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Carne

de
Rob Drummond

Tradução: Rodrigo Haddad


“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

Nota do autor:

Esta peça pode ser feita por qualquer número de atores e atrizes. Os personagens são
divididos em dois grupos: verde e vermelho. As falas que estão em formato padrão devem
ser atribuídas aos verdes, enquanto as falas em negrito são dos vermelhos. Fora isto, cabe a
cada companhia e diretor distribuir as falas como acharem interessante, encontrando e
criando uma configuração própria de personagens para cada grupo.

Em um dado momento da peça aparece um personagem mais velho, vestindo amarelo, e as


falas dele estão sublinhadas.

Foi feito um esforço para tornar as falas neutras em termos de gênero, e pronomes podem
ser acrescentados pelos diretores para tornar as delimitações de gênero mais específicas,
caso desejado.

Divirtam-se!

Nota do tradutor:

Como sugerido pelo autor, todos os personagens podem ter o gênero que a companhia
definir. Assim, foi feito um esforço para que pronomes, substantivos e adjetivos que
possuem gênero tenham sempre as opções masculina e feminina. Caso algum(ns) tenha(m)
passado batido, fiquem à vontade para alterá-los conforme seja necessário.

O autor utiliza muitas gírias/siglas/abreviações em inglês bastante comuns entre os


adolescentes, que nem sempre tem uma tradução especifica para o português, mas que
foram traduzidas com o máximo de fidelidade ao original e adaptação à realidade da nossa
língua. Fiquem à vontade também para trocá-las por expressões julgadas mais apropriadas,
caso necessário.

As referências foram mantidas como no original, ou seja, a peça se passa na Inglaterra, mas
adaptações podem ser feitas pela companhia para que ela seja ambientada no Brasil ou
qualquer outro lugar, se desejado.

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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

CENA UM
Que porra é essa?

Alguns adolescentes estão deitados, dormindo, em uma clareira no meio de uma floresta.
Metade deles veste vermelho e a outra metade, amarelo.

Um(a) dos(as) vermelhos(as) acorda. Ergue a cabeça. Olha para baixo para ver o que está
vestindo. Olha ao redor, para os outros. Olha para o céu.

Um(a) dos(as) verdes acorda e olha para o(a) vermelho. Ergue a cabeça. Olha para baixo
para ver o que está vestindo. Levanta-se. Olha ao redor, para os outros.

O(a) verde e o(a) vermelho(a) andam e se encontram no centro da clareira, passando pelos
outros adolescentes que dormem.

Juntos eles(as) dizem…


- “Que porra é essa?”
- “Que porra é essa?”

CENA DOIS
DNA
Os adolescentes estão acordados e em pé, analisando os arredores. Eles param ao mesmo
tempo e se viram para encarar a plateia.
- Vai, abre o jogo.
- Existe uma teoria…
- Elaborada por…
- Sociólogos?
- Segundo a qual o motivo de nós jamais conseguirmos solucionar nenhuma das
grandes catástrofes humanas que enfrentamos…
- Está enraizada no nosso DNA.
- Nossos antecedentes animais nos pegaram de jeito…
- E não nos largam mais.
- Sabe, no passado…
- Quando o mundo era um único e maciço supercontinente…
- Pangeia…
- Ui, sabidão!
- E nós éramos mais animais que humanos…
- O que na verdade é uma distinção…
- Que quase não existe.
- Falou tudo.
- Arrasou!
- Afinal nós somos animais.
- E fomos feitos para sobreviver um dia após o outro.
- Não era muito útil pensar em longo prazo.
- Não era muito útil planejar os próximos trinta anos …
- O próximo século…
- O próximo milênio.
- Só o que importava era…
- O agora.
- Conseguir comida pra família.
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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- O agora.
- Proteger a família.
- O agora.
- Aumentar a família.
- O agora.
- Pensar nos netos…
- Bisnetos…
- Tataranetos…
- Tatatatatatatataranetos…
- E no que seria bom pra eles…
- Era tão útil quanto, sei lá…
- Uma camisinha de crochê.
- Os animais que tinham o DNA pra planejamento de longo prazo…
- Eles ficavam muito ocupados pensando.
- E eram devorados.
- Nhac!
- E não puderam passar adiante este DNA.
- Mas os animais que fizeram o que tinham que fazer.
- BOOM!
- Esses, sim, conseguiram com certeza …
- Totalmente…
- Passar adiante a porra do DNA deles.
- Pra gente.
- Então quando alguém diz…
- Que as mudanças fundamentais que sugeridas não são rápidas e vão levar uns trinta
ou quarenta anos pra fazer efeito…
- As pessoas ficam, tipo…
- Ai, que saco.
- Que sem graça.
- Aí não adianta!
- Mano do céu!
- A gente tá sofrendo agora.
- E aí?
- Então tem que consertar agora.
- E aí?
- É por isso que os políticos são trocados a cada quatro anos.
- E não a cada vinte.
- Quer dizer, quem consegue salvar um país em quatro anos?
- Hahahaha.
- E é por isso que nos dividimos em tribos. Tribos que acham que uma determinada
solução rápida é a resposta.
- Irado!
- E tribos que acham que uma outra solução rápida é a resposta.
- E que tá tudo sussa.
- E a pergunta segue sem resposta.
- Noventa e nove por cento das espécies que já existiram estão extintas.
- O que nos faz pensar que somos especiais?

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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

CENA TRÊS
Deus do céu
A quarta parede está de volta.
- Alguém lembra como a gente veio parar aqui?
- O que é aquilo ali?
- O que?
- Lá em cima.
- É só neblina.
- Névoa.
- São só umas nuvens de merda.
- Meu celular sumiu.
- O meu também.
- Isso não é nem um pouco da hora.
- Alguém aí ta com o celular?
- Merda.
- Onde é que a gente tá, hein?
- Parece um tipo de floresta.
- Ah, você jura?
- Ih, nem começa, vaca escrota.
- O que eu quis dizer é que é obvio que a gente tá numa floresta.
- Sim, mas onde?
- E por que?
- Tá frio.
- Sinal de que a gente ainda tá na Inglaterra.
- hehehehe.
- Mano do céu, e se for a Rússia? E se tiverem drogado a gente, e aí a gente vai ser
vendido pra uns russos bem ricos, tipo oligarças?
- OligarCas.
- Eu acho que me drogaram, to me sentindo meio mal.
- Eu também.
- Eu também.
- Vocês tão viajando na maionese.
- Na maionese?
- O que, vai dizer que nunca ouviu essa?
- Tá frio.
- Olha o sol ali em cima.
- E?
- Isso quer dizer alguma coisa. Não quer?
- Quer?
- Por que a gente não procura no Google Maps?
- Porque ninguém tem a porra de um celular!
- Ah é, tinha esquecido disso.
- Não dá pra descobrir olhando as estrelas?
- E a gente espera até anoitecer?
- Que se foda isso tudo.
- Você poderia não falar palavrão?
- Desculpa aí, fresquinha(o).
- E qual é a das cores, hein?
- Parece que fomos divididos em times.
- Pra que?
- Se isso aqui for tipo Jogos Vorazes eu to fodido(a).
- Eu não sei brigar.
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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Eu sou pacifista.
- Se a sua família tivesse morrendo você não seria pacifista.
- Que porra você ta falando?
- Tipo, se você visse a sua mãe sendo estuprada, duvido que você seria tão pacifista.
- Que porra você fica falando da minha mãe?
- Foi só um exemplo.
- Alguém se lembra de alguma coisa? Qualquer coisa?
- Eu mal me lembro de quem eu sou.
- É, eu to na mesma.
- Eu também.
- Eu também.
- Alguém sabe alguma coisa? Qualquer coisinha que seja?
Eles se olham. Balançam as cabeças.
- Fodeu.
- Mano do céu!
- Por que você não diz “Deus do céu”, como uma pessoa normal?
- Eu sou cristã(o). É blasfêmia.
- Mas é só uma expressão.
- Não importa.
- Você não tá falando nada de Deus em si.
- Deus do céu, mano do céu, que diferença faz?
- Eu também sou cristã(o).
- Eu também.
- Talvez seja por isso. Que estamos de vermelho.
- Nada a ver, eu to de vermelho e sou ateu(ia).
- O que mais a gente tem em comum?
- Por que?
- Se conseguirmos descobrir porque fomos divididos nestas cores, talvez consigamos
descobrir porque estamos aqui.
- E onde é aqui.
- Por que a gente não fica nos grupos, pra facilitar?
- É.
- Tá.
- Os vermelhos vem pra cá.
- Os verdes ficam aqui.
- Então vocês dois são tipo os líderes agora?
- Não.
- A gente não precisa de líderes.
Eles se juntam nos respectivos grupos e se encaram.
- Talvez seja vermelho por causa do partido trabalhista. Quem vota no partido
trabalhista?
Alguns dos vermelhos e alguns dos verdes erguem os braços.
- Então não tem a ver com política.
- Com raça também não.
- Nem gênero.
- É, e essa coisa de gênero nem existe, na verdade, vamos combinar.
- Talvez seja aleatório.
- Alguém mais tá, tipo, se cagando de medo?
Vários deles levantam o braço.
- Não tem nada pra ter medo.
- Claro que não, a gente só acordou no meio do nada com roupas que a gente não
vestiu. Tá tudo uma maravilha.
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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Sarcasmo não vai rolar numa hora dessa, hein?


- É, não tem a menor graça
- Tá sussa, galera. Vai dar tudo certo. É só a gente ficar junto.
- Eu vou é dar o fora daqui.
- O que?
- To vazando.
- Eu também.
- Pra onde?
- Vou procurar alguma estrada.
- Você nem sabe se tem estrada.
- Sempre tem estrada.
- A gente nem sabe em que direção ir.
- Aí, galera de vermelho, vamos nessa.
- Eu quero ir também!
- Beleza. Tô nem aí.
- Não. A gente não vai.
- “A gente”, você quer dizer os verdes?
- Não. Eu to dizendo que... Eu acho que nenhum de nós deve ir sem que a gente tenha um
plano.
- O plano é... vazar.
- Isso não é um plano.
- É um puta de um plano.
- Galera, na boa, vocês querem a real? A gente tá fodido. O lance aqui é esse: fodeu. A
gente tem que sair desse lugar, e tem que ser agora. Antes que escureça e a gente tenha
que passar a noite aqui.
- A gente tem que ficar aqui e pensar um pouco, logicamente.
- Vermelho, verde, tô nem aí. Quem quiser sobreviver, vem comigo.
O(a) vermelho(a) sai. A maioria dos outros vermelhos vão atrás. E alguns poucos verdes.
Apenas dois vermelhos continuam no palco. Eles olham pros verdes. E saem também.
Apenas verdes ficam.
- E aí, qual é o plano?
- Eu não sei.
- Mas você disse…
- Eu disse que precisamos de um plano, não que eu tenho um.
- Precisamos ficar juntos.
- Isso. Concordo.
- Só.
- Beleza.
- Talvez se a gente ficar aqui, alguém venha nos buscar.
- É, eu tava aqui pensando, isso pode ser uma pegadinha.
- Se os vermelhos conseguirem escapar eles vão mandar ajuda. Não vão?
- É. Ficar aqui é provavelmente a opção mais inteligente. Se eles conseguirem, eles mandam
ajuda.
- E se eles não conseguirem... pelo menos a gente vai estar vivo.
- Vamos esperar anoitecer, aí vai dar pra descobrir onde fica o norte.
- Como?
- Com a Estrela do Norte.
- Alguém sabe onde fica a Estrela do Norte?
- No norte.
- Piadista.
- E daí se soubermos onde fica o norte? A gente não sabe onde tá! O norte pode ser a porra
do Pólo Norte!
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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Já sei. A gente espera dois dias.


- Dois dias?
- Nem a pau.
- Esse é o tempo que deve levar pra alguém aparecer. Se ninguém aparecer, a gente vai
saber que é pra gente se virar sozinho. De manhã cedinho. Quando tem o máximo de luz do
sol.
- Dois dias.
- Faz sentido.
- Suponho que sim.
- Todo mundo concorda?
Um por um eles fazem que sim com a cabeça.
Um dos vermelhos volta. Depois outro. E mais um. Logo todos estão de volta
- O que aconteceu?
- A gente tá numa porra de uma ilha.
- Mano do céu.

CENA QUATRO
O.T.P.
Um verde e um vermelho estão sentados lado a lado, enquanto os demais dormem.
- Hey.
- Hey.
- Isso é…
- É. To ligado.
- Você acha que…
- Vai ficar tudo bem.
- É. Total.
- Mas e aí, você tem um namorado, namorada ou algo assim?
- Nem. E você?
- Nem.
- Mas você curte meninos, meninas ou…
- Quem é o seu casal famoso preferido?
- Os Obama.
- Meu também.
- Eu shippo muito aqueles dois.
- Eu também.
- Eles são muito meu O.T.P.
- O.T.P?
- “One true pair”, tipo “o casal ideal”.
- Ah. Total.
- Eu fiquei na maior bad quando eles tiveram que sair da Casa Branca.
- Bad?
- Fiquei mal.
- Se eu tivesse o meu celular aqui comigo agora eu acho que te mandaria um emoji de
berinjela/pêssego agora mesmo.
- Talvez eu te mandasse um pêssego/berinjela de volta.
(Nota do autor: em cada caso, escolha berinjela ou pêssego conforme for apropriado pra
sexualidade/gênero da personagem)
- Acho que vou dormir um pouco.
- Eu também.
- Vai ficar tudo sussa. Você sabe, né?
- Sei. Sei sim.
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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

CENA CINCO
Zoeira
De manhã. Os vermelhos e os verdes meio que gravitaram pra cada um dos lados da
clareira.
- Quão longe você acha que é?
- Não sei. Um quilômetro e meio, talvez.
- É bem mais longe que isso. Mal dá pra ver terra firme.
- Qual terra firme?
- A Escócia?
- Talvez a gente esteja em um lago. A ilha é minúscula.
- Eu dei a volta toda nela em meia hora, então deve ter uns... três quilômetros de diâmetro.
- Uh-huh, sabidão!
- Qual o problema? Eu sou inteligente, só isso.
- Ah é, e você tá adorando a atenção também, né?
- Eu também sou inteligente. Vai ver foi assim que dividiram a gente.
- Que porra você quer dizer com isso?
- Quem tirou 10 nas provas1?
- Ih, nem lembro.
- Dá pra todo mundo calar a porra da boca?
- 15 quilômetros?
- Não. Talvez uns 10. No máximo.
- Alguém aqui consegue nadar 10 quilômetros?
- Mas sem se afogar?
- Zoeira.
- Não tem graça nenhuma.
- Sarcasmo tá proibido, hein?
- Eu nado bem. Acho.
- Acha?
- Não consigo lembrar direito. Mas eu sinto que consigo.
- Irado!
- Hashtag impressionado(a).
- É. Eu consigo. Tenho certeza.
- Talvez a gente seja o grupo dos talentosos e vocês o dos cuzões metidos a besta.
- Chupa, verde!
- Alguém mais tá com fome?
- To morrendo de fome.
- E eu de sede.
- O que, a atenção não tá sendo suficiente?
- Sede de verdade.
- Por isso que vocês ficam aí se bicando, tipo meninas malvadas.
- Meninas Malvadas, isso é um filme, né?
- Acho que é.
- A gente precisa encontrar agua e comida.
- Uma coisa de cada vez.
- Quanto tempo um ser humano aguenta? Sem comida e agua?
- Talvez um dos sabidões de verde saiba.

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Embora as notas na Inglaterra sejam A, B, C etc., achei que fica mais claro usar 10, 9, 8
etc. mesmo (N.T)
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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Ei, fica de boa aí. Se a gente chegar até a praia não vai precisar se preocupar tanto com
isso, tô certo?
- É tipo três semanas sem comida e uns cinco dias sem água.
- Aí, tão vendo? Tá sussa.
- É, mas a gente não vai se sentir muito bem na maior parte desse tempo.
- Bom, então quer dizer que água é mais importante que comida, né?
- É.
- A gente tá rodeado de agua por todos os lados.
- Você não tá falando sério, né?
- Como é que você conseguiu sobreviver tanto tempo sem saber que não dá pra beber água
do mar?
- Tô achando que os espertos somos nós mesmo. Hahaha.
- Pode ser que seja a porra de um lago, e não o mar, saca?
- Ah é, até pode.
- Vou checar.
Um dos vermelhos sai.
- Você acha que consegue mesmo?
- Se for menos de oito quilômetros, consigo.
- Irado.
- Você é tipo meu herói nesse exato momento.
- Quando eu crescer quero ser igual a você.
- Você tá muito parecendo adulto agora.
- Eu não aguento nadar nem uma piscina inteira.
- Tá pronto, então?
- Tô. Chegando lá eu procuro ajuda.
- Onde quer que seja.
- E se do outro lado for, sei lá, a Coreia do Norte?
- Lá é bem ruim, né?
- É, mas pior que aqui?
- Eu acho que é.
- A gente é do Reino Unido, né? Pelo menos isso eu lembro.
- Acho que sim.
- É o que parece.
- Eu ainda acho que estamos na Rússia.
- Escócia.
- Vocês notaram que os dias parecem mais longos nesse lugar?
- Ih, será que é a Antártida então?
- Ou o Alasca.
- Como é que a gente consegue lembrar de tanto nome de país, mas não consegue
lembrar quem a gente é?
- Memória de curto prazo.
- Que?
- Perda de memória de curto prazo. Ou algo assim.
- Isso aqui é algum tipo de... experimento. Ou algo parecido. Uma brincadeira. Um
gameshow. Vai ficar tudo bem com a gente. Tá sussa. Não tá? Hein, verdes? Vocês
concordam comigo? Tá sussa.
- Tá sussa.
O vermelho retorna.
- Não é salgada mesmo.
- Então estamos em um lago.
- Foda-se onde a gente tá. O que importa é que temos água.
- O que nos dá pelo menos três semanas.
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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- A gente não vai ficar três semanas aqui.


- Tô só dizendo que podemos ficar.
- É, mas não vamos.
- E eu achei isso aqui na praia.
O vermelho mostra recipientes vazios.
- Eu disse. É um gameshow. Alguém deixou isso lá pra gente.
- Alguém aqui se inscreveu em um gameshow?
- Talvez seja o David Blaine2. E ele fez a gente esquecer que se inscreveu.
- É.
- Talvez.
- David Blaine. Ele é aquele mágico, né?
- Eu me lembro dele.
- Eu vi quando ele fez uma mulher tentar se matar. Ele é hilário.
- Esse era o Derren Brown.
- Bom, vejo vocês em terra firme, então.
O vermelho vai em direção à agua.
- Tinha mais uma coisa.
- O que?
- Uma palavra.
- Uma palavra?
- É, tipo, num pedaço de madeira.
- E dizia o que?
- Tava quebrado, mas era alguma coisa com… “Living”.
- Living?
- É. “Living”.
- E isso quer dizer o que?
- Não faço a menor ideia, mas “living” em inglês tem a ver com viver, não tem?
- Tem.
- Então eu pretendo seguir a sugestão.

CENA SEIS
YOLO3
Todos estão sentados, passando os recipientes com água uns pros outros. Por hora,
satisfeitos. Espantando mosquitos que voam por ali.
Dois vermelhos e dois verdes conversam, cada dupla em um lado da clareira.
- Quanto tempo leva pra nadar oito quilômetros?
- Não sei. Eu não sou tão inteligente assim.
- Você acha mesmo que nós somos os burrões?
- Talvez.
- O que você pretende fazer? Da vida?
- To começando a me lembrar das coisas. Eu não queria fazer faculdade. Acho.
- O que você queria fazer?
- Promete que não dá risada?
- Certeza.
- Eu acho que queria ser um YouTuber.
- Ah, pode crer. YouTube. Irado.

2
No original, Derren Brown, famoso ilusionista britânico. Troquei pelo mais conhecido David Blaine, mas
fica a critério da companhia. (N.T.)
3
Do inglês, literalmente “Você Só Vive Uma Vez”. (N.T.)

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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- É.
- Muito da hora isso. Eu queria também. Mas eu não tenho nenhum, tipo, talento pra
nada.
- Mas você não precisa de um talento de verdade. Tem um canal no YouTube que é
tipo uma menina fazendo compras e sendo bem escrotinha com os vendedores. E ela
tem três milhões de seguidores. O canal chama Consumista Escrota.
- A gente vive no melhor momento da humanidade, né?
- Total.
- Quer saber, eu acho que você tem que meter a cara mesmo. Quando voltarmos pra
casa. Só se vive uma vez, né? Tem que aproveitar. YOLO que dizem, né?.
- YOLO.
- E aí, você acha mesmo que o nosso grupo é dos inteligentes?
- Não sei. Quanto você tirava nas provas? Você lembra?
- 9, 10. Eu acho. Quer dizer, em matemática eu costumava tirar 6, 6,5, mas de resto... até
porque, e daí, né? Eu não vou conseguir descobrir o seno e o cosseno e o cateto da
hipotenusa, ai meu Deus, que drama...
- hahahaha.
- Talvez a gente seja mesmo o grupo dos espertos.
- Pode crer.
- Talvez seja melhor a gente nem prestar muita atenção no que o outro grupo diz. Tipo, o
que fazer pra sair daqui, e merdas assim.
- Certeza.
- Mas e aí, o que você vai fazer quando terminar a escola?
- Algo relacionado ao meio-ambiente. Ou veganismo. Ou bigodes.
- Demais.
- Tipo... vou inventar um bar que também é barbearia. Aí você pode, tipo, tomar umas
enquanto faz a barba e o cabelo.
- E qual seria o nome?
- Algo como... BARbearia, com “bar” em letra maiúscula, e “bearia” em minúscula.
- Cara, essa é tipo a coisa mais inteligente que eu ouvi na minha vida.
- Tá vendo como nós é que somos os espertos?
- Total.
- Total.
De repente alguém grita de fora do palco.
- Heeeeey! Heeeeey! Tem alguém aí? Alôoooo! Socorro! Alguém ajuda! Estamos
presos! Estamos presos em uma ilha no meio de um lago e …
O nadador retorna. Ele percebe que voltou pro mesmo lugar de onde saiu.
- Que porra é essa?
Ele desaba no chão, exausto.

CENA SETE
FOMO
Os adolescentes quebram a quarta parede mais uma vez.
- FOMO.
- Do inglês, “fear of missing out”, ou o “receio de ficar de fora”.
- Isto se refere ao sentimento de tristeza e perda abjeta e profunda que a pessoa sente
ao perder uma noite na balada, ou...
- Uma festa…
- Uma saída qualquer…
- Uma parada com os amigos…
- Relaxar com as suas angústias…
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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- É um sentimento que te impede de ficar em casa mesmo quando você sabe que deveria
ficar, porque hoje à noite …
- Talvez seja justamente…
- A noite…
- E você não pode correr o risco de ficar de fora.
- Simplesmente não pode.
- E se você ficar de fora…
- Não vai ter como fugir.
- Porque você vai ver as evidências de que foi A noite.
- Publicadas em algum lugar.
- Gravadas indelevelmente por toda a internet.
- Para sempre.
- Você vai ver as fotos.
- No Insta, no Face...
- Os status atualizados.
- Os tweets.
- E você vai ter certeza absoluta.
- De que você.
- Perdeu.
- Playboy.
- Ao passo que POMO…
- Do inglês, “The pleasure of missing out”, ou o prazer de ficar de fora.
- É o que você sente quando alguém que não faz parte da sua galera…
- Tipo a sua família…
- Ou alguém que você não gosta…
- Te convida pra um evento…
- E você não pode ir.
- Uma vez…
- Uma porrada de…
- Cientistas?
- Separou um grupo de ratos que não tinha relação de sangue em duas tribos.
- E os isolaram em uma gaiola.
- Eles pintaram uma das tribos de vermelho…
- E a outra de verde.
- E descobriram que algo extraordinário começou a acontecer.
- Embora todos os ratos soubessem que no fundo eram todos iguais …
- Os ratos vermelhos e os ratos verdes começaram a se dividir em grupos …
- E começaram a brigar uns com os outros por comida …
- Agua…
- Sexo.
- Aí os cientistas tiraram um dos ratos vermelhos da gaiola e o colocaram em outra
gaiola, num lugar onde todos os outros pudessem vê-lo.
- E a maior doidera começou a acontecer.
- Os outros ratos vermelhos começaram a fazer a maior algazarra, se batendo nas
barras da gaiola, tentando sair também e querendo se juntar a ele.
- Enquanto os verdes só ficavam ali, paradões, tipo...
- De boa.
- Sussa.
- Nem aí.
- Os ratos vermelhos tiveram FOMO.
- E os verdes tiveram POMO.
- É o que chamam de instinto, certo?
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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Estar em uma tribo nos mantém a salvo.


- Ou pelo menos costumava ser assim.
- Isso costumava ser bem útil.
- O instinto, inserido no nosso DNA, servia a um proposito.
- Hoje em dia o instinto ainda permanece.
- Mas é só um resquício.
- Uma sequência falha.
- Porque o propósito que ele tinha …
- Já praticamente não existe.
- E agora… as porras das tribos vão nos matar.
- Não é mesmo?

CENA OITO
A Melhor de Todos os Tempos
O que parece ser três dias depois. Duas tribos claramente delineadas. Todos estão com
frio. Tremendo. Morrendo de fome. Ainda tentando matar mosquitos que voam por ali.
- Odeio esses mosquitos de merda.
- Desgraçados.
- Você não deveria mata-los.
- Por que não?
- Porque eles também merecem viver, sabia?
- Fodam-se eles.
- Quanto tempo dá pra aguentar sem comida, mesmo?
- Três semanas.
- E há quanto tempo a gente tá aqui?
- Três dias.
- Quatro.
- Cinco.
- Quatro.
- Uma semana.
- Você é um idiota.
- Por que você não tenta nadar de novo?
- Tenta você.
- Talvez você tenha ido e voltado sem perceber.
- A gente já discutiu isso.
- Eu só acho que…
- Eu nadei em linha reta.
- Uma tentativa a mais não vai…
- Cala a porra dessa boca.
- Como é que a gente não consegue ter controle do numero de dias?
- Tá esfriando.
- Precisamos fazer uma fogueira.
- E achar comida.
- Ainda nem conseguimos descobrir o que tá acontecendo.
- Isso, vamos tentar entender o que tá acontecendo enquanto congelamos de frio. Eu
vou morrer bem mais feliz se souber porque eu to morrendo
- Alguma coisa tá acontecendo.
- Algo esquisito.
- Talvez… talvez a gente já tenha morrido.
- Não viaja.
- Eu não me sinto morto.
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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Não existe vida após a morte, então…


- Como você sabe?
- Porque eu sou inteligente.
- Vá se foder.
- Talvez a ilha seja assombrada.
- Talvez seja física quântica ou alguma merda dessas.
- Um lapso na sequência espaço-temporal.
- Talvez a gente esteja no sonho do Hurley.
- O que?
- Do Lost. Duh.
- Ei, olha o SPOILER!
- Você não viu Lost até hoje?
- Ah é, eu lembro dessa série!
- Essa série é tipo a melhor de todos os tempos!
- Você tá de sacanagem, né? O Hurley tava sonhando aquele tempo todo! Puta
decepção.
- OLHA O SPOILER, PORRA!!!
- Não vale reclamar de spoiler pra uma série tão antiga.
- Eu ainda acho que é o programa do David Blaine.
- Bom, mais cedo ou mais tarde a gente vai ter que comer alguma coisa. Acho que
nisso os dois lados vão concordar, né?
- Lados? Por que tem que ter algum lado?
- Ter, não tem, mas é que, sei lá, fica mais... claro... não fica?
- É saudável. Mantem os dois lados honestos.
- Você tá falando de um sistema de pesos e contrapesos, né?
- O que é isso?
- É tipo… se a gente fala algo idiota, vocês chamam a nossa atenção. E vice-versa.
- Se bem que, se formos justos, é bem mais provável que eles digam algo idiota do que nós,
né.
- Vá se foder.
- Isso aqui não serve pra nada.
- Tá, já que é assim, por que você não tira a sua camiseta, então?
- Porque eu prefiro fazer parte de um grupo do que estar morta(o), só isso.
- Exatamente!
- Não importa em que grupo cada um tá. Dá pra gente concordar que todos nós temos
comer? Ou não dá?
Todos concordam.
- Ótimo. Então, precisamos caçar.
- Caçar?
- Que animal!
- Eu sou vegetariano(a). Eu acho.
- Tá, a gente caça uns repolhos, então, porra.
- A gente pode ir atrás de forragem.
- Eu não vou comer musgo nem essas frutinhas silvestres venenosas de merda.
- Será que tem algum animal por aqui?
- Onde tem árvores sempre tem animais.
- Ah, to vendo que aqueles documentários do Discovery Channel tão servindo pra alguma
coisa.
- Vaca escrota.
- E o que a gente vai usar? Pra caçar?
- Galhos? De arvores?
- Como faz pra deixar os galhos mais, sei lá, pontiagudos?
15
“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Não sei.
- Não precisa ser pontiagudo. Você pode usar o galho pra bater nos bichos.
- Isso, desce o cacete neles.
- Você é doente.
- Ah, vá comer um arbusto.
- Eu não vou matar nada.
- Nem eu.
- Então faz uma porra de uma fogueira.
- Como?
- E eu é que vou saber? O que eu sei é que se a gente não achar algo pra comer logo...
talvez a gente tenha que tomar uma atitude mais drástica.
- O que você quer dizer com isso?
- Só digo uma coisa: não queiram ser o primeiro a morrer.
A pessoa que falou por ultimo sai. A maioria dos outros o(a) segue. Alguns permanecem no
lugar.

CENA NOVE
Pra cacete
Alguns verdes e vermelhos permanecem. Eles tentam fazer fogo usando gravetos. Não está
dando certo.

- Isso é difícil pra cacete.


- Pra que a gente tá fazendo isso? Só vai servir pras pessoas comerem as coisas que
matarem.
- É idiota pra cacete.
- É ruim pra cacete.
- Não vai servir só pra comida. Vai servir pra nos esquentar também.
- Prefiro morrer de frio que de fome.
- Prefiro morrer dos dois do que comer um bicho.
- Quando você virou vegano(a)?
- Não consigo lembrar. Mas faz um tempão.
- Eu não sou vegano(a). Sou vegetariano(a).
- Ah, eu também.
- Isso é quase pior, você sabe, né?
- Eu sei.
- Pior que o que?
- Laticínios são o pior de todos. Eu prefiro comer carne que laticínios.
- Eu como carne às vezes.
- Então você não é vegetariano(a) coisa nenhuma.
- Eu to tentando. Eu sei que é ruim. Tipo, como pode não ser ruim? Fazer com que os
animais transem e transem sem parar, de modo que tenham filhotes pra gente comer,
e engravidem pra poderem dar leite, e depois arrancam deles os filhotes e os enfiam
em uns armazéns enormes e… não tem nem como não ser ruim, eu sei de tudo isso,
mas é que... é tão... eu sou meio que...
- Viciado(a).
- Viciado(a)?
- É, tipo, você sabe que é ruim mas não consegue parar, né? Que nome mais pode se dar pra
isso?
- É, acho que você tem razão.
- Na verdade eu agora sou frutariana(o).
- Frutariana(o)?
16
“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Eu só como frutas que tenham caído naturalmente das árvores.


- Ah.
- Quer dizer, veganos são da hora.
- Eu tô tentando muito ser vegano(a). To mesmo.
- Mas eu parei pra pensar numa coisa… por que a vida de uma planta vale menos que a de
um porco?
- Porque ela não pensa.
- Como você sabe?
- Parece óbvio.
- Animais, humanos, plantas. Por que tem essa hierarquia, no fim das contas?
- Eu acho que se o ser nem sabe que é um ser, então não tem problema comer.
- Mas como você sabe quem sabe e quem não sabe o que é?
- Eu não acho que as plantas sabem que existem, pra ser bem justo.
- Nesse caso, a gente pode comer o meu primo. Ele tem a idade mental de um bebê de 1
ano, então...
- Eu não acho que a gente deve comer os deficientes.
- Exatamente!
- O seu primo é deficiente?
- É. E daí?
- Sei lá. Me soou familiar.
-Vai ver a gente já se conhecia.
- Pode ser.
- Não é uma coisa natural ou merda do tipo? Humanos, comerem carne? Tipo, sermos
carnívoros ou algo assim?
- Também é algo natural matar gente de outras tribos. Isso significa que eu deveria fazer
isso agora?
- Eu preferiria que você não fizesse isso.
- Mas eu sinto falta de comer bacon.
- É. Eu também.
- Bacon é vida.
- Nham, nham...
- Nham, nham...
- Vocês são nojentos.

CENA DEZ
Bico
O que parece ser uma semana depois. As tribos estão sentadas comendo folhas e frutos
silvestres. Alguns deles estão enjoados. Alguns não estão presentes na cena.
- Nem sei porque eles insistem. Em continuar caçando.
- Eles se sentem bem.
- Acho que esses frutos são venenosos.
- É, bem, até agora ninguém morreu.
- Dê tempo ao tempo. Só estamos aqui há duas semanas
- Uma semana.
- Duas.
- Uns doze dias, pelo menos.
- Não tem ninguém fazendo as contas?
- Meu calendário fica no meu celular.
- Merda.
- Como pode não ter nenhum animal aqui?
- É como se esse lugar tivesse sido construído por alguém.
- E mantido os animais de fora.
17
“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Uma hora eles vão achar alguma coisa.


- Vou tentar nadar de novo.
- Você tá zoando, né?
- Você mal se aguenta em pé.
- Claro que me aguento.
- Você vai se afogar.
- A gente vai morrer, não vai?
- Não.
- Ninguém vem buscar a gente, né?
- Alguém vai aparecer.
- Ninguém vem. E se a gente não comer algo além desses frutos venenosos e dessas
plantas, a gente vai morrer. Isso é um fato.
- Disse tudo.
- Eu vou arriscar.
- Não. Fique aqui.
- Prefiro morrer afogado(a) que de fome.
- Não vá, por favor.
- Vou buscar ajuda.
- Você não vai conseguir.
- Na pior das hipóteses o meu cadáver vai ser arrastado pela maré, alguém vai ver e
vai mandar ajuda.
Silencio. O(a) vermelho(a) nadador(a) sai. Ninguém tem forças pra impedi-lo(a). Eles
simplesmente ficam ali, sentados.
- De repente ele(a) consegue.
- De repente ele(a) é consegue se salvar.
- É um desperdício, isso sim.
- Um desperdício do que?
- De carne.
Silencio. Eis que de repente ouve-se um grito horripilante vindo do meio das árvores,
assustando a todos. Um grupo de vermelhos entra, carregando um verde inconsciente. Eles
largam o corpo no meio da clareira.
- Tá... morto(a)?
- Acho que não.
- Tem batimento.
- O que aconteceu?
- É bom vocês abrirem o bico!
- Conta logo!
- A gente tava caçando.
- Caçando vento, né?
- E aí eu vi isso aqui no pé de uma arvore.
Mostra uma faca.
- Aí a gente olhou pra cima, pro topo da árvore, e viu…
- Uma bandeira verde.
- Uma bandeira verde?
- É. Eu juro.
- Então esse(a) aí decidiu subir na arvore. Pra pegar a bandeira. E aí dois minutos
depois...
- Caiu da porra da arvore.
- Foi feio.
- Deve ter quebrado a coluna.
- Merda.
Todos olham pro verde no chão.
18
“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Por que ele(a) tava com vocês?


- Acho que ele(a) tava com fome e imaginou que nós fossemos a única esperança.
- Ninguém aqui tá escutando? Eu achei uma faca. Tem mais alguém aqui! Precisamos
encontrar essa pessoa. Talvez essa pessoa tenha comida.
- Vai ver você tinha essa faca aí desde o inicio.
- Verdes de merda, nunca acreditam numa palavra que a gente diz.
- É porque vocês são uns imbecis. E a porra da prova tá bem aqui
- Não fala assim, ele(a) ainda pode estar escutando.
- Ele(a) não vai sobreviver.
- Como você sabe?
- A respiração tá muito fraca.
- Olha, eu tenho que dizer uma coisa porque eu sei que não sou o(a) único(a) que tá
pensando o mesmo. A gente tá com fome, não tá? Morrendo de fome. E não tem
nenhum animal nessa ilha.
- Ainda tem um pouco de musgo.
- E eu acho que esses frutos até que não são tão ruins assim.
- Musgo e frutos silvestres que muito provavelmente são venenosos. Vocês tão falando
sério?
- O que você tá querendo dizer?
- Vocês sabem o que eu to querendo dizer.
Ele(a) olha pro verde inconsciente.
- Que merda você ta falando, cara?
- Cara, você não pode tá falando sério.
- Cara, sério, não é legal falar essas coisas.
- Só to dizendo. A gente tá morrendo de fome. Por que não?
- Você tá dizendo pra gente matar o(a) cara(mina)?
- Não. Não é isso. A gente espera. E aí quando ele(a) morrer…
- Agora a gente tem uma faca. Dá pra cortar…
- Para. Por favor, só para de falar.
- Por que não? Alguém pode me dar um motivo que seja?
- Que tal, porque canibalismo é errado!
- É doentio!
- Tá, talvez seja doentio se a gente matar a pessoa, mas... nesse caso foi um acidente.
- Foi mesmo?
- O que?
- É que parece um tanto conveniente que tenha sido justamente alguém de verde.
- É. Parece mesmo.
- Conveniente?
- É. Você não quer comer um dos seus, logo...
- Foi um acidente.
- Aconteceu.
- Como a gente pode ter certeza disso?
- Não somos animais.
- Canibalismo é errado.
- Por que? Você fica repetindo isso, mas não me diz o porque.
- Porque…
- Se a gente tratar os mortos como se eles não importassem, logo logo a gente pode começar
a tratar os vivos da mesma forma.
- A gente não vai comer um dos nossos.
- Ah, então quer dizer que se ele(a) fosse vermelho você comeria?
- Não. Não é isso que eu to dizendo. Quero dizer que a gente conhece ele(a) Não dá pra
simplesmente... comer alguém que você conhece.
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“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Você não precisa comer, se não quiser.


- São circunstancias extremas.
- E circunstancias extremas pedem medidas extremas.
- Não é culpa nosso que o galho se partiu.
- O que?
- Não é nossa culpa.
- Você disse que ele(a) caiu.
- Sim. Porque o galho se partiu.
- Por que você não disse isso desde o inicio?
- Que diferença faz?
- Foram vocês, não foram?
- Não, já disse que não.
- Para de ficar repetindo isso!
- Ou o que? Vocês vão matar a gente também?
Os dois lados estão se encarando agora.
- A gente não matou ninguém!
- Mas e daí se tivermos matado?
- E daí?
- Eu to dizendo que a gente não matou ninguém, mas e se tivéssemos matado, que
diferença isso faria agora?
- Que diferença faria? Matar alguém?
- Não matamos.
- Eu acho que mataram.
- Isso é ridículo. A gente vai morrer se não matar alguém.
O(a) vermelho(a) dá um passo em direção ao(à) verde inconsciente. Outro(a) verde se
coloca entre eles.
- Não.
- Isso não vai acontecer.
- A gente tá com fome.
- Faz todo sentido.
- Não vai rolar.
- Vai sim.
- Bom, então você vai ter que matar a gente também.
- Por mim tudo bem.
O(a) vermelho(a) tenta chegar perto do(a) verde inconsciente. Outro(a) verde segura o
braço dele(a). Uma pequena briga começa, e termina com o(a) vermelho segurando a faca
contra o pescoço do(a) verde. Neste momento, do meio das arvores entra uma pessoa um
pouco mais velha, vestindo uma camiseta amarela esfarrapada. Parece à beira da morte. A
pessoa entra na clareira e desaba perante os adolescentes assustados. No mesmo momento,
o(a) verde que estava inconsciente acorda.
- Vocês tavam falando que iam me comer? Porque isso não é nada legal.

CENA ONZE
Dix
Todos estão sentados. A pessoa de amarelo ainda está inconsciente. Alguns verdes se
reuniram mais à frente do palco.
- Eu não teria conseguido. E você?
- Não sei.
- Quer dizer, é tão... errado.
- To com fome.
- To morrendo de fome.
- É.
20
“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Eu quero sobreviver.
- Eu também.
- E eu acho mesmo que aqueles frutos são venenosos. Então...
- Quem sabe esse(a) cara/moça tem alguma resposta. Quando acordar.
- Vai ficar tudo bem. Tá sussa.
- Não tá sussa. Eu queria que as pessoas parassem de dizer isso. Nada tá sussa. A gente
nasce contra a nossa vontade, a gente luta e se esforça, e aí a gente morre também contra a
nossa vontade. Que parte disso tudo é sussa pra você?
- Eu queria tanto postar isso no insta.
- Insta?
- Instagram.
- Ah, claro, Insta. Acho que eu to nisso aí.
- Sério?
- Sério.
- Cara, imagina que doideira a quantidade de likes... Preso(a) numa ilha. Hashtag sem igual.
- Como funciona, você tipo tira uma foto, posta e as pessoas dizem se curtiram ou não?
- É.
- Só isso?
- Claro. Mas eu tenho um Dix4, também.
- Dix? Que porra é essa?
- É tipo um instagram falso, só pros seus amigos íntimos, onde você pode ser você mesmo,
sem se preocupar tanto com curtidas e tal.
- Um instagram falso, onde você pode ser você de verdade?
- Isso aí.
Ouve-se o barulho de um avião passando.
- O que foi isso?
- É a porra de um avião!
- É sim. É um avião.
- Hey!
- Hey!
- Aqui!
Todos eles vem para a frente do palco e começam a gritar e pular e agitar os braços. Mas o
avião voa sobre eles e desaparece.
- O avião parecia meio…
- Militar, né?
Durante a comoção, ninguém percebeu que a pessoa de amarelo acordou. Quando eles
finalmente percebem, estão todos olhando pra pessoa.
- Quem são vocês?
- Não temos muita certeza. E você, quem é?
- Eu, é… Eu sou… Eu na verdade não sei.
- Quantos anos você tem?
- Uns 22?
- Nem a pau. Você é mais velho(a).
- Tá mentindo.
- Certeza.
- Não to mentindo.
- Por que você tá aqui?
- Não sei.
- O que você fez com a gente?
4
Em inglês, Finstagram, que também pode ser usado no Brasil (mas, segundo adolescentes consultados,
Dix é mais popular) – N.T.

21
“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Por que a gente não consegue lembrar de nada?


- Essa faca é sua?
- Eu não sei!
- Você é mais velho(a) que nós. Você tem uma faca. Você sabe o que tá rolando aqui.
Eu sei que você sabe.
- A gente devia amarrar esse(a) cara(mina).
- O que? A gente não pode fazer isso.
- Pra nossa segurança.
- Pra segurança do grupo.
- Que grupo?
- Os vermelhos e os verdes.
- Exato.
- A gente tem que se unir.
- Temos mesmo.
- É.
- Falou tudo.
- Isso eu topo.
- Olha, eu acordei três meses atrás sem lembrar como vim parar aqui. Eu não sei nada sobre
esse lugar.
- Peraí. O que foi que você disse? Três meses atrás?
- É. Por que? Há quanto tempo vocês estão aqui?
Um dos verdes achou um pedaço de papel no chão.
- O que é isso?
- O que?
- Deve ter caído do seu bolso.
- Não sei o que é isso.
O(a) verde abre o papel e lê.
- Puta que pariu.
- Que foi?
- É uma lista. De nomes.
- Uma lista com os nossos nomes?
- Provavelmente. Sim. O meu tá aqui.
- Esse é o meu.
- E o meu.
- Esse é o seu nome?
- É. Por que?
- Nada. É só que... A gente se conhece?
- Acho que não.
- Olha, eles estão divididos em verde e vermelho.
- Ele(a) é um deles.
- Quem?
- Não sei. Mas com certeza ele(a) não é um de nós.

CENA DOZE
Selvagem
O grupo se dirige à plateia.
- Vocês sabiam que quando você conhece alguém novo, o seu cérebro faz três perguntas?
- Sozinho.
- Sem você nem saber.
- Na real.
22
“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Ele pergunta…
- Dá pra matar?
- (Ou seja, é uma ameaça?)
- Dá pra comer?
- (Ou seja, pode me dar sustância?)
- Nham, nham, nham.
- Dá pra... “comer”?
- (No outro sentido?)
- (Ou seja, posso usar pra procriar?)
- Matar.
- Comer.
- “Comer”.
- As criaturas cujos cérebros não fizeram estas três perguntas instintivas.
- Não duraram o suficiente pra passar adiante o DNA delas.
- Selvagem.
- O que a gente fez. A gente fez pra sobreviver.
- Como é que a gente iria saber qual era a real causa da nossa situação?
- Quer dizer, a gente não fazia ideia.
- A coisa toda foi a maior doidera.

CENA TREZE
Falhou
A pessoa de amarelo está agora amarrada. Muitos do grupo estão deitados pela clareira,
fracos demais pra se mexer. Alguns verdes e vermelhos estão em conferencia.
Um(a) dos verdes está à parte, ainda tentando freneticamente fazer uma fogueira.
- Aqui estão os fatos. Um: Ele(a) tava aqui antes de nós.
- Então ele(a) sabe mais sobre o que tá acontecendo do que nós.
- Provável.
- Dois: Ele(a) tinha uma lista com os nossos nomes.
- Então ele(a) sabia que a gente viria.
- Total.
- Três: A lista estava dividida em verdes e vermelhos.
- Então ele(a) sabe porque estamos aqui.
- Certeza.
- Precisamos agir.
- Agir como?
- A gente já amarrou o(a) cara(mina).
- O que mais podemos fazer?
- Vocês sabem a única razão pela qual temos presídios?
- Por que?
- Por que temos a infraestrutura e a grana para termos presídios.
- Você quer dizer o que com isso?
- A gente costumava simplesmente... tipo, na época do homem das cavernas... se
alguém ameaçasse a comunidade, eles simplesmente... eles…
- Tá, mas agora a gente tem grana pra ser ético.
- Exato. Só que aqui a gente não tem.
- Tô começando a achar que esses grupos não foram divididos pela inteligência.
- Duh, não diga.
- Foi aleatório.
- Algum experimento.
- Algum experimento cruel pra ver como a gente reage.
23
“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Provavelmente tem uns satélites no espaço gravando a gente.


- Pra algum programa de TV.
- Ou pra dark web.
- Pros bilionários.
- Oligarcas!
- Então o que você sugere que a gente faça?
- No meu ponto de vista é bem simples. Estamos prestes a morrer de fome, certo?
Alguns de nós já estão praticamente mortos. Esse(a) cara(mina) de amarelo é um
perigo pra nós, se bobear é uma das pessoas que fizeram isso com a gente. Nós não
temos a capacidade de aprisiona-lo(a) com segurança, logo…
- Dois coelhos.
- Uma pedra.
- Mas temos que estar de acordo. Todos nós.
- E como fazemos?
- Uma votação.
- Pra matar…
- E comer…
- Ou isso ou a gente desencana e espera pela morte.
- Eu só to feliz por vocês não estarem mais falando isso de mim.
- Isso não tá certo.
- Hey. Pelo menos é alguém que a gente não conhece.
- Enfim. Levante a mão quem acha que devemos... sob circunstancias extremamente
extremas... levando em conta que ninguém queria realmente fazer isto... mas para que
possamos permanecer vivos... sobreviver... quem acha que devemos matar... e comer...
este corpo.
- Esta pessoa.
- A gente não pode votar levantando as mãos.
- Por que não?
- Tem que ser voto secreto.
- Porque você tá com vergonha de votar na frente de todo mundo.
- Tem que ser voto secreto. É como se faz em eleições gerais. Ou coisas do tipo.
- Falou tudo.
- Vamos colocar os votos em um chapéu e contar um por um, pra que ninguém se
sinta…
- Constrangido.
- Pra votar sim ou não.
- Alguém tem um chapéu?
- Alguém tem papel?
- Podemos usar gravetos curtos e compridos. Os compridos significam sim. Os curtos
significam não. Podemos coloca-los ali no meio.
- Beleza. Vamos logo com isso então.
- A gente vai mesmo fazer isso?
- É a democracia. Que mal pode ter?
- E se a gente não for resgatado? O que acontece depois que a gente tiver... comido tudo? O
que a gente faz depois? Quem a gente mata em seguida?
- A gente pensa nisso quando essa hora chegar... Hoje, a gente sobrevive.
O verde que estava à parte grita.
- Yeeeeees! Consegui! Eu consegui, porra! Consegui fazer uma fogueira!
Os verdes e os vermelhos se olham. Depois olham pro(a) amarelo(a).
- Beleza. Vamos votar.

24
“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

CENA CATORZE
Objetivos
O grupo encara a plateia.
- Tem uma base militar secreta …
- Quer dizer, não mais tão secreta …
- Ao sul das Ilhas Shetland …
- Na Antártida.
- E nessa base…
- Reza a lenda…
- Que cientistas militares desenvolveram compostos.
- Que obviamente jamais serão usados.
- A menos que haja uma emergência.
- A menos que realmente precisem.
- A menos que não haja outra opção.
- O objetivo…
- Hashtag objetivos de vida.
- É desenvolver uma arma que enfraqueça o inimigo sem matá-lo.
- Afinal, apesar do que dizem por aí, o ocidente tem virtudes.
- Ah é, claro.
- Ética.
- Total.
- Ah é, claro.
- E não queremos matar pessoas se não precisarmos realmente mata-las.
- Falou tudo.
- Fake news!
- A gente não presta.
- Nós não atingimos civis de proposito.
- Será que isso é verdade mesmo?
- É sim, porra. Claro que é.
- Nós não jogamos armas químicas em civis.
- De jeito nenhum.
- Somos melhores que muitas outras nações.
- Não, não somos. Somos os piores.
- É, somos os piores.
- No mínimo tão ruins quanto qualquer outro.
- Tão ruins quanto a Arábia Saudita?
- Bem…
- Tão ruins quanto o Estado Islâmico?
- Bom… Aí não. Acho que não.
- Então pare de exagerar.
- Não somos perfeitos.
- Mas também não somos os piores.
- E não tem problema dizer isso em voz alta.
- Mesmo que certas pessoas digam o contrario.
- Mas o problema é que…
- Estas armas ainda precisam ser testadas.
- Senão…
- Como eles vão saber se elas realmente não matam?
- E ratos não são pessoas.
- Então elas tem que ser testadas em pessoas.
- Pra ter certeza de que não causem nada ruim demais.
- Assim…
25
“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Reza a lenda...
- Que esta base militar mandou um avião despejar este composto especifico na Ilha de
Livingston…
- Que tem um grande lago de agua doce bem no meio.
- O Lago Midge.
- Midge, que em inglês é o nome de um inseto sanguessuga, também conhecido como
mosquito-pólvora, ou maruim, ou ainda pelo nome cientifico ceratopogonida.
- Cujo instinto o leva a nos morder que nem doido.
- Ele não sabe que isso o torna um cuzão da porra.
- E nem que isso estraga os nossos piqueniques.
- Então peguem leve com ele, tá?
- Pelo amor de Deus.
- O composto foi criado pra fazer uma única coisa bem simples.
- Coisa de gênio, mesmo.
- Considerando o instinto humano.
- Instinto animal.
- Dá no mesmo.
- Foi criado pra fazer as pessoas perderem a noção do tempo.
- Pra fazer com que elas achem que o tempo esta passando mais rápido do que
realmente esta.
- O que as torna compreensivelmente ansiosas.
- Ou em pânico.
- Porque os seres humanos precisam saber que horas são.
- E quanto tempo eles ainda tem.
- Antes de morrer.
- De modo que possam consertar coisas mais rapidamente.
- Os militares soltaram o gás nesta ilha e aí monitoraram os poucos habitantes.
- E todo mundo ficou a salvo.
- Confuso.
- Mas a salvo.
- No entanto, como um efeito colateral inesperado, os militares descobriram que as
memórias de curto prazo dos habitantes da ilha ficaram gravemente comprometidas.
- A maioria deles não reconhecia nem mesmo os familiares mais próximos.
- Mas depois de alguns dias os efeitos foram desaparecendo e ninguém lembrou mais do
ocorrido.
- O teste foi declarado um sucesso.
- Um sucesso secreto.
- Mas o que os militares não sabiam era que um grupo escolar da [INSERIR].
(Nota do autor: cabe a você decidir de onde o seu grupo é)
- Estava na pequena ilha bem no meio do Lago Midge.
- O(a) professor(a) do grupo…
- O(A) Sr(a). Johnstone.
- Era um(a) fanático(a) pela natureza. E ele(a) queria mostrar aos alunos que eles poderiam
sobreviver alguns dias sem os celulares.
- O tal grupo escolar…
- E o(a) professor(a) deles …
- Expostos aos efeitos do composto …
- Enlouqueceram um pouco.
- Totalmente.
- Uma selvageria.
- O(a) professor(a) tinha dividido a turma em duas equipes.
- Pra que eles disputassem uma partida de “capturar a bandeira”.
26
“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- E ele(a) tinha saído pra explorar a ilha.


- Quando a nuvem de gás foi liberada.
- O grupo escolar permaneceu na ilha por…
- Três dias…
- No total.
- E quando o corpo de um deles...
- Foi encontrado preso na rede de um pescador.
- O alarme disparou...
- Ajuda chegou.
- E os alunos foram encontrados…
- Devorando o(a) professor(a).

- Nenhum de nós pede pra nascer.


- Nós apenas acordamos um belo dia e estávamos aqui.
- Nenhum de nós decide morrer.
- Um dia simplesmente vamos dormir e não acordamos mais.
- Nenhum de nós escolhe sobreviver.
- É só que…
- Tá ali.
- Dentro de nós.
- É animal.
- Tribal.
- Selvagem.
- Mas o bom de nós …
- Dos seres humanos…
- É que nós podemos tentar melhorar.
- Total.
- Objetivos de vida.
- Vencer.
- Podemos tentar ignorar aquele instinto.
- O desejo de consertar as coisas agora.
- De pensar apenas no hoje.
- Porque nós não conseguiremos consertar este planeta.
- Nunca.
- Jamais.
- Até que admitamos.
- Que não é o planeta que nós estamos tentando salvar.
- Mas sim a nós mesmos.
- O planeta apenas calha de ser o lugar onde vivemos.
- Ele não pode ser salvo agora.
- Nós não podemos ser salvos agora.
- Temos que parar de pensar no agora.
- Impossível.
- Não. Nós podemos conseguir.
- Se trabalharmos juntos.
- Se escutarmos uns aos outros.
- Quer dizer, escutar mesmo, de verdade.
- E pensarmos nas coisas de um jeito diferente.
- Nós podemos conseguir.
- Somos diferentes.
- Somos melhores que os animais.
27
“Flesh”, de Rob Drummond - tradução: Rodrigo Haddad 2019

- Somos especiais.
- Não somos?
Eles se entreolham. Depois olham para a plateia.

28

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