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Indígenas no Rio Grande do Sul, entre a esperança e a miséria - Agênci... https://apublica.org/ensaio/2018/07/indigenas-no-rio-grande-do-sul-entr...

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Indígenas no Rio Grande do Sul,


entre a esperança e a miséria
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12 de julho de 2018 Fabrício Mota


12:16

Algumas pessoas me perguntaram por que iria fotografar os


indígenas no Rio Grande do Sul. Não há uma resposta.
Apenas segui meu instinto de fotógrafo. Se você parar para
pensar, não faz nada. Fiquei, ao todo, seis dias fotografando
e percorri 1.900 quilômetros.

Meu desejo era conhecer o processo que os povos


tradicionais chamam de “retomada”, em que grupos
indígenas se reúnem e regressam a territórios que, de
acordo com eles, seriam ancestrais. Nos dias de hoje, toda
terra tem dono. Por isso, as situações de conflito e
segregação se tornaram inevitáveis.

Os Guarani Mbya vivem na região metropolitana de Porto


Alegre e próximos ao litoral. Sempre evitaram o embate
com povos que os ameaçavam. Com os europeus não foi
diferente. Pacíficos, passaram séculos perambulando pelas
estradas e vivendo nas periferias das cidades, se esquivando
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 dos conflitos. Hoje, tentam se organizar e retomar as terras 


de seus antepassados. 

Fabrício Mota

Indo em direção ao centro do estado, às margens da


BR-290, encontrei três acampamentos Guarani. Todos em
situação precária, com barracos feitos de tábuas de madeira
e lona. Na altura de Arroio dos Ratos, uma cidade com cerca
de 15 mil habitantes, conheci uma mulher com três crianças
bem sujas; não falavam português. Um homem chamado
Cristian me mostrou o riacho que corria por baixo de uma
  ponte
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 a onde moravam. A qualidade da água me

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 pareceu bem duvidosa. Mas eles a usavam para uma série 


de coisas, inclusive pescar. 

Fabrício Mota

Cristian, homem Guarani no acampamento Divisa à beira da rodovia


BR-
290, altura de Arroio dos Ratos. Ele está próximo ao túneis de baixo da
ponte por
onde corre o rio de onde se utilizam da água.

Mais para o oeste, em Cachoeira do Sul, eu encontrei


apenas um senhor vivendo à beira da estrada. Todos haviam
ido para a capital vender artesanato, e ele tomava conta do
local. Trajava uma camisa da seleção brasileira e me
mostrou, orgulhoso, uma capivara pendurada numa estaca
de bambu. Ele mesmo havia caçado. A carcaça do animal
estava cheia de moscas.

Ainda na movimentada rodovia federal BR-290, no trecho


correspondente ao município de Caçapava do Sul, o
acampamento Irapuá tinha muitas famílias; o cacique era
um jovem garoto com olhar esperançoso, apesar das
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 condições miseráveis do lugar. 

Fabrício Mota Fabrício Mota Fabrício Mota

Fabrício Mota Fabrício Mota Fabrício Mota

Seguindo viagem, já no centro do Rio Grande e me


direcionando para noroeste, comecei a encontrar outros
indígenas, os Kaingang. As pessoas dessa etnia são bem
diferentes dos Guarani. Mais numerosos, historicamente,
possuíram grandes terras demarcadas. Ao longo do século
passado, sofreram muita pressão externa, com o
crescimento da sociedade não indígena à volta, e assistiram
a seu território diminuir drasticamente. Nos últimos anos,
têm deixado as antigas aldeias, que hoje se encontram
saturadas, com intuito de retomar os territórios que um dia
abrigaram seus ancestrais. Com espírito aguerrido, o
contato inevitável com os brancos gera consequências para
o bem e para o mal.

Os que conheci possuíam feições miscigenadas, com


características europeias, como as filhas loiras do cacique
Ubiratan, casado com uma mulher não indígena chamada
Raquel. O homem grande e de fala decidida é o líder de um
dos três acampamentos à beira da BR-285, na altura de
Mato Castelhano, lugar de muito conflito com o
agronegócio.
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 Os Kaingang são evangélicos – vi muitas igrejas de madeira 


dentro das terras retomadas. 
São fluentes em português e,
em alguns casos, não falam mais o idioma nativo, como nos
dois lugares que visitei no município de Salto do Jacuí: o
acampamento do aeroporto abandonado e a aldeia do
antigo horto florestal.

Ao me aproximar desse povo, tive o prazer de conhecer


pessoas incríveis como Natanael e Isaias – homens fortes,
politicamente articulados e cientes de seus papéis de
liderança ante esse povo marginalizado. Natanael, cacique
da retomada Três Soitas, não se deixou fotografar, temeroso
de sua segurança. O lugar fica incrustado na cidade de
Santa Maria, numa área populosa perto da rodoviária. Num
passado recente, seus moradores sofreram muito com
represálias dos não indígenas.

Já Isaías saiu na foto exibindo orgulhoso seu cocar e uma


camisa em que se lia a expressão “Em Defesa dos
Territórios Indígenas”. A aldeia Goj Vêso, chefiada por ele,
fica em Iraí, que já foi sede de uma instituição de ensino
agrícola. Hoje, no local, surge uma próspera e alegre
comunidade às margens do rio Uruguai.

Eu ainda passaria pelas cidades de Constantina, onde


conheci os jovens recém-casados, Hariely e Cláudio, que
estavam montando casa e planejando iniciar uma nova
família; Sertão, uma ocupação em um antigo assentamento
do Incra; e Carazinho, onde fui muito bem recebido pelos
moradores, mas não fui autorizado a fotografar.

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 Fabrício Mota

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Fabrício Mota Fabrício Mota Fabrício Mota

No final do percurso, já voltando para a capital, ainda


passaria uns dias no litoral para visitar os acampamentos e
aldeias próximos ao mar. Reencontrei a cultura Guarani no
  acampamento
  de Capivari do Sul, onde o cacique era um

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 jovem. Em Maquiné, na recém-criada retomada Ka’aguy 


Porã, em meio a uma Mata Atlântica
 nativa e exuberante,
conversei com o cacique André. Sentados em frente de uma
escola que eles acabavam de construir, me explicou que a
palavra tekoha – que sempre é usada antes dos nomes das
retomadas – não se resume ao significado de aldeia. O
termo se refere também ao “lugar do modo de ser Guarani”,
onde há séculos viveram em harmonia com a natureza e
andaram “guiados pelos deuses”. E finalizou: “Os povos
tradicionais vão resistir até o último dia do mundo. Nós não
queremos retomar nossos territórios. Nós precisamos. Essa
luta é para a humanidade”.

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