem tinha uma boa relação e que nos parece servir como um suporte de
identificação. O pai, apesar de ser apresentado como fraco, parece exercer sua função simbólica.
Ele não era impotente e isso era reconhecido pela adolescente. Ao separar-se de Sra. Maria,
deixou para ela e os filhos um imóvel de aluguel, de onde a família retirava seu sustento.
Frente ao não saber paradigmático da adolescência, cada sujeito buscará uma resposta
sintomática para isso, conforme vimos com Stevens (2004). No caso de Amanda, há a formação
de uma parceria sintomática que, ao mesmo tempo em que responde aos enigmas da
feminilidade, parece também funcionar como uma resposta à adolescência. Vimos com
Wedekind (1991) que Wendla, frente à negativa de sua mãe em lhe dizer sobre o encontro
sexual, força um encontro com Melchior, como uma forma de tentar articular esse não saber.
Essa parece ser a solução de Amanda, que aos treze anos de idade tem um encontro amoroso e
vai, ao extremo da parceria, morar com o namorado e traficar para ele. Ambos os encontros
mostram a dificuldade de uma construção de saber sobre o encontro sexual, que Lacan
(1974/2003) toma como mal sucedido para todos. Amanda faz também, nesse momento, a
separação, no campo do real, da autoridade materna. A genitora denegria muito a filha alocando
a ela um “a menos”, ela não apostava em Amanda, mostrando-se indiferente às escolhas da filha
e descomprometida com a mesma.
Stevens (2004) propõe o uso de drogas como uma das respostas sintomáticas da adolescência.
Esse uso só aparece para Amanda após o rompimento com o namorado, quando ela passa a usar
83

maconha com um grupo de amigas. O uso de drogas pode ser considerado tanto como
recreativo, através do qual o grupo tem aí uma função, como também pode entrar no campo de
uma toxicomania verdadeira, que é uma forma de rompimento com o gozo fálico. No caso de
Amanda, o que vemos é uma saída não pelas drogas, mas pelo grupo. Quando é abandonada,
face ao encontro com o Outro sexo, perde a experiência de consolidação de uma resposta pela
via da parceria amorosa, Amanda, então, parece recorrer ao grupo, via identificação ao grupo
de amigas “maconheiras”.
Se o saber é uma das respostas possíveis surgidas na puberdade, ele não sustenta Amanda. Com
Melchior (Wedekind, 1891/1991) vimos uma tentativa de articulação sobre o encontro com o
Outro sexo via saber, o que não excluiu o mal entendido do encontro amoroso com Wendla.
Com Amanda, por sua vez, vimos que não há uma busca pelo saber. A educação formal não
respondeu às reais questões em jogo na adolescência e ela não empreendeu outro movimento
em relação ao saber, assentando-se, antes, numa certa indiferença ao saber com o uso das drogas
A parceria amorosa de Amanda nos parece ter um lugar central, não apenas para as questões
que a puberdade convoca, mas principalmente para o enigma da feminilidade. Ainda que seja
estrutural a ausência de um significante do feminino, como já apontamos, a mãe de Amanda
parecia não funcionar como anteparo, ainda que especular, para o exercício desejante e também
parecia não servir como semblante da feminilidade para sua filha. Ela conta em um atendimento
que, desde que se separou, ficou por conta de cuidar da casa, de sua saúde (ela alegava ser muito
doente) e dos filhos e netos – mesmo deixando-os à deriva, sem, de fato, ocupar-se deles ou,
mais especialmente, de Amanda. O que singulariza essa mulher é que ela não se coloca como
causa de desejo de um homem. Sua saída para os enigmas da feminilidade parecem radicar-se
numa saída fálica pelo campo da maternidade.
Patrícia, sua irmã mais velha - sabe-se pouco dela -, era traficante em sua região e
conhecida por ser muito cruel22. Não podemos negar que haja um suporte para a identificação
sexuada nessa relação. Não podemos, porém, elaborar muito sobre ela, dada a ausência de
informação sobre a mesma, pois Amanda praticamente não falava da irmã. Com isso, temos
poucos elementos dessa relação.
Se a puberdade traz várias questões para o sujeito, a feminilidade adiciona a sua cota. Como
vimos, não há um significante próprio do campo do feminino, e o gozo localizado no registro

22
Essa informação da crueldade da irmã como traficante nunca foi trazida por Amanda. Sabíamos desta
informação tanto pelos parceiros da rede de serviços, bem como por outros adolescentes atendidos nas Medidas
Socioeducativas, que já chegaram a, inclusive, serem ameaçados de morte por Patrícia.
84

feminino do não-todo também não identifica a mulher. Uma solução possível para a inexistência
d´A mulher é ser a mulher de um homem (Lacan, 1972-73/2008). A parceria de Amanda parece
nos demonstrar isso.
Ronaldo possui algo que Amanda não sabe o que é, quando nos diz não saber o que viu
nele, o que a encantou. Aí, parece ser o agalma que está em jogo, pois apesar de ser ele o que
causa o desejo, não se sabe o que é. Lacan (1960-61/1992) nos indica que aquele destituído do
agalma acaba por se submeter a quem o possui. Parece que essa é a posição de Amanda, quando
ela diz: “fui vender drogas por causa dele”. Conforme Zaluar (1994) indica, as insígnias fálicas
estão presentes a todo o momento nos jovens envolvidos com o tráfico e isso atrai as mulheres,
em especial estas, cujo tratamento do gozo passa pelo amor. Para além disso, o fato dele ser
desejado por outras mulheres foi um dos sinais que atraíram Amanda. Veremos sua função a
seguir.
Apesar de seu parceiro “ter” outras mulheres (o sentido é o de possuir) incomodar
Amanda, isso não importava tanto quando ela era a única que morava com ele. Nisso Amanda
se faz uma, é a exceção, ela era “a mulher do bandido”, termo muito comum usado pelos jovens
para definirem a companheira do traficante. Como mostrou Lacan (1972/2003), acerca da
modalização erotômana do amor na mulher, ela quer ser única no reconhecimento da outra parte
e Amanda tem a ilusão de que conseguiu isso. Aqui, o fato de Ronaldo ser desejado por outras
mulheres ter sido um dos fatores que chamou a atenção de Amanda mostra sua razão: isso a
marca, mais uma vez, como a escolhida.
Isso que Zaluar (1994) aponta como as insígnias fálicas, encontradas no tráfico de drogas
(armas, carros, dinheiro), é uma forma desses jovens velarem a castração. Com Lacan
(1960/1998), vimos que a mulher dirige-se ao parceiro sexual na frente do véu, onde a castração
não está implicada. Assim, o desejo da mulher (e não o amor) dirige-se ao parceiro não castrado.
A castração está atrás do véu, sob a forma do amante castrado ou homem morto.
Por isso, podemos pensar que o que está em jogo nas meninas que visam se tornarem “mulher
de bandido”, como Amanda, é a busca, nesses rapazes, do significante fálico. Contudo, isso só
responde ao enigma do feminino em relação ao falo. Nessa via, as jovens dirigem-se ao falo
(La →Φ), mas é atrás do véu, que há a demanda de amor. Lá a mulher dirige-se ao S(Ⱥ), à
ausência de resposta no Outro. Aí temos as duas modalidades de gozo: o gozo fálico e o gozo
Outro, que se infinitiza.
Diferentemente, portanto, da proposição já clássica de Zaluar (1994) sobre as insígnias
fálicas, vemos, com esse caso, uma nova versão do falo na relação criminosa. Não se trata de
85

uma relação seriada com objetos fálicos que se intercambiam através da possibilidade financeira
que o crime engendra. Trata-se, antes, de um velamento da castração através da parceria
amorosa, assentando-se o falo, no parceiro amoroso, através de cuja relação a menina esboça
uma resposta sobre a feminilidade. Dessa maneira, o que está verdadeiramente em jogo, a
castração como condição desejante, ou a ausência do significante feminino ou da relação sexual,
no sentido da busca de uma resposta sobre nosso ser no Outro, fica velado.
O que podemos esclarecer sobre o gozo de Amanda? Há, por um lado, o gozo ligado ao falo,
que ela consegue via parceria amorosa, no qual em um determinado ponto ela se singularizava
como exceção. Mas e o gozo feminino, já que vimos que ele não se circunscreve totalmente
pelo amor? Entendemos que o gozo Outro aparece na forma do medo inominável que a aprisiona
quando o companheiro a abandona sem lhe dizer uma palavra. O medo, ela não sabe do que é,
mas a angustiava - “vem um medo dele” -, um medo não localizável, que a ultrapassa.
Cabe ressaltar que foi o atendimento de Amanda que nos causou primeiramente à elaboração
dessa dissertação. No entanto, a princípio acreditávamos que o que estava em jogo para ela era
a devastação, localizada no momento do estabelecimento desta parceria. Entretanto, o caso se
impôs à pesquisa teórica, conduzindo-nos a outra elaboração e revelando uma outra
modalização na relação adolescência-criminalidade-feminilidade. Descobrimos que é a parceria
amorosa que dá substância à sua feminilidade, ela orienta Amanda, marca-a com um a mais.
Interessante notar que, nesse momento, Amanda não fazia recurso às drogas, a parceria amorosa
para ela bastava. Parece que a venda de drogas, sua exposição do corpo na rua vendendo-as não
está no campo da devastação, mas antes sustentando-a, ainda que ao preço da nomeação “mulher
de bandido”. Se a devastação aparece, é num segundo momento. O namorado a abandona
quando foge do bairro e ela precisa voltar a residir com a mãe. Nesse momento, volta a vender
pequenas quantidades de drogas, tornando-se assim traficante e não a namorada de um, assim
como sua irmã já o era. Isso se sustenta até que a irmã vai presa por tráfico de drogas e Amanda
passa a chorar copiosamente. É nesse momento que podemos falar em devastação aqui: os
semblantes que sustentavam Amanda até o momento falham, ser “mulher de bandido” falhou,
ser “traficante” também.
Dessa forma, o que Amanda nos ensina é que o amor pode servir para localizar uma
mulher. E quando ele articula a relação com o crime, via infração? O amor mostrou-se
necessário para Amanda, mesmo sendo ele da ordem da contingência. Por não haver um saber
pulsional sobre o encontro amoroso, ele pode se dar ou não, e isso coloca o amor no campo
contingencial. Dado o encontro amoroso de maneira contingente, Amanda faz ele necessário na
86

constituição da feminilidade e de uma resposta à adolescência. Assim, por mais que ela responda
a todo o perfil esperado de um adolescente autor de ato infracional, a saber, pardo, morador de
região vulnerável, com baixa escolaridade, ela se faz exceção exatamente no ponto em que sua
infração consiste em um embaraço com o campo do amor, sendo que a infração, esta sim, estaria
no campo da contingência.

5.3 Caso Camila

Mas há a vida
Clarice Lispector
Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor.
Há o amor. Que tem que ser vivido até
a última gota. Sem nenhum medo. Não
mata.

Camila, 17 anos, inicia o cumprimento da Medida Socioeducativa de Liberdade


Assistida após ter seu processo transferido de cidade, via carta precatória, apressada pela própria
adolescente e sua genitora. Ela residia com a mãe, Sra. Ana, e o padrasto em outro município
quando foi apreendida por tráfico de drogas.
Camila residia em um bairro de classe média e estava cursando o segundo grau em sua
cidade de origem. Ela conta que começou a usar maconha na porta da escola com algumas
pessoas, e numa dessas rodas de maconha, conheceu Pedro, de 18 anos, com quem passou a se
relacionar. Pedro, nome que tem tatuado em seu corpo, era traficante de drogas e traficava no
mesmo conjunto residencial em que a adolescente residia.
Durante o namoro, Camila não atuava como traficante, apenas ficava próxima a Pedro e
usava maconha com ele. No entanto, Pedro vai preso e Camila fica devastada: “fiquei doida
quando ele foi preso, aí comecei a usar muita droga”. Ela relata que, como já conhecia as
pessoas para as quais Pedro traficava, passou a ficar no local usando muita droga, quando
começou, então, a fazer uso intenso de cocaína - “sei lá onde estava minha cabeça”.
Após um tempo, Pedro lhe envia uma carta da prisão pedindo que ela lhe enviasse coisas
materiais, como cigarros e alimentos 23 . Desde então, Camila passou a traficar para manter

23
Nas penitenciárias essas coisas se tornam objeto de troca e faz com que os presos consigam proteção uns dos
outros, a partir do que cada um tem e pode dar.
87

Pedro. A adolescente conta que, muitas vezes, pediu à sua mãe autorização para visitar Pedro
na cadeia, ao que a mãe resistiu. Por sua vez, Sra. Ana conta-nos que quase autorizou a filha a
visitá-lo, pois não suportava ver Camila tão triste. “Por sorte”, nos diz, não deu tempo de
autorizar isso. Apesar do padrasto ter um bom relacionamento com Camila, ele não auxiliou a
Sra. Ana nesse momento, entendendo que tratava-se de um assunto entre mãe e filha. Camila
diz que ele “não gostava, mas não falava nada”.
Após determinado tempo vendendo drogas, Camila é apreendida e fica poucos dias
acautelada provisoriamente. A adolescente relata que não lembra ao certo como se deu sua
apreensão, “de tão drogada que estava”. Camila dizia que se lembrava pouco do período da
internação provisória, alegando que, como estava usando muita cocaína por vários dias
seguidos, praticamente sem dormir, passou os dias de acautelamento praticamente dormindo. A
única coisa de que se lembrava era dos maus tratos cometidos pelas agentes de segurança
socioeducativa.
No curto período de acautelamento, Sra. Ana recebeu uma ameaça da traficante para
quem Camila estava vendendo drogas. Frente a isso, convenceu a filha a mudar-se para a casa
do pai em outra cidade. Camila não tinha contato com o pai há vários anos e só foi registrada
como filha por ele após sua apreensão. Na casa do pai, foi muito infeliz, pois se sentia maltratada
pela madrasta. A madrasta entra na série de mulheres por quem Camila se sente maltratada, que
inclui as agentes socioeducativas e a traficante que a ameaçou.
Da casa do pai, Camila escreve nova carta para Pedro na prisão. Com o endereço contido
no remetente, Pedro a denuncia para a ameaçadora e Camila é convencida pela mãe a mudar-se
de cidade com ela e o padrasto. “Quando encontrei com minha mãe e ela disse que Pedro tinha
me denunciado, que vi que ele não me amava. Chorei muito e aceitei vir embora”.
Sobre o namoro com Pedro, a única coisa que Camila dizia nos atendimentos, mais de
um ano depois do ocorrido, era: “não sabia onde estava com a cabeça”. Afirma que isso
arruinou sua vida, pois parou de estudar e brigou muito com a mãe durante o período em que
estava com o namorado.
Importante ressaltar que Camila chega para cumprir a Medida afirmando: “eu preciso
responder por isso, preciso acabar com essa história”. Ela indicava que não se considerava
traficante e que o seu problema foi o namoro. A adolescente cumpriu a Medida, voltou a estudar,
começou a trabalhar e iniciou um namoro com um “rapaz trabalhador e responsável”. Após o
início desse namoro, fez uma tatuagem por cima daquela que tinha com o nome de Pedro e
disse: “apaguei, olha que lindo que fiz por cima”, mostrando a nova tatuagem.
88

Meses depois do encerramento da Medida, houve um encontro, ao acaso, da técnica com


a adolescente em um espaço público. Camila estava com uma amiga e mostrava-se feliz.
Contou, animada, que tinha mudado de área no trabalho, o que era considerado uma ascensão.
Mesmo feliz, Camila demonstrava um pouco de vergonha frente à técnica que a atendeu, e
quando foi se despedir, disse: “tchau, obrigada por tudo”.

5.3.1 Discussão

Camila, em relação as suas condições socioeconômicas, é muito diferente do público em


geral que cumpre uma Medida Socioeducativa, mostrando, com isso, que não são apenas as
condições sociais que definem uma inserção na criminalidade. Ela, assim como Amanda,
encontra na parceria amorosa uma tentativa de localizar-se como mulher e, por uma
contingência, encontra Pedro, por quem ela nos diz que se “apaixona loucamente”.
Também na puberdade, Camila mantinha uma vida tranquila, era estudiosa, mantinha
um bom relacionamento com a mãe, de quem era amiga. Ela fazia uso esporádico de maconha
até que a entrada de Pedro marca uma irrupção. Ele foi seu primeiro namorado, e até encontrá-
lo, tinha tido poucas paqueras. Ela fazia muito bem seu trabalho de elaboração adolescente, o
saber a tranquilizava, até que o encontro com o parceiro demonstra que o que sabia até ali era
insuficiente.
O namoro com Pedro marca uma linha divisória em sua vida. Com o amor em jogo, ela
passa todo o dia com ele e, ao contrário do que ocorria com Amanda, Pedro nunca pediu que
Camila traficasse, ela era apenas sua parceira e ele era fiel a ela.
A genitora mostrava-se muito investida na filha. Importante que Camila faz o que Freud
(1914/2006) chama de a mais dolorosa tarefa da adolescência, que é a separação dos pais da
infância. Sra. Ana contou que a primeira vez que Camila a contestou com energia foi dizendo
que iria namorar com Pedro, e a partir daí passaram a brigar demais. A mãe, por sua vez, sustenta
a todo o momento seu investimento desejante na filha. Quando Camila é ameaçada de morte e
é descoberto que estava na casa do pai, a mãe oferece-se como referência, mudando-se de cidade
para protegê-la das ameaças, e convence seu marido a ir junto. Há uma aposta materna em
Camila. Também parece ser o desejo de sua mãe por ela elemento central em sua saída do
circuito toxicômano, solitário por excelência. Se o Homem mascarado (Wedekind, 1991) é
89

quem salva Melchior e o desvia das garras de Moritz, parecenos que Ana, menos nessa função
enigmática, e mais em sua ação desejante, é quem encarna essa função de desviá-la. No
comentário lacaniano, como vimos, o Nome-do-Pai em sua incidência real pode ser qualquer
figura, inclusive a de uma mulher, desde que inscreva o para além do Édipo, acenando um novo
horizonte para o desejo. Se Ana não encarna esse ponto enigmático, fato é que intervém
concretamente no destino da filha, acenando-lhe nova possibilidade face à incidência mortífera
de sua posição pulsional devastada.
Diferente da mãe de Amanda, Ana, mostra-se interessada em um homem, colocandose
como objeto causa de seu desejo. Isso faz função para Amanda, que afirma ter ficado perplexa
com o fato do padrasto ter deixado suas filhas no outro município para acompanhar sua mãe em
Belo Horizonte. Ela diz que isso a surpreendeu e que ele mostrou, com isso, muito amor por sua
mãe. O amor é mesmo o que proporciona o laço, só ele faz o gozo ceder ao desejo, necessitando
passar pelo registro do Outro.
Porém, ainda que a mãe mostre a Camila seu lugar como objeto causa de desejo de um
homem, isso de forma alguma resolve os enigmas da feminilidade para a adolescente. Ela
encontra na parceria amorosa seu lugar de uma mulher para um homem. Não há queixas em
relação ao namoro, até antes da prisão de Pedro, a relação vai bem. Camila conta que era feliz
com ele, que ele a tratava bem. O amor sustenta Camila numa posição confortável. Isso perdura
até que Pedro vai preso. Como não há limites para as concessões que uma mulher faz a um
homem (Lacan, 1975/2003), Camila passa a traficar em seu lugar para mantê-lo. A devastação
mostra aí sua face quando Pedro é preso, e ela fica sem as palavras de amor, não tendo
significante que a sustentasse.
O amor mostra sua face como incapaz de circunscrever o gozo Outro. Ela insiste e lhe
escreve cartas. É preciso que Pedro diga de seu amor. Mesmo trocando cartas o que ele diz, no
entanto, nunca é suficiente.
Camila, antes de passar a trocar cartas com Pedro, recorre ao uso de drogas, revelando-
se no campo de uma verdadeira toxicomania, que, como ela disse, fazia com que se esquecesse
de tomar banho e lavar os cabelos. Naparstek (2014) orienta que se as posições dos sujeitos
masculinos e femininos em relação ao amor, ao desejo e ao gozo são diferentes, devemos
considerar que em relação à toxicomania também há essa diferença.
Faria (2014) indica que a droga é, segundo Lacan, uma forma de rompimento com o
gozo fálico. Assim, uma forma de não ter que se haver com a sexuação e de gozar sem ter que
passar pelo registro do Outro. É um sintoma mudo, sem apelo ao Outro, no qual o corpo fica
90

em risco. “Essa forma insensata de apresentação do sintoma, paradigma da toxicomania,


aproxima-se do regime do não-todo” (p.101). Como vimos, o não-todo remete ao registro do
ilimitado. A autora define, assim, que há uma aproximação entre a toxicomania e o gozo
feminino. Entendemos, então, que no caso das mulheres, há um problema a mais, pelo fato delas
já estarem regidas pela lógica do não-todo fálico. A droga para uma mulher pode ser mais
devastadora que para um homem.
Assim como o gozo feminino ultrapassa o ser, a toxicomania também, por isso Camila
não se lembra de quase nada desse período, “estava anestesiada”, disse uma vez. Havia, no
entanto, um momento em que isso cessava, quando as cartas eram trocadas, quando Pedro se
mostrava para ela, mesmo estando preso. Aí, Camila apaziguava. Porém, após um breve
apaziguamento, o uso intenso de drogas retornava, pois a “saudade vinha mais forte”. E, então,
num círculo vicioso, se empenhava mais na venda de drogas para enviar-lhe mais coisas na
penitenciária e para consumir mais drogas.
Neste ponto em que a saudade vinha de forma insensata, localizamos o gozo Outro em
Camila. É aquilo que a ultrapassa. Ela dizia de um estranhamento que sentia no próprio corpo.
Ela relatava que, após se tranquilizar com as cartas, sentia, em seguida, “um vazio enorme”,
“um buraco no corpo”, e por isso recorria às drogas. Ela dizia que era estranho, que se sentia
invadida por essa saudade e que não tinha como controlar o que sentia, por isso recorria às
drogas, para que assim se anestesiasse.
Camila parece fazer a significação do amor (Lacan, 1960-61/1992), já que ela passa do
lugar de amada por Pedro para o lugar de amante e, assim como fez Aquiles, é capaz das mais
desmedidas atitudes em nome do amado. Entretanto, com a prisão de Pedro e a devastação de
Camila, podemos nos colocar a questão acerca de qual função, ela, de fato, ocupava nessa
relação. E é nesse ponto que ela, como exceção, nos ensina. Camila parece antes identificada
ao objeto do desejo, como se seu ser estivesse à disposição do fantasma de Pedro, encobrindo a
castração ou o ponto no qual dois corpos não se encontram no simbólico, revelando o real da
inexistência sexual. Daí a perda de Pedro revelar esse ponto, até então velado.
Camila só consegue romper com Pedro quando se decepciona com ele como objeto
agalmático, vindo ele a cair desse lugar. Ela descobre que não é amada, com a traição de Pedro
ao denunciá-la à traficante, e o amor para a mulher só tem valor quando ela é amada. Ser amada
tem mais valor que amar. Assim, Camila consente com a mãe, indo embora de sua cidade natal.
Conforme já apontamos, a mãe reintroduz a dimensão do amor. Mesmo após um ano, o nome
91

de Pedro ainda estava tatuado em seu corpo, ainda sustentava sua substância feminina. Ela
sempre dizia dos planos de fazer uma tatuagem por cima dessa, mas isso nunca ocorria.
Após alguns meses em cumprimento de Medida, ela encontra um novo rapaz com quem
passa a se relacionar. Ele era “um bom rapaz” e estava apaixonado por Camila, sempre se
declarando para ela. Logo após encontrar novas palavras de amor, que sustentava seu ser de
mulher, Camila faz uma bela tatuagem por cima do nome de Pedro e faz questão de dizer e
mostrar à técnica que a atendia como era belo o que fez. Sim, era belo.
Assim, com Camila, concluímos que, como com Amanda, o amor passa para o registro
do necessário e a infração toma o lugar de contingente. Por Pedro, Camila sentia-se autorizada
a tudo, inclusive a infracionar, algo distante de sua realidade. Apesar de ter conseguido se
distanciar de Pedro mudando-se de cidade, percebemos que ela ainda o levava em seu corpo,
no nome tatuado nela. É preciso, então, um trabalho maior de elaboração para isso encontrar
novo destino.

5.4. Considerações finais

A partir dos casos estudados, podemos concluir algumas questões em relação ao nosso campo
de estudo. Nos dois casos, é possível ler a assertiva de Lacan sobre a necessidade do amor para
que as mulheres possam substanciar seu ser, uma vez que o gozo Outro não as identifica e não
dá ao corpo a unidade que o gozo fálico dá aos homens. É nesse sentido que Lacan (1958/1998)
afirma que a mulher é Outro para ela mesma.
Ainda, podemos verificar que a devastação aparece nos dois casos em momentos
diferentes: quando a demanda de amor não é atendida, no caso de Camila, após a prisão de
Pedro, bem como quando o que sustenta uma posição feminina vacila, como vimos no caso da
Amanda. Neste, após falhar o amor, outra coisa entrou no lugar para substanciá-la como mulher,
que era a posição de traficante como a irmã, que também falhou. É neste momento que ela passa
a chorar copiosamente e dizer que não quer fazer mais nada da vida.
Em relação à puberdade, percebemos que há uma coincidência com o processo de
feminização, pois nos dois, o que é mais central é a tomada de posição da partilha dos sexos.
Dessa forma, podemos perceber como o tráfico de drogas parece ter sido transversal na
vida dessas jovens, uma vez que o que estava em jogo era a parceria amorosa. No tráfico de
92

drogas, o uso de armas é necessário, como nos mostram os adolescentes rapazes em


cumprimento de Medida Socioeducativa. No entanto, os dados das mulheres no sistema
prisional, trabalhados no primeiro capítulo, mostram que 60% dos delitos cometidos é o de
tráfico de drogas, mas o delito de uso de arma de fogo corresponde a apenas 2%, ou seja, há
uma diferença entre a posição das mulheres e a posição dos homens no tráfico de drogas.
Consideramos que Amanda e Camila nos dão uma indicação da contingência do crime na vida
das mulheres. Sendo essa a grande contribuição dessa dissertação ao campo socioeducativo. Ali
onde essas jovens se fazem exceção escrevem a infração como contingência. Os casos
impuseram o corpo da dissertação, uma vez que eles nos mostraram o que estava em jogo: a
puberdade e o tornar-se mulher, que tem como um dos seus fundamentos a parceria amorosa,
deslocando a infração da centralidade do processo aí em jogo.
93

6. CONCLUSÃO

Neste trabalho, buscamos compreender a relação entre a entrada das adolescentes no


tráfico de drogas e suas parcerias amorosas, tendo como base dois casos atendidos nas Medidas
Socioeducativas de Liberdade Assistida.
De saída, não buscamos aqui nem justificar nem mesmo suprimir a gravidade do
cometimento de atos infracionais, mas buscamos entender uma essa modalização muito singular
de inserção na criminalidade. Nosso objetivo inicialmente foi explicitar o que está em jogo nas
parcerias amorosas para as mulheres e, para isso, fomos com muita cautela. Antes de escrever
a dissertação, escrevemos os casos e buscamos, por meio deles, pensar em nosso percurso
teórico, o que culminou em quatro capítulos.
No capítulo um, tentamos esclarecer nosso campo de trabalho, tanto em relação às
mulheres na criminalidade, como com relação às Medidas Socioeducativas. Concluímos, nesse
capítulo, que há um aumento da participação das mulheres no crime, sendo o tráfico de drogas
o crime mais comum. Por outro lado, percebemos que há uma diferenciação na participação das
mulheres no crime. Se o tráfico de drogas é, em geral, marcado pela violência e disputa do lado
dos homens, do lado das mulheres, isso se dá de forma diferente: elas usam menos armas. Os
dados nos mostram isso: 60% dos delitos são relacionados ao tráfico de drogas, mas apenas 2%
destes está relacionado ao uso, porte ou comercialização de armas de fogo. Também
verificamos, na sociologia, a prevalência da relação do afeto, tida como central para as
mulheres.
A discussão dos casos exigiu uma primeira articulação que foi trabalhada no segundo
capítulo, qual seja entre adolescência e feminização. Os dois processos têm em comum um
ponto de embaraço: a sexuação, a forma de se posicionar na partilha dos sexos. Se para os
meninos basta que eles resgatem o que foi concluído no complexo de Édipo, as meninas não
94

tem o que resgatar, cabendo a elas buscar o que de mais íntimo conseguem construir em relação
à sua feminilidade, e se direcionarem àquele que tem o falo.
Além disso, a adolescência tomada como um sintoma da puberdade, segundo elaboração
de Stevens (2004), exige do sujeito um esforço para que ele crie sua resposta frente à
inexistência de respostas prontas sobre o encontro sexual. Esse sexual não é apenas em seu
sentido biológico, pois a psicanálise em muito ultrapassa a biologia. O sexual em questão é o
encontro com o Outro sexo, com o sexo diferentemente sexuado. Concordamos com Lacan
(1974/2003) que este é um encontro mal sucedido para todos, devendo, cada sujeito encontrar
sua fórmula e lugar, como lembra Lacadée (2011). Amanda e Camila nos mostram esse
insucesso, pois no primeiro caso, isso a insere diretamente na venda de drogas, e no segundo,
quando o amor falta ela se devasta.
No terceiro capítulo, descobrimos que sobre o feminino não há universal, não há exceção
à regra e, por isso, não existe A mulher, diz-nos Lacan (1972-73/2008). Isso tem muitas
consequências para as mulheres, uma delas é elas poderem se inventar com mais liberdade que
o homem. Não há um significante único que nos autorize a dizer A mulher, mas há um gozo
único, o que, no entanto, também não nos autoriza a isso. Este é um gozo que não dá unidade
ao corpo, de modo que a mulher é Outra pra si mesma. Então, o amor é o que resta às mulheres,
pois assim podem ser uma mulher de um homem. Alguns podem concluir que essa é a chave
para ler as mulheres, como se o amor desse, então, uma unidade a elas. Mas aí reside um engano:
por estarem, no campo desse gozo suplementar, em busca do S(Ⱥ), que não existe, a demanda
feminina de amor se infinitiza.
Se o homem reveste a mulher sob a forma do objeto a, isso faz com que seu gozo não
precise do amor. Sua forma de amar é fetichista. Já os sujeitos femininos gozam justamente por
meio do amor. O amor é, desde o princípio, contingente, pois se não há a relação sexual, o amor
não é dado a priori. No entanto, os casos nos fizeram concluir o seguinte: para algumas
mulheres, o amor entra no registro do necessário. Eis aqui nossa primeira contribuição ao
avanço teórico e clínico dessa discussão.
Por necessitar do amor, a forma de amar feminina é erotomaníaca, ela sempre demanda
cada vez mais do parceiro. Miller (1998) formalizou, a partir de Lacan, o parceirosintoma do
homem e o parceiro-devastação da mulher. A forma erotomaníaca aparece como lógica do amor
na mulher, pois nem no amor a mulher encontra uma resposta definitiva para a dúvida “será que
ele me ama?”, que recobre o enigma essencial sobre seu ser feminino. Isso porque, se a mulher
pode encontrar ou inventar no corpo ou nas palavras de seu parceiro um significante de seu
95

desejo, ela não encontra aí nenhuma garantia de resposta sobre o amor. Aprendemos, neste
trabalho, que amor e desejo são distintos, o desejo está ligado ao parceiro, reduzido a objeto,
enquanto o amor diz da dimensão do ser.
Finalmente, no quarto capítulo buscamos articular a teoria a clinica, com o estudo dos
casos, que deram ensejo a essa dissertação. Podemos dizer da devastação nos dois casos, mas
em momentos diferentes. Também percebemos que a posição materna desejante orienta a
adolescente Camila, enquanto deixa Amanda desamparada. Porém, para além de um exercício
de comparação entre os dois casos, tão singulares em sua trajetória, a grande descoberta que se
impõe na travessia de sua discussão, amparada pela revisão teórica, inaugura uma nova maneira
de abordar o tema adolescência-feminilidade-infração. O deslocamento do campo amoroso para
a lógica do necessário, nesses casos, reservou à infração um novo lugar: o do encontro
contingente, derivado da necessidade da parceria amorosa como revestimento do ser feminino
dessas jovens. Se podemos ampliar e universalizar essa hipótese? Não. Cada mulher é única em
sua escrita de si mesma. Mas certamente esse é um horizonte a ser considerado na prática
socioeducativa com adolescentes do sexo feminino.
Nos casos, para além das questões clínicas trabalhadas, tiramos a indicação que a
psicanálise, tomada como um orientação possível, contribui ao campo das políticas públicas. E,
se dissemos orientação possível, é porque, se ela passa a ser o discurso dominante, perde sua
operacionalidade, passando a funcionar como o discurso do mestre.
Amanda e Camila, adolescentes que motivaram e deram fôlego a nossa escrita,
mostraram que é preciso alguém que as escute sem um saber pré-concebido, que lhes dê
oportunidade de falarem de seu ato. No início, nos equivocamos com Amanda, não a escutando,
forçando que ela assumisse sua responsabilidade pelo ato cometido. Frente à sua teimosia em
dizer “a culpa é do meu namorado”, conseguimos escutá-la e abrir um espaço para que ela
finalmente pudesse dizer disso, de sua exceção na escrita feminina. Já com Camila estávamos
mais avisados. Quando ela chegou para cumprir a Medida, percebemos que havia um grande
espaço temporal entre o cometimento de seu ato e o início da Medida, bem que sua vida já
estava organizada e não havia mais envolvimento infracional. Frente a isso, chegamos a sugerir
que a Medida fosse extinta, mas ela nos disse, sutilmente, que não, ao afirmar: “preciso
responder por isso para acabar”. Com isso, mantivemos a Medida, e ela pôde usar esse espaço
para elaboração e para apagar o último registro que tinha de Pedro em seu próprio corpo.
Optamos por deixar a discussão da responsabilização de lado, por um recorte de
pesquisa. No entanto, nos perguntamos e deixamos para futuras pesquisas a questão acerca de
96

como podemos pensar a responsabilidade do sujeito em sua e a partir de sua parceria amorosa.
Sabemos que isso está ligado a uma modalidade de gozo, e o que podemos fazer é escutar o
sujeito, de forma que ele possa dar a orientação de seu gozo a ser tratado.
Enfim, aprendemos com Lacan (1962-63/1995) que o amor é o que faz o vínculo, é ele
que faz o gozo condescender ao desejo. Essa formulação abriu uma nova questão para nós.
Temos, de fato, menos mulheres que homens em envolvimento com o crime. Os crimes
cometidos pelos homens são, em sua maioria, mais violentos, como se o Outro não tivesse muito
valor para eles. Dessa forma, tomando o amor na perspectiva da psicanálise, não seria a
afinidade das mulheres com o amor que as afastariam de crimes mais violentos e modelariam
sua relação com o crime de outra forma? Aqui, propomos pensar que se o amor mais temperado
é o que favorece o laço social, ele pode ser também uma solução encontrada por alguns sujeitos
para romper com a criminalidade. Enfim, se a parceria amorosa foi o que se constituiu como
causa para entrada de Amanda e Camila no tráfico de drogas, ela também pode ser uma solução
e mesmo uma causa para o rompimento com o crime. A isso cabe uma nova investigação.
97

REFERÊNCIAS24

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Psicanálise do Campo Freudiano: O sexo e seus furos. (2) 44-49

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