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COMPREENSÃO DA
EXPERIÊNCIA DO SOFRIMENTO DE MULHERES NA RELAÇÃO
AMOROSA
Natal/RN
2004
10
Natal
2004
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elaborada por Ana Regina de Lima Moreira, foi considerada aprovada por todos os
BANCA EXAMINADORA
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existir.
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Agradecimentos
À Elza Dutra, pelos preciosos momentos de orientação bem como por sempre me
incentivar e acreditar no meu potencial.
Aos meus queridos pais, pelo apoio, carinho e dedicação que sempre dispensaram
ao longo da minha vida.
A Cleudo, cuja presença foi fundamental neste percurso, com sua sensibilidade,
inteligência e capacidade de entrega.
À Denise Dantas, pelo modo competente e cuidadoso com o qual contribuiu para a
melhoria deste trabalho nos seminários de dissertação, bem como pela participação na
banca examinadora.
v
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Sumário
1. Introdução .............................................................................................................. 9
Anexos
Apêndices
vi
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Resumo
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Abstract
Our professional everyday life, as a psychologist, we often come across the narrative made
by women of a permanent suffering experience in loving and sexual relation. This checking
created questions which indicated to the questioned experience singularity, taking into
account the historic and cultural aspects (genre and romantic love) that seemed to permeate
such an experience. The conduction given to this research was guided by the following
question: how is to the woman the experience of going on suffering on loving and sexual
relation? Therefore, the objective was to understand that experience. Were carried out with
six women that were living the experience which intend to investigate. The narrative, in
according to the purposal by Walter Benjamin was the access tool to the experience. The
narrative analysis shows the singularity of constant suffering experience on loving relation
as well as common aspects. It is remarkable the presence of relative questions to the genre
and romantic loving dimension, influencing the way as the interviewed women perceive
themselves on the existence and realize the loving suffering which experience. Women
reveal several ways of expressing and perceiving to the loving suffering which is common
the manifestation of several physical and psychic symptoms. The most participants had
experiences of protected familiar contact of feeling development of low self-esteem,
disability, unstableness and fear. We realize that the suffering of interviewed women, on
loving relation, it revels, above all, a way of being in the world, perveiving themselves,
marked by solitude fear, lovelessness, leading the life itself giving origin to the lifestyle and
of really new loving. Thus, we emphasize the importance of greater engagement of
professionals and institutions which deal with the thematic this research in order to develop
actions that consider its complexity. We also emphasize new reflections about the loving
suffering so that different sense possibilities can emerge propitiating a greater
comprehension of human subjectivity.
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1. Introdução
ciumento, incompreensivo, infiel, possessivo, viciado, agressivo etc. Elas revelam, ainda, a
dificuldade que sentem em continuar ao lado de alguém que não as valoriza, não dialoga,
desesperança ou sensação de vazio. Algumas lamentam ter dedicado muito tempo de sua
vida ao homem com quem convivem e, comumente, afirmam sentir-se impotentes diante da
tendem a responsabilizar o parceiro amoroso pela dor e a insatisfação que vivenciam dia
após dia. Outras buscam adequar-se, a qualquer custo, ao seu modo de ser, às vezes
contar, ainda, aquelas que alimentam esperanças de que o parceiro amoroso se modifique,
freqüentemente, com algumas mulheres que revelaram ter tentado suicídio e/ou pensavam
humana e, por isso, acreditamos que sempre será um tema atual para os estudos de várias
disciplinas, dentre as quais a Psicologia Clínica. Atualmente, observamos que tal assunto
tem sido amplamente discutido por profissionais da área “psi”, diante do surgimento das
colocando o ser humano diante dos seus limites e potencialidades e convocando-o a entrar
em contato com o sentido da sua existência e, assim, a comprometer-se com uma escolha.
Consideramos ter um caráter subjetivo, singular aquilo que é vivenciado como sofrimento.
geral, inclusive nas relações amorosas. No presente trabalho, estamos nos referindo ao
sofrimento que é vivido pela mulher, de forma constante, predominando sobre as suas
permanência no sofrimento na relação amorosa é algo que tem ocorrido não apenas em
nossa atuação como psicóloga, pois não tem sido raro ouvirmos pessoas que fazem parte do
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nosso convívio social afirmarem conhecer alguma mulher que vivencia ou já vivenciou
uma experiência desse tipo. Na verdade, percebemos, cada vez mais claramente, que o
nosso cotidiano está repleto de exemplos de situações, as mais variadas, que demonstram a
presença do sofrimento constante vivido pelas mulheres na sua relação amorosa. Nesse
mulher, tal como o MADA (Mulheres que Amam Demais Anônimas), que existe tanto no
Brasil como no exterior. Apesar de não termos a pretensão de enfocar, neste estudo, o
econômico, raça ou credo. No que se refere especificamente à cidade do Natal, Teixeira &
Grossi (2000) revelam a existência de uma importante pesquisa, a qual constatou que, ao
longo de dez anos (1986 a 1996), mais de 90% das queixas da Delegacia Especializada em
durante muito tempo em relacionamentos violentos, alegando, para isso, motivos tais como
melhor, impregnado em nossa existência. Esse tema nos convida, agora, para lançar-lhe um
novo olhar, a fim de iluminá-lo, dar-lhe um sentido, fazendo-nos ir, portanto, ao seu
encontro.
Trilharemos esse caminho, norteada pela seguinte questão: como é para a mulher a
desta pesquisa jamais sairão do sofrimento amoroso. Nosso entendimento é de que elas
outras expressões de sofrimento. Desse modo, tais mulheres demonstram, através de suas
explicitaremos adiante. Indagamos, ainda, quais são os significados que essas mulheres
atribuem à sua existência, que percepção elas têm acerca de suas potencialidades e limites,
qual é o seu projeto de vida; em síntese, interrogamo-nos sobre os aspectos subjetivos que
não só permeiam a experiência em questão, mas também contribuem para ela. Ao lado
relacionados ao “modo de ser mulher”, na vivência desse sofrimento, pois sabemos que,
embora reconheçamos que, hoje, de maneira diferente de tempos atrás. Dentro dessa
perspectiva, indagamos ainda sobre a força que a idealização do amor romântico pode ter
respeito ao mundo interior do ser humano, àquilo que ele sente como particular, único,
criador, Carl R. Rogers. Tal opção justifica-se pelo fato de utilizarmos o referencial
indivíduo sobre o seu estar no mundo, a cada momento da existência, de acordo com a
Rogers, tal como por ele formulada na Terapia Centrada no Paciente. A ACP, assim como
cultural pelo qual o self se constitui e existe no mundo. Apesar de concordarmos com o
criador da ACP, acerca da importância atribuída por ele ao papel dos vínculos familiares e
ou autoconceito, possibilitando o seu contínuo fazer e refazer, o seu constante devir. Tal
pensamento nos faz acreditar que a compreensão do nosso objeto de estudo deve alicerçar-
realidade cultural e histórica. Nesse sentido, é importante esclarecer que não pretendemos
fazer uma reformulação teórica do constructo self, mas contribuir para uma ampliação do
Portanto este trabalho não envolve a união de abordagens diferentes, dos pontos de
histórica, mas lança luz sobre alguns aspectos da dimensão social e histórica do ser humano
relação amorosa. Tais aspectos são, neste trabalho, a questão de gênero e do amor
romântico, pois pensamos, como já dissemos, que têm estreita relação com o objeto de
estudo aqui tratado. Nessa perspectiva, apoiar-nos-emos em outros suportes teóricos para
inspiração fenomenológica, representada por Carl Rogers, dialogando com outros autores
relação amorosa.
amorosa, estaria relacionada com tal forma de estar e perceber-se no mundo, a qual
entendemos como self. Este, à medida que se desenvolve, é permeado por valores,
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expectativas sociais, modos de pensar, sentir e agir característicos do contexto no qual o ser
Com este estudo, entendemos que os profissionais que atuam no campo da clínica
para sua intervenção dirigida à clientela que apresenta queixas dessa natureza. Além disso,
podemos estar contribuindo para o aprofundamento das teorias psicológicas sobre a mulher.
Este trabalho está estruturado de forma que o leitor possa, através do segundo
existencial da subjetividade) inicia-se com uma breve exposição das principais idéias de
Gendlin.
coleta dos dados adotados assim como do processo de análise das informações coletadas.
24
produção do saber.
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estudo em questão.
estamos trazendo, como um dos eixos de reflexão teórica deste estudo, a concepção de
gênero. Este não se define pelo sexo biológico, pois os padrões de comportamento, as
Desse modo, quando nos referimos à noção de sexo, estamos falando da diferença
social, simbólica e material baseada nessa diferença (Schaiber & d’Oliveira, 1999).
Nesse sentido, não podemos falar em uma natureza feminina ou masculina, pois o
de uma realidade vivida pelos seres humanos ao longo da história, realidade essa
pública da vida - bem como pelo papel de submissão e obediência destas perante os
Soihet (1997), que não se pode compreender o homem ou a mulher, “(...) através de um
a partir dos anos 70 (século XX), trazendo ganhos à vida das mulheres, principalmente
feminino” (Silva, 2000, p.40). Acreditamos que, assumindo a categoria de gênero como
sofrimento das mulheres na sua vida amorosa, pois entendemos que o sentido atribuído
por elas a tal experiência está permeado pelos significados do contexto sócio-histórico.
Nessa perspectiva, pensamos, como Biasoli-Alves (2000), que, mesmo diante das
como de homens e de mulheres” (Silva, 2000). Desse modo, Silva (2000) esclarece que
o mundo do lar é tido, por excelência, como feminino, devendo ser revestido do amor
no seio da família, no interior da proteção do lar. Esse ser, tido como submisso, puro e
(1995) assinala que a dedicação exclusiva das mulheres aos trabalhos domésticos criou
uma barreira para sua participação autônoma no domínio da vida pública, ou mesmo
impossibilitou essa participação. A vida pública era destinada aos homens e a eles cabia
legitimando, por vários séculos, a exclusão das mulheres do convívio na esfera pública e
sexos.
estar no mundo, ou seja, ela passou a participar ativamente dos acontecimentos de ordem
política, econômica e social. Vale salientar que, em menos de trinta anos, as mulheres
(Muraro, 2001). É interessante observar tal mudança de postura, após inúmeros anos em
que a mulher esteve à margem das decisões e amplas transformações que afetaram a
vida humana. Hoje, podemos afirmar que ela se distanciou, significativamente, do papel
que lhe foi reservado através dos tempos, buscando novas formas para a sua existência,
integrando-se ao domínio da vida pública, antes destinada apenas aos homens, em uma
Porto Alegre (ES), no qual o engajamento feminino nos diversos debates e conferências
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foi destaque. Além disso, vale lembrar que, em nosso país, as mulheres já representam
mercado de trabalho. Por outro lado, esse mesmo censo indica que os homens continuam
a ter uma remuneração maior do que a das mulheres: em 2002, o rendimento médio da
mulher foi equivalente a 70,2% da renda do homem, o que significa quase um terço a
menos. A pesquisa também revela que a tendência parece ser de aproximação, pois em
É importante destacar, conforme expõe Badinter (1986), que, no final do século XX,
aos homens o exercício do poder sobre as mulheres. De acordo com essa autora, os
papéis sexuais eram bem delimitados até então, o que leva a crer que essa era a principal
causa da desigualdade. Ela esclarece ainda que, por tal motivo, a já consolidada
distinção sexual das tarefas foi substituída pela não-distinção sexual, gerando rupturas
Sendo assim, houve uma certa flexibilização no que diz respeito às atribuições
assumidas por homens e mulheres, tanto na família quanto em outros contextos sociais.
No que se refere à mulher, esta começou a exercer seus direitos de cidadã, deixando de
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Por outro lado, concordamos com a posição de Goldberg (citado por Giddens,
1993), quando diz que “as mulheres ainda são as principais agentes da criação dos filhos
e das tarefas domésticas” (p.172). Vaitsman (2001), no contexto brasileiro, ratifica essa
afirmação, ao constatar que, mesmo diante das inúmeras conquistas obtidas pelas
mulheres, elas continuam sendo as “(...) principais responsáveis pela procriação e pela
esfera de reprodução doméstica” (p.20). Essa situação pode significar, segundo o ponto
a mulher não divide as tarefas e despesas com o seu parceiro amoroso. De acordo com
Badinter (1986), pesquisas realizadas sobre o dia-a-dia dos casais demonstraram que a
apresentadas por Medeiros (2003), em sua pesquisa realizada na cidade do Natal (RN),
sobre a “doença dos nervos”, endossa tal posicionamento, pois revela que a submissão
Isso nos faz refletir sobre a proximidade existente entre as questões de gênero,
Ainda no tocante à dimensão de gênero, vemos que, embora inexista, nos dias de
hoje, uma rigidez nas identidades masculina e feminina, entendemos que a figura da
mulher continua associada ao domínio do privado, da casa e aos afazeres que lhe são
“rainha do lar”. Não raramente constatamos tal realidade, em nossa experiência clínica,
emprego. De fato, tal situação parece ser desvantajosa para o plano de carreira de
qualquer mulher.
da família (Giddens, 1993). Em nossa vida profissional, observamos com freqüência tal
sobrecarga e isso acaba sendo, muitas vezes, o principal motivo de suas queixas de
porcentagem de lares chefiados por mulheres era de 18,1%, contrastando com a situação
com a diferença.
frestas, espaços vazios nos quais circulam os antigos modos de pensar, sentir e agir, em
se acomodar, para se consolidar. Como assinala Biasoli-Alves (2000), “às vezes, práticas
e atitudes parecem assumir apenas e tão somente uma outra roupagem, mostrando, numa
análise mais aprofundada, que a maneira de pensar certas questões ainda se encontra
nossa cultura influenciam a mulher na formação de um “self” que contribui para que ela
Vale salientar que, ao considerarmos a mulher como foco deste estudo, não estamos
espécie. Estamos apenas delimitando nosso olhar, tendo em vista que, em nossa atuação
profissional, a freqüência de mulheres que apresentam queixas desta natureza tem sido
versos:
A fonte da poesia
Dá força ao pensamento
Para que o trovador
Dentro do conhecimento
Possa narrar um romance
De amor e sofrimento
Um poema de Dolores Duran (1959) cuja composição musical foi feita por Carlos
Lyra expressa, de forma clara e direta, a relação entre amor e sofrimento, por intermédio do
título Amar é sofrer. De modo semelhante, encontramos trechos na canção popular, tanto
amor doentio (Leandro e Leonardo), Mora na filosofia/Pra que rimar amor e dor (Arnaldo
(Queen).
É interessante destacar, como aponta Menezes (citada por Moura Filho), professora
literatura, amor e paixão são sinônimos de sofrimento”. Acrescenta essa autora que, “nos
textos literários, principalmente nas canções de amor da Idade Média, é comum observar a
busca amorosa. Neste sentido, a palavra grega pathos pode significar o amor como
doença”.
Por outro lado, também encontramos registros literários, artísticos, dentre outros,
que, embora não neguem a presença do sofrimento, abordam o amor de modo diferente
desse de que vimos tratando. Cabe citar Martins (2000), em um artigo de sua autoria, que
Tal visão nos diz que amar implica a vivência lúdica, a espontaneidade, a criatividade, a
fluidez, o incessante devir; ele (o amor) nos liga ao mundo, potencializa a vida, sedimenta a
Como endossa o autor, o amor é, fundamentalmente, amor à vida, “(...) amor do qual o
amor ao outro é apenas um modo, uma variação, um caso particular”. O amor, nessa visão,
está completamente enlaçado com a vida, com a alegria, com a “saúde emocional”. Essa
idéia, porém, está longe de constituir uma dicotomia com a de morte, de sofrimento ou de
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doença, pois a relação entre esses dois grupos é pautada no paradigma da coexistência.
realmente parece ser relevante quando amamos, segundo essa linha de pensamento, é a
ponto de vista da mulher, não integrado à vida social como um todo. A autora aborda o
amor numa perspectiva não-patológica, considerando, como afirma, que “(...) o amor
assume lugar nas possibilidades humanas, dentro de um espaço de criação (...)” (p. 24).
amor é comunicação.
predominante da íntima relação entre amor e sofrimento, muito distante das esferas da
entendimento de que amar não é sofrer, e vice-versa, embora admitamos que o sofrimento
possa estar presente, com maior ou menor intensidade e constância, em qualquer relação
No presente estudo, optamos por tecer considerações mais extensas acerca do amor-
romântico, pois pensamos que, mesmo tendo surgido há três séculos, ele continua presente
em traços ainda mantidos, embora de maneira diferente de tempos atrás, tendo em vista o
intimamente relacionada aos ideais do amor romântico. Portanto este trabalho enfatiza o
Em uma pesquisa realizada por Garcia e Tassara (2001) sobre as estratégias que as
mulheres utilizam para lidar com o cotidiano conjugal, verificou-se que a utopia do amor
romântico parece ser considerada por elas como um padrão de desejabilidade a ser
inexistência dessas condições, as autoras constataram que essas mulheres não têm a
que o amor romântico ainda constitui um ideal almejado por grande parte das mulheres em
casamento contemporâneo. Segundo essa autora, “as categorias de ‘para sempre e único’ do
inegável e crescente igualdade sexual entre homens e mulheres, que leva ambos “(...) a
Pensamos, assim como esses dois autores, que as conquistas femininas foram
ideais românticos coexistem, gerando tensões que, muitas vezes, revelam a sobreposição da
No capítulo introdutório da sua obra, a qual reúne quatro artigos sobre o amor
romântico, Costa (1999) argumenta que “o amor é uma crença emocional e, como toda
crença, pode ser mantida, alterada, dispensada, trocada, melhorada, piorada ou abolida” (p.
12). De maneira esclarecedora, Dantas de Araújo (2000) expõe que esse autor sustenta a
“(...) idéia de que o amor-romântico é uma construção humana e, como tal, não se deve
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nem ao indivíduo isolado nem à sociedade abstrata, mas à relação dinâmica entre a
como o ideal amoroso a ser buscado, perseguido incessantemente e, quando, por algum
narrativas para explicar a impossibilidade, buscando culpar a nós mesmos, aos outros ou ao
acreditamos, constitui o atributo essencial da felicidade pessoal que almejamos; não nos
preocupamos em questionar esse ideal amoroso e sua prevalência no cenário da vida atual.
romântico, que é tido como garantia de felicidade, de modo que, se, por algum motivo, não
autor, a falta de posicionamento contra o valor imposto evidencia uma valorização geral da
relacionar-se sexual e afetivamente com o sexo oposto. Como sabemos, ainda hoje muitas
seja, um homem por quem ela se apaixonará, com quem casará, constituirá família, viverá
para sempre, e feliz. Esse é um valor social que continua sendo transmitido pelos pais aos
que a mulher, atualmente, é um ser em construção, que busca desenvolver-se e realizar suas
imprimir nos seus filhos e netos estão presentes, hoje, mesmo que sob outras roupagens”,
A jornalista mostra que, atualmente, existe uma pluralidade de modelos de união entre
homens e mulheres, porém continuam presentes, nas relações amorosas modernas, valores,
Segundo Costa (1999), mesmo quando admitimos que o amor não é universal,
natural ou espontâneo, podemos ter o desejo de mantê-lo como ideal de felicidade. O autor
afirma que, na verdade, o amor “(...) deixou de ser um meio de acesso à felicidade para
tornar-se seu atributo essencial” (p. 19). Ele explica que isso se deve a fatores tais como a
perda de interesse pela vida pública, a emancipação das minorias sexuais e a escassez de
ideal da cultura ocidental, o qual vem se perpetuando, resistindo às mudanças que o mundo
vem sofrendo ao longo do tempo. Sendo assim, ele questiona o fato de permanecermos
condições culturais, existe uma valorização das sensações, do que é efêmero e superficial,
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como também, segundo o autor, uma continuidade do amor romântico como modelo de
com a qual nos defrontamos em nosso cotidiano profissional e social mostra que as pessoas,
especialmente as mulheres, ainda estão acalentando essa forma de amar, tomando-a como o
que Comte-Sponville (2001) afirma ao dizer que “(...) estamos constantemente separados
da felicidade pela própria esperança que a busca” (p. 36). Para o autor, desejamos sempre
aquilo que nos falta, por isso vivemos esperando ser felizes e não nos entregamos à
plenitude do momento presente. Esclarece ele, ainda, que, assim como a felicidade, o amor
só existe no presente, e apenas este é real; assim, o amor só se refere ao real. Desse modo,
Ainda com relação ao amor romântico, o sociólogo Anthony Giddens (1993) afirma
que ele “(...) pressupõe a possibilidade de se estabelecer um vínculo emocional durável com
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o outro (...)” (p.10). O amor romântico precede a um modo de amar denominado por esse
Segundo Giddens (1993), o amor romântico introduz a idéia de uma narrativa pessoal que
entender, a díade amorosa desenvolve uma relação na qual se exalta a privacidade, o mundo
íntimo e particular dos amantes, seus encontros e momentos de plenitude. Valoriza-se aqui
indivíduos que possibilita o preenchimento de um vazio que cada um carrega. Esse vazio, o
autor esclarece, relaciona-se com a auto-identidade, que se torna inteira quando a relação de
amor tem início. Assim, parece coerente pensarmos que, com o passar do tempo, cada
indivíduo vai tendo possibilidade de ver o outro de maneira mais realista e global,
cultivados, denunciando o vazio que parecia ter sido preenchido pelo outro. É comum
negativamente quando, dentre outros motivos, se constrói uma imagem pouco realista de si
mesmo e do parceiro que se ama; assim, estar-se-á mais suscetível a decepções, frustrações
e solidão.
apresenta recortes de narrativas de duas mulheres que, assim como outras clientes, em sua
paixão) a responsabilidade por todo o bem-estar e sofrimento que se sente. Ela defende a
sua diferença” (Silva, 2002, p. 23). A autora explica que as idealizações que permearam as
manutenção desse modo de relação amorosa na fase adulta. Argumenta ainda que as
seus progenitores, constituem o protótipo das escolhas amorosas do indivíduo adulto. Este,
de acordo com o nosso entendimento, a partir da situação descrita pela autora, dificilmente
poderá reconhecer-se como tal, ter clara consciência de seus desejos, emoções, valores, agir
É importante destacar o que Giddens (1993) afirma acerca da relação entre a mulher
e o amor romântico, a saber, que o amor e seus ideais influenciaram, durante muito tempo,
as aspirações femininas. Lembramos, porém, que nossa posição baseia-se na idéia de que
essa influência continua presente, embora admitamos que, de maneira talvez menos intensa
Concordando com Giddens (1993), entendemos que o amor romântico era “(...)
essencialmente um amor feminilizado” (p. 54). Para esse autor, é inconcebível não ligarmos
o surgimento da idéia do amor romântico aos acontecimentos que incidiram sobre a vida
das mulheres a partir do final do século XVIII, tais como a criação do lar, as mudanças na
relação entre pais e filhos e a invenção da maternidade. Esclarece ainda Giddens (1993) que
acrescenta que a divisão sexual das tarefas fez com que essa modalidade de amor fosse
isolamento do mundo exterior” (p. 54). De fato, endossa Araújo (2002), “(...) os sonhos do
amor romântico conduziram muitas mulheres a uma severa sujeição doméstica” (p. 76).
Como pudemos observar, diante de tudo o que expusemos, parece existir uma
estreita vinculação entre sofrimento, gênero e amor romântico. Isso nos faz pensar na
(1999), ao defender a idéia de que os seres humanos precisam criar novas formas de vida
bem c
amoroso que a cada dia tendem a declinar, em virtude de se tornarem mais restritas “(...)
aos episódios de êxtase sentimental e sexual” (p.218). O autor encerra sua argumentação
dizendo:
estabelecidas, avessos ao modo de existir que se permite ser afetado pelo fluxo contínuo de
de acordo com referências externas, as mulheres revelam um modo de estar no mundo que
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modo de vida previsível e “seguro” que construíram para si, inertes à capacidade de extrair
prazer, satisfação e bem-estar do momento presente bem como de encarar a vida e suas
Sem pretendermos dar um ponto final às nossas reflexões, pensamos que cabe tanto
seguir, daremos destaque ao que consideramos ser o espaço teórico dos aspectos subjetivos
da subjetividade
pesquisa.
pouco dessa posição, pois passamos a questionar alguns limites teóricos, ao depararmo-nos
da subjetividade humana, aspecto que, ao nosso ver, não foi tratado satisfatoriamente por
Rogers em sua abordagem teórica. Não temos a pretensão de formular novos conceitos
teóricos, mas sim desejamos chamar a atenção para a configuração histórico-cultural do ser
respeito da concepção de subjetividade tal como entendida por Rogers, confrontando-a com
tais como Mancebo (2002), Rey (2003) e Miranda (2000). É importante salientar que o
assim, exercitando o olhar crítico sobre a nossa posição teórica, o que consideramos de
O enfoque centrado na pessoa tem como criador o psicólogo Carl R. Rogers. Tal
ser humano bem como valoriza “(...) o papel dos sentimentos e da experiência como fator
plena, Rogers apresenta, como esclarece Moreira (2001), uma “(...) concepção da natureza
segundo Rogers (1977), só não poderá manifestar-se em pessoas que tenham algum
comprometimento sério, como lesões ou conflitos estruturais, pois requer, para a sua
que a pessoa faz de si mesma. Portanto esse autor sinaliza a presença de fatores ambientais,
facilitadores do pleno exercício desse potencial, que ele denominou tendência atualizante.
48
psicológica da tendência à atualização, que lhe é inerente. Essa capacidade tem como
significados pessoais e do modo como o ser humano se percebe no mundo que a tendência
à atualização exerce a sua plenitude. Ao afirmar que “todo indivíduo existe num mundo de
experiência, do qual ele é o centro e que está em permanente mudança”, Rogers (1951,
p.467) acentua, como cerne de suas experiências, a valorização do indivíduo. Ao fazer uma
leitura crítica sobre o modo como a subjetividade é abordada por Rogers, vemos que a
irrenunciável” (Dommènech, M., Tirado, F., e Gómez, L., 2001, p.114). Além disso, a
ênfase no “indivíduo” corrobora a assertiva de Mancebo (2002) sobre ser esta a categoria
subjetividade, destituída de seu caráter histórico e social. Essa autora conclui que, “na
duas realidades: a interior e a exterior, sendo esta última dependente da primeira. Essa
imagem, o que, de acordo com Miranda (2000), parece sugerir a existência de um modelo
“(...) é marcada menos por uma etiqueta identificatória do que pela diversidade, pela
heterogeneidade dos modos que ela pode assumir” (p.38). Nesse contexto, a autora
afirmam que “(...) a identidade é aquilo que faz passar a singularidade de diferentes
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Nesse sentido, tais autores não vêem o termo identidade como algo que se afirma pelo
singularização.
(2001). Estas autoras buscaram ampliar a sua compreensão da teoria de Rogers, destacando
(2001) afirma que Rogers ignora a realidade concreta, o contexto sociocultural, em virtude
de seu objetivo restringir-se “(...) a pensar em uma maneira mais adequada e efetiva de
evoluir “(...) para uma concepção de homem enquanto ser-no-mundo e, como tal, como
cultural aos processos de subjetivação humana” (pp. 62-63). Também sinaliza que, assim
fundadores que “(...) não estão cristalizados em um hermetismo epistemológico que impede
toda reflexão ou transformação por parte de seus seguidores (...)” (p. 59). Por fim,
forte ênfase na dimensão processual do ser humano, expressando, segundo Dutra (2000),
como um processo que se pauta nas possibilidades de um poder-ser (grifo nosso) que se
sua ação, também é defendida por autores da perspectiva sócio-histórica, dentre os quais
aqueles que vimos citando neste capítulo. Isso nos leva a afirmar, de maneira, talvez,
provocadora, que pensamos ser esse um fio condutor que parece aproximar essa perspectiva
da teoria de Rogers. Nesse sentido, vale ressaltar o que Miranda (2000) afirma: que
pensadores como Deleuze e Guatarri apontam para uma mudança de paradigma, rejeitando
manutenção desse fluxo contínuo são primordiais para a construção de uma nova
como destaca a autora, que o ser humano abra mão de referências identitárias, que
aprisionam sua subjetividade. Assim, as abordagens teóricas referidas neste estudo, apesar
viver. Elas parecem aproximar-se no que diz respeito à crença na possibilidade do ser
Essa breve exposição das principais idéias do criador da ACP leva-nos a pensar a
concebida como um mundo íntimo e privado, constituído por experiências que fluem
Um parêntese aqui se faz necessário, em virtude de, por outro lado, acharmos
pertinente que uma abordagem psicoterapêutica, oriunda do campo da clínica, tal como a
que originou a teoria de Rogers, enfatize a constituição da subjetividade com grande ênfase
na dinâmica familiar do indivíduo, pois observamos, em nossa prática profissional, que esse
aspecto, embora não seja o único, como vimos sinalizando, parece afetar sobremaneira o
modo como o indivíduo existe no mundo. Inclinamo-nos a pensar, ainda, que a diferença
entre as perspectivas teóricas aqui abordadas diz respeito, sobretudo, à ênfase atribuída aos
aspectos que constituem ou formam a subjetividade humana, o que nos faz ver que toda
teoria possui suas limitações, constituindo formas apenas diferentes de olhar a realidade.
Por fim, ainda no que se refere à concepção de subjetividade na teoria de Rogers, ressalta-
como o seu poder de construção e re-construção. Esse aspecto, apesar de, pelo que nos
abordagens em questão.
como os que citamos até este ponto do capítulo. Apesar de concordarmos com uma parte
adiante. Isso não implica, no entanto, correndo o risco de ser sermos repetitiva, fecharmos
pressupostos formulados por Rogers e, mais adiante, apresentaremos tal constructo à luz
das contribuições de Eugene Gendlin. Esclarecemos, no entanto, que optamos por articular
ouvia pacientemente as gravações das sessões com seus clientes, elaborando, assim,
importantes hipóteses. Rogers (1974), tinha uma constante preocupação, com o rigor
científico de suas formulações teóricas, haja vista que tinha como importante objetivo “(...)
no campo da psicologia.
imutáveis desta (Rogers, 1974). Esse autor considera sua teoria como sendo de natureza
self é um fator que orienta a conduta humana, ou seja, a configuração mutável das
percepções que o indivíduo tem de si próprio fundamenta as suas ações no mundo. Essas
identidade. Essa estrutura perceptual constitui a base de todas as percepções que envolvem
ser humano ao crescimento, fornece a energia necessária para que o self direcione as ações
imagem que o indivíduo faz de si mesmo e, para que o seu desenvolvimento seja eficaz, o
autoconceito deve ter um caráter realista ou, em outros termos, deve haver “(...)
congruência entre os atributos que o indivíduo acredita possuir e aqueles que de fato
possui” (Rogers, 1977, p.45). Assim, para que a auto-percepção do indivíduo seja realista,
deve fundamentar-se no fluxo de experiências reais, sentidas, de modo que o acesso a elas
seja livre e constante, possibilitando ao indivíduo contactar consigo e reconhecer tudo o que
conformar a exigências externas, do mundo social em que vive, ou ainda, sem buscar
adequar suas experiências ao seu autoconceito que, nesse caso, poderia contrariar essas
exigências.
55
criança interage com seu ambiente, em especial com as pessoas significativas presentes em
seu meio. Nessa interação, o indivíduo, durante a infância, vai construindo “(...) conceitos
(Rezola, 1975, p. 152). A criança busca conservar o amor dos pais e, conseqüentemente,
conservar sua própria estima. Em virtude das atitudes, muitas vezes, avaliativas e pouco
receptivas dos pais, a criança, movida por tal impulso ou necessidade básica, introjeta
valores alheios como se fossem próprios, e esses valores vão formando parte do seu campo
certas experiências e distorcendo outras, com o intuito de manter o apreço das pessoas
si mesmo” (p. 154). Em virtude disso, acrescenta o autor, a conduta do indivíduo não se
dirige para a satisfação das necessidades, mas para preservar a rígida estrutura do si mesmo,
Parece ser coerente, de acordo com o que expusemos, pensarmos que o modo como
direcionamento dado pelo ser humano à sua existência. Isso nos faz questionar se essas
expectativas sociais referentes à sua maneira de agir, ou mesmo de existir. Como acredita
Rogers (1974), muitas pessoas baseiam suas escolhas e modos de conduta no juízo alheio,
56
de ação definido por um grupo ou uma instituição, fechando-se à sua experiência real,
sentida, que poderia fundamentar as suas ações de modo a garantir um maior nível de
correspondência entre a experiência e a consciência. Sobre isso, Rogers (1951) enfatiza que
as atitudes dos pais costumam ser introjetadas e experimentadas pela criança, “(...) como se
distorcida .
fato de que em 1947, Rogers escreveu um artigo que representou o esboço de sua posterior
subjetivo da pessoa. Uma das hipóteses apresentada por ele refere-se ao si mesmo (self),
conduta” (Rezola,1975, p.107). Isso denota que, para o autor, não devemos pensar a
percepção que o indivíduo tem da realidade. A última hipótese chama a atenção para a
em Rogers, faz-se mister lembrarmos o que ele afirma acerca do campo fenomenológico ou
perceptual: este “inclui tudo o que é experimentado pelo organismo, quer essas
experiências sejam captadas pela consciência ou não” (Rogers, 1951, p.467). Esse campo
57
refere-se ao “(...) acordo interno entre o conceito de si mesmo e a experiência” (p.213). Ela
acessível, na sua integralidade, apenas a ele. Esse mundo interior é designado como campo
processam no organismo, porém cabe lembrar que o autor já afirmou que o “(...)
potencial (...)”, o que denota que “(...) a minha consciência e o conhecimento do meu
campo fenomenal total são limitados” (p. 468). A maioria das experiências do indivíduo
campo fenomenal, ou seja, derivam do fluxo de experiências que ocorrem na vida diária.
Rogers enfatiza a existência da subjetividade, desse mundo interno e particular, como sendo
autoconceito.
próprio Rogers (1951), em sua teoria da personalidade e da conduta, marca mais claramente
essa ênfase atribuída aos processos subjetivos e pessoais do indivíduo, ao afirmar que “o
organismo reage ao campo perceptivo tal como este é experimentado e apreendido. Esse
campo é, para o indivíduo, realidade” (p.468). Desse modo, entendemos que, para Rogers,
o mundo não existe em si, pois depende da percepção que o ser humano tem dele. Dessa
forma, a maneira como cada indivíduo existe no mundo, ou seja, as escolhas e ações
realizadas no cotidiano, são orientadas pela percepção que ele tem dos seus valores,
sentimentos, atitudes, emoções, limites, enfim das suas experiências. Tal percepção
atenção para o que existe de único, de singular em cada um de nós, enfatizando os sentidos
acessíveis, em sua integralidade, apenas à própria pessoa. O self engloba as percepções que
o ser humano tem de seu mundo interior, do ambiente e da relação entre ambos, sendo o
humanas, percebemos uma lacuna no modo de abordagem desse constructo pela teoria
rogeriana, o que nos sugere a seguinte indagação: como os aspectos sociais, históricos e
constructo de self. Tal questionamento parece guardar relações com o que Dutra (2000), em
self. Segundo essa autora, a noção de self, tal como apresentada por Rogers em sua teoria
da personalidade, carece de uma perspectiva mais ampla, no que diz respeito ao seu
Diante dessas colocações, achamos pertinente destacar Rey (2003) - que, como já
histórica - expõe acerca do aspecto social na psicologia humanista, a saber: “que todos os
(p.62), porém, como observa o autor, tendem em sua maioria a negligenciar o contexto
histórico que dá sentido aos processos subjetivos além de, segundo observamos,
enfatizarem o aspecto social em sua dimensão micro, ou seja, restrita ao núcleo familiar.
Gostaríamos de ressaltar que Rogers nos apresenta duas versões da sua teoria de
entendemos que o self constitui o todo, a globalidade das percepções que, a cada momento
parte de si, formando o seu autoconceito. Este último pode estar em concordância com a
experiência sentida pelo indivíduo ou em dissonância em relação a ela, neste caso, gerando
uma conduta inautêntica (Rogers, 1977). Como afirma Dutra, de maneira esclarecedora,
Vale salientar que o conceito de congruência foi revisto e reformulado por Rogers, a
da experiência concreta, e de natureza processual” (Dutra, 2000, p.29). Pode ser ainda
entendida como “(...) um processo que é corporalmente sentido, e que se torna uma
referência pela qual nos posicionamos diante do mundo, efetuando escolhas, nos afirmando
na existência e nos apropriando dela” (p.29). Desse modo, “(...) consiste num fluxo de
experiência que é anterior à lógica, mas não contrário a ela” (p. 29). Hart (1970) argumenta
61
processo de sensibilidade interna mais do que qualquer outra coisa” (p. 13). De acordo com
11). É ainda definida como “o processo do sentimento corporal concreto, o qual constitui a
Adotando essa nova perspectiva, Rogers (1963) entende a experienciação como sendo o
experiências que se processam a cada momento da existência. Isso vai além da mera
sentimentos, pois se refere a “(...) um sentir profundo, concreto, pleno, o próprio processo
à sua experiência possibilita que seus valores derivem de seu próprio organismo, sem que
isso represente, contudo, que ela prescinda dos valores e significados sociais (Rezola,
1975).
fluem continuamente.
Gendlin, não se fundamenta mais no acordo ou desacordo entre o que o indivíduo pensa a
respeito dele (como o indivíduo se vê) e as suas experiências, mas constitui o modo de
experienciação. Sobre esta questão, Dutra (2000) conclui que “(...) o entendimento de
Rogers sobre o que constitui o self poderia repousar numa compreensão filosófica que
funcionar” (Rogers, 1959, p. 223) a cada momento da existência, de acordo com a abertura
processo e, sendo consciente, não pode ser concebido separado do processo imediato de
experiências (Rezola, 1975). Esse é o caráter existencial do self, como explicita Dutra
(2000), em sua tese sobre tentativas de suicídio na adolescência, na qual busca apoio na
63
existência, em sua relação com os outros e consigo mesma, de acordo com o seu acesso ao
indica o sentido que ela está dando à sua vida, o qual se vela e se desvela no fluxo contínuo
da existência.
uma metodologia que nos possibilite ter acesso à singularidade da experiência de cada uma
decorrer de suas vidas e que estes são uma expressão de singularidade, a qual se constitui e
longo de suas vidas. Assim, o self constitui um aspecto da subjetividade, com qual se
de acordo com o nosso entendimento, o self nas mulheres participantes deste estudo é
constituído e permeado não apenas pela dinâmica familiar, mas também por aspectos da
compreender através da narrativa, que é uma das suas formas de expressão. Carl Rogers
que, de acordo com Minayo (1993), “(...) em lugar de ser tomado como uma falha ou um
uma relação intersubjetiva” (p. 124). Assim essa autora acrescenta que, na situação de
êxito da pesquisa qualitativa” (p. 124). Cabe salientar que, neste trabalho, tal modalidade de
fenômeno (do grego phainómenon, que significa aquilo que vem à luz). Ela teve origem no
pensamento de Edmund Husserl e data do início do século XX, tendo recebido contribuição
caracterizou-se pela crise da filosofia e das ciências, a partir de reflexões acerca da ciência
racionalidade.
etc., para além daqueles que nos foram legados pela nossa tradição ocidental metafísica
(...)” (p. 08). A autora esclarece que, somente entrando em contato com tais significados
compreender o mundo” (p. 08) e de estar com o outro nas diversas situações, dentre as
reflexão sobre o modo humano de ser-no-mundo (...)” (p. 16), ou seja, o modo de conduzir
próprio homem (por ele denominado dasein, ou “ser-aí”), na medida em que este interroga
sobre si mesmo. Assim, a ontologia heideggeriana tem como objetivo primordial descobrir
o sentido do ser; sendo necessário, para tal, recorrer a uma análise do modo de ser do ser-aí,
que é a existência. A presente pesquisa possibilitou a cada participante indagar sobre o seu
67
existe um primado da tendência para o encobrimento” (Stein apud Heidegger, 1979, p.89).
Portanto não há uma realidade esperando ser aprisionada por nossos recursos
nas coisas está encoberto. Daí decorre que o fenômeno possui uma condição ambígua, pois
é, ao mesmo tempo, aquilo que se oculta e que se revela. Isso denota que, “para a
fenomenologia, há uma coincidência entre ser e aparência” (Critelli, 1996, p. 29). Tal idéia
nos faz pensar que sempre haverá aspectos do fenômeno a serem desvelados, de modo que
da própria existência humana, buscando-se nessa análise, apreender os modos como o ser-aí
mesmo, numa tentativa de não se assumir na sua totalidade (...)”, que se deve efetuar a
analítica do ser-aí cotidiano (Stein, 1983, p.103). Nessa circunstância, o homem é chamado
a refletir sobre a direção que está dando à sua existência, podendo ressignificar a sua
desta pesquisa, talvez seja coerente pensarmos que o sofrimento amoroso vivido pelas
relações do homem com o mundo. Não há, portanto, uma separação entre o ser e o mundo.
atenção, pois é o principal aspecto que distancia o seu pensamento do de Husserl, ou seja,
contrário, buscou compreender o ser em sua facticidade. De outra maneira, podemos dizer
que, para esse filósofo, a consciência não se dirige ao mundo, ela está no mundo. De acordo
inacabada e que não pode ser apreendida por completo. O ser não se mostra totalmente; ele
desta pesquisa à sua própria experiência, buscamos estar atenta àquilo que a elas surgia e
que era comunicado por elas, entendendo que a experiência constitui-se de elementos
ocultos e inacessíveis à própria participante naquele momento. Além disso, pensamos que a
constante devir. Nesse sentido, respaldada na fenomenologia, fomos atrás desse “(...)
possibilidades de sentido que poderiam emergir a cada momento do nosso contato com as
participantes. Cabe salientar que entendemos o termo “sentido” tal como Critelli (1996), ou
seja, como sendo “(...) o mesmo que destino, rumo, a direção do existir” (p. 53). Ela aponta
que é através dos estados de ânimo, das emoções, que o sentido aparece e que o ser humano
pode ser tocado pelas coisas e pelo outro, tais como existem a cada momento: o sentir
maneira como cada mulher vinha conduzindo a sua vida. A seguir, continuaremos falando
existenciárias do ser, ou seja, as maneiras de ser que são peculiares ao homem, as quais
pré-sença de tal maneira que, em si mesmo, este ser abre e mostra a quantas anda seu
que ela ocupa nesta pesquisa. Do mesmo modo que Dutra (2000), entendemos que a
compreensão “(...) seria o ‘como’em direção à descoberta do ser” (p.45), portanto, “(...)
referenda não só o método do fazer a pesquisa, como também, o que é mais importante para
uma apropriação do que se compreende” (p. 218). É interessante destacar, ainda, que, “tudo
55). Esse mostrar-se ou pôr-se à luz, segundo a autora, é ao mesmo tempo ocultar-se;
assim, “mostrando-se para um olhar, a coisa mostra-se como o que é e como o que não é”
(p. 58).
No que diz respeito à linguagem, esse é o meio através do qual a compreensão pode
sua ontologia é o befindlickeit. Esse conceito foi abordado por Gendlin, na intenção de
cliente. Para Heidegger, befindlickeit indica “(...) como nos sentimos nas situações”
(Gendlin, 1978/79, p. 45). Esse sentimento não se refere a algo no interior das pessoas,
das idéias de pensadores contemporâneos, tais como Guatarri (1999), Mancebo (2002),
Miranda (2000) e outros, acerca da subjetividade no cenário atual. Para eles, existimos
situados numa teia relacional, entrecruzados por fatores diversos, distanciados de qualquer
processo vivencial é sentido implicitamente pelo cada ser humano, a cada momento. Esse
“sentir” pode expressar-se pela linguagem, pois a fala já está envolvida em qualquer
72
sentimento ou humor (Heidegger, 1927). Como bem afirma Dutra (2000), parafraseando
Gendlin, “o sentimento conhece como falar e demanda somente as palavras certas, sendo
Sendo assim, faz-se necessário, a adoção de uma estratégia de pesquisa que venha
experiência humana, que só pode ser comunicada pelo próprio narrador - neste caso, as
participantes da pesquisa. Desse modo, entendemos que, através das narrativas dessas
mulheres, poderemos responder à pergunta que nos gera inquietação, a saber: como é para a
Nesse sentido, cabe lembrar o que Critelli (1996) afirma acerca do processo de
investigação, ou seja, de acordo com essa autora, investigar é levar adiante uma pergunta,
uma interrogação a respeito de algo. Para ela, interrogamos aquilo que nos afeta, nos toca,
sentidos. Esse autor ressalta, como assinala Jeanne M. Gagnebin, no prefácio das Obras
acontecimento este que, no mundo capitalista moderno, marcado pelo imediatismo, pelo
individualismo e pelo declínio da memória e da tradição comuns, é cada vez mais raro.
Carvalho (1999) endossa essa posição, ao afirmar que “a experiência e a comunicação oral
estão sendo, cada vez mais, substituídas pela informação registrada nas máquinas,
73
fenômeno que contribui enormemente para o enfraquecimento dos vínculos sociais” (p.
376).
sido utilizada, nos meios acadêmicos, por pesquisadores como Morato e Schmidt (1998),
Dutra (2000) e Souza (2003). É oportuno frisar que todos adotaram uma abordagem
Concordamos com Dutra (2000), ao dizer que a narrativa expressa uma dimensão
em que sentidos e significados são criados a todo instante. Nessa perspectiva, não apenas as
palavras, mas também os gestos, os silêncios, o tom de voz etc. são manifestações da
experiência que devem ser consideradas pelo pesquisador no momento em que está ouvindo
as narrativas. Sobre essa escuta, Heidegger (1927, p. 222) afirma que é “(...) a possibilidade
Esse modo de estar com o outro no mundo torna intrínseca a condição de afetar e de
ser afetado, de sentir com o outro, possibilitando compreender, no contexto desta pesquisa,
Ainda sobre a narrativa, pensamos ser esta um “(...) delicado trabalho de tecer em
conjunto (...), a quatro mãos (entremeado por um coro de muitas vozes antigas) (...).
sua experiência, a pessoa vai tecendo os fios da sua própria existência, o que nos faz pensar
74
que contar sobre a sua experiência de permanecer sofrendo na relação amorosa possibilitou
às mulheres que participaram desta pesquisa ressignificar o seu sofrimento, elaborando uma
Narrar é um ofício interminável, como nos lembra Morato (1999, p. 439), “(...) pois
haverá sempre resquícios para serem contados, comentados, recortados, ampliados”. Isso
ocorre, ainda segundo a autora, porque o narrador fala da sua experiência e esta é
impregnada pela diversidade de histórias que ouviu contar. Consideramos também o fato de
relacional permeado por valores e dados culturais, construídos ao longo do tempo. Através
narrativa como estratégia de pesquisa, pois ela parece atender à nossa intenção de
compreender a experiência de que trata este estudo, em termos de sua singularidade e dos
experiência.
Assim, faz-se oportuno esclarecer que utilizamos, como técnica de coleta de dados,
Antes do início da coleta dos dados, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em
que buscamos investigar. Em nossa atuação profissional, temos constatado, com maior
e 55 (cinqüenta e cinco) anos, considerando-se essa faixa etária também presente em nossa
Informamos a essas pessoas sobre a temática de nossa pesquisa, explicamos que a indicação
só deveria ser feita mediante a permissão das possíveis participantes, que o conteúdo das
entrevistas seria confidencial e que a identidade das entrevistadas seria mantida sob sigilo.
critério de cada participante. A única condição que apresentamos foi que fosse escolhido
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte), com salas adequadas ao nosso propósito.
Com relação às demais entrevistas, 03 (três) foram realizadas na residência das próprias
primeiro encontro, explicamos que em toda pesquisa com seres humanos, há a exigência de
que a colaboradora assine um termo de consentimento (ver Apêndice A), de acordo com os
O livre falar das participantes foi possibilitado pelas entrevistas, que tiveram início
com a seguinte pergunta disparadora: você pode me falar sobre como está sendo a sua vida
sem determinar uma direção, possibilitando que a entrevistada adentrasse sua experiência e
papel desempenhado por cada parceiro da díade e ocupação dos espaços público e
privado
mulher
disponibilidade de se deixar afetar pela experiência. O interrogador faz parte daquilo que é
interrogado e tudo o que a ele surge e lhe toca - sejam pensamentos, lembranças, sensações,
etc. - deve ser considerado: o sentido procurado pode revelar-se por meio de qualquer coisa
(Critelli, 1996). Seguindo esse ponto de vista, durante as entrevistas procuramos estar, ao
mesmo tempo, atenta ao que ia sendo revelado pelo outro e àquilo que nos ia surgindo,
“existir-com”. Lembramos que apenas uma entrevista foi realizada com cada participante e
a duração variou entre uma hora e uma hora e quarenta minutos. As 06 (seis) primeiras
das depoentes, para que elas confirmassem a fidelidade à narrativa realizada ou fizessem
alterações, se assim lhes conviesse. Portanto foi marcado um segundo encontro com cada
entrevistada, o qual durou em torno de quarenta minutos. É importante frisar que apenas
mais próximo possível da oralidade. O termo “depoimento” é aqui adotado de acordo com a
sua conotação nas ciências sociais, como bem esclarece Queiroz (1991, citado por Dutra,
2000), ao afirmar que “(...) significa o relato de algo que o informante efetivamente
presenciou, experimentou, ou de alguma forma conheceu, podendo assim certificar” (p. 07).
Após a legitimação das entrevistas como depoimentos (ver Anexo B), fizemos
várias leituras do material das entrevistas, às vezes simultaneamente com a audição da fita,
buscando apreender o sentido revelado por cada mulher, acerca da experiência aqui tratada.
tecendo comentários e interpretações, a partir das reflexões acerca dos sentidos das
etapa será apresentada a seguir, sendo importante registrar que os nomes das entrevistadas
foram preservados e substituídos por nomes fictícios. Os nomes dos parceiros, nos
momentos em que as participantes se referiram a estes, também foram mantidos sob sigilo,
de modo que estão identificados apenas por uma letra inicial e fictícia.
análise, à palavra self, não temos a intenção de atribuir-lhe a conotação de objeto, pois
entendemos, como já ressaltamos, que se trata do modo como cada entrevistada se percebe
sofrimento amoroso
amoroso, dos motivos alegados para a continuidade na relação amorosa, das idealizações
que as mulheres tinham referentes à relação, das percepções acerca dos potenciais e
relação com os outros e consigo. Ao falarem sobre a experiência aqui tratada, constatamos
“(...) tenho mágoa de não ter tido carinho da minha mãe... Assim, porque ela não
costumava dar um abraço, ela nunca me deu um beijo... Às vezes, eu tenho vontade. Falar
nisso me deixa triste... Então, eu fico assim pensando... Para que eu lutar? Se esse é o meu
destino...”
80
“(...) eu lembro que a minha mãe me batia todo dia, tinha vez que chegava a dar três surras
em mim. Eu era a filha mais velha das mulheres, e dos filhos, eu era a quarta... Tudo o que
eu fazia dentro de casa, minha mãe colocava defeito, me batia. Ela mandava meu irmão
mais velho me bater também. A minha mãe me batia de pau mesmo; quando ela me batia...
Engraçado... Por exemplo: hoje tinha missa lá na rua, aí se minha mãe me desse uma
surra, ela tinha prazer de me levar para a rua e as pessoas verem que ela tinha me batido,
porque ela não queria que eu namorasse aquele rapaz, que ele era filho de“esmolé”. Ela
dizia que, no dia que aparecesse um rapaz certo para eu namorar, era para eu pedir a ela,
porque filha de fazendeiro tinha que casar com filho de fazendeiro” (Isaura).
“Quando eu era adolescente e ia sair para algum lugar que ela não queria, ela sempre
dizia que, se alguma coisa acontecesse com ela, a culpa seria minha; então isso acaba
ficando na memória” (Sofia).
Falando dos pais: “(...) eu nunca tinha direito a nada, porque eles me viam sempre como
uma criança. Não tinha direito a sair só, pois eles me viam sempre pequena. Está
entendendo como é?”
Falando da infância: “A minha vida era muito jogada (...) fui muito só!”
“Quando meus pais me criticavam, eu só reagia dessa forma, me isolando, passando o dia
fora. O lugar para onde eu podia ir era a escola, pois eu morava perto. Eu não podia
reagir de outra forma porque meu pai batia, era daqueles que batia com aquele mesmo
chicote de bater nos cavalos. Aí eu já temia era o chicote!”.
“(...) eu me sentia revoltada porque meus pais não explicavam o motivo, só faziam dizer:’ -
Não faça isso!’ Entendeu? Ao invés de dizer porque não ia dar certo, que eu não tinha
maturidade para isso...” (Vera).
“Mas minha mãe e meu pai nunca foram de chegar e fazer um carinho... Era só: bênção
mãe, bênção pai, e pronto; eles nunca tiveram aquele aconchego com a gente (...)”.
“É uma falta de carinho que a gente fica sentindo, entendeu? E hoje, o meu
relacionamento é a mesma coisa (...)” (Elisa).
auto-realização, denotando um modo de estar com o outro na relação amorosa que vem se
81
tempo, especialmente na dinâmica familiar dessas mulheres, cujo clima psicológico parece
não ter contribuído para a formação de um self receptivo ao livre fluir dos sentimentos.
tendência que muitas pessoas têm de adotar um modo de vida baseadas em referências
buscado fugir da sensação de ameaça da perda do amor dos pais. Segundo esse autor, as
atitudes avaliativas e pouco receptivas dos pais podem levar a criança a negar ou distorcer
suas experiências reais. Ela busca, então, corresponder às expectativas alheias, preservando
sua auto-imagem bem como o apreço das pessoas que lhe são significativas. Dessa forma, a
criança internaliza valores e atitudes de outrem como se fossem dela própria, aspecto este
pensar que uma experiência dessa natureza poderá dificultar a construção, por tais
criatividade e no prazer.
Sofia percebe claramente a influência que os valores, normas e atitudes de sua mãe
assim como os “(...) dogmas espirituais (pecado, castigo de Deus, o que é certo ou errado) (...)”
exercem até hoje sobre o seu modo de ser, identificando-os como obstáculos à sua decisão
de separar-se do marido:
“Se hoje eu me separasse, ela (se referindo à mãe) seria uma pessoa que não iria saber.
Eu iria fazer o impossível para não contar nada a ela. Ela não iria saber, porque eu sei que
ela é uma pessoa que não aceita. Para ela, é aquela história: o que Deus uniu na Terra
ninguém separa, e eu assimilei isso muito bem. Isso em mim é muito forte, muito forte! Lá
em casa são cinco mulheres; eu acho que só a minha irmã mais velha e eu absorvemos toda
a criação da minha mãe. São conceitos difíceis demais. Eu sinto que isso contribui muito
para que eu sinta essa dificuldade de me separar”.
82
Ela demonstra que, de certo modo, continua agindo como na adolescência, pois,
segundo revela em sua narrativa, evitava contar à mãe que iria para algum lugar, a fim de
não contrariá-la e, assim, esta adoecer. Assim, Sofia continua sentindo-se ameaçada pelo
“(...) tenho medo que ela vá para o hospital, que ela adoeça e aí o sentimento de culpa é
muito ruim”.
Além disso, ao dar-se conta de que, já no início, o casamento não ia bem, Sofia
sentiu-se culpada, acreditando que a falta de desejo sexual do marido, que persistia até
“Fiz tratamento espírita, tudo no mundo eu fiz para saber o que estava acontecendo. No
início, eu achava que a culpa era minha; alguma coisa estava errada, mas eu sempre
achava que esse erro estava em mim, não estava nele, não estava no relacionamento.
Então, durante muito tempo eu fiquei com isso, por isso que eu busquei muitas alternativas:
tratamento espírita, sexólogo... Eu perguntava o motivo a ele, mas ele me respondia que
era o cansaço. Isso não me convencia, porque eu trabalhava o dia todo, ainda arrumava a
casa, fazia comida... Então, não me convencia” (Sofia).
Esse dado nos faz lembrar do que Biasoli-Alves (2000) discute, em seu estudo sobre
Essa última fala de Sofia nos remete, ainda, à visão de Costa (1999), que chama a
atenção para a transmissão cultural do romantismo amoroso, o qual é tido como atributo
ideal imaginário do amor parece não se realizar. Nesse sentido, percebe-se claramente, na
narrativa de Sofia, que, mesmo queixando-se da falta de iniciativa sexual do marido, assim
Ainda com relação ao sentimento de culpa, temos o depoimento de Laura, que fez
“(...) ficava assim, com pena dele, sem ter quem cuidasse dele; até me sentia culpada (...)”.
“Com o meu marido mesmo, se eu não fizer uma coisa para o meu marido, eu me sinto
assim... culpada”.
relacionamento, abrir mão de projetos, enfim prejudicar-se, a ver o outro sofrer. Esse
aspecto também é verificado na narrativa de Elisa, que desde criança parece buscar proteger
84
“Isso vem de muito tempo. Nunca quero magoar os outros. Quando eu era criança que me
sentia mal e não podia fazer nada, eu só me vingava em chorar (...)”.
Enquanto não toma a decisão de romper com o marido, Elisa considera que está
agindo como a mãe, ou seja, aceitando a situação que vive em sua relação amorosa, pois o
marido mantém uma vida pessoal fora de casa, ausentando-se com freqüência do convívio
familiar.
Temos, ainda, a experiência de vida de Isaura, que conviveu, quando criança, com
uma mãe opressora e dominadora, a qual não estabeleceu com ela uma relação baseada em
responsabilidades. Isso fez com que ela interrompesse os estudos aos dez anos de idade:
“Minha mãe nunca fez nada! Minha mãe nunca cuidou da casa, minha mãe nunca cuidou
dos filhos, ela só tinha filho para eu cuidar. Fui eu quem criou meus irmãos, fazia o café
para o meu pai...”
Sua experiência de vida deixa claro que ela não foi tratada como uma criança, que
começou há quinze anos, Isaura buscou adequar seus sentimentos, desejos, pensamentos e
subserviente e extremamente dependente, como se a sua existência não tivesse sentido sem
o parceiro amoroso:
“Eu tinha vergonha que ele conhecesse minha casa, mas ele foi um dia de surpresa... E
pronto, então ali ele começou a me ensinar tudo o que ele achava que deveria, do jeito
dele. Eu vivi para ele, a minha vida inteira eu me dediquei para ele, de corpo e alma. Era
como se eu fosse a filha mais velha dele, pois eu só fazia o que ele queria... tudo! Tudo,
tudo! Ele era o meu mestre, até hoje ainda é, continua; já foi muito mais, porque hoje eu já
respondo a ele, hoje, eu já grito ele, hoje eu já... saio”.
“Eu nunca digo’não’ para ele, em nada na minha vida. Não é que eu não tenha vontade, é
que eu não posso, ele não permite que eu lhe diga ‘não’. Eu o obedeço, na minha casa a
gente (se referindo aos filhos dela e a si própria) obedece a A mais do que os filhos dele.
Então desde que eu fui criada, que eu baixo minha cabeça, e hoje faço pior”.
“Mas eu não me imagino sem ele, porque eu sofro muito! Em nenhum momento eu posso
pensar nisso... Isso não pode entrar na minha cabeça, porque eu fico muito triste mesmo!
Por enquanto não posso... Não posso, não posso, não posso, não posso! Nenhum segundo
na minha vida, eu posso pensar sem ele...”
Essas falas de Isaura mostram, com nitidez, um modo de estar no mundo baseado
em referências externas, que toma o outro como a principal razão de viver, permitindo ser
como ele espera ou exige. Observamos aqui o alto grau de submissão de Isaura em relação
ao seu parceiro amoroso, em quem ela parece depositar toda a responsabilidade por suas
escolhas e ações, demonstrando uma forte necessidade de ser “guiada” na vida, pois não se
apropria da sua existência. Essa ênfase dada ao outro também pode ser demonstrada na fala
“Eu estou sempre pensando nos outros, nos outros, nos outros, chegou a ponto de dar um
circuito na minha cabeça. Aí pronto, o meu relacionamento conjugal está muito difícil...”
Falando do marido: “(...) porque quando está na hora dele chegar em casa e ele não
chega, fico... sabe? Eu fico de janela em janela olhando, entendeu? Fico doidinha quando
ele não chega em casa, aí eu queria me libertar entendeu?” (Vera).
86
“Isso me faz sentir limitada. Eu me sinto presa, a minha vida é como se estivesse presa à
vida dela (se referindo à mãe), à vida de outras pessoas. Aí eu acabo não resolvendo as
coisas porque eu fico pensando muito nos outros, no que pode acontecer. Aí, já não sou só
por mim, sou pelo meu marido, sou pela minha mãe, sou por muita gente” (Sofia).
Esses depoimentos parecem sugerir que tais mulheres estão fora dos seus próprios
sistemas de avaliação interna, sem distinguir com precisão o que lhes é próprio
(necessidades, valores, sentimentos, atitudes) daquilo que pertence ao outro. Esse modo de
uma necessidade dessas mulheres de agirem segundo os seus próprios marcos de referência
interna, o que poderia, segundo o nosso entendimento, lhes trazer mais autonomia e clareza
cuja relação amorosa, assim como a de Vera, é marcada pela delicada e conturbada situação
próprias palavras:
“(...) eu estou sendo a mãe dele também, não é? Do meu marido. Porque quando ele faz
xixi, aí eu tenho que tirar a roupa, quando eu não posso dar um banho, aí eu passo um
pano assim...”.
agradar, de ser “boazinha” e compreensiva com os outros, pois ela mesma admite:
87
“Eu tenho muita dificuldade de dizer’não’ para as pessoas. Eu acho que o ‘não’ para mim
quase não existe. Eu sempre tive essa dificuldade, às vezes eu até resolvo uma situação
para evitar dizer ‘não’, não é? Às vezes até me custa caro esse sacrifício, me sacrifico,
agrado... Tenho a necessidade de agradar. Às vezes, isso nem me faz bem depois, mas
outras vezes, me faz também, porque eu não faço nada com má vontade não. Falando nisso,
muita gente assim, diz que eu sou uma pessoa boa e tudo, só sou ruim para mim”.
“Eu acho que cresci com a expectativa de agradar as pessoas, aos meus pais, é! (...) eu não
levo mais meu marido para o interior, porque eles iam sofrer muito sabendo dessa minha
situação... Aí é melhor sofrer sozinha, porque pelo menos é só uma pessoa. Eu dou meu
jeito... Até resolver, não é?”
“O que eu passo, eu nunca dou muita importância, sempre acho que posso estar
suportando. Eu digo a mim mesma assim... Não, eu... Não morro não... Passa!”
diárias, além de privá-la de fazer coisas prazerosas, como estar com seus familiares,
divertir-se com os amigos etc. Isso denota a existência de uma baixa auto-estima, de pouca
consideração pelos seus próprios sentimentos, como verificamos nos trechos anteriores. A
de Laura, mas também no de Vera, que, além desse aspecto em comum com Laura, também
convive com um homem alcoolista. Ambas acreditam ter o dever de não abandonar o
Permanecem, então, sofrendo na relação amorosa, talvez, dentre outros fatores, pela
deparar com o sentimento de culpa decorrente dessa “transgressão”. Esse é um aspecto que
dessas mulheres nos levam a pensar no papel que a cultura tem na transmissão desse valor
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(o cuidado) na socialização das mulheres. Como podemos observar, nas narrativas desta
como “obrigação” os cuidados com a casa e/ou com os filhos, embora costumem se queixar
desse excesso de responsabilidades. No entanto Vera parece se contradizer; pois, se, por um
lado, revela que se sente responsável pelo marido, no dever de cuidar dele, em outro
momento da narrativa demonstra indignação com relação ao papel assumido em sua vida
amorosa:
“Eu existo para ele como uma empregada, para fazer a comida, lavar tudo direitinho...”
“Eu já disse a ele assim:’ - Menino, você me tirou da casa dos meus pais, casou comigo,
diz que me ama e depois me faz de empregada!’ Sim, porque eu faço as coisas todas
direitinho para ele”.
saudável. Muitas mulheres, tais como Isaura e Elisa, são incentivadas, ou mesmo obrigadas
a exercer, ainda na infância, responsabilidades que implicam servir ao outro, enquanto suas
casos, entendemos que essa carência de cuidados pode levar a criança a assumir, na vida
adulta, principalmente se for mulher, um papel servil, tendo sempre alguém com quem
necessidade de amor não satisfeita. Talvez o que muitas mulheres esperam, ao valorizar
participantes deste estudo, abrangendo a existência como um todo de algumas delas e tendo
vida de Vera, que apresenta uma tendência a se isolar, receosa de expor suas idéias, de
incomodar o outro, sentindo-se mais segura em seu próprio mundo. Esse aspecto parece
contraditório, pois ela também se queixa da falta de contato social. Vera percebe que essa
rejeitada pela sociedade e pela família, restando-lhe resgatar o amor que recebia do marido,
“Eu acho que a minha mãe não gostava de mim, porque todos os meus irmãos estudaram,
menos eu”.
Além de não se sentir amada e acolhida na relação com a mãe, Isaura também
sofreu maus tratos e foi abandonada pelo pai de seus quatro filhos, com quem se casou aos
dezessete anos, para distanciar-se da mãe. Durante tal relacionamento, ela chegou a tentar o
suicídio. Uma de suas queixas se refere ao fato de o parceiro não lhe dar a atenção de que
90
necessita, o que a faz pensar que ele permanece com ela pelo trabalho, pois têm um
atenção dos parceiros são queixas freqüentes das mulheres em questão. Elas também
emocional. A seguir, apresentaremos alguns trechos das narrativas das entrevistadas, que
Isaura:
“E hoje, esse amor que eu vivo, me sufoca, incomoda, eu fico agoniada, me sufoca... A
coisa que mais me preocupa, ultimamente, não é porque sufoca, é porque eu fico
desesperada! Assim, o meu sofrimento é tão grande, que eu não tenho vontade de viver...
Eu já tentei suicídio na época em que eu vivia com o pai dos meus filhos, mas eu jamais tive
vontade de tirar a minha vida... É uma coisa que não tem sentido! Eu não faço isso mais
hoje, mas tem dias que o desespero é grande... Assim... Ah! É uma agonia! Sinto uma
agonia aqui dentro do meu coração... Assim, me pergunto como eu vou amanhecer o dia
com aquele sofrimento... E eu não gosto muito de remédio... Eu durmo muito... Quando eu
fico triste, eu tenho vontade de dormir, tenho que dormir, eu tenho que fazer alguma coisa,
porque eu não agüento sofrer, eu não agüento sofrer mais, eu não agüento, eu não agüento,
eu não agüento!”
Elisa:
“Muitas vezes, eu fico pensando comigo mesma que vai ter que chegar uma hora! Vai ter
que chegar naquele limite, porque eu não vou agüentar o resto da minha vida vivendo com
ele desse jeito!”
Laura:
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“Ás vezes eu tenho amargura de não... de levar essa vida... (...). Essa amargura começou
depois disso aqui, não é? dessa relação! Eu não era assim não!”
“(...) ás vezes eu fico tensa, fico... sabe? Choro e fico pedindo a Deus para mudar ou então
me dar força para eu resolver, para deixar, porque eu não sei resolver essa situação!”
“O nosso relacionamento está muito difícil, eu estou me sentindo muito... está muito... está,
está muito pesado! (...) é muito desgastante, muito pesado!”
“Eu sei que estou me prejudicando, eu não me cuido, não é? Até a saúde eu deixei de lado,
que eu agora estou com um problema, então, não estou me cuidando. Ás vezes até deixo de
lado a minha família...”
“Uma outra colega disse que (...) eu me envolvi tanto, que eu deixei de viver! Eu penso que
isso faz sentido, é, eu penso, eu penso isso!”
Fátima:
“Sempre eu tenho dor de cabeça, tenho uma agonia, uma coisa ruim... na cabeça. Eu acho
que isso tudo está ligado aos problemas que eu vivo com o meu marido (...)”.
Sofia:
“Eu atribuo essa depressão e esse pânico a todo esse processo que começou no início do
casamento, até hoje... Esse período de depressão foi devido a todo esse processo assim de
desprezo, de descaso, de não ter realmente o companheiro que eu imaginava, que eu queria
ter, então, chegou o momento que eu caí completamente. Eu tinha uma expectativa
diferente em relação ao meu casamento e acabei me adaptando à situação, então, adoeci...
bastante...”
“(...) o que me fez ficar triste foi a situação do meu casamento e a falta de perspectiva de
dar certo”.
Vera:
“Essa depressão que eu tive, após o nascimento do meu segundo filho, veio em decorrência
da solidão, de quando eu engravidei, que ele começou a me deixar sozinha em casa. Saía
de casa, dava atenção mais aos amigos (...)”.
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“Nada me perturba, o que perturba mais é esse problema que eu venho passando, porque
mexe com o meu sistema nervoso, mexe com a minha vida, mexe com tudo!
Relacionamento amoroso mexe com tudo! está entendendo como é?”
As falas de Isaura e Elisa apontam para uma tendência a esperar pelo momento
em que não possam mais suportar todo o sofrimento em suas vidas amorosas,
permanecer inertes, levando a vida a esperar que as mudanças aconteçam sem que tenham
uma participação significativa nesse processo. Ao tomar a relação amorosa como cerne de
suas existências, vemos que as participantes deste estudo vão, gradativamente, afastando-se
de si mesmas, da possibilidade de encontrarem sentido para as suas vidas, sem que sintam
que suas escolhas, necessidades, desejos e tudo o que é representativo de sua singularidade
Nesse sentido, é fácil perceber, nos depoimentos, a relação existente entre a vida
medida em que estruturam suas vidas em torno desse relacionamento, como bem reconhece
Vera:
“É como que seja na, na base, na estrutura, assim de... de uma pessoa é o amor! Eu acho
que é assim sabe? Não entendo muito, mas eu vejo assim. É assim que eu me sinto... Como
se tivesse assim, desmoronando, sem ter estrutura!”.
modo particular como cada mulher expressa e percebe o seu sofrimento sendo influenciado
93
pela sua história de vida, pelo contexto sociocultural e pela sua própria subjetividade.
Portanto, quando a relação amorosa não se desenvolve da forma esperada, elas geralmente
expressarem todo o sofrimento e o desamparo em si mesmas (...)” (p. 94). Essas mulheres
como central em suas vidas, à medida que o outro é tido como motivo de auto-realização,
bem-estar e felicidade. Isso demonstra a fragilidade de seus selves diante das vicissitudes
existenciais, a restrição de recursos para lidar de modo mais satisfatório com as desilusões e
amorosos.
para pior o seu jeito de ser, após o casamento, atribuindo ao marido a responsabilidade por
tal mudança bem como ao fato de ela não ter se realizado profissionalmente. Ao engravidar,
ela interrompeu os estudos e, ao assumir o papel de mãe, passou apenas um curto período
seu casamento, esperando que o marido agisse de modo diferente com ela e com os filhos.
Embora em sua narrativa revele que está “acordando”, buscando um trabalho fora de casa,
o trecho abaixo mostra que Fátima prefere lamentar-se a ver que ela mesma se impediu de
continuar sonhando em ter o crescimento profissional que almejava, de ser como ela
“Eu era totalmente diferente, era bem calma, mas depois desse relacionamento eu fiquei
muito agitada, sem paciência... Eu sinto que foi depois desse relacionamento que eu
mudei... E para pior! Ás vezes até digo a ele que eu podia ser outra pessoa, se eu não o
tivesse conhecido nunca. Podia ter sido diferente, eu podia ser mais calma, trabalhar para
ter uma vida melhor, pois eu estudei, terminei o segundo grau, fiz muito... sonhava em
trabalhar na área de saúde”.
Esse depoimento nos leva a pensar que talvez todo o sofrimento pelo qual essas
mulheres passam em suas relações amorosas esteja, pelo menos em parte, relacionado às
“Eu achava que não tinha outro homem igual, eu achava que ele era o homem perfeito, eu
achava que ele era o homem... tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo! Realmente, até hoje eu
não acho que ele é ruim, mas, como eu disse, me sufoca o jeito como ele me trata”.
“Hoje em dia, eu fico pensando que Deus deve estar em primeiro lugar na minha vida, mas
ele era o meu deus!” (Isaura).
Podemos observar que Isaura via e, em menor grau, ainda vê, o seu parceiro
perfeição, o que, de certo modo, parece aproximar-se do que Giddens (1993) afirma acerca
do amor romântico, ou seja, que tal experiência envolve a idealização do outro, na busca do
como alguém de valor ou sentirá por si própria o apreço necessário e suficiente para
desenvolver com o parceiro amoroso um relacionamento que possa ser construído com base
nas diferenças.
palavras:
“Eu vivia assim: só comia com ele, só tomava banho com ele, só fazia o que ele queria,
tudo, tudo, tudo! Se ele falasse que vinha tal hora para casa e se não viesse, eu ficava
chorando, chorava feito um neném. Eu só passeava com ele, quem comprava tudo era ele.
Se eu ia para o médico, ele me acompanhava. Só fazia o que ele queria, tudo, tudo”.
“Eu o entendo, faço tudo que ele quer, tudo o que ele manda fazer eu faço”.
e de se perceber ancorado em uma forma idealizada de ver o amor e a sua existência como
“Antes da gente morar junto... ah! Eu pensava que ia ser muito bom, que a gente ia para o
interior passar férias, que a gente ia estar crescendo junto, que a gente ia ter uma vida, ter
um filho, e estar... podendo fazer nossas vidas, estar crescendo, não é? Crescer no lado
profissional, crescer no lado... ter uma vida, somar. Somar, não é? participar dos
problemas” (Laura).
“Eu esperava ter uma vida conjugal boa, nunca pensei que seria assim... tantos obstáculos,
tanta... indiferença! Não pensei que fosse assim, pensei que ia sair junto, cuidar dos filhos
junto, tudo junto” (Fátima).
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“É muito complicado você tomar uma decisão e você separar, porque, na hora do
casamento, você está investindo ali um sentimento, muita vontade que dê certo. Ninguém
casa para separar com um mês depois; a gente casa, pelo menos a minha idéia era essa: eu
tinha vontade de envelhecer com ele. Eu ficava imaginando a gente velhinho com os netos...
Então, é uma frustração muito grande”.
“Ele (refere-se ao marido) ficava dez minutos ali na posição que eu queria que ele
ficasse, me abraçando, e depois já se virava, já ia para o lugar dele na cama. Eu sempre
achei isso tudo muito esquisito, porque eu tinha uma outra idéia de casamento na minha
cabeça”.
“Então você acaba imaginando que casamento é algo para você viver em conjunto, e não
você viver sozinho no seu mundo e a outra pessoa viver lá no mundinho dela. A partir do
momento em que você decide se unir a outra pessoa, você quer compartilhar tudo, tanto as
coisas boas como as coisas ruins com aquela pessoa”.
“Ele (refere-se ao marido) sempre foi uma pessoa muito dedicada ao trabalho, a ponto
dele me esquecer. E por isso eu não esperava. No início do nosso casamento, nós passamos
um mês sem contato íntimo nenhum. A partir daí, já me causou uma decepção muito
grande!” (Sofia).
“(...) eu pensei que a gente ia se amar, que ele podia trabalhar, que ele podia me ajudar, eu
podia ajudá-lo... Ser uma união, uma coisa mais bonita, pensei que íamos viver para os
nossos filhos, mas só que as coisas mudaram muito” (Vera).
“Eu sempre pensei em um dia casar, ter filho... Isso sempre passou pela minha cabeça. Eu
pensava em casar, ter filhos, tentar... dependendo dele, não é? viver bem”.
“Eu vejo que meu casamento é uma coisa que não vai ser para sempre, como eu pensava, e
eles não, eles para sempre vão ser meus filhos”.
“Eu pensava que ia ser feliz com o meu marido, mas hoje em dia é bem difícil mesmo, bem
complicado!” (Elisa).
Percebemos, nas falas dessas mulheres, que alguns ideais do romantismo amoroso,
tais como os de durabilidade, felicidade e intimidade sexual compõem os seus selves, dando
indícios de que essa forma de amar, como bem reconhece Costa (1999), apesar das
ainda persiste no mundo ocidental. Vemos que esse ideal amoroso continua embalando os
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Merece atenção o fato de a maioria das entrevistadas ser casada formalmente; dado
esse que parece ir ao encontro do que Araújo (2002) ressalta acerca do casamento na
continua sendo uma referência e um valor importante, mas convive com outras formas de
relacionamento conjugal (...)” (p. 76). Nessa perspectiva, concordamos com Dantas de
conforto de tudo aquilo que é aprovado socialmente. A sua representação contém elementos
do amor romântico, arrastados no tempo, a partir do amor cortês” (pp. 125-126). Assim,
coexistindo com a busca pela autonomia dos parceiros, a qual é influenciada pelos valores
individualistas vigentes na nossa sociedade. Não podemos negar que as participantes desta
pesquisa têm os seus selves influenciados por esse modo de viver a relação amorosa, que é
sustentado, segundo Simmel (1971, apud Ferés-Carneiro, 1986), por “(...) expectativas,
tensão e conflito na relação conjugal (...) (p. 385)”. Contudo é importante ressaltar que a
busca pela autonomia e a valorização dos espaços individuais, embora almejadas, não
parecem ser algo facilmente posto em prática pelas participantes deste estudo, ao contrário
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do que acontece com a maioria dos seus parceiros. Estes não demonstram interesse em
fortalecer os espaços conjugais, aspecto que constitui uma queixa da maioria das
entrevistadas. Essa diferença de gênero na forma de viver o amor parece contribuir para o
mostra a dificuldade de expandir e preservar seus espaços individuais, deixando claro que
“Muitas vezes eu falo mais do que ajo, porque eu nunca saio assim com minhas amigas
para um show, nunca fico até mais tarde na rua com minhas amigas... Não pode”.
satisfatório. Esse dado parece guardar relações com o que foi observado por Garcia &
Tassara (2001), em sua pesquisa. Essas autoras constataram que, para as mulheres que
participantes deste estudo como contribuindo para que elas continuem na relação amorosa,
“Eu acredito até hoje que I nunca teve outro relacionamento além de mim, então isso
acaba sendo um ponto positivo... Saber que ele é só meu, apesar de tudo”.
“(...) eu falo para ele que nunca vou permitir que exista outra na minha vida, porque eu já
sou a outra e ainda vai ter que existir outra? Eu não vou permitir nunca”.
acreditou que poderia viver uma relação ancorada nos valores do amor romântico aqui
apontados, tomando tal relação como principal fator de bem-estar e auto-realização. Nesse
sentido, sugerimos que a permanência no sofrimento amoroso pode estar relacionada a uma
dificuldade dessas mulheres de alterar as suas crenças no amor, buscando repensar, como
sugere Costa (1999), “(...) o que significa ‘outro’, ‘companhia’, ‘felicidade’, e ‘ideal
imortal’ (...)” (pp. 218-219). Dentro dessa linha de pensamento, estamos considerando que
os selves dessas mulheres não se constituem apenas no meio familiar, mas se inserem em
um contexto social e cultural mais amplo. Recorremos, então, a Neves (1997), ao afirmar
que a sociedade contemporânea caracteriza-se pela força do controle que exerce sobres os
acrescentam que o processo de produção é atravessado por representações que são injetadas
nas pessoas, através da linguagem, da família, dos equipamentos coletivos que nos rodeiam
e da mídia. Ressaltam que a disseminação geral do poder capitalista produz efeitos sobre as
categorizado, essas mulheres parecem alheias ao poder-ser, do qual nos fala Dutra (2000),
ao próprio existir. Nesse sentido, Miranda (2000) acredita que podemos nos desvencilhar da
relação, afetos, modos comportamentais etc. O depoimento de Vera expressa bem esse
aspecto que vimos discutindo, pois revela uma trajetória de vida marcada por conflitos
impostos sobre o seu modo de ser, como ela bem explicita a seguir:
“Então, estava tudo planejado para mim: eu ia fazer esse curso, ia trabalhar, casar e ter
filhos. E eu não queria que fosse assim, queria me soltar... Assim, para a vida. Mas era
uma coisa errada que eu queria, não é?”
“Eu sonhei muito em ser livre, ser independente, mas até hoje eu continuo sentindo que
não posso buscar esse sonho, não tenho direito (...)”.
consigo, refletindo e avaliando o rumo que estão dando às suas vidas, vislumbrando
apesar de ser possível, essa tarefa não é fácil para elas, levando-se em consideração a forma
ambiente familiar que, como já discutimos, é pouco favorecedor do contato com os seus
atual:
“(...) porque eu não quero mais outro homem na minha vida, entendeu? Não penso em
arranjar outra pessoa... Por quê? Para quê?” (Isaura).
“Eu até já me imaginei sem o meu marido, eu já imaginei isso, mas assim... ficar só sabe?
não ter mais ninguém. Aí pronto, é o que eu lhe falei, ficando sem ele, eu penso em levar a
vida dedicada à creche, abrigo, visitar hospitais, essas coisas” (Vera).
“Se a gente se separar, eu nem penso em arranjar outro, eu sempre penso que saindo dessa
complicação que eu... disso aqui que eu arranjei para a minha vida, que só fez complicar,
eu jamais tenho outra pessoa. Eu acho que não ia... Não ia dar certo. Eu não penso em
arranjar outra pessoa, porque eu acho que... Eu tenho medo de não dar certo... É tão difícil
relacionamento! Eu achava que esse ia dar certo, mas não deu”(Laura).
Elisa também se revela pessimista, contudo, mesmo afirmando que “(...) hoje em dia
os homens são imprevisíveis (...)”, não pensa em privar-se de viver outra relação de amor,
“Se a gente se separar, eu não me vejo mais casada. Posso namorar, mas cada um
morando na sua casa. Isso aí eu me vejo fazendo. Mas para casar, morar comigo
novamente, eu não quero mais não... chegar a ponto de casar novamente”.
“Então eu digo assim, que no momento em que eu me separar, eu não quero mais outro
homem para morar comigo. Eu acho que se está horrível, então tudo vai ser a mesma coisa
ou pior ainda!”
As falas de Isaura, Vera e Laura nos fazem pensar que as decepções e frustrações
prazer ou, ainda, como mostra uma das conclusões da pesquisa de Dantas de Araújo (2000),
Em todas as narrativas, percebemos uma fala que aponta os motivos pelos quais as
pelo qual vêm passando, e que geralmente atribuem a tal relação ou ao parceiro. Assim,
elas evidenciam a singularidade de suas experiências, o que nos faz ver que, entre algumas
entrevistadas, há motivos em comum, tais como o medo da solidão, o fato de acharem que
melhoria do seu relacionamento amoroso. Os trechos a seguir também mostram que essas
mulheres buscam uma compreensão para a realidade que vivenciam, demonstrando o que
“Eu tenho que descobrir o que é que me faz continuar com ele (refere-se ao marido),
nesse sofrimento... É esse o meu problema de hoje... É isso o que eu tenho que descobrir”.
“Eu fico imaginando que, se eu me separar de A, eu vou sofrer, eu vou viver dentro de casa
assim, não vou ter ninguém para esperar, para conversar... (...). Eu penso assim, que a
minha vida vai ser tão sofrida, que vai ser essa mesma... sempre com sofrimento... Desde
quando eu me entendo de gente que eu sofro... Por que é que vai mudar? Então, se eu estou
com A e está sendo ruim, mas já foi tão bom, se eu me separar, se eu arranjar outro
homem, não vai ser igual? Por que não ficar com ele?” (Isaura)
“Eu não sei nem por que, depois desse tempo todo, porque eu ainda estou ali, naquele
mesmo local, junto com ele... eu não sei dizer. Às vezes eu fico pensando assim, mas...
tentando compreender, sabe?”
“Eu acho assim, que eu ainda continuo nesse relacionamento devido também aos meus
filhos, porque se o pai for embora, eles vão com o pai, não vão ficar comigo. E eles, apesar
103
da idade, já podem entender. Eu tenho medo de ficar sem eles, porque sempre que o meu
pai dizia que ia embora, a gente lá em casa nunca dizia que ia embora com ele, nunca!”
“Eu não me vejo sem os meninos de jeito nenhum! Eu não me vejo assim, sozinha. E o
relacionamento é muito bom entre eu e meus filhos, para onde eu vou, no final de semana, é
com eles direto” (Elisa).
“Eu gosto dele (refere-se ao marido), é... depois meus filhos, assim eu... assim, enquanto
ele for vivo, eu tenho que agüentar porque eu tenho meus filhos, eu não tenho capacidade de
criá-los sozinha! Pode até ser que eu tenha, não é? Quando eu, assim... ficar sem ele
mesmo, Deus dá um jeito, mas eu não me acho capaz, está entendendo? Não me acho com
capacidade de segurar a barra sozinha. A vida é difícil...”
“Eu não posso abandoná-lo, porque ele tem pressão alta. Se ele ficar doente, se ele morrer,
eu vou me sentir culpada. É muito difícil, estou sempre pensando nos outros (...)”.
“É como se eu me segurasse muito nesse amor, e perder isso, ver isso se desestruturando é
triste! É muito triste assim, mas eu oro, sabe? Eu clamo a Deus, eu tenho esperança de
adquirir ele de volta, porque para Deus nada é impossível!” (Vera).
“(...) eu fui até grosseira, porque eu disse a ela (refere-se à mãe) que o que ela tinha para,
assim, o que ela pôde fazer para estragar a minha vida, ela já tinha feito. Eu quis dizer que
todos esses conceitos que me impedem de tomar as minhas decisões, tudo isso acaba
dificultando, e muito! A gente vive numa sociedade que cobra, mas não age da maneira
como ela cobra, mas a gente vive em função dela. Então é o medo de ficar só, de todo
mundo pensar que eu estou disponível para qualquer pessoa... Eu tenho esse medo... de
ficar só, e de pensarem que eu estou disponível, de quererem qualquer envolvimento
comigo, que eu não queira. O medo de eu chegar em um lugar e ser desprezada porque eu
sou uma mulher separada. Quer dizer, hoje, a gente vive...talvez não tenha tanto isso, entre
aspas, que eu acho que existe muito. Se você tem um grupo de amigos, e você se separa,
todas as mulheres do seu grupo de amizade vão ficar com medo que o marido delas, ou que
você dê em cima; ou seja, que o marido dê em cima de você e você dê em cima do marido.
Isso é muito chato! E você tem que dar satisfação da sua vida às pessoas. Eu não quero
isso não”.
“É como se eu tivesse uma certa expectativa dele encontrar alguém, cansar de mim, porque
aí ele tomaria a decisão e eu não precisaria tomar. Além disso, eu não iria me sentir
culpada pela separação, se isso acontecesse”.
“Todo o sofrimento que eu já tive, e aí, eu decido todo dia que eu não quero mais ter isso
na minha vida, até o dia de chegar a decisão, e já estar tudo acertado. É dessa forma que
eu vou fazer, é dessa forma que eu estou fazendo. Foi a maneira que eu encontrei, e está
sendo difícil, porque é lento, mas como eu sei que é uma decisão só minha, e que eu estou
nesse caminho hoje porque eu optei, de uma certa forma... Ninguém tomou a decisão por
mim, eu casei porque quis, eu permaneci no casamento porque quis” (Sofia).
104
“Eu não perderia nada, se tivesse sem ele, ia mudar para melhor, com certeza. O que me
faz continuar é... assim, porque eu não vejo outra pessoa para tomar conta dele”.
“(...) eu me sinto perdida, sem ter como, sem tomar uma posição, sem resolver nada na
minha vida, sem ter coragem de resolver isso. Eu não tenho como... eu não sei resolver
essa situação! Talvez até se fosse outra pessoa, fosse alguém meu, fosse... eu já tinha
achado uma saída, com certeza, sabe?” (Laura).
“Ficar assim, nesse relacionamento, é triste, mas eu penso assim... às vezes eu penso
assim... às vezes eu penso em largar e ás vezes eu penso que seria pior. Eu penso assim, na
dificuldade, no que eu vou passar, quer dizer, eu já tenho dois filhos, às vezes eu penso que
seria pior sem ele... mas eu acho que também gosto dele. Para eu ficar esse tempo todinho
e agüentando, passando por esses momentos, eu acho que só posso gostar. Eu penso que,
se eu nunca sentisse qualquer coisa, eu não estava mais nesse relacionamento”.
“Voltando a falar sobre o meu casamento, já faz muito tempo que eu venho passando por
isso tudo, e tenho esperança que melhore. Quem sabe quando os meninos crescerem... eles
já vão poder entender melhor as coisas, o maior já é mais compreensivo, o outro ainda é
pequenininho. Eu espero um futuro melhor, tenho essa esperança” (Fátima).
Embora, para algumas mulheres, não esteja totalmente claro o motivo ou os motivos
mais de uma razão consciente e aparente, nos chama a atenção, nessas falas, a importância
atribuída por tais mulheres à existência de um “outro”, o parceiro amoroso, em suas vidas,
abandono, de não terem valor nem merecerem amor. Assim, podemos pensar a
mesmas, de suas vidas, dando-lhes uma direção mais satisfatória e reveladora de um modo
105
seja, o movimento de abertura ao vivido. Essa abertura ao fluir dos sentimentos talvez seja
a condição primordial para que tais mulheres possam aprender a estar sozinhas e a lidar
restrição aos tradicionais papéis de dona-de-casa e mãe, à medida que elegem a relação
amorosa como primordial. Isso nos faz pensar na influência dos valores, normas e padrões
“Eu me conformei em ser dona de casa, mas desde que tivesse amor, que ele me amasse,
porque se ele me amasse, assim como eu o amo, ele mudava, ele fazia as coisas que eu
gosto, ele já compartilhava comigo, está entendendo?”
“(...) quando a gente ama, a gente não quer ver a pessoa sofrendo... renuncia a tudo, não
é?”
106
Isaura:
“Quando A percebe que eu fui para um médico escondida dele, ele briga muito comigo,
mas ultimamente ele não tem brigado muito, porque eu converso muito com ele, eu mostro
para ele:’ - Filho, me deixa ir, porque eu não tenho amiga, eu não saio de casa (...)’”.
“Como eu já disse, a gente trabalha junto, na confecção que tem no fundo do meu quintal.
Então ele arruma o serviço por fora e eu tomo conta da parte de casa, das costureiras.
Acontece que eu sei fazer o serviço, mas ele quer me ensinar, sem saber, porque é para eu
fazer do jeito que ele quer, não é do jeito que eu quero, não é do jeito que eu sei! (...)”.
Elisa:
“Depois comecei a trabalhar novamente e trabalho até hoje, coisa que ele nunca gostou,
que eu trabalhasse fora. Eu não sei por que ele nunca gostou; toda vez que eu começava a
trabalhar, ele passava duas, três semanas em casa com raiva, sem falar comigo. Ah! ele
dizia que era porque a casa ia ficar abandonada, os meninos, a menina ia ficar... eu dizia
que não ia ficar nada abandonado! Para ele eu tinha que ficar em casa, sabe? A
responsabilidade era com a casa, com a filha e com ele, dentro de casa, e pronto. Eu não
podia ter responsabilidade com mais nada”.
“Meu marido costuma dizer que é homem e, por isso, pode fazer tudo, diferente de mim,
que sou mulher, então para mim “pega”. Eu digo que não é assim, o direito que ele tem de
sair, ir com um colega tomar cerveja, eu também tenho, direito de sair com minhas amigas,
ir tomar uma cerveja. O direito que ele tem, eu também tenho!”
Sofia:
“Ele sempre dizia assim:’ - Não, eu quero que você cresça, eu quero que você seja uma
profissional liberal, que você se dê muito bem na vida’. Mas, por outro lado, todo dia
quando eu chegava em casa, ele estava com a cara feia, arrumava alguma confusão,
alguma... besteira, alguma discussão besta”.
Laura:
“(...) quando eu vou para a faculdade, ele fica... às vezes ele fica debochando:’ - Ah! e você
vai para a faculdade?’”
Fátima:
“Meu marido acha que o homem pode tudo e a mulher não. Ele costuma pensar dessa
maneira, que ele pode, ele pode sair, que não tem problema nenhum; agora se eu sair ele já
107
fica de orelha em pé. Se eu sair, se eu demorar, ele já fica muito chateado. Às vezes eu saio
para resolver qualquer coisa, vou à cidade comprar algo... se eu demorar, ele fica
perguntando por que eu cheguei àquela hora e tal, fica desconfiado, cobrando”.
“Ele chega do trabalho e, se eu não estiver em casa, ele fica reclamando. Diz que eu gosto
muito de andar nas casas, mas eu nem sou muito de andar nas casas, sou mais de ficar em
casa mesmo. Ele não entende mesmo! ele deve achar que é para eu passar vinte e quatro
horas dentro de casa. Eu me sinto bastante chateada! É mais por causa disso que
acontecem todas essas desavenças em casa”.
“Eu estou sempre em casa, cuidando de tudo, dos fazeres de casa, de criança... enche!
Dificilmente ele reconhece o que eu faço, dificilmente! Às vezes, ele diz que é assim mesmo,
dona de casa tem que ser assim mesmo. Eu pergunto se ele queria isso para ele: ser dona
de casa e mãe! Eu sonhava em ser mãe, em ter uma casa para cuidar, mas esperava que o
meu marido fosse mais compreensivo”.
machismo ideológico, com a tentativa, dos parceiros dessas mulheres, de exercer controle
sobre as suas vidas e de delimitar os papéis que cada integrante da díade amorosa deve
exercer. Assim, o espaço da casa, o mundo do lar, é reservado para a mulher, e o espaço da
rua, para o homem. Esse aspecto parece ir ao encontro do que afirmam alguns autores,
como, por exemplo, Vaitsman (2001), acerca de ainda ser a mulher, apesar dos avanços
obtidos, a principal responsável pelas atividades domésticas e pelos cuidados com os filhos,
o que gera, muitas vezes, uma sobrecarga de trabalho. No último trecho citado, percebemos
a insatisfação de Fátima com a sua dedicação exclusiva ao ambiente doméstico bem como
com a falta de apoio e de valorização, pelo parceiro, do papel que ela desempenha, gerando
relacionamento amoroso.
das desigualdades de gênero presentes no cotidiano dessas mulheres, que não conseguem
108
mais calar diante dessa situação, embora muitas vezes suas ações não coincidam com suas
reivindicações.
papel e na imagem da mulher, ao longo do tempo, como já assinalamos, ainda é difícil, para
estabelecer uma relação mais igualitária entre o par amoroso. Na maioria dos depoimentos,
percebemos ainda que as mulheres não se sentem plenamente satisfeitas com a idéia de
reconhece o papel que desempenham ou mantém-se distante dessa realidade. Elas revelam
ambiente doméstico, demonstra insatisfação em não poder expandir-se além das fronteiras
do seu lar, pois o parceiro busca controlar todos os seus passos, tentando mantê-la sempre
“Ultimamente, eu venho pensando em sair de casa, em ter coragem de fazer isso. Tenho
muita vontade de estudar... O que me impede de sair é o medo de descobrir coisas que eu
não quero descobrir. Eu não sei como é isso... não quero saber”.
Também é visível que Isaura reconhece o medo que tem de estreitar o seu contato
com o ambiente público, do qual se distanciou, ao permitir que sua vida fosse manipulada
pelo parceiro amoroso. Mantém, então, sua postura de defesa, evitando contactar com a
realidade, como costuma fazer em situações da sua vida amorosa, tais como aquelas em que
“(...) eu vejo, mas sou cega, eu tenho que ser cega! Cega, muda e surda! é! para ver... para
eu viver!”
Embora expresse um grande desejo de ter o parceiro mais presente em sua vida,
centrando seus esforços na relação amorosa, Isaura, como vimos, também pensa em voltar a
estudar. Já Sofia, além de concluir o curso universitário, espera encontrar um trabalho com
o qual tenha afinidade e que supra todas as suas necessidades materiais. Laura demonstra
que gostaria de continuar trabalhando e estudando, expandir sua vida social, ter mais
contato com a família, enfim poder levar a sua vida sem preocupações em torno do
parceiro. Vera pretende resgatar a sua relação amorosa. Por fim, Elisa e Fátima falam na
“Quanto ao meu futuro, meus projetos, eu não sei... Eu penso assim em me realizar
profissionalmente, porque o meu sonho sempre foi fazer Enfermagem e eu vou batalhar
para isso!” (Elisa).
“(...) eu tenho que acordar, não é? Eu estava muito parada... eu tenho que acordar! Eu
desisti dos meus sonhos, principalmente do sonho profissional... me dediquei muito só para
casa, para os filhos e para ele, mas o meu sonho era ter meu próprio emprego, mas agora
eu estou acordando e estou batalhando” (Fátima).
projetos, o anseio de realizar algo que possibilite crescimento pessoal. Isso demonstra
outras alternativas de emergência de sentido para as suas existências, sem que precisem
sofrendo na relação amorosa, talvez pelo medo da perda do sentido de suas vidas,
decorrente de um rompimento entre o casal. Sofia parece ter encontrado uma maneira de
110
caminhar rumo a uma melhor compreensão e elaboração do seu sofrimento e da sua própria
vida:
“Em relação a tudo que eu já falei, eu sinto que é bom falar, porque a gente falando a
gente vai tomando mais consciência. Eu, quando falo sobre as minhas coisas, às vezes eu
falo só, até para mim mesma, na rua, em qualquer lugar. Se você, alguma vez, me pegar
falando sozinha, no meio da rua, não é porque eu estou ficando maluca não, é para tomar
cada vez mais consciência da minha vida, do que eu estou passando e do que eu tenho que
decidir, do que eu tenho que definir. Então para mim alivia muito falar, eu me sinto mais
aliviada, eu tomo mais consciência do que está acontecendo comigo diariamente. Então,
mesmo que eu não tenha outra pessoa, em determinado momento, mas eu falo para mim, eu
falo só, eu acho bom falar”.
aparece aqui como uma relação direta – a palavra diz a experiência, a experiência chama
pela palavra” (Gendlin, 1973, p. 263). Assim, Sofia evidencia a importância de contar e
recontar a sua história, pois, à medida que ouve a sua fala, vai desvelando os aspectos
sentido.
111
6. Considerações finais
pudemos observar que a experiência investigada revela um modo de estar no mundo, o qual
envolve sempre a co-existência, o papel e a influência dos outros nos diferentes contextos
amorosamente. Isso nos faz pensar que muitas das expectativas e cobranças presentes ao
longo da história ainda persistem, como se pode observar em várias falas das entrevistadas.
Estas evidenciam, muitas vezes, uma convivência conflituosa com tais cobranças e as
demandas mais recentes do papel feminino, fruto das conquistas que a mulher vem obtendo
romantismo amoroso nas narrativas de tais mulheres, revelando a forte influência que ele
dentre outras que apontam para a necessidade de vivenciarem a realidade comum do casal,
suas existências.
melhoria dos relacionamentos são freqüentes nas experiências de vida dessas mulheres.
naquelas que não exercem uma atividade produtiva fora do ambiente doméstico. Contudo
algumas reconhecem que suas ações geralmente não se encaminham em tal direção. Esses
aspectos parecem denotar uma diferença de gênero no modo de viver o amor e contribuem
experiência de vida das participantes, sendo notória a força que ele ainda exerce no
aprendizado do papel social da mulher. Essa culpa parece estar relacionada a um outro
valor, o cuidado, que permeia o modo de ser de todas as participantes da pesquisa. Talvez
por isso, embora queixando-se dos parceiros, elas demonstrem sentir-se muito responsáveis
113
pelo bem-estar ou sucesso da relação amorosa e acreditem ter o dever de cuidar dos filhos,
da casa, do parceiro. Uma delas, inclusive, se dispõe a cuidar dos próprios pais, parentes
e/ou amigos, numa postura, muitas vezes, servil. O sacrifício ou abnegação, já ressaltados,
existência das participantes da pesquisa, que conduzem suas vidas alheias às diferenças
entre elas e os outros, no que diz respeito a suas necessidades, emoções, valores, atitudes e
demais aspectos da sua subjetividade. Talvez a relação amorosa represente, para essas
vida. Tal relação pode significar ainda a busca pela garantia de segurança, amparo, sossego
de gênero, anteriormente discutidas, parecem contribuir para reforçar essa busca pelas
mulheres.
Percebemos que a maioria das participantes tem alguma meta que ainda pretende
com clareza a forma particular, singular, como cada uma das entrevistadas vive a sua
relação amorosa, com a sua história de vida, maneira de sentir, ver e existir no mundo.
que pretendíamos obter neste trabalho. No caso específico das participantes desta pesquisa,
ficou evidente que o sentido atribuído a tal experiência é único e está permeado por
amoroso.
Chegar a este momento do trabalho reforça-nos a idéia de que o ser humano está em
maneira de perceber a si próprio e ao outro, do seu modo de estar no mundo. Isso, por sua
vez, nos faz pensar na mutabilidade e fluidez dos dados aqui obtidos, assim como nas
existe num movimento incessante de mostrar-se e ocultar-se, não podendo, assim como o
experiência acompanha a existência de cada mulher, sendo vista, de acordo com Critelli
(1996), como o próprio sentido de ser (existir), cujo conhecimento é sempre relativo e
provisório. Partindo desse princípio, temos o desejo de que a compreensão do objeto deste
trabalho, aqui desvelada, seja importante e útil para os profissionais que lidam com tal
contexto de uma relação na qual ela tenha a possibilidade de entrar em contato com tal
a emergência de sentidos, o que nos faz pensar que o profissional - pesquisador ou clínico -
Portanto, este deve sempre lembrar que essa experiência é também sua, que o toca, sendo
Pensamos que a temática deste estudo, tomada sob o ponto de vista da mulher,
talvez seja compreendida mais amplamente se pudermos ouvir e conhecer o sentido que a
experiência amorosa tem para os homens. Esta pode ser uma sugestão para uma nova
Cabe lembrar que a comunicação das informações desta produção será feita às
participantes e aos profissionais envolvidos com essa clientela, por meio de encontros e
publicações científicas. Assim, este estudo terá cumprido a sua função social.
117
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Anexo B
As Narrativas
A minha história é uma história bem longa... É uma história que já vem... Sabe?
Então a cada dia que se passa, eu me descubro mais. E hoje, me incomoda! Isso me
incomoda, esse amor que eu tenho me incomoda! Eu me sinto sufocada, então esse é o
motivo pelo qual eu vivo... Tenho que procurar alguma coisa, algum tratamento, alguma
Esse homem com quem eu vivo há quinze anos, quando eu o conheci, ele já tinha
uma família... E eu sempre tive aquele sonho de um dia, ele decidir a vida dele, ver o que é
que ele queria da vida dele. Eu casei nova, tinha dezessete anos, com outro homem, e logo
eu tive um, dois, três, quatro filhos. O pai dos meus filhos não era carinhoso, ele não era um
homem como esse com quem eu vivo. Na minha cabeça, eu achava que homem não amava
a mulher, que mulher não era feliz, que casamento era para casar, ter filho e pronto, sabe?
Eu passei dez anos com o pai dos meus filhos e ele nunca disse que me amava, ele nunca
me deu nada! Então, assim que saí do meu casamento, eu conheci essa pessoa...
No meu casamento só tinha sofrimento, eu trabalhava para dar comida aos meus
filhos e ele batia em todos nós. A vida foi muito difícil nesses dez anos que a gente
123
conviveu, eu me revoltava quando chegava em casa e ele tinha batido nos meus filhos,
então eu brigava. Eu amava muito, os meus filhos! Eles eram a minha vida, eu tinha que
viver para os meus filhos, porque eles eram crianças pequenininhas, não tinham quem
defender eles, só tinham a mim e o pai. Este dizia que eu o traia, mas isso não acontecia...
Chegou um tempo em que eu trabalhava, comprava comida, mas não dava mais comida
para ele, aí ele não agüentou e foi embora. Isso acontecia porque quando ele trabalhava,
chegava a sexta feira, ele ia farrear e não comprava comida para dentro de casa. Ele
começou a beber muito e a ficar muito violento, mesmo! Muito, muito, muito! E... Ele
Depois eu conheci A, o homem que vive comigo, então foi um mundo encantado
para mim! Porque no dia em que eu o conheci, fazia três dias que o pai dos meus filhos
tinha ido embora, e eu estava toda “lapiada”, pois ele tinha me batido. Antes disso, uma
colega vivia dizendo que ia me levar numa loja, para eu vender jóia. Eu ganhava pouco e
precisava mesmo, então fui com ela buscar mercadoria para vender, e quando eu cheguei na
loja com ela, ele me viu toda... “Lapiada”. Aquilo chamou a atenção dele, tanto é que no
dia seguinte a minha colega chegou para mim e disse que A, que era o dono da loja, queria
falar comigo, mas que eu tivesse cuidado, pois ele era muito namorador. Então eu pensei
que não queria aquele bicho velho nojento, aquele negro horroroso, Deus me livre! Eu tinha
pavor aquele homem! Eu dizia que Deus me livrasse de eu querer aquele homem! Então eu
fiquei com receio de ir lá, mas mesmo assim fui. Minha colega falou para eu ir e saber o
que ele queria comigo... Quando eu cheguei lá, ele disse que queria falar comigo em
particular. Começou então a conversar comigo, perguntou “tudinho”, e eu contei para ele
que tinha quatro filhos... Contei minha história para ele, aí ele perguntou se eu queria viver
com ele. Eu disse que tinha quatro filhos, mas ele me disse que eu podia ter dez filhos,
124
porque fazia dez anos que ele procurava uma mulher para ele, e essa mulher, ele tinha
certeza que era eu. Na época, ele tinha um montão de namorada! Eu era uma menina nova,
Ele disse ainda, que eu era uma menina que tinha sido criada no interior, tinha
casado nova, não conhecia o mundo... E realmente eu não conhecia o mundo mesmo, o meu
mundo era aquele ali, pequenininho. Fazia pouco tempo que ele tinha vindo morar aqui em
Natal e falou que ia me dar tudo que uma mulher tinha direito, que eu ia ser feliz, ia poder
criar meus filhos, e... Tudo, tudo muito! Ah! Quando ele falou isso, eu fiquei muito curiosa!
Ele disse: “- Certo Isaura, eu vou fazer você feliz, eu vou lhe dar tudo que uma mulher tem
direito”. Eu não pensei em amar, eu pensei nos meus quatro filhos... Eu trabalhava para dar
de comer a eles, o dinheiro que eu ganhava era um salário mínimo. Muitas vezes amanhecia
o dia, eu me acordava e olhava dentro de casa, não tinha nada, nada, eu não tinha nada
mesmo! Era bem... Pobrezinha, sabe? Muitas vezes eu ia na casa de uma irmã minha e
pedia para ela... Quantas vezes eu trabalhei numa fábrica e quando chegava na hora do
almoço eu não comia minha carne. Minhas colegas sabiam, então elas dividiam a carne
delas comigo, e a minha carne eu enrolava, botava no bolso, levava para casa e, no outro
dia, cortava miudinho para os filhinhos comerem. Com o meu dinheiro, não dava para
gente ter comida de manhã, ao meio dia e de noite, porque eu só ganhava um salário
mínimo... Eu vivia aperreada, mas sempre lutando, lutando, lutando para não faltar nada
para os meus filhos. E então foi isso, eu não podia perder aquela oportunidade, eu não fui
Conversei com uma colega minha e ela disse que eu não tinha o que perder
mesmo... Ouvir isso foi só o que eu queria! Mesmo assim, eu disse que ele era horroroso!
Ela falou que com o tempo eu ia gostar dele... E pronto, eu quis. Ele marcou para ir resolver
125
uma coisa comigo, eu fui... E gostei, se eu não tivesse gostado, eu não tinha ido outra vez.
Quando eu vivia com meu marido, acho que ele nunca me beijou na boca, aí pronto,
Eu não vou dizer que já comecei a gostar dele naquele dia, mas eu gostei de ficar
com ele, então a gente ficou se encontrando. Ele me convidou para sair uma noite e, como
eu não tinha roupa, ele comprou uma para mim. Assim, ele começou a dar tudo, comprava
as coisas para mim, dava dinheiro para eu fazer compras para casa... Eu tinha vergonha que
ele conhecesse minha casa, mas ele foi um dia de surpresa... E pronto, então ali ele
começou a me ensinar tudo que ele achava que deveria, do jeito dele. Eu vivi para ele, a
minha vida inteira eu me dediquei para ele, de corpo e alma. Era como se eu fosse a filha
mais velha dele, sabe? Porque eu só fazia o que ele queria... Tudo, tudo, tudo! Ele era o
meu mestre, até hoje ainda é, continua; já foi muito mais, porque hoje eu já respondo a ele,
Eu comecei a gostar dele depois de quatro ou cinco meses, assim, ele era tão bom,
tão bom, tão bom! Eu achava que não tinha outro homem igual, eu achava que ele era o
homem perfeito, eu achava que ele era o homem... Tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo!
Realmente, até hoje, eu não acho que ele é ruim, mas como eu disse, me sufoca o jeito
como ele me trata. Eu era muito feliz, feliz, feliz! Até hoje eu tenho certeza que nunca tive
momentos felizes como esses dez anos que passei com ele, eu passei dez anos muito felizes
mesmo! Eu não sei dizer se era certa ou errada aquela maneira de eu viver, mas eu fui feliz.
Eu vivia assim: só comia com ele, só tomava banho com ele, só fazia o que ele queria, tudo,
tudo, tudo! Se ele falasse que vinha tal hora para casa e não viesse, eu ficava chorando,
chorava feito um neném... Eu só passeava com ele, quem comprava tudo era ele, se eu ia
para o médico ele me acompanhava, só fazia o que ele queria, tudo, tudo. Passou-se um
126
ano, dois... Mas eu era feliz! Muito feliz! Ave Maria, eu acho que eu nunca fui feliz de
Nós começamos a trabalhar juntos e montamos uma confecção na minha casa. Foi a
época em que a mulher dele descobriu que ele me tinha (depois de oito meses de
relacionamento), veio na minha casa e mandou ele decidir com quem queria ficar. Ele disse
que queria as duas e se uma de nós não agüentasse ficar com ele, que o deixasse.
No dia em que ele me conheceu, falou que tinha uma família, disse ainda que
sempre avisava à mãe dos filhos dele que, quando encontrasse uma pessoa do jeito que ele
procurava, essa pessoa seria sua mulher. Então ele cuidou de mim e dos meus filhos, me
tirou do emprego, construiu a minha casa, fez um ponto de comércio no fundo do meu
quintal, onde a gente até hoje trabalha. A gente viveu bem, bem, bem de verdade mesmo!
Ele melhorou de vida cem por cento, isso porque eu o ajudava, me dedicava de corpo e
Ele era Deus para mim, e hoje em dia eu fico pensando que Deus deve estar em
primeiro lugar na minha vida, mas primeiro era A. na minha vida, depois Deus. Ele era o
meu Deus! Eu fico pensando assim, como eu era... Como aquilo não me sufocava e como
me fazia feliz! Aí foi quando começou o meu sofrimento... Na época do “real” (moeda), a
vida da gente ficou difícil, começamos a trabalhar viajando e a cada dia as coisas pioravam.
Ele sofreu um acidente de automóvel, após dez anos de relacionamento, então decidimos ir
morar em São Paulo, e foi bem difícil a nossa vida... Começamos do zero, fomos construir
uma vida.
Durante dez anos ele dormiu três dias da semana comigo, e me dizia que a cada ano
ele aumentaria uma noite. Lá em São Paulo foi muito difícil, muito, muito mesmo! Foi
triste... A gente sofreu muito! Quando eu lembro de todo sofrimento que a gente teve, não
127
valeu a pena! Não valeu a pena o meu sofrimento, porque a vida dele sempre foi os filhos
dele, então para mim ele era Deus, e para ele Deus eram os filhos dele. Quantas vezes, na
época, dois dos meus filhos, que tinham catorze e dezesseis anos, chegavam no domingo do
trabalho e me entregavam o pagamento deles para eu fazer a feira e eu tinha que pegar
aquele dinheiro e dar para ele mandar para os filho dele. No dia seguinte, eu tinha que ir
cedinho, na casa das pessoas que eram do Norte, pedir comida... E era muito difícil para
mim... Só que naquela época, para mim, era normal, entendeu? Aquilo para mim não era
um sacrifício. Eu fazia qualquer sacrifício na minha vida por ele, fazia! Nesses dez anos
que a gente conviveu, os filhos dele estudavam nos melhores colégios de Natal às minhas
custas, porque eu era quem trabalhava por ele, já que ele ganhava pouco. Meus filhos
sempre tinham menos e isso para mim era normal... Ele sempre me dizia que tudo que ele
desse para os filho dele, também ia dar para os meus, mas isso não aconteceu, nem em
Lá em São Paulo, a gente construiu casa, melhor duas mil vezes do que a que a
gente tinha aqui... Naquela cidade, havia muitos conhecidos do Norte e eu comecei a
vender jóias; eu vendia nas ruas, em vários lugares, fazia um rodízio. Depois de um ano que
a gente estava lá, ele caiu em depressão... Se ele não falasse com os filhos descontava em
mim, brigava muito comigo, muito, muito! Assim, tudo o que eu fazia era errado, tudo o
que eu falava era errado, por tudo eu tinha defeito, e eu sofria muito, porque ele era meu
Deus... E era triste... Ele dizia para mim que quando a gente chegasse no Norte, eu ia
prestar contas a ele. Mas então até hoje eu pergunto a ele, o que eu tenho que pagar, se era
ele quem me maltratava, se eram meus filho que trabalhavam e davam dinheiro para eu dar
a ele... Eu queria que ele me explicasse o que é que eu fiquei lhe devendo.
128
Quando a gente estava para vir embora, eu disse a ele que se nossa vida não
mudasse, eu preferia ficar lá com meus filhos, mas aí ele dizia que sabia que eu não viveria
sem ele... É... Ele me ensinou a andar, tudo através dele, a só fazer o que ele quer, o que ele
dissesse estava dito... Ele podia estar mentindo e alguém chegar para mim e falar a verdade,
mas eu ia acreditar na mentira dele. Se alguém chegasse e dissesse que tal cadeira é preta, e
ele dissesse que era vermelha, para mim, ela ia ser vermelha, mesmo que eu visse que ela
também foi muito dolorosa... Minha mãe também me maltratou muito, assim... Antes de eu
casar, eu tive um namorado de quem eu gostava muito, mas o amor que eu tenho por A., é
maior do que aquele amor que eu tinha. Hoje eu vejo aquele meu amor, como ele é
diferente do de hoje, porque eu era inocente, hoje eu mostro para as minhas filhas como eu
era inocente... Minha mãe não queria que eu o namorasse, meu pai deixava e minha mãe
não. Ela dizia para mim que em Natal tinha o lugar das meninas perdidas, e se eu me
perdesse com aquele rapaz, eu ia morar lá e só sairia com dezoito anos. Eu acreditava no
que ela dizia... Esse meu namorado tinha muita vontade de fugir comigo, mas eu dizia para
ele que não. A gente namorava dentro do mato, bem longe... Antes, quando eu comecei a
crescer, assim, com uns cinco, sete anos, eu tinha que cuidar dos meus irmãos. Com dez
sinto dessa maneira: eu vejo, mas sou cega, eu tenho que ser cega! Cega muda e surda! É!
Para eu viver! Para eu ter que viver! Porque se eu enfiar na minha cabeça que eu não sou
cega, eu não vou ser cega mesmo não! Mas eu tenho que enfiar que sou e sou mesmo! E
tem que ser, porque se eu botar na minha cabeça que eu quero uma coisa, eu quero, quero e
129
quero! Ninguém vai tirar mais da minha cabeça aquilo, então eu... Fico, eu tenho medo de
cair numa depressão, eu sei que se eu cair, não morro não, vou procurar ajuda, me cuidar,
procurar um médico, ou... Eu sei que eu não morro! Mas eu vou sofrer muito... Mais do que
eu já sofro.
Quando A percebe que eu fui para um médico escondida dele, ele briga muito
comigo, mas ultimamente ele não tem brigado muito, porque eu converso muito com ele,
eu mostro para ele: “- Filho, me deixa ir, porque eu não tenho amiga, eu não saio de casa...
Eu não vou escondida”. Eu participo de um projeto, no meu bairro, e eu digo a ele que as
pessoas do projeto não vão me colocar no mau caminho... Ele não quer que eu tenha amiga
porque diz que não tem futuro e que eu sou uma pessoa que, o que disserem para mim, eu
vou fazer. Eu digo que as pessoas não vão querer o meu mal, ninguém vai mandar eu fazer
coisa errada, mas eu vejo que eu acredito muito nas pessoas... Isso vem desde a minha mãe,
não é?
Eu gosto da minha mãe, não tenho o que falar dela, mas tenho mágoa de não ter tido
carinho da minha mãe... Assim, porque ela não costumava dar um abraço, ela nunca me deu
um beijo... Às vezes, eu tenho vontade. Falar nisso me deixa triste... Então, eu fico assim
pensando... Pra quê, eu lutar? Se esse é o meu destino... Esse que eu vivo. Eu fico
imaginando que se eu me separar de A, eu vou sofrer, eu vou viver dentro de casa assim,
não vou ter ninguém para esperar, para conversar... Eu tenho medo de ficar só, porque eu
não quero mais outro homem na minha vida, entendeu? Não penso em arranjar outra
pessoa, por quê? Para quê? Eu penso assim, que a minha vida vai ser tão sofrida, que vai
ser essa mesma... Sempre com sofrimento... Desde quando eu me entendo de gente que eu
sofro... Por que é que vai mudar? Então, se eu estou com A e está sendo ruim, mas já foi tão
130
bom, se eu me separar, se eu arranjar outro homem, não vai ser igual? Por que não ficar
com ele?
E o que mais me dói, o que mais me martiriza, me faz sofrer mesmo, acaba comigo,
é que eu imploro para ele se mudar para casa, digo que quero viver com ele, mas isso não
acontece. Ele diz que vai mudar, que vai ficar bom para mim, que vai fazer as coisas
direitinhas... Mas ele só promete... Ele procura dar do bom e do melhor ao povo da casa
dele. Eu vivo com esperança de que ele mude, mas eu sinto lá no fundo, no fundo, no
fundo, eu acho que não tem chance não. Ele tem ciúme de mim com meus filhos, diz que eu
dou a minha vida pelos meus filhos, mas eu digo a ele que ele está mentindo, porque eu dou
Ele me tem como uma filha, e eu o tenho como pai. Hoje ele chegou e disse: “- Dê
um abraço em papai”. Eu respondi que se ele fosse meu pai, ontem ele teria passado o dia
comigo! Ele me trata assim, mas eu não me sinto filha dele, porque é como eu falo para ele,
que pai não deita com filha. Então eu não sou filha dele, ele me trata como uma filha, eu lhe
peço tudo, mas isso que eu faço, é de mulher idiota, eu falo para ele que não sou filha, sou
uma mulher idiota, o que eu sinto é que eu sou uma mulher idiota, uma mulher infeliz,
mulher mal amada e mulher revoltada! É o que eu digo para ele, é o que eu sou... E é
mesmo! Porque, de que adianta? Eu vou para cama com A., faço amor, me sinto uma
mulher feliz, realizada naquela hora, quando ele termina, vai embora; quando eu termino,
Eu me vejo como uma mulher triste, é a realidade da minha vida... Dentro de casa
eu sou uma pessoa, de fora eu sou outra. Dentro da minha casa eu sou uma porcaria, eu me
sinto uma porcaria, me sinto um lixo, me sinto... Nojo! Eu sinto nojo de mim às vezes, você
acredita? Principalmente quando eu vou para a cama com A. Tenho nojo de mim... Sinto
131
ódio, revolta, sinto nojo de mim porque ele briga, briga, briga comigo, aí quando ele vem
falar comigo, eu fico melhor; melhora aquela coisa dentro de mim, sabe? Aquela coisa me
consumindo... Parece que a forma que eu encontro de botar tudo para fora, é ir para a cama
com ele, mas depois eu sinto uma revolta de mim, porque eu senti que aquilo ali aliviou.
Eu nunca digo “não” para ele, em nada na minha vida. Não é que eu não tenha
vontade, é que eu não posso, ele não permite que eu lhe diga “não”. Eu o obedeço, na
minha casa a gente obedece a A mais do que os filhos dele, então desde que eu fui criada,
que eu baixo minha cabeça, e hoje faço pior. Eu penso hoje que não sou mais uma
adolescente, tenho quarenta e um anos... Engraçado, minha filha mais velha fala que eu não
me acho feia, mas que eu não gosto de mim, ela diz que no dia que eu aprender a me amar,
a me dar valor, eu vou deixar de ser obcecada por A. Eu fico só pensando nisso que a
minha filha diz, e eu fico triste, porque eu vejo que não reajo, eu acho que não sei reagir.
Na missa, o padre fala que a gente tem que primeiro se amar... E eu acho que eu amo mais
A do que eu, porque tudo para mim é ele. Ele diz que gosta muito de mim, mas eu fico
confusa, e eu digo a ele que se ele gostasse de mim, como eu o amo, se ele tivesse pelo
menos a metade do meu amor, fazia por onde me agradar, porque eu faço tudo para agrada-
lo. Aí ele fala que é porque o amor dele é diferente do meu, ele diz que eu amo de uma
maneira que ninguém no mundo ama ninguém. Ele diz que é porque eu só quero comer
com ele, eu o quero somente pra mim, eu tenho ciúme dele, de tudo, por tudo, mas eu não
tenho. Porque a vida dele, do portão para fora, não me interessa, eu falo para ele que nunca
vou permitir que exista outra na minha vida, porque eu já sou a outra e ainda vai ter que
existir outra? Eu não vou permitir nunca. Às vezes as pessoas nem comentam nada porque
132
eu não permito, não quero nem em sonho, imagine em pensamento, porque ou eu confio, ou
Quando eu ligava, perguntando onde ele estava, ele dizia que eu queria controlar a
vida dele, que eu tivesse cuidado com ele, pois quando ele chegasse... Se eu sair com ele,
não falo na frente de ninguém, porque ele diz que eu falo errado, sabe? Ele diz que não tem
vergonha de mim não, mas ele gosta de se mostrar! Teve um dia que eu fui para o banco
com ele e tudo que o gerente me perguntava, ele quem respondia... O gerente perguntou se
Ele diz que tem cuidado em mim, por isso não me deixa sair, mas é mentira,
mentira, é ciúme! Não sei também se é ciúme... Isso é safadeza! Como é que ele tem ciúme
de mim, se sai de casa de uma hora da tarde e só chega amanhã, no outro dia? Nem liga! Às
vezes sai na sexta, chega na segunda, e eu tenho que contar da minha vida, da sexta de
tarde, até o domingo de noite. Eu fico sem ter o que fazer em casa, ele sabe... Ele diz para
eu não sair, que ele virá no dia seguinte passar o dia comigo, aí eu fico em casa, passo o dia
Tudo o que eu penso na minha vida, eu penso com ele, eu queria que ele vivesse
uma vida direito comigo. Antes a gente saia muito, hoje não... Eu queria viver com ele,
combinar tudo com ele; antes ele passava o natal e outras datas comigo, pelo menos
algumas horas, depois ia para a casa dele. Hoje não tem mais nem um pedacinho... Eu falo
Engraçado, eu tenho que dizer a ele tudo o que ele tem que fazer durante o dia:
aonde ele vai deixar mercadoria e aonde não vai, o que vai comprar... Eu sou quem digo
tudo, mas só com relação a trabalho, ele só fica perto de mim para falar em trabalho. Eu
fiquei o ano inteiro falando para ele vir dormir comigo, no meu aniversário; ele concordou,
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mas no dia fez um verdadeiro show, ficou de mal de mim. No dia seguinte, de tarde, ele
chegou, me procurou para transar e “mãezinha” aceitou. Isto é o que mais me magoa, me
maltrata... Eu sempre estou disponível para ele e isso é o que mais me maltrata. O que mais
me preocupa é porque eu vejo que aquilo me fez bem, você acredita? Ele briga comigo
hoje, amanhã me procura, e eu tenho desejo, sabe? Eu ainda não descobri o que é que
acontece comigo... Por que isso? Por que eu me sinto dessa maneira? Isso me incomoda,
porque eu me acho uma mulher fácil, eu me sinto assim, eu não acho que essa é uma
maneira certa de uma mulher ser. Então um dia desses, eu vi uma palestra de um psicólogo
na televisão que dizia que as pessoas sempre têm uma coisa em que se segurar. Eu tenho
certeza que, no meu caso, é ir para a cama... O que está dolorido dentro de mim, sai, mas o
meu sentimento, sofre muito! Eu fico sofrendo, sofrendo mesmo! Isso ultimamente é o que
Ultimamente, eu tenho perguntado: Será que se eu for para a cama com outro
homem, eu sinto a mesma coisa? Quando A ouve isso, fica com raiva, mas eu não estou
dizendo que vou, estou apenas comentando... Eu acho pouco ter (sexo) só uma vez na
semana, então eu digo para ele que quando uma pessoa, um casal se ama, não é para ter só
uma vez. Aí ele fala que é porque vive cansado, estressado, não sei o quê... Eu digo que lá
em casa a gente só briga por dinheiro, a gente não briga por amor. Eu cobro isso dele, ele
diz que eu brigo muito, mas eu só brigo por causa do meu amor, eu vivo lutando pelo meu
amor!
pensando que só converso e não ajo. Eu quero assim, ter sentido, que as coisas da minha
vida tenham sentido. Voltando à minha adolescência, eu lembro que a minha mãe me batia
todo dia, tinha vez que chegava a dar três surras em mim. Eu era a filha mais velha das
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mulheres e tudo o que eu fazia dentro de casa minha mãe colocava defeito, me batia, ela
mandava meu irmão mais velho me bater também. A minha mãe me batia de pau mesmo,
quando ela me batia... Engraçado... Por exemplo, hoje tinha missa lá na rua, aí se minha
mãe me desse uma surra, ela tinha prazer de me levar para a rua, para as pessoas verem que
ela tinha me batido, porque ela não queria que eu namorasse aquele rapaz, que ele era filho
de “esmolé”. Ela dizia que no dia que aparecesse um rapaz certo para eu namorar, era para
eu pedir a ela, porque filha de fazendeiro tinha que casar com filho de fazendeiro.
Meu pai tinha boas condições financeiras, e eu tive que parar de estudar para cuidar
dos meus irmãos... Eu acho que a minha mãe não gostava de mim, porque todos os meus
irmãos estudaram, menos eu. A única filha da minha mãe que apanhou fui eu. Nós somos
em onze e quando eu nasci, passei seis meses, internada, tive sarampo, então acho que não
era para eu viver... Penso que eu não nasci para viver! Toda a minha vida foi de sofrimento!
Porque na minha casa, de sete filhas, eu sou a única separada. Eu fico muito magoada com
a maneira pela qual minha mãe me trata, mas eu vivo lutando pelo meu bem estar, não me
importo se ela gosta ou se ela deixa de gostar de mim! Isso é um problema dela! Quando
ela morrer, ela é quem vai prestar contas é ela, não sou eu. O que ela faz ou o que deixa de
Quando ela me batia, dizia que quando o meu pai chegasse, se eu contasse, levava
outra surra. E eu não dizia. Meu pai nunca deixou ninguém me bater. Ele é uma pessoa
“opiniosa”... Ou seja, o que ele disser está dito. Eu achava que o meu pai era bom, porque
minha mãe era quem mandava na casa... Ele nunca brigou com a gente, nunca bateu na
gente, meu pai nunca quis que a gente fosse para o roçado, meu pai queria que a gente fosse
para a escola. Quando ele ia à feira, no sábado, trazia tudo que a gente gostava... Minha
mãe nunca fez nada! Minha mãe nunca cuidou da casa, minha mãe nunca cuidou dos filhos,
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ela só tinha filho para eu cuidar, eu fui quem criou os meus irmãos, fazia o café para o meu
pai...
Meus pais esperavam que eu casasse, e com filho de fazendeiro. O rapaz que eles
queriam que eu casasse, eu não gostava dele. Eu achava que era assim mesmo, achava que
a vida era casar... Eu sonhava em casar, ter uma filha bonita para mim, amar minha filha.
Eu dizia para minha mãe que quando eu casasse, queria ter uma filha e iria criá-la de
maneira diferente de como ela me criou. Aí pronto, quando eu fiz dezessete anos, vi mesmo
que não ia agüentar aquela vida que eu vivia, acabei com o meu namoro. Eu dizia para as
minhas colegas que o primeiro homem que aparecesse na minha vida eu casava... Eu queria
ir para bem longe da minha mãe. O pai dos meus filhos apareceu e eu casei mesmo, eu o
conheci num dia, no outro dia ele foi para São Paulo e, quando voltou seis meses depois,
nós casamos. E começou o meu sofrimento, porque com um mês de casamento ele foi
embora, e só depois de seis meses ele voltou, para passar quinze dias em casa. Ele dizia que
não era para eu engravidar, pois não gostava de criança... Quando eu engravidei, ele só
queria que fosse um menino, aí eu fiz promessa e tive um menino. Ele voltou quando o
filho estava com um ano e oito meses; quando ele chegou, já não me queria mais, tinha
outra mulher. Quando eu estava com seis meses de gravidez do segundo filho, ele me deu
Depois que eu fiz um tratamento psicológico de três anos, minha vida mudou muito,
a psicóloga me ajudou muito, muito! E hoje, esse amor que eu vivo, me sufoca, incomoda,
eu fico agoniada, me sufoca. A coisa que mais me preocupa, ultimamente, não é porque
sufoca, é porque eu fico desesperada! Assim, o meu sofrimento é tão grande, que eu não
tenho vontade de viver... Eu já tentei suicídio na época em que eu vivia com o pai dos meus
filhos, mas eu jamais tive vontade de tirar a minha vida. É uma coisa que não tem sentido!
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Eu não faço isso mais hoje, mas tem dias que o desespero é grande... Assim... Ah! É uma
agonia! Sinto uma agonia aqui dentro do meu coração... Assim, me pergunto como eu vou
amanhecer o dia com aquele sofrimento. E eu não gosto muito de remédio... Eu durmo
muito. Quando eu fico triste, eu tenho vontade de dormir, tenho que dormir, eu tenho que
fazer alguma coisa, porque eu não agüento sofrer, eu não agüento sofrer mais, eu não
agüento, eu não agüento, eu não agüento! Porque na minha casa é o seguinte: eu só faço o
que ele quer, e eu não suporto... Eu não saio de casa, eu não tenho amiga, se alguém se
aproxima de mim ele me grita, eu vivo debaixo de ordem. Como eu já disse, a gente
trabalha junto, na confecção que tem no fundo do meu quintal, então ele arruma o serviço
por fora e eu tomo conta da parte de casa, das costureiras. Acontece que eu sei fazer o
serviço, mas ele quer me ensinar, sem saber, porque é para eu fazer do jeito que ele quer,
não é do jeito que eu quero, não é do jeito que eu sei! Ele não dorme mais na minha casa,
mas todo dia, entre 6:00 h e 6:30 h, ele chega na minha casa, vai embora depois do almoço,
e só volta no dia seguinte. Ele é quem recebe dinheiro, ele quem faz entrega... Tudo é ele.
Antigamente, eu me dedicava ao serviço de corpo e alma, tinha que trabalhar, eu tinha que
trabalhar! Hoje não faço mais isso, o dinheiro que eu pego é para comprar as coisas para as
minhas meninas, pois eu vejo primeiramente elas. Eu não saio nem de casa! Não preciso
comprar nada para mim! Para quê? Ele compra comida e, quando vai para o supermercado,
quer que eu empurre o carro... Agora eu não empurro mais, eu nunca mais empurro o carro,
pois não sou empregada dele, eu digo para ele levar uma empregada dele e botar para
Lá em casa tem empregada, mas eu sou quem faço tudo para ele! Ele só come se eu
botar, ele só toma banho se eu der a toalha, se eu der a cueca, ele só senta à mesa se eu
arrumar, se eu botar a comida para ele, tudo, tudo! Mas, nesse sentido, eu não reclamo, só
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empurra o carrinho é o homem! Além disso, no supermercado tem que se comprar o que ele
quer, não é o que eu quero, ninguém lá em casa pode escolher! Nada! O que a gente quer
comer sem ele querer, come escondido. Eu compro, escondo e como! Nesses momentos eu
sinto revolta na minha vida, revolta de trabalhar, trabalhar, pegar em dinheiro, quer dizer,
vejo ele pegar em dinheiro, e a gente viver sob controle. Se eu pedir um real, tenho que
dizer como vou gastar, tudo que ele dá, tem que saber para quê é... Não tem sentido ter uma
Hoje, meus filhos são grandes, minha filha mais nova já tem dezoito anos. Minhas
meninas foram criadas passeando em lugares bons, usando roupas boas, tendo tudo do bom
e do melhor! Mas eu sempre me matei para dar a elas, e fazia isso escondido. Meus
meninos já foram criados de modo diferente, sem tantas regalias. Quando eles reclamam, eu
digo que está bom, pois hoje eles sabem dar mais valor à vida. Minha filha de vinte anos
faz faculdade e a mais velha trabalha. Eu faço com minhas filhas tudo o que eu queria que a
minha mãe tivesse feito comigo. A não quer que elas saiam de casa, não quer que... Não
quer nada... Eu já briguei muito com ele pra que elas pudessem ir para uma festa.
Eu tenho que descobrir o que é que me faz continuar com ele, nesse sofrimento. É
esse o meu problema de hoje. É isso, o que eu tenho que descobrir... Eu evito sair escondida
dele, porque se ele descobre, briga muito comigo, fica sem falar, me trata mal na frente das
Eu não sei se é amor o que eu sinto por ele, é isso que eu estou tentando agora
descobrir, se é amor de verdade, o que eu sinto por ele... Mas... Eu acho que é amor... Só o
que me desespera, é porque ele cobra demais de mim e ele não me dá, ele não cumpre a
obrigação comigo. Porque eu nunca pedi para ele deixar a família dele, eu só peço para ele
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dormir comigo, que ele volte a dormir comigo, que ele me deixe passear, me deixe comprar
as coisas que tenho vontade, que ele me dê dinheiro... Assim, nós trabalhamos... Sei que ele
vive aperreado, mas o povo da casa dele tem tudo, tem o direito de ir numa loja fazer
compras, de comprar presente para ele... No meu caso, é só se ele deixar. Eu tenho conta,
Eu só me sinto feliz com ele na cama. Eu brigo muito com ele... Eu assisto missa
todo dia, às 6:00 h da manhã, aí o padre disse que tem um santo que a gente faz qualquer
pedido para ele, e pedindo com fé a gente alcança... Então eu pedi a ele para deixar de
brigar com A. Este diz que eu falo muito, mas eu reclamo, porque se eu não falar, eu
morro! Fico desesperada se eu não reclamar com A, porque eu fico naquela ansiedade,
porque eu espero e ele nunca vem quando eu peço. Eu sou muito ansiosa! No dia que ele
vem, eu tenho que estar disponível para ele, com um sorriso bem grande... Quando eu falo
Ele diz que sou eu quem não entendo ele, mentira! Eu entendo, faço tudo o que ele
quer, tudo o que ele me manda fazer, eu faço; ele é quem não me entende. Mas eu não me
imagino sem ele, porque eu sofro muito! Em nenhum momento eu posso pensar nisso. Isso
não pode entrar na minha cabeça, porque eu fico muito triste mesmo! Por enquanto não
posso... Não posso, não posso, não posso, não posso! Nenhum segundo na minha vida eu
Eu não sei se é verdade isso que eu estou descobrindo em mim, ultimamente, eu não
sei se isso é normal, eu fico pensando assim, porque eu sou muito carente, carente demais!
O que eu cobro mais dele é em relação à minha carência. Às vezes eu sinto carência de
abraçar, de beijar, às vezes eu não estou nem carente de transar. Ultimamente, eu tenho dito
a ele que vou para a cama só por necessidade, mas, no fundo, no fundo, não é isso. Eu vou
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por amor mesmo! Eu faço de verdade mesmo! Tem vezes que quando a gente transa e ele
vai logo embora, eu fico indignada e digo para ele deixar o dinheiro em cima da televisão.
Ele fica magoado, mas me dá revolta mesmo! Eu digo para ele que ele vive comigo pelo
trabalho e para fazer amor comigo. Ele cobra muito de mim, que eu não sou a mulher de
amar, não vou para a cama com ele como eu ia antigamente... Mas como eu vou para a
A mulher dele vive lutando para que ele me deixe e ele diz que nunca vai me deixar,
que eu sou a mulher da vida dele, que me ama, mas... Às vezes, quando a gente está
brigando muito, eu pergunto porque ele não me deixa, e ele responde que é porque eu
Muitas vezes, ultimamente, quando ele me faz sofrer, eu acho bom, sabe? Eu acho
bom, que é para ver se eu aprendo a viver. Porque eu acho que todo mundo sofre e aprende,
e eu não aprendo. Então tem vezes que quando ele me maltrata, assim... Eu sofro, eu sofro
muito! Nesses quinze anos de relacionamento, ele só me bateu uma vez. Quando eu falo
que sofro e não aprendo, eu quero dizer que eu preciso aprender a lidar com essa coisa de
só ter ele na minha cabeça. Sabe como é uma criança que tem que aprender alguma coisa?
É assim que eu sinto. Ultimamente, eu venho pensando em sair de casa, em ter coragem de
fazer isso. Tenho muita vontade de estudar. O que me impede de sair, é o medo de
descobrir coisas que eu não quero descobrir. Eu não sei como é isso... Não quero saber.
Eu conheci essa pessoa, com quem eu convivo há quase cinco anos... Já faz sete
anos do começo, mas cinco de conviver na mesma casa. Então, no início, eu via que ele
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bebia, era aquela coisa assim... Eu não sabia como ia suportar, a que ponto ia chegar. Então,
é... Apaixonada, achava... Todo mundo falava que eu tivesse cuidado, que ele estava
bebendo, estava se excedendo e tudo. Então, quando ele foi se aposentar, ainda novo, com
quarenta e seis anos, e por estar em casa, os amigos todos beberem, ele ficou... Com a
Na época eu não achava que ele bebia tanto, nem que a bebida dele prejudicava. Eu
me apaixonei por ele, porque ele é uma pessoa boa... Assim, ele tem um coração bom, é
uma pessoa que me dava atenção, talvez a carência em que eu me encontrava... Eu nunca
fui de ter muitos namorados, tive poucos. Ele foi o quarto, apesar da minha idade. Então,
assim, ele me deu atenção, ele... Ele foi o homem que eu nuca tive. Foi isso que me apegou,
ele tinha cuidados comigo, queria saber se eu estava bem, quando eu chegava em casa ele
ligava... Perguntava porque eu estava calada... Porque quando eu estava com ele, que eu
queria ficar calada, então ele ficava preocupado, queria saber se eu estava com algum
problema, se era alguma coisa familiar, se era alguma coisa financeira, não é? Outros não
tinham essa preocupação, aí fui me apegando! Ele bebia, mas eu não sabia a que ponto ia
chegar... Então minha família dizia para eu ter cuidado, que ele estava bebendo muito. E eu
não sabia que ele bebia muito, porque eu não o conhecia de muitos anos.
Nós moramos juntos, mas agora ele quer casar, apesar de eu não querer mais! Ele já
divorciou, desquitou, tudo, até a ex-esposa dele já tem outra pessoa... Ele era separado,
quando nos conhecemos, e morava numa pousada; foi lá que eu o conheci. E... Ele quer
casar agora e eu não quero, porque não, eu vejo que não dá certo! Casar para quê? Para
separar? Assim, separar que eu digo, no... No papel, não é? Tem todas aquelas coisas,
precisa de advogado... Para casar é fácil, mas para separar... Além do lado emocional assim,
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também tem essa parte, que mexe com o estado civil, fica “desquitado”, então é melhor
Na época em que o conheci, eu morava com dois irmãos, sou a segunda mais velha,
dos sete irmãos. Nós somos do interior e meus pais sempre moraram lá. Vim morar aqui
com quinze anos, na casa de umas tias, depois fui morar na casa de uma prima... Acho que
eu passava para outro lugar para não incomodar. Como os meus pais moravam em um sítio,
então tinha aquela dificuldade da gente morar na cidade vizinha, na casa de algum parente,
de algum amigo dos meus pais. Depois minha irmã mais velha veio para Natal e me
chamou para vim morar com ela; em seguida, veio um dos meus irmãos... Eu pensava em
vir para estudar, não era nem para trabalhar, porque meus pais nem faziam questão da gente
trabalhar, não era que a gente tivesse uma vida fácil assim, mas até que ele nos mantinha,
sem sacrifício. Assim, lá na fazenda, meus pais tinham as filhas aqui em Natal, em
Sempre me dei muito bem com meus irmãos, meu pai, minha mãe... É tudo na vida
a minha mãe! Era um relacionamento muito bom, um relacionamento que eles até hoje
falam, assim, que eu... Meu pai fala que eu não sou a filha dele, eu sou a mãe dele, não é?
Porque se trata da mais velha... Eu brinco com ele assim, quando ele diz que não está com
vontade de comer, eu digo que vou pegar uma chinela! Ele não disse que é meu filho? Ele
nunca implicou com namorado, ir numa festinha... Também eu fui muito caseira, nunca fui
só de sair. E quando eu vinha para cá, ele sabia que eu vinha para estudar, para... Trabalhar,
se fosse o caso. E eu batalhei até conseguir meu emprego, no Estado; ele até disse que não
precisava, que a gente não tava passando fome... Eu arranjei esse emprego por uma
indicação de político e, depois, fui incorporada, então eu trabalho na saúde, num cargo de
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nível médio, faço assessoramento. À noite, faço Serviço Social em uma faculdade
Meus pais esperavam que eu me formasse, casasse com uma pessoa boa, um genro,
pois ele adora genros... Noras, netos... Esperava isso. Se orgulhar da filha! Mas ele tem
orgulho sim, acho que ele... Nunca falou nada não. Talvez ele não tenha, não seja o que ele
esperava, não é? Assim, da filha, desse lado assim... É... De eu não ter terminado já um
curso, dele não ter uma pessoa assim, um genro... Como ele esperava. Ele não reclama nada
desse meu relacionamento, ele até acha que eu sou casada no papel, minha mãe nunca
contou.
Eu sou mais ligada ao meu pai, mas eu também me dou muito bem com minha
mãe... Ela conversa até mais comigo do que com minha irmã. Aí, quando eu ligo para ela,
porque minha irmã acha que ela está sentindo alguma coisa e que só fala para mim, ela diz
tudo o que está se passando com ela. E a gente fica conversando... Eu não a recrimino, para
Este ano, na semana santa, minha mãe me disse que eu sou uma pessoa muito boa e
tudo, mas que eu merecia coisa melhor... Disse que comentou com alguém que eu demorei
tanto a arranjar uma pessoa e arranjei uma pessoa que bebe! Agora eu acho assim, que eu
não tinha experiência com nada de bebida, nem amigos que bebiam, meu pai nunca bebeu,
minha família, meus irmãos... Bebida, cana, eu nunca vi ninguém lá em casa tomando cana.
Então eu acho que se eu tivesse tido alguma experiência vendo o meu pai bêbado, eu
jamais... Quando namorava, estava apaixonada, então eu acho que eu tinha me saído logo.
Eu ia saber que ali ia complicar, eu ia saber que ali não vinham coisas boas, mas aí o tempo
foi passando, eu fui vendo e fui me acomodando, achando que sempre ele ia deixar, ia
diminuir, ia mudar, tinham as promessas... Eu acreditei muito nas promessas... Ele dizia
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para eu ter paciência, que era uma fase, que ele ia mudar, era só o veraneio passar, depois
era só esperar o mês de junho passar... Sempre tinha um motivo... E por aí se tornou uma
muito... Está muito pesado! Quem conhece a historia, diz para eu sair dessa! É uma
situação desgastante, muito pesada! Porque... Ele, como eu falei, é uma pessoa boa, aí há
uns dois anos, eu o internei, eu com a família dele, em um hospital psiquiátrico. Ele ficou
muito revoltado, passou uns vinte e cinco dias lá, no setor onde só tem a parte de álcool e
drogas. Nesse hospital, ele inventou que um doido tinha passado a noite tentando matá-lo e
me acusou de tê-lo deixado lá. Eu saí arrasada! Eu fui falar com a psiquiatra, com a
assistente social e elas disseram para mim que tudo aquilo foi ele quem criou, que não
existe aquilo não, que foi para eu tirar ele de lá. Aí chamou o auxiliar de enfermagem, que
disse que, quando eu saí, ele ficou rindo e falando que eu estava morrendo de pena dele,
pois eu tenho um coração bom, sou uma pessoa boa e ia tira-lo de lá! Depois que eu soube
disso, senti que ele tinha que ficar mais uns dias no hospital.
Ele bebe direto, então a gente nunca tem momentos de prazer... Hoje, pela manhã,
foi que ele não bebeu porque ontem minhas colegas me chamaram para fazer uns trabalhos,
então faz uns dois dias que eu venho preparando para ele não beber, ele não... Eu não
passar vergonha, mas com muito jeito, com muita... Como diz minha mãe, delicadeza. Mas
ele incomoda muito, assim, às vezes... Quando chega, quando eu estou aqui no quarto e
sinto aquele barulho, é ele fazendo xixi... Aí eu já corro e digo para ele não fazer aquilo. E
ele em pé, sem saber o que está fazendo... Eu me sinto muito desgastada nesse papel, até
porque assim, a família não... Também eu não tenho apoio, se eu procuro, eles não querem
saber, não ligam, não perguntam, não querem se reunir para internar... Eu não tenho apoio
144
deles. É sempre assim, sempre! Eu cuido dele, e eu estou sendo a mãe dele também, não é?
Do meu marido. Porque quando ele faz xixi, aí eu tenho que tirar a roupa, quando eu não
posso dar um banho, aí eu passo um pano assim... Ou desodorante, alguma coisa, eu ponho
detergente, lavo os pés, pego uma bacia, um pano para ele... Eu já sei o que vai acontecer. É
muito desgastante e às vezes eu fico tensa, fico... Sabe? Choro e fico pedindo a Deus para
mudar ou então me dar força para eu resolver, para deixar, porque eu não sei resolver essa
situação! Tudo o que tem na minha família, por exemplo, quando tem uma situação difícil,
quando tem um irmão querendo se separar, quando tem assim, uma doença, quando tem...
ônibus, vou para outra cidade, vou para um hospital em outra cidade conseguir exame,
resolvo de todo mundo, todo mundo, menos essa minha situação! Eu não sei resolver isso
aqui, não sei por onde começar e terminar; já botei as coisas dentro do carro, já o mandei ir
embora... Aí passavam assim oito dias, então me davam notícias de que ele estava barbudo,
estava fedido, sem tomar banho, que estava dentro do carro dormindo não sei aonde... Aí eu
Eu imagino que a minha vida sem ele iria mudar, iria mudar para melhor, eu sou
consciente disso. Eu sei que eu estou me prejudicando, eu não me cuido, não é? Até a saúde
eu deixei de lado, pois estou com um problema, não posso engravidar, então não estou me
cuidando. Ás vezes até deixo de lado a minha família... Eu costumo até falar que eu mudei
de curso porque... Passei até um tempo também parada porque eu senti dificuldade, mas
talvez se eu tivesse tido o apoio dele, se minha vida fosse outra, talvez eu até tivesse lutado
para ter continuado no curso, já que eu estava quase na metade. Eu também não estava
tendo tanta dificuldade... Às vezes eu digo que deixei porque eu estava com dificuldade,
então uma amiga minha fala que eu deixei por conta da pessoa com quem eu convivo, pois
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eu sou inteligente e eu me saia muito bem no curso. Uma outra colega disse que eu sabia,
me esforçava, mas eu me envolvi tanto, que eu deixei de viver! Eu penso que isso faz
sentido, é, eu penso, eu penso isso! Como até hoje eu estou, com medo de me prejudicar
Eu não perderia nada se estivesse sem ele, ia mudar para melhor, com certeza, o que
me faz continuar é... Assim, porque eu não vejo outra pessoa para tomar conta dele. No dia
que eu o internei no hospital psiquiátrico, depois de um ano eu me chateei, pus tudo dentro
do carro, disse a ele que não o queria mais, por conta da bebida e porque ele não quer se
ajudar. Aí ele disse que eu tinha toda a razão, que eu era uma pessoa muito linda, não por
fora, mas por dentro; disse ainda que ia me deixar viver e ia deixar até eu arranjar um
casamento! Aí quer dizer, aí ele foi, ficou dormindo numa cigarreira, num depósito onde
tinha barata, rato... Disseram que ele ficou imundo, que às vezes ele passava dois dias sem
tomar banho... O pessoal me ligava, dizia que ele não tomava banho, estava sujo, com um
dinheiro no bolso... As pessoas o roubavam, ele dava o carro não sei para quem, então... E
aí eu ficava perturbada, eu acho que eu ficava até mais perturbada do que quando ele estava
aqui me... Me enchendo! Ficava assim, com pena dele, sem ter quem cuidasse dele; até me
sentia culpada, porque... Aí quer dizer, ele bebe e tudo, mas pelo menos eu vejo, ele vem,
ele dorme na sala, na rede. Então, quando eu estou aqui, que vou dormir, aí vou lá, ver se
ele está deitado na rede, dormindo... Aí eu durmo a noite todinha... Como se fosse a mãe
No inicio desse meu relacionamento, eu não evitei filho, passei uns seis meses sem
evitar, depois eu fiquei com medo de engravidar e comecei evitando. Eu comecei querendo
ter um filho, depois... Aí ele ficou bebendo, eu fiquei com medo, assim, por conta da minha
idade, medo de ter um filho com problema, morro de medo! Eu tinha trinta e seis anos
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quando a gente começou a morar junto. E agora, com o diagnóstico do médico ontem, não
vou poder, vou fazer cirurgia, aí não vou ter mesmo! E eu não ia ter mesmo não, dele não,
nesse estado não dá, até porque a gente não tem muito... Não tem... A gente não tem uma
vida sexual ativa não, desde o ano passado. De lá para cá, quando ele queria, eu não queria,
porque também ele tinha bebido, ficava sem tomar um banho, estava bêbado e eu não ia
passar... Com tudo que eu passo, eu não ia passar por isso aí... Eu ia me sentir péssima!
Quando existia (sexo) era bom, mas com a bebida e tudo, já... Já é muito... Não dá não.
Quando ele me procurava, eu falava que não, enquanto ele beber, e hoje ele é consciente,
que se ele não deixar de beber, não vai existir mais nada, não dá para encarar não!
É... Eu nem sei o que sinto por ele hoje, eu acho que eu... Eu quero o maior bem a
ele, eu não sei se amo ou se não amo, não sei... A única coisa que eu sinto assim, é que eu
não quero que ele fique abandonado, até se fosse o caso dele não estar comigo, porque está
me prejudicando muito. Eu queria resolver, o que eu queria mesmo, era não estar mais com
ele, era estudar, era cuidar da minha mãe, dos meus pais... Sábado e domingo, ir para a casa
da minha irmã e voltar na segunda... Queria, às vezes, ir da faculdade para a casa da minha
irmã... Nas férias, passar o mês todo na casa dos meus pais, no interior, como eu fazia
antes. Eu me privo disso tudo para ficar cuidando dele. Passei o mês de férias e não fui ver
os meus pais... Eu falo todos os dias, por telefone, com a minha mãe, falo pouco com meu
pai, até porque ele às vezes não escuta bem. Então minha irmã ligou esta semana e disse
que o meu pai pediu para os filhos não esquecerem dele, e que a gente fosse lá mais vezes.
Quer dizer...
Eu não sei que necessidade é essa de cuidar dele (parceiro), se nem a família se
importa; já pensei em ir para uma psicóloga, assim, para mim... Como eu falei... Eu não sei
resolver minha situação! Eu tenho vontade de deixar ele, mas eu queria deixar ele bem...
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Se, por exemplo, alguém disser que ele arranjou uma pessoa, que ele vai estar bem, está
ótimo! Porque eu não queria ver ele jogado; ele bebe e, quando chega aqui, tem uma
alimentação, toma um banho, tem onde dormir, numa rede limpa... Não está arriscando a
vida. Apesar dele dirigir e, com isso, se arrisca e arrisca a vida de outras pessoas, mas é isso
que eu penso, é a decisão que eu tenho que tomar. É isso que eu falo que eu não sei como
Eu acho que se ele deixasse de beber, eu nunca ia pensar em deixar ele, porque ele é
uma pessoa boa, ele não é uma pessoa má, sabe? Aí hoje eu conversei com ele, falei do
meu problema de saúde, falei da bebida... Reclamei que quando eu vou para a faculdade,
ele fica... Às vezes ele fica debochando: “-Ah! E você vai para a faculdade?”
Ele é aposentado e a despesa aqui é muito pouca, porque este apartamento é meu, já
era meu, é quitado, tem um condomínio que é pouco, luz, telefone e alimentação... O gasto
é muito pouco, porque eu almoço na cidade todos os dias, janto fora, pago o meu almoço e
o meu jantar. Sábado e domingo eu sempre faço alguma coisa, na semana eu também, eu
deixo algo... Assim... Para ele... Que ele gosta de caldo, eu faço assim, uma “carninha” com
caldo, ele toma, às vezes não toma, aí eu jogo fora, às vezes jogo muita comida fora. Ele
contribui com as despesas, mas ele está apertado financeiramente, usando cheque, quando
ele entra no cheque especial, eu já evito dele mexer, apesar dele mexer no cheque para
beber... Sabe? Ele tira o dinheiro do banco, põe na carteira e leva uns três dias para acabar;
ele empresta, dá às pessoas. Quer dizer, enquanto eu economizo numa escova, numa unha,
ele dá para outras pessoas, aí... Também isso aí... Aí eu fico chateada. Até quando ele bebe,
se eu reclamar, ele diz para a pessoa a quem ele deu dinheiro, que eu não gostei porque ele
fez isso. Faz vergonha demais, não é? Eu não preciso do dinheiro dele, nunca precisei.
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Tem pessoas que até acham que eu estou com ele porque ele tem dinheiro, que ele
paga a minha faculdade... Teve uma vez até que eu falando que esse mês eu nem paguei a
faculdade, uma pessoa disse que achava que era ele quem bancava, e pensava que eu não
era besta assim não. Aí eu me sinto... É péssimo isso aí! Eu tenho a consciência...
Se a gente se separar, eu nem penso em arranjar outro, eu sempre penso que saindo
dessa complicação que eu... Disso aqui que eu arranjei para a minha vida, que só fez
complicar, eu jamais tenho outra pessoa. Eu acho que não ia... Não ia dar certo. Eu não
penso em arranjar outra pessoa, porque eu acho que... Eu tenho medo de não dar certo... É
tão difícil relacionamento! Eu achava que esse ia dar certo, mas não deu.
Antes de morarmos juntos... Ah! Eu pensava que ia ser muito bom, que a gente ia
para o interior passar férias, que a gente ia crescer junto, que a gente ia ter uma vida, ter um
filho, e estar... Podendo fazer nossas vidas, estar crescendo, não é? Crescer no lado
profissional, crescer no lado... Ter uma vida, somar. Somar, não é? Participar dos
problemas. Eu não tenho com quem conversar, quando eu chego em casa com um
problema, o problema é meu e acabou-se, se eu não me sair, não vou contar com ninguém.
Com ele, eu não conto, pois se ele estiver bom, vai entender, mas duas ou três horas depois,
ele vai condenar, recriminar, debochar... Ele me ofende com palavras e eu fico calada, por
causa dos vizinhos, então aumento a televisão, isso de meia noite, uma hora da manhã, para
ninguém ouvir. Ele age como se estivesse certo e tudo bem, sabe? Eu não discordo dele,
para evitar brigas, ligo a televisão e o deixo falando sozinho. Só não quero baixaria!
Quando eu estou dormindo, ele vem e liga a luz do quarto, se eu estiver assistindo a
televisão ele vem e desliga a televisão, aí volta... Uma vez ele chegou no quarto e disse que
ia quebrar a televisão, aí eu disse para ele não quebrar essa televisão, pois é minha e tudo o
que tem aqui fui eu quem comprou; por isso ele não tem o direito de quebrar nada. Mesmo
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assim, ele disse que ia quebrar, então eu fui para perto da televisão e disse que se ele
quebrasse a televisão, iria embora naquele instante. Aí ele ainda empurrou a televisão,
depois adormeceu e, no outro dia, quando ele acordou, já estava tudo perto dele... A roupa
todinha. Desci, pus no carro pela terceira vez, mandei ele ir embora; depois disso ele
voltou, mas nunca mais falou em quebrar nada! Nesse dia, em que eu o aceitei de volta, os
amigos ligaram antes, dizendo que ele estava só, abandonado... Eu disse a ele (parceiro)
que só o aceitava se ele fizesse um tratamento, que eu ajudava se ele fosse para o “AA” ou
para o “CAPS”... Ele disse que aceitava ir para a reunião do “AA”, e eu falei para ele ficar
na nossa casa de praia, mas ele pediu para ficar só naquele dia, aqui. Aí pronto, ele já me
conhece... E ficou.
Eu tenho muita dificuldade de dizer “não” para as pessoas... Eu acho que o “não”
para mim quase não existe. Eu sempre tive essa dificuldade, às vezes eu até resolvo uma
situação para evitar dizer “não”, não é? Às vezes até me custa caro esse sacrifício, me
sacrifico, agrado... Tenho a necessidade de agradar. Às vezes, isso nem me faz bem depois,
mas outras vezes, me faz também, porque eu não faço nada com má vontade não. Falando
nisso, muita gente assim, diz que eu sou uma pessoa boa e tudo, só sou ruim para mim.
Tem ainda o lado da minha família, que não sabe disso tudo que eu passo, isso que
eu falei aqui, minha família não escuta nada disso de mim não! Se minha irmã vier aqui, eu
disfarço, brinco... Ela não sabe nada disso não, que ele faz xixi, faz isso... Ela soube uma
vez, porque minha mãe estava aqui e ele fez à noite, no dia em que a minha mãe chegou;
acordou com o xixi! Ela disse para, pelo amor de Deus, eu não falar nada, para não ter
briga! E ele ficou perguntando o que eu estava limpando, que mania de limpeza era essa...
E eu calada, disse para ele não se preocupar, porque se um não quer, dois não brigam. Aí
ele ficou bem calminho, mas no outro dia, minha mãe disse que ia para a casa da minha
150
irmã, porque ela podia ficar com ciúme... Aí ela foi para lá, mas ela foi por conta disso,
não é?
Eu acho que cresci com a expectativa de agradar as pessoas, aos meus pais, é! Eu
escondo muito isso, eu não levo mais meu marido para o interior, porque eles iam sofrer
muito, sabendo dessa minha situação... Aí é melhor sofrer sozinha, porque pelo menos é só
uma pessoa. Eu dou meu jeito... Até resolver, não é? Eu estou assim com muita fé de
resolver, sabe?
Eu tenho uma sobrinha que gosta muito de mim... Ela tem dezoito anos e diz que
não sabe como eu agüento essa situação, que eu não mereço isso, pergunta se eu não me
envergonho de estar com ele e até diz que, se eu não fizer nada por mim, faça por ela. Ela
escreveu uma carta que diz assim, que se Deus não me deu a maternidade, foi porque esse
papel era para ela, que ela era minha filha! Aí ela é louca para passar assim, quinze dias
aqui, passar um mês, ficar... Ela veio há alguns dias e disse que, se tivesse dinheiro, dava
esse apartamento para ele, só para a gente não ficar mais aqui. Dois dias depois que ela
chegou, ele entrou bêbado em casa e fez xixi com roupa e tudo, no banheiro que eu tinha
terminado de arrumar. Minha sobrinha perguntou se era essa a vida que eu estava levando...
Aí quando eu vi o estado do banheiro, meu Deus, não sabia nem como ia começar a limpar!
Ela falou umas coisas, chorou e no outro dia foi embora. Eu fiquei péssima, péssima! Nessa
hora, até o pastor da igreja ligou, então eu contei e ele me disse para orar, pedir a Deus,
disse que eu tinha que mudar minha vida. Minha sobrinha ficou muito sentida, eu fiquei
muito preocupada com ela, quer dizer, não foi nem pelo que eu passei não, foi o que ela
sentiu! O que eu passo, eu nunca dou muita importância, sempre acho que posso estar
suportando. Eu digo a mim mesma assim... Não, eu... Não morro não... Passa!
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O que fica de tudo o que eu já falei é... É... Eu desabafei! Eu quase nunca converso
com ninguém, meu marido é a única pessoa com quem ainda falo alguma coisa, não falo
para a minha família, como eu já citei, nem para a família dele. Ele nunca foi violento não,
mas um dia desses, eu disse que as minhas colegas vinham para estudar e que ele não
fizesse xixi, porque se não, eu ia interná-lo. Ele olhou e disse que, se eu o internasse,
quando ele saísse de lá, ia me matar. Ele nunca tinha tocado nisso, e eu senti assim, que já
chegou no ponto final, que não tem como isso ir mais para frente assim, não é? Ele falou
isso para intimidar, porque eu acho que ele não tem coragem não... Eu não sei, ele falou
isso com medo, porque ele ficou apavorado... Depois eu toquei no assunto, ele disse que me
Falando nisso, agora, eu me sinto perdida, sem ter como, sem tomar uma posição,
sem resolver nada na minha vida, sem ter coragem de resolver isso. Eu não tenho como...
Eu não sei resolver essa situação! Talvez até se fosse outra pessoa, fosse alguém meu,
fosse... Eu já tinha achado uma saída, com certeza, sabe? Às vezes, as pessoas falam que
ele tem uma família grande, tem uma boa casa na praia, ele pode vender e comprar um
apartamento; ele tem onde morar, ainda tem uma aposentadoria que é boa... Ele gasta toda
com cana, mas ele tem! Ele tem dois filhos do primeiro casamento, que só o procuram
quando querem dinheiro; ele paga a pensão em dia, não tem esse negócio de dizer que bebe
e não paga... Ele é muito bom pagador, não compra nada fiado, não é “amarrado”. Eu penso
assim, que se eu mandar ele embora, depois de tudo o que ele já passou e se ficar sujo,
jogado, dormindo dentro do carro nas ruas... Aí vão me falar, aí pronto, eu fico perturbada
mesmo. Eu queria assim, vender a casa da praia, comprar um apartamento, não é? Se ele
vender, vai gastar o dinheiro todinho, entendeu? Vai findar gastando, e não vai ter onde ele
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morar, mas ele ainda tem a casa. Eu digo para ele vender a casa, comprar um apartamento e
A dificuldade que eu acho é devido a isso aí, que eu não sei resolver, então eu acho
vontade de buscar uma ajuda psicológica para mim, mas eu não tenho ânimo para procurar
ajuda para mim, sempre deixo para depois. Até assim um médico, eu sempre deixo para
depois, tudo meu é para depois, sempre acho que depois dá um jeito, depois vê como é que
fica, depois... Com o tempo... Eu não tenho assim, é tanta amargura, que não... Às vezes eu
tenho amargura de não... De levar essa vida... De às vezes as pessoas dizerem que querem ir
lá em casa, e eu dar uma desculpa, dizer que não estou em casa, que vou chegar mais tarde,
vou para a casa da minha irmã, é... Sempre assim, mentindo, de qualquer maneira. Essa
amargura começou depois disso aqui, não é? Dessa relação! Eu não era assim não! Eu
sempre tive os meus amigos, nunca fui de festa, mas sempre saía... Eu e ele não vamos para
lugar nenhum, a gente não vai a um cinema, a gente não vai a um show... Quando eu estou
na faculdade, vejo logo a hora de voltar correndo, porque eu não sei o que é que vou
encontrar quando chegar aqui. Eu percebo que me aprisionei, é... Tem duas amigas minhas
que moram aqui, uma delas já me chama de mãe, aí chama ele de irmão, sabe? Ela fala que
eu não estou nada bem, que preciso resolver isso, tomar uma posição!
Eu nunca tive muita vontade de ser mãe, mas eu adoro criança, eu gosto muito do
povo, assim das pessoas... De agradar, de cuidar, por isso talvez me vejam como mãe. Eu
tenho até outra colega, que ela está grávida (eu sou a mais velha da turma), então ela vai ter
uma menininha, eu fui até testemunha do casamento dela, aí eu digo que vou ser avó, não
sabe?
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continuar assim... Meu marido é muito incompreensivo, muito na dele, acha que tudo é só
para ele, só pensa no lado dele. Não me ajuda com as crianças, não é homem de sair de casa
com a família... Anda sozinho! Eu acho que o meu problema todinho, meu estresse, minha
Ele não é compreensivo, não vê o meu lado, só o dele, acha que basta apenas botar
as coisas dentro de casa... Ele acha que é só isso! A gente precisa de lazer, sair... Outro dia,
fomos ao interior e ele queria sair sozinho, quando eu disse que também ia, ele desistiu...
Quer sair sozinho! Ele não quer sair comigo, nem com os filhos. Eu sei que ele não tem
tempo, mas de qualquer maneira, se ele quisesse, sobrava um tempinho. Ele trabalha muito,
mas, mesmo assim, sobra tempo para ir à praia, já que não se gasta tanto indo à praia.
Eu me sinto chateada por causa disso, devia ser diferente, eu vejo casos diferentes...
Famílias diferentes, que trabalham, mas no final de semana ou em um feriado, saem com as
A gente se conheceu há uns doze anos atrás, em uma festinha no interior. Como ele
trabalhava no Rio de Janeiro, nessa época, teve que ir embora, ficou sem se comunicar e
Ele era diferente no início, era mais amoroso... Depois que nasceu o primeiro filho,
logo depois do casamento, pois eu casei gestante, foi que começou... Depois veio o segundo
filho. Ele diz que não sai com os filhos porque dá trabalho. Dificilmente ele sai, mas,
quando sai, já se chateia, não tem paciência, diz que se é para sair e ter raiva, ele prefere
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ficar em casa. A gravidez não foi o motivo pelo qual nos casamos, pois o casamento já
estava programado. Eu tenho dois meninos, um com dez e outro com quatro anos.
Quando eu conheci o meu marido, já tinha namorado outros rapazes, mas não foram
namoros profundos como com ele. Eu esperava ter uma vida conjugal boa, nunca pensei
que seria assim... Tantos obstáculos, tanta... Indiferença! Não pensei que fosse assim,
pensei que ia sair junto, cuidar dos filhos junto, tudo junto. Também esperava que ele fosse
mais compreensivo, mais companheiro. Ele é taxista e é um ano mais velho do que eu.
Enche! Dificilmente ele reconhece o que eu faço, dificilmente! Às vezes, ele diz que é
assim mesmo, dona de casa tem que ser assim mesmo. Eu pergunto se ele queria isso para
ele: ser dona de casa e mãe! Eu sonhava em ser mãe, em ter uma casa para cuidar, mas
Eu cheguei a concluir o segundo grau e, no ano que terminei, me envolvi com ele...
no comércio, como vendedora, mas foi pouco tempo. Eu gostei e estou até batalhando por
um novo emprego, para ver se a situação melhora, pois assim eu saio mais, não vou ficar
tanto em casa.
Às vezes, meu marido diz para eu arrumar um trabalho... Vive repetindo isso! Aí,
fica chato... É muito melhor trabalhar, para eu não esquentar com essa situação. Não tem
com quem deixar as crianças, mas agora que o menino mais novo também já está
estudando, eu posso batalhar qualquer coisa para mim... Para ter o meu também. Ele não é
contra eu trabalhar, o que ele faz é usar o fato dele trabalhar para passar em rosto, porque
quando eu quero qualquer coisa e às vezes ele não dá, eu fico reclamando e ele fica me
mandando trabalhar. Diz para eu arrumar qualquer coisa, que eu procure, que eu vá ganhar
155
o meu! Eu fico bastante chateada quando ele fala isso, porque eu sei que as coisas estão
difíceis, mas não precisava ele ficar falando essas coisas. Fico bastante chateada!
Eu queria que ele fosse compreensivo, entendesse, falasse com calma, que ele
explicasse, mas às vezes ele se estressa logo, é muito estressado também. Como eu também
sou, o negócio complica, porque quando um é mais calmo e o outro é mais seco, cada um
bastante. Não sei o que acontece, se é o dia-a-dia, que dificilmente não tem uma discussão
em casa, dificilmente! Às vezes, ele está trabalhando o dia inteirinho, e quando entra em
casa, acontece uma discussão, por qualquer motivo! Uma discussãozinha, às vezes até
penso assim... Às vezes eu penso em largar e ás vezes eu penso que seria pior. Eu penso
assim, na dificuldade, no que eu vou passar, quer dizer, eu já tenho dois filhos, às vezes eu
penso que seria pior sem ele... Mas eu acho que também gosto dele. Para eu ficar esse
tempo todinho e agüentando, passando por esses momentos, eu acho que só posso gostar.
Eu penso que, se eu nunca sentisse qualquer coisa, eu não estava mais nesse
relacionamento. Tem vezes que ele me procura para ter relações sexuais e eu não tenho
desejo, fico pensando que estou errada em não querer mesmo assim, porque ele pode
procurar em outra o que eu não estou dando em casa. Desde o início do casamento que eu
percebo que sou um pouco fria, dificilmente sinto prazer... Ele reclama disso, diz que podia
ser diferente, mas eu nunca falei sobre isso com ele. Não sei se é problema psicológico...
Às vezes ele está cansado... Eu também estou tomando anticoncepcional e está me fazendo
Com relação à minha família, meu pai é separado da minha mãe, e morei mais
tempo com minha irmã mais velha, do que com os meus pais. Eles moravam no interior,
então quando minha irmã veio morar aqui, eu vim com ela. Na época eu tinha treze ou
quatorze anos e morei muitos anos com ela, mas sempre tinha contato com meus pais. Eu
não sei porque eles se separaram, mas meu pai é mulherengo, vive até hoje com uma
mulher mais nova do que eu. Foi para ficar com ela, que ele largou minha mãe e a outra
mulher com quem ele também tinha um relacionamento de muitos anos. Eles têm um filho
um ano mais velho do que eu, e, com minha mãe, meu pai teve quatro filhos.
Voltando a falar sobre o meu casamento, já faz muito tempo que eu venho passando
por isso tudo, e tenho esperança que melhore. Quem sabe quando os meninos crescerem...
Eles já vão poder entender melhor as coisas, o maior já é mais compreensivo, o outro ainda
Meu marido não tem muita paciência para educar, para cuidar das crianças, então
muitas discussões partem disso... Ele não entende que os meninos são crianças, já vai com
agressão, para bater, aí eu começo a reclamar, aí começa! Às vezes sou eu quem bate neles,
então começa... Dificilmente a gente conversa, a gente fala que podia ser diferente, mas é
difícil... Ele diz que esse é o jeito dele, que ele não sabe ser de outro jeito. Aí... Fica difícil.
Não sei qual é o problema, às vezes eu tento mudar e compreender, mas depois aquilo
compreensão dele, ele não me convida para sair, fica só na dele. Se ele tiver de ir para
qualquer canto, qualquer festinha, vai sozinho; é com isso que eu fico chateada, é bastante
triste... Às vezes eu debato muito sobre isso com ele, porque já que ele casou, ele tem uma
Ele trabalha à noite e tem muita coisa que eu nunca vi, mas eu sei que acontece, e
ele sabe que eu sei. Por exemplo, festinha com uns amigos que o vizinho convida, com
certeza ele vai de lá mesmo, de onde ele está trabalhando... Às vezes as discussões partem
disso, e ele quer que eu entenda, porque, para ele, é assim mesmo. Eu não entendo o que se
passa na cabeça dele, o que ele pensa, porque ele acha que é do jeito que ele diz, quer dizer,
depois que ele fala que é uma coisa, é aquilo e pronto, acabou-se. Eu não sou muito de me
conformar, eu começo a discutir mesmo! Se ele tiver de ir para qualquer lugar, ele vai,
depois que ele diz que vai, vai! Mas eu também não fico calada não! Às vezes a gente até
discute porque eu vou na casa de uma amiga... Ele fica brigando, não quer que eu saia de
casa. Ele chega do trabalho e, se eu não estiver em casa, ele fica reclamando, diz que eu
gosto muito de andar nas casas, mas eu nem sou muito de andar nas casas, sou mais de ficar
em casa mesmo. Ele não entende mesmo! Ele deve achar que é para eu passar vinte e
quatro horas dentro de casa, eu me sinto bastante chateada! É mais por causa disso, que
Eu era totalmente diferente, era bem calma, mas depois desse relacionamento eu
fiquei muito agitada, sem paciência... Eu sinto que foi depois desse relacionamento que eu
mudei... E para pior! Ás vezes até digo a ele, que eu podia ser outra pessoa, se eu não o
tivesse conhecido nunca, podia ter sido diferente, eu podia ser mais calma, trabalhar para
ter uma vida melhor, pois eu estudei, terminei o segundo grau, fiz muito... Sonhava em
trabalhar na área de saúde. Na época eu fiz patologia (curso técnico), nessa época eu
sonhava muito! Hoje, eu vejo as minhas colegas de turma trabalhando nos hospitais e fico
pensando nessas coisas, em ter uma vida melhor, ter meu emprego, ganhar meu bom
salário. Hoje, eu dependo dele, a gente paga aluguel, só vive no sufoco! Esse também é um
problema.
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Eu tenho muita pena de ir trabalhar e deixar as crianças nas casas, mas agora estou
batalhando mesmo. Quando eu falo isso, me sinto bem melhor, pois eu tenho que acordar,
não é? Eu estava muito parada... Eu tenho que acordar! Eu desisti dos meus sonhos,
principalmente do sonho profissional... Dediquei-me muito só a casa, aos filhos e a ele, mas
o meu sonho era ter meu próprio emprego, mas agora eu estou acordando e estou
batalhando.
Meu marido acha que o homem pode tudo e a mulher não, ele costuma pensar dessa
maneira, que ele pode, ele pode sair, que não tem problema nenhum; agora se eu sair ele já
fica de orelha em pé, se eu sair, se eu demorar ele já fica muito chateado. Às vezes eu saio
para resolver qualquer coisa, vou à cidade comprar algo... Se eu demorar, ele fica
família dele é a favor de mim, sabe como ele é... Eu gosto dele! Eu não sonho em ter outro
homem... Ás vezes eu fico imaginando ele com alguém, então fico com ciúme, eu não
quero aquilo. Antes havia momentos em que ele ficava jogando comigo, dizendo que ia
arrumar alguém, que vai... Mas eu sinto que ele diz para me chatear, e quando ele fala isso,
me incomoda, pois eu não quero que aconteça. Se eu chegar a vê-lo com outra, sei que vou
me sentir bastante mau, então isso me faz ver que eu gosto dele. Às vezes eu fico muito na
minha, calada, quando ele diz as coisas eu fico agüentando calada... Às vezes eu quero ser
diferente e não consigo, assim, ser mais compreensiva, quando ele chegar em casa, eu não
perguntar nada, não começar uma discussão, às vezes começa com qualquer besteirinha, eu
mesma começo, fico desconfiada, o fato dele sair sozinho, me incomoda. Teve um dia que
as crianças estavam na casa da minha mãe e, mesmo assim, ele não quis ir para uma festa
comigo, então às vezes não tem como eu não discutir, pois ele dá motivo.
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Eu só queria saber assim, se esses problemas que eu sinto são psicológicos, se tem
alguma maneira de mudar, de eu ficar mais tranqüila... Eu me acho muito nervosa, muito
estressada, eu podia ser mais paciente, mas eu me irrito com qualquer coisa... E queria
melhorar. Se tivesse algum medicamento ou alguma coisa assim que me fizesse ficar mais
tranqüila... Sempre eu tenho dor de cabeça, tenho uma agonia, uma coisa ruim... Na cabeça.
Eu acho que isso tudo está ligado aos problemas que eu vivo com o meu marido, e eu estou
tempo com muitas pessoas... Na época em que eu era adolescente, a minha intenção
sempre foi me divertir, sempre tive muita vontade de me divertir. Então, os meus
namoros nunca passaram de três meses... Nesse período eu achava até engraçado, porque
a minha mãe reclamava muito que quando começava a gostar de um namorado meu,
Com I, meu marido, eu namorei quase quatro anos, já foi um relacionamento bom...
Assim, apesar de no início... Ele sempre foi uma pessoa muito “fechada”, sempre viveu
num mundo só dele. Logo quando a gente começou a namorar, ele me chamou para passar
um dia na praia, então ele foi com o barquinho dele e eu fiquei o dia inteiro sozinha, sem
conversar com ninguém... Eu vim de uma família grande, por isso eu sinto a necessidade de
No dia do passeio, no final da tarde, eu pensei que não ia namorá-lo, porque não ia
dar certo. Mas aconteceu que eu já estava gostando um pouco dele, porque antes a gente
conversava muito pelo telefone; eu passei quase dois meses só conversando... Então a gente
interesse. Eu resolvi continuar, ele melhorou em relação a isso, e a gente namorou muito
tempo. Nos organizamos para casar, tudo, noivamos... Foi muito bom o relacionamento
antes de casar.
Os meus outros relacionamentos, mesmo sendo curtos, foram bons também, sempre
foram com pessoas que tinham algo a acrescentar, eu sempre conversei muito, então nunca
tive essa dificuldade que até hoje eu tenho com o meu marido.
com vinte e quatro. Aconteceu de logo antes do casamento, durante o noivado, a gente já
ter alguns atritos... Eu percebi que ele ainda se interessava por determinadas pessoas e,
durante muitas vezes, eu quis terminar o relacionamento, mas nunca consegui. Ele sempre
me convencia a continuar, e como eu estava apaixonada, não era muito difícil. Eu acho que
não é muito difícil você convencer uma pessoa que está apaixonada... E eu permaneci. Não
existia agressão, nunca existiu, então eu acho que esses fatores influem para permanecer,
não é? A gente nunca teve briga, discussão séria, nem nunca houve agressão de maneira
nenhuma, até porque eu acho que aí já seria um absurdo... Eu não concordo de jeito
Eu pensei em acabar algumas vezes, mas foi justamente por eu achar que ele ainda
estava interessado por outra pessoa, porque antes da gente começar a namorar, ele falava
muito de uma ex-namorada. Ele não queria que o nosso relacionamento fosse igual ao que
tinha terminado... Parece que, numa festa, ele ficou olhando muito para outra pessoa e ela
161
deu um tabefe na cara dele. Eu acho isso um absurdo! No momento em que você agride
fisicamente outra pessoa, você está dando o direito da outra pessoa te agredir também. Ele
falava muito nessa pessoa e não queria que acontecesse a mesma coisa.
Depois que a gente começou a namorar, eu percebi que ele ainda observava muito
essa ex-namorada dele. E aí, me incomodava, não é? A gente fica com ciúme. Algumas
vezes, eu tinha vontade de terminar, até falei que se ela fosse a pessoa que ele queria, ele
fosse atrás, conversasse... Parece que na época do namoro, ela engravidou dele e abortou.
Esse era outro trauma na vida dele, porque eu acho que ela fez o jogo: engravidou e ficou
querendo que ele casasse; ficou dizendo que se ele não quisesse ela ia tirar. Enfim, ele não
casou, então ela tirou a criança. Eu acho que isso aí é um trauma muito grande para ele.Em
relação a isso, eu passei a ter determinados conflitos, algumas discussões, mas nada sério,
até que a gente casou. E foi muito bonito! Cartório, igreja, recepção... Eu nunca sonhei em
casar, eu nunca quis casar, nunca pensei na minha vida em casar. A minha idéia, quando eu
era adolescente... Eu comecei a trabalhar muito cedo e sempre achei que ia estudar. Lá em
casa são onze filhos, eu sou a décima primeira, então eu já observava que o meu pai tinha
uma “carga” muito pesada em relação a estudo, educação, alimentação... E meu pai não é
rico. A gente sempre morou em casa própria, mas muito pequena, a gente sempre viveu
todo mundo muito junto, os irmãos, todo mundo muito junto. Com catorze anos, eu decidi
trabalhar porque eu queria estudar em escola particular... Eu não achava que o meu pai
tinha obrigação de me sustentar, eu achava que eu é que tinha que batalhar para pagar os
meus estudos. Apesar de saber que ele tinha essa obrigação, eu achava que era muito
pesado para ele, então eu comecei a trabalhar e coloquei sempre na minha cabeça que o
meu objetivo era estudar, terminar minha faculdade e ser mãe... Nunca inclui um homem
Eu sempre tive vontade de ter um filho, e esse é um desejo antigo que eu ainda
pretendo realizar. Não sei como vai ser daqui para frente, mas eu sempre gostei de criança,
sempre gostei de dar carinho e de receber também... Eu sempre quis, eu sempre imaginei
um filho na minha vida... E I veio, mudando todos esses meus conceitos, pois tudo o que eu
pensava, eu continuei a pensar, mas incluindo ele na minha vida. Ele me conta que também
nunca pensou em casar, ele queria ser pai, mas não queria casar. Até acho que ele pensava
realmente assim, porque a idéia de família dele é um pouco diferente do normal. Pelas
coisas que ele me diz, família para ele é ele ter um filho, não é ele ter uma mulher e daí da
união de duas pessoas, surgir uma terceira pessoa que vem de amor, de carinho, de
companheirismo, de atenção, tudo, normal. Então, família para ele é um filho, ele quer um
filho.
Faltava algo no início do casamento... A festa foi muito boa, a gente viajou, passou
e em janeiro comecei a trabalhar... Trabalhava oito horas por dia e durante o primeiro ano
foi assim, depois eu comecei a estudar a noite, mas ele não gostou do meu trabalho; ele não
queria que, logo depois do casamento, eu começasse a trabalhar. Eu acho que ele não
imaginava isso. Mas ele me conheceu trabalhando e eu deixei tudo muito bem claro. Eu não
acho que ele esperava que eu fosse dona-de-casa, eu penso que ele esperava que, pelo
menos no primeiro período, eu fosse dar mais atenção a ele, que fosse passar mais tempo,
esperasse um ano para poder arranjar um emprego. Pelo que ele fala, eu acho que ele não
queria que eu fosse dona-de-casa não, mas não gostou de eu ter começado a trabalhar logo
em janeiro. Neste mês, ele estava de férias, aí eu comecei a trabalhar na época das férias
dele. Naquele período, a gente não tinha empregada, então eu trabalhava, eu organizava a
163
casa, eu cozinhava, fazia tudo... E à noite, ainda estava muito disposta para esperar o meu
marido!
Ele sempre foi uma pessoa muito dedicada ao trabalho, a ponto dele me esquecer...
E por isso eu não esperava. No início do nosso casamento, nós passamos um mês sem
contato íntimo nenhum. A partir daí, já me causou uma decepção muito grande! Eu já
fiquei assim... Arrasada. Porque eu era jovem, ele também (ele tinha vinte e sete anos
quando casou), e eu não entendia porque o desprezo, pois o que eu senti... Na verdade foi
desprezo.
Nós vivíamos juntos, mas não nos relacionávamos sexualmente, porque ele estava
sempre muito cansado. E acredito que tenha sido isso, porque eu não acredito que ele tenha
arranjado ninguém, ainda pensei... Fiz tratamento espírita, tudo no mundo eu fiz para saber
o que estava acontecendo. No início, eu achava que a culpa era minha; alguma coisa estava
errada, mas eu sempre achava que esse erro estava em mim, não estava nele, não estava no
relacionamento. Então, durante muito tempo eu fiquei com isso, por isso que eu busquei
muitas alternativas: tratamento espírita, sexólogo... Eu perguntava o motivo a ele, mas ele
me respondia que era o cansaço. Isso não me convencia, porque eu trabalhava o dia todo,
ainda arrumava a casa, fazia comida... Então não me convencia. Passou-se esse período, as
coisas foram se normalizando, eu fui buscando outras alternativas, coisas que mulher gosta
de fazer, como por exemplo: jantar íntimo, arrumar uma roupa diferente, chamar para ir a
um lugar diferente... Isso tudo que a gente está sempre buscando. Ele também começou,
porque antes de casar, ele sempre aparecia com vinho, com alguma novidade, sempre me
levava para jantar em algum lugar diferente, era sempre gostoso. Então ele passou a ser
assim também.
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viajar, isso tudo era muito bom! Só que, depois, o cansaço voltou novamente. Depois de um
ano e meio, dois anos, eu comecei a estudar a noite e não tinha ninguém (empregada
doméstica) fazendo nada para mim, então, no final de semana eu sempre fazia tudo em
casa. Antes de ir para a faculdade, eu corria em casa e ajeitava o jantar, chegava à noite e
passava roupa, e ainda estava disposta para se ele quisesse... Mas ele sempre adormecia,
sempre!
Quando eu comecei a estudar à noite, ele começou a se chatear, voltou com a velha
história de eu não ter tempo... Ele chegava em casa do trabalho, ficava só e achava isso
muito chato, além do mais, não existia diálogo, ou ele estava de frente a o computador, ou
de frente para a televisão. Eu acho que só o fato dele saber que eu estava em casa, era o
suficiente para ele, coisa que para mim nunca foi. Assim, porque eu sempre estive com ele,
e sempre me senti só, então a presença acaba não fazendo muito sentido.
ficar em casa à noite, só que eu não queria largar a faculdade, então não fiquei satisfeita. Eu
não fiz algo que eu queria fazer. Eu sempre tive o sonho de me formar, sempre tentei e
nunca tinha tido, de fato, a oportunidade. Sempre trabalhei e nunca tive tempo para me
dedicar aos estudos. E agora que eu estava começando, era uma coisa que ia me satisfazer.
Ele sempre dizia que queria que eu crescesse, fosse uma profissional liberal, tivesse
sucesso na vida. Mas, por outro lado, todo dia quando eu chegava em casa, ele estava com a
cara feia, arrumava alguma confusão, alguma... Besteira, alguma discussão besta.
Na prática, ele se contradizia, então o contato íntimo já passou a ser duas, três vezes
por semana, e eu passei um ano sem estudar... Depois eu decidi retomar os estudos. Não me
preocupei com o que ele ia pensar, não quis mais saber, já estava de saco cheio! Porque eu
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voltei para ficar em casa e as coisas não mudaram, o diálogo não aconteceu, o desprezo
Muitas vezes, eu... Assim, quando a gente deitava para dormir, ele me dava as
costas... Ele nunca gostou de dormir agarrado, abraçado. Às vezes dormia porque eu
queria... É muito chato você fazer alguma coisa que você não gosta. Ele ficava dez minutos
ali na posição que eu queria que ele ficasse, me abraçando, e depois já se virava, já ia para o
lugar dele na cama. Eu sempre achei isso tudo muito esquisito, porque eu tinha uma outra
Apesar de, em casa, eu ter ouvido muitas discussões, porque o meu pai, ele bebia,
mas eu sempre vi uma cumplicidade, eles sempre estavam juntos, ele sempre se preocupava
muito com a minha mãe e a minha mãe sempre viveu muito em função dele. Então você
acaba imaginando que casamento é algo para você viver em conjunto, e não você viver
sozinho no seu mundo e a outra pessoa viver lá no mundinho dela. A partir do momento em
que você decide se unir a outra pessoa, você quer compartilhar tudo, tanto as coisas boas
como as coisas ruins com aquela pessoa. Eu tinha muita vontade de falar do meu dia de
trabalho, de falar o que aconteceu na faculdade, de saber também, mas esse retorno eu
nunca tive. Muitas coisas podem até ser bestas, mas para mim eram coisas relevantes, eu
considerava. Por exemplo, I não me falava da sua vida profissional, de alguma coisa que
acontecia ou fosse acontecer, se tinha programado algo para o final de semana... Ele não me
dizia nada, ou então ele me dizia em cima da hora; se ele tinha algum aumento de salário,
eu sabia através de outra pessoa. Quer dizer, isso tudo pode ser bobo, mas eu acho que eu
merecia, ele tinha que dividir isso comigo. Eu sempre fiquei muito chateada com isso e
passei um bom tempo me sentindo assim, mas depois eu deixei para lá... Fui me adaptando
a situação. Aos poucos, passei a não querer mais saber da vida dele, não queria mais saber
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de nada. Se ele quisesse me contar, tudo bem, se não quisesse, também não fazia diferença.
O sexo foi uma coisa que eu bloqueei na minha mente, porque se eu não tinha, e eu sentia
angústia em não ter, e não saber porque não tinha, eu preferi bloquear a sentir mais vontade
e acabar indo atrás de outra pessoa. Porque isso pode acontecer; poderia acontecer muito
mais cedo do que eu imaginava... Então eu acabei, assim, bloqueando isso tudo para mim.
Comecei a viver no meu mundo, igual a ele, deixei... Assim, é como se eu tivesse
deixado ele mais à vontade para viver no mundo dele. Só que até hoje eu não me sinto bem
em viver assim, e não consigo sair dessa relação. Já arrumei minha mala um milhão de
Há um ano e meio ou dois anos atrás, a gente teve uma discussão muito séria, talvez
a mais séria até hoje... Nesse dia, eu fiquei muito chateada e decidi sair. A gente tava em
Tivemos uma discussão muito séria, e eu senti o lado direito do meu rosto dormente,
completamente... Fiquei muito apavorada com isso, percebi que eu não iria ficar com ele, e
saí, fui para uma pousada. Ele chorou muito, foi na casa dos meus pais (eu havia saído sem
contar para ninguém). Ele foi falar com o meu pai, devolver a aliança, disse que eu tinha
saído, ou seja, fez um bicho ao meu respeito para a minha família e para a dele. Na minha,
ele não conseguiu muito não... Na dele, eu acho que durante muito tempo a mãe e as tias
ficaram um pouco sem falar comigo, mas também não me preocupei com isso não. Depois
ele veio, mais calmo, querendo falar comigo, disse que iria mudar, que ele realmente tinha
Quando eu falo isso, eu sinto, eu sinto uma pontinha de raiva de mim, porque eu não
devia ter voltado. Essa foi a melhor oportunidade que eu tive de decidir a minha vida, mas
eu não fui firme e fiquei realmente sozinha, como eu devia ter ficado. Eu voltei imaginando
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que tudo ia ser diferente, tudo... Mas não foi. Logo que a gente voltou a morar junto, ele
não fez questão de mostrar que ia ser diferente... As coisas continuaram do mesmo jeito!
Assim, a gente continuava saindo normal, mas, sexualmente, eu já não tinha tesão nenhum.
Eu sentia a necessidade, eu acho que era uma necessidade orgânica que eu tinha, sentia
necessidade de ter um relacionamento íntimo com ele, mas... Já não era mais aquela pessoa
que me despertava desejo, não era como antes. Havia noites, para você ter uma idéia, que
eu me deitava pelada do lado dele, e ele adormecia, nem me tocava. Olha, quando isso
acontecia, a sensação, a maior sensação que eu tenho até hoje, eu não consigo me livrar, é a
sensação de desprezo. Essa aí, eu não consigo me livrar, por mais que eu busque, procure
fazer uma terapia, alguma coisa, eu não consigo me livrar dessa sensação de desprezo.
Apesar de eu e ele sempre ter tido vontade de ter filho, a gente nunca conversou
sobre isso, não se conversar sobre nada não. Ele desejava ter um filho e esperava que logo
comecei a ter receio de ter um filho, com um relacionamento do jeito que estava. Eu sempre
pensei que para ter um filho, para eu engravidar, teria que ser um momento muito
agradável... A gente teria que planejar tudo direitinho, porque a minha vida iria mudar
muito, e a dele também, mas a minha, eu acho que iria mudar muito mais. Ele nunca
chegou assim para conversar sobre a decisão de ter um filho em tal período da vida da
gente, em tal ano... Eu fui então tomando os meus comprimidos, me prevenindo e decidi
Acho que eu fiz a coisa certa, porque, gradativamente, a relação piorou. Se hoje é
difícil tomar uma decisão de separação... É muito complicado você tomar uma decisão e
você separar, porque, na hora do casamento, você está investindo ali um sentimento, muita
vontade que dê certo. Ninguém casa para separar com um mês depois, a gente casa, pelo
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menos a minha idéia era essa: eu tinha vontade de envelhecer com ele. Eu ficava
imaginando a gente velhinho com os netos.... Então, é uma frustração muito grande. A
partir do momento em que o negócio vai dando errado, você vai se desestimulando
situação muito pior, porque já existiria uma terceira pessoa que não faria parte só de mim,
então a decisão não poderia ser somente minha; ele também teria que opinar, o que seria
muito mais complicado. É muito mais fácil você, solteira, decidir ser mãe com uma pessoa,
um homem lá no lugar dele e você no seu, essa criança já vai crescer tendo consciência que
o seu pai mora numa casa e sua mãe mora na outra. É diferente dela nascer e ver duas
pessoas juntas, se acostumar com aquela situação e, de uma hora para outra... Porque
ninguém vai estar contando a vida para o filho, ninguém vai estar dizendo que não dá certo,
e tudo o que se passou. Então, de uma hora para outra, você decide separar... E a criança
Com relação aos meus pais, eles esperavam a mesma coisa que eu, ou seja, que o
meu casamento desse certo. A minha mãe, ela não admite separação, ela é muito católica.
Se hoje eu me separasse, ela seria uma pessoa que não iria saber, eu iria fazer o impossível
para não contar nada a ela, ela não iria saber, porque eu sei que ela é uma pessoa que não
aceita. Para ela, é aquela história: o que Deus uniu na Terra ninguém separa, e eu assimilei
isso muito bem. Isso em mim é muito forte, muito forte! Lá em casa são cinco mulheres; eu
acho que só a minha irmã mais velha e eu absorvemos toda a criação da minha mãe, são
conceitos difíceis demais. Eu sinto que isso contribui muito para que eu sinta essa
falei sobre a possibilidade de me separar, para ver a reação dela. Ela me disse que isso não
existe! Que se eu decidi casar, eu tenho que ir até o final, que se uma mulher um dia pensar
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em separar de um homem, é porque ela levou uma surra, muitas surras. A idéia dela é essa,
que a gente tem que aceitar tudo, menos apanhar, essa é a idéia dela... E nesse dia, eu fui
até assim, depois eu fiquei, meio assim, porque eu fui até grosseira, porque eu disse a ela
que o que ela tinha para, assim, o ela pôde fazer para estragar a minha vida, ela já tinha
feito. Eu quis dizer que todos esses conceitos que me impedem de tomar as minhas
decisões, tudo isso acaba dificultando, e muito! A gente vive numa sociedade que cobra,
mas não age da maneira como ela cobra, mas a gente vive em função dela. Então é o medo
de ficar só, de todo mundo pensar que eu estou disponível para qualquer pessoa... Eu tenho
esse medo... De ficar só, e de pensarem que eu estou disponível, de quiserem qualquer
envolvimento comigo, que eu não queira. O medo de eu chegar num lugar e ser desprezada
porque eu sou uma mulher separada. Quer dizer, hoje, a gente vive... Talvez não tenha tanto
isso, entre aspas, que eu acho que existe muito. Se você tem um grupo de amigos, e você se
separa, todas as mulheres do seu grupo de amizade vão ficar com medo que o marido delas,
ou que você, dê em cima; ou seja, que o marido dê em cima de você e você dê em cima do
marido. Isso é muito chato! E você tem que dar satisfação da sua vida às pessoas. Eu não
Voltando a falar sobre como está sendo a minha vida amorosa, eu percebo que ainda
estou presa a valores e padrões antigos, antigos demais. Para mim, esses valores que a
minha mãe passou estão bastante presentes na minha vida, e ela sempre cobra, porque ela
sabe que as coisas não andam nada bem, e sempre que eu vou lá, ela faz questão de
cobrar... Cobra o comportamento. Como se eu devesse estar sempre bem, não reclamar da
situação que eu vivo com o meu marido... Coisa que ela fez a vida toda... Interessante, eu
sempre fui muito determinada, e mesmo quando acabava um namoro, eu não ficava
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choramingando, nem achando que o mundo tinha acabado, não, eu sempre saía, me
acostumando a essa dependência. Apesar disso tudo, ele é uma pessoa muito boa, de
valores também, uma pessoa difícil de se conseguir. Hoje em dia, os homens são muito
vulneráveis, querem ter vários relacionamentos. Eu acredito até hoje que I nunca teve outro
relacionamento além de mim, então isso acaba sendo um ponto positivo... Saber que ele é
só meu, apesar de tudo. Além disso, ele é uma pessoa muito boa, interiormente, ele é uma
pessoa que não tem raiva de ninguém, ele não cria confusão com ninguém, ele se preocupa
muito comigo, em relação a outros fatores, como bem-estar. Não me deixa faltar nada, em
termos materiais, mas não é assim no lado emocional, então isso acabou fazendo com que
A independência que eu tinha, parece que está adormecida, porque eu tenho certeza
que eu não perdi, toda aquela minha garra de antes, quando eu trabalhava, vendia calcinha,
sutiã, e juntava dinheiro de um lado, de outro, para pagar o colégio, para me virar, para
comprar a minha roupa. Eu estou querendo dizer que hoje eu dependo dele
financeiramente, mas só em parte. Eu sinto que posso me prover por completo, eu posso...
Posso... Eu tenho só que tomar mais consciência disso, porque eu tenho condições de me
manter sim. Eu não posso deixar que essa dependência que foi se acumulando, permaneça,
eu acho que se tornou até uma dificuldade, o fato de eu ser muito consciente das coisas. Eu
sei que tenho condições de me manter! Sei que morrer de fome eu não vou! Eu aprendi
cedo a ser independente, e houve esse processo de regressão durante o meu casamento.
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Durante muito tempo, para mim, foi um processo de regressão, ao invés de evoluir, eu
regredi.
Há um ano atrás, eu estive muito mal, eu tive depressão, tive pânico, então comecei
a fazer tratamento com psiquiatra, depois desisti, porque eu nunca quis tomar remédio.
Ainda tomei alguns antidepressivos, mas muito esporadicamente, nunca com freqüência, só
no dia em que eu não agüentava mais... A questão do pânico também foi um fator muito
forte, eu tive que lutar muito para me manter firme, porque eu tinha que trabalhar, ir para a
faculdade... E eu não podia mostrar para todo mundo a minha fraqueza, no trabalho eu não
podia mostrar minha fraqueza. Eu atribuo essa depressão e esse pânico a todo esse processo
que começou no início do casamento, até hoje... Esse período de depressão foi devido a
todo esse processo assim de desprezo, de descaso, de não ter realmente o companheiro que
eu imaginava, que eu queria ter, então chegou o momento em que eu caí completamente.
Eu fui criada na religião católica, sempre tive isso muito forte na minha vida. Com
sete anos de idade, eu já participava do movimento, viajava com freiras, fazia retiros
espirituais, essas coisas todas; influenciada pela minha mãe; ia eu e minha irmã mais velha.
Esta já é muito mais bem resolvida na vida dela em relação a isso, ou seja, em relação ao
lado espiritual, pois não deixa que os conceitos e dogmas estabelecidos pela igreja
influenciem tanto em sua vida, impedindo-a de tomar certas decisões. Pelo menos eu acho,
pelas coisas que a gente conversa; mas eu não, eu fiquei muito ligada a isso, aos dogmas
espirituais (pecado, castigo de Deus, o que é certo ou errado) e eu só consegui sair mesmo
Agora eu não vou dizer a você que eu não sinto angústia, sinto, geralmente todos os dias,
mas com bem menos intensidade e nada que vá me prejudicar, como me prejudicou. Essa
angústia é uma coisa que está presente, mas que eu controlo... Eu sei que essa angústia
existirá até o momento em que eu tomar uma decisão na minha vida, disso aí eu também
tenho consciência, porque eu, eu... Eu acho que eu vou sentir um alívio, quando eu decidir.
Eu já quis decidir tudo muito rápido, porque eu não sabia esperar, eu queria decidir e a
angústia aumentava, porque eu não via a perspectiva de tomar essa decisão, não tinha
coragem, não era o momento. E aí, outra pedra grande foi posta em cima disso, porque eu
tenho que esperar o momento certo, eu não posso ficar parada, todo dia tenho que trabalhar
um pouquinho para tomar essa decisão, mas eu sei que o momento certo vai acontecer. Mas
não adianta ficar mais angustiada ainda, só piora a minha situação, se eu ficar angustiada
porque eu não tomo a minha decisão amanhã, só vai piorar a minha situação.
Hoje eu sinto um carinho muito grande pela pessoa que o meu marido é, não sinto
desejo, não tenho vontade de fazer sexo com ele, não tenho vontade de beijar, é tudo muito
mecânico se acontecer... Não... Eu não tenho medo de perdê-lo, dele arranjar outra pessoa,
eu nunca, nunca pensei nisso com medo, acho que eu não tenho medo. Não posso te dizer
assim com certeza porque nunca aconteceu, por isso, eu não sei o que eu sentiria, mas eu
não tenho raiva dele, não tenho, não tenho raiva... Tenho carinho, eu gosto dele como
pessoa, acho que ele é uma pessoa maravilhosa, que daria muito certo com uma pessoa que
Os momentos que nós temos de bem-estar são quase inexistentes, algumas vezes,
por exemplo, sexualmente, eu permiti que acontecesse por ele, e quando terminava, eu me
sentia muito ruim. Os momentos de prazer, em termos gerais, hoje em dia são poucos, esses
Eu venho me preparando, é... Porque todo o sofrimento que eu passo, já que desde o
momento em que tudo deu para traz, não teve um só dia em que eu não me sentisse triste,
eu tenho consciência que eu não quero continuar passando. Então, cada dia eu avalio tudo o
que eu já passei, que eu não quero ter novamente. Eu venho amadurecendo essa idéia todo
dia; pode demorar, não sei, seis meses, um ano, um mês, ou até amanhã eu posso chegar e
dizer assim: Não, hoje é o momento! Hoje eu vou tomar essa decisão. Mas até então, eu
venho amadurecendo isso todo dia, mas eu amadureço em forma de pensamento, todo dia
eu penso em tudo o que eu já passei, repenso todas as coisas que aconteceram, as que foram
ruins e as que foram boas. Todo o sofrimento que eu já tive, e aí, eu decido todo dia que eu
não quero mais ter isso na minha vida, até o dia de chegar a decisão, e já estar tudo
acertado. É dessa forma que eu vou fazer, é dessa forma que eu estou fazendo, foi a
maneira que eu encontrei, e está sendo difícil, porque é lento... Mas eu sei que é uma
decisão só minha, e que eu estou nesse caminho hoje porque eu optei, de uma certa forma...
Ninguém tomou a decisão por mim, eu casei porque quis, eu permaneci no casamento
porque quis. Eu tentei todas as alternativas: fui a psicólogo, psiquiatra, sexólogo, centro
espírita... Já comecei a fazer terapia, mas nunca conclui, sinto a necessidade de concluir,
porque me fazia muito bem; eu saí por motivos financeiros, mas eu pretendo retornar. Eu
acho que preciso desse apoio, aí eu não sei se vou voltar quando eu tomar minha decisão ou
se eu vou voltar antes, eu não sei, mas eu vou retornar sim, basta minha situação financeira
melhorar um pouco, porque essa história de dinheiro é muito complicada... A gente vive
aqui em função de dinheiro, tudo, o meu trabalho é com dinheiro, eu vivo em função de
com serviços de transporte aéreo, tomo conta do departamento financeiro, mas é muito
complicado, porque também não é algo que eu gosto muito de fazer não... Eu gosto mais de
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lidar com pessoas, eu gosto de estar em contato com seres humanos. Estou trabalhando
nessa empresa, nesse departamento, mas não é o que eu quero para o resto da minha vida,
eu não quero isso não, eu quero mais... Mas eu quero mais em termos de viver bem, eu não
quero viver em função de dinheiro. Eu quero chegar num momento da vida, a vida da gente
acaba ficando muito subjetiva, e eu quero chegar num momento de um dia eu fazer com
prazer o que eu estiver fazendo, sem precisar me preocupar com muito dinheiro, só o
essencial. Eu já quero estar formada, eu já quero não me preocupar mais, não quero que o
dinheiro seja para mim uma preocupação constante, eu quero que ele seja uma coisa boa,
Lembrando do que eu havia falado antes, mamãe sempre foi muito chantagista
comigo... Às vezes, quando eu ia sair, ela chegava ao ponto de dizer que, se alguma coisa
acontecesse com ela, em termos de algum problema de saúde, a culpa seria minha. Ela é
cardíaca, é hipertensa, tem problema na coluna, além de outros, mas o mais grave, que eu
acho que pode ocasionar alguma coisa assim é a pressão e o coração. Então tenho medo
dela ter alguma coisa séria e as pessoas acabarem colocando a culpa em cima de mim... Eu
temo isso. Quando eu era adolescente e ia sair para algum lugar que ela não queria, ela
sempre dizia que, se alguma coisa acontecesse com ela, a culpa seria minha, então isso
acaba ficando na memória. Durante muito tempo, muitas vezes, eu só saía escondido, para
ela não ver e eu não ter que escutar isso... E se alguma coisa tiver de acontecer com ela, vai
acontecer. Dependendo... E, aí, “pôxa”, aí é demais, não é? Mas o receio existe, o medo em
relação a isso existe, pois ela tem pressão muito alta, tenho medo que ela vá para o hospital,
que ela adoeça e aí o sentimento de culpa é muito ruim. Eu não quero me sentir culpada por
Isso me faz sentir limitada, eu me sinto presa, a minha vida é como se estivesse
presa a vida dela, a vida de outras pessoas. Aí eu acabo não resolvendo as coisas porque eu
fico pensando muito nos outros, no que pode acontecer. Aí já não sou só por mim, sou pelo
meu marido, sou pela minha mãe, sou por muita gente.
Às vezes meu marido fala em separação, mas é de tanto eu falar, porque ele não tem
a intenção. Acho que ele vai levando até... Talvez arranjar outra pessoa, porque eu acho que
para o homem, é mais fácil definir (uma separação) no momento em que aparece outra
pessoa na vida dele. Ele se sente mais forte, assim ele define mais. É como se eu tivesse
uma certa expectativa dele encontrar alguém, cansar de mim, porque aí ele tomaria a
decisão e eu não precisaria tomar. Além disso, eu não iria me sentir culpada pela separação,
se isso acontecesse. Nessa situação, não seria eu quem teria decidido, se acontecer dele
tomar a decisão. Existe essa vontade, não posso nega, não é? Eu sei que a decisão da minha
vida quem toma sou eu, e da dele, quem vai tomar é ele, mas em relação a nós dois, se ele
Em relação a tudo o que eu já falei, eu sinto que é bom falar, porque a gente falando
a gente vai tomando mais consciência. Eu, quando falo sobre as minhas coisas, às vezes eu
falo só, até para mim mesma, na rua, em qualquer lugar. Se você, alguma vez, me pegar
falando sozinha, no meio da rua, não é porque eu estou ficando maluca, não, é para tomar
cada vez mais consciência da minha vida, do que eu estou passando e do que eu tenho que
decidir, do que eu tenho que definir. Então para mim alivia muito falar, eu me sinto mais
aliviada, eu tomo mais consciência do que está acontecendo comigo diariamente. Então
mesmo que eu não tenha outra pessoa, em determinado momento, mas eu falo pra mim, eu
O que mais me chamou atenção, em relação a tudo o que eu falei, foi num
(financeiramente). Nesse momento, eu senti garra, que era uma coisa que eu não estava...
Eu quero dizer que algumas vezes eu falei, mas falei um pouco tímida, e hoje não, hoje eu
falei com vontade de falar, com vontade de... Assim, me libertar disso tudo. Foi o que ficou
Falar dessa forma traz a tona, assim... Vai trazendo a tona tudo o que eu estou
sufocando, não é? E mostra que eu estou viva, que eu sou capaz, que eu não dependo de
ninguém... Que a felicidade, ela está dentro de mim. Acho que é isso. E hoje já apareceu a
vida que tem dentro de mim... Eu já fiquei igual a um zumbi, totalmente sem vida, com
uma tonelada nos meus ombros, uma tonelada, um peso nos olhos. Eu não conseguia abrir
os olhos direito, sabe? Quando estava imaginando que ia para casa, eu já sentia uma
tonelada nos ombros, uma angústia... Muitas vezes eu entrava e saía de casa, porque eu não
conseguia ficar... Quer dizer, isso tudo, eu não quero nunca mais para mim. Não vale a
pena, eu não sou desse jeito... O que me fez ficar triste foi a situação do meu casamento e a
falta de perspectiva de dar certo. Então, na realidade, eu não sou assim, eu não mereço.
Ninguém merece, não é? Tanto sofrimento. E eu vou chegar lá, ou seja, vou me encontrar
os outros e sim comigo. Vou definir minha vida, colocar um ponto final no sofrimento,
encontrar a paz, o equilíbrio, enfim ser feliz novamente... Sei que sou capaz.
O sofrimento faz parte da vida da gente, para que tenhamos consciência das nossas
atitudes, mas não podemos permitir sua permanência constante, pois estaríamos afirmando
a nossa incapacidade, a nossa resistência às mudanças. Infeliz daquele que não aprende a
O meu relacionamento amoroso, no início, era bom, mas de um tempo para cá, está
sendo assim, uma coisa vazia, não existe mais amor entre a gente. Existe sim, da minha
parte, mas da parte dele, eu acho que não existe mais não, porque ele me trata como se eu
fosse uma pedra dentro de casa; aí pronto, eu fico muito solitária, muito sozinha, não tenho
com quem conversar. Eu termino ficando solitária... Assim sozinha, me sinto abandonada.
Ele já tem o problema do alcoolismo, então eu já me sinto responsável por ele, eu renunciei
a tudo entendeu? Só para cuidar de casa, deixei de trabalhar, só para cuidar dos meninos...
deixei o emprego; isso foi há quatro ou cinco anos, e foi nesse período que ele começou a
me abandonar... Começou a chegar bêbado... Aí assim, quando eu fico só, a minha reação é
só chorar! Entendeu? Só chorar, chorar, chorar, chorar, chorar! Aí eu peguei uma depressão
muito grande, fui para o médico e não podia tomar medicamento, passei uns sete meses
assim... Ansiosa... Tremia direto! Eu era doente mesmo, só não fiquei internada porque o
médico conversava comigo... Apoio familiar, eu não tinha, minha família é muito
problemática, eu não podia levar esse problema nem para a minha família, nem para o meu
marido, então ficava sozinha... Me “tranquei” sozinha. A barra ficou muito difícil, assim, o
amor, já passa a ser mais humano, do que aquele amor entre marido e mulher.
Essa depressão que eu tive, após o nascimento do meu segundo filho, surgiu
casa, saia de casa, dava atenção mais aos amigos... Ele dizia que ia sair e não sabia a que
horas iria voltar! Aí pronto, eu ficava sozinha com minha filha, porque eu tenho uma
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menina com doze anos. Depois de oito anos, eu engravidei do menino, aconteceu por
acaso... Meu marido estava desempregado, mas a gente aceitou, eu aceitei porque sempre
gostei muito de criança, eu sempre fui muito humana assim... Eu sempre fui contra aborto,
até anticoncepcional... Sempre tudo no lado natural da vida, não é? Eu fui aceitando a vida
assim, como ela foi me levando... Não queria sair de casa porque meu pai já é idoso, não
queria levar problema para ele... Eu estou sempre pensando nos outros, nos outros, nos
relacionamento conjugal está muito difícil... Em casa, eu chorava toda noite, passava a
noite toda chorando e meu marido perguntava o que eu tinha, porque eu estava chorando,
começava a brigar comigo... Então eu comecei a ficar triste e a gostar dele mais pelo lado
humano. Eu não posso abandoná-lo, porque ele tem pressão alta, se ele ficar doente, se ele
morrer, eu vou me sentir culpada. É muito difícil, estou sempre pensando nos outros, mas
eu gosto dele, assim, eu cheguei a amar tanto, que eu desejei que ele arrumasse outra
mulher, desde que ele deixasse o álcool. Eu me sentiria melhor, acho que por esse lado aí
eu aceitaria. O meu amor por ele era tão grande... Ainda é... Eu gosto muito dele!
traída, mas esse problema, eu nunca tive. Pelo menos assim, eu nunca percebi nada,
ninguém nunca me contou. Eu sei bem que ele é fiel a mim e eu sou a ele, mas chegou um
momento em que ele não ligava mais para mim, e permanece do mesmo jeito. Por exemplo,
ele acorda, não diz “bom dia”, não fala comigo, toma banho, toma café e sai; quando chega,
toma banho e dorme, acorda de quatro horas da tarde, vai beber de novo, quando volta, é
Ele está desempregado, começou a beber quando ficou desempregado pela primeira
vez, que foi na época da última gravidez. Antes, ele bebia pouquinho assim, só socialmente,
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mas o problema, é que quando ele voltou a trabalhar, não deixava de beber em final de
semana, feriado, tudo... Eu não existia na vida dele, não é? Eu só existo para ele como uma
empregada, para fazer a comida, lavar tudo direitinho... Quando eu falei que sou como uma
empregada para ele, não foi ódio que eu senti, eu achei engraçado... Ele me tratar assim,
como uma empregada. Eu já disse a ele assim: - Menino, você me tirou da casa dos meus
pais, casou comigo, diz que me ama e depois me faz de empregada! Sim, porque eu faço as
Eu olho para mim e para o meu marido, todos dois perfeitos, a gente tem uma vida,
duas crianças perfeitas, meus filhos são bons, não dão trabalho, a gente tem uma boa
morada, que é muito... Eu digo que ele tem tudo para ser feliz! Mas cadê o amor? No caso,
da parte dele. Eu não sinto que ele me ama, porque... Assim, quando a gente ama, a gente
não quer ver a pessoa sofrendo... Renuncia a tudo, não é? Minha irmã diz que eu sou
acomodada, pois devia largar tudo, ir trabalhar e me cuidar, morar só com os meus filhos,
mas eu digo que não posso abandoná-lo. Seria uma covardia minha também, logo agora que
Ás vezes eu me sinto... Sei lá! Esquisita! Eu nunca pensei que pudesse acontecer
comigo. Eu via uns casos na televisão e dizia que isso nunca iria acontecer comigo, mas
está acontecendo... Aí pronto, eu peguei essa labirintite, e ele diz que eu não tenho doença,
não leva a sério essas coisas que eu tenho. Quando eu disse que nunca pensei que isso
destruído. Eu queria que ele me desse mais atenção, que a gente acordasse abraçado um
com o outro, tivesse beijo, tivesse “bom dia”... Antes de encontrá-lo, eu pensava em casar,
namorar o meu marido, ele me pediu em casamento... Até aí, eu ainda achava as coisas
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muito abstratas... Assim, casar, assumir... O tempo foi passando, eu amadureci e decidi
casar, mas eu pensei que a gente ia se amar, que ele podia trabalhar, que ele podia me
ajudar, eu podia ajudá-lo... Ser uma união, uma coisa mais bonita. Pensei que íamos viver
causa dele... Porque ele anda bêbado e isso me choca, porque eu não tive essa criação,
sempre ignorei essas coisas, sempre achei errado. Eu leio muito, sozinha em casa, eu
pesquiso sobre o efeito do alcoolismo, essas coisas... Então eu sei que isso é uma droga e eu
sei do efeito das drogas no amor, no relacionamento, tudo, mas nunca pensei que fosse
acontecer comigo, entendeu? Eu estava mergulhando no mesmo assunto de droga, mas sem
saber que o alcoolismo era uma droga, que ia destruir o meu casamento, eu não conseguia
ver isso! Até antes de eu ficar... De eu ter essa, essa tontura, eu não me sentia uma pessoa
doente, eu me sentia uma pessoa batalhadora, está entendendo? Eu sentia que estava
lutando pelo meu casamento, mas só que quando eu fiquei doente, eu pensei que tinha que
procurar um tratamento, pela minha saúde também, não só pelo meu casamento.
O que eu sinto que me dava força assim, para abandonar meu emprego e viver para
o meu marido, era o amor que eu sentia por ele, eu ainda o amo, e esse amor... Não sei,
pode ser até uma coisa assim... Doentia, não é? Não sei, pode ser isso, no momento é assim
que eu sinto, porque quando está na hora dele chegar em casa e ele não chega, fico... Sabe?
Eu fico de janela em janela olhando, entendeu? Fico doidinha quando ele não chega em
casa, aí eu queria me libertar entendeu? Eu tenho que amar entendeu? Assim, eu tenho que
amar o meu marido! Tenho que lutar por ele! Porque eu gosto dele, apesar dele não gostar
de mim, porque eu não sinto que ele gosta de mim, mas apesar disso, gosto muito dele,
assim, sei lá! Eu gosto da voz dele, ele me faz bem, é carinhoso, quando ele... Isso é... Isso
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é coisa de, de antes, cinco anos atrás, ele era muito carinhoso comigo, ele me respeitava
como mulher, como pessoa... Também tem esse fato dele nunca ter me traído e... Pode ser
até que ele ainda goste, porque até agora ele não arrumou outra. Não sei, aí fica uma
interrogação! Como é que o amor pode ser assim, tão estranho não é? Da parte dele.
Eu falei desse amor que eu sinto por ele, lembrando de coisas do passado... É como
sabe? Pronto, aí quando ele... Às vezes, quando ele fica doente ele pára de beber, aí é uma
outra pessoa, vem me abraçar, tudo, aí pronto, aí eu cedo, já que eu gosto dele! Também se
eu for rejeitar aí vou, vou... Afastar. Mas é, eu fico tentando resgatar aquela relação que a
gente tinha... Mas está muito difícil! Então eu fico solitária assim, sem amizade, ninguém
para conversar.
Na minha família, eu era rebelde, assim, eu sonhava muito alto e meus pais não
aceitavam... Eu sonhava assim, ser independente, ir morar sozinha, cheguei até a falar que
não ia casar, ia ter uma produção independente, não é? Queria me formar e ter um filho,
não queria casar, queria só... Juntar-me, como se diz no popular. Então isso causou atrito
em casa, sabe? Mas depois que eu comecei a namorar o meu marido, isso também eles não
aceitaram muito, por causa do racismo também, pois eles não gostavam de pessoas morenas
Antes de conhecer o meu marido, eu tive aqueles namorinhos, namoro rápido, sem
muita importância, e que chamam de “ficar” hoje, mas assim, de namoro mesmo, foi só ele.
Quando eu falava em morar só, em ser independente, meus pais não davam muita atenção,
diziam que eu não ia ter futuro... Sabe? Pois, segundo eles, eu tinha umas conversas
Mas eu não aceitava, eu dizia que ia ser assim e pronto! Eles queriam que eu estudasse, me
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formasse, escolhesse a carreira que eu comecei, mas que eu fiz não sei nem porque! Eu fiz
Eletro-técnica lá na ETFERN, não sei porque fiz aquele curso. Meu pai, minha família,
todos me influenciaram nessa escolha, mas eu nem estagiei, sabe? Quando eu me casei, foi
que eu fiz magistério, eu me descobri, entendeu? Assim, eu vi que gostava de criança, então
queria trabalhar com criança, eu queria brincar com menino, ouvir grito de menino!
Entendeu? Desenhar, pintar, eu queria essas coisas... Aí eu fiz o magistério, ainda ensinei,
eu me realizei um pouquinho (dois anos). Aí parei, porque começou o que já lhe disse, mas
a relação dentro de casa era assim, meu pai sempre escolheu, dizia que eu ia casar com uma
pessoa branca, porque negro, negro... Aí eles falavam aquelas coisas, falavam que pessoa
preta é diferente, quando fica com raiva, passa não sei quanto tempo para voltar ao normal,
Eu lembro que, na época, era o auge fazer Eletro-técnica, quem cursava, se dava
bem, então, estava tudo planejado para mim: eu ia fazer esse curso, ia trabalhar, casar e ter
filhos, mas eu não queria que fosse assim, queria me soltar... Assim, para a vida. Mas era
uma coisa errada, o que eu queria, não é? Naquela época, eu me sentia revoltada porque
meus pais não explicavam o motivo, só faziam dizer: - Não faça isso! Entendeu? Ao invés
de dizer porque não ia dar certo, que eu não tinha maturidade para isso. Com minha filha,
eu ajo diferente, ela tem 12 anos e quando me pede para ir a um show, eu digo que ela não
vai, porque ainda não tem cabeça para ir a um show. Digo que quando ela estiver madura,
eu a deixo ir, bem acompanhada... Mas eles não, eles diziam que eu ia ter que fazer tal
coisa e pronto! Eu fazia cursinho à noite, quando era nove e meia, eu saía correndo com
medo, chegava em casa e perguntavam onde eu estava, que isso não era hora de moça
chegar em casa!
183
Meus pais só agiam assim com as filhas. Ao todo, são oito irmãos, quatro homens e
quatro mulheres, eu sou a caçula, mas eu sempre fui diferente... Assim, quando eu entrei na
escola bem novinha ainda, era a época do movimento hippie e eu andava como uma hippie,
meu cabelo, pintei com água oxigenada, cheguei am casa com o cabelo bem amarelinho,
meu pai não aceitou. Então eu passava o dia mais na escola, comia com os amigos, você
sabe como é a vida de estudante... Quando meu pai estava dormindo, eu chegava e entrava
em casa escondida, eu usava aquelas calças, rasgava as calças compridas, sabe? E ele não
aceitava, ele dizia que eu era maconheira... Hum! Eu nunca nem tive contato! Graças a
Deus! De drogas eu nunca gostei não, mas eu andava assim: os cabelos bem grandes,
cacheados, toda pirada, toda doida mesmo! Eles não aceitavam de jeito nenhum!
Quando eu saí da escola, fui chamada para o estágio, que era em Roraima, mas eles
não deixaram, ou seja, cortaram as asas, não deixaram, porque mulher não deve ser...
Mesmo tendo mandado eu fazer esse curso, eles diziam que eu tinha que procurar emprego
aqui. Eu resolvi procurar outra profissão... Mas abandonei, não me dediquei não. Eu queria
um futuro diferente, mas foi como se eu quisesse voar e alguém cortou a asa, sabe? Eu
salário, aí eu... Assim... Também eu nunca iria me sentir bem em deixar meu filho com
qualquer pessoa, está entendendo? Disso aí eu não me arrependo não, eu renunciei porque...
Assim, eu não me arrependo. O problema maior está sendo mais recente entendeu? Pois eu
não posso sair, porque não tenho segurança de deixar meu marido com os meninos... Eu me
conformei em ser dona de casa, mas desde que tivesse amor, que ele me amasse, porque se
ele me amasse, assim como eu o amo, ele mudava, ele fazia as coisas que eu gosto, ele já
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compartilhava comigo, está entendendo? Por exemplo, não está trabalhando, mas ficava em
casa, eu ia batalhar, porque para mulher é mais fácil, para mulher é! Pode pegar lavagem de
roupa, pegar uma faxina... Desde que tivesse amor, tivesse uma vida normal, porque aí ele
já me ajudava, um ajudava o outro. Você sabe, quando existe amor, existe união, existe
força... Mas desse jeito, ele não me dá segurança. Eu não posso sair, deixar ele com as
tendo, também perturba... Tanto a minha família como a dele, estão ajudando. Mas Deus
mantém, assim, esse problema aí, não me choca muito, o financeiro não me perturba em
nada, você acredita? Nada me perturba, o que perturba mais é esse problema que eu venho
passando, porque mexe com o meu sistema nervoso, mexe com a minha vida, mexe com
tudo! Relacionamento amoroso mexe com tudo! Está entendendo como é? É como que seja
na base, na estrutura, assim de... De uma pessoa é o amor! Eu acho que é assim, sabe? Não
entendo muito, mas eu vejo assim, é assim que eu me sinto... Como que se tivesse assim,
desestruturando é triste! É muito triste assim, mas eu oro, sabe? Eu clamo a Deus, eu tenho
esperança de adquirir ele de volta, porque para Deus nada é impossível. Quando a gente vê
que não consegue materialmente, a gente busca o lado espiritual, assim, a gente busca sair
daí. Eu tenho fé, sabe? Eu quero abraço, eu quero beijo, principalmente abraço, se ele me
desse um abraço, já seria alguma coisa... Eu tenho uma carência de afeto, de toque, de
abraço... É como se, no fundo, isso fosse até mais importante do que o amor entre homem e
mulher. Pronto, é nisso que eu estou... “Viajando”, é isso sabe? Nesse aspecto. Fiquei muito
triste assim eu... Sábado à tarde, domingo à tarde, sozinha, deitada no sofá, vendo
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televisão... Meu marido dormindo, aí acorda, bota só a bermuda e sai... Nem olha para
você, isso é triste! Essa carência que eu sinto, é algo já antigo, eu acho que é antigo,
assim... No lado de me realizar... Eu não tenho muita amizade, na minha família ninguém
tem ligação um com o outro... Só na hora de ajudar materialmente. Mas não considera data
de aniversário, não é de dar um abraço, beijo... Não dialoga, nem costuma contar o
problema um do outro, está entendendo como é? Quando eu era criança, eu não sei se eu já
sentia essa carência, não me lembro muito, mas sempre foi assim mesmo! Povo muito
Voltando a falar sobre quando eu era criança, era assim, a gente morava no sítio...
Eu estudava na creche de manhã e passava a tarde brincando no sítio, só vinha para casa
resgatando... A minha vida era muito jogada, agora eu lembro... Eu fazia, construía casinha
no começo do quintal, brincava sozinha, gostava muito de fazer casinha, com o pai, a mãe,
o filho... Fazia as roupinhas, fazia tudo, fazia fogo, brincava de cozinhar, fazia as comidas...
Fui muito só! Muito só assim... Eu era assim... Caçula, aí assim, eu nunca tinha direito a
algo, porque eles me viam sempre como uma criança, não tinha direito a sair só, eles me
assim... Eu acho que só eu entendo, sabe? Assim... É muito estranho... Eu nunca tenho
alguém para me escutar, realmente eu não tenho não! Tenho não, porque se eu for
conversar com o meu marido, ele não vai querer me ouvir... Vai dizer que eu só falo
besteira, então quem me escuta mais é minha filha, a gente conversa... Mas é aquele assunto
de adolescente. Assim, eu falo as coisas para ela, falo tudo, mas eu preciso de alguém da
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minha idade para conversar, para dividir as coisas... Eu tenho uma amiga que sempre
telefona para mim, não sabe? Mas aí eu já fico com medo de ir lá e atrapalhar, com as
minhas conversas... Fico com receio de mostrar minhas conversas, então eu vou me
trancando cada vez mais! É desse jeito, eu vou me trancando cada vez mais, desde pequena
eu vivo muito assim, trancada no meu mundo. É tanto que assim... Até no lado profissional,
às vezes passam umas coisas assim na minha cabeça; por exemplo, acho que se eu tivesse
dinheiro, ia inventar de fazer qualquer coisa... Ia comprar uma máquina de fazer fralda,
botar em casa para eu fazer fralda. Assim, eu procuro sempre fazer as coisas em casa, está
entendendo? Sempre me trancando mais, porque eu acho que as pessoas não vão me aceitar
como eu sou... Será que aceitam? Eu me sinto rejeitada, é, eu me sinto rejeitada sim, sabe?
Eu me sinto rejeitada dentro de casa, me sinto rejeitada na sociedade, porque eu não sou
ninguém, porque eu não tenho dinheiro, porque eu não tenho nada, eu não... Eu me sinto
rejeitada por todo mundo. Pela minha família também, pois uns têm mais condições, outros
não têm; quem tem me isola, quem não tem me procura, então eu vejo que existe só o meu
marido... Ele não me amou? Porque não pode continuar com esse amor?
trabalhar em creche, mas vi que ia fazer uma injustiça com os meus filhos e com meu
marido, não é? Assim, largar tudo para ir trabalhar como voluntária... E será que lá (nesse
trabalho) eles iriam me aceitar? O que existe em mim, que eu acho que as pessoas podem
não aceitar... São as conversas? Será que é isso? Não sei, eu acho minhas conversas
diferentes, pois eu sempre tenho a mania de querer ensinar as coisas às pessoas, então
minha menina diz que eu falo muito! Pronto, aí quando chegou a hora dessa entrevista, eu
pensei: - Será que vou falar besteira? Ela vai pensar que eu estou doida! Fiquei até com
medo, mas eu sinto sofrimento mesmo. -Você acha que tem solução? É... Difícil!
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Eu gosto muito das pessoas e, para mim, é muito importante quando eu percebo que
elas gostam! Pronto, no caso da família do meu marido, o pai dele é ótimo, mas a mão dele
já... Parece que ela não é normal. Assim, eu me sinto mais normal do que ela! Ela briga
com tudo, fala com tudo e eu já aceito as coisas como elas são, entendeu? Assim, as coisas
materiais, pois as espirituais eu fico buscando... Mas a mãe dele fica reclamando de tudo, aí
a pessoa, ou seja, a nora que ela humilhava mais era eu... Ela me humilhava muito! Mas
hoje ela me vê como... Assim... Como uma filha, porque eu nunca respondi, eu não dou
atenção às coisas que ela briga, sempre fico calada, calada, calada, calada, calada. Eu
sempre procuro dar muita atenção a ela, está entendendo? Sim, porque eu vejo o pai dele
como um pai para mim, a mãe dele não, é muito... Assim, eu olho mais assim pelo lado
humano também, está entendendo? Ela fala do meu cabelo, ela fala das... Fala de tudo,
reclama, essas coisas de gente idosa, mas eu até gosto dela. Eu vou lá, faço companhia... Ás
vezes ela diz que eu pareço “alesada”, diz que o povo faz o que quer comigo, que eu não
estou nem aí. Assim, eu tenho que respeitar as pessoas como elas são, embora ninguém me
aceite, mas eu aceito, porque eu posso perder a amizade da pessoa, está entendendo? Os de
casa, eu fico orientando, em tudo, agora, já os de fora eu aceito tudo, porque eu não sei
fazer inimizade com ninguém! Pronto, se eu discutir com uma pessoa, eu passo a noite toda
sem dormir, enquanto eu não faço as pazes, enquanto não peço desculpas, não fico bem. Eu
acho que eu, como se diz no popular, me acostumei em só ser “batida”, sem retribuir, está
entendendo?
lugar pra onde eu podia ir era a escola, pois eu morava perto. Eu não podia reagir de outra
forma porque meu pai batia, era daqueles que batia com aquele mesmo chicote de bater nos
cavalos, aí eu já temia era o chicote! Está entendendo? Mas aí, quando eu fui crescendo, eu
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não aceitava! Mas hoje em dia, eu continuo aceitando e reagindo da mesma forma, porque
se eu responder mal ou arengar, não aceitar uma pessoa como ela é, se prepare que é uma
noite sem sono; eu fico com a consciência pesada. Com o meu marido mesmo, se eu não
fizer uma coisa para o meu marido, eu me sinto assim, culpada. É muito difícil me sentir
desprezada! Eu até já me imaginei sem o meu marido, eu já imaginei isso, mas assim...
Ficar só sabe? Não ter mais ninguém... Aí pronto, é o que eu lhe falei, ficando sem ele, eu
penso em levar a vida dedicada à creche, abrigo, visitar hospitais, essas coisas. Buscar...
Quando eu me imagino sem o meu marido, eu sinto... Eu posso falar? Assim, sinto
liberdade! Tive receio de falar, porque as pessoas podem pensar que eu quero ficar livre
dele, mas não é dele, é dos problemas que eu quero me livrar. Eu gosto dele, é... Depois
meus filhos, assim eu... Assim, enquanto ele for vivo, eu tenho que agüentar porque eu
tenho meus filhos, eu não tenho capacidade de criá-los sozinha! Pode até ser que eu tenha,
não é? Quando eu, assim... Ficar sem ele mesmo, Deus dá um jeito, mas eu não me acho
capaz, está entendendo? Não me acho com capacidade de segurar a barra sozinha. A vida é
difícil... Sair, ter que botar menino em creche, ter que sair de manhã e chegar de noite...
Minha filha é adolescente, já vai ficar sem o meu acompanhamento na escola. Ela faz a
sétima série, mas eu estudo com ela, faço vocabulário, eu pergunto, estudo matemática,
português, estudo acompanho ela, converso, ensino as coisas da vida pra ela... Ao mesmo
tempo, aprendo no computador, pois ela me ensina, com um pouco de paciência, mas ela
me ensina. Aí pronto, eu já vou ter que deixar de dar atenção aos filhos, abandonar a casa,
para ir trabalhar, para poder buscar e sustentar... E eu me sinto incapaz disso também.
Eu sonhei muito em ser livre, ser independente, mas hoje eu não sinto que posso
buscar esse sonho, não tenho direito... Devido às circunstâncias... É porque eu sou uma
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pessoa que não tem amor, eu não sou amada, não tenho amigo, não tenho ninguém, como é
que eu vou poder passar amor para as pessoas? Apesar de eu fazer o maior esforço para
passar, está entendendo? Eu faço o máximo! Mesmo não tendo, mas eu tento por meu
esforço, eu busco através da televisão, de revistas, de livros, eu busco ser diferente, não
entrar naquela de revolta, não estou revoltada com isso não! Eu sinto falta, é diferente, sinto
recebendo o contrário! Por isso alguns me chamam de “alesada”... Como tem gente lá no
condomínio, que um dia me cumprimenta, outro dia não. Eu pergunto à pessoa porque ela
não falou comigo. Aí, sabe? Busco sabe? Está entendendo? Eu faço tudo para ter amigo,
Foi bom me abrir com você! Eu nunca contaria isso para ninguém, é... Eu senti
assim... Que você é uma pessoa que gosta de mim. Assim, eu senti que de qualquer forma
eu sou importante pra você, seja pelo amor que você tem à profissão... De qualquer forma
eu estou aqui porque eu sou importante para você... Mas dá para você tirar alguma coisa?
Assim para... Para o seu trabalho? Também eu me preocupei com isso, eu desabafei, mas...
É que eu fico sempre pensando que não tenho ninguém... Eu não tenho com quem contar!
Eu não posso desabafar com ninguém, eu não posso falar para ninguém! Não tenho com
quem contar! Se eu for contar às minhas irmãs, elas vão dizer para eu deixar essas besteiras
para lá, pois eu tenho tudo na vida para ser feliz... É... Embora eu escute todo mundo...
Escuto, porque eu leio a Bíblia e tem uma passagem que diz para a gente ouvir as pessoas.
Eu mudei muito depois que conheci a palavra de Deus, sabe? Estava tão difícil, que havia
dias que eu não tinha nem coragem de tomar banho. Isso era uma depressão tão grande!
Mas já venho me sentindo melhor; eu preciso resgatar a auto-estima, pois também não
tenho... Tenho que me amar. Porque meu marido não me quer mais, não olha nem para
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mim, então eu vou ficar me arrumando pra quem? Peço a Deus para chegar a noite, porque
eu vejo que o dia acabou, na esperança do outro dia ser melhor, sabe? Na esperança de
Deus tocar no coração do meu marido, para ele ver a mulher que tem... Porque é difícil a
gente amar e nunca ter... Assim, é difícil alguém amar outro assim como eu gosto dele. O
que mais está atrapalhando a gente é esse lado dele assim seco, com essas coisas secas, pois
ele não dá bom dia, não... Isso me dói muito! Viver feito uma pedra!
O meu relacionamento amoroso hoje em dia está sendo muito difícil. Antes, a gente
vivia super bem, mas de uns tempos para cá, meu marido está muito diferente, mudou
muito em vista do que era. Ele sai para trabalhar cedo, eu também saio; aí ele chega em
casa primeiro e quando chega, às vezes... Sai normal, vai trabalhar, quando chega em
casa é de cara feia, como se tivesse um problema... Quando chega em casa quer
descontar. Aí, fica uma coisa bem difícil, não é? Porque se ele tem algum problema, tem
alguma coisa lá fora, aquilo ali não poderia afetar em casa, porque aí vai prejudicar a
mim, até a ele mesmo no nosso relacionamento, entende? Aí fica bem difícil!
Já faz mais de um ano que isso começou... A gente tem treze anos de casamento e
temos dois filhos, de onze e nove anos. Ele gosta muito de farrear, sempre gostou, a gente
sempre conviveu assim, “brincando” (se divertindo) normalmente; mas tem final de semana
que ele sai, no sábado, por exemplo, sai de manhã e chega em casa de madrugada... No
domingo sai também, e às vezes chega na segunda feira, é assim! Ele acha que tem que ser
desse jeito. Eu vou conversar, não sei o que... Fica com umas coisas sabe? Diz que estava
“brincando”. Eu sempre digo que sei que ele estava “brincando”, mas... Ele sai para passar
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um dia ou dois fora... Aí fica reclamando depois. É assim! Quando vai farrear, chega em
casa no outro dia, e às vezes em que só encontra meus filhos, já quer sair novamente.
Minha filha fecha o portão e não o deixa sair... É assim. Eu não sei se ele tem outra pessoa
lá fora, isso eu não sei... Eu já conversei e ele nunca diz nada, só diz que é porque ele sai
para “brincar” com os meninos. Eu deixo claro que sei que ele sai com os amigos, vem com
eles, tudo bem, mas é preciso estar fazendo isso? Uma vez ele saiu e só chegou no outro
dia, chegou na segunda feira ao meio dia. Liguei para ele durante a madrugada, mas o
celular estava desligado. Quando ele chegou, minha filha colocou o cadeado no portão para
As crianças ficam apreensivas, todas duas, então muitas vezes choram. A gente
também estava na praia e, de lá para cá, quando a gente vinha embora, eu, minha irmã...
Então ele disse que não queria voltar para casa naquele momento. Eu disse que se todo
mundo tinha ido junto, então ia voltar junto. No caminho ele dizia que eu ia ficar na casa da
minha mãe, que eu não ia para casa! Eu disse que ia para casa, sim! Chegou em casa, a
gente desceu, tudo bem... Tiramos as coisas, e ele ficou dizendo que eu ia embora, morar
com a minha mãe. Eu disse que não tinha motivo para ir embora de casa, se ele quisesse,
que saísse, porque eu não ia sair! Os meninos começaram a chorar, ele começou a arrumar
Os meninos tanto são apegados a mim como a ele, mas eles dizem que se o pai for
embora, eles vão com o pai. Aí, ele ficou dizendo que ia embora e não sei o quê... Eu disse
Às vezes desconfio que ele tem uma pessoa lá fora, porque se ele não tivesse ele não
faria isso comigo. Aconteceu muitas vezes na cama... Por exemplo, uma vez a gente estava
fazendo amor e ele chamou o nome da dona, assim na minha cara! Pronto! Ali a mulher
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morreu. Para mim ali eu parei tudo, pronto. Ele perguntou o que havia acontecido e eu,
revoltada, lhe disse que não entendia como é que ele estava fazendo aquela pergunta!
Pronto! Ali ele parou também, não falou mais nada. A gente conversou no outro dia, ele
disse que não tem outra pessoa, e eu perguntei então como é que ele dizia isso, se tinha
chamado o nome dela. Eu disse que nunca fiz isso, mas que ele, hoje, tinha que fazer isso
comigo... Falando nisso, agora, eu me sinto assim... Angustiada... Muito mal, sabe? É
porque um relacionamento de tanto tempo, a gente nunca espera, a gente nunca sabe a que
ponto chega. Fica muito difícil! Difícil demais! Aí, assim... Hoje em dia, eu... Porque eu
trabalho... Nós trabalhamos juntos e ele sai de lá mais cedo do que eu, antes do meu
horário, que é de sete horas. Eu estava até indo para o colégio, mas devido eu chegar muito
tarde, acabei trancando a matrícula, então quando chego em casa, ele está dormindo. Eu
chego para ajeitar a janta, ele levanta para comer e, depois, vai dormir. É assim! Está ali só
Eu... Hoje em dia eu não sei mais o que me faz estar com ele, porque o amor que eu
sentia por ele, de tantas que ele já fez comigo, que eu não sinto mais, eu não sinto mais
nada por ele. Eu não sei nem porque, depois desse tempo todo, porque que eu ainda estou
ali, naquele mesmo local, junto com ele... Eu não sei dizer! Às vezes eu fico pensando
assim, mas... Tentando compreender, sabe? Porque que eu ainda estou lá.
O nosso relacionamento antes era bem estável mesmo, a gente convivia super bem,
mas depois que a gente casou, apareceu uma mulher dizendo que tinha um filho dele, uma
menina que já ia fazer oito anos. Depois que a gente casou, daí começou, porque toda vez
que essa menina aparecia, ele mudava totalmente em casa, comigo, ficava todo estranho,
sempre foi assim. Uma vez, ele chegou a me bater por causa dessa menina, então depois
que essa menina apareceu, começou a desandar tudo. Toda vez que essa menina aparecia,
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ele ficava chateado, aí ele mudava totalmente dentro de casa, não falava comigo, passava
dois, três dias com raiva... Era assim! É bem antigo esse jeito dele, é já bem antigo, desde
que a gente casou. Depois de um ano em diante que eu tive minha menina, aí começou, pois
apareceram com essa menina lá, então ele começou a mudar totalmente dentro de casa.
A tia dele diz que quando foram fazer o exame, a mãe da menina não quis, foi
embora e não fez o exame. Quando ela aparece, ele compra alguma coisa escondida...
Quando eu descubro, ele diz que é porque ela veio buscar umas coisas, mas eu digo que não
é preciso ele esconder de mim, porque ele tira dos próprios filhos, que ele sabe que são
dele, para dar á ela, que ele não sabe! A partir daí, ele já começa a fazer um pé de briga...
Quando essa menina aparece, ele muda totalmente dentro de casa, até com os meninos
Eu o conheci quando tinha dezesseis anos (ele é nove anos mais velho do que eu),
foi meu segundo namorado e eu o encontrei na casa de um tio meu. Então ele sempre
mandava recado para mim, mas eu nunca quis namorá-lo... Depois eu comecei a gostar dele
se encontrava no final de semana, mas era super legal! Eu acho que foi só um ano de
namoro, depois veio o casamento. A decisão de casar foi assim, porque a gente já passou
esse tempo todo namorando... A gente passou um ano namorando, então antes de um ano,
ele falou para a gente noivar, conversou com o meu pai, com minha mãe e a gente noivou.
Quando chegou no mês de maio, a gente resolveu casar, passamos um tempo morando de
aluguel, até construir a casa da gente. Até aí tudo bem... Foi o tempo em que essa menina
apareceu.
Eu sempre trabalhei e, hoje em dia, eu trabalho em um órgão público com ele, sou
ASG (assistente de serviços gerais). Eu sempre pensei em um dia casar, ter filho... Isso
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sempre passou pela minha cabeça. Eu pensava em casar, ter filhos, tentar... Dependendo
dele, não é? Viver bem. Logo no começo a gente viveu bem, mas só que depois, pronto,
começou a desandar tudo! É tanto que desse tempo todo para cá ele já... Duas vezes já ele
disse que vai embora, arrumou roupa e tudo, mas acabou desistindo. Eu disse a ele que na
terceira vez ele vai, porque quem não agüenta mais sou eu! Porque do jeito que ele quer
viver, assim, não adianta a gente forçar, porque é forçar! Se ele não quer mais, então
procure o rumo dele; cada um vai para um lado. Muitas vezes eu já me imaginei sozinha
com meus filhos, vivendo normalmente, sabe? Toda vez que ele fala que vai embora, diz
que vai conversar com a minha mãe! Eu digo a ele que para mim tanto faz, porque mãe não
vai dar jeito não! Que se eu me decidir me separar dele, ela não vai me obrigar a viver com
ele, porque quem sabe sou eu, não ela! Porque na frente dela ele se faz de bonzinho, mas
Eu imagino assim, no dia em que eu me separar do meu marido, eu não vou querer
mais outro homem para morar com ele... Vou viver apenas com os meus filhos, na casa que
a gente tem e pronto. Porque eu acho assim... Quando a gente se separa, que vê que não
está dando certo, vai arranjar outro homem para viver aquela vida do mesmo jeito que
estava vivendo? Aí não adianta! Não adianta a gente sair de um casamento, entrar em outro
e continuar a mesma coisa. Porque hoje em dia os homens são imprevisíveis, não é? Pronto,
eu vou deixar ele hoje, com o tempo eu vou arranjar outro marido, e vai ser melhor que
esse, mas às vezes a gente se engana, arranja outro que é pior ainda! Eu pensava que ia ser
feliz com o meu marido, mas hoje em dia é bem difícil mesmo, bem complicado! Então eu
digo assim, que no momento em que eu me separar, eu não quero mais outro homem para
morar comigo. Eu acho que se está horrível, então tudo vai ser a mesma coisa ou pior
ainda!
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Quando eu era mais nova, antes de casar, pensava que ia casar... Eu estudava
normalmente, eu sempre ajudei todo mundo em casa... Eu nem pensava assim, em casar
logo, queria trabalhar, terminar meus estudos, um dia ter... Eu gostei sempre assim de
cuidar de criança, essas coisas, e dizia que ia fazer o curso de auxiliar de enfermagem, uma
coisa assim, para ver não é? Pois eu sempre gostei daquilo ali. Eu dizia que ia terminar
no hospital, porque a minha idéia era essa, não de chegar assim e casar logo. Mas
aconteceu, casei e pronto. O que me fez desistir do futuro que eu tinha em mente... Foi
assim, eu acho assim, porque antes da gente casar, a gente transou, aí eu engravidei, então
eu acho que também foi mais por isso. Agora eu ia ter uma responsabilidade maior, de ser
mãe, cuidar daquela criança, tudo isso! Eu desisti totalmente de ter uma vida profissional,
me dediquei só a casa, aos meus filhos, a ele... Era assim. Depois comecei a trabalhar
novamente e trabalho até hoje, coisa que ele nunca gostou, que eu trabalhasse fora. Eu não
sei porque ele nunca gostou... Toda vez que eu começava a trabalhar, ele passava duas, três
semanas em casa com raiva, sem falar comigo. Ah! Ele dizia que era porque a casa ia ficar
abandonada, os meninos, a menina ia ficar... Eu dizia que não ia ficar nada abandonado!
Para ele eu tinha que ficar em casa sabe? A responsabilidade era com a casa, com a filha e
com ele, dentro de casa e pronto, eu não podia ter responsabilidade com mais nada. Eu
voltei a trabalhar depois que tive minha filha, com dois anos depois de casada. E quando eu
o conheci, já trabalhava, estudava, tudo isso eu já fazia, mas ele queria que eu ficasse em
casa, direto... Mas aí eu me impus e disse que ia fazer aquilo que eu queria; eu queria
Minha mãe sempre disse para eu e meus irmãos terminarmos os estudos e fazermos
outros cursos, para hoje em dia sermos pessoas bem melhores na vida; era isso que ela
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queria para a gente... Que tivéssemos a nossa própria profissão, uma formação melhor, era
isso que eles... Que meus pais sempre quiseram para os filhos. Minha mãe sempre trabalhou
fora, pois ela tinha lavagens de roupa e nunca ficou só em casa. Eu comecei a trabalhar com
onze anos, em casa de família, para já ajudar a minha mãe dentro de casa, porque nós, lá em
casa, somos oito irmãos; alguns trabalhavam e outros não. Eu comecei a trabalhar cedo em
casa de família, para ajudar, ela também trabalhava, saia quase às cinco horas da manhã,
chegava às seis horas da noite... Todo dia era essa rotina assim, e quando eu não estava
trabalhando fora, quem tomava conta da casa era eu, porque minhas irmãs mais velhas eram
Eu sempre me via assim, como... Porque quando a gente toma uma responsabilidade
dentro de casa, é como se a gente já fosse viver ali, uma responsabilidade muito grande,
não é? É uma responsabilidade que a gente só tem quando se casa, então ali em casa eu
tinha uma responsabilidade muito grande, porque eu era quem fazia de tudo: lavava,
cozinhava, tudo dentro de casa era eu. Eu nunca me senti como se aquilo fosse um peso
para mim, mas era uma responsabilidade grande... Eu gostava porque ali eu estava
ajudando a minha mãe, meus pais estavam precisando e eu estava ajudando. Com os meus
pais, o relacionamento sempre foi... Sempre foi bom... Mas minha mãe e meu pai, nunca
foram de chegar e fazer um carinho... Era só benção mãe, benção pai e pronto, eles nunca
tiveram aquele aconchego com a gente... Hoje em dia eles têm, mas com os netos, não é? O
que eles não deram para a gente, hoje em dia estão dando para os netos.
É uma falta de carinho que a gente fica sentindo, entendeu? E hoje, meu
relacionamento é a mesma coisa, porque marido, ele só quer saber da gente na hora de ir
para a cama, não chega para fazer um carinho nem nada, só quer saber mesmo na hora que
vai se deitar, fazer... Transar, fazer amor, pronto. Terminou ali, ele levanta, vai tomar
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banho, fica assistindo (televisão); hoje em dia é desse jeito. Eu sempre gostei de dar carinho
e sempre gostei de receber, mas só que na minha casa a gente nunca recebeu da minha mãe,
nem do meu pai, e hoje também, com o meu marido, continua a mesma coisa. Eu já
conversei várias vezes com ele, eu digo que ele só quer saber de mim quando eu vou me
deitar, na hora que quer transar, depois se levanta, vai tomar banho, fica assistindo... Não,
assim não dá! Mas não tem jeito, continua a mesma coisa... Já conversei várias vezes, mas
não muda de jeito nenhum. Quando ele me procura, eu não tenho vontade! Eu aceito
porque acho assim, que é por obrigação, mas nem sempre eu faço, nem sempre eu cedo ao
desejo dele; quando eu cedo, eu acho assim, que já que eu casei... Hoje em dia eu não sinto
mais amor, nem nada. Aí ele vem me procurar várias vezes, pronto, que nem já várias vezes
ele vem me procurar e eu não quero fazer. Aí ele vai e diz que se fosse ele que não
quisesse, eu ia achar o quê? Ia achar que tinha outra, não é? Aí eu fico calada, não digo
nada... É como se eu me sentisse pressionada, obrigada a fazer aquilo ali na hora que ele
quer... Porque eu não tenho mais prazer assim, quando... Em fazer amor com ele! Tem hora
que quando faço, eu me sinto depois, eu fico me sentindo mal. É desse jeito, a minha
sensação é essa! Eu acho assim, que de tudo que ele já aprontou comigo, eu não tenho mais
vontade, de tantas que ele já aprontou desde que a gente casou, que eu não tenho mais
aquele prazer de fazer amor com ele, aquele carinho, na cama junto com ele.
A minha mãe, ela sempre dizia que a gente não deve aceitar tudo, porque meu pai
também sempre foi namorador, hoje em dia ele é, sem dúvida. Tem cinqüenta e oito anos,
mas ele sempre foi namorador e minha mãe sempre soube, sempre aceitou. Eu sempre vi
tudo isso dentro de casa... Ele trabalha aqui em Natal, só aparece em casa uma vez por mês,
assim mesmo quando vai, na mesma hora volta, é assim... Ele nunca fica em casa direito. E
no meu casamento, é como se eu estivesse revivendo isso. Eu digo não, não dá para
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agüentar tudo não! Agüentar tudo até o dia que der. Eu já perguntei várias vezes se ele acha
que eu vou viver o resto da vida com ele desse jeito! Eu mesma respondo que não vou,
porque vai ter um dia que vai chegar no meu limite e eu não vou agüentar mais! Mas
enquanto não chega, é como se eu estivesse agindo como minha mãe, do mesmo jeito.
Muitas vezes, eu fico pensando comigo mesma que vai ter que chegar uma hora! Vai ter
que chegar naquele limite, porque eu não vou agüentar o resto da minha vida vivendo com
ele desse jeito! Eu acho que minha mãe não pensa nisso muito não, sabe? Para ela, continua
do mesmo jeito, aquela vida de sempre e não está nem aí... Mas eu vejo que eu não vou
mais passar o resto da minha vida com ele; eu vejo por esse lado, porque eu não o amo
mais, eu não sinto mais aquela, aquele... O que eu sentia antes por ele, aquela paixão,
Eu acho assim, que eu ainda continuo nesse relacionamento devido também aos
meus filhos, porque se o pai for embora, eles vão com o pai, não vão ficar comigo. E eles,
apesar da idade, já podem entender. Eu tenho medo de ficar sem eles, porque sempre que o
meu pai dizia que ia embora, a gente lá em casa nunca dizia que ia embora com ele, nunca!
Só tinha meu irmão mais novo que dizia que ia junto com ele! Era a única pessoa que dizia
isso. Eu me sinto muito angustiada ouvindo essas coisas dos meus filhos! Eu nunca pensei
que eles fossem chegar... Assim, o pai dizer que vai embora e eles dizerem que vão embora
com ele, porque quando eu engravidei da menina, ele dizia que não era dele e queria que eu
abortasse, então eu disse a ele que faria todos os exames para provar que a filha era dele. A
tia dele conversou com ele e ele acabou aceitando. O relacionamento já começou com uma
dificuldade grande, imensa! Porque, por ele, eu não tinha tido essa criança.
Os pais dele diziam que ele tinha que casar, porque eu estava grávida, mas por mim,
eu não tinha casado! Meu pai reclamou porque tinha acontecido aquilo, minha mãe não,
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minha mãe me deu todo apoio, mas meu pai não, ele reclamou muito comigo, a família dele
pressionou muito... Então “painho” foi e disse que eu tinha que casar logo. Eu, por mim,
não tinha casado, mesmo gostando dele; eu aceitei mais, também, devido não querer dentro
da casa da minha mãe mais um neto para ela criar, porque já tinha uma irmã minha
separada e com três filhos para a minha mãe criar. Mas aí, depois do nascimento da minha
filha, a gente começou a viver bem; depois foi que desandou tudo.
Ele já disse que se for embora, deixa as crianças comigo, mas eu tenho medo que
ele mude de idéia. Eu não me vejo sem os meninos de jeito nenhum! Eu não me vejo assim,
sozinha. E o relacionamento é muito bom entre eu e meus filhos, para onde eu vou, no final
Meu marido costuma dizer que é homem e, por isso, pode fazer tudo, diferente de
mim, que sou mulher, então para mim “pega”. Eu digo que não é assim, o direito que ele
tem de sair, ir com um colega tomar cerveja, eu também tenho... Tenho o direito de sair
com minhas amigas, ir tomar uma cerveja, o direito que ele tem, eu também tenho! Um dia
eu fiquei até meia-noite no aniversário de uma prima e, quando cheguei em casa, ele
reclamou, disse que aquela não era hora de eu chegar e perguntou onde eu estava. Eu disse
que estava na casa da minha tia e não avisei porque ele tinha desligado o celular, então ele
continuou reclamando e eu disse que ele reclama porque eu cheguei à meia-noite, mas ele
chega no dia seguinte e eu não digo nada! Eu sei que eu fui dormir no quarto dos meninos,
ele levantou de madrugada e perguntou porque eu estava dormindo lá, eu respondi que era
porque eu queria. De manhã ele levantou cedo e saiu, chegou em casa eram umas três
horas. É assim, ele acha que só ele tem direito de fazer o que quer, e eu não tenho direito de
fazer nada, de sair, de chegar em casa mais tarde, esse direito eu não tenho, só quem tem é
ele. Muitas vezes eu falo mais do que ajo, porque eu nunca saio assim com minhas amigas,
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para um show, nunca fico até mais tarde na rua com minhas amigas... Não pode. Também
às vezes não tenho com quem deixar os meninos, e não gosto de sair para deixar eles
Meu marido trabalha numa fábrica de toalhas e eu sou quem faço tudo dentro de
casa, cuido dos meninos e tenho o meu trabalho. As despesas a gente divide e, muitas
vezes, sobra mais... Assim, as despesas ficam mais comigo, muitas vezes, porque tudo que
eles querem, os meninos, ele não vão pedir para o pai, só pedem para mim, quando eles
querem uma coisa, eu... Sempre foi assim, eles se sentem mais à vontade para pedir as
Se a gente se separar, eu não me vejo mais casada, posso namorar, mas cada um
morando na sua casa. Isso aí eu me vejo fazendo, mas para casar, morar comigo
Eu acho assim, que a única coisa que eu posso dizer que é minha de verdade são
meus filhos, são eles dois! Eu sei que saiu de dentro de mim, então é a única coisa que eu
posso dizer que eu tenho de verdade, que eu tenho uma coisa que é minha... São eles dois!
E que sempre vai ser minha. Eu vejo que o meu casamento é uma coisa que não vai ser para
sempre, como eu pensava, e eles não, eles para sempre vão ser meus filhos.
Pra mim essa conversa foi desabafo, eu fico mais aliviada. Eu não tenho assim...
Uma pessoa assim, para eu chegar e conversar, não sabe? Muitas vezes eu fico até a hora
dele chegar, com uma coisa ruim dentro de mim e nunca vou desabafar, mas agora eu estou
Quanto ao meu futuro, meus projetos, eu não sei... Eu penso assim em me realizar
profissionalmente, porque o meu sonho sempre foi fazer enfermagem e eu vou batalhar
para isso! Porque eu vejo assim, que é uma coisa que eu sempre quis fazer, eu sempre
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sonhei em fazer aquilo, então eu vou lutar para conseguir fazer. Eu me sinto muito feliz
falando isso, porque eu vou aprendendo uma coisa, não só para mim, mas para eu poder
ajudar outras pessoas, porque eu não penso em aprender e ficar com aquilo só para mim.
Realizando esse sonho, eu vou ajudar muitas pessoas que eu sempre gostei de ajudar, pois
isso é uma coisa que eu sempre gostei... Sempre adorei lidar com criança! E eu fazendo
Eu me vejo assim... Porque eu sempre fui uma pessoa bem alegre, eu posso estar
com a maior tristeza, mas eu sempre fui uma pessoa bem alegre! Lá no trabalho, o pessoal
diz que nunca me viu com raiva, triste... Eu não expresso, vou expressar para que, para
magoar as pessoas? Eu não posso fazer isso! Não adianta ficar com raiva e querer descontar
alguma coisa nos outros, pois eles não têm culpa; eu sempre fui assim e assim eu vou ser
até... Bem descontraída mesmo! Mas esse meu jeito de está mal e passar alegria também me
traz algo ruim... Isso vem de muito tempo, nunca quero magoar os outros. Quando eu era
criança, que me sentia mal e não podia fazer nada, eu só me vingava em chorar, e somente
eu era assim em casa, os outros falavam tudo. É porque eu nunca quis contrariar a minha
mãe, mas os meus irmãos a contrariam até hoje, chegam lá reclamando de minhas coisas
para ela... Ela fica preocupada. Aí pronto, eu fico angustiada, eu começo a chorar, é sempre
assim. Quando eu vejo aquilo ali, eu também sofro muito com isso, porque ela tem
problema de saúde e não pode ter contrariedade de jeito nenhum. Ela sabe o que eu estou
passando, nós já conversamos, e ela disse para eu ver, até o dia que eu agüentar... Disse que
quando chegar no meu limite, eu devo resolver. Eu disse a ela que eu sei disso, quando eu
não agüentar mais, eu resolvo a minha vida, eu decido, pois eu não vou passar o resto da
Apêndice A
entrevistas serem gravadas em fitas cassete. Estou ciente de que sou livre para recusar e dar
e dar respostas a determinadas questões durante as entrevistas, retirar meu consentimento e
terminar minha participação a qualquer tempo, bem como terei a oportunidade para
perguntar sobre qualquer questão que eu desejar, e que todas deverão ser respondidas pelo
pesquisador a meu contento.
Beneficência: Estou ciente de que poderá não haver benefícios diretos para mim enquanto
entrevistada deste estudo, além de eventuais ganhos altruísticos e emocionais de poder falar
sobre o assunto em pauta. Sei também que poderá haver alguma mudança positiva nos
cuidados dispensados às mulheres que passam pela mesma experiência que eu, após outros
profissionais tomarem conhecimento das conclusões desta pesquisa.
Não-maleficência: Estou ciente de que estará garantida a não invasão de minha privacidade.
Sei que, além do pesquisador, o material coletado na entrevista poderá ser conhecido por
colegas pesquisadores, especialistas da área, ou seja, poderão conhecer trechos do conteúdo
para discussão dos resultados, mas meu nome será omitido e estas pessoas estarão sempre
submetidas às normas do sigilo profissional. O relatório final estará disponível para todos
quando estiver concluído o estudo, inclusive para apresentação em encontros científicos e
publicações em revistas especializadas, podendo conter citações literais da entrevista, mas
sempre de modo anônimo e evitando a identificação do informante. Finalmente, estou
ciente de que serei respeitada quanto a não mencionar aspectos de foro íntimo, a não ser
quando for de minha concordância abordá-los.
Pesquisador: __________________________________________________________
Entrevistado: _________________________________________________________
Local: ___________________________________________________________
Data: ____/____/_______