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INTRODUÇÃO
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Sobre o conceito de movimento socioterritorial ver Fernandes (2005).
nos assentamentos de diferentes formas, a depender de um conjunto de fatores internos e
externos às unidades camponesas, tais como a disponibilidade de mão de obra para o
trabalho no lote; as variações de preço dos produtos agrícolas; as ações do Estado por meio
de políticas públicas, as ações dos movimentos socioterritoriais e etc. (ORIGUÉLA, 2019).
Dentre as formas de uso do território camponês pelo capital, temos a inserção dos
assentados no sistema produtivo do agronegócio, caracterizado pela produção de
commodities (soja, milho, cana-de-açúcar), com uso de maquinários, sementes
geneticamente modificadas, adubos químicos e agrotóxicos. Percebemos, com base em
trabalhos de campo realizados em assentamentos de reforma agrária no estado do Paraná,
que o cultivo da soja e a adoção do modelo produtivo do agronegócio têm se expandido nos
territórios camponeses nos últimos anos, atingindo, inclusive, áreas caracterizadas por solos
não adequados para cultivo da oleaginosa.
Um dos principais motivos para atração dos assentados por esse cultivo específico
é a sua valorização no mercado internacional, especialmente nos últimos anos, sendo que a
cotação da soja no início de 2022 está em torno de 200,00 reais a saca, valor 17,7% maior
comparado ao mesmo período do ano anterior, segundo o indicador do Centro de Estudos
Avançados em Economia Aplicada (CEPEA), base Paranaguá (PR) (CEPEA, 2022).
A adoção do sistema produtivo do agronegócio também está relacionada a outros
elementos, como o fato desse modelo depender de pouca mão de obra, fazendo com que
seja comum observamos a opção pelas monoculturas temporárias em lotes pertencentes a
pessoas idosas, muitas vezes já aposentadas, que não conseguem mais desenvolver outros
tipos de cultivo e atividades que exigem mais trabalho na terra. Além disso, ainda há uma
dimensão ideológica, que faz com que vários assentados considerem que o modelo agrícola
convencional e a produção de commodities é mais vantajoso e desejável, apesar de
possuírem pequenas áreas.
Com a produção no molde da agricultura capitalista, os camponeses necessitam
incorporar técnicas e tecnologias que não dominam, que são desenvolvidas pelas
corporações produtoras de insumos e maquinários, cujos preços são controlados pelo capital
industrial e comercial (PAULINO, 2004). Nesse sentido, as cooperativas, cerealistas e lojas
agropecuárias passam a atuar nos assentamentos, forjando laços de dependência como o
fornecimento de insumos mediante condições de pagamento atreladas à entrega dos
resultados da produção (ROOS, 2015). Essa estratégia, permite que as empresas drenem
“[...] a renda gerada pelos camponeses para as camadas capitalistas” (ROOS, 2016, p. 178)
em dois momentos distintos: primeiro, durante a produção, com a venda dos insumos
necessários, depois, na comercialização dos resultados da produção (ROOS 2015;
ORIGUÉLA, 2019).
Em várias situações, a territorialização do agronegócio no território camponês ocorre
associada ao arrendamento parcial ou total da terra. De acordo com Roos (2015), nos
assentamentos esse processo acontece de duas formas: a primeira é quando os lotes são
arrendados para pessoas de fora dos assentamentos, que normalmente possuem os
maquinários necessários às lavouras mecanizadas, que arrendam vários lotes dentro de um
mesmo assentamento e possuem vasta extensão de terras próprias e/ou arrendadas externas
ao assentamento. A segunda forma, é o arrendamento de camponês para camponês, sendo
o camponês-rendeiro um sujeito que dispondo da infraestrutura básica, arrenda lotes vizinhos
para expandir o cultivo de grãos, entre outros.
O grau de subalternização dos camponeses varia conforme seus níveis de inserção
no modelo do agronegócio. Desse modo, existem camponeses altamente subordinados, que
ocupam ou que arrendam todo o seu lote com a produção de soja, por exemplo, dependendo
exclusivamente desta cultura, não produzindo alimentos nem mesmo para o autoconsumo.
Da mesma forma, existem camponeses parcialmente subordinados, que são aqueles que
produzem ou arrendam parte de seu lote para o cultivo de soja e outros grãos, separando
espaços para a produção de hortaliças, leite, criação de porcos e galinhas para autoconsumo
e comercialização em escala local (ORIGUÉLA, 2019).
Sendo assim, percebemos que um mesmo território camponês pode ser desenvolver
formas de uso capitalistas e camponesas, desdobrando na produção de
(pluri)(multi)territorialidades. É válido destacar que a subalternização não é um processo
linear, que ocorre sem que haja resistência por parte dos assentados (ROOS, 2015;
ORIGUÉLA, 2019). Portanto, se integrar ao capital, é uma estratégia adotada pelos
camponeses para continuar existindo, para permanecer na terra de trabalho. Segundo
Oliveira (2001)
É dentro desse processo de sujeição da renda da terra que o capital entra no
mundo do pequeno lavrador camponês, sitiando-o pela ação dos monopólios.
Mas é aí mesmo que é gestado o movimento contrário, que leva à união
desses trabalhadores enquanto classe. E a “liberdade de produzir” tem sido
a bandeira empunhada por esses camponeses (OLIVEIRA, 2001, p. 12).
Imagem 1: cultivo de arroz agroecológico do assentado Luiz no assentamento Pontal do Tigre (PR)
Fonte: os autores.
Dentre essas técnicas está o uso de extrato de Nim (Azadirachta indica A. Juss) e
de calda sulfocálcica - produto preparado à base de óxido de cálcio e enxofre. O extrato de
Nim pode ser feito com a utilização tanto das folhas quanto do próprio fruto da árvore. O
preparo desse inseticida é relativamente simples: as folhas e o fruto são triturados e
dissolvidos em uma garrafa de 2 litros com uma solução de água e álcool. Já a calda
sulfocálcica é proveniente da mistura de duas substâncias diferentes: o cal virgem (óxido de
cálcio) e o enxofre. Esse produto é rico em nutrientes para as plantas e também possui ação
fungicida. A utilização do extrato de Nim e da calda sulfocálcica possuem inúmeros benefícios
Além disso, a preparação desses produtos é de baixo custo econômico, o que faz com eles
sejam TST de alta acessibilidade.
Outra TST identificada para produção do arroz agroecológico foi a utilização de
marrecos para o controle de plantas e animais invasores. Para experimentar a eficiência
dessa TST em seu lote, o camponês Luiz adquiriu 300 marrecos e seguiu um conjunto de
procedimentos, conforme a orientação de técnicos da Emater. A primeira etapa do processo
consistiu em treinar os animais a procurar grãos de arroz para se alimentar. Para tal, os
marrecos foram isolados em um espaço reservado por um período de até 15 dias, sendo que
nesse espaço-tempo, os animais foram alimentados somente com grãos de arroz.
No período entressafras os marrecos, já treinados, são soltos na área de cultivo para
buscar os grãos que se desprenderam e caíram no chão. Durante o processo de busca do
alimento, os marrecos utilizam seus bicos e suas patas para revirar o solo,
consequentemente, auxiliam na descompactação e no preparo deste para nova semeadura,
reduzindo o uso de maquinários. De acordo com os camponeses entrevistados e algumas
pesquisas científicas (NOLDIN et al, 2004; ESCHER, 2013) os marrecos ainda consomem as
plantas e insetos indesejados, atuando como um agente de controle biológico; limpam o
ambiente das palhas do arroz que se desprende durante a colheita e, por fim, adubam o solo.
Além de assumir inúmeras funções na produção de arroz, os marrecos também são uma fonte
de renda para os assentados, que comercializam os animais para o consumo da carne.
Essas TST fazem com que os assentados não dependam das técnicas produzidas
pelos territórios do agronegócio, como os adubos químicos e agrotóxicos. Dessa forma, elas
proporcionam um alto grau de autonomia e emancipação, uma vez que a transferência da
renda da terra para o capital é a menor possível. O aumento do nível de emancipação é
percebido nas falas do assentado Luiz e seus familiares, que afirmam que com o uso dessas
TST é possível reduzir os gastos da produção e trabalhar de maneira mais autônoma,
estabelecendo uma relação harmoniosa com a natureza.
Outro aspecto que vale destacar é a importância da certificação para os camponeses
que trabalham com a agroecologia. Conforme o relato do assentado Luiz, antes da
certificação sua produção era comercializada no mesmo preço da convencional. Após a
certificação agroecológica foi possível obter um acréscimo de 30% no valor da saca de arroz.
Assim, percebemos que a certificação, a medida que possibilita a valorização da produção, é
uma forma de incentivar os assentados a adotarem o modelo agroecológico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
AGRADECIMENTOS
REFERÊNCIAS
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4° ed. São Paulo:
EDUSP, 2006.
SANTOS, M. Por uma Geografia Nova: Da crítica da Geografia a uma Geografia crítica. São
Paulo: Editora HUCITEC, 1978.
SANSOLO, G. D, et al. Tecnologias socioterritoriais, soberania e segurança alimentar e
nutricional. In: SANSOLO, G. D; ADDOR, F.; EID, F. Tecnologia social e reforma agrária
popular. 1 ed. Editora: Cultura Acadêmica. 2021, v.1.