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DIOCESE DE SOBRAL

Paróquia do Cristo Ressuscitado


Célula de Evangelização Paroquial (CEP)
TEOFANIA II
Catequese Permanente:
Formação Espiritual: A dieta do discípulo

Juan Carlos Ortiz, que tem vivido e ensinado a outros o caminhar do


discipulado, nos mostra como se alimenta um discípulo de Jesus. Os
quatros ingredientes de sua dieta são: a informação, a formação e a
revelação, que desembocam na transformação deste mundo.

A. INFORMAÇÃO

Todo mestre comunica certas verdades que seus discípulos têm que
conhecer. Extrai de seu arquivo uma série de dados que transmite
pedagogicamente. Trata-se de elementos teóricos, a ferramenta
fundamental que o discípulo deve aprender a utilizar. Nesse sentido,
Jesus comunicou alguns conhecimentos. Por exemplo:

_ sua existência anterior a Abraão;

_ a indissolubilidade do matrimônio;

_a pureza de todos os alimentos;

_ não ter perdão o pecado contra o Espírito Santo.

Alguns sem dúvida encontrarão pontos doutrinais, mas ninguém se


atreverá a assegurar que esse aspecto constituía o mais importante dos
ensinamentos do Mestre. Ainda que, para certas pessoas ou instituições
religiosas (não necessariamente cristãs), seja o fundamento e o
termômetro com que avaliar um seguidor de Jesus, e, sobretudo, um
servidor da Igreja, de modo algum é conforme a mentalidade do Mestre.

A informação é simplesmente uma ferramenta que pode ser bem


utilizada, mas que pode ser mal-empregada. A ciência de Deus é útil
para fazê-lo conhecido pelos demais, mas desgraçadamente também é
passível de ser utilizada para inventar heresias, e até para queimar irmão
na fogueira da Inquisição. Um serrote é uma ótima ferramenta nas mãos
de um carpinteiro que corta madeira, mas pode ter efeitos negativos nas
de alguém que pretenda decapitar seu irmão.

B. FORMAÇÃO

Não basta a informação de dados doutrinais. Estes ajudam a integrar


uma série de conhecimentos que, bem manipulados, colaboram para o
desenvolvimento e para o amadurecimento de um discípulo. Mais
importantes, porém, que os elementos teóricos são os critérios e valores
que hão de orientar a vida e as relações das pessoas.

Ser informado consiste em arquivar certos dados, a raiz de ser formado


está em ter uma hierarquia de valores que determina o estilo de vida de
um discípulo. De modo algum se trata de fórmulas ou receitas que nos
façam cair em legalismos ou farisaísmos, mas antes de critérios que se
aplicam a quaisquer circunstâncias ou relações. Nesse sentido é muito
rico o Evangelho.

Vejamos alguns exemplos:

_ Há mais alegria em dar que em receber.

_ Dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César.

_ O vinho novo se põe em odres novos.

_ A árvore se reconhece pelos frutos.

_ O que é fiel no pouco é fiel no muito.

É de modo especial onde se sintetiza o espírito que deve animar a


atividade dos discípulos de Jesus: as bem-aventuranças (Mt 5, 1-11).

É claro que não se está se referindo aqui à materialidade das palavras,


mas sim ao significado das imagens. Portanto, urge descodificar o
símbolo para aplica-lo a nossa realidade. Por exemplo, quando se afirma
que o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado
devemos desvelar tudo que está envolto no sábado, assim como no
homem.

C. REVELAÇÃO

Não basta ter a ajuda da informação, nem a orientação da formação. É


necessário sermos guiados não por sinais externos, mas sim a partir de
nós mesmos. Na vida cristã temos mandamentos que nos informam o
que devemos evitar. Existem, ao mesmo tempo, critérios que devem ser
aplicados conforme os casos particulares. Todavia, também é necessária
a Revolução do Espírito, que nos guie em momentos específicos. Jesus
se referia precisamente a isso quando dizia:

Quando vos entregarem, não fiqueis preocupados em saber como ou


o que haveis de falar. Naquele momento vos será indicado o que deveis
de falar, porque não sereis vós que falareis, mas o Espírito de vosso Pai
é que falará em vós (Mt 10, 19-20).

Por isso São Paulo, que tinha experiência de revelações especiais, escreveu
à comunidade de Éfeso:

Que Deus de nosso Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê o espírito de


sabedoria e de revelação para poderdes realmente conhece-lo. Que ele
ilumine os olhos dos vossos corações, para saberdes qual é a esperança
que o seu chamado encerra, qual é a riqueza da glória da sua herança
entre os santos e qual é a extraordinária grandeza do seu poder para nós
(Ef1, 17-19).

O apóstolo fala de um espírito de revelação, do qual delineia sua função em


nós:

_ Conhecer Deus em plenitude.

_ Conhecer a esperança a que fomos chamados.

_ Conhecer a gloriosa herança a que temos direito.

_ Conhecer a grandeza de seus poder.

Paulo fala de “conhecer” e não de saber. “Conhecer” – yadá em hebraico –


não se limita à atividade própria do entendimento, mas à experiência de
intimidade de amor com o conhecido. Curiosamente, utiliza-se esse verbo
para referir-se às relações amorosas de um casal (conheceu Adão a sua
mulher, Eva...) Por isso, precisamente, a vida eterna consiste em conhecer
o Pai e o seu enviado, Jesus Cristo (Jo 17,3). Esta graça não é exclusiva
dos santos ou místicos, mas de todo aquele que adentre essa dimensão de se
deixar iluminar pela luz do Espírito que descobre o mais íntimo da vida de
Deus. Com razão se chama Revelador ao Espírito Santo.

Ao se bater uma foto em uma película, leva-se o filme a um laboratório. Ali


submete-se o filme a um líquido chamado revelador. Aquela película negra
vai pouco a pouco tornando perceptíveis cores e figuras até que possamos
descortinar perfeitamente uma paisagem maravilhosa ou uma pessoa. Isto é
precisamente o que faz o Espírito Santo: revela-nos as maravilhas da nova
vida em Cristo Jesus, e faz que adquiram dimensão e figura as coisas que
tínhamos apenas arquivadas na cabeça.

Jesus reservou a seus discípulos certas coisas que não eram transmitidas a
todos. Reis e profetas desejariam ter ouvido o que esses privilegiados
experimentaram na intimidade. Todavia, não lhes foram ditas muitas outras
coisas. Era necessário que o Revelador revelasse aos discípulos os segredos
de Deus. Ou seja, até o próprio Jesus deixou pendente uma tarefa que não
podia ser contida em suas palavras e seus ensinamentos. Por isso, repetiu-
lhes uma e outra vez:

É de vosso interesse que eu parta, pois, se não for, o paráclito não virá a
vós. [...] Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos guiará na verdade
plena (Jo 16,7-13).

O Espírito Santo revela a verdade completa e nos ensina os segredos


divinos (1Cor 2,9-11). Desse modo, cada um é ensinado de forma pessoal,
não individualista, para que assim se cumpra a profecia que identifica os
tempos messiânicos:

Eles não terão mais que instruir seu próximo ou seu irmão[...] Porque todos
me conhecerão, dos menores aos maiores (Jr 31,34).

Somente o Espírito revela no coração do crente. Há mistérios que somente


Ele descobre. Existe um mundo novo que ninguém além do Espírito de
Deus mostra. O Mestre interior ensina o que ninguém pode fazer. Assim,
convém que nos perguntemos:

_ Que coisas tem me ensinado o Espírito Santo?


_ Seria eu capaz de descrever alguma experiência do Espírito que venha
determinando minha vida?

_ Sou testemunha do que vi e ouvi ou simples narrador do que se passou


fora de mim?

É muito diferente ser testemunha e ser narrador. A testemunha tem


experiência pessoal daquilo que conta. O narrador apenas transmite um
dado ou uma informação, sem comprometer-se.

Cleofas era um discípulo que sabia perfeitamente tudo o que se referia à


vida e aos milagres de seu Mestre. Estava a par das últimas notícias
trazidas pelas mulheres que haviam voltado do sepulcro naquela manhã.
Podia, e o fez, dividir uma cátedra de cristologia com o próprio Jesus. Não
obstante, não tinha experiência da ressurreição de Jesus. Mas quando soube
dela seu coração ardeu e regressou de imediato a Jerusalém. Transformara-
se assim de narrador em testemunha.

Por outro lado, ao guiar outros na vida do Espírito, devemos ter em conta o
seguinte: dizer a eles que não iremos lhes ensinar tudo, porque existe um
caudal inédito que somente o Espírito revela aos que se abrem a seu sopro
inspirador. Teremos que calar para que o Espírito fale, ir para que ele
venha. Não basta que ensinemos com a verdade. Nem sequer é suficiente o
testemunho. É necessário que os demais vivam a sua própria experiência.

Na tarde do Domingo da Ressurreição, Jesus apareceu radiante a dez dos


seus que estavam escondidos no Cenáculo. Pouco depois, eles transmitiram
vivamente sua experiência a Tomé, que acabava de regressar. Porém, para
o apóstolo não foi suficiente que lhe contassem a aparição que haviam
presenciado. Para ele não era suficiente escutar a mesma história uma
dezena de vezes. Ele tinha direito a uma revelação como os demais, e
conseguiu o que queria oito dias depois.

As experiências místicas devem ser um elemento normal na vida do


discípulo de Jesus. Não estão reservadas aos santos, mas a todo aquele que
tenha ouvidos para ouvir e tempo para investir na intimidade com Deus.
Existe por certo o risco de cair no iluminismo, mas não seria por acaso
mais perigosa a anemia espiritual por não se alimentar das experiências do
Espírito? O medo do joio não deve jamais levar a que se arranque junto o
trigo. Isto não é sinônimo de cair no iluminismo ou acreditar em toda
suposta revelação celestial. A Palavra de Deus é o parâmetro de
crescimento para avaliar toda revelação particular.

D. TRANSFORMAÇÃO

O discípulo está a serviço do Reino, que é um Reino de justiça, gozo e paz


no Espírito Santo (Rm 14,17).

Por isso, esses três afluentes do discipulado desembocam na transformação


do mundo para instaurar a civilização do amor.

Cada discípulo, ou melhor, todos juntos constituem o fermento na massa


que deve instaurar a justiça e a paz, o respeito à pessoa e o bem comum, a
liberdade e a responsabilidade, com um desenvolvimento integral da pessoa
e da sociedade.

O discípulo leva os critérios de Jesus até as dimensões comercias, culturais


e políticas. Sabe que as estruturas, mesmo as mais aperfeiçoadas e
modernas, não salvam.

A única coisa que transforma a sociedade, como as pessoas, é o amor.

O discípulo conta precisamente com esse instrumento para instaurar o novo


céu e a nova terra neste mundo.

CONCLUSÃO

A informação assemelha-se ao mapa da cidade de Paris, em que podemos


perceber por onde serpeia o rio Sena, localizar a torre Eiffel e nos orientar
pelas grandes avenidas. A revelação seria como adentrar na capital francesa
e ficar fascinados por seus museus, passear pela avenida Champs-Elysées e
jantar em um de seus prestigiosos restaurantes. Por meio da informação
conhecemos o cardápio, pela formação decidimos o devemos comer, mas é
somente por meio da revelação que podemos gostar do alimento. A
informação se dirige à cabeça, a formação ás motivações e a revelação ao
coração. Na informação, o papel mais importante é desempenhado pelo
Metre; na formação, pelo discípulo; na revelação, pelo Espírito Santo. E
tudo isto tendo em vista a instauração do Reino de Deus neste mundo, para
vivermos como filhos de Deus e irmãos uns dos outros em uma sociedade
em que impere a civilização do amor.
Paróquia do Cristo Ressuscitado
Célula de Evangelização Paroquial (CEP)
TEOFANIA II

Catequese Permanente:
Formação Espiritual: A metodologia de Jesus I

Jesus tinha uma grande empresa, e precisava preparar seu pessoal com os
critérios e valores adequados. Para converter cada um de seus seguidores
em um autêntico discípulo, levou a cabo um programa de formação que
delineava à perfeição as diferentes etapas pelas quais teriam de passar seus
colaboradores, a fim de continuar e expandir sua obra neste mundo.

O processo que Jesus planejou para formar seus primeiros seguidores é o


mesmo que continua a utilizar para moldar todos os seus discípulos. Assim
como o candelabro que estava no Templo de Jerusalém tinha sete
lâmpadas, assim também são sete as luzes que nos iluminam nesse
itinerário. Encontramos esses elementos expostos no que bem poderíamos
chamar de “o testamento pastoral” do Mestre:

_ Tomou o pão em suas mãos.

_ Abençoou-o.

_ Partiu-o.

_ Repartiu-o.

_ E disse: “Isto é o meu Corpo”.

_ “Comam todos dele”.

_ Façam isto em minha memória”.

A. TOMOU O PÃO EM SUAS MÃOS


Assim na última ceia o Senhor tomou o pão em suas mãos, Ele agora repete
exatamente o mesmo gesto em cada um de nós. O molde em que se
produzem os discípulos são as mãos que foram transpassadas pelos cravos
da cruz. A primeira coisa que o Senhor faz para moldar-nos à sua imagem e
semelhança é tomar-nos em suas mãos.
Isto significa que Ele assume a principal responsabilidade, mas, ao mesmo
tempo, exige de nós uma disponibilidade absoluta.

Como o barro na mão do oleiro, assim sereis vós na minha mão, ó casa
de Israel! (Jr 18,6b).

O relato do Gênesis nos diz que Deus tomou barro em suas mãos e
começou a modelar o homem. O homem novo é produto apenas do artesão
divino, que vai delineando esta figura, devemos entender bem o que é o
barro.

O barro é um elemento composto de terra e água. Todavia, esses dois


componentes devem estar perfeitamente combinados, já que se a água
passa da medida a mistura converte-se em lodo sem consistência, com o
qual é impossível fazer qualquer obra de olaria. Se, pelo contrário, lhe falta
água, a terra se endurece tanto que não é possível moldá-la.

O ser humano, feito de barro, é então formado pela água de suas qualidades
e pela terra de suas carências. Na água se mostram sua fecundidade e suas
enormes possibilidades. Na terra aparecem suas carências e necessidades.
Não somos apenas qualidades e virtudes, mas tampouco somos apenas
defeitos e limitações; os dois elementos constituem um binômio perfeito,
que não se pode separar sem dilacerar a essência do ser humano.

Deus tem em conta esses dois componentes e os trabalha sempre juntos.


Nossas possibilidades e carências são a matéria-prima com que Ele faz um
vaso novo. Tudo entra em seu plano. Nem nossas qualidades são as que
instauram o Reino de Deus, nem nossas limitações podem impedir que este
se realize. Que nossas virtudes não são suficientes, o vemos claramente em
Moisés.

Ninguém melhor do que o filho da filha de Faraó, por sua cultura e sua
preparação, para tirar do Egito o povo oprimido. Mas teve primeiro que
renunciar a essas qualidades, fugindo para o deserto de Madiã, deixando a
casa de Faraó com todos os seus privilégios; e assim depois, e somente
depois, chegou a ser um instrumento útil na libertação do povo.

Graças s essa árdua experiência de despojamento, Moisés teve sempre bem


claro que era obra de Deus e não de homem algum. Por isso, quando após a
apostasia do monte Sinai, Deus lhe disse: “Vai, desce, porque o teu povo,
que fizeste subir da terra do Egito, perverteu-se”, Moisés lhe respondeu
claramente: “Este povo não é meu, nem fui eu que o libertei. É teu, e foste
tu que o libertaste da escravidão” (Ex 32, 7-11).

Por outro lado, nossas debilidades e carências não são razão suficientes
para que Deus detenha seu plano. Nossa fraqueza nunca será maior que
seus poder. Deus não pode depender de nós, e muito menos de nossos
defeitos. Moisés, ao mesmo tempo, é exemplo disso:

Quando foi chamado para libertar os hebreus da escravidão, exclamou:


“Mas quem sou eu para me apresentar diante de Faraó? Os hebreus não
vão acreditar em mim, pois nem sequer conheço teu nome e, além disso,
sou gago”. Deus lhe respondeu: “Estarei contigo e te ensinarei o que tens
que dizer”.

A incapacidade humana não é obstáculo suficiente para que Deus


interrompa sua ação salvífica. Quando em nossa vida temos água de sobra,
isto é, estamos muito seguros de nossas qualidades, acreditando que somos
capazes de cumprir a missão encomendada, então o
Senhor se encarrega de nos lançar um pouquinho de terra para que sejamos
barro e não lodo.

Se, ao contrário, somente enxergamos a terra de nosso pecado e o pó de


nossa incapacidade, então o Senhor nos dá água viva para que relaxemos e
possamos tornar-nos úteis, livres de qualquer complexo de inferioridade ou
de culpa.

Antes de trabalhar para o Senhor, o Senhor nos trabalha. Para trabalhar


pelo Senhor, temos antes que ser trabalhados por Ele. Ninguém pode ser
instrumento de libertação se antes não experimentou a liberdade. Como se
pode pregar que Deus liberta sem tê-lo experimentado na própria carne?

O Senhor que gravar sua imagem em nós com o selo de seu Santo Espírito
(2Cor 3,18), para que cheguemos a ser cartas de Cristo (2Cor 3,3). Todavia,
para imprimir a Palavra do Senhor, há que apagar tudo o que se escreveu
antes.

Um computador trabalha graças a um programa que o capacita a conseguir


um objetivo, mas que ao mesmo tempo o condiciona. As vezes chega o
momento em que o programa já não é adequado, e deve-se descarta-lo para
usar outro mais completo.
O mesmo se passa conosco. Todos fizemos planos de vida, mas é
necessário renunciar a ele para nos abrir ao Senhor. Se não nos
desprogramarmos, não poderemos admitir o projeto do Senhor em nós. Há
pessoas que, por alguma razão, estão completamente convencidas de estar
seguindo a vontade de Deus. Mas não esqueçamos que também Saulo de
Tarso a seguia quando perseguia a Igreja de Deus.

Saulo, fariseu zeloso que depusera sua confiança na santa Lei do Sinai,
estava certo de que ao cumpri-la fazia a vontade de Deus, tendo sido
instruído aos pés do grande mestre. Ao deparar-se, porém, com o Cristo
ressuscitado, caiu rendido. Depôs as seguranças em que havia depositado
sua confiança e, em lugar de decidir, fazer ou ensinar como era seu
costume, fez apenas uma pergunta: “Senhor, o que queres que eu faça?”
(At 22,10).

O conhecedor da Escritura e zeloso cumpridor da Lei reconheceu


desconhecer o mistério da vontade de divina. Renunciou a seu programa e
se abriu ao novo inesperado. Tratava-se de um nascer de novo.

Temos sido todos programadores de nossa vida e até da vida dos outros.
Devemos abandonar essa tarefa, que não nos cabe, para nos abrirmos ás
surpresa do Espírito.

Os aviões contam com certos acréscimos nas asas chamados


estabilizadores, para que o voo seja cômodo e seguro. Jesus, ao contrário,
abala nossas seguranças com “desestabilizadores”, pois tudo aquilo que nos
enquadra limita sua ação forjadora de discípulos. Optar por Jesus é aceitar
caminhar por uma corda bamba, aprender a caminhar sobre as águas.

B. ABENÇOOU-O
“Abençoou-o” pode se referir tanto a abençoar o pão (texto de Marcos e
Mateus) como a abençoar a Deus (texto de Lucas e Paulo). Iremos
considerar aqui as duas possibilidades.

Se o pão representa o discípulo, esse é bendito. A palavra de Deus é a fonte


de alimentação para sua vida, e ela configura o perfil de sua existência.

Ao tomar o pão em suas mãos, Jesus o abençoa. O verbo abençoar”, em


grego, é composto de duas palavras: “bem” e “dizer”: Eulogeo.
A primeira coisa que o Senhor faz é nos falar bem, com a verdade.
Pronuncia uma palavra que é viva e eficaz, que é espírito e é vida, mais
cortante que a espada de dois fios que penetra as profundezas da alma.

Nessa etapa, a Palavra de Deus vai nos configurando para que assimilemos
os critérios de Cristo Jesus e sigamos nos identificando com seus próprios
valores.

Toda palavra que escutamos molda o modo de pensar e determina depois a


forma de ser e agir. Nossa mente é como uma fita em branco que
reproduzirá mais tarde o que nela for gravado.

Assim como os jovens entoam canções de memória e tratam de alguma


maneira de imitar seus ídolos, assim também, se ouvirmos a Palavra de
Deus, nossa mente irá se identificando com a vontade divina, até que os
critérios do Senhor nos pareçam o mais natural.

Assim como a água encharca a terra e a fecunda, a Palavra de Deus irá nos
penetrando até a raiz de nossas decisões.

Se “abençoou-o” se referia à benção de Deus, então a atitude do discípulo é


abençoar e louvar a Deus em todos os momentos da existência. Assim o fez
o Mestre quando seu ministério parecia fracassar e sua Palavra não se
enraizava nos corações dos profissionais da fé e da religião.

“Abençoo-te, Pai” (Lc2,28).

A vida do discípulo se transforma em louvor a Deus.

Nossa atitude: ouvir

Se nessa etapa o Senhor se manifesta como Mestre que nos ensina, nossa
principal atitude há de ser a do discípulo que ouve para aprender. Em certa
ocasião, um escriba perguntou a Jesus qual era o maior dos mandamentos.
O Mestre respondeu: Ouve, ó Israel...(Mc 12,28-2). O primeiro e maior dos
mandamentos é ouvir a voz do Pastor, porque ao ouvi-lo Ele nos expressa
seu amor, nos apaixona e nos capacita a responder a Ele de todo o nosso
coração.

Um sinal de haver caído presa dos laços do ativismo é quando falamos


mais do Senhor que com o Senhor. Quando Samuel ouviu uma voz, o
sacerdote Eli o advertiu que era Deus quem o chamava, e que Samuel devia
responder “Fala, Senhor, que teu servo te ouve”. Infelizmente, nós dizemos
o contrário: “Cala, Senhor, que teu servo te fala”.

Quem nasce surdo normalmente não pode falar, já que ao não escutar as
palavras torna-se difícil pronunciá-las. O mesmo ocorre na vida espiritual e
pastoral: se não sabemos ouvir a Deus, não podemos falar em seu nome.
Por outro lado, a oração que se concentra em falar a Deus, sem lhe dar a
oportunidade de se comunicar, vai atrofiando o crescimento espiritual.

Há pessoas que decidem os caminhos da pastoral ou impõem que se siga


um critério que elas tenham em mente. Mas para que o projeto tenha força
e não encontre oposição acrescentam: “Esta é a vontade do Senhor!”. Mas
quem lhes disse que era esse o plano divino? Quando ou como souberam
que era essa a vontade celestial? A única atitude que tiveram para impô-la
aos demais foi endossá-la ao Senhor...

Os piores são aqueles que pensam que por ter certa autoridade ou título
gozam da infalibilidade e que suas diretrizes são automaticamente vontade
divina, como se o senhor dependesse dos servos. Em lugar de perguntar ao
Senhor o que Ele quer, dizem o que pensam e cuidam logo de que os
demais acreditem naquilo que eles mesmos não sabem, que esse projeto e,
sobretudo, essa proibição são vontade celestial.

Há três coisas que afogam a Palavra de Deus, não permitindo que ela se
enraíze e dê frutos:

_ As preocupações do mundo, que consistem em priorizar tudo o que é


transitório. Viver como se somente contássemos com nossas forças para
solucionar nossos problemas.

_ O afã das riquezas, que compreende a exagerada busca de bens materiais,


títulos ou poder. A ambição que jamais se sacia; antes, que cai no
redemoinho da cobiça, que é uma idolatria.

_ A concupiscência da carne, que é a satisfação desmedida de todos os


sentidos, vivendo sob a lei do menor esforço.
Catequese Permanente:
Formação Espiritual: A metodologia de Jesus II

Nossa atitude: desprogramarmos

C. PARTIU-O
Tendo tomado e transformado o pão com sua palavra de benção, Jesus o
partiu. O terceiro aspecto da formação de um discípulo consiste em ser
partido, na etapa de purificação por meio da qual o Senhor nos consagra
totalmente a Ele. Sem esta condição, não seriamos capazes de ser oferendas
do culto espiritual.

O apóstolo Paulo expressa esta necessidade com uma ideia tomada da


Páscoa judaica, raiz de nossa Eucaristia: ser pães ázimos. O pão da Páscoa
era massot, a saber, sem fermento e livre de toda contaminação. Somente
com massa pura era possível celebrar a libertação da escravidão. Na liturgia
da nova aliança somos esse pão ázimo que se converte em hóstia pura,
santa e agradável a Deus.

Purificai-vos do velho fermento para serdes nova massa, já que sois sem
fermento (pães ázimos. Pois nossa Páscoa, Cristo, foi imolado (1Cor 5,7).

Assim como o ouro se depura, assim também nós temos de ser purificados
e santificados para poder servir como ministros da nova aliança; cada um
de acordo com sua própria vocação. Esta etapa consiste,
fundamentalmente, em nos despojarmos de tudo o que sobra em nós e nos
prejudica.

Com frequência pensamos que se tivéssemos mais condições materiais ou


melhores instalações poderíamos ampliar enormemente nosso trabalho
pastoral. Não obstante, o que mais nos impede de colhermos seus frutos em
abundância, e frutos permanentes, não é o que nos falta, mas sim o que nos
sobra: egoísmos, materialismo, competição com outros servidores, orgulho
e soberba espiritual; a par das feridas emocionais e consequências do
pecado que arrastamos como negra sombra.

Michelangelo, o grande artista florentino, gostava de trabalhar trancado,


para não ser visto por ninguém. Assim que terminava suas obras, mostrava-
as ao público. Quando concluiu as estátuas da série “os escravos”, fez-se
uma grande festa em Florença para observá-las pela primeira vez. Todos os
nobres, artistas e autoridades estavam impressionados por aquela obra de
arte tão maravilhosa. Respondendo aos cumprimentos e ao reconhecimento
de tantas pessoas, disse o gênio: “Mas eu não fiz nada. Quando me
trouxeram a peça de mármore, a escultura já estava ali dentro. Só o que fiz
foi retirar-lhe uns pedacinhos que lhe sobravam”.

Deus nos destinou a ser uma obra de arte em suas mãos. Mas antes tem que
tirar de nós tudo o que nos atrapalha. Nosso principal problema é que
trazemos ainda demasiadas coisas que nos impedem de ser livres para
servir ao Senhor.

a) A pureza de intenção

Se pudéssemos resumir numa só frase em que consiste esse processo, o


faríamos assim: ter pureza de intenção é afirmar que o exterior
corresponde ao interior e que não existem segundas intenções no que
fazemos. Não se trata somente de fazer bem as coisas ou cumprir com o
dever, mas de realiza-los com motivações adequadas.

Por isso Jesus atacava tanto o formalismo dos fariseus, que aparentavam
proceder sempre bem e cumprir esmeradamente toda a Lei, mas de
quem as motivações não eram puras:

_ Buscavam se fazer notar por suas esmolas, para que o povo falasse
bem deles.

_ Faziam longas orações, mas seu coração não estava em Deus,


buscando antes ser reconhecidos pelos homens.

_Jejuavam conforme a Lei, mas empalideciam o rosto para que todos se


dessem conta de seu sacrifício.

Jesus apelou a três imagens visuais que descrevem a impureza de


intenção:

_ Sepulcros caiados (Mt 23,27).

_ Lobos em pele de ovelha (Mt 7,15).

_ Copos limpos por fora, mas sujos por dentro (Mt 7,27).
Em todos esses casos se apresenta uma aparência que não corresponde à
realidade. Disfarça-se o mal com máscara de bondade, com o sacrifício
do essencial, para aparentar aquilo que não se é.

Para concretizá-lo em nossa vida, vejamos alguns exemplos de


contaminação de motivações.

_ Algumas vezes realizamos um importante trabalho apostólico, mas


nossa intenção derradeira é sermos levados em conta pelos demais. É
por isso que desanimamos quando eles não nos reconhecem.

_ Esforçamo-nos para cumprir o dever e realizar o combinado, mas na


ânsia de ganhar uma competição com os outros dirigentes. Buscamos
prioritariamente ficar bem perante os outros ou superá-los, em lugar de
cumprir a vontade divina.

_ Há os que trabalham com pobres porque isto lhes fornece prestígio


apostólico: “fulano está comprometido com os pobres e vive sua opção
preferencial”. No fundo, porém, não ama os pobres. Mais que servir a
eles, serve-se deles para incrementar o culto à sua personalidade.

_ Ás vezes reprovamos ou criticamos um bom projeto pela simples


razão de que não fomos levados na devida conta que pensávamos
merecer.

_ Uma das piores impurezas é servir ao Senhor por uma recompensa do


tipo material. Esta é a maior desgraça em que pode cair um ministro do
Senhor.

A lista completa seria interminável. Tão ampla e diferente quanto a


diversidade das pessoas. Por isso, o essencial é reavaliar as intenções
secundárias que nos levam a fazer o que fazemos. Ás vezes essas são até
mesmo as intenções primarias, mas revestidas de pele de ovelha: zelo
apostólico, serviço aos demais ou cumprimento da vontade divina.

O Senhor nos aceita com nossa impureza, mas jamais pactuará com
nossa hipocrisia. Foi exatamente isso o que nunca pôde tolerar dos
fariseus, que posavam de justos perante os homens. Deus nos ama com
nossos erros, mas vomita os corações falsos. Nem ás prostitutas ou aos
coletores de impostos falou tão duramente como aos hipócritas fariseus,
que se consideravam justos perante todos. Não obstante, não se trata de
julgar tais pessoas daqueles tempos, mas de descobrir o fariseu que há
dentro de cada um de nós sempre que atuamos com falsidade de
coração.

Talvez não encontremos caso mais impressionante em toda a Bíblia que


o descrito a seguir:

Certo dia um casal bom entrego a Pedro uma vultuosa oferenda, fruto da
venda de seu terreno. Mas o apóstolo, em vez de agradecer-lhes com
uma placa comemorativa, encolerizou-se.

Eles caíram mortos a seus pés. Pretendiam ser incluídos na lista de


honra, ao lado de Barnabé, que entregou tudo aos apóstolos. Ocorre que
haviam separado para se parte do dinheiro obtido pelo terreno.

Não tinham obrigação de vender seu terreno e ofertar o que amealharam


por ele, mas queriam que os demais os considerassem generosos e
desprendidos, quando de fato não eram. O Senhor não aceitou sua
oferenda e, em vez de premiá-los, deixou-os arruinar-se no mundo da
morte.

A falsidade de coração é fatal para a saúde mental, pois se está dividido


interiormente. É como se uma flecha se dirigisse simultaneamente a dois
objetos diferentes. Esta é a origem e a raiz de depressões, complexos
vários e frustações.

E somos precisamente nós os prejudicados por ela, razão por que Jesus
nos quer purificar a qualquer preço

Catequese Permanente:
Formação Espiritual: A metodologia de Jesus III

b) Uma só motivação: o Reino de Deus

A pureza de intenção surge quando se age por uma única motivação,


sem segundas intenções, buscando um só objetivo na vida. Para chegar a
ela, Jesus insistiu na necessidade de uma hierarquia de valores em que
um deles estivesse acima de todos os demais. O segredo da plenitude da
vida do Mestre radicava em que era animado por uma motivação: O zelo
por tua casa me devorará (Jo 2,17). Tinha tão somente um alimento:
fazer a vontade do Pai (Jo 4,34), em que consistia em anunciar e
instaurar o Reino de Deus neste mundo. A seu redor girava todo o seu
ministério.

A seus discípulos e amigos revelou o grade segredo da vida plena: uma


só coisa é necessária (Lc 10,42). Mais adiante, esclareceu ao que se
referia: Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça (Mt 6,33). Todo
o resto não é senão um simples enfeite. Assim, pois o Reino se converte
no valor supremo, do qual depende toda a vida do Mestre. Portanto, esta
deve ser a única motivação e o objetivo exclusivo de cada um de seus
seguidores.

Mas o que é esse Reino? O mistério do Reino foi expresso com tamanha
variedade de imagens que não é possível reduzi-lo a um modelo. É um
mistério que cada um terá de ir descobrindo dentro de si mesmo, de
modo a que se perfile o arco-íris das características expressas nas
parábolas evangélicas. Todavia, o essencial é que esteja acima de tudo o
mais.

Ao encontra-lo, Paulo exclamou: Tudo considero perda, pela


excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por Ele perdi
tudo (Fl 3,8). Até mesmo sua vida e sua morte estavam a serviço do
Reino, quando disse: Para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro (Fl
1,21). Encontra sua razão de viver e o sentido para toda a sua existência.

Na parábola do mercador de pérolas afirma-se expressamente que


encontrou “uma”. Isto foi o peculiar de sua descoberta e o que
concentrou toda a sua atenção e toda a sua vida. Enquanto não se
encontra “essa” pérola, ter-se-ão muitas, mas nenhuma que chegue perto
do valor daquela (Mt 13,45).

Um valor superior a todos os demais é como o sol que origina o sistema


planetário e o mantém em harmonia. Sem esse valor supremo, tudo se
converteria em caos e confusão. Ainda que o caminho e a porta sejam
estreitos, o jugo e a carga do Mestre são leve, sempre e quando a vida se
apoie na plataforma de uma valor que de sentido a todo o resto da
existência.

O Mestre nos revela o sentido da existência, ensinando-nos a viver em


plenitude, quando afirma: onde está teu tesouro aí estará teu coração
(Mt 6,21). Mas quando não encontramos esse tesouro andamos à deriva,
movidos por todos os ventos, com a insegurança advinda de não saber
para onde vamos. Faz falta precisamente a direção única da vida que
abarque todos os interesses. A maior parte de nossos problemas
emocionais origina-se da ausência de uma hierarquia de valores e
prioridades na vida.

Existem muitos tesouros, mas por termos apenas um coração este se


divide. Os desequilíbrios psicológicos provêm de querer tudo ao mesmo
tempo e não estar dispostos a pagar o preço de uma escolha. O neurótico
quer que sus flecha atinja vários objetivos de uma vez, provocando
assim uma tensão que lança por terra a mais robusta sanidade mental.

Quem encontrou o tesouro não somente vende com alegria todos os seus
outros valores. O texto grego do Evangelho dá a entender que é “por
causa da alegria” por sua descoberta que se vai vender suas posses.
Tudo passa a segundo lugar: a fama, as recompensas humanas, a riqueza
e até os êxitos pastorais. Tudo está submetido à supremacia absoluta do
Reino.

Quando Jesus afirmava que o caminho da salvação era estreito, jamais


se referiu a que estivesse repleto de pedras e obstáculos, mas que que
não convinha levar excesso de bagagem, porque a porta era demasiado
pequena e não havia espaço para o que o mundo considera riqueza.

Toda escolha implica necessariamente uma renúncia. Quem não estiver


disposto a sacrificar o secundário nunca possuirá verdadeiramente o
essencial. Quem não pagar esse preço jamais gozará do Reino.

Na aquisição do Reino, algo necessariamente se deve perder. Jesus o


expressa claramente na parábola da rede, na qual existem pescados bons
e maus. Enquanto uns são guardados, deitam-se os outros ao mar (Mt
13,47-50). Não se pode ficar com todos os peixes na rede... Assim, pois,
a hierarquia de valores não significa apenas uma ordem, mas implica, ao
mesmo tempo, a renúncia a tudo o que não se oriente para a prioridade
fundamental. Há ruas e avenidas em que se pode circular em mão dupla.
O caminho do discípulo é de sentido único. Não permite distrações
laterais, nem voltar a atenção aos alhos e cebolas do Egito. Esta atitude
não é condição para encontrar o Reino, mas consequência necessária de
tê-lo encontrado.
Assim, a preza de intenção, que consiste em agir somente por motivos e
interesses do Reino, é uma moeda que tem duas caras; por um lado,
encontrar a direção única que tomará a vida; por outro, renunciar a tudo
o que dela nos desvie.

Nossa intenção, ou melhor, nossa pureza de intenção determina o valor


de nossas ações. O mais importante não é o que realizamos, mas sim por
que e para que o fazemos. Por isso, sobre os puros no coração recai a
mais bela de todas as bem-aventuranças.

Felizes os puros no coração, porque verão a Deus (Mt 5,8).

O primeiro passo para obter a pureza de intenção é reconhecer as


principais motivações que determinam nossa vida: os interesses e as
razões de nosso ser e de nosso agir neste mundo. Uma vez descobertos,
ou se deve situá-los na hierarquia de valores ou sacrificar-se em favor
do Reino.

Esse é “teu reino”, que está acima de tudo. Para que o seja de fato, deve-
se responder a duas perguntas:

_ Esse reino está conforme as características expostas nas parábolas do


Evangelho de Jesus?

_ Estaria disposto a que a que fosse sua única motivação, descartando as


demais?

c) Por que Deus nos purifica?

O ouro e a prata passam por um longo processo de depuração. Os


diamantes, porém, não podem ser submetidos a esse processo. Em nosso
caso, isso implica que há áreas de nossa vida em que podemos fazer algo
para ser purificados, mas existem outras que não depende de nós, mas
somente da ação santificadora do Espírito Santo.

Somos livres para aceitar ou recusar que o Senhor nos lave os pés, mas não
podemos fazer nada para que nos lave as mãos e a cabeça. Isto depende
somente e unicamente d’Ele e de seu plano para nós.

A qualidade de um metal repousa em estar à parte de toda mistura com


qualquer outro elemento. Assim, o ouro e a prata são puros quando não
contêm nenhuma liga. É claro que um diamante puro é mais valioso que a
soma de mil impuros. A pureza é considerada a qualidade por excelência.

Deus nos purifica basicamente por duas razões: porque disso necessitamos
ou pela missão que nos reservou.

_ Porque necessitamos
O senhor nos purifica pela simples razão de que necessitamos. Ninguém
pode afirmar que não precisa ser limpo. Nossos pés têm se empoeirado nos
caminhos da vida e necessitamos ser lavados com água ou purificados pelo
fogo abrasador. Sobretudo quando se teve uma vida repleta de
sensualidade, materialismo ou mentira, é preciso mudar a fundo para
conseguir cumprir os critérios do Reino, que se opõem diariamente aos do
mundo. A conduta moral pode ser transformada em um minuto, mas a
mudança de mentalidade leva muito mais tempo e carece de uma
metodologia especial.

Um recém-convertido pode cair na tentação de transplantar seus antigos


valores à obra de Deus, a qual se leva a cabo mediante métodos diferentes e
até opostos aos do mundo comercial e social. Por isso, quem viveu e
submergiu sob o mundo do pecado necessita de um tempo considerável de
reabilitação. Assim como ao alcoólatras ou drogados necessitam de uma
etapa de desintoxicação, assim também quem foi dependente dos critérios
mundanos necessita de uma de uma etapa de purificação.

Maria, chamada a Madalena, de quem Jesus expulsou sete demônios,


necessitava de uma longa etapa de convalescença para mudar sua
mentalidade. Apesar de seguir Jesus, tinha a necessidade de transformar
seu coração.

Sua conduta mudou em um instante, mas precisou de toda a sua vida para
ser transformada completamente. Jesus a foi polindo pouco a pouco, até
que a converteu na primeira evangelizadora que anunciou sua ressurreição.
Se se lavam e até mesmo se desinfetam os alimentos, assim temos que ser
purificados por dentro e por fora, para não contaminar os demais, já que
somos pão que vai ser comido por eles.

Quando compreendemos assim o plano de Deus, passamos pelo forno da


purificação, como os três jovens do livro de Daniel: cantando e louvando a
Deus no meio das chamas. O fogo não os destruía, mas lhes dava a
oportunidade de comprovar o poder e a sabedoria de seu Deus. Ao
descobrir esse objetivo, já não se buscam culpados, acabaram-se os
rancores, volta a paz ao coração e se entoa um canto de vitória por haver
sido liberado do fogo devorador.

Catequese Permanente:
Formação Espiritual: A metodologia de Jesus IV
_ Pela missão que o Senhor nos confere

Meu filho, se te ofereceres para servir o Senhor, prepara-te pra a prova


(Eclo 2,1).

Por certo todos precisamos da purificação, mas esta será tanto mais intensa
quanto maior seja a missão à qual o Senhor nos chame. Quanto mais
importante for o plano do Senhor sobre nossa vida, tanto mais profunda
será a purificação que Ele realizará em nós.

Quanto mais valiosa for, com mais esmero será lapidada uma pedra
preciosa. Esta é a razão última da purificação que o Senhor quer fazer de
nós. Todos os grandes profetas passaram pelo forno da purificação:

_ Isaías teve que ser purificado com uma brasa acesa (Is 6,1-11).

_ Jeremias sofreu a perseguição dos seus (Jr 20,7-12).

_ Ezequiel foi julgado louco e impertinente. O sacerdote Amasias pôs sob


juízo o ministério do profeta Amós (Am 7,12-15).

_ O exemplo mais evidente é o de São Paulo: poucos foram tocados de tal


forma pela purificação com Saulo de Tarso. Como bom fariseu e estrito
cumpridor da Lei, era inatacável e gozava de todas as vantagens da
estrutura religiosa. Mas, ao aceitar Jesus como seu Salvador e Senhor,
renunciou a qualquer outra vantagem de tipo humana e mesmo religiosa.
Perdeu assim imediatamente seu prestígio perante seus antigos colegas, que
o tacharam de traidor e o expulsaram da sinagoga. Pior, não foi aceito pelos
santos cristãos de Jerusalém, os quais não acreditaram na sinceridade de
sua conversão, e para não ter problemas alijaram-no da comunidade. Ele,
que havia recebido diretamente do próprio Cristo o encargo de evangelizar
reis e príncipes, sendo luz dos gentios, teve que passar por um longo
período de desintoxicação da Lei, na solidão do deserto da Arábia e no
esquecimento de um obscuro povoado da Cilicia.

Para torna-se o maior evangelizador da Igreja, teve que ser purificado por
muitos anos e de diversas maneiras. É que a vocação especial a fora
chamado exigia dele uma transformação mais profunda.

Muitas vezes somos silenciados e bloqueados em nosso ministério porque o


Senhor nos está preparando outra missão para a qual necessita de nós com
uma maior pureza. Se escapássemos desse forno, perderíamos a
oportunidade de nos forjar para a nova etapa que Ele planejou para nós. Se
não compreendemos isto, estaremos desperdiçando a grande ocasião de
nossa vida.

d) Meios de purificação

Vejamos agora algumas das formas mais frequentes pelas quais Deus nos
purifica.

_ A perseguição do mundo

O meio privilegiado para purificar-nos é a perseguição. Alguns, por miopia,


tributam a Satanás todo conflito e toda adversidade; não percebem que
graças a todos esses problemas forja-se um novo discípulo que segue as
pegadas de seu Mestre, Cristo Jesus, o cordeiro Imolado.

Um dia Pedro fez a jesus uma dupla pergunta, da qual esperava,


logicamente, uma dupla resposta: “Qual será nossa recompensa por termos
abandonado tudo e por haver te seguido?”. Jesus respondeu: “Vocês que a
tudo deixaram receberão cem por um. Os que me seguiram sofrerão
perseguições” (Mt 10,29-30).

O ponto mais interessante da resposta de Jesus localiza-se na segunda


parte: “Os que me seguem sofrerão perseguições”. Se a consequência de
haver deixado “tudo” é receber cem por um, a recompensa por segui-lo é a
perseguição. Trata-se de uma promessa de Jesus, que afirmou: O céu e a
terra passarão, mas as palavras não passarão (Mt 5,18). Portanto, deve-se
cumprir necessariamente.

A perseguição é um signo dos seguidores do Metre de Nazaré. Se imitamos


seu estilo de vida, devemos esperar que nos tratem da mesma maneira que
o fizeram com ele.
A perseguição deve ser o ambiente normal do cristão e marco que enquadre
a vida de todo discípulo de Jesus.

Assim como o ouro se purifica no fogo, a perseguição é o forno em que se


forja o discípulo de Cristo.

O servo não é maior que seu senhor. Se eles me perseguiram, também


vos perseguirão.

Jesus explica esta lógica da perseguição:

Se fosseis desse mundo, o mundo amaria o que é seu; mas, porque não sois
do mundo e minha escolha vos separou do mundo, o mundo, por isso, vos
odeia (Jo 15,19).

O verdadeiro discípulo de Cristo, por ser, em meio às trevas, a luz que


denuncia o mal, perturba as estruturas injustas. Portanto, deve ser
rechaçado e declarado inimigo de todo sistema antievangélico.

Assim, pois, os discípulos de Jesus não devem se perguntar porque os


perseguem, mas porque não os perseguem. Teria o sal perdido seu sabor e a
voz profética que denuncia sido sufocada? Teríamos nos tornado tão
amigos do mundo que este já não tem motivo para nos perseguir, já não
representamos perigo algum para ele?

No princípio da vida da Igreja promoveram-se perseguições contra os


cristãos. Todavia, não se perseguiam todos, mas somente os que viviam
como Cristo Jesus, porque eram eles os que atentavam contra a degradação
do sistema imperante. Por conseguinte, perseguiam-se somente os que
perdoavam e serviam como Cristo, os que não consentiam com a maldade,
os que eram contrários à escravidão, os que denunciavam a injustiça e a
mentira.

Se hoje se promove uma nova perseguição, não contra todos os cristãos ou


batizados, mas contra os que realmente seguem o Evangelho, você seria
condenado ou deixaria o livre? Em que coisas concretas percebem que você
não é do mundo?

Se em alguns países os cristão são perseguidos e discriminados, em todos,


principalmente os de corte ocidental e capitalista, existe uma verdadeira
perseguição contra os valores evangélicos, os princípios da verdade, o
respeito à vida e os direitos mais fundamentais da pessoa humana. Se não
nos sentimos afetados é simplesmente porque nossa postura já está
definida: se não somos perseguidos, somos os perseguidores; pela simples
razão de que o que não está com Cristo está contra ele. Não se pode ser
neutro. Se não somos parte da solução, somos parte do problema.

A perseguição é o forno onde se purificam os discípulos de Jesus. Se não se


pusesse um tijolo de barro ao fogo para assá-lo, jamais se poderia utilizá-lo
na construção. Aqui, como em toda a vida espiritual, se aplica o princípio
infalível de que o grão de trigo tem que morrer para dar fruto.

Baseado nessa experiência, São Paulo afirma que nossos inimigos nos
abençoam, já que nos oferecem o fogo necessário para a purificação (Rm
11,28).

_ A perseguição aos bons

Certamente, quando somos perseguidos pelo mundo, temos a alegria de


sofrer pelo Nome de Cristo Jesus; como Pedro e João, que saem em gozo
depois de terem sido injustiçados e açoitados (At 5,040-41). Mas quando
somos perseguidos por aqueles que agem, ou pelo menos creem que o
fazem em nome de Deus, as portas se fecham e não há nenhum tipo de
recompensa. Ao contrário, somos considerados inimigos do plano divino.
A perseguição do mundo nos condecora com a palma do martírio. Mas a
perseguição dos bons nos condena em vida.

Jesus não foi condenado nem pelos injustos nem pelos malvados de seu
tempo, mas sim pelas autoridades religiosas. Os pastores designados por
Deus para orientar seu povo no caminho da salvação foram os que se
opuseram ao desígnio divino e crucificaram o Senhor da vida.

Na vida dos profetas e dos santos vemos como se repete esse fenômeno:
não são compreendidos pelos que se encontram no topo da pirâmide
religiosa. Os pastores e responsáveis por representar Deus os obrigam a
guardar silencio, impedindo-os de realizar seu ministério, tachando - os de
inimigos da ordem estabelecida. Por que amiúde a instituição cuida de
abafar a voz profética?

A perseguição aos bons é a mais difícil de compreender, porque são


precisamente os guardiões da fé os que se opõem a manifestação de Deus.
Parece que adquirem um poder plenipotenciário para violar os direitos mais
fundamentais da pessoa, humilhá-la, excomunga-la da Igreja e até vetar-lhe
a entrada no céu.

Joana d’Arc foi julgada pela Inquisição francesa e condena à morte


pelos setenta teólogos do bispo de Paris.

Não encontramos um santo que tenha sido canonizado em vida. Os


verdadeiros profetas sempre sofreram a perseguição dos defensores da
estrutura.

A Francisco de Assis não lhe reconheceu nem se lhe aceitou a regra de vida
que ele havia escolhido para seus frades: o Evangelho. Obrigaram-no a
complicar o simples.

Não obstante, isto não é senão a superfície. Para os que amam a Deus,
todas as coisas concorrem para o seu bem, a firma a Palavra de Deus (Rm
8,28). Se padecemos apenas do sintoma do fenômeno, jamais
descobriremos o desígnio divino.

Quando os bons nos perseguem, já não temos ninguém a agradar senão a


Deus. Que maravilhosa libertação! Nosso coração pertence somente ao
Senhor. Quando somos perseguidos pelos que estão no topo da pirâmide da
estrutura religiosa, então nossa confiança tem uma grande oportunidade
que não pode deixar passar: depositar-se unicamente naquele que nunca
falta. Portanto, não temos de pensar que se trata de um ataque de Satanás,
mas sim que estamos diante da única oportunidade de mostrar ao Senhor
que nenhuma dificuldade vai nos impedir de servir a Ele. É então o
momento em que podemos provar que servimos e seguimos ao Senhor por
Ele mesmo e não pelo que nos dá.

Por meio da crítica, do sarcasmo, da incompreensão, da destituição e até da


excomunhão, Deus nos faz depender somente d’Ele. Muitas vezes, quando
vimos de conseguir muitos êxitos, fama, riqueza e reconhecimento
humano, caímos na tentação de pensar que isto se deve a nossas forças e
qualidades. É então que o amor de Deus nos purifica através do
desprendimento para depender unicamente Dele.

Isto não significa que Deus permita as injustiças ou consinta com a


violação dos direitos humanos, nem tampouco que esteja de acordo com a
morte. Não. Jamais poderá ser aliado de alguma força do mal. Não
obstante, Ele é capaz de escrever direito por linhas tortas: seu poder
transforma essa injustiça em um maravilhoso meio de purificação. Deus
recicla o mal e todo tipo de injustiça, fazendo-os convergir para o bem.

Catequese Permanente:
Formação Espiritual: A metodologia de Jesus V
_ O fracasso

Equivocamo-nos ao pensar que nosso êxito é sinônimo de instauração do


Reino. O critério de progresso do Reino não é o de uma bolsa de valores,
mas o de um grão de mostarda ou o de um crucificado que se converte em
redentor de todos os homens.

O fracasso nos permite fazer uma parada no caminho e verificar a trilha que
escolhemos. Quase todas as obras importantes do mundo brotaram das
cinzas de um fracasso. A Nova Jerusalém se constrói sempre com as ruínas
da que foi antes destruída.

Por outro lado, o fracasso nos oferece a maravilhosa oportunidade de


mostrar que trabalhamos não pelos frutos, mas pela missão que nos foi
confiada.

Quando Jesus enviou seus discípulos, não disse “Vão e convertam a todos”,
mas sim “Ide e anunciai a Boa-nova a toda a criação!”. Isto significa
realizar uma missão independente do êxito pastoral. No plano de Deus,
alguns são chamados a semear, outros a regar e outros mais a recolher o
fruto.

_ Os problemas

Algumas pessoas afirmam com muita segurança: “Pedi ao Senhor que se


meu projeto fosse obra sua que mostrasse para mim, evitando dificuldade.
Como não houve nenhum problema, tive a segurança de que vinha d’Ele”.
Pelo reverso da medalha justifica-se a deserção em uma empreitada pelo
seguinte argumento, que aparentemente parece muito válido:
“Apresentaram-se tantas oposições e impedimentos, que deduzi que não era
plano de Deus o que eu estava fazendo, e o abandonei”.

Esse critério não vale para a obra de Deus. Baste para isso considerar que
se Cristo Jesus houvesse pensando dessa maneira jamais se teria realizado o
mistério de nossa redenção. Mais: poderíamos afirmar que é
antievangélico, pois o Senhor abençoa as pessoas purificando-as de tudo o
que impeça ser instrumentos de sua salvação.

Jesus nunca nos enganou prometendo-nos que tudo seria fácil e sincero. Ao
contrário, falou-nos com bastante clareza, afirmando que iriamos como
ovelhas entre lobos. Nunca nos disse que as coisas nos seriam facilitadas
mas que teríamos um poder especial para vencer as provas e superar as
dificuldades.

Numa ocasião Paulo viveu situação de tamanha gravidade que o chamou de


“aguilhão na carne”. Lutou contra ele, e ao não poder vencê-lo pediu uma e
outra vez ao Senhor que o libertasse. Ele esperava que seu pedido fosse
atendido. O Senhor, porém, o surpreendeu ao dizer-lhe: “Paulo, minha
graça te basta”.

O Senhor não lhe suprimiu a adversidade, mas lhe concedeu uma graça
especial para conviver com o problema, uma sabedoria para brigar com ele
e uma força que o apóstolo não tinha antes. Paulo saiu ganhando; havia
nele um poder de que antes carecia. Paulo era mais forte com seu aguilhão.

O Senhor não nos evita os obstáculos, mas nos dá a garantia da vitória.


Mais: um verdadeiro discípulo tem que arcar com a cruz de Jesus, mas
sempre com a esperança da ressurreição. A Páscoa de Jesus nos delineia
perfeitamente no único caminho que leva à glória: para chegar ao ápice da
ressurreição, é preciso passar antes pelo monte Calvário. Quem tem esta
visão clara não teme as complicações nem é impedido pelas dificuldades,
porque se sustenta na promessa do Senhor, que disse:

No mundo tereis tribulações, mas tende coragem eu venci o mundo (Jo


16,33).

As adversidades purificam nossas intenções, já que nos dão a oportunidade


de mostrar ao Senhor que trabalhamos não por comodidade ou vantagens
pessoais, mas somente porque Ele nos seduziu e nós nos deixamos seduzir.

O profeta Jeremias confessa haver enfrentado tantas oposições que esteve a


ponto de renunciar a seu ministério profético para retirar-se a uma vida de
mais tranquilidade. Manifesta, porém, que o fogo preso em seus ossos foi
impossível de extinguir.
Esse fogo de amor supera em muito qualquer problema. As dificuldades
nos purificam tanto que não apenas nos fazem saber, mas sim viver
intensamente que a obra não é nossa, mas de Deus. Adquirimos a
consciência de que os problemas nos superam, mas de que de modo algum
superam o poder de Deus. É esta a chave da esperança.

Quando temos a experiência de ter vencido obstáculos intransponíveis e


derrotado inimigos invencíveis, declaramos: “Em verdade, o Senhor esteve
a maior parte do tempo entre nós”.

Ao ter essa experiência de percepção do poder salvífico que nos fez


atravessar o mar Vermelho, não podemos nos apropriar do triunfo. Foi obra
d’Ele, porque foi Ele que abriu as água que para nós era impossível
ultrapassar.

Muitas vezes o Senhor não nos evita problemas porque quer nos dar a
vitória na batalha. O Senhor não nos evita a luta, mas nos dá sim uma
armadura para sairmos vitoriosos. A verdadeira fé se mostra nas
adversidades. Bastam três exemplos para prová-lo.

_ Os três jovens em u forno ardente, que cantam louvores ao Deus de Israel


(Dn 3,24-90).

_ Os Macabeus, que afirmam: “Se Deus nos salva, acreditamos Nele, mas
se não nos salva, nem por isto diminuíra a nossa fé, antes, acreditaremos
mais”.

_ Habacuc, que em meio à crise exclama: “Ainda que a figueira não dê


fruto, e não se possa colher os frutos na vinha; ainda que os campos não
deem o alimento; apesar de tudo, exultarei em meu Senhor. Ele me dá pés
semelhantes aos das gazelas, e faz-me caminhar nas alturas”. (Hb 3,17-
19).

_ A calúnia

Algumas pessoas costumam queixar-se mais ou menos, assim: “Por que


Deus é tão injusto comigo? Sempre servi a Ele com fidelidade, e em lugar
de prêmio e reconhecimentos me criticam com toda espécie de mentiras.
Por que permite que uma infame calúnia me destrua dessa maneira”?

O seguimento de Jesus Cristo implica esse tipo de consequência. Ele


mesmo prometeu que cosas como estas aconteceriam a seus seguidores. No
Sermão da Montanha disse de modo claro que os seus seriam atacados com
todo tipo de mentiras (Mt 5.11). Onde, então, a injustiça, se já nos havia
alertado? Seria injusto se não no-lo houvesse anunciado de antemão, ou
não o cumprisse depois.

Talvez todos tenhamos vivido a dura experiência de ser mal interpretados


ou condenados por algo que não fizemos nem dissemos. Nossas
autoridades acreditaram mais nos anônimos que em nós mesmos.
Tergiversando nossas intenções e supondo motivações ruins de nossa parte,
feriram-nos profundamente. O pior é que o silêncio de Deus parece
cúmplice da injustiça e da mentira. Então, do fundo no nosso coração
emerge um grito de queixa: “Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonastes? Deus de Israel, por que já não vens em auxílio de nossas
tropas? Será que já esquecestes de teu povo? Por que permites que
pisoteiem o direito e a justiça? Não te importa que tratem dessa maneira os
teus?”. E como Deus segue em silêncio vem a tentação de renunciar a
nosso trabalho pastoral, ou, pelo menos, de defendermo-nos com toda a
força da verdade.

Moisés tratou de fazê-lo quando perguntou a Deus: “Para que tiraste teu
povo do Egito, onde tinha pão e água? Foi por não haver tumbas em
número suficiente no país dos faraós que nos fizestes vir a este ingrato
deserto para sermos pasto das aves de rapina? Mais: Que irão dizer os
outros povos de Ti, ó Deus? Teu Nome será pisoteado por todas as nações,
por causa de nossa desgraça. Surgiras perante eles como um Deus incapaz
de salvar os seus. Quem, então, quererá seguir-te e crerá em Ti? Salva-nos,
Senhor, pela honra do teu nome”.

Moisés cuidava de chantagear a Deus, fazendo-o ver como seu Santo Nome
seria profanado entre as nações: os demais fariam chacota de Deus de
Israel, e nenhum homem acreditaria em sua bondade. Mas nessas
circunstancias o plano de Deus não era mostrar seu poder, mas sim
purificar os que haviam vivido sob o complexo da escravidão, forjando um
povo novo, capaz de conquistar a terra prometida. Deus sacrificou sua
glória visando a seguir com a obra de purificação dos seus. Este aspecto é
tremendo: Deus nos ama tanto que corre o risco de perder seu prestígio
diante de todo o mundo. É tão transcendente fazer-nos criaturas novas que
não lhe importa ser mal interpretado. E, se Deus está disposto a perder sua
reputação pessoal, estamos nós preparados para ver nossa imagem
escarnecida e nossa estátua posta no chão?

Por certo devemos ter claro que Deus não quer nosso sofrimento, mas tão
somente nossa purificação, ainda que seta seja sempre dolorosa.

A calúnia pode ser, assim, converter-se em um maravilhoso meio para


demostrar que não servimos ao Senhor por vantagem alguma de tipo
pessoal. Quando se cumpre a vontade divina por obrigação se é escravo.
Quando se realiza por algum ganho ou benefício se é mercenário. Mas
quando se cumpre de coração e com plenitude de liberdade atua-se como
filho.

O povo trata de convencer Sancho Pança que abandone o idealista


Dom Quixote, que pretende alcançar estrelas distantes e conquistar reinos
inexistentes. Fazem-no ver que com esse amo que mostra um magro corcel
jamais governará ilha alguma. Quando lhe demostram de mil formas que
não obterá vantagens alguma dessa aventura cavalheiresca a não ser
gozações e risadas, quando exigem dele uma razão lógica para que siga o
louco de La Mancha, então o rechonchudo camponês, com lágrimas nos
olhos, lhes explica sua motivação principal. “Sigo-o porquê... Porque...
Porque gosto dele, gosto muito dele e já não posso deixa-lo só. Ainda que
não alcancemos as estrelas, nem vençamos os inimigos, ainda que não
derrotemos os gigantes do mal e nem desencantemos as princesas... Hei de
segui-lo até o final. Senão quem o irá erguer quando o moinho de vento o
derrubar? Quem irá curar suas feridas? Quem se atreverá a ser seu
escudeiro? Quem compartilhará suas desgraças?”

Quando, apesar de todos os inconvenientes, seguimos o Senhor até a cruz,


demostramos que não temos outra motivação além de seu amor, que está
acima de nossa fama, de nosso prestígio, de nosso renome. Nossas
motivações se purificam e o seguimos por Ele e não pelo que Dele
recebemos. Servimos a Ele e não nos servimos Dele.

Catequese Permanente:
Formação Espiritual: A metodologia de Jesus VI
_ O pecado

Paulo afirma: Para os que amam a Deus, todas as coisas concorrem para
seu bem; “até mesmo o pecado”, contato que o deploremos, acrescenta o
padre Pierre Teilhard de Chardin. O pecado pode ser reciclado e
aproveitado para purificar-nos de nossas falsas posturas. Não é que o
pecado seja bom em si, mas que nosso Deus tem poder para convertê-lo em
feliz culpa em favor dos seus.

Toda a vida de Davi esteve iluminada por uma boa estrela. Nasceu na tribo
de Judá, herdeira da promessa, em não pequena cidade: Belém. Jamais
conheceu o fracasso ou a derrota. Todas as suas empresas tinham êxito e
saía vitorioso em cada batalha. Como se isso não bastasse, possuía dotes
excepcionais, simpatia natural e beleza física.

Sempre que se encaminhava à Tenda da Reunião para louvar a Deus, a


multidão o aclamava. Por tocar harpa e compor belas canções de louvor, o
povo acudia a ouvir o último canto do rei poeta. A cada sábado, o
conquistador de Jerusalém chegava rodeado da orquestra real, dos coros
polifônicos e de um grande séquito. Todos os refletores e câmeras estavam
voltados para ele, ante a admiração dos jovens, que quase desmaiavam
quando passava o brioso vencedor dos jebuseus. Ao terminar seu salmo, a
multidão aplaudia mais o compositor da louvação que o Deus de Israel.
Dessa forma, revestido de linho com bordados em ouro de Orfir, exibindo
sua riqueza e sua inspiração poética, entrava sempre glorioso e saía
triunfante da Tenda da Reunião, roubando glória ao Deus invisível.

Não obstante, aquele que havia vencido o gigante Golias foi derrotado pela
beleza de Betsabá, mulher de Urias, a quem Davi mandou a uma guerra
suicida, para que morresse e o rei pudesse assim unir-se “honestamente”
com a viúva. Com gesto assim tão “generoso” a coroa real parecia um
seguro para todas as viúvas dos heróis mortos no campo de batalha.

Julgou que se seu pecado permanecesse oculto perante todos poderia passar
despercebido perante o Deus oculto no santuário. Mas, em quem dia
inesperado, foi surpreendido pelo profeta Natã, que em nome de Deus o
reprendeu por sua falta. Davi, não se desculpou e nem negou seu erro; ao
contrário, reconheceu sua queda.

Não esperou o sábado, mas despediu-se imediatamente de seus afazeres


reais, cobriu-se com um pano grosseiro e despejou cinzas em sua cabeça.
Sem depender da inspiração poética, recitou o mais formoso salmo de todo
o saltério (Sl 51):
Tem piedade de mim, ó Deus, por teu grande amor!

Apaga minhas transgressões, por tua grande compaixão!

Lava-me inteiro da minha iniquidade e purifica-me do meu pecado!

Pois reconheço minhas transgressões e diante de mim está sempre o meu


pecado; pequei conta ti, contra ti somente, pratiquei o que é mau aos teus
olhos. [...]

Minha mãe concebeu-me no pecado.

E logo pediu o mais importante:

Ó Deus, cria em mim um coração que seja puro, renova um espírito firme
no meu peito.

Convencido de que o pecado havia feito em pedaços o pentagrama de sua


harmonia, suplicou:

Devolve-me o júbilo de tua salvação. Oh Senhor, abre os meus lábios, e


minha língua anunciará o teu louvor.

Em vez de belas melodias, ofereceu um coração despedaçado pelo pecado.

Meu sacrifício é um coração contrito, coração contrito e esmagado, ó Deus,


tu não desprezas.

A partir de então, Davi se aproxima de Deus não como o descendente de


Jessé ou o compositor musical com sublimes canções, mas como um
pecador perdoado. Sua atitude mudou radicalmente. Já não ostentava os
troféus de suas vitórias, pois havia sido vencido na batalha mais
importante: a luta conta o pecado. Sabia que tinha necessidade do poder do
alto. Além disso, isso fez dele alguém mais compreensivo com os outros
que também haviam caído em faltas semelhantes.

Do mesmo modo, quando o orgulho e a soberba de espírito nos invadem e


somos surpreendidos pelo pecado, isso pode se converter em uma
oportunidade para nos humilhar perante Deus, sem esperar outra coisa que
não o perdão infinito. Assim, é possível tirar partido de uma queda para nos
purificarmos de nossa soberba e de nosso farisaísmo. O pecado pode ser
reciclado para nos aproximarmos de Deus, não presumindo nossas obras,
mas com um coração contrito e humilhado, que se abandona à misericórdia
divina.

Dessa forma, somos purificados do farisaísmos de considerar-nos justos e,


portanto, merecedores de que Deus nos pague conforme nossas boas obras.

Por isso, em lugar de plantar-nos diante do altar e dizer: “Graças Senhor,


porque não sou como os demais”, imploremos com humildade: “Tem
piedade de mim, Senhor, que sou pecador”.

_ Perder vantagens ou direitos outorgados pelo ministério

Deus prometeu que todo trabalhador merece um salário (Lc 10,7). Quem
serve o altar deve viver do altar (1Cor 9,13). Tomando esta palavra em seu
sentido unilateral, há quem justifique suas riquezas como prêmio a seu
serviço e a sua entrega ao Senhor.

Um dia em Miami, um pregador, vestido de fina caxemira inglesa, buscava


convencer a comunidade, argumentando que se servimos e ofertamos ao
Senhor Ele nos recompensará com abundância, porque nosso Deus não se
deixa vencer em generosidade.

Ato continuo, sacando de seu bolso um antigo relógio de colecionador, que


pendia de grossa corrente de ouro, todos motivava colocando-se como
exemplo: anos atrás, ele havia entregado ao Senhor uma vultuosa oferenda.
Em troca, Deus o havia abençoado, e agora vivia em uma luxuosa zona
residencial da cidade.

O condição econômica sólida, e como filho do Rei viajava sempre na


primeira classe.

Ao final de sua conferencia, oferecia a receita infalível para ser abençoados


ilimitadamente pelo Senhor: fazer uma grande oferenda, para que Deus
devolvesse cem por um.

Esses critérios são mais antievangélicos que os escritos de Karl Marx, pois
esse “suposto embaixador” se esqueceu de que representava aquele que
disse que o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça (Lc 9.58) e que
nunca buscou nada para si, mas entregou tudo por nós e para nós. A carta
de apresentação de todo embaixador de Jesus é viver conforme o estilo de
vida de seu Mestre, a quem representa.
Às vezes o Senhor nos priva do devido salário para purificar nossa entrega
a seu serviço. Até nos manda sem nada e nos proíbe de receber o que for,
para assim nos manter livres, servindo somente a Ele (Mt 10,9-10; Lc 9, 3-
4). Se eles se ocupassem das coisas do Reino, o Senhor se encarrega de
todas as suas necessidade. Jesus queria ensinar-lhes a separar
completamente o ministério da economia. Não somente não depender do
dinheiro, mas jamais misturá-lo.

Essa ordem do Senhor é muito logica e tem alcances práticos. Ao receber


alguma gratificação por nosso trabalho, corremos o risco de que, ao serem
reconhecidos nossos méritos, cheguemos a pensar que merecemos o que
nos pagam. Todavia, isso é perigoso em demasia, já que nos leva a sentir
como nossa a obra que pertence somente a Deus. Ademais, de alguma
forma se realiza o concubinato de unir Deus ao dinheiro.

A única vez que Jesus parece perder o controle é diante dos comerciantes
do Templo de Jerusalém, que converteram a casa de oração em um covil de
ladrões.

Um grave perigo da Igreja é que a estrutura eclesiástica oferece um excesso


de vantagens materiais aos que pertencem a ela. Há demasiadas
gratificações meramente humanas ou materiais: títulos, cargos, graus
escalonados de autoridades etc., e desse modo se produz um consumismo
eclesiástico, que asfixia o ministério profético e afoga a voz do Espírito.

O profeta Eliseu não quis receber nada de Naamã, o sírio curado da lepra.
Mas quando seu servo Giezi foi buscar os talentos de prata contagiou-se
com a lepra (2Rs 5).

Quem apaga o seresteiro tem direito de pedir as canções de que gosta.


Infelizmente, quando se aceitam bens materiais há que corresponder aos
benfeitores com preferencias espirituais. Por isso o ministro do Senhor não
deve receber nada de ninguém. O único pagamento do apóstolo há de ser a
ventura de poder ter anunciado o Evangelho.

Paulo jamais cobiçou ouro de ninguém, nem recebeu oferenda alguma, para
não ser mal interpretado. Renunciou a direitos que lhe eram devidos.

A pior coisa que pode acontecer a um servidor do Evangelho é vender seu


ministério à custa de certos benefícios que possa receber dos demais.
Infelizmente isso ocorre com mais frequência do que imaginamos...
Quando um pregador recebe presentes, ofertas e benefícios de um
benfeitor, torna-se ligado a ele com uma dívida a saldar. Mas, como só tem
para pagá-la o seu ministério, este perde certa liberdade. Às vezes as vozes
proféticas se calam por essa razão. Em outras ocasiões se dilui o Evangelho
para não ferir a sensibilidade de quem nos favoreceu com uma dádiva.
Alguns temas até mesmo não voltam ser tocados na pregação.

Diante dos benfeitores os profetas fecham a boca, amenizam-se as


exigências evangélicas e se sobrepõe as injustiças. É por isso que o
ministro não deve dever a ninguém a não ser ao Senhor, seu único amo.

Jesus experimentou o êxito e o fracasso em 24 horas. A multidão faminta o


havia seguido através do ingrato deserto. Com a força de sua palavra. Ele
havia multiplicado peixes e pães. A multidão o reconheceu com o Messias
aguardado, e por pouco não o proclamou rei de Israel. O dia seguinte, ainda
no clímax de sua glória, foi a sua sinagoga, que se encontrava
completamente cheia. O sermão anunciado para essa manhã havia criado
grande expectativa, devido ao recente milagre da multiplicação do
alimento.

O chefe da sinagoga o convidou a ler as Escrituras. O Mestre se pôs de pé,


tomou os rolos em suas mãos e, com sua cabeça coberta por um véu, leu o
texto do maná no deserto. Todos os olhos estavam fixos nele, e um
respeitoso silêncio de atenção o convidava a explicar o trecho.

Ninguém discordou quando ele se referiu ao acontecimento do passado.


Mas quando o aplicou a sim próprio, afirmando que era ele o verdadeiro
pão da vida, um grande inconformismo brotou no ambiente. Ao sugerir que
sua carne devia ser comida, os fariseus abandonaram a sala em meio a um
murmúrio geral.

O pior foi quando aqueles piedosos judeus, que jamais tocavam sangue
algum por medo de tornar-se impuros, ouviram que havia de beber o
sangue do Filho do homem para poder ter a vida eterna. Ninguém suportou
tal condição, e os assentos foram todos ficando vazios. Jesus não pode
sequer terminar seu discurso, pois já não restava ninguém na sinagoga.
Imediatamente depois do maior de seus êxitos, experimentou o pior de seus
fracassos.
Somente seus doze incondicionais haviam permanecido ao lado do Mestre.
Com a cabeça enterrada no peito, compartilhavam a vergonha do fracasso.
Depois de um tenso silencio, Jesus os encarou com ternura e lhes disse: “Se
querem, podem ir também. Não estão obrigados a me seguir...”.

Nenhum deles ousou iniciar a retirada. Então, o Mestre acrescentou: “Por


que não partem? Comigo não obtêm nenhuma vantagem. Não tenho nada a
lhes oferecer. Quando queriam me proclamar rei poderiam esperar algum
cargo ou título, mas agora... Somente lhes aguardam desprezos e
perseguições”.

Então Pedro tomou a palavra e confessou com sinceridade absoluta: “Sim,


de fato temos vontade de partir. Só por estar com você nos criticam, e
depois nos acusam e apontam com o dedo. Só o que temos são problemas.
Às vezes já não aguentamos. Ademais, de sua parte, não cremos que
restaure o Reino, nem nos ofereceu nada para que o seguíssemos. Com
você não toramos nem para o gasto...Temos às vezes discutido, pensado em
deixa-lo, mas ...” sua voz se entrecortou, e com um nó na garganta
continuou, “já não temos para onde ir; com você atravessamos o mar
Vermelho e já não podemos voltar atrás. Já renunciamos ao negócio e não
temos passaporte para o país dos poderosos. Já não nos entusiasma a pesca
nem a oficina de impostos. Para nós já não tem sentido viver para trabalhar,
para logo trabalhar para viver... Definitivamente, todas as portas se
fecharam para nós, mas, ainda que não tenhamos nenhuma vantagem em
segui-lo, temos somente a você. É a única coisa que nos resta. Ainda que
quiséssemos partir, não poderíamos. Queimamos as naves e já nada temos
senão a você”.

Catequese Permanente:
Formação Espiritual: A metodologia de Jesus VII

Nossa atitude: abandonar-nos

A confiança ilimitada no Senhor deve nos conduzir a uma atitude de


abandono voluntário ao plano divino. Todavia, o mais importante não é
abandonar-nos, mas sim fazê-lo “sem condições”. Em geral, colocarmos
obstáculos em nossa entrega; esperamos receber algo em troca ou nos
reservamos parte da oferenda. Se entrega não é incondicional, não serve
para nada.
Assim como o barro se abandona nas mãos do ceramista para chagar a ser
uma vasilha nova, assim devemos nos entregar nas mãos do Senhor para
que nos transforme em criaturas novas, à sua imagem e semelhança.

Trata-se de assinar um cheque em branco, para que faça de nós como lhe
aprouver. Isso implica dar um “sim” a qualquer coisa, como Maria, que
respondeu: Faça-se em mim segundo a tua Palavra (Lc 1,38). À
semelhança de quando entramos numa sala de cirurgia e nos abandonamos
por completo ás mãos do cirurgião para que corte, extirpe ou transplante o
que seja necessário, assim devemos nos entregar nas mão do Médico
Divino para que faça de nós o que ele quiser. Confiamos Nele e aceitamos
seu plano sem condições.

Ele deseja fazer uma obra tão maravilhosa que está disposto a transplantar
nosso coração:

Dar-vos-ei coração novo, porei no vosso íntimo espírito novo, tirarei do


vosso peito o coração de pedra e vos darei coração de carne. [...] E farei
que andeis de acordo com os meus estatutos (Ez 36, 26-27).

Não é o Senhor que nos despoja ou nos violenta, mas nós que nisso
consentimos. De que serviria que o Senhor nos quitasse algo se nosso
coração seguisse apegado a essa coisa perdida? De que valeria que o
Senhor nos libertasse da escravidão do Egito se seguíssemos recordando
com nostalgia os alhos e as cebolas do país dos faraós?

Enquanto não nos desprendermos e despormos voluntariamente,


sofreremos rompimentos fatais, que nos levarão à neurose ou esquizofrenia.
Mas quando não estamos aferrados a algo somos pobres, e um pobre não
tem nada a perder. O desprendimento é a condição do abandono e o
abandono é o caminho da paz. Não há outro caminho para ser feliz. Os que
buscam se apegar a qualquer coisa, circunstância ou pessoa tornam-se
escravos dessa possessão.

D. REPARTIU-O
Uma vez que o pão foi tomado nas mão, abençoado e partido, se reparte.
Não fica nas mãos de Jesus, mas se dá aos demais.

Não podemos permanecer toda a vida no cume do Tabor, nem ficar nossas
tendas para estabelecer-nos definitivamente junto a Jesus. O Evangelho
esclarece que Jesus chamou a seus discípulos para que estivessem com ele
e logo para enviá-los a evangelizar. Aquele que esteve ao lado de Jesus não
permanece inativo, mas vai em busca de seus irmãos.

Quando André encontrou Jesus no deserto, seguiu-o e passou com ele toda
a tarde e a noite. Ao amanhecer, porém, levantou-se e foi buscar seu irmão,
Simão, para leva-lo a Jesus.

O sinal de que nos garante que encontramos Jesus é que vamos buscar
outros para que também o conheçam e o sigam. Quem o descobriu partilha
sua descoberta com outros. Não pode deixar de falar do que viu e ouviu.

Porém, quanto mais tenhamos sido partidos, mais repartidos seremos.


Quanto mais tenhamos sido purificados, mais pessoas atrairemos. Um pão
inteiro pode ser comido somente por uma pessoa. Mas quanto mais se o
parte mais pessoas podem participar. Este é o fim da purificação: a
multiplicação.

Como o Senhor quer multiplicar-nos, por isso Ele nos reparte, quer que
atinjamos muitos. Cabe a nós levar os cinco pães e dois peixes que temos, o
Senhor se encarregará de multiplica-los. Ele faz o milagre, mas sempre
com nossa colaboração. Nossa fecundidade não depende de nossas
qualidades, pois é Deus que dá o crescimento. O que se pede a nós é que
enchamos nossos barris com a água que temos. O milagre da
transformação, é Ele que o realiza, mas partindo do que nós lhe
apresentamos.

Seremos o pão multiplicado que alimentará e o vinho novo que alegrará o


coração, porque o Senhor fez um milagre em nós e conosco.

Catequese Permanente:
Formação Espiritual: A metodologia de Jesus VII

Nossa atitude: o desprendimento

Nosso Deus é Um, declara uma e mil vezes a Bíblia. Não há outro Deus
fora d’Ele. Por esta razão é que não admite nenhum ídolo que ouse tomar o
seu lugar. Nosso Deus, por ser único, não aceita compartilhar nosso
coração com nada nem com ninguém. Por esta razão, é absolutamente
necessário desprendermo-nos de tudo aquilo que concorro com sua
supremacia.
No desprendimento não conta o que damos, mas sim a entrega total.

Certa vez, Jesus estava em frente ao lugar das esmolas, onde os ricos, com
luxo ostentatório, depositavam vultosas oferenda. De modo humilde e
silencioso, aproximou-se uma pobre viúva, que depositou tão somente duas
moedas.

Jesus aproveitou a oportunidade e ensinou a seus discípulos. Esta mulher


entregou mais que os outros, pois ofereceu tudo o que tinha (Lc 21.3-4).

Em geral, nós homens medimos nossas oferendas pela quantidade que


entregamos. Quem dá mais é mais bem considerado. Mas o
“oferendômetro” divino não detecta o que saiu da sua bolsa, mas sim o que
sobrou ali dentro. O desprendimento afetivo e efetivo é uma forma pela
qual Deus nos purifica de todos esses apegos, que não nos permitem viver a
exclusividade com nosso Deus. Não se trata, pois, de simplesmente nos
desprendermos, mas sim de entregarmos em uma relação de exclusividade
com ele.

As parábolas do Evangelho nos mostram claramente esse aspecto. Quem


encontrou a pérola preciosa vende todas as suas posses para adquirir a
única pérola de verdadeiro valor. Todavia, temos de notar muito bem que o
homem não se desprende pra encontrar, mas sim por haver encontrado.
Portanto, não é jamais aconselhável desprendermo-nos de nossas coisas
para encontrar o Senhor. O processo é inverso. Quem o descobriu viu que
todas as coisas empalidecem diante da luz do Senhor.

Se estivermos à noite em um quarto com luz acesa não enxergaremos nada


das luzinhas das montanhas. Mas se apagarmos nossa luz no mesmo
instante começarão a brilhar as luzes exteriores. Quando se apaga a luz de
Cristo é quando começamos a nos deslumbrar com outras coisas. Mas
aquele que tem Cristo a tudo considera lixo e esterco em comparação com
o conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo (Fl 3,5-8). Dessa forma
temos a perfeita perspectiva. Não se trata de desprezar as coisas ou as
pessoas, mas de apreciar o essencial e permanente.

Mas ás vezes o Senhor tem que nos desprender de maneira brusca de


algumas coisas, para que percebamos que não precisávamos tanto delas.
Em toda a história da Salvação sempre há desterros que nos desarraigam de
tudo quanto somos e temos. E são precisamente esses desprendimentos que
nos fazem crescer na liberdade e na disponibilidade.

É por isso que ao longo da Bíblia Deus sempre pede algum tipo de
renúncia:

_ Abraão tem que deixar sua família e partir para longe dos seus.

_ José, deportado por seus irmão, vai a um país desconhecido.

_ Moisés tem que renunciar a suas seguranças humanas.

_ Elias vai ao deserto.

_ O povo é desterrado para a Babilônia, perdendo até o templo e o culto.

_ Paulo perde tudo pelo Cristo.

Se estamos nas mãos do Senhor e não nos desprendemos de nossos apegos,


então o Senhor irá recorrer ao exílio para que possamos ser
verdadeiramente seus.

O ápice do desprendimento chega quando o Senhor nos pede não somente


as coisas que podem nos separar d’Ele, mas inclusive os dons que Ele
mesmo nos deu como prova de sua fidelidade.

Nessa etapa não se trata somente de deixar pecados ou vícios, mas de não
depender de nenhum dom de Deus. Chegou-se à fronteira da gloriosa
liberdade dos filhos de Deus: somente Deus basta.

Abraão havia entregado tudo ao Senhor: tenda, família, seguranças,


passado e futuro. Havia renunciado a seus falsos ídolos e agora servia ao
verdadeiro Deus. Mas um dia seu Deus lhe pediu o inaudito. “Entrega-me
teu filho único, aquele que eu te dei como cumprimento de minha
promessa”.

Não lhe pediu que renunciasse a nada mau, senão que entregasse o filho da
promessa, o dom de Deus, o testamento da fidelidade divina.

A todo aquele que persevera na vida do Espírito Deus pede um dia o filho
da promessa. Não porque seja mau, antes para que já não dependa nem dos
dons Deus, mas apenas do Deus dos dons.
Nesta etapa, a comunicação com Deus não se faz através de nenhum meio:
chega-se a uma etapa de comunhão intima profunda. Já não há
comunicação, mas comunhão. Não se depende de nenhuma graça,
consolação ou recompensa, mas a relação de fé com Ele é o mais
importante.

Catequese Permanente:
Formação Espiritual: A metodologia de Jesus VIII

E. ESTE É MEU CORPO


Assim como o pão se transforma no Corpo de Cristo, assim nós somos
transformados à imagem e semelhança de nosso Mestre. A formação de um
apóstolo não termina até que Cristo Jesus viva nele e se manifeste em sua
forma de viver.

O Espírito Santo não finda seu trabalho em nós antes que reflitamos a
imagem de Cristo Jesus.

Se a meta de um discípulo é configurar-se à imagem de seu mestre, nosso


objetivo não pode ser outro que chegar a ser como Jesus; como Paulo, que
um dia chegou a exclamar: “Vivo, mas já não vivo eu, é Cristo que vive em
mim” (Gl 2,20).

Não obstante, não podemos pensar que cada um de nós deva ser outro
Cristo, formando assim muitos cristão por toda parte. Esta seria uma visão
muito individualista e, portanto, antievagélica.

Deus quer que todos juntos formemos o corpo de seu Filho, sendo
membros uns dos outros, mas unidos por uma só fé. Com diversidade de
carismas, mas animados por um só e único Espírito.

Com variedade de ministérios, mas com um mesmo Senhor. Trata-se de


viver como corpo de Cristo em um lugar em que, sendo muitos membros e
com diversas funções, além de ser membros dos outros, estamos todos
buscando o crescimento do corpo como tal e não alguma vantagem pessoal,
nem mesmo do tipo espiritual.

O que Paulo menos permitia nas comunidades cristãs era a divisão, já que
era um atentado direto contra a essência da vida cristã. O exemplo mais
claro nos é dado em sua primeira carta aos Coríntios (1Cor 1,10-16;3,3).
Nossa atitude: formar Corpo de Cristo, Igreja

Em primeiro lugar, devemos renunciar ao individualismo, de modo especial


ao individualismo religioso: ser o maior apóstolo, ser o melhor servidor, ter
o melhor grupo ou ser o mais santo. Isso prejudica profundamente, já que
nos mantém em uma atitude de competição com todos os demais,
prejudicando assim a unidade.

Somos membros do corpo de Cristo, mas ao mesmo tempo membros uns


dos outros. Se não assimilamos esse princípio fundamental, todo o nosso
trabalho pode ser mais perigoso que benéfico.

Cada um de nós necessita dos demais, os quais, por sua vez, precisam de
cada um. Por menores ou insignificantes que pareçamos, somos
necessários. Por isso, uma característica indiscutível do discípulo de Jesus é
que é construtor da unidade e inimigo da divisão.

A comunidade de líderes

Jesus não formou indivíduos isolados, mas instituiu um ambiente de fé e


amor como sementeira onde se produzissem continuamente outros
discípulos. A comunidade apostólica era essa estufa e, ao mesmo tempo, a
fonte provedora de discípulos na Igreja.

A esse ambiente de fé e amor foi dado o nome de “Colégio Apostólico”.


Por “Colégio” não devemos entender uma instituição docente, mas uma
comunidade onde todos, guiados por um mesmo espírito, são
corresponsáveis por levar a contento a obra iniciada por Jesus. O Colégio
Apostólico é a comunidade dos responsáveis por instaurar o Reino de
Deus, fazendo discípulos por toda as partes. A eles cabe servir, conduzir e
presidir a comunidade, imitando Jesus Cristo no modo de fazê-lo.

Os pastores não são apenas os responsáveis por guiar, devendo eles


mesmos estar comprometidos em uma comunidade de líderes. Muitas
vezes, os responsáveis por fazer a comunidade cristã são os que menos
vivem em comunidade. Os dirigentes sinalizam o caminho para os outros,
mas quem os dirige? Geralmente ensinam, mas onde é que são ensinados?
Estão sempre dando, mas onde é que recebem? O que fazem para renovar-
se e crescer na vida do Espírito sem esgotar-se? A comunidade de líderes é
a resposta e a solução.
Certo dia, quatro homens foram buscar o amigo paralítico deles,
colocaram-no em uma liteira e o levaram à casa onde se hospedava o
Mestre. Não podendo entrar pela porta, subiram-no ao teto e o abaixaram
por uma abertura que fizeram. Pouco depois o homem saía, carregando ele
mesmo sua própria liteira.

Nesse relato tão simples nos é dada a pauta dos elementos essenciais de
uma comunidade:

_ Lugar onde uns necessitam de ajuda e outros prestam o serviço


necessário.

_ O ambiente de amor onde os amigos carregam o mais necessitado, que


não pode caminhar por si mesmo.

_ Os amigos se comprometem a ir juntos até Jesus, conduzindo o enfermo


para que seja curado por Ele.

_ Deixar-se servir pelos irmãos.

_ Uma vez são, carregar a liteira da responsabilidade.

Para saber se temos comunidade verdadeira, cada um de nós deve


responder ás seguintes perguntas:

_ Tenho quatro amigos de verdade que tenham se comprometido a


suportar-me por todo o tempo?

_ Posso contar incondicionalmente com os quatro, importando para eles


mais do que qualquer outra coisa?

_ Tenho quatro pessoas que me levantam se caio, me corrigem se erro e


animam quando desanimo?

_ Tenho quatro confidentes com quem compartilhar minhas lutas, meus


êxitos, meus fracassos e minhas tentações?

_ Há quatro com os quais não compartilho simplesmente um trabalho, mas


uma vida?

_ Posso contar com quatro verdadeiros amigos, que não me abandonarão


nos momentos difíceis, pois não me amam pelo que faço, mas sim pelo que
sou?
Devo também fazer a mim as mesmas perguntas:

_ Sou amigo incondicional das quatro pessoas?

_ Há quatro pessoas que podem bater à porta de casa a qualquer momento?

_ Há quatro pessoas que recorreriam a mim se estivessem enfrentando


dificuldades financeiras?

_ Há quatro pessoas que sabem ser mais importantes para mim que meu
trabalho, meu descanso ou meus planos?

_ Acompanho e carrego quatro pessoas, levando-as a Jesus custe o que


custar, independentemente do que esteja acontecendo comigo?

F. COMAM TODOS DELE


Do mesmo modo que o pão eucarístico é comido, também o discípulo
de Jesus o é. Ser comido significa estar a serviço dos demais e entregar
a própria vida para que outros vivam. É como uma vela que se desgasta
para iluminar os outros.

Há várias pinturas do bom pastor que retratam um terno pastor


abraçando romanticamente uma ovelha, mas são representações muito
distantes da realidade. Há uma, de um pintor flamengo, também
chamada O Bom Pastor, porém muito diferente de todas as outras, no
fundo se vê um rebanho de ovelhas alimentando-se de um verde pasto,
junto a um riacho cristalino que desce de uma montanha. Em primeiro
plano está representado um lobo com olhar assassino, que se distancia
de um pastor agonizante que tem as roupas dilatadas pelas fera, esse
quadro tão cru é muito mais próximo da realidade: o bom pastor é o que
dá a vida por suas ovelhas.

É muito interessante o contraste entre maus pastores de Israel que que


nos é apresentado pelo profeta Ezequiel no capítulo 34 de seu livro, bem
como a atitude do Servo de YHWH mostrada no livro do profeta Isaias
(52,13-53). Os maus pastores se aproveitam das ovelhas; bebem seu
leite, vestem-se com sua lã e comem a mais gorda. O Servo de YHWH
dá sua vida em favor dos seus e morre para outros sejam curados e
vivam em paz. Um mau pastor sempre, busca tirar algum proveito de
suas ovelhas. O bom pastor, ao contrário, saí perdendo algo em favor
delas. Isto é precisamente o que distingue um do outro.

O bom pastor se entrega favor de todos, não tem preferências, a não ser
pelo mais necessitado ou por aquele de quem ninguém pode esperar
nada em troca. Os pastores interessados servem aos que depois possam
gratificar seus serviços ou lhes retribuir de algum modo.

O discípulo de Jesus, a semelhança de seu Mestre, é comido pelos


demais. Sem esta condição fundamental, jamais poderá ser fecundo. Se
o grão de trigo não é triturado e comido, não serve de alimento.
Somente depois de ter sido comido é que Jonas foi capaz de evangelizar
e converter a grande cidade de Nínive.

Catequese Permanente:
Formação Espiritual: A metodologia de Jesus IX

Nossa atitude: comam-me

O verdadeiro apóstolo é trigo que morre para dar furto. Não firma sua
felicidade em mandar ou organizar, mas em desaparecer no tempo
oportuno. Sabe que um dia vai morrer, por isso prefere ir se entregando
como alimento de forma a produzir vida.

Isso exige de nós atitudes concretas:

_ Deixar de pensar que um apóstolo é o que manda. Pelo contrário, é o


que morre para que outros vivam.

_ Deixar de considerar os benefícios que supostamente merecemos e


renunciar a tudo, exceto a entregar-nos em favor dos outros.

_ Deixar de centrarmo-nos em “nossos privilégios” e começar a servir a


todos, especialmente aos mais necessitados.

Ser comidos significa estar à inteira disposição de quem de nós


necessite. Assim como demos um “sim” incondicional ao Senhor, dar-se
a todo o seu corpo (nossos irmãos) e dizer-lhes: “Aqui estou, façam de
mim o que quiserem. Meu único desejo é lavar lhes os pés”.

Ser comidos significa também renunciar a todo tipo de benefício


pessoal, para que os demais sejam edificados na fé e no amor. São Paulo
afirmar de forma certeira que quem serve ao altar tem direito a viver do
altar. Não obstante, o bom pastor é capaz de renunciar ás vantagens que
oferece o Evangelho.

São Paulo afirma ter, como os demais apóstolos, o direito de levar uma
mulher crente em suas viagens missionárias. Todavia, prefere renunciar
a esse direito para não ser mal interpretado por quem quer que seja.

Em outras ocasiões, tendo o direito de viver dos bens materiais daqueles


com quem compartilhou benefícios espirituais, prefere trabalhar com
suas próprias mãos para não ser razão de carga, já que é ele quem deve
se importar com os demais. Em vez de receber, dá. Entrega-se como
alimento a todos.

Deixar-se comer significa não ser servido, mas estar a serviço dos
demais, como nosso Mestre, que veio dar sua vida por nós.

G. FAZEI ISTO EM MINHA MEMÓRIA


O último passo na formação de um discípulo é reproduzir com fidelidade o
mesmo que seu Mestre fez.

Essa palavra deve ser por nós entendida primeiramente em voz passiva:
devemos fazer pelo Mestre. Consentir em que Ele nos leve por esse
processo que nos transforma em discípulos à sua imagem e semelhança.
Vale dizer, o discípulo nas mãos de Jesus deve chegar a ser Eucaristia,
hóstia viva que se oferece ao Pai pela salvação de todos os homens. O
discípulo é pão que se transforma, mas o mesmo tempo é altar onde o
próprio Jesus se consagra a Deus e aos homens.

Em segundo lugar, o Senhor quer nos dizer: repitam também vocês esse
caminho. Não se trata, pois, simplesmente de treinar nossa gente em
técnicas ou dinâmicas de grupo ou capacitá-la em linguagem da
comunicação; sua vida tem que ser Eucaristia: de outro modo não podem
chegar a ser discípulos.

Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-


as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28,19).

Jesus nos enviou a ensinar tudo o que nos havia mandado. Pois bem, o
sumo de seu programa de vida o encontramos sintetizado na Eucaristia. O
que devemos, pois, ensinar aos outros é a ser Eucaristia em quem se repita
o mesmo processo pelo qual Jesus passou. A sabedoria de um formador de
discípulos está em conhecer esse caminho e percorrê-lo junto àqueles aos
quais está lapidando como discípulos.

Ao chegar à basílica de São Pedro em Roma, somos recebidos por três


fileiras de colunas idealizadas por Bernini que são como braços abertos a
nos dar as boas-vindas.

À Sombra da impotente cúpula da basílica, diante da majestosa entrada,


deparamo-nos com dois guardiões sobre idênticos pedestais: são os pilares
da Igreja de Jesus. O primeiro tem chaves em uma das mãos. O outro
segura a espada da Palavra e o livro com suas epístolas.

Todo mundo reconhece de imediato: Pedro e Paulo, colunas firmes da fé na


Igreja de Jesus.

Todavia, atrás de Pedro, príncipe da Igreja, está seu irmão André, que foi
quem o chamou e levou até Jesus. Sem esse gesto fraternal, o pedestal da
Igreja estaria vazio.

Atrás do apóstolo dos gentios está Ananias, aquele humilde discípulo de


Jesus que se atreveu a orar pelo perseguidor, curá-lo e enchê-lo do Espírito
Santo.

Se Ananias não houvesse levado sua missão a contento, não poderíamos


hoje ler nenhuma epistola do incansável peregrino do Evangelho.

Sempre acreditamos que a maior alegria neste mundo é encontrar o tesouro


da Vida Nova em Cristo Jesus. Mas há algo maior que isso: ser instrumento
para que outros o encontrem. E mais ainda: formar outros que
multipliquem e estendam a obra salvífica de Cristo Jesus neste mundo.

A maior felicidade não consiste em ser discípulo de Jesus, mas em fazer


discípulos do único Mestre. A maior alegria não é ser mestre do rebanho,
mas sim capacitar outros para que cheguem a ser mestres e pastores da
Igreja de Jesus.

Nossa atitude: formar discípulos

Como resposta a esta confiança que o Senhor depositou em nós não temos
senão que fazer uma opção preferencial em nosso trabalho apostólico:
formar discípulos. Isso, implica renunciar a outros planos que são bons e
maravilhosos. Como não podemos realizar tudo, a cada discípulo cabe
reproduzir exatamente o que fez seu Mestre: formar outros que continuem
por sua vez a obra de instauração do Reino de Deus neste mundo.

Trata-se de tomar uma decisão que vai mudar nossa vida e a vida de
muitos. Esta decisão vai se cristalizar em um projeto de vida em que a
única coisa a importar será ser facilitador para que o Espírito Santo vá
reproduzindo a imagem de Jesus em todos aqueles que proclamam seu
nome.

O exemplo mais ilustre de um discípulo verdadeiro é Maria de Nazaré. Ela


ouve a palavra e acredita nela imediatamente, para pô-la em prática em
seguida e ser assim capaz de dar essa palavra ao mundo. Passou trinta anos
em sua escola, assimilando e aprofundando cada palavra de Senhor e
Mestre. Guardava toda atitude de seu filho no recôndito de seu coração. Por
isso, ninguém como ela pode deixar um testamento para todo discípulo de
Jesus: Fazei tudo o que ele vos disser (Jo 2,4).

Conclusão

A Eucaristia não é só uma celebração, mas uma vida que se plasma em


cada discípulo do Mestre. Cada discípulo deve ser uma Eucaristia, unida à
vítima de suave aroma que se ofereceu pela salvação de todos os homens.
Esse é o programa de vida e o itinerário pelo qual transita um discípulo que
está prestes a ser como seu Mestre.

Catequese Permanente:
Formação Espiritual: Nossa Missão I

A. JESUS COMPARTILHA SUA MISSÃO COM SEUS


DISCÍPULOS

Jesus tinha por missão salvar todos os homens de todos os tempos e até os
confins da terra. Não obstante, limitado pelas circunstâncias, pregou apenas
em um estreito pedaço de terra, e sua voz somente soou por três anos no
concerto da história. Como romper esta barreira do tempo e ultrapassar as
fronteiras do espaço? Formou seus discípulos e capacitou uma dezena de
mestres para, desse modo, multiplicar-se, participando-lhes exatamente a
mesma missão que a ele se havia confiado. São quatro os aspectos
complementares que configuram a missão dos enviados por Jesus.
a. Prolonga sua missão

Como o pai me enviou, também eu vos envio (Jo 20,21)

Se a missão de Jesus consistiu em ser salvação de Deus para os homens, os


discípulos-apóstolos são não mais que os canais pelos quais flui essa
salvação.

Nossa missão, pois, não pode ser outra que a de estender no tempo e no
espaço a obra salvifica de Cristo Jesus, para com ele realizar a mesma obra
que o Pai lhe encomendou.

Fomos chamados à empresa mais maravilhosa deste mundo: trabalhar na


vinha do Senhor.

b. Encheu-os do Espírito Santo

Um dos momentos-chave da vida de Jesus foi quando baixou ao Jordão


para ser inundado pelo Espírito Santo. Graças à Força do Alto iniciou seu
ministério fazendo milagres, proclamando a Boa-Nova e revelando o
mistério do Reino. Por isso, de igual modo, encheu os seus do Espírito
Santo, habilitando-os assim a continuar sua missão. No dia de Pentecostes
lhes enviou do céu a Força de Deus que os capacitou para implantar seu
Reino neste mundo.

Somente com o Espírito de Cristo ressuscitado é possível construir o Reino.


Assim como o Espírito autoriza Jesus como Messias, ele mesmo sela os
discípulos e os confirma na vocação a que foram chamados. Como missão
ultrapassa as forças humanas, são revestidos de um poder especial que vem
diretamente de Deus através de seu Espírito.

Sem o Espírito de Cristo ressuscitado seria impossível completar sua obra.


Sem uma experiência pneumática, como a de Jesus no Jordão ou a dos 120
no Cenáculo, não se pode fecundar a vida de Deus no mundo. O livro dos
Atos dos apóstolos narra não menos do que oito doações do Espírito. Vale
dizer, a efusão do Espírito se repete sempre que seja necessária. Cada
“enviado” precisa de um Pentecostes pessoal que capacita a dar testemunho
da ressurreição de Cristo Jesus.
c. Equipo-os com carismas

Neste grande mandamento havia um elemento muito importante que muitas


vezes se passa por alto: proclamai a Boa-Nova a toda a criatura (Mc
16,15).

Nesta frase se sublinha a proclamação: somos convocados a anunciar a


morte e proclamar a ressurreição de Cristo Jesus. É esse o fundamento de
nossa fé e o núcleo da pregação. Não se trata, pois, de uma comunicado de
teorias, doutrina ou moral, mas do anúncio explicito da pessoa de Jesus
com seus três acontecimentos salvifícos centrais: sua morte, sua
ressurreição e sua glorificação; e seus três títulos mais importantes:
Salvador, Senhor e Messias. E tudo isso para que o evangelizado tenha sua
experiência de salvação graças a um encontro pessoal com Cristo
ressuscitado. Apesar disso, tampouco devemos esquecer o que Jesus disse
imediatamente em seguida:

Esses são os sinais que acompanharão os que tiverem crido: em meu nome
expulsarão os demônios, falarão em novas línguas, pegarão em serpentes,
e se beberem algum veneno mortífero nada sofrerão; imporão as mãos
sobre os enfermos e estes ficarão curados (Mc 16,17-18).

O Espírito Santo distribuiu ferramentas para construir a casa de Deus.


Esses instrumentos chamam-se carismas ou dons, e estão orientados a
manifestar que o Reino irrompeu entre nós por intermédio de Jesus morto e
ressuscitado.

Se nossa pregação está animada pelo Espírito de Deus, não é lógico que
não existam carismas. Assim como o fogo sempre queima, o Espírito
sempre produz esses dons na comunidade tendo em vista a proclamação.

Evangelizar sem utilizar os carismas é já mutilar o Evangelho, pois se


suprime um elemento que é parte essencial do ministério do próprio Cristo
Jesus e de seus apóstolos (Mc 4,23; 10,7-8). Evangelizar sem carismas é
debilitar a força intrínseca da Palavra de Deus. As promessas que
anunciamos têm que se mostrar. Os dons carismáticos não servem somente
para provar a veracidade da doutrina, mas são atos salvíficos, por
intermédio dos quais Deus se manifesta entre os homens.

Entendidos desse modo, os carismas não são opcionais. Portanto, não é


possível abdicar dos instrumentos que o próprio Jesus Cristo utilizou. Os
que não valorizam os carismas deixam de lado o plano de Jesus, que
prometeu sinais que acompanhariam a proclamação do Reino de Deus.

Um dia objetaram ao padre Emiliano Tardif que havia bispos que não
apreciavam os carismas, e até cardeais que acreditam ser os carismas
assuntos do passado. O padre, com sinceridade suprema e lógica
irrefutável, argumentou: “Mas isso não depende de gostarem ou não dos
carismas. Se lerem o Evangelho perceberão que Jesus, que é o mesmo
ontem, hoje e sempre, valia-se deles constantemente.

Os carismas são acompanhantes necessários em nossa evangelização.


Talvez por sua ausência nossa palavra não assombra nem convoca para a
fé, reduzindo-se seu poder ao mínimo de eficácia. Desgraçadamente, os
carismas têm estado ausentes por tantas vezes que até nos parece normal
viver sem eles. Na cidade de Nova York as pessoas já não veem as estrelas,
mas nem por isso as estrelas deixam de existir. O mesmo se dá com os
carismas. Não é porque não os tenhamos visto por tanto tempo que não
existam. Se a Palavra assegura que sinais portentosos acompanham a
“proclamação” e estes não se manifestam, não há por que negar a
existência dos sinais, mas deve-se procurar o porquê de terem
desaparecidos de nossa pastoral.

d. Dar muito fruto, e um fruto que permaneça

Meu pai é glorificado quando produzis muito fruto, e um fruto que


permaneça (Jo 15,8-16).

Estamos diante do texto fundamental que delineia claramente nossa meta.


Nossa missão é chegar a frutificar abundantemente.

Somos chamados à obra mais gigantes da história: instaurar o Reino de


deus neste mundo. Fato mais importante que o big bang que deu início às
galáxias, trabalho mais determinante que o descobrimento da América,
ação mais transcendente que a expansão do Império Romano.

Somos convocados ao grande. Nossa vocação é sublime. Isso não vai


contra a autêntica humildade. Ao contrário, a verdadeira humildade não
consiste em viver pobre ou escondido, mas em dará a Deus a glória de tudo
quanto fazemos, sem pensar nem presumir que o conseguimos graças a
nossas possibilidades ou aptidões. Se comparamos Deus com o sol, somos
como a Lua que ilumina a Terra. A humildade não consiste em ocultar a
luz, mas em reconhecer que essa luz que manifestamos não é própria, mas
nos vem do sol.

O senhor não está de acordo com que escondamos os talentos que nos
confiou, mas sim que sejamos como lâmpada acesas que iluminam todos os
que estão na casa. Temos de ser como cidades edificadas no cume da
montanha, luz do mundo e sal da terra. O Senhor não nos pede pouco.
Espera que façamos coisas maiores que as que Ele fez (Jo 14,12).

Certas pessoas estão mais interessadas em florescer do que em frutificar,


que seu grupo seja grande, que tenha recursos financeiros para fazer muitas
coisas, ter computadores, aprovação de estatutos, etc. Muitas vezes, mede-
se o trabalho apostólico por elementos aparentes ou triunfos gratificantes,
mais que pelos frutos que produz. Buscam-se êxitos gloriosos ou receber
aplausos passageiros, que se exibem como os lauréis de uma vitória.

Geralmente, os que presumem êxitos pastorais referem-se somente às flores


e não aos frutos.

Os frutos não precisam ser presumidos: mostram-se por si sós. São Paulo
disse:

Mas o fruto do Espírito Santo é amor, alegria, paz, longanimidade,


benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio (Gl 5,22-23).

O fruto, por outro lado, não é algo forçado, mas tão somente o que há de
mais natural em uma árvore. O que há de extraordinário em que uma
macieira produza maças? Uma laranjeira não tem que fazer o mínimo
esforço para não produzir limões azedos, pois oferece naturalmente frutos
doces e apetitosos.

O mesmo acontece na vida do Espirito. Quem tem o Espírito de Cristo


correndo como sangue vivificante manifesta espontaneamente o fruto do
Espírito. Quem não o possui, por mais esforço que fizesse, não lograria
expressar essa alegria, essa paz e esse amor que vêm tão somente do
Espírito de Deus em nós.

A videira e a figueira

Por, outro lado, Jesus fala com muita clareza da árvore que não dá fruto. Se
o ramo que dar fruto é podado para que dê mais, e se a videira que não
frutifica é arrancada para ser queimada, deve-se destituir o servo que não
capitaliza os talentos, tirar dele o que possui e jogar fora.

Para esclarecer mais essa ideia, encontramos um episódio que a todos


impressiona. Esta passagem é tão dura que Mateus e Marcos a registram, e
misericordioso Lucas a suprime. Trata-se da maldição da figueira estéril.

No caminho que vai de Betânia a Jerusalém, encontrou Jesus uma figueira


silvestre que estendia sua frondosa folhagem, oferecendo sobra fresta aos
fracos transeuntes e peregrinos. O Mestre se aproximou, buscou e rebuscou
por todas as partes, sem encontrar fruto algum. Logo se agachou e
vasculhou entre os galhos carregados de folhas, mas nada encontrou.

Então, com inusitado, e mesmo injustificado, nojo, amaldiçoou a figueira,


que secou imediatamente, murchando as folhas. Os galhos se dobraram e o
tronco apodreceu como se houvesse sido atingido por um raio.

Podemos pensar que Jesus exagerou. Sobretudo se recordarmos que não


era tempo de figos (Mc 11,13).

Ademais, estando a caminho, talvez outros tivessem se adiantado e comido


todos os que havia. Talvez o dono tivesse recolhido seus frutos no dia
anterior. Enfim, poderíamos encontrar mil desculpas; mas a mensagem
reside precisamente em que não justificação válida para não haver fruto. O
fruto não deve ser de temporada, mas para todos, e quando todos dele
necessitem. Não deve depender da estação, mas da necessidade dos demais.

Há árvores altamente estimadas porque seus troncos se pode extrair a


preciosa madeira. Há outras que ornamentam parques e jardins. Outras
ainda são valorizadas pelas belas flores que produzem. Mas a videira não
tem nada disso. É um caule frágil e longo, que vai se retorcendo sem beleza
nem harmonia. A videira que não produz fruto não serve para nada. Vale
dizer, não tem valor algum, sentido algum. Assim também a nossa vida. Se
não damos fruto, não servimos para nada. Não fomos feitos senão para
frutificar.

Se as flores são para se vangloriar, os frutos são para comer. Quando


produzimos frutos, não é para serem medalhas honoríficas que nos façam
sentir superiores aos demais.
Os frutos não adornos da árvore (Os 10,1), nem se expõem em uma vitrine
para admiradores, mas estão disponíveis para todo aquele que se aproxime.
Não se trata, pois de envaidecer-se pelo alcançado, mas de oferece-lo aos
demais para que o comam.

Catequese Permanente:
Formação Espiritual: Nossa Missão I

Qualidade versus quantidade

Jesus escolheu expressamente o exemplo da videira ao dizer que esperava


muito fruto de nós, e o fez pela seguinte razão: quando um cacho de uvas
está muito carregado, o vinhateiro se aproxima e corta algumas delas, para
que as que restam tenham mais espaço para crescer, sacrificando-se a
quantidade para obter a qualidade. O cacho ideal não é o que tem muitas
uvas; antes, não deve ter mais que setenta e duas. Por conseguinte, quando
Deus pede muito fruto, não se refere à quantidade, mas à qualidade.

Isso explica porque Jesus afirmou: O que produz fruto, Ele o podará (Jo
15,2). Isso é, será purificado para que não se engane pensando que o
importante é ter fruto. O essencial é ter bom fruto, ou seja, fruto de
qualidade. Aplicando-se isso a nós, temos que podar tudo aquilo que nos
impeça de dar frutos de qualidade.

Há que fazer opções no ministério, escolhendo vias pastorais que façam


produzir mais fruto, ainda que para isso se tenha que sacrificar outros
projetos que pareciam bons. Dar muito fruto não se refere, pois,
principalmente a quantidade, mas sim à qualidade.

Por seus frutos os reconhecerão

O sinal pelo qual se identifica uma árvore é pelo fruto que produz. Uma
árvore boa não produz frutos maus, nem uma árvore má produz frutos
bons. Os galhos e a folhagem são secundários. As flores são enganosas. O
que importa são os frutos.

Nisto reconhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos
outros, como eu vos amei (Jo 13,35).

Jesus não disse que nos identificariam pela associação piedosa a que
pertencemos, por uma cruz no peito, pelo rosário que rezamos, pelas
doações que fazemos ou pela teologia que conhecemos, senão pelos frutos
que damos.

A pedra de toque que identifica um discípulo de Jesus é o amor: amar a


quem nos ama, ao próximo, ao inimigo e ao necessitado.

B. A GRANDE COMISSÃO: FAZER DISCÍPULOS


a. Mestres, formadores de discípulos

Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-


as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar
tudo quanto vos ordenei (Mt 28,19-20).

Tratava-se uma ordem. Notemos que não é um conselho ou uma sugestão,


mas um imperativo como “não matarás” ou o de “amarás a teu próximo
como a ti mesmo”. Não se tratava de uma opção, mas sim de parte
essencial de todo discípulo seu. Assim, quem não guarde e ponha em
prática esta palavra do Mestre não pode ser chamado seu discípulo.

Esta é nossa primeira responsabilidade. Ele não nos pediu que chegássemos
a ser magníficos organizadores, comerciantes ou chefes de Estado, nem
mesmo pregadores internacionais, mas simplesmente formadores de
discípulos. Nunca nos disse que o êxito de nosso trabalho pastoral residia
em nossos títulos e graus acadêmicos, mas sim que o povo estivesse
disposto a carregar a sua cruz até a morte.

Então, porque nos dedicamos a fazer tantas coisas menos produzir


discípulos de Jesus? Temos formado verdadeiros discípulos ou não
fazemos senão levar multidões a Jesus?

Há comunidades que formam seguidores da comunidade e estão mais


apegadas a suas regras que ao Evangelho. São mais fiéis a suas tradições
que à palavra de Deus. Há congregações religiosas que tratam de imitar
mais seu “santo” fundador, muitas das vezes nem mesmo canonizado, que a
Jesus Cristo. Interessam-lhes mais os escritos do fundador que o
Evangelho. Outros dependem mais de supostas mensagens celestiais que da
Palavra de Deus, que é viva e eficaz.

Quando o povo se referia aos franciscanos, dominicanos ou maristas,


parece que se está olhando somente para a placa que indica o caminho, sem
que se vá até a meta. O valor de Francisco de Assis, Domingo de Guzmán e
até de Maria reside em que foram discípulos que, com seu exemplo,
arrastaram outros a Jesus. Nunca quiseram levar os demais para sim; foi tal
maneira que serviram a Jesus que outros também os acompanharam neste
caminho. Um verdadeiro discípulo não admite que a comunidade que ele
iniciou adote seu nome próprio. Seu único afã é que cada um seja um
verdadeiro seguidor do Mestre de Nazaré.

Se ao mandamento de Jesus se chama a grande comissão, sua omissão é


pecado um pecado muito grave. Talvez nenhum de nós tenha se confessado
dizendo: Acuso-me de não fazer discípulos de Jesus”. Esta grande omissão
é mais grave que muitos dos pecados de que nos acusamos no
confessionário.

Se uma macieira produz maças, um discípulo produz outros discípulos. Se


não o faz, há que duvidar seriamente de sus identidade como discípulo.

Com clareza de que esta é nossa primeira vocação, não seria mal fazermos
um exame de consciência com as seguintes perguntas: Quantos discípulos
fiz? Quanto tempo faz que formei o último? Estou produzindo discípulos
que por sua vez formem discípulos, ou sou apenas o animador que
entusiasma a multidão no domingo de Ramos?

b. Opção preferencial: formar formadores

É necessária uma hierarquia de valores pastorais com opções preferenciais,


ainda que isso implique renunciar a muitos projetos promissores. A
prioridade de nosso ministério deve ser “fazer discípulos”, instauradores do
Reino. Enquanto não aterrissamos neste campo de trabalho, todo o mais
será inútil. Há que tomar uma decisão, pagando o preço necessário.

Nossa meta não se reduz a ser discípulos, mas sim a produzi-los, o que
implica, necessariamente, que cheguemos antes a ser mestres. Somos
mestres não pela doutrina que transmitimos, mas por lapidar novos
discípulos.

O único método para assegurar que a cadeia não se rompa e continue a obra
que Deus nos encomendou é formar formadores. O único caminho para nos
multiplicar é formar outros que, por sua vez, capacitem muitos como
discípulos.
A eficiência não se mede pelo que fazemos, mas pelo que conseguimos que
outros façam. Não basta que sejamos discípulos. Não basta que
produzamos discípulos. É necessário capacitar mestres. Não basta somar
nossas forças, há que multiplicar. Como? Formando mestres que ensinem
outros a chegar a ser mestres por sua vez.

São Paulo, o grande formador de dirigentes, recomendava a seu discípulo


Timóteo que formasse outros capazes de continuar a obra:

O que de mim ouvistes na presença de muitas testemunhas, confia-o a


homens fiéis, que sejam idôneos para ensiná-lo a outros (2Tm 2,2)

No princípio da instauração do comunismo na China, os missionários


estrangeiros forma expulsos. A maior parte refugiou-se na ilha de Formosa,
conhecida como Taiwan, esperando um dia voltar ao continente.

Imediatamente, a Igreja cristã de Formosa experimentou um crescimento


imaginado. Nasciam novas paróquias por todo lado, inauguravam-se
centros de catequese e até aumentaram as conversões de modo assombroso.
Abriu-se mesmo um Centro de Línguas, onde se ensinavam o mandarim e o
cantonês. Nunca antes o cristianismo havia florescido tão rapidamente em
um país de missão.

Essa primavera de tanta esperança viu-se detida pelo fato de que já não
chegavam mais missionários do continente. Por outro lado, Taiwan não
preenchia as expectativas de nenhum missionário do Ocidente.

Com o passar do tempo, começaram a morrer os velhões e heroicos


missionários, não deixando ninguém para substituí-los em suas tarefas.
Então o Centro de Línguas e muitas paróquias fecharam as portas por falta
de pessoal, ao mesmo tempo em que outras agonizavam na anemia.

Nossa passagem por este mundo é transitória. Se não deixarmos algo que
permaneça, quando morrermos se acabará tudo o que fizemos.

Para que a corrente não se rompa, urge formar mestres que sejam como nós
ou melhores, que sejam como Jesus. O verdadeiro mestre não é o que tem
muitos alunos, nem mesmo o que produz discípulos, mas o que produz
mestres. Esta é a meta que deve ser alcançada. Por isso, o autor da epístola
aos Hebreus se queixa de seus destinatários, porque não chegaram todavia
a ser mestres que ensinem a outros e têm que voltar a ser instruídos (Hb
5,11-14).

O sinal que identifica os verdadeiros mestres é que estão produzindo


mestres. O pastor engendra pastores, a ovelha, a ovelhas. O que
produzimos depende disso que somos.

Nossa meta, pois, não se limita a ter um rebanho muito grande, mas uma
escola apostólica que forme discípulos que, por sua vez, cheguem a ser
mestres.

Quando falamos de mestres, não estamos nos referindo somente a


pregadores da Palavra de Deus. Não. Trata-se de pessoas que por sua vez
sejam capazes de formar discípulos de Jesus, aptos aos diferentes
ministérios da comunidade:

_ Evangelizadores que proclamem a Boa-nova.

_ Mestres que ensinem a doutrina da fé.

_ Pastores que conheçam cada uma de suas ovelhas.

_ Acompanhantes na fé.

_ Promotores dos direitos humanos.

_ Coordenadores de pequenas comunidades.

_ Agentes de pastoral social.

_ Evangelizadores que usem a música e os meios de comunicação.

_ Pessoas que preservem e promovam a ecologia.

c. Formar comunidades de discípulos

Os discípulos se formam na escola da comunidade, junto com outros. São


plantas que não florescem se não estão ao abrigo de outras.

Nesse itinerário, o que importa não é caminhar, mas marchar juntos, pois
de outro modo corre-se o perigo de fatigar-se sem conseguir avançar.

O discípulo forja-se somente na companha de outros que compartilhem sua


mesma rota. Portanto, não existe realmente um discípulo, mas sim uma
comunidade de discípulos.
O ponto fundamental de uma comunidade não é a estrutura (estatutos ou
regulamentos), mas sim a espiritualidade que anima, que chega a ser como
o motor de toda a sua vida.

A espiritualidade, nesse caso o “discipulado”, é o que determina a


comunidade.

Conclusão

Se de alguma forma nos atrevêssemos a sintetizar a mensagem destas


páginas, seria assim: reproduzir o programa de vida de Jesus, fazendo
discípulos.

_ Fazer

Significa que não nascem por geração espontânea, mas sim por um
processo que exige um plano e um método.

_Discípulos

Que sejam como seu Mestre, para que façam o mesmo que ele.

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