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Introdução aos Profetas

Pré-Exílicos
Reginaldo Pereira de Moraes

Introdução aos Profetas Pré-Exílicos


1a ed.

Curitiba
2021
© Os direitos de autoria e patrimônio são reservados ao(s) autor(es) da obra e às Faculdades
Batista do Paraná (FABAPAR). É expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta
obra sem autorização da FABAPAR.

FACULDADES BATISTA DO PARANÁ


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Coordenação Adjunta do Bacharelado em Teologia EAD – Janete Maria de Oliveira
Autoria do Material – Reginaldo Pereira de Moraes

Coordenação Editorial – Thiago Alves Faria


Coordenação de Produção – Murilo de Oliveira Rufino
Núcleo de Inovação e Desenvolvimento Educacional – Elen Priscila Ribeiro Barbosa
Revisão – Edilene Honorato da Silva Arnas
Design Instrucional – Edson Luiz Mancini Junior
Design Gráfico e Diagramação – Thiago Alves Faria
Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP)
Rozane Denes (Bibliotecária CRB/9 1243)
Sumário
Apresentação..................................................................................6
1. Introdução ao Movimento Profético na Bíblia...........................8
1.1 Definições Iniciais sobre os Profetas
(Tipos e a Escola/Profissionais)................................................................................. 9

1.2 O Surgimento dos Profetas e sua Missão......................................................16

1.3 A Mensagem, seu Recebimento e Transmissão ........................................21

1.4 A Literatura Profética e o Uso da Poesia Hebraica......................................37


Síntese do Capítulo.........................................................................40
2. Deus não Tolera a Pecaminosidade:
um Panorama aos Profetas Oséias, Amós e Miquéias.................42
2.1 O Livro do Profeta Oséias...................................................................................... 43

2.2 O Livro do Profeta Amós....................................................................................... 55

2.3 O Livro do Profeta Miquéias................................................................................. 68

Síntese do Capítulo.........................................................................77
3. O Profeta como um Ser Humano e Emocional:
um Panorama sobre os Profetas Obadias, Jonas e Naum...........80
3.1 O Livro do Profeta Obadias................................................................................... 85

3.2 O Livro do Profeta Jonas....................................................................................... 97

3.3 O Livro do Profeta Naum....................................................................................... 110


Síntese do Capítulo.........................................................................117
4. A Hora de Prestar Contas: O Dia do Senhor
a partir dos Profetas Joel, Isaías, Habacuque e Sofonias............120
4.1 O Livro do Profeta Joel........................................................................................... 126

4.2 O Livro do Profeta Isaías ...................................................................................... 137

4.3 O Livro do Profeta Habacuque............................................................................ 142

4.4 O Livro do Profeta Sofonias.................................................................................. 152

4.5 Síntese dos Profetas Pré-Exílicos......................................................................157

4.6 O Dia do SENHOR e sua Conexão com o Novo Testamento..................158

Síntese do Capítulo.........................................................................158
Referências......................................................................................160
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Apresentação
Olá! Sou o professor e pastor Reginaldo Pereira de Moraes. Estudei
Teologia na FABAPAR e fiz a integralização pela FEPAR, especializei-me em
Liderança Pastoral pela FABAPAR e concluí meu Mestrado e Doutorado,
também em Teologia, pelas Faculdades EST. Tenho atuação ministerial como
pastor auxiliar desde 2003, e dedico-me à docência desde os idos de 2004.

Tenho escrito alguns artigos e livros, dos quais destaco: “O Fantástico


Mundo dos Fantoches”, “Introdução ao Hebraico”, “Introdução à Teologia
Bíblica do AT”, “Introdução aos Livros Poéticos e Sapienciais” e “Descanso
Sabático em Hebreus”. Ainda me considero um estudante em Teologia e amo
muito o que faço, porque além de abençoar as pessoas para as quais escrevo
ou ministro também sou ricamente abençoado e enriquecido por elas.

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1. Introdução ao Movimento
Profético na Bíblia
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1. Introdução ao Movimento Profético na Bíblia


Neste capítulo você aprenderá as principais questões relacionadas
ao profetismo em Israel, tais como: Por que tiveram tantos destaques?
Como surgiram? Quais as características de sua atuação e de seus
escritos? Como se relacionavam com Deus e com seu povo?, entre outros
aspectos necessários para se entender, mais adiante, a análise de cada
um dos livros reconhecidos como pré-exílicos.

FIGURA 01 – O profeta Davi – Rei Davi em oração

Legenda: GREBBER, Pieter de. O Profeta Davi – Rei Davi em Oração (original: David the
Prophet – King David in Prayer). Entre 1635-1640. 1 original de arte: colorida.
Nashville, TN, Estados Unidos da América. Coleção: Art in the Christian Tradition
(Vanderbilt University). Disponível em: http://diglib.library.vanderbilt.edu/act-imagelink.
pl?RC=57280. Acesso em: 14 jan. 2021. Domínio público.

#Pracegover: A imagem mostra uma pintura com um homem ajoelhado com os olhos
fechados em posição de reverência, enquanto um anjo está nas nuvens acima de sua
cabeça, ungindo-o.

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Estes livros são chamados de pré-exílicos porque, tradicionalmente,


são considerados como tendo o foco de suas mensagens antes do
evento fatídico que foi o exílio babilônico. Naturalmente, neste momento
histórico, ainda temos as duas partes do povo de Deus: Israel (ao norte)
e Judá (ao sul). Talvez você esteja se perguntando: Por que Isaías não foi
considerado um pré-exílico? De fato, há algumas linhas que o consideram
como pré-exílico, mas, pelo fato de boa parte de sua mensagem fazer
referência apenas a Judá e, em um período após o exílio, ele será estudado
mais adiante em outro recorte da história de Israel.

Ainda convém esclarecer que os nove livros (Oséias a Sofonias), que


serão trabalhados nos capítulos 2 a 4 deste livro, também são chamados
de profetas menores. Eles são denominados assim, juntamente com
os livros de Ageu, Zacarias e Malaquias, não porque possuem uma
importância menor ou porque tinham alguma coisa que os denegrissem.
São chamados de “menores” tão somente por conta do tamanho de sua
escrita. Por exemplo, enquanto os demais livros, como Isaías, Jeremias,
Daniel e tantos outros, eram escritos em um único rolo, todos estes últimos
nove livros do Antigo Testamento, após sua oficialização, acabaram sendo
unidos e escritos num único livro.

Dito isto, a seguir você aprenderá sobre definições gerais acerca do


profeta e da profecia, como surgiram e qual a missão dos Profetas, como
eles recebiam e transmitiam sua Mensagem e, por fim, alguns detalhes
acerca da profecia como literatura e o uso da poesia hebraica pelos profetas.

1.1 Definições Iniciais sobre os Profetas (Tipos e


a Escola/Profissionais)
Assim como Stott inicia seu livro sobre pregação, falando sobre o
que não é um pregador, faremos desta maneira. Antes de descobrirmos
as definições e os aspectos bíblicos relacionados ao termo, faz-se
necessário desmistificarmos nossas mentes. Você já deve ter ouvido
alguém falando que recebeu uma profecia ou que profetizou sobre a
vida de alguém. Infelizmente, em alguns círculos evangélicos estas
pessoas recebem, indevidamente, o mesmo status dos profetas bíblicos.

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Outro detalhe muito comum em nossos dias é considerar o profeta, tão


somente, como um adivinhador do futuro e, pior ainda, tem sido muito
comum alguns homens e mulheres ganharem fama por aquilo que dizem,
independentemente se possuem ou não uma vida espiritual condizente
com o viver cristão.

Tem sido cada vez mais comum ignorarmos as palavras de Deus em


Dt 13.1-5, quando claramente adverte que o mais importante no profeta não
é o cumprimento de suas palavras, mas se elas estão alinhadas com Deus
e interessadas em unir e abençoar o povo. O profeta bíblico está muito mais
para um professor, preocupado em ensinar e cuidar do seu povo, do que um
místico alienado que só sabe falar de coisas que ainda não aconteceram e
chamam mais a atenção para si do que para nosso Deus.

Outro aspecto muito interessante, que corrobora com a missão dos


profetas, podemos ver na própria língua hebraica, mais especificamente
na forma de conjugar os verbos. Enquanto nossa língua portuguesa se
preocupa muito com o quando: passado, presente e futuro, como se tudo
existisse numa linha vertical, sucessiva e contínua, o hebreu focava mais
no como a ação foi realizada. No hebraico bíblico, por exemplo, não há
a conotação presente, e o que nós traduzimos como passado e futuro,
na verdade, diz respeito a uma adaptação para o nosso dia a dia, pois
os personagens bíblicos pensavam apenas em dois “modos” diferentes:
completo e incompleto.

Tanto a ação completa, também chamada de perfeita, como


a incompleta ou imperfeita podiam estar ocorrendo tanto em nossa
concepção de passado como no presente ou no futuro. O que definiria
seria tão somente o contexto na qual o verbo foi escrito. Por exemplo,
quando se diz que “No princípio Deus criou os céus e a terra” (Gn 1.1),1
a ênfase do verbo criar não está indicando que foi em algum lugar do
passado, todavia, no hebraico significa que sua criação foi algo completo,
acabado e totalmente realizado. Por outro lado, quando o salmista diz
que o bem-aventurado “meditará na Lei do Senhor dia e noite.” (Sl 1.2b),

1 Neste livro, quando não houver indicação acerca da versão bíblica utilizada é porque
optamos em traduzir o texto diretamente do hebraico.

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conjuga o verbo meditar no modo incompleto porque por mais que ele
gaste o tempo todo meditando, sempre será uma ação inacabada por
conta da grandeza da Palavra de Deus. Não há como esgotá-la.

Esta forma de encarar a vida (completa e incompleta) nos ajuda a


explicar que para a profecia bíblica a grande questão não era o vaticínio (a
arte de ver e desvendar o futuro), mas muito mais importante era entender
como Deus estaria agindo diante da situação em que o povo se encontrava,
caso não houvesse arrependimento. Infelizmente, hoje, criamos certo
padrão em que profetizar diz respeito somente a conhecer e declarar o
que há de vir, enquanto para os personagens bíblicos era mostrar onde
o povo estava, lembrar onde deveria estar e enfatizar o que ocorreria se
não houvesse arrependimento. Em outras palavras, a missão do profeta
era ajudar o povo a ver seu erro, lembrar do compromisso da aliança que
fizera com Yavé e convidá-lo ao arrependimento.

É muito importante termos isso em mente porque nos ajuda a não


correr certos erros na leitura de textos bíblicos. Já ouvi, por exemplo, que
Jonas ficou bravo pelo fato de Deus não destruir os ninivitas porque sua
palavra estaria comprometida. Afinal, ele teria dito que ela seria destruída
em 40 dias, e não foi. Mas, como veremos mais adiante, a própria Bíblia
mostra o verdadeiro motivo pelo qual ele não queria ir, o que não tem nada
a ver com este suposto medo.

Outra questão importante é percebermos que os profetas não eram


magos adivinhos. Desde muito cedo, a humanidade costumava se envolver
com questões mágicas e de adivinhação, no sentido de não apenas
consultar os deuses para se conhecer o futuro, mas, concomitantemente,
com o desejo de adulterá-lo a favor da necessidade daquele que busca
tal divindade ou seus representantes. Infelizmente, em Israel isso não era
tão diferente. Mesmo com as várias proibições da parte de Deus, volta
e meia, os reis acabavam cedendo à tentação de recorrer às práticas de
magias, adivinhações e agouro, como o rei Acazias, que manda consultar
o deus de Ecrom, Baal Zebube (II Rs 1.1-5). Nas palavras ali registradas,
só aparece o rei perguntando sobre seu futuro, mas, certamente, não era
sua intenção somente saber se iria morrer, mas sim que seus “sacerdotes”
pudessem reverter seu infortúnio.

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Os verdadeiros profetas não detinham a missão de manipular a


Deus, muito pelo contrário, eram emissários dele e a mando dele. É claro
que em algumas situações vemos alguns profetas intercedendo a Deus
por alguém ou pelo povo. Mas, em momento algum, você verá alguém
fazendo uma “mandinga” para evitar por conta própria uma determinada
consequência previamente mencionada pelo próprio Deus. Lembremos
da história em que Isaías chega para o rei Ezequias e diz que ele morrerá
em quinze dias. Como ele se arrepende, o profeta volta e diz que seus dias
se transformarão em quinze anos e manda que o rei coloque na ferida
uma pasta de figo (II Rs 20.1-11). Observe que a ordem de colocar a pasta
foi após Deus revelar ao profeta que curaria o rei.

O profeta é um mensageiro de Yavé e não seu controlador ou manipulador,


como, às vezes, vemos hoje em dia.

A recíproca também é verdadeira. É fato que o foco não era o


profeta em si, mas o agir divino para com seu povo, por intermédio do servo
escolhido para aquela missão. Todavia, quando dizemos que o foco não era
o profeta em si, não significa que ele era apenas um “fantoche nas mãos de
um ventríloquo”, isso não. Deus respeitou a individualidade e a personalidade
de cada um daqueles que comissionou para esta maravilhosa tarefa. Desta
forma, é prudente dizer e entender que o profeta, como tantos outros
personagens bíblicos, era fruto de sua época. Ou seja, mesmo que sua
mensagem possa, e deva, ser retransmitida aos nossos dias, num primeiro
momento, precisamos nos perguntar sobre o significado para sua gente;
e para isso torna-se de fundamental importância observarmos aspectos
referentes ao seu dia a dia em sua época.

Como veremos adiante, detalhadamente, temos profetas da


corte, profetas do campo, uns sacerdotes, outros sem qualquer vínculo
ministerial anterior, uns de origem rica, outros estadistas, poetas, cantores,
homens, mulheres, dentre outros. O que queremos é chamar sua atenção
para o fato de que cada um, independentemente de sua origem, quando
comissionados por Deus, dispunham-se a ser usado por ele, a partir do
que tinham e do que eram. Sua biografia, seu estilo de vida e seu jeito de
ser não eram adulterados, pelo contrário, Deus usava tais peculiaridades
para evidenciar ainda mais sua mensagem.

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Mas, diante de tudo isso, o que afinal significava ser um profeta?


Há algum texto bíblico que defina este personagem? Infelizmente, não
há nenhum texto bíblico que procure definir o que seria um profeta. Na
verdade, a Bíblia não se preocupa muito com a definição as coisas, como
você já deve ter notado. Mas, embora não tenhamos nenhum versículo,
podemos chegar a uma definição razoável do que seria esta função.
Principalmente, ao observarmos os vários exemplos e textos bíblicos
relacionados ao termo.
Nossa palavra “profeta” vem da transliteração do grego profhetes
(é a junção da preposição pro mais o verbo phemy, com o significado de
‘dizer em favor de’). A LXX optou por traduzir uma das palavras hebraicas
(Navi’ – “aquele que fala”) para profeta, isto porque ambas as palavras
têm como significado maior que a pessoa com esta denominação tem a
missão de falar em nome de outro, geralmente, em nome do nosso Deus
ou de algum deus, em se tratando do paganismo.
Certamente, falar algo em nome de uma divindade é uma boa
definição, todavia não abarca toda a essência deste ministério tão
incrivelmente fantástico. Crabtree, citado por Gusso, diz que “O profeta
é aquele que vê e entende a vontade de Deus; que recebe e reconhece
a revelação divina; que distingue entre os pensamentos do seu próprio
coração e a voz de Deus; que anuncia fielmente as coisas que recebe de
Deus”. (GUSSO, 2014, p. 17).
Se você conhece bem a Bíblia, já deve estar fazendo algumas conexões
do tipo: “mas Daniel, num determinado momento não entendeu a mensagem
divina”, conforme ele mesmo declara em Dn 12.8; ou então “Moisés não
conseguiu distinguir entre a vontade divina e os desejos de sua carne”
(Cf. Nm 20.10s); e Jonas não foi um exemplo de quem anuncia com
fidelidade a mensagem divina, afinal fez metade do trabalho e foi muito
sucinto (Cf. Jn 3.4). Se você lembrou destes fatos, parabéns, além de
boa memória são ótimos argumentos contrários à definição do Crabtree.
Todavia, como a Bíblia não se preocupa com uma definição clara do que
seria um profeta, as definições atuais são tentativas de descrever esta
função tão fantástica. Por isso, elas nunca conseguirão ser tão perfeitas, e
mesmo com estes pequenos exemplos de inadequação podemos ficar com
a ideia deste autor clássico entre os batistas brasileiros, mesmo porque,
no geral, é uma boa explicação do que é um profeta veterotestamentário.

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Além das palavras deste autor, é interessante observarmos a


etimologia das palavras hebraicas, utilizadas no Antigo Testamento, para
designar algumas funções destes homens e mulheres que se colocaram
à disposição de Deus. Mesmo porque, no conjunto destas facetas,
conseguimos ter uma noção maior e melhor do que esperar daquele que
vem em nome de Deus. Observe o quadro a seguir:

QUADRO 01: Palavras bíblicas utilizadas para profeta

Tradução
Transliteração Texto
para o Significado geral
do hebraico bíblico
português
Dt 13.1-11,
navi’ profeta Aquele que fala, com ou sem transe.
18.20-22
Um dos primeiros títulos utilizados, tinha
mais a conotação de destacar a habili-
ro’eh vidente I Sm 9.9
dade de se fazer predições (Ex.: vamos
ou não à guerra).
I Sm 9.6I
homem de Pessoa consagrada a Deus (Ex.: Samuel,
’ysh ’elohym Rs 17.18
Deus Elias, Eliseu).
II Rs 4.40
servo de Mesmo com o status que tinham entre o
‘avdey yhwh Am 3.7
Javé povo, ainda eram servos de Deus.
O nome Malaquias pode ser um
mensageiro nome próprio, mas seu significado é
mal’achy Ml 3.1
de Javé “Meu mensageiro”, designando que a
mensagem não era do profeta.
Atalaia,
Mostra a função de se avisar o perigo Ez 3.17 e
tsopheh sentinela,
que está chegando. 33.7
vigia
Destaca a humanidade do profeta,
filho do Ez 3.17,
ben-’adam colocando-o como representante dos
homem 33.7 e Dn 7
humanos.
I Cr 25.5, II
Outra forma de vidente, que recebe sua
hozeh visionário Cr 35.15,
mensagem por meio de visões.
Am 7.12
FONTE: Elaboração a partir de GUSSO, 2014, p. 15-16 e a última linha em SICRE, 2008, p. 76.

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Você deve ter notado que diante de tantas palavras, não é tão simples
achar ou chegar a uma definição que abarque todas as possibilidades que
a terminologia “profeta” leva em seu bojo. No entanto, a partir deste leque
de possibilidades, fica mais fácil entender como e por que homens como
Enoque, Abraão, Moisés, Saul e Davi foram reconhecidos pelo próprio
texto bíblico como profetas. Mesmo que aos nossos olhos, não seriam
de jeito algum. Note que, no fundo, nossa compreensão acerca dos
profetas ainda anda muito atrelada à questão da profecia em si (seja ela
vaticinadora ou não, como aprendemos há pouco). Todavia, precisamos
abrir mais nossas mentes, porque se a Bíblia os chama de profetas, de
fato são. Afinal, é muito mais fácil nossa compreensão estar equivocada
do que a Bíblia estar errada, não é mesmo?

Embora Enoque tenha sido o primeiro profeta a existir, Abrão foi


o primeiro homem do Antigo Testamento a ser chamado de profeta.
Ambos não possuem profecias alguma, mas o texto bíblico foi muito
claro em dizer que “Enoque andou com Deus” (Gn 5.22a). Ou seja, não
há como negar que Enoque foi um homem de Deus (’ysh ’elohym). Quem
melhor do que Abraão para receber o título de ro’eh (aquele que via os
planos de divino)? Afinal Deus se revelou muito intimamente a Abraão,
mostrando-lhe alguns de seus intentos. Seguindo nesta linha, Moisés
ainda hoje é reconhecido como um dos maiores profetas, sem, talvez, ter
proferido qualquer profecia. Mas, como um verdadeiro profeta (navi’), ele
falava todo o tempo em nome de Deus e ajudou o seu povo a entender
os desígnios divinos. Saul e Davi também se enquadram muito bem
quando comparados a esta perspectiva. Eles, respectivamente, podem
tranquilamente ser encarados como ‘avdey yhwh (servos de Yavé) e
mal’achy (mensageiro de Yavé). Mesmo com uma vida oscilante, Saul
conseguiu desenvolver bem seu papel diante do povo e Davi nos deixou
mensagens maravilhosas nas palavras dos salmos que ele compôs. Ou
seja, todos eles, de Enoque a Davi, embora não se enquadrem em nossa
definição comum, foram profetas do Deus altíssimo, sem ter suas vidas
associadas ao ministério de profecias.

Para fecharmos esta questão, quanto à definição em si, também


lembramos da tentativa de Abrego (In: SICRE, 2007, p. 84), que procura
definir os profetas como pessoas inspiradas por Deus que conseguem

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compreender a realidade ao seu redor, a partir da ótica divina e com um


desejo ardente de que seu povo mostre a transformação necessária para
estar em sintonia com os desígnios de Yavé. Em outras palavras, ele vê os
profetas não como meros repetidores da mensagem, mas como agentes
envolvidos e coparticipantes em todo o processo.

Agora, falando acerca de questões gerais de nosso estudo, ainda,


segundo Crabtree (1947, p. 11-20), os profetas, às vezes, eram tidos
como fanáticos pelos incrédulos, mas eles mesmos eram portadores de
profundas convicções e tinham certeza de seu chamado (Jr 1.5), sentiam
o peso ético e espiritual de seu trabalho (Jr 20.7,9), eram idôneos e aptos
para a missão (Isaías era um estadista e extremamente culto, Ezequiel era
sacerdote, Amós um exímio poeta, dentre outros exemplos de maestria
naquilo que faziam) e, acima de tudo, sua própria vontade e consciência
moral não eram violadas (eram homens livres, como Elias que teve a
liberdade de dizer para Deus que não queria mais ser profeta).

Outro aspecto interessante é que enquanto os reis de Judá


recebiam o trono de seus antecessores e os sacerdotes eram escolhidos
da descendência de Arão, a escolha dos profetas não estava limitada a
lugares, à linhagem ou ao gênero. Os homens ou mulheres que se tornaram
profetas o foram em virtude da chamada divina para esta função específica
(CRABTREE, 1947, p. 12). Isto é verdade; mesmo quando observamos os
chamados profetas da escola de profetas, ali encontravam-se homens
de diversas partes, que iam se preparando, mas, de fato, entravam para o
ministério profético somente quando eram comissionados por Yavé.

1.2 O Surgimento dos Profetas e sua Missão


Para falarmos do surgimento da classe profética, precisamos
relembrar um pouco da história de Israel. Você deve lembrar-se de que
a partir de Abraão (Gn 12.1-3) Deus decide formar uma nação para que
por meio dela seu nome fosse reconhecido em toda a terra, por meio do
testemunho de seu povo. A história bíblica não se limita apenas a narrar
os fatos, mas tem a intenção de servir como ensinamento de que o povo
de Deus deve sempre estar em submissão a ele, para que suas bênçãos
possam sempre imperar na vida das pessoas que o professam.

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Quando Moisés é usado por Deus para retirar seu povo do Egito, a
intenção divina é que eles não possuíssem sempre um líder, como um
rei ou comandante. A ideia seria manter a filosofia nômade, na qual o pai
cuida de sua casa, o avô cuida da aldeia (formada pelas casas de cada
filho), o tataravô seria o zelador da tradição do clã, a reunião no dia a dia
de anciãos (formada pelos líderes de cada clã) tomavam as decisões
de cada tribo, e a reunião esporádica com os principais anciãos de cada
tribo decidiam questões e resolviam problemas relacionados a todas as
tribos. Quando lemos sobre os príncipes do povo, no livro de Números,
não se referem a filhos de reis com direito a algum trono. Pelo contrário,
diz respeito aos representantes do povo.

A melhor tradução para isso seria “os principais do povo”. Observe


a explicação que o próprio livro de Nm 7.2 nos dá: “os príncipes do povo
(cabeças das casas de Israel)...”. Em outras palavras, nunca foi da vontade
divina que seu povo fosse liderado por governadores e reis. O objetivo
seria que as pessoas pudessem seguir e obedecer por conta própria as
diretrizes dadas por Deus no Sinai e, caso houvesse alguma divergência,
os anciãos (os chefes de cada grupo menor) deveriam cuidar da situação,
administrar as crises e lembrar a juventude dos grandes feitos e das
ordenanças divinas.

Neste período histórico e nesta proposta de vida, só precisariam de


duas figuras de liderança: o ancião, que cuidaria das questões político-
administrativas do grupo e o sacerdote, que cuidaria das questões de ordem
cúltica e religiosa. Este sistema de governo é chamado de Teocracia, no
qual Deus estaria sendo o líder, representado pelos anciãos e sacerdotes.
Porém, como o povo não quis se sujeitar a essa forma de governo, preferindo
antes a monarquia, Deus atendeu a vontade do povo, e lhes deu um rei.
Juntamente com o rei vieram todos os demais cargos e funções, com os
quais o governo pelos anciãos acabou sendo deixado de lado.

Observe que quando Saul, Davi e Salomão são ungidos rei sobre
Israel, os anciãos já estavam, gradativamente, perdendo sua influência,
mas os sacerdotes ainda detinham seu poder e autoridade. Ou seja, a
função político-administrativa foi assumida pela monarquia e sua estrutura;
no entanto, as questões relacionadas ao sagrado continuavam com os

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sacerdotes. Eles é que, por exemplo, escolhiam e ungiam o próximo rei


para assumir o lugar do anterior; e a sucessão dentre os sumos sacerdotes
era realizada entre eles mesmos. Porém, a partir do reinado de Salomão,
este também toma para si esta dupla responsabilidade. A partir de então,
a sucessão real passa a ser decidida pelo próprio antecessor, antes que
viesse a morrer, ou pela equipe de seus generais; além disso, o rei passa a
determinar quem seria o próximo sumo sacerdote (Cf. I Rs 2.35).

O maior problema desta mudança administrativa foi deixar Deus


de lado de todo o processo. Você deve notar que é na monarquia que
aparece uma maior quantidade de profetas. Como vimos, eles já existiam
antes, como Enoque, Abraão, Moisés, Débora, Eli e Samuel. Mas quando
comparado com o período monárquico, estas aparições foram realmente
muito pequenas.

Em poucas palavras, podemos dizer que os profetas surgiram quando os


líderes da época já não desempenhavam seus devidos papéis.

Na época dos juízes, como o povo precisava muito mais de um


guerreiro, Deus levantou vários juízes para ajudá-los, mas ali já havia a
figura tanto de Débora quanto de Eli e Samuel, que mesclavam a função de
juiz e profeta; com exceção dos dois últimos, que ainda eram sacerdotes.
Ou seja, na época dos juízes, quando os anciãos deixaram de ajudar o
povo a andar nos caminhos divinos, Deus precisou levantar outros tipos
de líderes que o ajudassem naquela situação momentânea e emergencial.

Todavia, no período monárquico, em que os sacerdotes foram


calados e os reis cada vez mais afastavam-se de Deus e da tradição do
povo, houve uma necessidade cada vez maior de alguém que pudesse
zelar pela saúde espiritual do povo. Por isso é que na monarquia há
muito mais profetas do que em qualquer outro período da história de
Israel. Inicialmente surgem como indivíduos isolados, mas com sua
determinação em buscar a vontade divina acima de tudo, acabam caindo
na graça do povo e, em pouco tempo, virando uma categoria de servos
de Deus bem específica, surgindo assim a tão falada “escola de profetas”.

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Hoje em dia, quando se faz menção a este grupo, sempre o é sob


aspectos positivos e como se fosse um grupo inerrante e que sempre
buscava servir a Deus e cumprir os seus propósitos. Porém, basta
uma rápida leitura nas passagens bíblicas para vermos que este grupo
também acabou se corrompendo. Em especial, a partir do momento que
passou a ser sustentado pela Monarquia. Por isso, mais para o final do
período profético, voltamos a encontrar profetas sem qualquer linhagem
(como Amós), oriundos da classe sacerdotal (como Jeremias e Ezequiel)
e vindos da classe dominante (como Isaías e Daniel, que eram da corte).

Como mencionamos, a principal razão do surgimento dos profetas


foi em decorrência do povo e sua liderança se afastarem dos caminhos
divinos e, ainda, abafarem os principais meios de Deus manifestar sua
voz. Por isso, é bom salientar que, independentemente de seus grandes
feitos (como Moisés e Eliseu que fizeram grandes milagres, Ageu que
mudou a vida do povo com apenas três pequenas mensagens), o grande
personagem, o maior protagonista no ministério profético e, quiçá, da
própria história, sempre foi e sempre será o próprio Deus (CRABTREE,
1947, p. 13). Por isso, possuíam um senso tão forte e claro de sua missão
entre seu povo. Podemos ver isso na declaração de Micaías, quando
consultado por Acabe: “Assim como vive Yavé, certamente aquilo que
Yavé me disser, isto falarei” (I Rs 22.14b).

Os profetas tinham noção disto e por isso eles viviam de tal modo
a proclamar e enaltecer o seu Deus. Além disso, segundo Crabtree, eles
tinham como missão: “persuadir o povo a permanecer fiel e obediente à
vontade de Deus” (CRABTREE, 1947, p. 16), isto porque mais do que qualquer
pessoa ou líder, os profetas compreenderam exatamente os perigos que
cercavam o povo de Deus, que embora tão abençoado, era bem pequeno,
quando comparado às nações inimigas. Todavia, não apenas conheciam
o tamanho do perigo, mas tinham uma doutrina coerente e sólida, a
partir da qual conseguiam ser “portadores da mensagem de esperança
da vitória do reino de Deus sobre todos os seus inimigos” (CRABTREE,
1947, p. 17). Eles ensinavam ao povo sua própria história, os princípios
divinos extraídos da Lei dada por Deus ao seu povo e, consequentemente,
“grandes verdades sobre o caráter de Deus” (CRABTREE, 1947, p. 19).

19
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E a figura do falso profeta? Embora seja tão comum nos dias de hoje
e no Novo Testamento, o Antigo Testamento não usa esta terminologia,
mas o reconhece como sendo aquela pessoa que diz falar em nome de
Deus, mas não o faz. Por exemplo, em Dt 18.20-22, Deus manda matar
o profeta que disser que falou em seu nome e não o fez. Mas, como
reconhecer este tipo de agente que se diz ser enviado por Deus e não foi?

A própria Bíblia nos dá ao menos duas respostas para esta pergunta


tão intrigante. A primeira questão é checar o acontecimento em si: “quando
o profeta falar em nome de Yavé e a palavra não vier nem acontecer, esta
é a palavra que Yavé não falou.” (Dt 18.22a). Outra dica muito valiosa,
também mencionada em Deuteronômio (13.1-4), é estar atento à intenção
do tal profeta. Mesmo que ele consiga fazer prodígios e sinais, mas se
levar o povo para longe do Senhor, não deverá ser ouvido. Curiosamente,
em ambas as passagens, este “falso mensageiro” é chamado apenas de
“profeta” (navi’) ou no mínimo “um profeta de mentira”.

Abrego (In: SICRE, 2007, p. 84-85) nos ajuda a entender a razão


disso acontecer. Segundo ele, o profeta nem sempre recebe a mensagem
totalmente clara, como veremos mais adiante. Este agente e servo divino,
muitas vezes, precisa desvelar aquilo que Deus lhe mostrou por meio de
uma visão ou sonho, e transformar numa linguagem acessível a seus
ouvintes. Muitas vezes, a mensagem é bastante ambígua e por isso o
profeta precisa sempre estar em sintonia com seu Deus. Ele ainda nos
chama a atenção para cuidar antes de sair rotulando os personagens.

O profeta tido como falso ou mentiroso é aquele que vive


insistentemente longe de Yavé. Diferentemente de alguns casos, em que
servos legítimos do Senhor se equivocaram em suas interpretações. Por
exemplo, Natan que de imediato apoiou a iniciativa de Davi construir o
templo, mas no dia seguinte mudou de ideia e deu outra alternativa para
o seu rei (II Sm 7.1-7). Natan não pode ser considerado um falso profeta,
embora, naquele dia fatídico, acabou falando por conta própria (ABREGO,
In: SICRE, 2007, p. 86).

Segundo Crenshaw, o profeta pode se equivocar por conta de sua


própria fé ou experiência ou, ainda, pode ser “enganado” pelo próprio
Senhor (CRENSHAW, citado por ABREGO, In: SICRE, 2007, p. 90). Lembram

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do profeta Micaías, citado anteriormente? Acabe estava unindo forças


com Josafá; há muito tempo Norte e Sul não agiam em união, então como
o rei do Sul era mais temente a Deus pediu que se consultasse a vontade
divina, por intermédio dos profetas, para ter certeza que deveriam ir à
guerra. Os quatrocentos profetas de Acabe foram favoráveis a ele, mas
Micaías foi contra; e no decorrer da trama, ele chega a declarar que o
próprio Deus havia enganado os profetas de Acabe.

Outra causa de equívoco entre os profetas é a própria natureza


humana. Coisas como: a) o desejo de ser bem sucedido; b) a pressão do rei
em querer que sua vontade prevaleça; c) a pressão de se adequar à teologia
popular, falando para agradar ao povo; d) a força da tradição religiosa,
muitas vezes distorcida dos desígnios divinos, mas com força suficiente
para direcionar a vida de todos; e) a valorização do individualismo, surgido
com o arrefecimento da solidariedade tão presente no período tribal, mas
quase nula, na decadente sociedade monárquica (CRENSHAW, citado por
ABREGO, In: SICRE, 2007, p. 90).

1.3 A Mensagem, seu Recebimento e


Transmissão
Neste tópico aprenderemos acerca do tipo de mensagem que os
profetas tinham. Embora individuais e com suas personalidades e estilos
respeitados, eles tinham um tema norteador para seus escritos. Também
veremos as principais formas pelas quais Deus se revelava a seus servos
e como estes transmitiam a mensagem recebida para seus conterrâneos.

1.3.1 O Tipo de Mensagem a ser Transmitida


Segundo Crabtree (1947, p. 13-14), embora houvesse muita
diferença entre cada profeta, entre o tipo de preparo de cada um, nas
questões políticas e sociais que os envolviam, nas questões econômicas e
religiosas que imperavam sobre o povo e, principalmente, na forma como
cada geração reagia à mensagem profética genuinamente divina, havia
uma harmonia muito grande no conteúdo proferido por todos os profetas,
o que ele chama de doutrina profética. Por exemplo, o dia de Yavé é um

21
< voltar

momento de prestação de contas. Isto é de consenso geral, o que muda


entre um profeta e outro é o alvo deste dia de juízo. Para Obadias, os que
sofrerão a punição são os edomitas; para Joel, o próprio povo, como um
todo; para Sofonias e Amós, somente os israelitas infiéis.

Em outras palavras, a mensagem de cada profeta é determinada


pela condição social-espiritual do povo, no momento em que a recebe.
Enquanto Isaías cria veementemente que Yavé livraria Jerusalém das
mãos dos assírios, cerca de dois séculos mais tarde, Jeremias era o único
a defender que Yavé não livraria Jerusalém das mãos dos babilônios. Além
disso, curiosamente, um mesmo profeta podia e precisaria mudar a ênfase
de sua linguagem e atuação, dependendo do estado de espírito de seu
povo. Como Ezequiel, por exemplo, que no início pregava veementemente
contra a opinião pública e a favor da destruição de Jerusalém. Após suas
palavras se cumprirem e o povo ficar totalmente abalado e sem esperança,
ele passa a enfocar sua tarefa em animar o povo a confiar na promessa
divina (CRABTREE, 1947, p. 15).

Além desta versatilidade, inerente a cada profeta, sua mensagem


girava muito em torno da justiça. Hoje se fala muito em justiça social, mas
nos textos proféticos não há esta especificidade. Talvez porque a justiça
como um todo depreenda de uma questão maior, o problema da falta de
ética. Há quem defenda que o tema central dos profetas seria a questão
ética, mas Crabtree (1947, p. 20-21) defende a ideia de que o principal
problema era teológico, pois não há ética verdadeira sem uma boa base
teológica e, principalmente, um relacionamento sério com Deus. Por isso
é que estes servos de Deus sempre procuravam resgatar a consciência
do povo de que eles foram escolhidos para: a) ser uma nação separada e
dedicada ao serviço a Deus; b) ser um reino sacerdotal, no sentido de ser
o intermediário entre os demais povos e o Senhor; c) ser um guardião e
transmissor da revelação específica de Yavé; d) ser uma testemunha de
que há consequências para o pecado.

Infelizmente, Israel preferiu andar na contramão da história, quando


optou por ignorar os preceitos recebidos no Sinai e, principalmente, as
chamadas de atenção dada por cada profeta. Parece que quanto mais
revelação possuía, tanto maior era sua afronta e seu pecado. Sim, a

22
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despeito de tanta revelação e do tanto que Yavé se doou a seu povo,


este se tornou tão pecaminoso quanto as nações pagãs à sua volta e
perdeu completamente o seu propósito e missão (CRABTREE, 1947, p.
21). Por esta razão, quanto mais a nação se rebelava, quanto maior era
sua pecaminosidade, tanto mais Deus levantava homens e mulheres para
servir de atalaias, avisando o povo sobre onde estavam, de onde vieram
e o que fazer para retornar à santidade e dignidade anterior, usando para
isso vários meios de revelação a seus servos e dando liberdade àqueles
que também ousassem na forma de transmissão da mensagem. Afinal,
o que importava não era como a mensagem chegou ou seria transmitida,
mas que ela era verdadeira e que veio com a autoridade do próprio Deus.

1.3.2 As Principais Formas de Recebimento da


Mensagem pelos Profetas
Não sei você, mas geralmente quando falamos em revelação divina
normalmente me vem à mente a expressão “E disse Deus...”. Quando lemos
esta expressão nas Sagradas Escrituras, temos a tendência imediata de
achar que Deus falou palavra por palavra aos ouvidos de seus servos. O
verbo hebraico que aparece nesta construção, normalmente traduzido
por “disse”, é wayomer e o seu principal significado é “E comunicou”. Sua
ênfase está no fato de que Deus notificou, independentemente da forma
como o fez. É claro que houve ocasiões, como no chamado de Samuel,
em que Deus falou de forma audível, como se fosse uma pessoa (I Sm
3.4-5), mas normalmente não era assim. A seguir, veremos as principais
formas pelas quais Deus escolheu se revelar a seus servos.

Diante de sua grandeza, não teríamos como esperar menos. Deus se


revelou a seus profetas de várias formas, umas bem explícitas enquanto
em outras nem tanto assim. Ele se manifestou mostrando sua mensagem
por meio da própria história do povo, de oráculos, sonhos, visões, êxtase
ou transe, casual ou intuitiva, com uso de trovões, de sua própria palavra e
ainda algumas formas indefinidas. Em muitas delas, o profeta participava
de forma bastante ativa, interpretando e criando a mensagem, enquanto
noutras era bem passivo, servia quase que como mero receptor e
transmissor. Vejamos cada uma delas com mais detalhes.

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Podemos tranquilamente dizer que a história do próprio povo foi


uma fonte muito rica de inspiração e até mesmo de mensagens proféticas.
Segundo Ausin (In: SICRE, 2007, p. 67-69), nossos personagens, na
verdade, não apenas testemunhavam ou lembravam os principais feitos
e acontecidos no passado de seu povo, eles de fato os liam de forma
diferente, interpretando suas lições e significados. Realmente podemos
dizer que os profetas tinham a grande habilidade de ver além do fato
em si. Além de eles contemplarem com profundidade a realidade que os
cercavam, conseguiam enxergá-la com os olhos bem abertos, como se
usassem os próprios olhos de Deus.

Ainda, segundo este mesmo autor, havia três grandes temas que
norteavam e serviam de baliza para o olhar dos profetas: o monoteísmo,
a eleição e a missão do povo entre as nações. O que levava os profetas
a se verem responsáveis por relembrar a história e transmitir a grande
mensagem de que: a) Deus é único e, consequentemente, é o Senhor
absoluto, assim, nada ocorre sem ser de seu agrado; b) Quando Yavé
fez uma aliança com Israel, não significava que as demais nações foram
excluídas de seus planos, tampouco que Israel poderia viver de qualquer
forma, como se fosse um “filho mimado”, pelo contrário, se pecassem
contra Deus, seriam castigados, mas não para sua própria ruína, mas
com o intento de se arrependerem de seus maus caminhos; c) Deus não
escolheu Israel para que tirasse proveito próprio; antes, como um bom
servo de Yavé, deveria levar a bênção e o conhecimento de seu Deus às
outras pessoas e nações.

Por isso, quase todos os livros proféticos são bem enfáticos em


recorrer à história e aos grandes feitos de Deus no passado. Por isso,
temas como o êxodo, a aliança e o reinado davídico eram constantemente
relembrados, como se fosse reinterpretado, dando luz aos desafios
contemporâneos à época em que o profeta estava atuando.

Outra forma de se consultar a vontade divina é por meio dos


oráculos, como menciona Sicre (2008, p. 48-60). Todavia, ele não chega
a descrever como de fato os profetas chegavam a consultar a Deus.
Como bem sabemos, a prática oracular foi muito bem difundida entre
os sacerdotes, que utilizavam o Éfode e o Urim e Tumim para consultar

24
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a Deus e determinar qual seria sua vontade. Segundo de Vaux (2003, p.


388-390), esta prática ficou mais restrita aos sacerdotes e, principalmente,
até o reinado de Davi. Assim, embora ainda tenhamos autores que digam
ser o oráculo uma forma de os profetas consultarem a Deus, não foram
específicos em detalhar como isso ocorria.

Às vezes, o profeta ou alguém sonhava e isto era entendido como


uma mensagem divina. Era comum ver na imagem do sonho alguma
mensagem impregnada e, por isso, pessoas capazes de interpretá-lo
eram chamadas. Pelos relatos bíblicos sobre a história de José, vemos
claramente que a importância dos sonhos era bastante forte naqueles
dias. Observe que não fora apenas José, o que sonhou, que estava convicto
e intrigado com a mensagem, mas seu próprio pai, ao repreendê-lo, dá a
entender que havia compreendido a mensagem, embora não concordasse
com ela (Cf. Gn 37.9-10).

FIGURA 02 – O sonho de Jacó

Legenda: BOL, Ferdinand.


O Sonho de Jacó (original:
Jacob’s Dream). 1650. 1
original de arte: colorida.
Nashville, TN, Estados Unidos
da América. Coleção: Art in the
Christian Tradition (Vanderbilt
University). Disponível
em: http://diglib.library.
vanderbilt.edu/act-imagelink.
pl?RC=47419. Acesso em: 14
jan. 2021. Domínio público.

#Pracegover: A imagem
mostra uma pintura com um
homem dormindo e dois anjos
estendendo a mão sobre sua
cabeça lhe conduzindo os
sonhos.

25
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Dentro do período profético, você há de lembrar do episódio em que


Nabucodonosor tem um sonho e fica tão impressionado que chama seus
sábios para dizer que não se lembra do que sonhou porque não queria ser
refém de qualquer pessoa com uma interpretação qualquer. Segundo ele,
se o intérprete fosse realmente bom, também teria que saber qual teria
sido o sonho. Desta forma, Daniel pede um tempo ao Rei, ora e espera em
Deus, até que este lhe revela tanto o sonho como o significado (Cf. Dn 2).

Davis (1996, p. 570) nos lembra que nem todo sonho tem uma
mensagem especial ou é algo comum e cotidiano, como os citados por
Jó 20.8 e Sl 73.20. Todavia, quando utilizados por Deus, eles podem: a)
afetar o ânimo das pessoas, como em Jz 7.13-15 que narra os midianitas
aterrorizados com o sonho que um deles teve e, por outro lado, Gideão se
sente confortado, com o mesmo sonho; b) instruir as pessoas, como no
caso em que Abimeleque foi orientado em como proceder com relação
a Abraão (Gn 20.2-3) ou Nabucodonosor (Dn 2.1,4,36) e o próprio Daniel
(Dn 7.1); c) servir como mensagem profética, anunciando algo que irá
acontecer. Os maiores exemplos desta última categoria estão com
José e Daniel, narrados respectivamente em Gn 41.16 e Dn 2.25-28,47.
Davis ainda nos lembra que quanto mais rara era a revelação especial
de Deus, maior a quantidade de sonhos sendo utilizados como meios de
sua manifestação e orientação. E, assim, como havia recomendações
para os que profetizavam falsamente, Dt 13.1-5 também recriminava os
sonhadores ou seus intérpretes que usassem esta técnica para proceder
de modo leviano.

Outra maneira de se entender a vontade e os desígnios de Yavé era


por meio de visões. Estas eram bastante parecidas com os sonhos, só
que enquanto aqueles eram recebidos durante o sono, a visão era recebida
enquanto o receptor estava acordado e lúcido. Segundo Davis (1996, p.
619), a Bíblia faz menção a dois tipos de visões: a noturna e a obtida pelos
profetas. Quanto à visão noturna, ao que parece, é obtida quando a pessoa
perde o sono, como ocorreu com Jó (20.8) ou sem uma causa específica,
como foi citada em Isaías 29.7 e Daniel 7.13; já a visão profética mostra
que Deus se comunica com seus escolhidos, respeitando-se as leis da
mente humana.

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As visões podem se subdividir em duas categorias: simples e abstratas.


Asprimeirassãoaquelasemqueoprofetavêcoisassimplesedocotidiano,mas
comsuainspiraçãoconsegueretirarliçõesespirituaisapartirdelas,comoAmós
7.1-9 que vê gafanhotos, fogo e um muro com um prumo. Normalmente,
elas seguem um pequeno roteiro: a) primeiro Deus mostra a visão; b) Yavé
pergunta o que o profeta vê; c) o profeta dá sua opinião; d) Deus revela sua
mensagem. Um exemplo bem claro disso está em Ez 37.1-23. Mas também
existem as visões extáticas, mais complexas, nas quais os profetas viam
coisas tão abstratas que, mesmo com a descrição que eles faziam, as
pessoas ficavam sem saber exatamente o que eles viram, como a visão no
chamado de Isaías (cap. 6) e as visões de Ezequiel e Zacarias.

É importante ressaltar ainda que todas as visões, independentemente


do tipo, eram dadas somente a homens santos, consagrados e em
comunhão com Deus. E, assim como os sonhos, as visões continham
uma significação bastante expressiva e carregada de sentido e ensino
moral. Mas, infelizmente também havia os embusteiros, que procuravam
imitar aqueles que possuíam visões autênticas e a estes os profetas
rechaçavam veementemente, como em Jr 14.14, 23.16, Ez 13.7-8.

A quarta forma de recepção da mensagem divina a ser destacada


aqui é o êxtase ou transe. Segundo Davis (1996, p. 216), o êxtase é o
“estado em que as funções dos sentidos ficam suspensas e a alma
parece fora do corpo, durante o tempo em que contempla algum objeto
extraordinário.”. Talvez, o mais prudente seja não delimitar que em toda
êxtase “a alma ficaria fora do corpo”, mas estar ciente do fato de que a
pessoa está “fora de si”. Como nos diz a definição de Gunkel (citado por
SICRE, 2008, p. 107), “o êxtase é um estado peculiar do espírito e do corpo
que se apodera do homem quando este experimenta uma sensação
particularmente intensa.”. Em outras palavras, neste caso, a pessoa não
está em uso de seus domínios perfeitos. Naturalmente, também não
significa dizer que seria um estágio da loucura. Não, isso não.

Diferentemente do louco, que ao ficar alienado da realidade perde a


total noção do que é certo e errado, do que é real ou imaginável, chegando
até a viver sua fantasia, como se fosse a mais pura realidade, o profeta em
êxtase ou transe perdia momentaneamente o sentido da realidade e neste

27
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momento seu subconsciente conseguia captar algo que sua mente “sã”
não conseguiria. Quando retornava a si, sabia diferenciar as duas coisas,
mesmo que não a compreendesse por completo (Cf. Dn 8.27). O mais
comum era um profeta entrar em transe por estar muito tempo sem se
alimentar, como ocorreu com Daniel (10.2-4), mas também podia ocorrer
de o êxtase acontecer sem um motivo aparente, como em Dn 7.15 e II Rs
8.11 ou causado especificamente pelo Espírito de Deus (I Sm 19.23-24).

Outra forma bastante comum, de revelação divina, era a casual


ou intuitiva. Isso acontecia quando o próprio profeta, ao observar o seu
derredor, acabava “deduzindo” a mensagem. Assim como os sábios, ao
verem e considerarem certas situações aprendiam com elas (Pv 24.32),
isso também acontecia com os servos de Yavé da linhagem profética.
Sicre (2008, p. 105) corrobora com essa ideia, quando diz que os profetas
também recebiam as mensagens divinas por meio da vida como um todo,
dos próprios acontecimentos do dia a dia e das pessoas que os rodeavam.

Observe o texto de Jeremias 18.1-10. Normalmente imaginamos


Deus falando audivelmente com Jeremias, tanto no verso 2, quanto no
verso 5. Todavia, faz muito mais sentido aceitar que o profeta ao ver o
oleiro trabalhando (18.3-4) captou a mensagem que Yavé teria para ele
transmitir a seu povo. Isto por simples dedução: se Deus teria falado
verbalmente com Jeremias a partir do versículo 5, não faz o menor sentido
ele ter enviado seu profeta até a casa do oleiro. Seria impossível Jeremias
não conhecer como era o processo de criação de um vaso. Assim, ele
não precisaria estar lá, para entender o que Deus estaria falando eu seus
ouvidos. Por outro lado, ao ver o vaso sendo construído, conseguiu captar
uma mensagem a partir de tal processo.

Outro exemplo disso, podemos ver na trajetória de Balaão (Nm


22-24). O texto bíblico relata que ele consultou a Deus para ver se deveria
ir ou não até Balaque. Porém, não especifica o que ele deveria dizer. Mas,
todas as três vezes em que abençoou o povo de Israel, contra a vontade
de Balaque, Balaão proferiu palavras de bênçãos em nome de Yavé, sem
nem sequer consultar a Deus para saber o que dizer. Ele simplesmente
deduziu a partir da própria história e trajetória do povo hebreu até ali.
Embora em Nm 22.35 o Anjo do Senhor tenha dito a ele para falar apenas
o que Deus colocasse em sua boca, nos versículos que antecedem as

28
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suas falas (23.7,18 e 24.3,15) é claramente declarado: “E (Balaão) fez sua


parábola e disse...”. Ou seja, o texto bíblico é muito claro em mostrar que
ele não era nenhuma marionete nas mãos divinas.

A sexta forma de Deus revelar seus planos é por meio de sua voz, como
trovão. Embora a palavra hebraica kol possa significar voz e som, quando
relacionada a este tipo de revelação geralmente é uma fala mais “subjetiva”,
por exemplo, como no caso em que Deus falava com Moisés no Monte Sinai,
mas o povo só ouvia o barulho dos trovões (Êx 19.16-19). Outros textos como
Jó 37.4-5 e 40.9 e o Salmo 29 mostram a grandeza divina e sua predileção
em se comunicar por meio dos trovões. Teologicamente, a comparação
da voz de Deus com a de trovões é uma figura de linguagem para mostrar
o quão profunda, impactante e clara é essa voz, além de declarar seu
poder e majestade. Obviamente, você já deve ter notado que este uso não
nos ajuda muito a compreender como era de fato o falar de Yavé. Mesmo
porque, enquanto para o profeta era algo nítido e certeiro, para as demais
pessoas era simplesmente um som barulhento e quase insuportável.

Outra forma de Deus se revelar era por meio de sua palavra.


Curiosamente, o termo em hebraico é davar, que também é a raiz do verbo
falar. Isto poderia nos levar a uma falsa percepção de que tal palavra se
preocuparia em descrever o modus operandi pelo qual Yavé se deixou
conhecer. Principalmente, quando lemos rapidamente clara, e muito
recorrente, expressão “e veio a palavra de Deus a fulano...”, encontradas
em I Rs 12.22, Is 38.4, Jr 1.2, Os 1.1, Jl 1.1, Jn 1.1, Mq 1.1, Sf 1.1, dentre
outras 125 vezes que aparece em todo o AT. Todavia, só ela por si só
não esclarece muita coisa. A única certeza é saber que Yavé não falou
literalmente com seus servos. Tinha muito mais a intenção de mostrar
que a mensagem não era apenas do profeta, mas tinha sua origem na
divindade, do que especificar o modo como ela chegou até eles.

Além do vocábulo davar, outro que segue nesta mesma linha é a


palavra yomer. Enquanto o primeiro, literalmente pode ser o verbo falar, o
segundo é dizer. À semelhança do primeiro, são muitíssimos os versículos
que declaram que “Deus disse algo a alguém”, cerca de 100 vezes em todo o
AT. Todavia, antes de serem descrições claras acerca da maneira como foi
feito, tem muito mais a ver com a ênfase de que a mensagem veio de Deus.

29
< voltar

Para uma melhor compreensão dos termos, toda vez que lermos
as seguintes expressões “e veio a palavra do Senhor” ou “e disse Deus”,
o melhor seria interpretá-las da seguinte forma: “e veio a revelação do
Senhor”, ou “e comunicou Deus”. Afinal, volto a enfatizar que a intenção do
texto bíblico não era descrever como a revelação foi obtida (pela fala ou
pelo dizer), pelo contrário, são expressões genéricas que enfatizam muito
mais quem agiu do que como foi sua ação.

Por fim, ainda havia algumas formas indefinidas, como o caso em


que é descrito em II Rs 20. O primeiro verso apenas menciona que Isaías
foi até Ezequias com uma mensagem divina, mas não especifica como
a obteve. Mas, o mais intrigante está no quarto versículo, que diz que ele
estava caminhando quando a palavra de Deus veio a ele, mandando-o
retornar com outra mensagem para o rei. Não há a menor chance de
sabermos como foi esta revelação. Só sabemos que ele foi orientado por
Deus, retornou ao rei, transmitiu sua nova mensagem e o rei teve mais
quinze anos de vida.

Independentemente da forma de recepção, os profetas tinham


certeza e convicção de que suas mensagens eram de fato oriundas
diretamente do próprio Yavé. Além disso, não existia uma forma de
recebimento que fosse mais importante que outra e, principalmente, não
cabia ao profeta determinar a forma pela qual Deus se revelaria a ele.
Eles eram servos e como tais estavam abertos aos meios que seu Deus
escolhia para se comunicar a eles. Mesmo porque todas as formas do
Senhor se revelar, indistintamente, serviam unicamente com o propósito
maior de se fazer conhecida a sua vontade e, de posse do seu conteúdo,
o profeta então pensava na melhor forma de transmiti-la ao seu povo.
Com exceção, é claro, dos casos em que o próprio Deus previamente
determinava como a mensagem deveria ser transmitida. Mas, estes
detalhes é assunto de nosso próximo tópico, em que veremos com
mais profundidade as formas e maneiras com as quais os profetas se
dispunham a transmitir sua mensagem.

Aqui, resta-nos ainda esclarecer que por maior que fosse qualquer
uma destas formas de revelação escolhida por Deus para se revelar ao
seu servo, a revelação divina sempre foi gradual, progressiva e nunca em

30
< voltar

sua totalidade. Vejamos o exemplo do profeta Isaías, embora tenha sido


alguém muito usado para descrever sobre a vinda do messias, para ela,
claramente, seriam dois “eventos” distintos: um protagonizado pelo servo
sofredor e outro pelo ungido triunfante. Hoje, sabemos que ambos se
cumpriram na pessoa e no ministério de Jesus, mas em momento algum
Isaías diz que são a mesma pessoa.

1.3.3 Os Tipos de Transmissão da Mensagem


Assim como Deus era hábil e bem dinâmico no uso de várias formas
para se revelar a cada profeta ou a cada situação, seus mensageiros
também gozavam de liberdade e criatividade para escolher a melhor
forma de comunicar a mensagem que recebiam. Com exceção dos
profetas Ezequiel e Habacuque, que foram orientados respectivamente a
escreverem num livro e numa placa, normalmente cabia a cada profeta a
decisão da maneira mais adequada para repassar o recado recebido. Por
esta razão, encontramos profetas conversando, pronunciando, gritando,
escrevendo, encenando, cantando, declamando, indo direto ao ponto ou
contando fábulas ou parábolas para transmitir a mensagem que recebera
do Senhor. Assim como não importava a forma como cada mensagem
fora recebida, de igual modo, a importância não estava na maneira
como o profeta anunciava sua profecia, mas no fato de que aquilo era
reconhecido como palavra de Yavé. Todavia, com fins didáticos, a seguir
falaremos um pouco sobre cada forma de se divulgar a mensagem dos
profetas. Eles utilizavam o tanto de discurso, como uma fala direta ou
os oráculos, escreviam livros ou em placas como se fossem outdoors;
alguns cantavam ou elaboravam poesia e alguns chegavam até a encenar
a mensagem para que ela ficasse bem marcada na mente do povo.

Palavra falada – ao que parece era a forma mais usual de se


transmitir uma profecia. O profeta simplesmente chegava diante da
pessoa que deveria ouvir a mensagem e começava a pronunciar suas
palavras. Como Natã, ao expor o pecado de adultério e homicídio de
Davi (II Sm 12.1-23), Micaías é convidado pelo rei a dar sua opinião e ao
dialogar com Acabe vai revelando sua mensagem (II Cr 18.8-16), Daniel
é chamado à presença de Belsazar para explicar as palavras na parede e

31
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ali mesmo interpretou e disse seu significado para o rei (Dn 5.17-28), ou
Jonas que gritava pela cidade sua pequena frase de condenação (Jn 3.4);
dentre outros exemplos que mostram os mensageiros de Yavé falando
diretamente sua mensagem a quem de direito.

Oráculo – podemos dizer que é um subtítulo da forma anterior, afinal


ela também é falada. Porém, aqui colocamos com certo destaque porque a
transliteração do hebraico é masa’, com o significado principal de oráculo,
pronunciamento ou sentença (KIRST, 2007, p. 143), normalmente traduzido
como profecia ou mensagens, dependendo da versão bíblica analisada. A
Bíblia não dá nenhum indício de como seria entregue, mas ao que parece,
assim como um juiz anuncia seu veredicto, o profeta simplesmente
pronunciava sua mensagem, como se fosse um arauto falando aos seus
ouvintes. Ao observar o conteúdo de vários masa’ym, podemos dizer que
esta terminologia dizia mais respeito ao conteúdo da mensagem do que
à forma como ela era transmitida. Ou seja, normalmente, o masa’ era uma
mensagem profética mais dura, mostrando que o juiz supremo julgou tal
pessoa ou país, como era mais comum, e enviou sua sentença, por meio
do profeta (Cf. Is 13.1; 15.1; 19.1; 21.1,11,13; 22.1; 23.1; Jr 1.16; Na 1.1; Ha
1.1; Zc 12.1).

Livro – quando o profeta estava impedido de falar frente a frente


com seu público, usava do artifício de escrever suas palavras e enviar
como se fosse uma carta. Pelo que sabemos dos relatos bíblicos, o profeta
Jeremias era o que mais usava deste tipo recurso. Em seu livro, há pelo
menos quatro registros dele escrevendo suas palavras em um livro: a)
para mandar lembranças e palavra de esperança aos seus conterrâneos
que estavam na Babilônia, enquanto ele estava em Jerusalém (Jr 29);
b) as palavras que Baruque escreveu num livro, enquanto Jeremias as
ditava da prisão, por estar preso e proibido de se aproximar do rei (Jr 36.2);
c) novamente as palavras do livro que havia sido rasgado e queimado,
para que Baruque as reescrevesse (36.28); d) outra mensagem ditada a
Baruque (Jr 45); e) uma profecia contra a Babilônia escrita em um livro
e enviada pelas mãos do camareiro-mor de Zedequias (Jr 51.59-63). O
curioso é que em duas destas ocasiões (36.2,28) foi o próprio Yavé quem
ordenou que Jeremias pegasse um rolo para registrar suas palavras. As
demais, ele fez por conta própria.

32
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Quando falo que Jeremias era o que mais escrevia, digo isto
me referindo à sua apresentação imediata; pois muitos outros também
escreveram ou tiveram suas mensagens escritas, algum tempo depois de
ela der sido pronunciada a seu público-alvo. Como Jonas, por exemplo, que
tem uma escrita muito depois do acontecido. Quanto a esta importância
de se escrever a mensagem, de imediato ou algum tempo depois, Zimmerli
(citado por SICRE, 2008, p. 174) nos aponta pelo menos três razões para
as quais isso ocorria: a) para ficar ainda mais impregnada, pois além de
ouvir a mensagem, o ouvinte poderia depois olha-la e lê-la; b) para servir
de testemunho de que a desgraça ocorrida poderia ser evitada, caso os
ouvintes se arrependessem; c) para causar um impacto ainda maior, como
se estivesse sacudindo os ouvintes, uma vez que era escrita.

Concordamos com ele em partes porque, numa era em que o


processo de escrita era tão caro e, dependendo do período histórico, a
grande maioria das pessoas era analfabeta, inviável aplicarmos as três
razões apresentadas por ele para todas as profecias. Porém, podemos
dizer com certeza que quando era conveniente, o profeta usava o recurso
da escrita para aumentar o poder de transmissão de sua mensagem.

Outdoors – além das palavras escritas formalmente em livros,


como acabamos de mencionar, houve também, ao menos, duas ocasiões
em que o próprio Yavé ordenou que os profetas escrevessem sua breve
mensagem numa tábua grande, como se fosse uma placa indicativa, para
que as pessoas pudessem ver ao passar pelo caminho, como se fosse os
nossos outdoors modernos. Com a grande diferença de que, em vez de
vender algo bom e agradável, transmitia uma mensagem de condenação.
Em Is 8.1, o profeta escreveu as seguintes palavras: “Rápido despojo,
presa segura”, enquanto que em Hc 2.1-4 é narrado que o mensageiro
deveria escrever a visão toda em letras bem grandes para facilitar a
leitura. Talvez você esteja se perguntando, mas e os analfabetos, como
foi dito nos parágrafos anteriores? Na época de Habacuque já havia um
pouco mais de alfabetizados, graças à cultura recebida da Babilônia e, na
época de Isaías, mesmo os analfabetos acabariam sendo impactados.
Pois ao passar por uma placa, algo totalmente novo para sua época,
certamente a pessoa perguntaria o significado daquilo e conseguiria
acesso à mensagem de forma indireta.

33
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Canção ou poesia – por se tratar de um povo extremamente rico


e criativo no quesito cultural, já era de se esperar a transmissão do recado
profético por meio de música ou poesia, tão comum no meio do próprio
povo. Sobre os aspectos poéticos, convém ressaltar que a poesia não é
apenas encontrada nos livros poéticos e sapienciais. Ela se espalha por
todo o texto do Antigo Testamento, principalmente, em meio aos profetas.
Só para ter uma ideia, há quem defenda que os profetas Isaías e Amós são
os maiores poetas do AT. Muitas vezes, não as vemos porque a poesia
hebraica é bem distinta da nossa. Outras questões relacionadas à poesia
entre os profetas serão comentadas no próximo tópico, quando falaremos
da literatura e do cuidado necessário que se deve ter ao ler a poesia nas
mensagens proféticas.

Além da poesia, mas de certo modo vinculada a ela, também


encontramos muita música entre os profetas. Sim, nossos personagens
em estudo eram exímios em registrar ou repassar suas mensagens com o
uso de acordes musicais. Eis alguns exemplos de profecias transmitidas em
forma de canção: a) a visão triunfalista de Obadias: muito provavelmente,
este profeta não foi até os edomitas para pronunciar sua profecia. Mas,
ao estruturá-la em forma de um canto de triunfo, muito provavelmente os
judeus, seus conterrâneos, iam cantando, até que chegava ao destinatário
pretendido; b) o motejo de Jeremias, mais conhecido como Lamentações,
é um belíssimo canto, estruturado em alto arranjo poético, mas é um
canto fúnebre. O profeta se coloca diante de Deus, como se estivesse
no funeral de sua cidade e mesmo ali, de forma tão trágica e triste,
consegue vislumbrar esperança; c) o registro feito pelo profeta Jonas
(2.2-9) de sua oração em forma de salmo, que era sempre cantado
em sua época; d) a menção no livro de Habacuque de que uma de
suas orações foi feita à moda de Sigionote (3.2-20). Embora seja um
termo com tradução um tanto quanto incerta, com certeza podemos
dizer que era uma música (pela descrição no último versículo),
e muito provavelmente era um estilo mais para a linha emotiva;
e) Am 4.13; 5.8-9; 9.5-6, que parece utilizar fragmentos de hinos
relacionados ao culto e ao poder de Deus; f) Isaías 12, que é um belíssimo
hino composto pelo profeta.

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Ação simbólica – diferentemente de seus povos vizinhos, que


usavam o simbolismo e o teatro como ação mágica, como se estivessem
refazendo e modificando a ação real, entre os israelitas, esta prática tinha
muito mais o intuito de ratificar e deixar bem impregnada a mensagem
na memória. Se alguns escreviam, para que o ouvinte pudesse além de
ouvir, ver e falar, a mensagem encenada tinha como intenção escancarar
a mensagem.

Imagine você, ao passar pela rua: vê um líder espiritual que você


conhece andando só de avental, como aqueles que usamos nos hospitais,
mostrando as nádegas. Além do susto inicial, certamente iríamos
perguntar “O que significa isso? Tá ficando doido?”, e como resposta ele
nos diria: “Deus disse que assim como eu estou vestido, iremos todos ser
vendidos como escravos”. Além da cena visual forte, a nos incomodar a
todo instante, simultaneamente teríamos a mensagem dura e de igual
modo intensa a ecoar em nossas mentes. Pois bem, foi exatamente isso
que aconteceu com o profeta Isaías e seus conterrâneos (Is 20.2-3).

Como algumas ações desempenhadas pelos profetas foram


muito fortes, como a nudez de Isaías e o casamento de Oséias com uma
prostituta, alguns estudiosos tentam suavizar seu impacto negativo,
comparando tais mensagens a parábolas ou atribuindo sua execução a
um estado de êxtase de seus executores. Todavia, segundo Fohrer (citado
por SICRE, 2008, p. 172), não há como entender a ação simbólica a não ser
de forma real, pois, antes de tudo, servia como sinal para o próprio povo
(Ez 4.3). Sua intenção seria intensificar a mensagem deixando-a mais
expressiva possível. Além disso, continua ele, ela era sempre ordenada
por Deus, tinha sua interpretação por Yavé ou do profeta (nunca ficava
subentendida na interpretação dos ouvintes) e, acima de tudo, pretendia
revelar o mais claramente possível os planos divinos, a fim de que as
pessoas se submetessem a esses planos.

Eis alguns exemplos de mensagens de ação simbólica: a) o nome


dos filhos dos profetas Isaías (8.3) e Oséias (1.4-9); b) a ordem para
Jeremias não se casar, não chorar e não se alegrar (Jr 16.1-9); c) a botija
quebrada do lado de fora da cidade, na frente de testemunhas (Jr 19.1-11);
d) a canga que Jeremias colocou em volta de seu pescoço e foi quebrada

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por Hananias (Jr. 27.1-12); e) a ida de Ezequiel para o deserto (Ez 12); f) a
ordem para Ezequiel não ficar de luto pela morte da esposa (Ez 24.15-27);
g) a confecção de duas coroas por Zacarias (Zc 6.9-15), entre outros casos.

Parábola ou fábula – dependendo da situação, o profeta não podia


ser tão direto com sua mensagem, muitas vezes por correr risco de morte.
Por isso, eles podiam usar deste artifício, como fez o profeta Natã. Para
repreender Davi pelos pecados de adultério e homicídio, o profeta chega
na presença do monarca indagando-o acerca de uma situação fictícia de
um fazendeiro pobre que foi explorado por outro muito mais rico. Quando
Davi mostra sua indignação contra o malfeitor, chegando a pedir que o
profeta o apresente, para que seja punido, então Natã lhe responde: “Este
homem és tu. Assim diz o senhor...” (II Sm 12.7). Neste caso, a fábula
serviu apenas para preparar a atenção do rei, para que pudesse ouvir com
atenção a mensagem de Deus.

O profeta Balaão, como mencionado anteriormente, proferiu suas


quatro falas por meio de parábolas (Nm 23 e 24). Em momento algum
tem a explicação dessas parábolas, isto porque, diferentemente das
parábolas que estamos acostumados a ler no NT, as de Balaão estariam
muito mais para um canto satírico. Elas não são uma história com uma
mensagem central oculta em sua estrutura. A palavra utilizada no texto
bíblico, em hebraico, é mashal, que pode ser traduzida como sentença,
dito, provérbio, adágio, dito de sabedoria ou canção satírica (KIRST, 2007,
p. 145). Talvez porque este gênero literário fosse bastante comum entre
os hebreus. Outro caso parecido é registrado em Ez 17.1-9, que profere
sua mensagem por meio de uma alegoria e mais adiante (Ez 17.10-24) é
dada a explicação do significado da mensagem enigmática.

Enfim, estas são as principais formas que os profetas utilizaram


para transmitir a mensagem que recebiam de Deus. Da mesma forma que
o poder e a importância da mensagem não estavam na forma como ela
era recebida, assim também era com sua transmissão.

O que determinava sua autenticidade e relevância não era o método de


entrega, mas seu conteúdo.

36
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1.4 A Literatura Profética e o Uso da Poesia


Hebraica
Com o passar do tempo e a transição entre o período da oralidade
para a escrita, algumas formas de transmissão acabaram caindo em
desuso enquanto outras foram se consagrando cada vez mais. Além
das visões, que ganharam toda uma estrutura própria em sua utilização,
algumas mensagens proféticas, a partir da escrita, também acabaram
se adequando a certa roupagem literária e estilística. Convém salientar
que nem todos os profetas deixaram algo escrito e que alguns deles não
escreveram sua própria biografia. Como é o caso de Jonas, que parece
ter sido escrito muito tempo depois do evento descrito em seu livro.
Mas, isso veremos com calma, mais adiante, quando estudarmos cada
um dos profetas. Aqui nos importa saber que houve muitos profetas que
não escreveram praticamente nada, como Elias e Eliseu, enquanto outros
tiveram ajuda para o registro de suas mensagens, como foi o caso de
Jeremias que tinha um escriba aos seus cuidados.

Nosso foco, aqui, é falar não sobre os profetas e suas mensagens em si,
mas enfocar o texto escrito e, principalmente, a estrutura por trás desse texto.
Quando estudamos e lemos os livros proféticos, percebemos que certas
profecias acabam se parecendo umas com as outras. Em outras palavras,
parece haver certo padrão ao se relatar determinados tipos de mensagens.
Quanto a isso, Sicre (2008, p. 102) nos diz que as principais fórmulas proféticas
podem ser enquadradas em dois grupos distintos. Um que enfatiza que
a mensagem chegou ao profeta por meio de sua interpretação e outro que
evidencia que a palavra é de Deus e não do profeta. Ele dá como exemplo,
na primeira categoria, as 233 vezes em que aparecem as expressões do tipo:
“veio a palavra do Senhor” ou “disse o Senhor”.

Ainda, segundo ele, esta categoria mostraria que a revelação de


Deus vem a alguém específico, mas esta pessoa é que seria a responsável
por interpretar e dar um molde que seus ouvintes entendam. Enquanto
no segundo estariam quatro fórmulas mais específicas, que indicariam
mais claramente que a origem da mensagem está diretamente ligada ao
próprio Yavé: “assim diz o Senhor”, “oráculo do Senhor”, “diz o Senhor”,

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“fala o Senhor”. Todavia, não me parece ser algo tão distinto e claro assim.
Acredito muito mais que estas duas formas de fórmulas especiais em
vez de se distinguirem se complementam. Ou seja, nestas 1133 vezes em
que uma destas afirmações aparecem, a intenção dos profetas é muito
clara em declarar que “a palavra transmitida não é ocorrência pessoal,
nem fruto das ideias próprias, mas palavra de Deus.” (SICRE, 2008, p. 102).

Como esta palavra foi escrita e pertence a um estilo literário,


ainda segundo Sicre (2008, p. 144-146), podemos encontrar profecias
emolduradas em três gêneros principais, retirados do dia a dia das pessoas.
Há relatos proféticos: a) escritos de forma similar aos encontrados nos
cultos, utilizados pelos sacerdotes, como a instrução, com a qual o líder
procura responder algum problema bem pontual e específico (Am 4.4-5);
b) utilizados a partir da vida cotidiana, como a cantoria de Is 5.1-7 e Ez
24.3-10, respectivamente, canção de amor e de trabalho doméstico, e os
famosos “ais”, normalmente cantados pelas carpideiras, mas utilizados
pelos profetas Isaías (5.7-10 e 5.20), Amós (5.16-6.14), Miquéias (2.1-2)
e Habacuque (2.6-19); c) escritos de forma parecida com os trâmites de
um tribunal da época, quando o profeta utiliza o linguajar acusatório, que
chama à responsabilidade e finaliza enfatizando o castigo cabível pela
culpa, assim como ocorria no processo judicial, veja Ez 18.5-17, Is 42.18-
25, Jr 6.16-21 e Ml 1.6-2.9.

Normalmente, este gênero que empresta características de


um tribunal, geralmente segue uma estrutura bem delineada e pode
ser classificado em dois tipos. Esta distinção se dá a partir do tipo de
destinatário da mensagem, podendo se referir a indivíduos ou a um grupo
específico.

Segundo Sicre (2008, p. 147), quando a mensagem é individual,


o foco é indicar um determinado pecado e, normalmente, se fala
diretamente, cara a cara. Normalmente o profeta inicia com um convite
ou chamado à atenção; em seguida, expõe a acusação, mostrando a que
pecado Deus está se referindo, daí usa a chamada fórmula do mensageiro
“Assim diz o Senhor”, para então decretar a sentença, anunciando o
castigo. Resumindo, a profecia condenatória destinada a um indivíduo
geralmente segue o seguinte roteiro: convite a ouvir – apresentação da

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acusação – fórmula do mensageiro – declaração da sentença. Claro


que embora isso seja um esquema no qual a grande maioria deste tipo
de profecia se enquadra, cada profeta é livre para retrabalhar pequenas
variações em sua utilização. Eis algumas pessoas que passaram por este
tipo de confrontação: o mordomo administrador Sebna (Is 22.15-19), o rei
Senaqueribe (Is 37.22-30), o rei Ezequias (Is 39.5-7), o rei Salum (Jr 22.10-
12), o falso profeta Ananias (Jr 28.15-16), Amasia (Am 7.10-17).

Ainda, segundo este mesmo autor, quando o oráculo de condenação


é para um coletivo, a estrutura é um pouco diferente e parece oscilar mais
que nos oráculos individuais. Por exemplo: a) ela começa com a fórmula
do mensageiro, mostrando desde o início que o “acusador” não é o profeta,
mas o próprio Yavé, b) destaca o pecado, às vezes de forma mais geral,
c) indica o castigo, d) termina com outra fórmula “disse Yavé”. Às vezes,
o profeta acaba invertendo a ordem, suprimindo ou ampliando algum dos
elementos. Amós 1.3-2.5 apresenta sete exemplos que seguem fielmente
esta estrutura mencionada. Logo em seguida, porém, Am 2.6-16 também
tem uma análise condenatória ao estilo das anteriores, mas com muito
mais conteúdo. Isto porque, claramente, das oito nações analisadas, a
última passa a ser a mais importante, aquela para a qual o profeta quer
dar muito mais atenção. Amós 9.8-10 inverte alguns elementos, Oséias
10.1-2 amplia a parte da acusação, Isaías 5.26-30 amplia o anúncio do
castigo e Ezequiel 26 amplia quase todos os elementos.

Outra observação fundamental, quando se fala de literatura


profética, é estarmos atentos ao fato de que essa literatura contém
elementos poéticos em suas linhas. Isso é muitíssimo importante
porque ao ignorarmos detalhes como estes corremos o risco de não
captar a mensagem pretendida pelo profeta. Não respeitando este fato,
não são poucos que leem literalmente Is 7.12-14 e acabam associando
indevidamente este trecho à queda de satanás. Da mesma forma, não
podemos interpretar de forma literal o convite que Yavé faz para que o
povo vá até o templo para pecar, como se o pecado tivesse sido liberado
para todos (Am 4.4-5). Pelo contrário, Deus está sendo irônico e com isso
estava repudiando a religiosidade do seu povo, que ia bonitinho aos cultos,
mas no dia a dia nem lembrava que Deus existia.

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Por isso, lembre-se sempre de que além da dificuldade normal de se


entender determinados textos proféticos, por conta de sua própria
roupagem enigmática, ainda temos a dificuldade de ler a poesia hebraica
impregnada em tais textos, com todos os seus jogos de palavras e figuras
de linguagem.

Síntese do Capítulo
Neste capítulo você viu algumas definições importantes sobre o
profeta e sua mensagem. Ele não é como os magos que procuravam
manipular seus deuses, muito pelo contrário, como servos que são,
procuram estar atentos àquilo que Yavé os revela. Tiveram seu surgimento
quando os líderes deixaram de comunicar e ensinar o povo acerca dos
desígnios divinos e quanto maior era o distanciamento do povo de seu
objetivo inicial, mais enfáticos eram os profetas em alertá-los.

Não eram apenas transmissores da palavra de Deus, mas verdadeiros


intérpretes. Deus sempre procurou se revelar na história do povo, por meio
do Urim e Tumim, dando sonhos e visões a seus servos. Algumas mais
claras e outras bastante abstratas. Às vezes o profeta entrava em ou tinha
um insight a partir das coisas que observava, noutras, Deus era mais
expressivo, como nos trovões e no anúncio de sua palavra.

Da mesma forma, os profetas eram bastante participativos na forma


de anunciar a mensagem recebida ou captada. Dependendo da ocasião,
da localidade ou de perfil de cada um, eles utilizavam os discursos, como
verdadeiros palestrantes, noutros momentos eram mais sucintos e
discretos, usando uma fala cara a cara ou pronunciando alguma sentença
direta e objetiva. Alguns escreviam livros ou registravam suas mensagens
em tábuas para que as pessoas pudessem ver. Outros tinham dotes
artísticos, e preferiam cantar ou declamar poesia. Alguns dominavam as
artes cênicas e encenavam a mensagem, dramatizando-a para ter um
efeito maior entre os receptores. Por fim, você viu sobre a importância
de respeitar a poesia e o estilo cultural de cada escrito profético, a fim de
entender melhor o que cada um quis dizer com sua escrita.

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2. Deus não Tolera a
Pecaminosidade: um Panorama
aos Profetas Oséias, Amós e
Miquéias
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2. Deus não Tolera a Pecaminosidade: um


Panorama aos Profetas Oséias, Amós e
Miquéias
Neste capítulo você aprenderá algo muito simples, mas que ainda
hoje tem atrapalhado, e muito, a vida do povo de Deus: o pecado precede à
ruína. Assim como Israel muitas vezes acabava se deixando levar pela ideia
de favoritismo, no sentido de que não importam as consequências, quando
se é filho de Deus, às vezes, agimos assim também. Como se Deus fosse
obrigado a nos atender só porque somos seus filhos. Ledo engano. E tanto
Israel quanto Judá aprenderam da pior forma possível esta dura verdade, que
os sábios já diziam, tempos antes: “Deus zomba do escarnecedor” (Pv 3.34).

Tragicamente esta atitude de arrogância, prepotência e


autossuficiência foi bastante vivenciada pelos hebreus da tribo no
Norte. Talvez porque eram maiores e, consequentemente, sempre mais
numerosos e com a “necessidade” de se mostrar ao mundo que não
dependiam de Jerusalém. O detalhe é que quando rejeitaram Jerusalém,
num primeiro momento, foi porque Jeroboão não queria perder o trono
(Cf. I Rs 12.25-30), mas, com o tempo, automaticamente se afastaram
cada vez mais de Yavé, o Deus de sua salvação. Muito provavelmente por
isso acabaram tendo um espírito muito mais contumaz e de dura cerviz.

Todavia, independentemente do elo com o Senhor ou mesmo de


quão forte era sua disposição em manter a aliança com seu povo, uma
coisa que jamais Deus tolerou foi o pecado. Desde o início, ele já advertira
ao povo para serem santos como ele o é (Lv 19.2).

Em outras palavras, não importa quem seja, se rico ou pobre, nobre ou


plebeu, pessoa simples ou com chamado, pecado é pecado e causa um
estrago irremediável, quando não confessado.

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Israel foi o primeiro a experimentar isso. A arrogância e a ganância


de seus líderes acabaram levando-os a serem exterminados pelos Assírios.

Infelizmente, seus irmãos do Sul, em vez de aprenderem com a


lição, foram para o lado extremo. Em lugar de ver a realidade: Israel foi
destruído por conta de seu pecado, maldade e afastamento de Yavé,
passaram a achar, equivocadamente, que a razão do sucesso de Judá,
em detrimento às tribos do Norte foi porque eles tinham Jerusalém e o
templo, símbolos da morada e permanência divina entre eles. Por isso
Jeremias sofreu tanto com a rejeição de sua mensagem.

Por esta razão, como será visto ao analisarmos o profeta Miquéias,


Judá também caiu. Não deu atenção ao exemplo vivenciado por Israel.
Assim como seus irmãos não deram ouvidos às próprias palavras de
Oséias e Amós, que foram levantados exclusivamente para mostrar a
situação pecaminosa do povo e lembrar o que aconteceria se eles não se
arrependessem. Judá ignorou o escrito de tais profetas e acabou seguindo
este mesmo caminho de rebeldia. Também não deu atenção às palavras
do profeta Miquéias, seu conterrâneo, e pouco tempo depois acabou indo
parar no cativeiro babilônico, experimentando a maior dor e decepção
de sua história. Tão somente porque ignorou uma premissa basilar da fé
em Deus: o Senhor não tolera a pecaminosidade, independentemente de
quem seja. Nos próximos tópicos estudaremos estes três profetas, que
de forma tão forte lutaram contra o pecado de seu povo porque, acima de
tudo, os amava e queria ver o seu bem.

2.1 O Livro do Profeta Oséias


Neste primeiro tópico, analisaremos os aspectos relacionados à
produção do livro de Oséias, questões pessoais de seu autor, sua estrutura,
alguns destaques e dificuldades para melhor entender sua mensagem,
para então mostrar algumas aplicações deste profeta para a igreja nos
dias de hoje. Afinal, a Bíblia como Palavra de Deus é “viva e eficaz” (Hb
4.12) e por isso continua falando ainda hoje para aqueles que têm ouvidos
para ouvir sua voz.

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FIGURA 03 – Profeta Oséias

Legenda: DUCCIO, di Buoninsegna. Profeta Oséias


(original: Prophet Hosea). Entre 1308-1311. 1
original de arte: colorida. Nashville, TN, Estados
Unidos da América. Coleção: Art in the Christian
Tradition (Vanderbilt University). Disponível em:
http://diglib.library.vanderbilt.edu/act-imagelink.
pl?RC=46447. Acesso em: 14 jan. 2021. Domínio
público.

#Pracegover: A imagem mostra uma pintura com


um homem em pé segurando um pergaminho com
sua mão esquerda, e apontando para o céu com
sua mão direita, rosto sério.

2.1.1 Produção do livro de


Oséias
O livro narra a história do profeta
que empresta o seu nome à obra. Ele é um
ótimo exemplo do que falamos no capítulo
anterior, sobre a mensagem simbólica, no
sentido de dramatização. Ele literalmente
vivenciou a mensagem que deveria pregar
aos seus conterrâneos. O profeta foi
ordenado por Deus para resgatar uma
prostituta e se casar com ela e para “piorar
a situação”, quando Omer, sua esposa, o
abandona e retorna às práticas antigas,
Oséias é intimado a perdoá-la e comprá-la novamente. Para simbolizar
o quanto Yavé ama seu povo, ao ponto de tirá-lo do Egito, inicialmente, e
constantemente, perdoando seus pecados e aceitando-o de volta.

O envolvimento do profeta foi tão grande que até os seus próprios filhos
fizeram parte da mensagem. Eles se chamavam Jezreel (Os 1.4), Lo-Ruama
(Os 1.6) e Lo-Ami (Os 1.9), significando literal e respectivamente: Carnificina,
Sem misericórdia e Deserdado. Isto porque, ao perguntarem o nome das
crianças e ouvirem o som de seu significado, Israel deveria estar atento ao fato

44
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de que o julgamento divino estava bem próximo e que traria muita destruição,
sem qualquer misericórdia porque Deus havia rompido os laços filiais com
seu povo. Com estes três nomes, Deus estava dizendo que não reconhecia
mais Israel como seu próprio povo e por isso estaria castigando de forma
extremamente severa sem qualquer tipo de misericórdia.

Oséias foi um profeta do Norte para o Norte, enquanto Amós,


que veio um pouquinho depois, era de Judá, mas pregou para Israel,
como veremos no próximo tópico. Por hora, importa dizer que por conta
das muitas citações e referências ao reino do Sul alguns acreditam
que Oséias teria profetizado só para o Norte e talvez até escrito suas
histórias e profecias, mas com o passar do tempo e, principalmente com
o extermínio das tribos de Israel, o livro teria passado por uma reedição,
acrescentando estes detalhes acerca de Judá, para que também pudesse
servir de mensagem para o povo de Judá.

Obviamente é uma teoria e, embora seja muito aceita por vários


teólogos da atualidade, é bastante rejeitada pelos mais conservadores.
Afinal, mesmo que o foco da mensagem do profeta fosse direta e
especificamente o Norte, o chamado do profeta é sempre servir a Deus
e alertar o seu povo. Não vejo problemas em aceitar o fato de ele estar
concentrado contra Israel, mas, ao mesmo tempo, dando umas indiretas
a Judá, que embora estivesse numa situação um pouco melhor, com
relação a seu relacionamento com Deus, estava longe de ser considerado
um exemplo de dedicação.

Esta confusão toda se dá porque dos quatorze capítulos apenas os


três primeiros são mais tranquilos de se entender. Os capítulos 4 a 14 são
quase iguais ou mais difíceis que as profecias apocalípticas de Zacarias.
Talvez você esteja pensando: “os capítulos 1 a 3 são fáceis?”, tendo em
vista as várias vertentes interpretativas relacionadas ao casamento de
Oséias com Omer. Todavia, embora não haja concordância entre os
teóricos se ele foi real, fictício ou parabólico, com certeza, a mensagem
geral é extremamente clara entre todos os autores pesquisados: a vida
matrimonial do profeta é uma analogia entre o relacionamento espiritual
entre Israel e seu Deus. Mostrando, acima de tudo, a propensão constante
para a infidelidade dos israelitas em contraste com o magnífico e sublime

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amor de Yavé, que faz tudo ao seu alcance para resgatar e reavivar o
relacionamento com seu povo.

Outra dificuldade, porém, bem menor, comparada à questão da


interpretação do casamento do profeta é determinarmos com exatidão
em que período histórico o profeta está inserido. Tradicionalmente ele é
reconhecido como anterior ao profeta Amós, por isso, está como o primeiro
livro dos profetas menores. Porém, há alguns autores, como Sicre (2008),
que defendem que Amós teria sido o primeiro destes profetas canônicos.

A principal dificuldade neste sentido é que, embora o profeta


Oséias tente limitar seu ministério logo no início do livro, dizendo que
atuou “nos dias de Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias, reis de Judá e nos
dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel” (Os 1.1b), não há consenso
entre os teólogos pesquisados sobre qual realmente teria sido o período
de seu ministério. A principal razão é que desde o início de Uzias (766
a.C.) até o final do reinado de Ezequias (699 a.C.) temos quase um século
de história. Para piorar, enquanto em Judá ele menciona a sequência de
quatro reis, do lado de Israel ele só menciona o reinado de Jeroboão (II),
que ocorreu entre os anos de 781-746 a.C., o que claramente não abarca
todo o período.

Acreditamos que o ministério de Oséias tenha ocorrido entre os


anos 765 a.C. a 725, pelas seguintes razões: a) o início do ministério de
Oséias tem que estar entre os anos 781 a.C. e 762 a.C., a primeira data trata
no início do reinado de Jeroboão (II). Como Oséias critica a riqueza gerada
pela exploração, deve ter se passado uns dez a quinze anos. E a data de
762 a.C. foi o início do ministério do profeta Amós. Embora tenham sido
contemporâneos, a tradição judaica coloca Oséias como tendo iniciado
seu ministério primeiro; b) o final do ministério profético de Oséias tem
que ser entre os anos 729 a.C. e 722 a.C., respectivamente, início do
reinado de Ezequias e a destruição de Samaria que levou ao extermínio
das tribos do Norte, o que não foi mencionado pelo nosso profeta em
estudo; c) quanto ao fato de apenas aparecer o nome do rei Jeroboão
(II) na menção de Oséias, pode significar tão somente que, embora após
ele tenham vindo outros seis monarcas, suas políticas administrativas
andaram à sombra de seu grande antecessor. Assim, não vejo problemas
em encarar Jeroboão como representante de todos os demais.

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2.1.2 Estrutura do Livro de Oséias


O livro do profeta Oséias é muito conhecido pelos seus três
primeiros capítulos, principalmente por toda polêmica que há entre as
possíveis interpretações. Todavia, não é apenas o seu início que é difícil
de se entender, pois, como já dissemos, a parte final é ainda mais difícil.
Uma das razões para isso acontecer, segundo Dillard e Longman (2006, p.
344), é o fato de que muitos oráculos se misturam, pois Oséias não usa as
tradicionais fórmulas proféticas: “assim diz o Senhor”, “disse o Senhor”,
“oráculo de Yavé”, entre outras. Além disso, em seu texto, há discursos
tanto na primeira pessoa como falas na terceira, sem mencionar, de
forma clara, quem seria seu interlocutor. Às vezes não dá nem para saber
o que pertence a cada orador. Como regra geral, concordamos com os
autores no sentido de que os discursos em primeira pessoa seriam as
falas relacionadas diretamente a Deus, enquanto as falas impessoais
seriam o posicionamento do profeta.
O livro é bem dividido em duas partes principais, a primeira em forma
de narrativa, chamada por alguns de “oráculos prosaicos”, compreendida
pelos três primeiros capítulos. Enquanto o restante do livro (capítulos 4 a
14) está escrito todo em poesia. Há quem procure defender que estaria
em poesia porque na época do profeta ele usava apenas o recurso da
oralidade e para isso a poesia era mais adequada. Todavia, não há como
confirmar ou negar tal suposição. Mas, uma coisa é certa, o fato de ser
prosa ou poesia, segundo os autores Moraes (2020) não interfere na
qualidade nem no valor da mensagem proferida.

Numa tentativa de vislumbrar melhor o livro como um todo, Gusso


(2017, p. 28-29) defende que o livro de Oséias deve ser dividido em duas
partes, com subdivisões na segunda:

Parte I: capítulos 1 a 3 – Infidelidade de Israel

Parte II: capítulos 4 a 14 Coletânea das profecias de Oséias, em que:


4-7.7 Trabalha a decadência moral;
7.8-10.15 Condena a decadência política;
11.1-11 Mostra a compaixão divina;

47
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11.12-13.16 Último apelo e a inevitável condenação;


14.1-21 Promessa de restauração final.

Já para os pesquisadores Dillardy e Longman (2006, p. 345), a


mensagem de Oséias pode ser esquematizada a partir de três partes.
A diferença do esboço anterior é que estes autores dividem a segunda
parte, que trata sobre a coletânea de profecias, em dois grupos. Eles
ainda propõem subdivisões para a primeira parte, conforme podemos
observar a seguir:

Parte I: capítulos 1 a 3 – O casamento de Oséias como reflexo do


relacionamento de Deus com Israel;
1.1 Introdução;
1.2 a 2.1 o matrimônio de Oséias e o nascimento de seus filhos;
2.2-23 o casamento de Yavé com Israel;
3.1-5 a reconciliação do casamento de Oséias;
Parte II: capítulos 4.1 a 11.11 – O primeiro ciclo de profecias;
4.1-19 Deus aponta a falta de lealdade de Israel;
5.1-15 Deus pune Israel;
6.1-7.16 O convite de Oséias ao arrependimento é ignorado;
8.1-10.15 Deus castiga seu povo por rejeitá-lo;
11.1-11 O amor de Deus é maior que sua ira;

Parte III: 11.12 a 14.8 – O segundo ciclo de profecias;


11.12-12.14 Oséias aponta os pecados de seu povo contra
Deus;
13.1-16 A fúria divina contra Israel;
14.1-8 Exortação ao arrependimento;

48
< voltar

14.9 Conclusão com um colofão2 de sabedoria.

2.1.3 Destaques do Livro de Oséias


Nosso propósito neste subtópico não é servir de comentarista
versículo por versículo, mas dar uma ideia geral dos principais aspectos
do livro do profeta Oséias que possa auxiliá-lo a entender melhor, quando
precisar recorrer a um comentarista, para procurar o significado de um
determinado versículo.

Para Stuart (1987, p. 6-7), não há como entender a mensagem do


profeta Oséias se não entendermos sua relação e apego à aliança sinaítica.
Deus fez uma aliança com seu povo e, vice-versa, no Sinai. A partir de
então, iniciaria um relacionamento permeado de bênçãos e maldições. A
primeira para os fiéis, obviamente, e as consequências relacionadas ao
opróbrio àqueles que não se mantiverem no compromisso assumido.

Já os autores Dillardy e Longman (2006, p. 340-341) nos convidam


a ler e interpretar Oséias a partir do seu período histórico. Jeroboão (II)
assume o trono um século depois de o rei Onri ter levado Israel para um
patamar bem elevado de status e poder. O maior em toda a história das
tribos do Norte. Embora Onri e seus filhos conseguissem levar Israel a
um ótimo relacionamento internacional, os reis que vieram depois não
conseguiram manter tal situação. Assim, quando Jeroboão (II) assume o
trono de seu pai Jeoaz (II Rs 14.23-29) consegue resgatar boa parte da
fama e da glória que as tribos do Norte haviam conseguido.

Este monarca conseguiu trazer paz interna e externa e, com isso,


conseguiu um crescimento econômico extraordinário. Foi um período tão
bom que até as tribos do Sul acabaram, de certa forma, pegando uma
carona e também conseguiram crescer. O problema é que todo este
crescimento político e econômico que levou a uma grande prosperidade,

2 Segundo o dicionário Priberan, Colofão ou cólofon vem do grego kolophôn, que


literalmente significa cume, mas quando usado para literatura diz respeito à nota final
de um livro. Podemos dizer que é similar ao que falamos em nosso linguajar popular:
“a cereja do bolo”. Em nossas obras modernas, acredito que equivaleria muito bem à
epígrafe. Uma frase de impacto que resume bem a ideia da obra como um todo.

49
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símbolo das mais preciosas bênçãos divinas, em vez de trazer mais


crescimento espiritual do povo, como um todo, serviu como tropeço. A
idolatria aumentou consideravelmente e, com ela, a falta de amor pelo
próximo acabou desaparecendo. Os ricos tornavam-se mais ricos, os
pobres eram cada vez mais explorados e ignorados, e Deus cada vez mais
deixado de lado.

Enquanto Sicre (2008, p. 254) destaca a grande crise de idolatria


exercida pelo povo a favor do deus canaanita Baal, anteriormente,
ele já havia mencionado mais dois níveis de idolatria, muito comum
entre os israelitas: a idolatria política e a idolatria econômica (SICRE,
1979, p. 23-25). Desta forma, havia sempre três coisas sendo
colocadas frente a frente com o próprio Deus: Baal, o poder e a
riqueza. A idolatria ao poder era a mais versátil dentre as demais. Em
II Sm 24.1-10, menciona-se o enaltecimento do poderio militar; em I
Rs 11.1-8, encontra-se uma referência a uma idolatria de conveniência;
em II Cr 16.10-18, vemos reis israelitas reverenciando os grandes impérios.

Só para comprovar que a ganância e ambição não compensam,


como os israelitas não deram ouvidos à voz do profeta Oséias (nem a de
Amós, pouco depois), apenas trinta anos após a grandeza conquistada
por Jeroboão (II), Israel estaria sendo varrido do mapa e da história.
Hubbard (1989, p. 24-25) faz um resumo bastante claro e ao mesmo triste
da situação. Entre o final do reinado deste monarca e a queda de Samaria
foram cerca de trinta anos. Enquanto Jeroboão (II) reinou por quarenta
e um anos, nestes trinta anos que o sucederam, o Norte teve seis reis.
Só no primeiro ano, foram três. Quatro deles foram assassinados por
usurpadores, um ficou no poder por um mês, outro por seis meses e outro
por menos de dois anos.

Para piorar a situação, neste mesmo período, a Assíria estava


se reerguendo pelas mãos de Tiglate-Pileser III, que tinha interesse em
conquistar o Egito, e para isso a região de Canaã era de vital importância.
A política interna também andava tão ruim que as constantes guerras
civis muito provavelmente criaram uma separação entre as próprias tribos
do Norte. O que explicaria o fato de o profeta se referir ao seu povo ora
por Israel e ora por Efraim. Esta hipótese foi levantada por Cook e mais

50
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tarde apoiada por Thiele (citados por SICRE, 2008, p. 252). Todavia não dá
para afirmar sua veracidade porque entre os textos poéticos também era
muito comum o uso de nomes diferentes, como sinônimos, sem pensar
em qualquer distinção entre si.

Diante de toda esta instabilidade e, principalmente, tendo em


mente a insistente decisão do povo em virar as costas para o único e
soberano Deus e, ainda, serem contumazes em não dar ouvidos à voz
dos profetas que os chamavam de volta ao arrependimento, podemos
iniciar nosso panorama sobre o livro do profeta Oséias, verificando seus
principais versículos ou procurando explicar alguns detalhes para um
melhor entendimento de sua menagem.

Segundo Sicre (2008, p. 255-257), os principais temas de sua


mensagem giram em torno de: a) denúncia contra a injustiça e corrupção
(Os 4.1-3), b) crítica ao culto falso ou superficial (Os 6.4-6; 8.11-13); c)
pregação contra idolatria, como já destacamos; d) evidência de uma visão
crítica da história de seu povo (Os 9-14), no sentido de destacar que os
problemas de sua época não eram novos, mas já vinham de longa data; e)
dura crítica à monarquia, entendendo-a como fruto da ira divina (Os 13.11);
f) enfatizar sobre a possibilidade de uma série de castigos rápidos, com o
intuito de levar o povo ao arrependimento (Os 5.15); e, o mais impactante,
g) descrever sobre o grande amor de Yavé para com seu povo (Os 1-3;
11.1-5). Deus faz de tudo por seu povo, mas mesmo assim ele se afasta e
decide confiar em outras coisas.

Embora os capítulos 4 a 14 sejam de difícil interpretação, por


conta da estrutura na qual as profecias foram aglutinadas, os capítulos
1 a 3 demonstram dificuldade em sua interpretação. Não são poucos e
nem é de hoje que, numa tentativa de defender Deus, muitos procuram
fugir do ponto de vista literal quando este parece apontar algo estranho
ou não consensual. Desta feita, para não dar a ideia de que um Deus
santo mandou seu profeta viver com uma prostituta, passou-se a pensar
em várias possibilidades de interpretação para o “suposto” casamento de
Oséias. Eis algumas possibilidades interpretativas:

a. teria sido apenas um sonho ou visão e não aconteceu de verdade.


Mas sua história serviria para ilustrar a mensagem profética que

51
< voltar

Deus queria destacar (GRESSMANN, 1921, citado por DILLARDY;


LONGMAN, 2006, p. 343);
b. Gomer é chamada de prostituta figurativamente, assim como
os israelitas, que se desviavam da fé javista. Ela na verdade seria
uma idólatra (STUART, 1987, p. 11);
c. seria uma alegoria ou parábola, uma história inventada para
ensinar uma mensagem de forma a impactar;
d. é um relato histórico, mas não literal. Assim, Gomer só se
prostituiu depois do casamento (ARCHER, 1986, p. 254-255);
e. foi real e não literal. Gomer não era de fato prostituta, nem de
rua, nem cultual. Ela apenas trabalhava nos templos canaanitas
auxiliando nos ritos nupciais dos cananeus (WOLFF, 1974, citado
por DILLARDY; LONGMAN, 2006, p. 343);
f. Gomer seria virgem, mas idólatra ou destinada a ser prostituta;
g. a restauração do casamento teria sido um novo casamento. O
que por um lado ameniza o fato de que além de ter casado com
uma prostituta, Oséias se rebaixaria perdoando sua traição, por
outro lado contraria completamente o texto bíblico.
h. Segundo Fohrer (citado por SICRE, 2008, p. 171), como a ação
simbólica serve de um sinal claro para o povo, ela precisa ser de
fato executada na íntegra. Não faria sentido o profeta procurar
destacar tanto o amor de Deus e a constante infidelidade de seu
povo, a partir de seu casamento, se este não fosse de fato real e,
principalmente, se o próprio Oséias não tivesse experimentado
ou passado por aquela situação.
Por isso, concordamos com vários pesquisadores analisados
(Sicre, 2008; Gusso, 2017; Dillard e Longman, 2006) na questão de encarar
o casamento de Oséias como uma narrativa histórica, literal, que tinha
como propósito maior servir como profecia dramatizada ou como ação
simbólica, na qual o profeta vivencia a mensagem antes de pregá-la ao
povo. Como o principal argumento contra sua historicidade tem sido a
declaração de que um Deus santo e puro jamais iria contra a sua própria
natureza, pedindo a um profeta para viver em prostituição, procuraremos
explicar como isso não procede.

52
< voltar

a. Não dá para interpretar o texto no sentido de que Gomer não era


prostituta de fato, mas era apenas uma mulher com inclinações
à prostituição. A ordem dada por Yavé para Oséias: “vá, pegue
para ti uma mulher de prostituições”, deixa claro o que ela
realmente era;
b. A partir desta mesma frase, não podemos concordar com
a ideia de que Oséias deveria casar com uma meretriz e,
simultaneamente, ela poderia continuar fazendo os seus
programas. A ordem é clara em retirar a mulher daquelas
condições. No sentido de estar libertando uma escrava daquele
lugar, dando-lhe uma nova alternativa de vida. Isto em si não é
nada desonroso, convém lembrar que Raabe era prostituta, foi
aceita pelo povo hebreu e mais tarde se casou com alguém que
veio a ser um dos antecessores do próprio Jesus;
c. Deus nunca deu qualquer mandamento indicando como ou com
quem os profetas deveriam casar. Apenas os sacerdotes eram
proibidos de casarem-se com prostitutas (Lv 21.7,14);
d. Os relatos dos capítulos 2 e 3 são desdobramentos da narrativa
do capítulo 1, não dando qualquer indício de ser sonho, visão,
parábola ou qualquer outra alternativa que não seja real
(HUBBARD, 1993, p. 64);
Mesmo que você opte por escolher outra alternativa quanto à
interpretação dada ao casamento do profeta e Ômer, se mantivermos o
foco na mensagem central e principal da passagem como um todo, ainda
assim é fascinante o quanto Deus procurou mostrar o seu amor ao seu
povo e o quão tristemente este o abandonava por qualquer coisa e em
qualquer situação.

Quanto aos outros destaques, Gusso (2017, p. 31) destaca que os


três primeiros capítulos acabam seguindo a mesma sequência, a partir de
três temas: pecado, castigo e perdão. Veja o quadro:

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QUADRO 02: Divisão tríplice de cada um dos três primeiros capítulos

Temas Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3


Pecado v. 2 v. 2-5 v.1-2
Castigo v. 4, 6, 9 v. 6-13 v. 3-4
Perdão v. 10-2.1 v. 14-23 v. 5

FONTE: Criação própria a partir de dados de Gusso (2017, p. 31).

Infelizmente o povo estava tão desorientado que às vezes chamava


a Yavé de “meu Baal”, conforme reclama Os 2.16. É o que o profeta
menciona em 4.6 “o povo padece por lhe faltar conhecimento. A palavra
utilizada pelo profeta não trata de mera informação. O que ele quer dizer é
que seu povo não se relaciona com Deus. No mesmo versículo ele diz que
além de faltar, o povo não quer conhecimento. Em outras palavras, além
de ter um relacionamento abaixo do esperado e devido, o povo não deseja
estar com seu Deus. Leia também os seguintes versículos: 4.1,6,14; 5.4;
6.3,6; 7.11; 8.2; e 9.7; todos eles relacionados a esta triste situação do
povo de Deus.

Diante do linguajar atual, acerca de guerra espiritual, convém


salientar que o “espírito de luxúria” (Os 4.12) e o “espírito de prostituição”
(Os 5.4), mencionados na versão João Ferreira de Almeida (1990), diz
respeito tão somente ao desejo carnal do povo. Devemos lembrar que
para a teologia do AT o ser humano é um ser integral. Oséias usa tal
figura de linguagem da mesma forma que em Nm 5.14 fala de “espírito
de ciúmes”, Is 19.14 fala sobre “espírito de perversidade” e Zc 13.2 fala
acerca de um “espírito imundo”. CRABTREE (1961, p. 91) é enfático em
afirmar que todas estas alusões são tão somente figuras de linguagem
para destacar alguma tendência humana para o pecado.

2.1.4 Aplicações de Oséias para os Dias de Hoje


O livro do profeta Oséias continua nos ensinando e, muito, sobre:

a. A importância de nos mantermos firmes ao nosso Deus.


Como somos fracos e tolos tal qual fora Israel. Em vez de nos
firmarmos em Cristo e vivermos na dependência do Espírito,

54
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volta e meia nos deixamos levar pelas concupiscências da carne


e seus desejos vãos.
b. A liderança continua tendo um importante papel na educação do
povo de Deus e, se falharmos, o povo todo sofre.
c. Ainda hoje, tem sido cada vez mais comum cultos sem
valor, revestidos de uma religiosidade fria e fingida. Vivemos
esquecendo que nosso papel é sermos sal da terra e luz do
mundo (Cf. Mt 5.13-16) e, principalmente, vivemos neste mundo,
mas não somos dele, estamos aqui apenas como peregrinos (Cf.
I Pe 2.11).
d. Infelizmente temos presenciado, e com frequência, a crescente
onda do mundo gospel. Há roupas, filmes, músicas e artifícios da
mais diversa modalidade feito tão somente pensando em atender
ao público chamado evangélico. Inicialmente tais produtos eram
feitos pensando em se transmitir o evangelho, hoje, muitas
vezes, são feitos apenas pensando nos lucros por trás de tais
produtos. Isso, de certo modo, tem trazido muitos simpatizantes
ao evangelho, mas poucos convertidos genuinamente. A mesma
triste realidade experimentada por Oséias.
e. Deus continua sendo um ser pessoal e prático, com emoções,
sentimentos e amor bem reais e à disposição de toda a humanidade.
Ele continua se doando e se entregando incondicionalmente a
todos, porém nem todos o aceitam ou o reconhecem, perdendo
assim a chance de se relacionar com um Deus tão incrível.

2.2 O Livro do Profeta Amós


Agora estudaremos sobre o livro de um homem que não tinha qualquer
ligação com o movimento profético de Israel, mas que foi comissionado
por Deus para repreender seu povo. Para melhor compreender esta obra
de escrita tão fascinante, dentre os livros proféticos, você conhecerá a
autoria de Amós, as principais questões relacionadas ao contexto de sua
época, os principais desdobramentos que a obra acabou tendo, a estrutura
mais provável escolhida pelo profeta para registrar sua mensagem, alguns
destaques que achamos fundamentais e, por fim, algumas aplicações de sua
mensagem que ainda servem para falar a cada um de nós, nos dias de hoje.

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FIGURA 04 – Profeta Amós

Legenda: Profeta Amós (original: Prophet Amos). 1250. Iluminura de Manuscrito.


Nashville, TN, Estados Unidos da América. Coleção: Art in the Christian Tradition
(Vanderbilt University). Disponível em: http://diglib.library.vanderbilt.edu/act-imagelink.
pl?RC=57970. Acesso em: 14 jan. 2021. Domínio público.

#Pracegover: A imagem mostra uma pintura com um homem em pé apoiado por um


cajado, segurando uma shofar com animais à sua volta.

2.2.1 Autoria de Amós e Questões Contextuais


Como já mencionamos, o profeta Amós foi contemporâneo ao
profeta Oséias. No mesmo período de sucesso militar, estabilidade
econômica e aumento territorial, conquistados por Jeroboão (II) no Norte
e Uzias no Sul. Consequentemente ele lidou com a mesma classe libertina,
opulenta, sedenta pelo poder, disposta a sacrificar quem quer que fosse
para manter seu status quo e, acima de tudo, decidida em não dar ouvidos
aos Senhor ou a seus profetas (DILLARD; LONGMAN, 2006, p. 358).

Como o seu ministério foi mais curto e bem pontual, alguns o


colocam como tendo sido o primeiro profeta a atuar, dentre os profetas

56
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menores. Todavia, além da tradição judaica indicar Oséias como o primeiro,


nós também o fazemos em especial por conta de sua mensagem. Ela é
bem mais severa e dura que a mensagem de Oséias, indicando assim que
primeiramente Deus teria enviado um profeta local com uma mensagem
de amor e esperança aos que se arrependessem e, só depois, diante da
irredutibilidade do povo, é que Yavé teria chamado um profeta de longe e
com uma mensagem mais contundente.

Sim, Amós não era do Norte, ele era de Judá, da cidade de Tecoa
(Am 1.1), ela ficava “há uns dezessete quilômetros ao sul de Jerusalém”
(SICRE, 2008, p. 244) e, principalmente, não pertencia à chamada classe
profética (II Rs 3.4; Am 7.14). Embora não haja nenhuma referência bíblica
para este uso, mas diante do fato de que o profeta anterior teve toda sua
vida usada como mensagem dramatizada, torna-se, no mínimo, curioso
que a cidade de Tecoa era considerada, segundo Gusso (2017, p. 51), “um
lugar de se tocar a trombeta de alarme (Jr 6.1)”.

Talvez por isso este profeta tenha sido tão enérgico em suas
palavras, que embora poucas, menos de duas mil, no livro todo, produzem
um impacto tão grande que ainda hoje, dentre os profetas, é o mais
estudado. Principalmente porque sua mensagem continua tão atual
quanto o jornal desta manhã. Suas críticas contra a injustiça, a corrupção
e a favor de uma religião verdadeiramente capaz de unir o eterno com o
dia a dia daquele que se diz adorador, continua essencial e extremamente
relevantes ainda hoje.

O profeta Amós era criador de ovelhas, pois estava entre os pastores


de Tecoa, quando foi chamado (Am 1.1 e II Rs 3.4), mas também era boieiro
e cultivador de sicômoros. Alguns autores, como Trapiello, van Hoonacker,
Osty, Rinaldi e Steinmann defendem que o profeta era de origem humilde e
que tais animais só estariam sob os seus cuidados. Já os autores “Mishna,
Neher, Kapelrud, Monloubou, Randellini, Wolff, Rudolph.” defendem que
Amós teria sido um importante funcionário do rei Uzias, como se fosse
um capataz encarregado de fiscalizar a produção agrícola e pecuária.
Enquanto Vesco, provavelmente, pertencesse à alta sociedade judia, só
não soube definir se teria pertencido ao status religioso ou político de
Jerusalém (citados por SICRE, 2008, p. 245).

57
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Deveras, nem de perto, é uma questão de fácil resolução. Vejamos


um pouco mais suas atenuantes em prol de sua menor importância: a)
muitos dos que apregoam ter sido ele muito simples, o fazem pelo fato de,
na época de Jesus, o sicômoro não tinha nenhum valor econômico, mas
estes se esquecem que no AT ele era um produto de alto valor, colocado
ao lado das oliveiras (I Cr 27.28) e lamentado pelo salmista quando uma
geada os destruiu no Egito (Sl 78.47); b) outros, por conta relação com a
profissão dos boiadeiros contemporâneos, normalmente composta por
gente mais simples, chegaram a deduzir que Amós era gente simples,
do campo e, como fez Jerônimo, classificando-o como alguém iletrado
(citado por SICRE, 2008, p. 245); c) outros alegam se caso ele fosse um
rico proprietário, tal qual seus ouvintes a quem critica, ele não teria sido
acusado “de estar defendendo seus interesses pessoais ao condenar as
injustiças” (SICRE, 2008, p. 245).

Por outro lado, também são bem convincentes as afirmativas


que tentam defendê-lo como alguém de um status mais elevado: a) um
homem culto, que percebe os problemas a fundo e, sem rodeios, ataca
suas origens (SICRE, 2008, p. 245); b) tem um linguajar bem polido e
refinado, tem sido considerado, junto a Isaías, um dos maiores poetas do
AT; c) embora um judaíta, conhecia muito bem a situação sociocultural
dos seus irmãos nortistas e certas questões da política externa adotadas
por seus vizinhos (SICRE, 2008, p. 245); d) só o fato de que sua mensagem
era a favor dos pobres e injustiçados não pode servir de comprovação
de que ele deveria ser um deles. Muito pelo contrário, se ele fosse um
rico proprietário que conseguiu seus bens de forma justa, teria um peso
muito maior para a sua mensagem; e) a palavra hebraica para designá-lo
como pastor de ovelhas é noqed e não ro‘eh, como era mais comum para
se referir a um pastor de origem humilde (DILLARD; LONGMAN, 2006, p.
359); f) a palavra ugarítica, similar a noqed é utilizada para se referir a
um criador expressivo ou a um negociante de gado e não apenas a seu
cuidador (CRAIGIE, 1982, citado por DILLARD; LONGMAN, 2006, p. 359);
e, por fim, g) a partir do levantamento feito por Gusso (2017, p. 52), como
veremos mais adiante, ele era um exímio conhecedor do pentateuco, algo
que seria muito difícil para um simples camponês da época.

58
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Concordamos não ser um ponto tão pacífico, quanto à discussão


sobre sua procedência, mesmo porque existem grandes teólogos e
comentaristas defendendo cada opção. Entretanto, optamos por entender
que Amós foi de uma classe mais elevada, não necessariamente a mais
rica. Outra incógnita tão grande quanto, senão, muito maior, é determinar
quando ele deveria ter recebido o seu chamado. Há quem defenda, a
partir da dureza e concisão de seu discurso, que seria um jovem, quando
foi chamado, tal qual Jeremias (WOLFF citado por SICRE, 2008, p. 245).
Todavia temos duas objeções a esta teoria: Jeremias, mesmo com um
chamado jovem, é considerado o profeta chorão exatamente porque se
deixa envolver na mensagem. Assim, não dá para atrelar a insensibilidade
de um discurso à pouca idade de seu orador. Além disso, um jovem, em
sua época, não teria condições de entender tanto acerca das questões
de política. Por fim, se de fato fosse jovem, isto teria vindo à tona porque
seus ouvintes não se deixariam ser admoestados por um “pivete”. Assim
como reclamaram ser ele judaíta, teriam ignorado seu discurso alegando
falta de experiência.

Da mesma forma que não sabemos sua idade, ao ser comissionado,


também não temos a menor noção de quanto tempo durou seu ministério.
Só para ilustrar esta grande indecisão, mencionamos os exemplos
levantados por Sicre (2008, p. 246): enquanto Fürts defende que ele
profetizou durante quatorze anos, há Morgenstern, que defende que Amós
teria pregado um único discurso, com duração entre vinte e trinta minutos.
Todavia, quanto a esta questão, a única certeza que temos é que não
há como saber o tempo exato de sua atuação. Talvez, o mais provável,
é que tenha anunciado sua mensagem por várias semanas ou meses e,
principalmente, em vários lugares, até ser confrontado e expulso pelos
líderes religiosos de Israel (Cf Am 7.10-13).

Ainda, segundo Dillard e Longman (2006, p. 358), seu ministério não


deve ter passado de dois anos, uma vez que Am 1.1 faz questão de atrelar
sua mensagem ao período de dois anos antes do grande terremoto, que
pela arqueologia sabemos que aconteceu em 760 a.C. Isto faz muito
sentido pelo fato de que um evento tão importante e, considerado na época
como castigo divino, não foi mencionado em suas profecias, apenas na
introdução do livro.

59
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Quanto ao período de seu chamado, enquanto Sicre (2008, p.


246) segue a opinião da maioria, situando-o entre os anos de 760 a
750 a.C., Gusso (2017, p. 53-54) é bem mais preciso. Segundo ele, o
comissionamento ocorreu no ano de 762 a.C., porque o próprio profeta
menciona que foi dois anos antes do terremoto, e pelas descobertas
arqueológicas houve um terremoto no ano de 760 a.C. em Samaria.
Lembrando que a contagem do tempo antes de Cristo se faz ao contrário,
por isso 760 menos 2 anos é 762, e não 758.

2.2.2 Produção do Livro e a Estrutura do Livro de Amós


Embora também seja um ponto um tanto delicado porque na
verdade não dá para saber quando exatamente o profeta teria escrito seu
livro. Algo que está muito claro é o fato de que num primeiro momento
Amós profetizou suas palavras oral e presencialmente para seus ouvintes
e, somente depois, gastou energia em registrar tais oráculos. Isto pode
ser percebido na própria declaração inicial do livro “As palavras de Amós,
que estava com os pastores de Tecoa, o que viu sobre Israel, nos dias
de Uzias, rei de Judá, nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel,
dois anos depois do terremoto.” (Am 1.1). Note que a declaração descreve
quando foi o chamado e sua execução: nos dias de Uzias e Jeroboão. E,
a declaração de que ela ocorreu dois anos antes do terremoto, indica que
a escrita está sendo pelo menos dois anos depois da ocasião dos fatos.

Outra incógnita é sobre a estrutura do livro. Isto porque encontramos


opiniões das mais diversas possíveis. Segundo Gusso (2017, p. 57), da
mesma forma que muitos livros do AT, o livro de Amós tem sido alvo de
inúmeras tentativas de recorte, por parte dos críticos. Esta variedade de
proposta e teorias é tão grande que os autores Dillard e Longman (2006, p.
362-363) dizem que “os esforços investigativos sobre a história redacional
de Amós tem encarado o livro como se ele fosse uma tora de massa
folhada, cujas várias finas camadas pudessem ser separadas e avaliadas”.
Como exemplo ainda citam o caso de Wolff que determinou que o livro
deste profeta possui seis fases de desenvolvimento, enquanto Coote foi
mais comedido e “só” encontrou três níveis. Mas, finalizam dizendo que
ultimamente a preocupação dos críticos tem se voltado muito mais para

60
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questões sincrônicas, que tratam sobre o significado do livro como ele é,


independentemente de como foi elaborado.

Quanto ao esquema literário do livro, parece ser bastante claro, afinal


todos os pesquisadores analisados seguem a mesma proposta, com
pequenas diferenças redacionais e nas escolhas de palavras, enquanto no
todo são bem próximos. Por isso, escolhemos a proposta feita por Dillard e
Longman (2006, p. 363), que defendem uma divisão tríplice e bem simples:

I – Am 1-2 Oráculos contra as nações;


II – Am 3-6 Série de discursos de julgamento contra Israel;
III – Am 7-9 Grupo de visões com oráculo de salvação.
Além desta proposta mais comum, também optamos por reproduzir
a sugestão de Pinto (2014, p. 717), que difere um pouco na interpretação
de cada parte, mas no todo também mantém a mesma ideia:

I – Am 1.-2 Prólogo;
II – Am 1.3-2.16 Profecias de proclamação de castigo para Israel e
as nações vizinhas;
III – Am 3.1-6.14 Sermões contra a Infidelidade do povo;
IV – Am 7.1-9.10 Descrição de cinco maneiras que mostram a
indiferença e oposição de Israel contra o Senhor;
V – Am 9.11-15 Promessa de restauração, caso haja arrependimento.
Aqui também é interessante destacar a grande relação entre a
profecia de Amós e as questões morais expressas no pentateuco. Para
isso, apresentaremos tais informações, em forma de quadro, para uma
melhor visualização:

61
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QUADRO 03: Correlação entre Amós e o Pentateuco

Tipos de referências Aspectos mencionados Referência


Conquista de Canaã Am 2.9
Referência ao êxodo Am 3.1
Menção à destruição de Sodoma e Gomorra Am 4.11
Históricas
Período em que estiveram no deserto Am 5.25
Am 3.13; 5.6;
Menções a Isaque, Jacó e José
7.16

Menção a sacrifícios e dízimos Am 4.4-5; 5.22


Alusão a sacrifícios levedados Am 4.5
A respeito da Lei
Crítica aos rituais Am 5.21
Citação sobre Luas novas e sábados Am 8.5

O perigo de não guardar a Lei (Dt 17.19) Am 2.4


Prostituição religiosa (Dt 23.17,18) Am 2.7
Questões Morais Ir dormir com roupas de penhor (Êx 22.26) Am 2.8
Desrespeito aos Nazireus (Nm 6.1-21) Am 2.12
Condenou a injustiça nos negócios (Lv 19.35) Am 8.5

FONTE: Criação nossa a partir dos dados de GUSSO, 2017, p. 52-53.

2.2.3 Destaques do Livro de Amós


Um realce importante a se fazer, logo de imediato, é a declaração
do próprio profeta de que “eu não sou profeta (navi’) nem sou filho (ou
discípulo) de profeta” (Am 7.14). Alguns criam toda uma explicação para
tentar dizer que navi’ seria a palavra para designar os profetas do Norte
enquanto que hozeh seria para o Sul. Ou então, tentam fazer alguma
distinção no sentido de que uma era mais honrosa que a outra e Amós não
estaria se rebaixando, ou ainda, que Amós havia aceito a palavra visionário
(hozeh), mas não a de profeta (navi’) (DILLARD; LONGMAN, 2006, p. 360).
Mas, ao observarmos sua resposta a Amazias, nosso profeta diz que foi
incumbido a profetizar (nava’) e não a ser visionário (hazah).

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Além disso, faz muito mais sentido, diante da intimidação de


Amazias, de querer que Amós desistisse de seu trabalho, alegando que
ali era território dos profetas “profissionais”, pagos pelo rei (Am 7.12-13),
Amós lhe dá esta resposta. Como o hebraico não é tão claro quanto ao
passado, presente e futuro, como dissemos no primeiro capítulo deste
livro, acaba passando a ideia de que Amós não se vê como profeta, nem
naquele momento. Quando o mais certeiro seria traduzir sua resposta
como “nunca fui profeta, nem tão pouco discípulo de profetas”. Com isso,
ele estava dizendo que não estava ali atrás de um emprego ou profetizando
para ganhar o pão do dia, como fora acusado no início deste diálogo (Am
7.13), muito pelo contrário, ele estava ali porque tinha convicção de que
Yavé o havia comissionado e dado a ordem para ele profetizar. Dillard e
Longman (2006, p. 361) também concordam com isso e declaram que “os
atos de Amós são de um profeta: ele tem visões e prega.” E pelo contexto
tanto Amazias quanto o próprio profeta são concordantes de que Amós
de fato é um profeta.

Nos seus dois primeiros capítulos, Pinto (2014, p. 718) destaca os


principais pecados cometidos pelas cidades de Canaã: repetida crueldade
efetuada por Damasco (Arã), tráfego desumano de escravos pelos
Filisteus, quebra de acordo político por Tiro, injustiças e violência contra os
vizinhos e parentes efetuadas por Edom, Amom e Moabe. Todos pecados
contra a humanidade. Quando o profeta dirige sua palavra contra o povo
escolhido (Judá e Israel), o Sul é acusado de desobediência à revelação
divina enquanto ao Norte é mostrado sua futilidade em se considerar
superior às outras cidades e nações.

Neste mesmo trecho, há uma expressão idiomática que aparece


por oito vezes: “sobre três transgressões de tal cidade, e sobre quatro,
não retirarei o castigo...”. dependendo da versão consultada, pode passar
a ideia de dúvida. Observe o quadro a seguir:

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QUADRO 04: Comparação entre versões para a fórmula profética


utilizada em Amós 1 e 2

Versão Tradução Fórmula O que dá a entender


“sobre três trans- Numa leitura rápida, passa
gressões de tal a ideia de complementa-
Tradução do “sobre três e
cidade, e sobre riedade: como se somasse
original sobre quatro”
quatro, não retirarei sete pecados ou razões no
o castigo...” total.
“por três crimes de Passa a ideia de que são
Pastoral da tal cidade e pelo “por três e pelo apenas 4 pecados e talvez
Paulus quarto, eu não vou quarto” o quarto tivesse sido como
perdoar...” a “nossa gota d’água”.
Também passa a ideia de
“por três crimes
somatória, como na primei-
Bíblia de de tal cidade e “por três e por
ra, com a diferença de, em
Jerusalém por quatro, não o quatro”
vez de ser sobre o pecado,
revogarei.”
seria por causa dele.
“por 3 transgressões
Passa a ideia de que a
de tal cidade e ainda “por três e ainda
NVI quarta é realmente mais
mais por quatro, não mais por quatro”
forte que as anteriores.
anularei o castigo...”

FONTE: Própria, a partir dos textos bíblicos citados.

Convém destacar as palavras de Gusso (2017, p. 59) que esta era


uma figura de linguagem que pretendia indicar a totalidade das coisas
relacionadas, significando: “por todas as transgressões” ou “pelos muitos
pecados cometidos”. Afinal, os números possuem um significado bastante
expressivo na cultura judaica e “3 por 4” poderia estar indicando muito
mais a soma entre eles, que totalizaria 7 e este número é bem expressivo
para se indicar a totalidade das coisas.

Acrescentamos a isso a possibilidade desta figura se referir


inclusive aos pecados das gerações anteriores, como se destacando que a
pecaminosidade não surgiu de repente, mas já vinha de longe. Chegamos
a esta pequena possibilidade pelo fato de que Amós conhecia muito bem
o Pentateuco e que lá há uma clara promessa de que Deus castigaria o
pecado de seu povo até a terceira e quarta geração (Êx 20.4). Embora isto
seja mera conjectura, a melhor forma, de fato, de se interpretar as palavras
de Amós é encarando-as como a totalidade dos pecados cometidos
contra tudo e todos.

64
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Segundo Pinto (2014, p. 718), no terceiro capítulo, Amós chama a


atenção de seu povo quanto à ingratidão retribuída a Yavé. Mesmo diante
de tantos privilégios, o povo agia como se nada houvesse acontecido.
Além disso, Gusso (2017, p. 60) nos chama a atenção para os versos 3-8,
nos quais o profeta apresenta uma série de nove perguntas retóricas, que
num primeiro momento poderia transparecer algum sinal de dúvida, mas
na prática é exatamente o contrário. Amós está afirmando claramente
várias verdades acerca de seu chamado, utilizando-se deste recurso
literário. Lembramos que esta técnica era tão comum, que o próprio Deus
se utiliza dela para conversar com Jó. Na ocasião o Senhor fez cerca de
15 perguntas para se revelar a seu servo (Cf. Jó 40 e 41).

Dos capítulos 3 a 6 de Amós, o profeta utiliza o cenário judicial da


época para descrever sua mensagem. Eis abaixo o “roteiro” de sua queixa,
com os versículos do capítulo 3 como exemplos, mas isto se aplica em
cada um destes quatro capítulos mencionados.

I – O juiz demandante apresenta sua queixa (Am 3.1a);


II – As relações passadas de desobediência são revisadas
(Am 3.1b-2);
III – As testemunhas são convocadas (Am 3.9);
IV – As acusações são pronunciadas (Am 3.7,8);
V – Há um interrogatório – normalmente perguntas retóricas –
(Am 3.3-6);
VI – Há oferecimento de oportunidade de arrependimento ou
reparação (Am 3.10-12);
VII – Especifica-se a punição (Am 3.13-15).
Em Am 5.5, não significa que Deus estaria proibindo ou não
valorizando o culto nos templos. Definitivamente este versículo não serve
para aqueles que acham que podem servir a Deus em casa, sem qualquer
vínculo eclesiástico. O que o profeta está defendendo é que não basta
apenas buscar nos templos, tampouco ter uma vida de mera religiosidade.
A busca deve ser sempre com relação a Deus. O templo sempre foi apenas

65
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um símbolo da morada divina, mas ele de fato habita entre o seu povo,
desde que este de fato viva a sua palavra.

Da mesma forma, não é que devemos viver de qualquer forma


como se nunca fôssemos nos encontrar com o nosso Deus. Devemos
falar e “respirar o céu”, mas quando o profeta lamenta os que desejam o
“dia do Senhor” (Am 5.18), ele recrimina as pessoas que o buscam sem
os devidos cuidados. Desejam encontrar-se com Deus, mas de fato não
estão prontos. Por isso o profeta chega a dizer que tal dia seria dia de
trevas. Isto porque, para os justos, sim será dia de regozijo e alegria, mas
para o ímpio e infiel será dia de prestar contas.

Em Am 5.24 encontra-se o que muitos têm atribuído como o seu


versículo central, por meio do qual, o profeta nos convida a investirmos
esforços para que nossa justiça seja tão fluente e natural como um rio.
Uma observação interessante e muito atual: normalmente se tem atrelado
o livro do profeta Amós ao tema da justiça social. Porém, em todos os
seus nove capítulos ele nunca faz esta restrição. Ele apela e convida sim à
justiça, mas como um todo, não apenas na área social.

Claramente Amós diz que Israel será castigado por ignorar e


não viver como uma nação justa e reta, como deveria ser desde de seu
chamado. Pinto (2014, p. 718) nos lembra que mesmo com palavras tão
duras e enfáticas acerca de um castigo iminente e severo, nosso profeta
não deixa de lado a misericórdia divina. Yavé continua convidando seu povo
ao arrependimento para que evite passar pela vergonha que merece. Como
podemos ver nos convites escancarados narrados em Am 5.4,6,14 e 15.

Por fim, antes de passarmos às possíveis mensagens de


Amós aos nossos dias, não podemos deixar de comentar outros
versículos, aparentemente bem polêmicos: Am7.1-6, que tratam sobre o
arrependimento divino. Afinal, se a própria Bíblia é enfática para declarar que
Deus “não é homem para mentir e nem filho do homem para se arrepender”
(Nm 23.19), como que em Amós é declarado que Yavé se arrependeu?
Seria um erro? Ou simplesmente outra palavra, de raiz diferente? Nenhuma
das duas. Trata-se da mesma raiz naham, cujo significado é muito maior
que nosso sentido de arrependimento tradicional.

66
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Habitualmente, temos em nosso contexto que arrepender-se


é “virar as costas para o pecado”, mas o campo semântico da palavra
hebraica, tanto usada em Número quanto em Amós, vai muito além disso.
Ela pode significar tanto arrepender-se (no sentido de pecado), como
mudar de ideia (independentemente de ter ou não um erro implícito), mas
também pode servir para descrever pena, compaixão ou tristeza pela
desgraça alheia. Desta forma, o autor de Números se refere ao fato de
Deus não poder se condoer por conta de seus pecados ou mesmo ficar
mudando de ideia “a torto e a direito”, como alguém sem rumo. Enquanto
Amós utiliza o mesmo vocábulo com o sentido de: se for necessário, Deus
pode mudar seus planos. Não porque ele não sabia o que iria acontecer
e por isso precisa ir se reajustando, mas porque, sendo misericordioso e
deixando sob a decisão humana algumas decisões, sua ação, de certa
forma, pode e deve ser alterada, no decurso da história, como o exemplo
de Jonas. A palavra era clara: Nínive será destruída em 40 dias, mas como
os ninivitas se arrependeram, o Senhor mudou de ideia (se arrependeu) e
não mais as destruiu (como veremos com maior profundidade no próximo
capítulo de nosso livro).

2.2.4 Aplicações de Amós para os Dias de Hoje


Assim como vimos ao final do tópico passado, quando estudamos
Oséias, aqui também apontaremos algumas lições de Amós totalmente
válidas ainda em nossos dias. A primeira, indiretamente já tocamos nela,
há alguns parágrafos: embora o livro do profeta Amós seja tão duro e
contundentemente contra o pecado, servindo de uma declaração iminente
de castigos severos contra a nação por conta de sua pecaminosidade,
ele não deixa de destacar que pode haver sim renovação do povo eleito,
independentemente da catástrofe em que tenha se envolvido, desde que
haja arrependimento (Cf. Am 9.11-15).

Sobre a existência de um remanescente, Amós deixa claro que


embora todo pecado exija julgamento e, principalmente, Yavé jamais
deixará de administrá-lo, independentemente de quem seja, a aliança
que o Senhor fez com seu povo acaba, de certo modo, permitindo que
um remanescente sobreviva ao castigo, saindo dele mais elevado
espiritualmente, para dar continuidade ao povo escolhido.

67
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Fazer parte do povo escolhido por Yavé não significa apenas privilégios,
antes, tem muito mais uma característica de responsabilidade direta e
indireta. Pois, enquanto vai se vivendo de forma a cuidar de si mesmo e,
simultaneamente, a agradar a Deus, também vamos fazendo com que o
seu nome seja conhecido em toda a terra, como nosso testemunho.

Normalmente, para o povo, o chamado dia do Senhor era tido apenas


como um dia de bênçãos e bonificação ao povo de Israel. Acabaram,
inclusive, esquecendo-se de que não basta ter nascido israelita, mas
que deveriam viver em conformidade com os estatutos divinos. Todavia,
para Amós (5.18-20) será o momento em que Deus trará os próprios
inimigos para castigar seu próprio povo. Em vez de galardão, o povo
receberá castigo (que não deixa de ser um tipo de paga, por suas atitudes
errôneas e distorcidas). Assim, diferentemente de outros profetas, para
Amós este dia não é escatológico, reservado a um futuro distante e global,
mas algo imediato e local e de julgamento do pecador de sua era. Da
mesma forma, podemos perceber que além do grande julgamento final,
ainda indeterminado quanto à hora, muitas pessoas já passaram ou têm
experimentado o seu próprio dia de ajustes de contas com o Senhor. Por
isso, o convite de Amós de que estejamos buscando ao Senhor a cada dia
(5.4,6) e fazendo o que é correto o tempo todo (5.24) é atual e necessário.

2.3 O Livro do Profeta Miquéias


Miquéias é comissionado por Deus para exortar os habitantes de
Judá. Embora, em determinados momentos da história, estiveram um
pouco mais próximos de seu Deus, do que os seus irmãos israelitas,
nesse momento histórico, o Sul estava afundado nas mesmas atitudes
pecaminosas que seus irmãos. Assim como socioeconomicamente
ambos estavam muito bem, mas espiritualmente os dois também
estavam mortos. Vejamos alguns exemplos: : a) Mq 1.7 indica a idolatria
generalizada; b) em Mq 2.1 o mal era arquitetado e não apenas cometido
por tentação; c) Mq 2.2 condena a ganância dos donos de terra; d) Mq
2.8-9 mostra que os pobres eram constantemente explorados; e) Mq 2.11
e 6.7 sinaliza uma religiosidade interesseira e aparente; f) Mq 3.11 mostra
a vergonhosa situação de suborno e corrupção; g) Mq 6.12 violência
generalizada; e h) Mq 7.2-3 descreve a extinção do homem piedoso.

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FIGURA 05 – Altar da Ovelha Mística – Profeta Miquéias

Legenda: EYCK, Hubert van. Altar da Ovelha Mística – Profeta Miquéias (original: Altar
of the Mystical Lamb – Prophet Micah). Entre 1426-1432. Retábulo. Nashville, TN,
Estados Unidos da América. Coleção: Art in the Christian Tradition (Vanderbilt University).
Disponível em: http://diglib.library.vanderbilt.edu/act-imagelink.pl?RC=48723. Acesso
em: 14 jan. 2021. Domínio público.

#Pracegover: A imagem mostra um homem olhando para baixo com um livro ao seu lado
e uma faixa acima de sua cabeça com dizeres em latim.

Para mais interação e compreensão de sua mensagem, a seguir,


você aprenderá questões mais técnicas relacionadas à obra, tais como:
o personagem por trás da história, questões relacionadas à unidade e à
estrutura de seu livro, alguns destaques que consideramos importantes e,
por fim, as principais lições de Miquéias que ainda falam aos nossos dias.

2.2.5 O Profeta Miquéias e a Unidade de seu Livro


O profeta Miquéias desenvolveu o seu ministério entre os reinados
de Jotão, Acaz e Ezequias (Mq 1.1). Embora seja uma declaração tão clara,
para Dillard e Longman (2006, p. 380-381) não temos nenhum indício mais
contundente para delimitar melhor este período, o que se estenderia de 750
a 686 a.C. Eles também concordam que o profeta não atuou em todos os
sessenta e quatro anos. Certamente, iniciou ao final do reinado de Jotão
e finalizou no início do reinado de Ezequias. Desta forma, reduziríamos o
recorte temporal de seu ofício entre os anos aproximados de 735 a 705 a.C.

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Por conta da declaração em Jr 26.17-19, de que Miquéias “profetizou


nos dias de Ezequias”, alguns têm alegado que seu ministério estaria restrito
apenas a este período (715-686 a.C.). Todavia, quem assim o faz ignora que
na época de Jeremias a intenção não era citar a biografia do profeta, mas
dizer que o rei Ezequias deu ouvidos a um profeta não “reconhecido pela
corte”, mas que se comprovou ser um homem de Deus. E assim disseram
para que, de alguma forma, o rei israelita mudasse seu veredicto de morte
contra Jeremias. Ainda mais se levarmos em conta a indicação de sua
origem “Moresete Gate”, praticamente um forasteiro em Jerusalém.

Ainda, segundo Dillard e Longman (2006, p. 380), pelas evidências


internas do livro podemos ter duas certezas: Miquéias iniciou o seu
ministério profético um bom tempo antes de Samaria ser destruída em
722 a.C., pois suas práticas pecaminosas ainda estavam em atividade (Mq
1.6). E a partir do lamento do profeta em 1.8-16, indicam-nos que o profeta
ainda estava atuando por volta dos anos 701 a.C. porque as cidades
citadas por ele coincidem com a invasão de Senaqueribe, nesta data.

Também somos da opinião de que muito provavelmente foi


contemporâneo do profeta Oséias, em seus últimos anos de ministério,
se bem que não dá para saber se eles se conheceram, e o profeta Isaías,
que iniciou sua atuação “no ano em que morreu o rei Uzias” (Is 6.1).
Enquanto Isaías, devido à sua possível linhagem nobre, atuava mais na
corte (GARDNER, 1999, p. 275), o nosso profeta atuava entre o povo,
dirigindo-se a pobres e ricos, tendo em vista sua linhagem mais simples.
Isto deduzem os autores Dillard e Longman (2006, p. 380) pelo fato de ele
não citar o nome de seu(s) antepassado(s). De fato, curiosamente, assim
como Naum, o livro de Miquéias cita apenas sua cidade de origem.

Seu nome significa “Quem é como Javé?”. A transliteração hebraica


é mychah, abreviação de mychayahu, com o mesmo significado (GUSSO,
2017, p. 82). Se não fosse a referência bíblica de Jeremias ao seu nome,
poderíamos pensar em apenas um nome fictício, apenas para representar o
teor de sua mensagem. Pois é um livro que enaltece ao Senhor e mostra sua
indignação e juízo contra o pecado de seu povo, tanto Israel, que ainda não foi
destruído, quanto Judá. Sim, embora nosso profeta atue no Sul ele não deixa
de mencionar e condenar, também, os pecados de seus irmãos nortistas.

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Tradicionalmente Miquéias é o sexto livro canônico, dentre


os profetas menores. Mas a tradução grega o deixa como terceiro,
imediatamente após Amós, muito provavelmente por conta de suas
datas serem tão próximas (DILLARD; LONGMAN, 2006, p. 380). Neste
livro, nós os agrupamos, não por conta da data, que é bastante similar,
mas foi basicamente por conta do teor de suas mensagens, fortemente
contrárias ao contexto pecaminoso vivenciado por seus conterrâneos,
tanto de Israel quanto de Judá. Sim, as tribos do Sul, sempre menores e à
sombra de suas irmãs, com o rei Uzias, anterior a este período, também
haviam conquistado muita riqueza, glória e estabilidade (II Cr 26.6-15)
e, consequentemente, trilharam o mesmo caminho de afastamento dos
caminhos de Deus, deixando-se afundar na exploração do próximo, na
corrupção, arrogância e tantos outros pecados que não condiziam com
o povo do Deus altíssimo. Por isso, enquanto ao norte Oséias e Amós se
revezavam em seus ministérios, ao sul estavam Miquéias e Isaías.

Segundo Dillard e Longman (2006, p. 384), o nosso profeta tem


uma teologia extremamente focada “no julgamento divino contra o
pecado”. Pecado estes tanto de ordem sociais (Mq 2.1-2), quanto também
de natureza religiosa (Mq 1.5-7). Seus conterrâneos enfrentavam a
mesma situação vivenciada pelos seus irmãos israelitas: conheciam
a Deus somente na teoria e mantinham uma vida religiosa superficial
e prepotente. Miquéias 6.6-8 resume muito bem o que se esperava do
povo de Deus. Nestes três versículos ele faz como se fosse um resumo
da Lei, conclamando o povo a uma verdadeira correção de suas práticas
religiosas que demonstravam uma religião meramente ritualística,
mecânica e exterior.

2.2.6 Estrutura e Alguns Destaques do Livro de


Miquéias
Diante de suas profecias relacionadas ao ministério de Jesus
(Mq 5.2; 6.5-8), o livro de Miquéias acaba sendo um tanto quanto conhecido.
Todavia, por conta de seu texto difícil, oriundo de um hebraico bastante
simples, no sentido gramatical, de sua ênfase no uso de linguagens
figuradas, de sua eloquência retórica e, ainda, por não possuir uma
estrutura geral bem definida, acaba sendo pouco estudado ou lido nas

71
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igrejas. Isso também acaba sendo agravado, segundo Dillard e Longman


(2006, p. 382), porque o livro não apresentaria nenhuma estrutura clara. É
como se as profecias mencionadas pelo profeta ao longo do seu ministério
fossem agrupadas aleatoriamente. Já não bastasse toda essa confusão,
em potencial, House (2005, p. 470) ainda esclarece que o profeta Miquéias
alterna de forma bastante aleatória entre os acontecimentos de sua
época, permeado em pecado, e os de um futuro carregado de esperança,
otimismo e justiça.

Acrescente-se a isso a grande quantidade de pesquisadores que


defendem que somente os três primeiros capítulos pertenceriam ao autor
e que os capítulos 4 a 7 seriam de outro autor, acrescidos posteriormente.
Há inclusive quem defenda ser ele composto por três autores distintos: de
1-3 o próprio profeta, 4-5 um autor desconhecido do período exílico, e de
6 a 7 um autor também anônimo, mas do Norte e do período pós-exílico.
As principais razões para esta desconfiança são a falta de uma estrutura
clara e, principalmente, a menção à Babilônia, feita em Mq 4.10 (SICRE,
2008, p. 277). Todavia, como bem destaca Crabtree (1971, p. 125), tanto
o linguajar quanto o estilo literário de todas as três possíveis partes são
semelhantes do começo ao fim. Além disso, Mq 4.10 não precisaria estar
se referindo a eventos tão futuros, como normalmente se pensa e por
isso não deveria ser tão assertivo, humanamente falando. Porém, esta
menção à Babilônia nem é tão específica assim e poderia se referir a algo
da própria época do profeta, na qual os babilônios já começavam a pintar
no cenário mundial, como opositores aos Assírios.

Quanto à possível ausência de estrutura entre os capítulos, Gusso


(2017, p. 85) mostra pelo menos uma lógica em suas mensagens. Segundo
ele, Miquéias teria reunido sua fala seguindo a seguinte sequência:
I – profecias de desgraça, II – profecias de promessa, “I” – profecias
de desgraça, “II” – profecias de promessa. Embora Gusso não tenha
desenrolado mais esta questão, este encadeamento 1-2-1-2 é idêntico ao
clássico padrão poético conhecido como “quiasmo espelhado”, “myasmo”
ou, mais recentemente, “paralelismo estrutural”. Precisaríamos de mais
tempo e pesquisa para comparar cada parte para afirmar se tratar de um
poema de fato, mas por ora não há como negar que Miquéias não é tão
desorganizado assim. Ele segue, sim, uma estrutura, mesmo que mínima.

72
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Curiosamente, mesmo afirmando que Miquéias não teria “nenhuma


estrutura global”, os autores Dillard e Longman (2006, p. 383) já haviam
proposto um esboço simples para o profeta, dentro desta mesma
perspectiva de repetição. Eles chamaram de primeiro round de julgamento
e salvação, seguido de um segundo round com a mesma temática. Por
outro lado, House (2005, p. 471-474) faz uma divisão tríplice para o livro,
a partir de sua teologia. Ficando da seguinte forma: a) Mq 1 a 3 Denúncia
dos pecados cometidos; b) Mq 4-5 O remanescente será exaltado por
Deus; c) Mq 6-7 Deus perdoa baseado em sua aliança.

A partir de um esboço mais detalhado, proposto por Crabtree (1971,


p. 128), juntando-se à proposta já mencionada de Gusso, propomos algo
mais simples, mantendo a divisão quádrupla de suas partes, mantendo o
indicativo do padrão poético paralelístico:

A – Profecias de desgraças: Mq 1-3 “denúncia contra os poderosos”;


B – Mensagens de promessas: Mq 4-5 “Sião será redimida e seus
inimigos castigados”;
A’ – Profecias de desgraças: Mq 6 “Deus julga seu povo”;
B’ – Mensagens de promessas: Mq 7 “a passageira iniquidade humana
versus o amor imutável do Senhor”.
Voltando a destacar o estilo literário de nosso profeta, embora sua
capacidade literária seja bem menor que os profetas Amós e Isaías, seu
linguajar não deixa de ser “caracterizado por vigor, sentimentos profundos,
imagens e figuras retóricas [...] (1.5; 2.7; 3.11), imperativas (1.10,13,16; 3.1),
símiles (1.4,6,8; 3.12) e metáforas (3.2,3,10)” (CRABTREE, 1971, p. 126).
Infelizmente, muitas destas preciosidades se perdem na tradução. Por
exemplo, em Mq 1.10-15 o profeta faz uso exagerado de redundâncias,
para deixar sua mensagem ainda mais impactante, mas como ele associa
algumas ações a nomes das principais cidades em que Senaqueribe
passou a mensagem acaba ficando escondida.

Segundo Crabtree (1971, p. 140), alguns acreditam que estas


profecias descritas de forma tão poeticamente bela não teriam sido
concluídas porque o profeta teria imaginado uma invasão completa dos
Assírios contra Jerusalém. Todavia, em momento algum ele menciona

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seu extermínio e, a julgar pelos relatos históricos, embora Judá não tenha
sido dizimada pelos Assírios, como foram as tribos do Norte, dezenas
de suas cidades foram destruídas e a queda da grandeza adquirida por
Uzias foi gritante. Ou seja, mesmo que Judá não tenha sido totalmente
devastada, ela foi de forma terrível e vergonhosa, o que não tiraria o crédito
e a destreza de tal profecia.

Além disso, ao que parece, a principal mensagem de Miquéias é


bem parecida com as dos profetas Oséias e Amós. A graça divina não é
algo negociável, ela deve andar atrelada a uma vida constante de justiça e
equidade. Da mesma forma que seus conterrâneos, além de ser bastante
duro e enérgico contra os pecados do povo é, da mesma forma, brilhante
ao anunciar o livramento do Senhor, para aqueles que se disporem ao
arrependimento.

Em Mq 2.1, o profeta condena o que ele chama de “planejadores


da iniquidade e obreiros do mal”. Claramente uma declaração de que o
pecado da liderança e dos poderosos de seu povo não eram ocasionais,
nem como o pentateuco denomina “pecados de ignorância” (Lv 4.2; Nm
15.28). Aqui não, os opressores realmente sabiam o que estavam fazendo
e, por que não dizer, eram peritos na arte da exploração. Para piorar ainda
mais a situação, não bastassem pecar de caso pensado, em Mq 2.3 é
mencionado que viviam como se fosse uma verdadeira família, o que
hoje nós chamamos de quadrilha ou organização criminosa. Conforme
o profeta, não importa o quão arrogantes ou poderosos possam ser, sua
vergonha será certa.

A palavra motejo, descrita em Mq 2.4, conforme algumas versões,


significa um tipo de cântico proverbial, como um canto fúnebre, mas além
de apenas demonstrar a tristeza, procura destacar alguma sabedoria por
trás do mesmo. Como quem diz: assim como os pobres ficam felizes por
seus feitos pecaminosos e de opressão, logo estarão chorando porque
sua sorte será mudada e de poderosos passarão a ser oprimidos.

Em Mq 2.11 é descrita uma terrível realidade ainda presente nos dias


de hoje. Profetas que pregam o que o povo quer ouvir, pois se preocupam
muito mais com a aceitação humana do que com os princípios divinos.
Mas, um pouco mais adiante, Miquéias declara que independentemente

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de o povo não querer a Deus, o Senhor estará sempre com aqueles que o
invocarem (Mq 2.13). Aqui, as palavras rei e senhor se referem à mesma
pessoa, ao próprio Yavé, que estaria no meio do próprio povo.

No capítulo 3 aparecem várias palavras relacionadas ao povo de


Deus, como Jacó, Israel, Sião e Jerusalém, todavia devemos lembrar da
veia poética de nosso profeta, e em vez de seccionar o povo ou tentar
fazer qualquer distinção entre alguma parte, na verdade está se referindo
ao povo como um todo. São todas palavras sinônimas.

No capítulo 4.1-5, Miquéias faz uma belíssima declaração acerca


do futuro de Sião. Porém, como inicia com a expressão “nos últimos
dias”, muitos têm interpretado como pertencente do período pós-exílico.
Todavia, não há motivo para duvidar de sua exposição pelo nosso profeta
em estudo, mesmo porque há coisas que de fato ocorreriam próximo aos
dias do profeta, como o retorno da babilônia, a fase de reconstrução do
templo, mas como também há acontecimentos que se cumpriram com
a ascensão de Cristo e outros que só ocorrerão quando de fato tivermos
novos céus e novas terras (CRABTREE, 1971, p. 156-157).

Da mesma maneira que Amós adota o uso de nove perguntas


retóricas (Am 3.3-8), Miquéias também usa deste recurso, e no capítulo
6.1-8 apresenta sete deles, em sequência. Não porque tivesse qualquer
dúvida, mas para ratificar sua mensagem de que o povo está em terrível
falta contra seu Deus.

No capítulo 5, a declaração de que Yavé estará destruindo os maus


e purificando o mundo é bastante enfática. Não podemos perder isto de
vista. Às vezes, a corrupção se alastra tanto que parece que os poderosos
nunca serão punidos. Em Mq 7.1-7 isto é ainda mais evidente: ainda que
a sociedade esteja corrompida e não seja nem um pouco segura, Deus
continua sendo confiável e verdadeiramente fiel.

Por fim, convém lembrar mais uma vez do constante uso de paralelos
e sinônimos pelo profeta. Como fazer-se calvo e tosquear-se (Mq 1.16);
Jacó, Israel, Jerusalém e Sião (Mq 3); Assíria e Ninrode (Mq 5.6); perdoar/
esquecer e pecado/transgressão (Mq 7.18). Chamamos especial atenção
para esta última citação. Normalmente, este versículo tem sido utilizado

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para defender que Deus esquece os pecados. Todavia, aqui, a ênfase é


unicamente uma só: o pecado (seja qual for) será perdoado. O profeta não
está pensando em duas categorias distintas para os erros e outras duas
para descrever como Deus age em cada situação. Ele diz a mesma coisa
com palavras diferentes para enfatizar o poder de Deus em acabar com
qualquer falta que seu povo tenha, desde que se arrependam.

2.2.7 Aplicações de Miquéias para os Dias de Hoje


Da mesma forma que seus irmãos e companheiros de ministérios
nortistas, Miquéias também não é apenas “pancadaria”, ele tem palavras
de salvação e esperança (Mq 2.12-13; 5.1-2), mostrando acima de tudo
um Deus magnificamente gracioso e único em verdade (Mq 7.18-20).

House (2005, p. 470) nos chama a atenção para o fato de que


enquanto em Amós Yavé era tido como o justo juiz, e por todo o aspecto
legal que envolvia as profecias daquele profeta, em Miquéias, Deus é visto
muito mais como testemunha. Certamente, também o soberano que dará
o cabo de cada sentença, mas o grande chamariz deste nosso profeta é
destacar que o próprio Senhor entra como testemunha contra os pecados
de seu povo.

Não importa o tipo ou a quantidade de pecados, Deus tem reservado


seus “ais” a todos eles. O fato de o Senhor não agir quando a gente quer,
não significa que esteja inativo, omisso ou conivente com a maldade.

Deus tem a hora certa de agir e jamais se deixa intimidar.

Nosso profeta continua de grande alerta para os dias de hoje ao


destacar que os pecados, sejam nacionais ou individuais, impedem o
usufruto maravilhoso da bênção divina e desencadeiam consequências
danosas aos infratores.

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Assim como Deus governava o mundo na época do profeta


Miquéias, condenado e julgando os maus e galardoando os justos,
semelhantemente, nos dias de hoje, Yavé continua agindo. De tal modo
que ainda hoje podemos tranquilamente perguntar, retoricamente, como
fez o profeta: “Quem é como nosso Deus?”

Síntese do Capítulo
Neste capítulo aprendemos que Deus tem aversão imensa contra
todo e qualquer tipo de pecado. Quando o pecador é arrogante, parece
que o deixa ainda mais indignado. Todavia, da mesma forma que sua fúria
é imensa, sua benignidade também o é. Yavé sempre se mostra disposto
a perdoar o pecador contrito e arrependido. Neste capítulo, também
conhecemos um pouco sobre a história de três profetas que tiveram um
papel de extrema importância na exposição do pecado de seu próprio povo
e das nações vizinhas. Foram eles, Oséias, Amós e Miquéias. Escolhidos
e arrolados neste primeiro grupo porque a mensagem e a ênfase dos três
foram bastante parecidas.

No primeiro tópico, aprendemos que Oséias foi chamado para uma


das piores formas de ministério profético, o da mensagem dramatizada.
Neste sentido, o profeta foi convidado a vivenciar em sua própria experiência
de vida a mensagem de Deus para seu povo. Por conta disso, teve que se
casar com uma mulher que, por mais amor que ele oferecesse, sempre estava
disposta a abandoná-lo e traí-lo, assim como foi a trajetória de Israel em seu
relacionamento com Yavé. Embora os capítulos iniciais até possam assustar
um pouco, dadas as devidas proporções, a mensagem geral é de extrema
claridade e revelação: Deus tem e demonstra um amor incondicional pelo seu
povo enquanto este tende a viver sua vida a seu bel-prazer.

Como seus conterrâneos não deram ouvidos ao próprio testemunho


do profeta Oséias, Deus teve que trazer um homem, lá da região de Judá,
para que talvez assim seu povo percebesse a grande loucura que estava
fazendo. Todavia, de igual modo, Amós também foi totalmente ignorado.
Mesmo que não tenhamos muitos dados acerca da duração do ministério
deste profeta, sua mensagem foi suficientemente clara para destacar que

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assim como um leão não vacila em seu território, o Senhor trará a juízo
os perversos. Isto é tão forte que só se passaram cerca de três décadas
após o final do ministério de Oséias, e, talvez, umas duas décadas a mais,
depois das palavras de Amós, para Israel, tão altivas e soberbas em sua
ganância e corrupção, cair ao ponto de nunca mais se poder reconhecer
quem são os descendentes de suas tribos.

Da mesma forma, o profeta Miquéias praticamente contemporâneo


a Oséias, teve seu ministério focado em apontar as desmazelas que, seu
povo, as tribos de Judá estavam cometendo a despeito de tudo que o
Senhor lhes havia ensinado. Infelizmente, em vez de perceberem o erro de
seus irmãos do Norte e se humilharem diante do Senhor, se vangloriaram
ainda mais, achando que Israel havia sido banido do mapa porque não
tinham a cidade santa, como eles possuíam.

Infelizmente, uma triste realidade esboçada e escancarada por


todos estes três homens de Deus. Mais triste ainda é saber que, tal qual
os israelitas e judaítas, o povo de Deus hoje, ainda ousa desobedecê-lo e,
pior, ainda tem a audácia de ignorar o Senhor da bênção e só se preocupar
e almejar a bênção do Senhor.

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3. O Profeta como um Ser
Humano e Emocional: um
Panorama sobre os Profetas
Obadias, Jonas e Naum
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3. O Profeta como um Ser Humano


e Emocional: um Panorama sobre os
Profetas Obadias, Jonas e Naum
Neste capítulo, você aprenderá sobre a possibilidade de sermos
humanos diante de Deus, a partir da vida e obra dos profetas Obadias,
Jonas e Naum. Num primeiro momento pode parecer uma intenção
estranha valorizar nossa humanidade diante do Senhor. Em especial
porque sempre ouvimos e aprendemos sobre a importância de se viver
pelo Espírito e o cuidado que temos que ter com nossa vida espiritual. Mas
infelizmente, muitas vezes, somos tentados a viver uma vida espiritual
fora dos próprios padrões bíblicos e, pior, que não condiz com nossa
estrutura humana, limitada e restaurada, mas vivendo num mundo ainda
corrompido. Estes três profetas foram escolhidos para serem estudados
neste capítulo porque, dentre os profetas menores, conseguiram deixar
transparecer, e muito, seu lado humano.

Como você deve lembrar, aqui não se segue a ordem bíblica. Eles
foram agrupados a partir desta temática em comum. Se você já os leu
provavelmente deve ter tido a sensação de que o amor cristão passou
longe do coração e das palavras destes três profetas. Alguns são tidos
como iracundos, vingativos e prontos para se alegrar com a desgraça
alheia. Definitivamente, nenhuma atitude considerada cristã.

Mas, curiosamente, é isso mesmo. Primeiro, porque a teologia cristã


de amar até os inimigos nasce a partir dos ensinamentos de Jesus, no
Novo Testamento. É com o nosso Mestre e Senhor que passamos a ter esta
compreensão e, principalmente, passamos a ser “equipados” pelo poder do
Espírito Santo a fim de sermos cheios do fruto espiritual para deixarmos de
lado as obras da carne, como diria o apóstolo Paulo (Cf. Gl 5.16-25).

Segundo, porque os profetas eram frutos de sua época. Precisamos


relembrar da chamada revelação progressiva. Deus sempre existiu e
sempre foi, é e continuará sendo o mesmo, por toda eternidade (Cf. Hb
13.8). Todavia, foi revelando os Seus planos e manifestando-se aos poucos
para a humanidade, finita e tão pequena. Por esta razão, é tão natural

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encontrarmos posicionamentos teológicos diferentes entre um profeta


e outro. Isso porque o povo de Deus como um todo foi conhecendo ao
Senhor e os profetas; como parte inerente à nação, não tinha como ser
totalmente diferente.

Terceiro, porque Deus sempre deu liberdade para seus mensageiros.


Nenhum deles era um mero robô, ou mero transmissor da mensagem, como
um arauto daquela época. Estes, sim, simplesmente recebiam a carta de
seu Soberano e lia para o povo, sem qualquer possibilidade de interação
com o povo ou com o próprio rei. Diferentemente de tais déspotas, que se
achavam os donos da verdade, Yavé, mesmo sendo o detentor da verdade
absoluta, continuamente agia com justiça e equidade, não tinha qualquer
necessidade de “dar satisfação” a seus servos. Porém, consecutivamente,
permitia que os membros de seu povo o questionassem. Note bem, era
aceito questionamento e lamentações, mas nunca murmúrio.

Como foi dito, anteriormente, a murmuração tem a ver com pessoas


amargas, que não querem de fato resolver o problema. Estão mais para
criar confusão, incitar um levante contra a liderança ou contra o próprio
Deus. São pessoas que, em vez de olhar para frente, vivem no passado. Mas
não no sentido de recordar as coisas boas como obras das mãos divinas
e, simultaneamente, reconhecendo sua pequenez. Não. Normalmente se
faz para criticar ou reclamar dos tempos atuais.

Por outro lado, Yavé sempre permitiu que seus filhos o procurassem
e, principalmente, abrissem seus corações, expondo o que realmente
estavam pensando. Desde que se deixasse ser enchido pela presença
divina. Assim como faz Habacuque, que será estudado no capítulo
seguinte, nos dá um ótimo exemplo neste sentido: ele fica em sua torre
de vigia, seu lugar escolhido para se relacionar com Deus e lá, diante de
Deus, expõe sua inquietação e lá, diante de Deus, continua em adoração
aguardando por uma resposta que possa acalmar a sua alma.

Por fim, como quarta razão para não podermos enquadrar os


profetas dentro de nossa teologia cristã atual é o fato de que naquele
período Deus precisava ter uma postura mais direta e mais taxativa diante
da humanidade. Isso porque estavam num período em que ainda não se
tinham a clareza de nossa dimensão eterna. Por isso, muitos pecados

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precisavam ser punidos ali, na hora e, muitas vezes, de forma tão cruel,
aos nossos olhos, mas sem nunca perder o senso de justiça divina.

Neste contexto, Obadias e Naum são dois exemplos de pessoas que


não medem as palavras para expor a desgraça dos povos inimigos, Edom
e Nínive, respectivamente. Afinal, ambas as nações foram destruídas
por causa de sua grande maldade e pecaminosidade. Suas respectivas
quedas simbolizavam o mais nobre da manifestação da ira divina e por
isso, sim, estes nossos profetas exultavam de alegria porque celebravam a
vitória de Deus sobre a iniquidade, Sua soberania sobre as demais nações
e, principalmente, sobre o fato de que nada ou ninguém é inatingível. Deus
é de fato grande.

Precisamos lembrar também que ainda estavam sob a era da lei


do talião “olho por olho, dente por dente”. Suas palavras simplesmente
estão a descrever o agir da ira divina contra os oponentes de Israel e,
consequentemente, inimigos do próprio Deus. Eles deixam transparecer
sua alegria, não pelo castigo e desgraça em si, que sobreveio contra Edom
e Nínive. Sua alegria é que Yavé começou a derramar de Sua ira, o Senhor
iniciou o seu juízo contra os pecadores e perversos.

Mas se não entendermos ou, pelo menos, considerarmos estas


questões, cairemos nos mesmos erros de muitas pessoas, hoje em dia,
que criticam e até menosprezam estes dois profetas. Acusando-os de
serem tão iracundos e de se alegrarem com a tragédia alheia, não tendo
uma atitude cristã. De fato, a atitude pode não ser cristã, mas era bíblica
e estava em sintonia com a revelação que a humanidade tinha até aquele
determinado momento.

Além do que, não nos deixam de ensinar sobre a importância de


sermos honestos com Deus sobre nossos sentimentos, nossa dor e
até mesmo sobre nossa teologia. Sim, podemos pensar diferentemente
daquilo que Deus tem nos revelado. Só não podemos esquecer que Ele é
o Senhor e a palavra final será sempre d’Ele.

Jonas, nosso terceiro profeta, escolhido para compor este capítulo,


por outro lado, está aqui não por se alegrar com a destruição, mas porque
ele não queria que Deus perdoasse os ninivitas. Embora ele também

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tivesse muito presente em sua vida e teologia a lei do talião, seu livro
mostra a luta dele contra Deus, simplesmente porque não queria que
Nínive fosse poupada. Precisamos lembrar que Jonas viveu cerca de 120
anos antes de Naum, por isso Nínive, aqui, está sendo poupada e no livro
de Naum ela havia sido destruída.

Voltando ao nosso profeta “não profeta”. Jonas tinha uma palavra


dura de condenação. Mas, em vez de ficar alegre porque Nínive seria
destruída, seu conhecimento profundo acerca de Deus o levou a perceber
que em paralelo à ira divina está Sua misericórdia. Ele percebeu que se
os ninivitas, tão terríveis, odiosos e pecadores, se arrependessem, eles
poderiam ser poupados da destruição.

Enquanto Obadias e Naum foram mais “normais” em seus


sentimentos, se alegrando com a justiça divina contra o pecador
e, principalmente louvando a Deus porque Sua justiça seria enfim
estabelecida, Jonas se mostra muito mais humano, chega a ser até
patético. Curiosamente, uma verdadeira exceção. Não se tem lembrança
de nenhum outro personagem que tenha agido como ele. O normal de
um profeta (aquele que fala em nome de Deus) é estar em sintonia com
seu Senhor e, mais do que nunca, se dispor ao chamado divino. Mas, com
Jonas é diferente.

Ele se assemelha, e muito, a um murmurador, daqueles que sempre


foram rechaçados ao longo da história. Mostra-se um verdadeiro opositor
aos desígnios divinos. Primeiro vai para um lugar que é o oposto de sua
missão, depois só prega a metade do que devia (a cidade era do tamanho
de três dias e ele só pregou por um dia e meio) e, por fim, age totalmente
contrário à sua própria teologia (sabia que Deus era misericordioso, mas
ficou esperando a cidade ser destruída). Todavia, Deus em Sua infinita
misericórdia, não apenas poupa a terrível cidade de Nínive, após o
arrependimento de seus moradores, mas, principalmente, tem paciência
com Jonas em mostrar que Ele continua o mesmo “EU SOU”, revelado
em Êx 3.14. Se for preciso, Yavé é um Deus de ira, mas também pode ser
um Deus de misericórdia (perdoando os ninivitas) ou, ainda, um Deus de
muita paciência (ao lidar com Jonas). Afinal Ele é Deus, pode agir em toda
e qualquer situação.

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Muito provavelmente, a grande diferença de Jonas, para os demais


murmuradores, teria sido sua intenção. Ele realmente conhecia a Yavé e
sabia de sua misericórdia. Mas não queria participar desta, tendo em vista
que ela seria desfrutada por um povo terrivelmente ímpio, ardiloso e que
tinha prazer em fazer o mal aos povos mais fracos. Em outras palavras,
enquanto um murmurador tradicional procura qualquer coisa para
denegrir a imagem de Deus e, normalmente, quer um caminho oposto a
Ele, procura viver longe de Yavé; Jonas crê em Deus, quer estar com Ele,
mas apenas não concorda com Seus desígnios de graça. Está indignado
porque sabia que Deus cancelaria Sua ira, caso o povo se arrependesse.
Sua inconformidade com a graça divina é tão grande que ele, inclusive,
pede para Deus tirar-lhe a vida (Jn 4. 2-3).

Enfim, estes três profetas foram escolhidos porque eles deixam


muito claro a interdependência entre o ser humano e Deus. Yavé é o
revelador e o detentor da mensagem, é Ele quem revela Sua mensagem a
seus servos. Mas, ao mesmo tempo, dá liberdade para cada um agir em
conformidade com suas próprias personalidades. Os profetas podem se
emocionar, se alegrar, se indignar e, até mesmo, questionar os desígnios
divinos, afinal são humanos.

O problema não é se posicionar diante de Deus com alguma queixa


ou inquietação. A ação em si é amoral. Não possui juízo de valor em si
mesma. O que torna perigoso e, até pecaminoso, é quando se faz isso
com uma atitude de rebeldia contra Deus. Quando se busca a Deus, com
sinceridade de coração, não só podemos como devemos ser honestos
conosco e falar com Deus sobre o que realmente está nos incomodando.

A seguir serão analisados os livros dos profetas Obadias, Jonas


e Naum, nesta ordem. Além de estar na sequência canônica, também
obedece a ordem cronológica, ajudando a compreender melhor a posição
de cada um em nossa Bíblia Sagrada.

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3.1 O Livro do Profeta Obadias


Se você já leu a Bíblia toda, já deve ter percebido que o livro do
profeta Obadias é o menor entre todos os outros do AT. Todavia, mesmo
que seja tão curto e, que haja dúvidas sobre o verdadeiro nome de seu
autor, sua mensagem não pode ser desprezada. Ele precisa ser estudado
pelas igrejas nos dias de hoje. Outro detalhe interessante é o significado
de seu nome. Não se tem certeza de que Obadias seja de fato o nome do
profeta, ou se simplesmente ele adotou esta palavra para descrever sua
função diante de Deus e do próprio povo. Afinal, a tradução da palavra
hebraica, transliterada por obadyah, significa “servo de Yavé” porque é
uma palavra dupla, composta pelo substantivo “servo” mais a contração
do nome Yavé, como se fosse uma abreviatura do nome de Deus: yah.

Segundo Coelho Filho (2004, p. 109), há treze pessoas no AT que


usam este nome. Para Gusso (2017, p. 64) há pelo menos o texto de I Rs
18.1-16 que mostra a palavra Obadias sendo utilizada como um nome
próprio. Todavia, como o livro não menciona sua genealogia, como os
outros profetas normalmente o fazem, é muito mais provável que seja
apenas um título. Voltando ao autor citado, ele ainda lembra que além
da possibilidade de “servo de Yavé” a palavra obadyah pode ser traduzida
como “adorador de Yavé”. Isto parece fazer muito sentido porque, ao
observar a análise de Kirst (2007, p. 171-172), a primeira palavra ’eved está
relacionada a todo tipo de serviço, inclusive os relacionados ao templo e
às ações religiosas. Assim, a julgar pelo contexto do livro, no qual mostra
o seu autor cantando a vingança de Deus contra o inimigo de seu povo
e, concomitantemente, do próprio Yavé, faz muito sentido pensar na
palavra obadias não como nome próprio, mas como um substantivo a ser
traduzido por “adorador de Yavé”.

No entanto, mesmo considerando que é muito mais provável que


seja apenas um título e, desta forma, o nome do autor deste livro passa
a ser oficialmente anônimo, neste livro continuaremos a considerar a
palavra Obadias, como nome próprio. Mesmo porque era comum entre
os israelitas além de seus verdadeiros nomes serem chamados ou
reconhecidos por outra descrição. Além disso, é muito mais próximo
quando temos em mente o possível autor da obra.

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Além disso, outro detalhe bastante curioso, que contraria a


normalidade do ministério profético, de se dizer de forma clara, direta e
objetiva a mensagem de Deus ao seu destinatário, muito provavelmente
as palavras do profeta não foram ditas diretamente como uma mensagem
dura contra o povo pecador, mas, muito provavelmente, como mensagem
de esperança para o seu próprio povo, que aguardava ansiosamente o dia
de juízo de Yavé contra os descendentes de Edom (o outro nome de Esaú).

Isso foi levantado por Gusso (2017, p. 69), principalmente em se


levar em consideração o teor da mensagem, que é basicamente um canto
de zombaria contra seus inimigos, os edomitas. Ou seja, bem provável,
inclusive, que diferentemente dos outros profetas que chegavam diante
de seu opositor e falavam diretamente sua mensagem, Obadias parece ter
criado um cântico que seria cantarolado pelo povo de Judá, até que cairia
nos ouvidos dos inimigos. Servindo, num primeiro momento de palavra de
esperança aos israelitas e, mais tarde, como palavra de condenação ao
povo pecador.

Isto pode ser defendido como muita tranquilidade, em especial


porque, conforme Baker (citado por Gusso, 2017, p. 69), a normalidade
dos fatos é sempre o profeta pregar para Israel. Excetuando a mensagem
do profeta Jonas, que estudaremos mais adiante, não conseguimos
lembrar nem localizar outro episódio em que o profeta teria se preocupado,
primeiramente, aos povos vizinhos. E, mesmo a história de Jonas, embora
ele tenha focado primária e diretamente aos ninivitas, segundo muitos
autores, o livro teria sido escrito para ensinar os israelitas acerca da
misericórdia divina.

Por esta razão, mesmo que num primeiro momento sua leitura
possa passar a ideia de um júbilo pela desgraça alheia ou que Deus é tão
poderoso que até dá dicas de como será a destruição da cidade de Edom,
tradicionalmente tem sido aceito que o real objetivo desta obra é advertir
os descendentes de Esaú, além, é claro, de também relembrar a Judá que
a justiça pertence a Deus e Ele agirá punindo as maldades praticadas,
mesmo que o praticante seja um povo bem seguro e poderoso.

Por esta razão temos para o livro de Obadias, embora tão curto,
pelo menos três grupos bem distintos de objetivos principais e seus

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respectivos desdobramentos: a) tradicionalmente, o objetivo geral é


condenar o orgulho de Edom e, secundariamente, lembrar Judá que o
juízo pertence a Deus; b) a partir das tendências das novas pesquisas é
bem provável que sua intenção teria sido apresentada em ordem inversa:
primeiramente tranquilizar a Judá explicando que Deus não está alheio
ao seu sofrimento e, em segundo plano, mostrar para Edom que seu
juízo está se aproximando, ou, então, c) segundo Coelho Filho, seria
um único objetivo e somente pensando no povo de Judá. Para ele, o
livro é “confortador e revela a bondade de Deus para com os seus, bem
como sua moralidade, que se manifesta em juízo sobre os pecadores”.
Particularmente, temos maior predileção pela segunda opção.

A seguir veremos alguns detalhes relacionados à produção da


obra como um todo e sua estrutura, para, por fim, focarmos energia em
algumas palavras ou versículos que consideramos interessantes.

3.1.1 Contexto Histórico do Livro de Obadias


Os edomitas, a quem se referem as palavras do profeta, são o povo
de Edom, que é o outro nome de Esaú irmão de Jacó e, consequentemente,
povo irmanado à nação israelita. Sua capital era Seir, uma belíssima e
muito bem fortificada cidade construída sobre o monte de mesmo nome.
Um cânion natural de arenito foi usado como entrada para a cidade, seu
caminho estreito e com dois paredões de quase 80 metros de altura
tornava a cidade uma das mais seguras da época (HALLEY, 1970, p. 322).

Sua região, hoje, é muito conhecida por conta dos estudos atuais da
arqueologia acerca da deslumbrante cidade de Petra e suas construções
esculpidas na rocha. Ela é a capital dos nabateus, edificada sobre a
cidade de Seir, depois que os árabes conquistaram a região por volta do
ano 312 a.C. A Petra como conhecemos hoje foi construída três séculos
mais tarde, durante os dois primeiros séculos da era cristã (https://www.
nationalgeographic.com/history/article/lost-city-petra).

Muito provavelmente, a arrogância e presunção dos edomitas se


davam justamente por conta desta posição privilegiada de sua morada,
que lhes garantia tranquilidade contra os inimigos. Mas associado a este

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pecado de vanglória estava ainda o fato de, por conta da antiga rivalidade
entre os irmãos Esaú e Jacó, estendida a seus descendentes, os edomitas
auxiliaram algum povo inimigo enquanto estes estavam atacando os
habitantes de Jerusalém, capital de Judá.

Embora o profeta esteja bem convicto e certo da acusação pela


qual Edom estaria sendo condenada, infelizmente não podemos ter esta
mesma precisão, sob o viés histórico. Principalmente, porque o texto
bíblico narra vários episódios em que Jerusalém passa por algum tipo
de tragédia e os edomitas acabam tendo algum tipo de proveito sobre os
moradores de Judá. Como será melhor analisado a seguir.

3.1.2 Produção do Livro de Obadias


Curiosamente, embora seja um livro tão curto, apenas 21 versículos,
há quem defenda a ideia de que tenha sido escrito por até três autores
distintos. Isso mesmo, já não bastasse a complexidade em torno da
palavra obadiah, se teria ou não sido um nome próprio, segundo Crabtree
(1971, p. 63) há três propostas quanto à sua autoria: a) para Pfeiffer,
os versos 1-14 são da época de Malaquias; v. 16-18, de outra pessoa
(desconhecida), cinquenta anos depois; v. 19-21, da primeira parte do séc.
IV a.C.; b) Para Sellin, a divisão já deve ser outra: os v. 1-10 foram escritos
no séc. IX a.C.; os v. 11-14, por alguém que estava no exílio; os v. 15-21, na
época de Malaquias; c) segundo a versão da tradição foi escrito por um
profeta (que pode ter tido o nome de Obadias ou simplesmente utilizou
este nome como um pseudônimo).

Nesse parágrafo você já deve ter percebido que outra grande


incógnita é descobrir quando o livro foi escrito e, se, de fato, foi escrito
imediatamente pelo próprio profeta ou se primeiramente teria sido um
cântico transmitido de geração em geração até, por fim, ser registrado
em um livro. Esta dificuldade se dá porque os versos 10 a 14 mencionam
que o principal pecado de Edom teria sido sua participação em um dos
ataques sofridos por Jerusalém. Todavia, segundo Halley (1970, p. 322),
na Bíblia há pelo menos quatro eventos distintos a que estes versículos de
Obadias pudessem fazer referência, conforme quadro a seguir.

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QUADRO 05: Às vezes em que Jerusalém sofreu pilhagem dos


edomitas

Referência
Período (a.C.) Rei de Israel Invasor além dos edomitas
bíblica
848-841 (845) Jeorão Filisteus e árabes. II Cr 21.8-17
Amazias derrota os edomitas,
796-767 (790) Amazias II Cr 25.11-24
mas é vencido por Jeoás.
732-716 (597) Acaz Filisteus e assírios. II Cr 28. 16-21
Babilônios, sob o domínio de
597 Joaquim II Rs 25.1-12
Nabucodonosor.
Babilônios, sob o domínio de
597 a 586 (586) Zedequias II Cr 36.11-21
Nabucodonosor.
FONTE: Elaborado com base nos dados de Halley (1970, p. 322) e Coelho Filho (2004, p. 117).

Dentre as cinco ocasiões mencionadas nesse quadro, duas datas são as


mais aceitas pelos estudiosos: 845 a.C. e 586 a.C. Os estudiosos mais recentes
são favoráveis a uma datação mais recente, porque, segundo Francisco
(citado por GUSSO, 2017, p. 66), se apegam a três fatos principais: a) mais
animosidade entre os edomitas e israelitas próximo do cativeiro babilônico;
b) a descrição da desgraça que atingiu Judá lembra e muito a devastação
impetrada por Nabucodonosor; c) a invasão ocorrida em 845 a.C. não
aparece no livro de Reis, o que poderia ser visto como uma incursão
menor. Além disso, Halley (1970, p. 322) vê nos versos 11 e 12 de Obadias
a destruição do estado de Judá.

Porém, os pontos a favor de que Obadias se refira a uma época


mais antiga (845 a.C.) são muito mais numerosos e, de certo modo, mais
coerentes. Por exemplo, para Coelho Filho (2004, p. 117): a) o livro de Obadias
está localizado na primeira parte dos doze profetas menores; b) o profeta
menciona apenas uma pilhagem e não a destruição total de Jerusalém; c)
parte de Obadias é muito citada em Jeremias 49.7-22 em, aproximadamente,
605 a.C. Além disso, Gusso (2017, p. 65) ainda destaca que: a) não há
referência à destruição do templo; b) não há palavras aramaicas no livro; c)
as nações indicadas como vizinhas a Israel são antigas e não as da época
do império babilônico; d) o profeta Amós faz referência aos edomitas, de
forma bem parecida à utilizada por Obadias (Am 1.6,9,11).

89
< voltar

Além dessas datas mais tradicionais, há ainda aqueles que acreditam


que pelo menos uma parte do livro deve ser pós-exílico. Em especial, pelas
seguintes razões: a) porque a grande queda dos edomitas se deu em 312
a.C. (BENTZEN, 1968, p. 160), o que justificaria uma profecia entre os anos
de 586 e 312 a.C.; b) pela aparição de uma maldição contra os edomitas
no Sl 137, claramente pós-exílico (COELHO FILHO, 2004, p. 116), o que
mostraria que Edom ainda não havia sofrido sua punição final; c) o uso de
verbos no passado, nos oráculos contra Edom, nos versos 2 a 15 (BEWER,
1911, citado por DILLARD; LONGMAN III (2006, p. 370), o que levou muita
gente daquela época a considerar as palavras de Obadias como profecia ex
eventu (como se fosse mais uma lição a ser aprendida do que palavras de
condenação contra Edom).

Todavia, estas três questões levantadas a favor de uma datação


pós-exílica podem ser tranquilamente contra-argumentadas: a) é fato que
a grande destruição sofrida pelos edomitas se deu em 312 a.C., porém,
segundo as crônicas de Assurbanipal, imperador da Assíria, a região
de Edom sofreu uma terrível invasão pelos árabes nabateus, que eram
aliados deles (CRABTREE, 1971, p. 65), o que estaria em total sintonia com
Obadias v. 7; b) não há dúvidas de que o Sl 137 seja pós-exílico e que esteja
se referindo aos edomitas, mas não pode ser usado como sinônimo do
mesmo evento narrado em Obadias. Poderia, tão somente, ser uma nova
referência ao fato de que mesmo tendo sido castigados lá atrás, teriam
voltado a incorrer nos mesmos erros; c) infelizmente muitos estudiosos,
ainda hoje, não conseguem entender a forma diferenciada da gramática
hebraica, a qual não se preocupa com a linearidade do tempo, como nós,
mas se preocupa em descrever muito mais a complexidade da ação em si.

Todavia entendemos que estas questões de autoria e datas


não poderão ser esgotadas aqui. Mas queremos concluir este tópico
destacando que, embora não saibamos muita coisa sobre o profeta, sobre
quando ocorreu ou como teria sido escrito, sua mensagem é muito nítida e
chega até nós como Palavra de Deus. Ou seja, se foi escrito por um, dois ou
três autores, ou se foi escrito antes, durante ou após o período do cativeiro
babilônico, uma coisa é certa: quando Deus manda o recado de seu juízo,
não há nada ou ninguém capaz de livrar o pecador de seu castigo.

90
< voltar

3.1.2 Estrutura do Livro de Obadias


Como já dissemos anteriormente, o livro de Obadias é uma canção,
um motejo, um cântico de zombaria. Sendo assim, só por conta disso
você já deve estar imaginando que além de ser uma literatura profética
também é uma poesia. É isso mesmo, o profeta conseguiu escrever sua
mensagem com muita riqueza poética em suas palavras. Por exemplo,
segundo Crabtree (1971, p. 69), nosso hagiógrafo usa muito do chamado
perfeito profético para descrever eventos ainda por vir. Além disso, os
pecados que são apontados o são em sua ordem de gravidade, culminando
com a grande abominação que foi a participação dos edomitas na morte
dos seus “irmãos”.

Outro detalhe importante, ainda conforme esse mesmo autor, é


que a própria mensagem de Obadias também segue uma progressão
natural: primeiro ele trabalha sobre o julgamento contra os edomitas para
depois falar de um juízo maior contra toda maldade humana e, ainda, fala
inicialmente a respeito da restauração que viria sobre Israel, para depois
dar a entender e se estender a uma instauração maior do reino de Deus
como um todo.

Quanto à estrutura, o esboço do livro também não é tão unânime.


Enquanto alguns veem o livro dividido em apenas duas partes: v. 1-14
tratando da parte histórica bem específica e v. 15-21 como algo mais
apocalíptico (DILLARD; LONGMAN III, 2006, p. 372), há também quem o
divida em três partes distintas, como Coelho Filho (2004, p. 111-122):

v. 01-09 a ameaça contra Edom;

v. 10-14 o pecado de Edom;

v. 15-21 o juízo contra Edom.

Para Dillard e Longman III (2006, p. 370), o ideal seria dividi-lo em


quatro seções:

v. 01 Apresentação do profeta como mensageiro do tribunal de Yavé;

v. 02-09 Anúncio da sentença contra Edom;

91
< voltar

v. 10-14 Justificativa do julgamento de Yavé;

v. 15-21 O julgamento de Edom como exemplo da ira divina contra


os inimigos.

Estas propostas são suficientes para se ter uma ideia resumida do


conteúdo do livro de Obadias e, ao mesmo tempo, da complexidade que
envolve esta pequena porém maravilhosa obra deixada para nós como
palavras do próprio Deus. Por isso, na seção seguinte, estudaremos alguns
versículos ou palavras que mais se destacam, para, por fim, vislumbrarmos
algumas aplicações práticas para os dias de hoje.

3.1.3 Destaques do Livro de Obadias


O profeta inicia sua canção-livro com a expressão “visão de Obadias”.
Como mencionamos lá em nosso primeiro capítulo, esta é apenas mais
uma forma do servo de Yavé receber Sua mensagem. Não acreditamos
ser necessário criar muitas distinções entre cada uma das palavras
utilizadas para isso. Todavia precisamos mencionar que há teólogos que
chegam a interpretar que o seu autor juntamente com Naum estariam
muito mais para visionários do que propriamente um profeta, no sentido
mais abrangente da palavra. Isto porque, adicionado ao significado básico
da palavra hebraica transliterada como hazon, vista apenas como “visão”,
eles alegam que Obadias e Naum, diferentemente dos demais, não se
apresentam como profetas (LIMA, 2006, p. 361).

Todavia, embora seja verdadeiro que a palavra hazon é traduzida


por visão, não quer dizer que só trate de meros devaneios ou como se
fossem simples sonhos por uma vida melhor. Crabtree (1971, p. 74) nos
lembra muito bem que além de ser traduzida como visão muitas vezes
tinha ainda o sentido de palavra ou mensagem do próprio Senhor. Nestes
casos, eram recebidas pelos ouvintes como oráculos do próprio Deus
e não meramente palavras positivistas de alguém que sonha com uma
mudança ao seu redor.

Além disso, a própria apresentação “visão de Obadias” não vem


sozinha. Ela vem acompanhada da expressão mais forte que há na própria

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< voltar

literatura profética: “assim diz Yavé”, normalmente traduzida nas versões


bíblicas em português como “assim diz o Senhor”. E o profeta ainda chega
a dizer: “temos ouvido uma notícia do Senhor”, ou seja, sua mensagem
não é apenas fruto da imaginação de um visionário qualquer, mas de um
servo de Yavé, disposto a transmitir sua mensagem.

O verso dois continua muito atual. Deus não tolera o orgulhoso e, a seu
determinado tempo, o Senhor o humilhará, dando-lhe a devida retribuição
para sua atitude altiva e prepotente. Num dia, Edom era imbatível e
impenetrável, orgulhoso por até mesmo ocupar ou se aproveitar das posses
de Judá, mas pouco tempo depois não restaria nada de sua morada.

No versículo três e quatro é necessário lembrar da força da


metáfora: no v. 3, quando o texto menciona que eles habitavam nas fendas
dos penhascos, não deve ser interpretado à luz do que hoje se conhece
de Petra, que literalmente teve suas casas esculpidas nas rochas das
montanhas e penhascos. Aqui é apenas uma figura de linguagem para se
referir ao local de sua habitação que, de fato, tinha como entrada principal
um cânion alto e comprido, proporcionando muita segurança.

Já no verso quatro há duas figuras que precisam de atenção:


quando se usa o exemplo da águia, que normalmente é coisa boa, aqui não
é. Seria uma referência direta à situação dos edomitas que saqueavam
seus inimigos e depois retornavam para suas montanhas na sensação de
segurança total. Outra expressão que talvez possa trazer má interpretação
é a declaração “fazer o ninho entre as estrelas”. É tão somente mais uma
referência à altura em que eles habitavam.

Os versos cinco e seis precisam ser lidos e interpretados em


conjunto. Isso porque, se visto isolado, o verso cinco parece dar a
entender que algo acabaria restando ou sendo poupado. Mas a ideia total
é justamente o oposto: a ideia seria mostrar que no caso de um ladrão
geralmente o estrago é grande e desastroso, mas quando Yavé enviasse
os saqueadores não sobraria nada de Edom. Deus está declarando que a
destruição será total.

O versículo sete é de uma beleza poética incrível, embora tenha uma


mensagem tão triste: o profeta usa três figuras de altíssimo simbolismo

93
< voltar

de tranquilidade para expressar o seu oposto. Aqui se assemelha um


pouco com aquele paralelo irônico proposto por Miquéias 1.10-15, como
vimos no capítulo anterior. Os aliados (confederados) seriam os próprios
algozes, os amigos (que estavam em paz) se rebelaram e, por fim, os que
comiam do pão (participavam da mesa) colocariam armadilhas.

Algumas versões bíblicas não mostram, mas o verso oito possui duas
perguntas retóricas. Mas outras ainda as mantém: “Acaso não acontecerá
naquele dia, que eu, o Senhor, farei perecer os sábios de Edom? Retirarei
o entendimento de Edom?”. Não significa que Deus estava na dúvida.
Pelo contrário. Lembremos que toda pergunta retórica serve muito mais
como uma declaração enfática porque, automaticamente, ela mesma dá
uma resposta afirmativa. Uma resposta implícita e, às vezes, oculta, mas
totalmente afirmativa.

Os versos dez a quatorze mostram a maldade e o pecado dos


edomitas. A declaração “no dia em que estivesses de lado” (v. 11a) pode,
num primeiro momento, passar a ideia de passividade, de se estar só
assistindo a confusão toda. Porém, a declaração diz respeito “ao lado
oposto”, ou seja, os edomitas não foram apenas omissos em não socorrer.
Algumas versões até já acrescentaram a palavrinha oposição: “no dia em
que estiveram do lado oposto”. Eles, deliberadamente, se aliaram aos
inimigos, como fica muito evidente ao final do verso 14.

A recomendação do versículo doze é muito válida ainda hoje. Os


povos irmanados, e por que não dizer: os membros de um povo devem se
respeitar e se admirar pela conquista um do outro e se entristecer com a
tragédia alheia.

O verso quinze é tão importante que retomaremos o seu tema no


último capítulo deste livro. Mas aqui podemos ver que Obadias não vê
apenas o julgamento de Yavé sobre os edomitas, mas também sobre todas
as nações. Embora muitos dos salmos proclamem a soberania divina sobre
todo o mundo, o povo de Deus ainda não tinha entendido isso de forma
tão clara. Você deve se lembrar do Salmo 137, do período pós-exílico que
mostra o povo triste porque não podia louvar a Deus, por estar em terra
estranha. Mas os profetas já davam sinais de que Yavé não era apenas o
Deus dos judeus, mas Senhor sobre todo o planeta Terra. Convém salientar

94
< voltar

também que, por conta desta dificuldade do povo de entender este domínio
divino global, muitos teólogos acabam achando que dos versos quinze ao
final de Obadias deveria ser do período pós-exílico porque estaria em maior
sintonia com a compreensão teológica do povo como um todo.

Mesmo que seja tratado de forma tão curta, o dia do Senhor, aqui
em Obadias já é passivo de ser visto com um dia com um quádruplo
propósito: a) os versos quinze e dezesseis declaram sobre o julgamento
das nações, b) os versos dezessete e dezoito encorajam o povo
prometendo um domínio final para o povo de Israel, c) os versos dezenove
e vinte tratam da restauração do território que pertencia aos hebreus,
d) o último verso declara que o reino será do Senhor. Não podemos ser
ingênuos e acreditar que eles compreendiam isso em sua totalidade,
como nós o temos hoje em dia, mas também não dá para dizer que só
pelo conteúdo tão extraordinariamente novo este trecho foi produzido
após o exílio babilônico.

No verso vinte e um, a palavra salvadores será melhor compreendida


como libertadores, aqueles que livrarão o povo de seu sofrimento. Mesmo
sem saber com exatidão quem seria(m) este(s) libertador(es), a ênfase em
sua espiritualidade é grande. Obadias diz que eles são de Sião e julgarão
o monte de Esaú. Convém salientar que o monte Sião representa aqui a
bondade e santidade, enquanto o monte Seir, morada dos descendentes
de Edom, simboliza o profano. Segundo Crabtree (1971, p. 86), o monte
de Esaú, aqui, seria o representante de toda religião que não professasse
Yavé como Senhor.

Por fim, Dillard e Longman III (2006, p. 373) nos lembram que numa
leitura rápida até pode transparecer que os edomitas estariam sendo
punidos de forma muito enérgica. Mas, Obadias propõe muitas associações
com toda a história desde a rivalidade entre o seu ancestral e seu irmão
Jacó. O que hoje seria considerado como intertextualidade, na qual o texto
atual está sendo elaborado em cima de todo um conceito anterior, que se
mantém vívido na memória do povo. Eis alguns destes usos: a) as várias
referências ao nome Esaú (v. 6, 8, 9, 18 e 21) e duas vezes Jacó (v. 10 e
12), assim não se estaria falando apenas de dois povos distintos, mas
de um conflito familiar; b) quando o profeta diz que os edomitas seriam
desprezados (v.2), ele usa a mesma palavra de Gn 25.34.

95
< voltar

Certamente isso dava aos leitores a lembrança de que a bênção


de Abraão pertencia a Jacó e seus descendentes e que Esaú não teria o
direito de se apossar dela. Além disso, o pecado dos edomitas não era
uma simples dificuldade de relacionamento em políticas internacionais,
ou de simples oportunismo. Estava muito mais para uma “traição de um
irmão e uma rebeldia contra o plano de Deus estabelecido para Edom há
tantos séculos atrás.” (DILLARD; LONGMAN III, 2006, p. 374). Por isso,
as palavras do profeta são tão duras e, ao mesmo tempo, não mostram
sinais pena ou misericórdia.

3.1.4 Aplicações de Obadias para os Dias de Hoje


Ainda segundo esses mesmos autores (2006, p. 373), toda
mensagem profética declarada como oráculo tem, pelo menos, três
ênfases bem marcantes: a) declaram a universalidade de Yavé, b)
enaltecem a aliança de Yavé com Abraão, de ele ser o padrão de medida
(Gn 12.3), c) o profeta acaba sendo descrito como mensageiro de um
Deus Guerreiro, disposto a iniciar sua guerra santa contra o mal. Por isso,
convém lembrar que nosso Deus continua sendo um Deus universal (nada
e ninguém escapa de sua justiça), é um Deus fiel às suas promessas e
aliança (como diria Paulo, “se Ele não poupou seu próprio filho, como não
nos daria também outras bênçãos” tradução livre de Rm 8.32) e, claro,
Yavé é amor sim (I Jo 4.8), mas também é fogo consumidor (Hb 12.29),
e por isso continua muito atual a declaração aos Hebreus “coisa terrível é
cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31).

Outra lição, muito importante em nossos dias, não importa o nosso


status ou contexto familiar. Deus pode ter planos para nós. Assim como
numa época tão tradicional e apegada ao fato de se valorizar sempre
o filho mais velho, Yavé às vezes inverte esta sequência, escolhendo o
menor para ser servido pelo maior.

Outro aprendizado que podemos tirar desta pequena canção-livro


é que não devemos subestimar a palavra de nosso Deus. Pois, como
mencionamos no primeiro capítulo, os profetas pré-exílicos são chamados
de menores só por conta da quantidade de suas palavras, jamais no que

96
< voltar

se refere à relevância destas palavras. Não importa como foi dito, mas
quem disse e, principalmente, qual o conteúdo desta mensagem que,
como diria Isaías (55.11), “nunca volta vazia”.

Por fim, a maior das lições, não há orgulhoso algum que consiga
subsistir na presença de nosso Deus. Isto é tão verdadeiro e, em mesma
intensidade, tão desprezado que talvez por isso a Bíblia seja muito clara
ao declarar e nos lembrar: Deus galardoa os humildes, mas não tolera
aquele se se exalta (Cf. Pv 3.34, 29.23; Is 2.12; Mt 23.12; Lc 14.11, 18.9-14;
Tg 4.6,10; II Pe 5.5). E, com este lembrete de servirmos a um Deus que
está acima de nossas atitudes, vamos conhecer agora um pouco mais
sobre o livro do profeta Jonas, que como pessoa foi um tanto patética,
mas mesmo assim Deus foi glorificado por meio de sua vida e trajetória.

3.2 O Livro do Profeta Jonas


Este personagem, juntamente com Obadias, Naum e Joel, não é
declarado em seu livro como profeta, nem em II Reis 14.25, onde se faz
referência a ele, mas chamando-o apenas de servo. Como mencionamos
na introdução deste capítulo, Jonas parece muito mais um “não profeta”.
Principalmente quando consideramos que as principais características de
um enviado de Deus era se dispor ao chamado divino e ser o porta-voz da
mensagem divina.

Jonas de fato foi uma exceção, fugiu de seu chamado e foi desleixado
com sua tarefa. Por conta desta peculiaridade, bem característica a esse
nosso “ator principal”, Lima (2006, p. 379) não o considera como um
livro profético, à altura dos demais. Ela o considera como “sendo uma
narrativa didática, [que] parece ter sido colocado entre os livros proféticos
simplesmente porque seu protagonista recebe uma palavra de Deus, com
missão de anunciá-la.”.

Todavia, ele teve um chamado, partiu em missão, anunciou sua


mensagem, que trouxe uma conversão em massa, nunca antes vista, e,
ainda, serviu de ensinamento para seu povo. Ou seja, também são atitudes
e características do movimento profético que não devem ser descartadas
em nossa pressa de desmerecer seu título. Voltemos à ideia expressa

97
< voltar

em nosso primeiro capítulo de que a definição de profeta não veio antes


de sua utilização. Ela veio sendo construída a partir dos tantos usos e
encontros revelacionais entre Deus e alguém escolhido dentre o seu povo.

O primeiro versículo do livro de Jonas começa com a declaração


“Ora, veio a palavra do Senhor a Jonas”. Este é outro indício de que este
alguém, recebedor da mensagem, tinha responsabilidade profética.
Lembremos de Amós, por exemplo, que era boiadeiro, sem qualquer
vínculo com a classe profética ou seu movimento e também inicia sem
qualquer título ligado ao seu nome. O livro começa simplesmente assim
“Palavras de Amós...”. Ou seja, não é porque Jonas deixou a desejar, sim,
em partes de uma missão específica, que poderemos simplesmente
ignorá-lo como mensageiro de Yavé.

Outro detalhe importante com relação ao livro, como um todo, é


que mesmo que a história desenvolvida seja a de um personagem real,
Jonas, filho de Amitai, não há como negar o grande Yavé. É Deus que
inicia o livro, quem comissiona o profeta, manda a tempestade, revela
aos marinheiros o culpado, manda o grande peixe, ordena que o peixe
o vomite na praia, comissiona novamente nosso “protagonista principal”,
perdoa os ninivitas, faz crescer a aboboreira, manda um bichinho para
comê-la, tem paciência com a indignação de Jonas e, ainda, tem a palavra
final do livro. Isso mesmo, aos nossos olhos, o livro termina sem acabar,
como veremos mais adiante.

Não precisamos também ignorar todos os livros atuais que


trabalham sob a perspectiva humana das ações em si. Mesmo porque se
não fosse pela vida do profeta “não profeta”, não seríamos recompensados
com tamanha graça e favor de Deus. Além disso, não há como deixar de
perceber que a vida do povo de Deus acaba se conectando, e muito, às
ações do próprio Senhor. Por esta razão que Ele já havia declarado que
sua gente “é povo santo para o Senhor” (Dt 14.2), bem como em várias
outras passagens que trabalham esta ideia da santidade do povo andar
lado a lado com a divina (Lv 1.1,2; 11.44; 19.2; 20.26; dentre tantos).

98
< voltar

3.2.1 Produção do Livro de Jonas


Muito provavelmente o ministério do profeta Jonas tenha se dado
entre os anos 790 a 750 a.C. sob o reinado de Jeroboão II. Isso, por conta
da descrição em seu próprio livro, “era filho de Amitai”, juntamente com a
informação do Livro de II Reis 14.25 sobre o seu ministério, identificando-o
também como filho de Amitai. A cidade destacada em II Reis, Gate-Hefer
pertencia às tribos do norte.

Por meio da leitura do livro, percebemos a grande possibilidade de o


próprio profeta não ter sido o seu autor, principalmente pela declaração de
Jn 3.3 de que Nínive era uma cidade grande e, certamente, na época da
escrita já não era mais. Assim, temos um profeta e sua experiência com
Deus ocorridos num determinado período, e a escrita algum tempo mais
adiante. Segundo Crabtree (1971, p. 97), há muito uso de palavras ou
expressões aramaicas. O nome do rei de Nínive não é mencionado, Jonas
sempre aparece na terceira pessoa e evidencia-se a ideia de um Deus
misericordioso com outras nações. Se bem que este mesmo autor é da
opinião que Jonas teria escrito sua própria história e o nosso hagiógrafo,
pouco tempo mais tarde, mas sem uma data mais específica, teria feito
as devidas adaptações, relatando aquilo que achou interessante destacar.

Particularmente, optamos por dois atos distintos. Primeiro teríamos


o acontecido com o profeta e sua relutância em se dobrar à vontade divina
e, muito tempo depois, pelo menos uns dois séculos, sua história teria
sido resgatada para ensinar ao povo de Deus sobre sua imensa graça
e misericórdia para todo aquele que se arrepender. Mesmo porque aqui
concordamos com Lima (2006, p. 379) que o livro de Jonas foge do
padrão de uma literatura profética clássica. Ela, o descreve como “sendo
uma narrativa didática”.

Além disso, sua estrutura é muito parecida com a de um paradigma,


em que a história em si é narrada apenas para conceituar uma grande
lição. Afinal, se você já leu a história de Jonas deve ter percebido que
o livro termina “sem acabar”. Se a narrativa sobre a história de Jonas
fosse a principal razão da escrita do livro, certamente, seria dito o que
aconteceu com Jonas. Responderia: Para onde foi, depois de Nínive?

99
< voltar

Continuo temente a Deus? Seu ministério narrado em II Reis 25.14 teria


ocorrido antes ou depois de sua ida a Nínive? Quanto tempo depois, os
ninivitas começaram a abandonar sua prática de justiça? E tantas outras
perguntas que naturalmente vêm à nossa mente. Porém o objetivo central
era ensinar o que é declarado no último versículo do livro: “E não hei de ter
compaixão da grande cidade de Nínive em que há mais de cento e vinte
mil pessoas que não sabem discernir entre a sua mão direita e a esquerda,
e também muito gado?”.

Todavia, mesmo tendo uma conotação paradigmática, o livro de


Jonas é uma obra e, como tal, acaba tendo as mesmas peculiaridades
dos outros tipos de literatura. Como esboço, tema central, e estilo literário.
Afinal, o conteúdo é um paradigma, mas a apresentação claramente foi
disposta num planejamento poético, como veremos a seguir.

3.2.2 Estrutura do Livro de Jonas


Antes de mostrarmos nossa proposta de estruturação poética para o
livro de Jonas, apontaremos, primeiramente, os possíveis esboços apontados
pela leitura tradicional. Por exemplo, para Gusso o livro deve ser dividido em
quatro partes, seguindo a proposta de divisão dos próprios capítulos:
Cap. 1 – Jonas é chamado e tenta fugir

Cap. 2 – A oração de Jonas

Cap. 3 – A pregação de Jonas contra Nínive

Cap. 4 – A misericórdia de Deus demonstrada a Nínive

(GUSSO, 2017, p. 77)

Os autores Dillard e Longman III (2006, p. 377s) dividem a obra em


duas partes principais, subdivididas em um ato de chamamento divino e
dois atos nos quais o foco estaria mais sobre o personagem humano. Eis
a proposta destes dois autores:
1.1-2 Comissão de Deus ao profeta

1.3-16 Ação deste comissionamento, no mar

100
< voltar

2.1-11 Ação do comissionamento, na barriga do peixe

3.1-2 Repetição da comissão de Deus ao profeta

3.3-10 Pregação de Jonas e arrependimento de Nínive

4.1-11 Debate entre Deus e Jonas sobre os desígnios


salvíficos de Yavé

(DILLARD; LONGMAN III, 2006, p. 377s)

Estes autores não se atentaram ao fato de a belíssima poesia em


torno desta estrutura: Deus, Jonas, Jonas, e isso em ambas as seções.
Outro autor que acabou seguindo a mesma divisão poética, sem se dar
conta de tal divisão, foi Coelho Filho (2004, p. 138). A princípio, ele segue
a mesma estrutura inicial proposta pelos autores anteriores: divisão geral
dupla, seguida com tripla subdivisão em cada parte. Mas o faz sempre
sob a perspectiva da ação divina. Embora ambas as obras não tenham
mencionado se tratar de uma poesia, talvez por não ter conhecimento
das questões poéticas, afinal, como dissemos no primeiro capítulo,
é algo bem novo na teologia, sua divisão se enquadra naquilo que nós
denominamos de “Paralelismo Estrutural”, a partir do qual as partes ficam
assim apresentadas:
A – 1.1-3 Deus envia Jonas aos pagãos

B – 1.4-1.16 Deus e os pagãos

C – 2.1-11 Deus e Jonas

A’ – 3.1-4 Deus envia Jonas aos pagãos

B’ – 3.5-10 Deus e os pagãos

C’ – 4.1-11 Deus e Jonas

(COELHO FILHO, 2004, p. 138)

Enquanto o autor Bullinger (2018, p. 1246), mais recente e,


certamente mais aberto às questões ligadas à poesia, mesmo nas obras
proféticas, nos propõe a seguinte divisão, embora não mencionem o nome
da estrutura em si, apenas chamando de “estrutura do livro como poesia”.

101
< voltar

A – 1.1 A palavra de Yavé

B – 1.2 Missão para Nínive

C – 1.3 Desobediência de Jonas

D – 1.4-2.10 Consequência: ressurreição de Jonas

A’ – 1.1 A palavra de Yavé

B’ – 1.2 Missão para Nínive

C’ – 1.3 Obediência de Jonas

D’ – 1.4-2.10 Consequência: ressurreição de Jonas

(BULLINGER, 2018, p. 1246)1

Particularmente, a partir das ideias expressas por tais autores e,


principalmente ao reler o livro, acreditamos que em vez de haver duas
seções de subdivisão tripla, seria mais adequado duas seções, com
subdivisões quíntuplas, como demonstramos a seguir:
A – 1.1-2 A missão do profeta

B – 1.3 A decisão de Jonas em desobedecer

C – 1.4-1.16 As consequências da ação de Jonas na vida


dos marinheiros

D – 2.1-9 Deus ouvindo a oração de Jonas

E – 2.10 A resposta de Deus

A’ – 3.1-2 A nova comissão do profeta

B’ – 3.3 A decisão de Jonas em obedecer

C’ – 3.5-10 As consequências da ação de Jonas na vida


dos ninivitas

D’ – 4.1-8 Deus ouvindo a queixa de Jonas

E’ – 4.9-11 A resposta de Deus

1 Tradução livre da obra em inglês, com uma pequena distinção: na citação original,
não existe a aspa nas letras da segunda seção poética. Todavia, para seguirmos o nosso
padrão, já conhecido, optamos por sinalizar na tradução.

102
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Como apresentado, somos da opinião de que a história de nosso


profeta em estudo foi registrada seguindo a estrutura poética. Mas, afinal,
a história de Jonas é ou não verídica? O fato de ela ter sido narrada com
tanto aspecto poético, seria um fator preponderantemente contrário à sua
literalidade? Significaria que os milagres mencionados no livro, então, não
teriam acontecido, de fato? Se você porventura pensou nestas questões,
diríamos: calma lá. Temos que cuidar para não cair num erro muito comum
de achar que toda poesia não tem nada de verdadeiro.

É óbvio que há sim a chamada licença poética e, principalmente,


muito exagero proposital, chamado de hipérbole. Porém, o relato poético
em si não implica em não literalidade do evento narrado. Como dissemos,
anteriormente, neste mesmo capítulo, o Sl 137 é uma declaração
fortíssima de como estava o coração sem esperança dos israelitas na
Babilônia. É uma poesia que descreve com maestria e profundidade o
que eles sentiam e, principalmente, a crise teológica pela qual estavam
passando. Em outras palavras, a poesia está a serviço da narrativa, quer
seja ela fictícia ou não.

Outro aspecto, às vezes presente na poesia hebraica, encontrado no


livro de Jonas é o “cuidado com a retórica [ao se fazer] repetição de certas
palavras-chave (Leitwörter) que estabelecem um fio condutor através do
livro ou de um único episódio (cf. Magonet).” (DILLARD; LONGMAN III, 2006,
p. 377). Estes autores citam como exemplo disso a utilização dos verbos:
levantar (que aparece cinco vezes: 1.2, 3, 6; 3.2, 3), enviar (usado quatro vezes:
1.17; 4.6, 7, 8) e descer (citado duas vezes em 1.3; uma em 1.6 e outra em
2.6) e a palavra grande (utilizada seis vezes no livro: 1.2, 4, 10, 13; 3.2; 4.6).

Não temos dúvida de que o livro de Jonas tenha uma estruturação


poética, Todavia, mesmo que o estilo literário não influencie a literalidade
dos fatos, este livro é uma verdadeira controvérsia, entre os estudiosos,
quanto a este quesito. Há autores que acreditam na literalidade de todos
os seus detalhes. Há aqueles que o interpretam como mera ilustração ou
parábola (uma história inventada para por meio dela se ensinar uma lição
espiritual por trás). E, há ainda, aqueles que tentam uma postura um tanto
quanto intermediária. Gusso (2017, p. 73-76) aponta pelo menos cinco
formas diferentes de como interpretar o livro do Profeta Jonas.

103
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QUADRO 06: Os tipos de interpretação para o livro de Jonas

Tipo de
Defensor Descrição
interpretação
Jonas foi um personagem real, não há
Narrativa Silas Alves
contrariedade de uma conversão em massa,
histórica Falcão
e Jesus reconheceu a história como real.
Aage Bentzen A história teria sido criada para ensinar
Parábola e Asa Routh a grande lição de misericórdia de Deus a
Crabtree outros povos.
O livro tem muitas narrativas legitima-
Narrativa mente históricas, com algumas partes que
D. F. Payne
parabólica poderiam ser consideradas características
parabólicas.
Uma historinha inventada para provocar no
Historieta Norman K. judeu a reflexão de cuidado antes de sair
satírica Gottwald criando estereótipos ou preconceito em
relação aos demais povos.
Um relato de algo real, mas acrescido de
detalhes extras. Algo bem peculiar à cultu-
História T. Desmond ra hebreia que não se preocupa tanto com
didática Alexander os detalhes históricos, como hoje fazemos,
mas com a intenção maior de se transmitir
um ensinamento teológico.

FONTE: Criação a partir de dados de Gusso (2017, p. 73-76).

Além das possibilidades vistas no quadro anterior, há alguns críticos


modernos que defendem que a história de Jonas seria uma alegoria ou mito
(BULLINGER, 2018, p. 1246). Sendo assim, na primeira, os detalhes não
seriam importantes porque o que vale é sempre a interpretação espiritual
por trás da narrativa. Desta forma, Jonas seria um mero representante do
próprio povo de Israel (em sua coletividade, ou individualmente em cada
um de seus membros) que teve seu chamado para levar a benção de Deus
a todas as nações, mas estava longe de Deus e precisava cair em si e
voltar a cumprir seu verdadeiro papel.

Ou ainda, como exemplifica Coelho Filho, alegoricamente alguns


têm usado o seguinte comentário geral:

104
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Jonas simboliza Israel. Nínive simboliza os gentios. O peixe é o


exílio. Israel se recusou a pregar para os gentios e se fechou num
exclusivismo racial. Iria para o cativeiro, em consequência disto.
De lá sairia, quando Deus determinasse e quando tivesse visto
arrependimento da nação, disposta a cumprir a mesma missão.
(COELHO FILHO, 2004, p. 134)2.

Todavia, observe que na primeira parte esta citação descreve quem


é quem na história (Jonas é Israel; Nínive, os gentios; o peixe, o exílio), até
que não haveria dificuldade em aceitar tal analogia. Mas, ao seguir sua
explicação, de que o pecado de Israel teria sido sua recusa em se abrir
para as demais nações, fechando-se em seu egoísmo racial, e que isso
teria causado a ida para o cativeiro babilônico, isso já não pode ser aceito.

Em muitos casos, a explicação alegórica para determinado evento,


embora possa até ser duvidosa, muitas vezes não temos base para
confrontá-la. O que não é o caso aqui. Além de não haver comprovação
bíblica que afirme tal teoria, há muitos textos que a invalidam. Sim, os vários
textos que tratam sobre a ida ao cativeiro mostram muito mais o pecado
de idolatria do que questões relacionadas ao nacionalismo exacerbado.
Por fim, o trecho final de sua interpretação, em que diz que o povo só
sairia do cativeiro quando Deus tivesse percebido a atitude arrependida da
nação e sua disposição em cumprir a tarefa de se abrir às nações gentias,
também não tem suporte bíblico. Basta lembrar dos confrontos de Esdras
e Neemias com os samaritanos que, mesmo guardadores da tradição
javista, não foram considerados devido à sua miscigenação sanguínea
com outros povos.

Sobre a questão de se interpretar o livro de Jonas como o relato


de um mito, diferentemente de uma alegoria, os detalhes importam sim,
mas ainda numa compreensão não literal. Eles têm um poder muito mais
lúdico, do que didático ou de declaração sobre algum acontecimento.
Eram muito mais usados com o sentido de “colorir” a narrativa a ser
contada. Por isso, segundo quem assim o interpreta, os detalhes narrados
em Jonas, à semelhança dos mitos antigos, teriam sua importância na

2 Convém salientar que Coelho Filho faz esta citação, explicando o pensamento alegórico
de alguns, mas ele mesmo não pensa assim. Mas, como ele não mencionou nenhum possível
nome que defenda esta ideia, em nossa citação só podemos indicar o nome dele.

105
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tentativa de se descrever a razão do agir complacente divino aos povos


que não eram judeus.

Embora não se tenha consenso entre os pesquisadores, sobre


qual, de fato, teria sido o tipo literário escolhido por seu autor original,
concordamos com Coelho Filho (2004, p. 133,137) quando nos exorta
a: a) sermos mais amistosos em ouvir e respeitar a opinião dos outros,
mesmo que não concordemos com ela; b) não nos perdermos em alguns
detalhes, meramente técnicos; c) tem gente crente em todas as linhas
interpretativas, por isso devemos cuidar também para não julgar as
pessoas a partir de seus posicionamentos não literais acerca de Jonas;
e d) concentrarmo-nos na mensagem que Deus quis transmitir por meio
deste livro tão significativo. Dito isso, passemos a analisar algumas partes
do livro deste profeta “não profeta”, que mesmo sem muita vontade inicial
continua falando em nome de Deus, ainda hoje.

3.2.3 Destaques do Livro de Jonas


Diferentemente do que fizemos no livro do profeta Obadias, que
analisamos quase que versículo por versículo, aqui nos ateremos a
alguns aspectos mais gerais, tendo em vista ser o livro de Jonas bastante
conhecido.

É muito comum, no debate se Jonas foi, de fato, engolido por


uma baleia, questionar se isso não seria possível porque as baleias têm
uma estrutura na qual não seria possível engolir um volume tão grande.
Todavia, as duas palavras hebraicas utilizadas para descrever o animal
marinho deve ser traduzida apenas por “grande peixe”.

Outro fato que não precisamos levar para sua literalidade total é a
declaração de que “Jonas esteve três dias e três noites nas entranhas do
peixe”. O número três para a cultura hebraica é bastante simbólico. Não
precisamos imaginar que tenha passado exatamente 72 horas lá dentro.
Entretanto, não pode significar tão somente alguns minutos ou poucas
horas. Afinal, Jesus aplicou este evento para descrever sua temporada
dentro da sepultura.

106
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Mesmo que sejamos da opinião de que o autor é outra pessoa


e não o próprio profeta. Não é acertado dizer que a oração de Jonas
teria sido criada por ele enquanto estava passando por quela situação.
É muito mais assertivo pensarmos que era um salmo que ele conhecia
e recitou naquele momento de tribulação. Isso porque nos baseamos
em dois detalhes bem simples: a) ninguém, num momento de
dificuldade, perde tempo escolhendo as palavras para combinar de
forma poética. Sendo assim, a poesia acaba sendo um retrabalho
posterior; e b) se lermos apenas as palavras do salmo em questão
(Jn 2.2-9) não há nenhum indício de que o orador estivesse preso dentro
de um peixe. Seu contexto é muito mais bem compreendido se pensarmos
em algum tipo de naufrágio. Por isso a oração que Jonas proferiu tem
muito mais chance de ter sido um salmo recitado por ele do que uma
oração composta naquele momento.

Há quem defenda que ela teria sido uma inserção posterior. Se


lermos Jonas de 1.1 a 2.1 e depois de 2.10 a 4.11, sem lermos o texto da
oração, aparentemente ela não faria falta. Por isso, alguns pensam que se
trataria de uma inclusão e não literalmente a oração de Jonas.

Um detalhe importante, destacado por Gusso (2017, p. 78), é


observar que não tem lógica a ideia popular de que depois de sua oração
Jonas foi vomitado na praia de Nínive. É muito mais natural entender
que Jonas foi devolvido nas imediações de onde ele embarcou. Mesmo
porque em Nínive não havia praia, estava a cerca de 600 km do mar.

Ainda, segundo esse mesmo autor, a declaração encontrada nas


versões mais antigas de que “Nínive era cidade mui importante diante de
Deus (3.3), pode ser um superlativo” e tem muito mais a ver com a ideia
de seu tamanho (GUSSO, 2017, p. 78). Tanto que as versões mais novas
optaram por traduzir “uma cidade muito grande”.

A conversão dos ninivitas não deve ser entendida como uma


conversão à fé judaica e aos seus costumes. O texto bíblico apenas diz que:
“eles creram em Deus” (3.5), no sentido de acreditar nas palavras do profeta
de que Yavé mandaria destruição, e “converteram-se, cada um do seu mau
caminho, e da violência que há nas suas mãos” (3.8b). Em momento algum
o texto bíblico menciona que eles se converteram à fé em Yavé.

107
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A declaração de que “Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes


faria, e não o fez”. É aquela mesma palavra que já falamos anteriormente,
com um significado bem amplo. Relembrando, seria mais uma tentativa
de descrever como Deus se sentia, o que levaria à mudança de posição.
Antes, por causa do pecado, ele era inimigo dos ninivitas, agora, com a
conversão do povo, ele deixaria de ser inimigo.

A planta referida em 4.6, traduzida pelas versões antigas como


aboboreira, hoje se sabe que teria mais a ver com uma mamoneira,
mas, mesmo assim, a tradução ainda é incerta. Ao que parece, nosso
hagiógrafo estaria simplesmente mais interessado em dizer que Deus fez
crescer uma planta do que preocupado em identificá-la.

Por fim, a pergunta retórica que finaliza o livro, deixando-o com


uma sensação de acabar, sem uma conclusão clara aos nossos olhos, na
verdade é taxativa e mais do que clara: o que acontece com Jonas e sua
atitude, às vezes patética, não importa. Afinal, o que de fato precisamos
deixar em nossas memórias e viver em conformidade a isso é que Deus é
Deus. É um Deus justo e que usa de misericórdia com quem precisar dela
e estiver arrependido de seus erros e falhas.

3.2.4 Aplicações de Jonas para os Dias de Hoje


A maioria das informações deste tópico foram obtidas, de forma
bem resumida, das palavras de Coelho Filho (2004, p. 137-149):

Deus é quem fala iniciando e finalizando a obra (p. 137).O peixe não
deve ser o centro de nossas atenções. Infelizmente acabamos perdendo
nosso foco na mensagem por conta de nossa curiosidade. Ele cita o
exemplo de um comentarista judeu que chegou a defender “que quando
Deus criou o mundo já havia colocado o peixe ali, esperando por Jonas.”
(p. 140).Não podemos deixar de lado nossa missão. Jonas é “um profeta
que não se assume como profeta nem mesmo age como profeta, pois não
quer proclamar a palavra de Yavé.” devemos, nós hoje, cuidar para não cair
no mesmo erro (p. 141).Temos que ser equilibrados em nossas palavras e
ações. Jonas chega a declarar que é hebreu (do povo de Deus) e que teme
a Deus. Mas sua atitude de ir para Társis mostra que não queria obedecê-

108
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lo (p. 141).Não podemos ser insensíveis aos acontecimentos à nossa


volta. Primeiro, enquanto uma tempestade terrível acontece, Jonas está
dormindo profundamente. Depois, ao ver o arrependimento dos ninivitas,
deita debaixo de uma barraca para esperar a destruição. Não podemos
demonstrar esta mesma insensibilidade (p. 141).Devemos cuidar para
não sermos mesquinhos em nossa fé. “Ele sabia como citar a Bíblia de
memória [...] mas não se importava nem um pouco com as pessoas”
(KELLEY, 1990, p. 101). Jonas foi a única pessoa registrada na Bíblia que
reclamou porque Deus foi misericordioso (p. 142). Jonas gostava das
bênçãos do Senhor, mas não queria ser bênção na vida dos outros (p.
142). Não sejamos patéticos. Jonas pede para não morrer, quando
está dentro do peixe (2.2-9), mas por duas vezes pede pela morte (4.3,8)
porque sua vontade não foi feita (p. 143). Curiosamente, a atitude dos
marinheiros parecia ser superior à de Jonas: a) enquanto se diz que Jonas
temia a Yavé, eles tinham grande temor (1.10); b) ao passo que nosso
profeta fugia de Deus, eles se apegavam a seus deuses (1.5) e temeram
muito a Yavé (1.10); e c) contrariamente a Jonas, não têm misericórdia dos
pecadores, eles se preocuparam com Jonas e foram relutantes em jogá-lo
ao mar (1.14). Mostrando momentos em que os gentios apresentaram
uma postura mais nobre do que o enviado de Yavé (p.143).“Deus leva em
conta o que os homens fazem, seja para o bem seja para o mal” porque
tem uma moral elevada: a) condenou o pecado dos ninivitas (1.2); b)
puniu a rebeldia de Jonas com uma tempestade (1.4); c) deu ordem ao
peixe para soltar Jonas, depois de ouvir sua prece (2.10); e d) perdoou os
ninivitas após o arrependimento (3.10). Yavé vê o pecado, mas também
está atento ao coração arrependido (p. 147).Deus é misericordioso. Ele
usou de misericórdia para com os marinheiros (1.15), com os Ninivitas
(3.10) e com o próprio Jonas. Livrando-o da morte (2.10), providenciando-
lhe sombra (4.6) e suportando sua rabugice (4.4). Até mesmo nosso
personagem declarou sobre a misericórdia divina (4.2), embora não fosse
favorável a ela (p. 148).

Yavé é um Deus que responde nossas orações. Ele atendeu a


oração dos marinheiros e os livrou (1.14), ouviu a prece de Jonas e o
libertou (2.10), atendeu ao clamor dos ninivitas (3.7-9) e “gastou tempo
com as queixas infantis de Jonas, ouvindo-as (4.4,9). Oração não é um

109
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exercício espiritual. É comunhão com um Deus que ouve a todos...” (p.


148). Por fim, independentemente da forma que se use para interpretar
a vida do profeta e o livro escrito a partir dele, percebemos que todos
nós somos parecidos com Jonas: “somos pessoas com convicções
teológicas, fazemos formulações doutrinárias, tivemos uma experiência
da graça de Deus, queremos ser abençoados. Mas em que isso afeta a
nossa atitude diante do Senhor e do mundo?” (COELHO FILHO, 2004, p.
144). É isso mesmo! De que adiante dizermos que sabemos as Escrituras
em sua totalidade se isso não causa em nós uma vida de submissão a
Deus, refletida em obediência à Sua Palavra? Não podemos esquecer a
liberdade que Deus nos dá de, inicialmente, não “concordar” com Ele, mas
ao final de tudo precisamos lembrar quem é quem nesse relacionamento.

Mesmo porque a grande lição que o livro de Jonas nos deixa é


que Yavé é um Deus misericordioso e, como diria o autor de Hebreus
11.6b, “galardoador dos que o buscam”. Mas, de igual modo, indubitável e
soberanamente manifesta sua justiça, quando o pecado não é percebido
como tal. Isso veremos na próxima seção: a grande Nínive que foi
poupada, aqui em Jonas, por causa de seu arrependimento, foi totalmente
destruída, cerca de 120 anos mais tarde, por conta de seu pecado, como
celebra o profeta Naum.

3.3 O Livro do Profeta Naum


À semelhança de Obadias, o livro de Naum é curto (somente três
capítulos) e escrito por um profeta muito humano e honesto em seus
sentimentos. Todavia, seu regozijo diante da iminência da destruição de
Nínive não o é por conta de algum tipo de orgulho, do tipo “somos melhores
que eles”. Isso não. O profeta se alegra porque vê na queda prevista e
declarada da grande e pecadora Nínive evidências da manifestação da
justiça de Yavé. Isso mesmo, Naum está feliz porque a capital do terrível e
monstruoso império Assírio será destruída para nunca mais se erguer na
história da humanidade.

Você deve se lembrar que ao ouvir as duras palavras de Jonas contra


os ninivitas, seu rei promulgou um decreto e toda a nação se humilhou e
se arrependeu de seus pecados. Por isso, foram poupados. Mas agora

110
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pouco mais de um século já havia se passado e as atrocidades voltaram


a fazer parte da vida e ações daquele povo. Esqueceram-se do ultimato
que haviam recebido de Javé e voltaram a ser tão tenebrosos e arrogantes
como eram antes. Por isso, no quesito direcionamento da mensagem,
Naum se assemelha a Jonas, pois ambos tiveram suas mensagens
contra Nínive e, ambas, palavras de condenação. Com a diferença de que
em Jonas ela foi poupada e aqui seria destruída.

O autor Kunstmann (1983, p. 120) chama a atenção para o fato


de que a cidade seria a mesma para ambos os profetas Jonas e Naum,
e suas duras palavras. Mas com duas grandes diferenças, cem anos
antes, a) os ninivitas não conheciam a Yavé, mas b) ao ouvir as palavras
de Jonas creram. Agora, entretanto, declaradamente se esqueceram ou
ignoraram Sua revelação e não deram ouvidos à mensagem do profeta
Naum. Definitivamente são indesculpáveis.

Talvez, por isso, o grande objetivo deste livro seja mostrar que
a paciência de Deus tem limite e jamais deverá ser interpretada como
fraqueza. Se Deus, aparentemente, não faz nada em uma determinada
situação, definitivamente não é por conta de algum tipo de limitação. Por
isso, podemos dizer que o tema central de Naum seria um verdadeiro
alerta contra a arrogância dos povos. Por conta disso mesmo é que não
devemos esperar nenhuma palavra no sentido de se nutrir o amor fraternal
uns para com os outros. Seu contexto é a declaração da manifestação
divina, que está prestes a punir o pecador e, concomitantemente, devolver
a devida honra ao nome santo de Deus.

O profeta também é alguém conhecido, hoje em dia, mas o fato


de ele ser apenas chamado de Naum, o elcosita, mostra que deveria
ser famoso em sua época. Segundo Archer (1986, p. 290s, citado por
Gusso, 2017, p. 92) nem o nome de sua cidade (Elcos) nos traz alguma
luz. Uns dizem que seria na Galileia, outros acreditam que seria a cidade
de Cafarnaum (que literalmente seria traduzida por vila de Naum), uma
cidade na própria Assíria, ou ainda, uma vila de Judá. Segundo Gardner
(1999, p. 481) há boa probabilidade de chance de ele ser da tribo de Judá,
uma vez que em seu livro deixa transparecer que conhecia bem a região,
em especial, Jerusalém.

111
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O nome Naum normalmente tem sido traduzido por “conforto ou


confortador” (GARDNER, 1999, p. 480), mas por conta de sua mensagem
tão dura e condenatória alguns acabam achando que deveria vir de outra
raiz e, consequentemente, ter outro significado. Mas nem sempre o nome
da pessoa dizia respeito a uma determinada ação. Se seu ministério
tivesse sido apenas a pregação contra Nínive, certamente deveria trocar
de nome para ficar mais condizente com a mensagem, mas, se além
deste momento contra a capital Assíria o profeta tivesse outras tarefas, o
correto seria ter um nome que abrangesse a totalidade de seu ministério.

A julgar pela situação, na época do profeta Jonas, Nínive havia


sido condenada, se arrependeu e foi poupada. Poucas décadas mais tarde
ela já voltara a realizar suas façanhas de destruição e violência contra os
povos mais fracos, chegando a dizimar todas as tribos do norte e a destruir
dezenas de cidade da tribo de Judá. Certamente os hebreus da época
do profeta Naum receberam sua ameaça contra Nínive de forma muito
acalentadora. Desta forma, enquanto as palavras de Naum deveriam chegar
com muita violência aos ouvidos dos ninivitas, certamente chegavam
trazendo conforto ao povo de Deus, por saber que Sua ira estava à porta e
não permitiria a violência, a arrogância tampouco a idolatria.

Imagine só, o povo vivia atribulado e com medo a tanto tempo.


Além de ouvir a declaração do Senhor de que os seus inimigos seriam
destruídos (1.15c), o profeta ainda disse: “O Senhor é bom, uma fortaleza
no dia da angústia; e conhece os que nele confiam” (1.7), ou então: “Eis
sobre os montes os pés do que traz boas novas, do que anuncia a paz!
Celebra as tuas obras, ó Judá...” (1.15a) e, mais adiante, em meio a mais
palavras de condenação contra o inimigo malfeitor, “O Senhor restaura a
excelência de Jacó, qual excelência de Israel.” (2.2a). Não há como negar
que Naum é sim um confortador, para o povo de Deus, naturalmente.

Quanto à data de seu ministério, assim como em Jonas não


conseguimos saber com exatidão; aqui é da mesma forma. Pelas evidências,
expressas no próprio livro, tem-se dito que a profecia de Naum deve ter sido
pronunciada entre os anos de 663 a 612 a.C. (GARDNER, 1999, p. 480). A
primeira data limite se dá a partir da declaração de Na 3.8-10 de que Tebas
havia caído (HALLEY, 1970, p. 328), e a segunda (612 a.C.) por ser a data da

112
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queda de Nínive, apenas predita pelo profeta. Pelo ardor da mensagem e a


expectativa da destruição a caminho, imaginamos uma data mais próxima
possível de 612 a.C., seria a mais indicada, mas não temos nada que possa
sustentar isso. Halley (1970, p. 328) defende que devesse ser em torno de
630 a.C. porque em 626 a.C. os citas iniciam as primeiras incursões contra
a tão destemida e oponente Nínive.

A seguir estudaremos alguns detalhes acerca da produção deste


curto, mas fascinante livro, com uma mensagem tão dura contra o
pecador altivo e, ao mesmo tempo, com palavras tão dóceis a seu povo.

3.3.1 Produção e Estrutura do Livro de Naum


O livro também finaliza, à semelhança de Jonas, com uma pergunta
retórica. Porém não possui outros detalhes que possam ser utilizados no
sentido de declará-lo como uma narrativa paradigmática. Ao que parece,
seu autor tentou entregar sua mensagem no formato poético conhecido
como acróstico, mas não concluiu. Na verdade, estaria longe de assim
o fazer. De seus quarenta e sete versículos, apenas os oito primeiros
parecem seguir a ideia de um acróstico. Esses oito versos têm duas
partes cada um e ao todo possuem oito consoantes em ordem alfabética.
Não acreditamos que tenha sido apenas coincidência. Mas também não
gostaríamos de seguir a opinião de alguns que declaram que um editor
sem habilidade teria inserido tal parte (CRABTREE, 1971, p. 196). Estaria
mais para uma mensagem que foi recebida e transmitida e depois teve
um início de transformação em poesia.

Quanto ao esboço de sua estrutura, podemos ver três formas. Uma


mais simples e outra seguindo a própria divisão por capítulos e uma
separando por porções de interesse:
1.1-8 Atributos declarados de Yavé

1.9-3.19 Julgamento predito de Yavé

(BULLINGER, 2018, p. 1247)

Outra maneira de vislumbrar a divisão do livro de Naum seria


seguindo os seus capítulos, que segundo Gusso ficam assim:

113
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Cap. 1 – O anúncio da Justiça de Yavé

Cap. 2 – Descrição da tomada de Nínive

Cap. 3 – O anúncio do fim de Nínive

(GUSSO, 2017, p. 95)

Por fim, outra forma de dividir sua mensagem é extraída do


comentário de Henry:
1.1-8 A justiça e o poder do Senhor

1.9-15 A derrota dos assírios

2.1-10 O anúncio da destruição de Nínive

2.11-13 A causa da destruição: pecado contra Deus e maldade


contra as nações

3.1-7 Os pecados e os juízos de Nínive

3.8-19 A sua total destruição

(HENRY, 2004, p. 716s)

A seguir, passaremos a analisar algumas palavras ou frases que


achamos convenientes para uma melhor compreensão da mensagem
deste livro tão curto, repleto de palavras duras contra a iniquidade, mas
acima de tudo ciente de que “todas as formas de injustiça operam
diretamente contra o reino de Deus” (CRABTREE, 1971, p. 198). O profeta
estava jubilando sim, mas não pela mera tragédia que estaria acontecendo
aos ninivitas, mas porque seu Deus, soberanos sobre toda a terra, estava
prestes a exercer seu juízo contra um povo arrogante, impiedoso e
terrivelmente maldoso.

3.3.2 Destaques do Livro de Naum


Convém salientar que Naum não foi o único a prever a queda de
Nínive. O profeta Sofonias também fez esta declaração (Sf 2.13-15). Muito
provavelmente ambos os profetas foram contemporâneos. Mas, como o
enfoque principal de cada profeta era diferente, Sofonias acaba gastando
poucas palavras de condenação contra a capital dos assírios.

114
< voltar

A palavra inicial usada pelo nosso profeta na primeira parte do


versículo “oráculo” vem do hebraico transliterado como masa’ e, logo em
seguida, vem outra declaração, “visão de Naum”, usando a palavra hazon.
Embora ambas muitas vezes sejam utilizadas como sinônimas, aqui pode
estar querendo enfatizar que o oráculo que Naum recebeu de Deus foi por
intermédio de uma visão.

No segundo versículo aparece logo a declaração “o Senhor


é vingador e cheio de indignação (ou ira, dependendo da versão)”.
Precisamos lembrar do conceito relacionado à ira divina. Jamais é um
descontrole emocional que sai destruindo tudo e todos. Não. “A ira, o furor,
a indignação e a vingança são expressões que descrevem a justiça de
Deus, no seu modo de tratar os seus inimigos [...] faz parte da verdadeira
justiça ou da eterna lei moral, que é a base fundamental do governo divino
no mundo” (CRABTREE, 1971, p. 203s).

Naum 1.3 é muito enfático em destacar que “O Senhor é tardio em


irar-se”, mas não significa que está alheio ou aguardando a melhor
oportunidade de agir, como às vezes fazem os reis estrategistas antes
de atacar um povo mais forte. No mesmo verso o profeta deixa claro.
Este mesmo deus que se tarda em manifestar sua justiça, é um Deus “de
grande poder”. Embora Naum não diga isso, mas certamente podemos
dizer que estaria em sintonia com o que Pedro declara: a inatividade de
Deus não é por falta de poder, mas por conta de sua longanimidade para
com a humanidade (Cf. II Pe 3.9).

Precisamos lembrar do significado das perguntas retóricas. Em vez


de levantar dúvidas, levam o ouvinte à reflexão e à certeza. Naum utiliza
muitas vezes deste recurso. Por exemplo: “quem pode subsistir diante
do furor de sua ira?” (1.2b), “o que é que projetais vós contra o Senhor?”
(1.9a), ou “não tinha um dentre vós que maquinava o mal?” (1.11). Não são
perguntas de quem está perdido ou buscando informações. O Que Yavé
está dizendo é que Ele sabe muito bem quem é o malfeitor, o que este tem
feito e que não há nada que poderá fazê-lo escapar de Seu juízo.

Em 2.6, ao que parece, a expressão “as comportas dos rios se


abrem” é uma figura de linguagem para expressar que o exército inimigo é
tão poderoso que vem chegando como uma verdadeira correnteza.

115
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O versículo 3.14 é uma zombaria. O profeta está tão convicto de que


a destruição será inevitável que até dá dicas de como se proteger. Mas,
ainda assim, declara a ineficácia das artimanhas.

Em 3.18, quando se diz que os pastores estão dormindo,


diferentemente de outras passagens, em especial o Novo Testamento,
que seria um eufemismo para a morte, aqui deve ser entendido como
sinônimo de falta de ação. Ou seja, os líderes, verdadeiros guerreiros que
deveriam ser os primeiros a agir em defesa do povo, estão sim dormindo
(CRABTREE, 1971, p. 203s).

Em 3.19, a declaração de bater palmas, que geralmente é sinônimo


de elogio, aqui é sinal de deboche.

3.3.4 Aplicações de Naum para os Dias de Hoje


Podemos apontar duas grandes lições de Naum que são válidas
e vivíssimas ainda nos dias de hoje: Deus é zeloso. Continua agindo e
manifestando sua justiça. Continua tardio em irar-se, mas não nos
enganemos achando que não trará seu juízo. Ele continua Senhor absoluto
sobre tudo e acima de todos.

Por fim, a maior lição que este livro nos ensina é que não importa
o nosso tamanho, nossas posses, nossa habilidade de fazer aliados,
nossos conhecimentos ou vitórias conquistadas, dentre tantas outras
realizações, possíveis ou imagináveis. Aquilo que Deus falou para seu povo,
pouco antes de eles entrarem na terra prometida, continua valendo pelos
séculos dos séculos: temos à nossa disposição a benção ou a maldição
(Dt 11.26-32). Se escolhermos ser fiéis ao nosso Deus ele graciosamente
nos recompensará, mas se ousarmos seguir outros caminhos sua ira
certamente nos alcançará.

116
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Síntese do Capítulo
Neste capítulo aprendemos que podemos ser sinceros e abertos
com nosso Deus, nunca deixando de lado o fato de o considerarmos como
nosso Senhor. Infelizmente tem sido cada vez mais comum vivermos
numa certa falsa religiosidade. Achamos que, ou tratamos, Deus como se
fosse nosso coleguinha. Volta e meia nos esquecemos que Deus continua
sendo o Senhor do Universo e, tão somente por conta de sua infinita,
superabundante e incrivelmente maravilhosa graça temos o direito de
sermos chamados de seus filhos.

Podemos ser sinceros e, como vimos, até discordar da vontade


e dos desígnios de nosso Senhor, desde que o seja temporariamente,
enquanto durar o processo de diálogo e crescimento em nossa teologia.
Todavia, não sejamos tolos de sairmos por aí dizendo o que pensamos ou,
pior, agindo como se Deus fosse o nosso avalista ou um simples amuleto
da sorte. Ele é nosso Deus e quanto mais cedo entendermos que nós é
que o servimos e não Ele os nossos desejos mais rápido e saudável será
o crescimento de nossa intimidade.

Também conhecemos os profetas Obadias, Jonas e Naum. O


primeiro, embora tenha um escrito tão curto, tem uma mensagem de
cuidado a não nos alegrarmos com a desgraça de nosso irmão. É natural
que venhamos a colher os frutos típicos e próprios das consequências
de nossos atos. Mas, jamais deveremos nos alegrar pela dor do outro,
mesmo que ela tenha sido justa e até merecida.

Já o profeta Jonas é uma verdadeira incógnita. Por um lado, chega


a ser patético por se declarar temente a Deus e, ao mesmo tempo, não
estar disposto a obedecê-lo. Por outro lado, acaba sendo o profeta mais
conhecido e, concomitantemente, até querido por muitos, não por conta de
sua atitude, mas pela constante demonstração do amor e da graça divina.
Afinal, quem não amaria um Deus capaz de ser tão amoroso e paciente
com seu filho, mesmo durante sua atitude de crise-rebeldia teológica?

Mas não nos iludamos. Ao mesmo tempo que a história do profeta


nos alcança por seus milagres, de certo modo, também o faz por sua falta

117
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de amor para com os inimigos. Cá entre nós, qual discurso teria mais ibope
nos dias de hoje: “sente-se e aguarde a ira de Deus se manifestar” ou “a
qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” (Mt 5.39).
Qual fala teria uma maior aceitação em nossos corações? Infelizmente
tenho percebido que há muito mais Jonas do que gostaríamos de ver em
nosso dia a dia e, às vezes, corremos o risco de sermos discípulos de
Jesus, em vez de sermos seguidores de Cristo.

Por fim, conhecemos a história do profeta Naum. Um homem quase


desconhecido e com uma mensagem pouco pregada nos dias de hoje, mas
que nos ensina que, em vez de se alegrar com a desgraça alheia, devemos
enaltecer a justiça divina, como manifestação equilibrada e ponderada
do poder de nosso Criador. Este servo de Deus é comissionado para
pronunciar uma palavra de condenação contra a nação mais poderosa,
impiedosa e orgulhosa de sua época. A situação era terrível e a desolação
era perceptível em todo lugar para o qual se olhava. Mas bastou apenas
uma promessa de Deus para ele vibrar de alegria.

Que nosso Deus nos abençoe a buscarmos sempre uma comunhão


constante, sadia e equilibrada com ele. Que saibamos aceitar, compreender
e viver nossa humanidade a fim de sempre procurarmos ser plenos naquilo
que Deus nos fez e nos revelou.

118
4. A Hora de Prestar Contas:
O Dia do Senhor a partir
dos Profetas Joel, Isaías,
Habacuque e Sofonias
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4. A Hora de Prestar Contas: O Dia do


Senhor a partir dos Profetas Joel, Isaías,
Habacuque e Sofonias
Neste capítulo temos como principal objetivo entender o que os
profetas entendiam com a expressão “o dia de Yavé” e, concomitantemente,
conhecer um pouco da história e mensagem dos profetas Joel, Isaías,
Habacuque e Sofonias, por serem os profetas pré-exílicos que mais
trabalham este tema.

Convém lembrarmos que Yavé sempre foi um Deus bem presente na


história, desde sua caminhada com o grande pai Abraão e, principalmente,
com seu povo desde o êxodo até a conquista da tão sonhada terra
prometida. Além disso, mais tarde, continua muito atuante no livramento
das várias situações em que o povo se via subjugado e ameaçado por
povos inimigos. Assim, Yavé, além de ser visto como um Deus abençoador,
passa a ser encarado como o Senhor dos exércitos, um Deus de guerra
e vencedor que está sempre atento à aflição do seu povo e triunfa sobre
qualquer inimigo. Em outras palavras:
É ele quem suscita as lideranças para libertar o povo (Jz 2.16,18;
3.9,15), coloca seu espírito sobre eles (Jz 3.10; 6.34; 11.29; 13.25;
14.6,19; 15.14) e entrega o inimigo nas mãos dos israelitas (Jz
3.10,28; 4.7,9,14; 7.9,14,15). Ele promove e se envolve na guerra
junto de seu povo para dar-lhes a vitória contra os inimigos
opressores. (NIEWÖHNER, 2016, p. 30).

Podemos dizer que esse conceito de um Deus guerreiro e vitorioso


foi cada vez mais se estabelecendo na cultura do povo de Deus a partir,
principalmente, como ainda diz ela, das necessidades típicas do período
e sistema tribal. Além disso (NIEWÖHNER, 2016, p. 30) ainda declara: “o
livro de Juízes nos mostra que a motivação para a guerra no período tribal
era a de salvar o povo do vizinho opressor, [por isso] as guerras de Yavé ou
‘guerras santas’ eram guerras de defesa.”.

Este conceito de um Deus bélico que se coloca à disposição de seu


povo para dar-lhe vitória, além de estar presente no imaginário popular,
também começa a ser evocado pelos profetas como o símbolo de algo

120
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muito maior, chegando a proporções universais, e muito mais profundo


e enérgico, purificando seu próprio povo. Os servos de Yavé são muito
enfáticos em esclarecer que por se tratar de um Deus purificador não
estaria apenas voltado para os inimigos externos, mas aos próprios
hebreus, que porventura estivessem afligindo e subjugando seus irmãos.
Como exemplo disso, em outra obra, Niewöhner (2020, p. 51) cita o profeta
Amós que rompe com a ideia de que o dia de Yavé deve ser visto só como
vitória e dia de bênçãos. Diante de tanta corrupção e idolatria, praticadas
pela liderança política e religiosa do povo, este profeta exclama:
Portanto, assim diz o Senhor Deus dos exércitos, o Senhor: Em
todas as praças haverá pranto, e em todas as ruas dirão: Ai! ai! E
ao lavrador chamarão para choro, e para pranto os que souberem
prantear.

E em todas as vinhas haverá pranto; porque passarei pelo meio


de ti, diz o Senhor.

Ai de vós que desejais o dia do Senhor! Para que quereis vós


este dia do Senhor? Ele é trevas e não luz.

E como se um homem fugisse de diante do leão, e se encontrasse


com ele o urso; ou como se, entrando em casa, encostasse a
mão à parede, e o mordesse uma cobra.

Não será, pois, o dia do Senhor trevas e não luz? Não será
completa escuridade, sem nenhum resplendor?

Aborreço, desprezo as vossas festas, e não me deleito nas


vossas assembleias solenes.

Ainda que me ofereçais holocaustos, juntamente com as vossas


ofertas de cereais, não me agradarei deles; nem atentarei para as
ofertas pacíficas de vossos animais cevados.

Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque não ouvirei


as melodias das tuas liras.

Corra, porém, a justiça como as águas, e a retidão como o ribeiro


perene. (Amós 5:16-24 – grifo nosso).

Algo que até então era evocado apenas como positivo para com o
povo como um todo, os profetas começam a dar novos esclarecimentos.
Não significa que Yavé só começou a fazer tal distinção agora, com
mais de um milênio de história desde Abraão. O povo é que estava tão

121
< voltar

distante dele e tão cego em seu próprio orgulho que os profetas precisam
explicar de forma tão clara. Afinal, basta uma leitura rápida no livro de
Juízes para perceberemos o nítido desgosto de Yavé para com as atitudes
pecaminosas de seu povo.

Toda vez que Israel se afastava de Deus, o Senhor permitia algum


juízo para que eles pudessem crescer e deixar seus maus caminhos. A
grande diferença é que, até Amós, tais atos de justiça e disciplinas nunca
foram vistos como equivalentes à mesma “guerra santa” que Yavé fazia
contra os inimigos. Todavia, como esta punição, prevista em Am 5.18,20,
é claramente um contexto de guerra, “conforme Bonora [1983, p. 78]
esta ação bélica é mais como uma ‘antiguerra santa’, pois a batalha não
acontece a favor de Israel como um todo, mas se dá contra Israel e seus
cargos opressores, para que seja possível a libertação dos oprimidos.”
(NIEWÖHNER, 2020, p. 52).

Outro profeta que traz uma nova amplitude para o dia de Yavé, é Isaías.
Ele teve seu ministério voltado para as tribos de Judá, em cerca de 740
a.C., e foi contemporâneo dos profetas Amós e Oséias, que profetizaram
contra o norte. Segundo (NIEWÖHNER, 2016, p. 33), ele pega a lembrança
popular da grande vitória dos israelitas contra os midianitas, sob a liderança
de Gideão, e transforma numa imagem vívida do que seria a vitória do dia
de Yavé, como sendo um grande livramento do povo por uma “intervenção
guerreira de Yavé também no futuro, livrando-os e libertando-os dos
inimigos e ameaças externas”, mas numa dimensão nunca vista antes. A
partir deste profeta, o juízo de Deus também passa a ser vislumbrado de
forma universal, para além de uma fronteira aqui ou acolá.

A partir deste momento histórico, do séc. VIII a.C., quando as tribos


do norte estavam cada vez mais distantes do Senhor e caminhando
para sua extinção pelos assírios, os profetas começam a endurecer seus
discursos, com o intuito de chamar seu povo de volta ao arrependimento e
a uma vida que de fato glorificasse a Deus. Enquanto o populacho poderia
pensar que os inimigos eram poderosos, o discurso profético passa a ser
tão forte e vívido em sua precisa análise dos fatos: quando o povo pecava,
Deus os entregava nas mãos dos inimigos.

122
< voltar

Isso mesmo, você não lê em lugar algum dizendo que um


determinado rei ou povo ficou tão forte que venceu os israelitas. Mas,
há muitas passagens que são claras em mostrar que o povo de Deus
foi entregue nas mãos dos inimigos. Desta forma, o mesmo Yavé que
é vingador contra todo e qualquer inimigo, livrando o seu povo, quando
ele se convertia de seus maus caminhos, o Senhor também é um Deus
zeloso e fogo consumidor, purificando até mesmo seu próprio povo da
iniquidade que cometia. Voltando a Bonora (1983, p. 76, 78, citado por
NIEWÖHNER, 2020, p. 54), o dia de Yavé passa a ser visto como um
“antiêxodo” e uma “antiguerra santa”, isso porque, diferentemente de Jz 7 e
Ex 14, Yavé lutará contra parte de seu próprio povo, permitindo o exílio e a
derrota para os inimigos. Vejamos a seguir os principais uso da expressão
“o dia de Yavé” e seus correlatos.

QUADRO 07: Usos da expressão “O dia de Yavé”

Expressões
Passagem
traduzidas do Ideia principal
bíblica
hebraico
Os falsos profetas são acusados de não terem
“no dia de Yavé” Ez 13.5 impedido a destruição advinda deste dia de
julgamento.
Virá sobre todas as nações e cada um pagará
“o dia de Yavé” Ob v.15
por seus pecados.
Jamais visto de tão grande e terrível. Todo
“aquele dia” Jr 30.7 povo de Deus sofreria, para que se expurgasse
a pecaminosidade.
Será dia de trevas e destruição total de toda
“aquele dia” Sf 1.15-18
terra.
“aquele dia” Ez 39.8 Dia em que Israel se vingará de seus inimigos.
“naquele dia” Am 2.16
Será uma manifestação contra soberbos,
“naquele dia” Is 2.11
arrogantes e altivos.
Virá contra todos os canaanitas, causando
“naquele dia” Sf 1.9,10;
grande choro e tristeza.
“naquele dia” Sf 3.11 Dia de extinção dos arrogantes.
“naquele dia” Sf 3.16 Dia de alegria e júbilo para os justos.

123
< voltar

Promessa de vitória contra o jugo dos


“naquele dia” Jr 30.8
inimigos.
“naquele dia” Ag 2.23 Promessa de aliança com Zorobabel.
Muitas nações se ajuntarão ao Senhor e serão
“naquele dia” Zc 2.11
o Seu povo.
“o dia” Ez 7.7 Tempo de ruína, tumulto e tristeza.
Virá como fornalha, destruindo todos os
“o dia” Ml 3.19
presunçosos e ímpios.
Ambos os profetas anunciam a iminência
Ez 30.3 e
“dia para YHWH” deste dia, bem como suas consequências
Zc 14.1
terríveis contra os gentios.
Is 22.5 e Enquanto Isaías prevê o cerco de Jerusalém,
“dia para o Jr 46.10 Jeremias vislumbra a justiça de Deus contra
Senhor, o YHWH
os adversários babilônicos. Mas, ambos falam
dos Exércitos”
de destruição e morte.
“dia para YHWH Contra os orgulhosos e exaltados. Todos
Is 2.12.
dos Exércitos” serão abatidos.
“dia da vingança” Is 34.8 Dia de vingança e retribuição.
“dia da vingança” Is 63.4 Dia de vingança e redenção.
Ez 7.19
“dia da indig- Enquanto para Ezequiel este dia está perto e
nação de será de tristeza, para Sofonias não há nada e
YHWH” ninguém que possa servir de aliado.
Sf 1.18;
Sf 2.2-4 Enquanto Sofonias promete que Deus estaria
exterminando os idólatras dentre seu povo,
“dia da ira de
Lamentações declara que com a invasão
YHWH”
babilônica Deus destruiu a glória de Israel,
Lm 2.1,22 entregando-o nas mãos do inimigo.
“no dia do furor Referência às ruinas de Jerusalém, após a
Lm 1.12
da sua ira” destruição do templo pelos babilônicos.
“no dia do sacri-
Sf 1.8 Dia de punição à liderança de Judá.
fício de YHWH”

124
< voltar

“no dia de seu


infortúnio” “de
Ob 12 Dia de opressão dos habitantes de Jerusalém,
sua ruína” “de
sua angústia” sob a mão dos inimigos e aproveitamento dos
Edomitas.
“no dia da
Ob 13
calamidade”
“no dia de sua
Jr 46.21 Profecia contra os aliados de Judá.
ruína”
“ano aceitável de
Isaías Dia de proclamação do ano aceitável e do dia
YHWH e o dia da
61.1-2 de vingança.
vingança”
“no dia de Deus arrebanhará os hebreus que haviam sido
nuvens e de Ez 34.12 espalhados, reunindo-os novamente como seu
escuridão” povo.

FONTE: Criado a partir de NIEWÖHNER (2020, p. 48-90).

Em resumo, podemos dizer que o dia de Yavé é um período para


prestação de contas. Dependendo do momento teológico em que se
encontra cada profeta, este momento parece ser único ou só contra um
determinado inimigo do povo de Deus, enquanto noutro pode passar
a ideia de um evento contra todos os inimigos de Israel ou, ainda, todo
inimigo de Yavé (mesmo que seja de seu próprio povo). Dependendo de
onde lemos, também pode dar a ideia de um tempo pontual ou significar
um período sem data determinada. Às vezes, parece um julgamento local;
noutras, a manifestação de um Deus universal, sobre tudo e todos. Mas,
em geral, podemos dizer que “o dia de Yavé” pode ser melhor definido
como um período de prestação de contas e, independentemente de onde,
quem ou o quê, Deus é o Senhor absoluto.

A seguir estudaremos mais de perto os livros dos profetas Joel, Isaías,


Habacuque e Sofonias, seguindo esta ordem por conta da cronologia.
Foram selecionados para estarem aqui porque eles, um pouco mais do que
os outros livros pré-exílicos, são os que deixam transparecer esta ideia de
um período no qual Deus estaria trazendo juízo sobre os pecadores.

125
< voltar

4.1 O Livro do Profeta Joel


O livro do profeta Joel, à semelhança de Obadias, apresenta
dificuldade de se identificar a data de sua escrita e, embora, sua
apresentação diga ser filho de Petuel, não sabemos mais nada acerca
deste profeta. Segundo Gusso (2017, p. 37), pela simples apresentação
do nome de seu pai, ele deveria ser uma pessoa bastante conhecida na
época, mas hoje quase nada sabemos sobre ambos. Para se ter uma
ideia do tamanho da indecisão, entre as principais datas para a escrita
do livro estão 837, 400 e 325 a.C. (FRANCISCO, 1979, p. 119). A seguir
apresentamos um quadro com os principais aspectos levantados como
defesa para as datas limites.

QUADRO 08: Principais pontos para as duas datas mais aceitas para
Joel

Indícios que apontam para uma data Contrapontos que continuam apoiando
mais recente (400 ou 325 a.C.) uma data mais antiga (837 a.C.)
Não é mencionado nenhum rei A preeminência de assuntos sacerdotais
no poder, como nos demais livros pode ser porque Joiada é quem liderava,
pré-exílicos. enquanto era o tutor do rei Joás.
O reino do norte não é mencionado O profeta escreve para o sul e por isso
no livro. não precisa mencionar o norte.
O termo “Israel” poderia aqui ser usado
O profeta usa a palavra Israel para se
como descendentes de Jacó e não
referir à tribo de Judá.
como uma descrição de qual tribo seria.
“Rasgar o coração e não o vestido” é um
O ritualismo é mais enfatizado do
apelo elevado a uma ética para além dos
que a ética.
rituais.
Pode ser pela mesma razão da primei-
A classe sacerdotal é vista como
ra linha: o sumo sacerdote era o tutor
os líderes, tal qual no período
do rei, até que este tivesse idade para
pós-exílico.
governar.
Não é impossível imaginar que o
comércio entre Tiro e Grécia já tivesse
Jl 3.6 menciona que havia contato iniciado muitos séculos antes. Mesmo
entre os israelitas e os gregos. porque, em Joel, os gregos não são
reconhecidos como nação, mas um
“bando de traficantes de escravos”.

126
< voltar

A declaração “fazendo voltar os cativos”


Jl 3.1, 2 mostra que o cativeiro ou “restaurar os exilados” pode significar
babilônico ainda não havia acabado. apenas “restaurar a fortuna”, como foi
usado em Jó 42.10.
As nações mencionadas em Joel são
Jl 3 depois do sofrimento de Judá,
Fenícia e Filístia, claramente inimigos do
Deus julgaria as nações.
período pré-exílico.
FONTE: Criado a partir de FRANCISCO, 1979, p. 119-121.

Além disso, segundo Francisco (1979, p. 119), o estilo literário


usado no livro de Joel é clássico, lembrando muito o estilo dos profetas
Miquéias e Amós. Ambos profetas considerados e aceitos como do séc.
VIII a.C. Mas o principal fator que consideramos para uma data mais
antiga, tal qual para Obadias, é o posicionamento no cânone. Embora os
doze profetas menores, que originalmente foram juntados num único rolo,
não estejam numa ordem cronológica clássica, seguem certa ordem e
seria estranho o livro de Joel ter sido escrito no séc. IV a.C. estando como
segundo na ordem canônica dentre os menores.

Segundo Coelho Filho (2004, p. 58), o principal argumento a


favor de uma datação mais antiga é o fato de a fala do profeta deixar
transparecer um sacerdócio em plena atividade, inclusive com o templo
em funcionamento. O que necessariamente deveria ser datado antes de
587, quando ocorre a destruição de Jerusalém. Porém, acaba sendo um
argumento fraco, porque as datas recentes mais cogitadas são 400 ou
325 a.C. e, em ambas, o templo já havia sido reconstruído e o sacerdócio
e suas atividades ritualísticas já haviam sido estabelecidas.

Ainda, segundo este mesmo autor, embora não tenhamos claro qual
teria sido o momento de sua escrita, o contexto econômico e ecológico é
bastante preciso. O profeta narra uma fome devastadora (HALLEY, 1970,
p. 318). Esta terrível tragédia foi causada por dois (ou três) fenômenos
naturais: uma seca (Jl 1.20), uma invasão de gafanhotos (Jl 1.4), e muito
provavelmente queimadas (Jl 1.19s). Independentemente da época, por ser
uma sociedade dependente da agricultura e do manejo pastoril, qualquer
um dos dois eventos já seriam uma grande catástrofe, quanto mais os dois
juntos. Seria algo realmente destruidor (COELHO FILHO, 2004, p. 60).

127
< voltar

Mesmo que alguns tenham a praga de gafanhoto como algo


simbólico, como uma metáfora a uma invasão bélica, como veremos
mais adiante, e as queimadas como sinônimos da terrível estiagem,
seguimos a opinião no sentido de interpretarmos as três situações, seca,
gafanhotos e queimadas, como eventos reais e naturais. Passemos agora
para entendermos como se deu as questões de unidade e estrutura do
livro deste profeta.

4.1.1 Produção e Estrutura do Livro de Joel


Um livro relativamente curto, mas, com certeza, cheio de
indefinições. Além das discussões acirradas sobre as datas, como vimos
um pouco anteriormente, ainda temos algumas teorias sobre a falta de
unidade do livro do profeta Joel. Tradicionalmente temos que o próprio
profeta teria sido o autor de todo a obra, mas diante dos estudos atuais
têm surgido teorias das mais diversas. Por exemplo, segundo Sicre (2008,
p. 196s), o livro como conhecemos foi sendo construído ao longo dos
séculos. Para ele, 27 dos 73 versículos totais do livro de Joel teriam sido
escritos no séc. VIII ou VII a.C.; 36 versículos teriam sido escritos por
volta do ano 600 a.C.; e os últimos 10 versículos seriam pós-exílicos por
fazerem menção à destruição e Judá e seu exílio.

Além desta incerteza, gerada entre os pesquisadores, também


não dá para saber exatamente qual teria sido o objetivo principal. Para
Coelho Filho (2006, p. 58), devem ser dois: um histórico, sendo chamado
ao arrependimento, e outro profético, mostrando um futuro, como “dia de
bênçãos e julgamento”. Enquanto Cabral (s.d., p. 148) defende que teria
sido para descrever “a predição da dispensação do Espírito”, Crabtree
(1971, p. 16) diz que teria sido escrito para explicar “o significado da terrível
praga que o seu povo estava sofrendo”, servindo com isso de consolo e
encorajamento ao arrependimento.

Além disso, são poucos os que mencionam um esboço do livro.


Talvez por conta destas dificuldades de se entender mais acertadamente
qual teria sido o seu objetivo. Seja por isso, ou por outra razão, a seguir
apresentamos as propostas de quatro autores, com propostas distintas:

128
< voltar

1.1-2.14 Descrição da desgraça

2.15-27 Salvação da desgraça

3.1-21 Perspectiva para o futuro

(SICRE, 2008, p. 196s)

Só para dar um exemplo sobre a complexidade deste livro curto,


mas tão rico, Dillard e Longman III também dividem a obra deste profeta
em três partes, mas de formas diferentes:
1.1 Sobrescrito (como se fosse um título)

1.2-20 A praga dos gafanhotos: o desastre imediato

2.1-17 O Dia do Senhor: o desastre iminente

2.18-3.21 A resposta do Senhor

(DILLARD; LONGMAN III, 2006, p. 349s)

A seguir veremos a sugestão quádrupla proposta por Francisco:


1.1-20 Pragas sucessivas de gafanhotos e a seca

2.1-11 O Dia do Senhor é iminente. Apressado pela praga de

gafanhoto mais terrível que a do presente

2.12-17 Chamada ao arrependimento

2.18-3.21 O povo arrepende-se, e Yavé promete bênçãos e


restauração

(FRANCISCO, 1979, p. 123)

Por fim, eis uma proposta de se dividir o livro em apenas duas partes,
feita por Crabtree:
1.1-2.27 As pragas da locusta e da seca, e a influência do
sofrimento na vida do povo

2.28-3.21 rrependimento do povo e o dia de julgamento do Senhor

(CRABTREE, 1971, p. 21)

Dillard e Longman III (2006, p. 353) ainda nos alertam para o fato
de as canções escritas pelo nosso profeta serem muito parecidas com

129
< voltar

alguns salmos utilizados em contexto litúrgico, com objetivo de uso em


ocasiões de lamento nacional, por conta de alguma tragédia. Por isso,
Joel chama seus ouvintes “para um período de jejum em um santuário (Jl
1.13s)”, ao atenderem sua convocação, as pessoas “fariam a sua oração
de clamor a Deus, lembrando de suas misericórdias no passado (Jl 1.2-12,
15-20, 2.1-11)” e ainda, como parte deste ritual de lamentação, as pessoas
recebiam uma resposta divina (Jl 2.12-3.21). Isso certamente causaria
muita dificuldade de se pontuar um único período histórico. Porque neste
tipo de uso, a partir de um evento ou acontecimento específico, pensava-
se na mensagem, mas esta era elaborada de tal forma que pudesse servir
para outras situações de aflição.

Cientes de que há muito ainda para se chegar a um consenso,


escolhemos tais questões por entendermos serem as mais importantes
para termos uma ideia geral do livro em si. Sendo assim, diante desse
panorama, passaremos a algumas explicações que achamos serem
necessárias, sobre algumas frases ou expressões apresentadas no livro.

4.1.2 Destaques do Livro de Joel


Em Jl 1.2, o profeta lança suas palavras pala os anciãos da terra. Mas
certamente ele tem em vista a liderança do povo. Segundo Joel, os líderes
não estão conseguindo perceber o quão terrível serão os próximos dias, por
conta das pragas e, principalmente, como elas estavam relacionadas com
a vida moral e espiritual do povo. E sua mensagem deveria ser contada às
gerações futuras (Jl 1.3). Porque, como já mencionamos, aquela percepção
não deveria ser encarada como vinculada apenas àquele momento que
estavam presenciando, mas deveria estar fixada na mente do povo: “os
desastres físicos acompanham a desintegração moral. O modo como [o
ser humano] vive em relação a seu Deus vitalmente influenciará as suas
alegrias ou tristezas terrenas.” (FRANCISCO, 1979 p. 121).

Joel 1.4 trabalha sobre a praga dos gafanhotos. O que tem gerado
muita controvérsia são as quatro palavras utilizadas no hebraico.
Normalmente, a palavra mais utilizada para se referir a um gafanhoto é
arbeh. Mas, por conta deste acréscimo de outras três palavras, segundo

130
< voltar

Crabtree (1971, p. 23), ao longo da história tem sido atribuído quatro


formas de interpretações distintas para esta praga “que se apresentam
nos primeiros dois capítulos: literal, alegórica e apocalíptica.”, conforme
melhor apresentado no quadro a seguir:

QUADRO 09: Principais interpretações para a Locusta em Joel 1 e 2

Literal com
Alegórica Apocalíptica Literal
aplicação
Os gafanhotos
Como a destru-
seriam a repre- A descrição do
ição relatada pelo
sentação militar capítulo 1 seria
profeta, bem como
dos inimigos. uma invasão literal
As locustas a restauração,
Como não dos gafanhotos,
do primeiro ficou limitada à
sabemos exata- ocorrida nos dias do
capítulo seriam vida das plantas,
mente quando povo (v. 11, 12, 16),
criaturas ambos os capítulos
ocorreu, a mas a descrição
apocalípticas trabalham evento
locusta poderia do capítulo 2 seria
e símbolos natural: uma terrível
significar os uma analogia com
de exércitos nuvem de gafan-
egípcios, os as invasões que
dos fins dos hoto, com quatro
babilônios, os Yavé estaria provi-
tempos. E as tipos diferentes ou,
assírios ou os denciando no Seu
do capítulo 2, o que seria mais
gregos. Outros dia. A partir de uma
simbolismo provável, com os
não especifi- catástrofe natural, o
da catástrofe quatro estágios da
cam a origem, povo estaria sendo
futura. vida deste inseto:
mas atribuem preparado para um
a larva, a ninfa e o
a invasores em julgamento bélico
inseto ainda jovem
vários períodos tão terrível quanto.
e a vida adulta.
da história.
FONTE: Criação nossa, a partir das informações de CRABTREE, 1971, p. 23.

A forma literal, sem dúvida, é a que tem menores dificuldades de


interpretação. Principalmente, porque, normalmente, a maior dificuldade
de se ter os eventos como algo natural é a força das narrativas deixadas
pelo profeta. Mas, ainda segundo esse mesmo autor, uma praga de
gafanhotos é de tal modo terrível, que em vez das palavras de Joel serem
encaradas como exagero poético, tal “retrato da praga das locustas pelo
profeta Joel é reconhecido como obra científica no poder da sua descrição
tão perfeita” (CRABTREE, 1971, p. 23). Além disso, precisamos lembrar que
é um relato poético e muito provavelmente a grande importância esteja no
fato de destacar a destruição total advinda com a praga.

131
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Em Joel 1.5, continua sendo uma palavra direta aos líderes do povo,
que se achavam acima dos demais. O profeta está esclarecendo que eles
precisariam estar alertas. Afinal, esta era a função do líder: cuidar do povo,
mas principalmente porque eles também sofreriam com a praga. Mesmo
porque não há como fazer vinho se não houver uvas para a colheita.

O profeta (Jl 1.13) ainda conclama os sacerdotes a se vestirem com


panos de saco, uma vestimenta simples, usada como reconhecimento
de arrependimento e humilhação. Como líderes da nação, não deveriam
ficar apenas em uma postura acusatória ou de superioridade, mas se
colocar no lugar do povo e, principalmente, interceder por sua gente.
Os sacerdotes deveriam continuar exercendo sua influência religiosa e
chamar o povo ao jejum e ao arrependimento. Convém lembrarmos aqui
que quanto maior era a atuação da monarquia mais institucionalizada e
subserviente ao rei ficava a classe sacerdotal. Infelizmente, com medo de
perder seu status ou de sofrer algum tipo de represália, os responsáveis
pela educação religiosa-espiritual do povo ficavam cada vez mais com
menos espaço e autoridade. Mas nosso profeta chama-os à sua verdadeira
responsabilidade.

Joel 1.15 faz sua primeira declaração acerca do dia de Yavé. Segundo
Gusso (2017, p. 44), neste pequeno livro são citadas cinco das dezesseis
vezes que a expressão é usada em todo o AT. Certamente, simbolizando a
grande importância deste tema para o profeta. E teria duas interpretações:
castigo para o povo de Deus, que estava em pecado, e “em seguida, após o
arrependimento, como dia de livramento para os fiéis, castigo e vingança
para os inimigos da nação”.

Os pontos favoráveis à interpretação de que a descrição da praga


deveria ser uma invasão militar são os seguintes: a) os versos 10, 30
e 31 são muito fortes para descrever apenas uma praga de insetos, b)
os versos 2, 11, 17 e 20 mencionam as palavras povo, acampamento e
exército para se referir aos invasores, o que não se aplicaria a insetos, c)
o verso 25, que compara os gafanhotos a um exército, é uma clara alusão
à praga literal, relatada no primeiro capítulo, d) o verso 20 menciona que a
praga vem do norte, direção de onde vieram os sírios, assírios, babilônios,
medo-persas e gregos, como invasores reais, sem contar o fato de que as
pragas de gafanhotos sempre vieram do sul (PINTO, 2014, p. 708).

132
< voltar

Algo bastante interessante, independentemente se a invasão é de


gafanhotos ou de um exército de alguma nação, é a declaração do profeta
que continua muito parecida com os demais. Não acontece por acaso ou
por simples infortúnio. Yavé é o general de tal exército. Sejam homens ou
insetos são instrumentos da ira divina contra um povo pecador e pouco
disposto a arrepender-se.

Em Joel 2.13 há a declaração sobre a necessidade de uma conversão


autêntica e, principalmente, interior. Não bastava apenas religiosidade
aparente. Yavé sempre quis se relacionar com seu povo. Por isso não
bastava apenas um ritual qualquer, como se fosse algo mágico. Havia a
necessidade de arrependimento verdadeiro e isso implicava em mudança
de atitude, que para o pensamento hebreu era governada pelo coração.
Nossas ações e caminhos são frutos de nossos pensamentos, que no AT
tinha como sede o coração.

O verso seguinte (2.14) é um tanto quanto enigmático para nós, que


nascemos e temos sido ensinados sobre a grandiosa e maravilhosa graça
de nosso Deus. Porém, o profeta é claríssimo em alertar: o Senhor não é
obrigado a retirar nosso castigo ou a nos livrar das consequências de nosso
pecado. Normalmente, por sua graça inexplicável, somos alcançados com
Seu perdão e temos acesso total à Sua intimidade e relacionamento, mas
há certas sequelas de nossos pecados que nos acompanharão, assim
como a cicatriz de um determinado ferimento.

Em Jl 2.21s, o profeta convida para que não se perca a esperança


no Senhor. Embora a catástrofe seja realmente grande e terrivelmente
danosa, Deus é maior. Além disso, assim como Yavé foi o general da
destruição, Ele também tem poder para restaurar e voltar a abençoar.

Os versículos finais deste segundo capítulo, à luz do NT, são claros e


bem pontuais quanto ao derramamento do Espírito, no dia de Pentecostes.
E para o profeta? Qual teria sido seu entendimento? Seria algo de fato,
totalmente escatológico, para um futuro mais distante? Ou teria inicialmente
uma aplicação, como normalmente era comum aos profetas, para depois,
então, ter uma aplicação plena? Assim como o livro é cheio de incógnitas,
estes versos também o são. Não há consenso entre os pesquisadores
sobre o que Joel pretendia comunicar com tal declaração.

133
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Com certeza, as palavras iniciais “naqueles dias” (Jl 3.1) dizem


respeito ao “evento” incerto a que Jl 2.28-32 se refere, e mostram claramente
que ambos estarão previstos para o período declarado como “o dia de
Yavé”. Sendo assim, de fato, o próprio Joel imaginava seu acontecimento
somente para além de seu tempo. Além disso, para sua época já ficava
a grande expectativa de que o Espírito de Yavé estaria sobre todas as
pessoas e não apenas sobre os líderes de sua época. Na época do AT era
comum e, até institucionalizado, que a ação do Espírito de Deus ficasse
restrita à vida de poucos, da elite (COELHO FILHO, 2004, p. 74s).

Como já mencionado anteriormente, o dia de Yavé iniciaria com o


ministério de Jesus, mas só se findaria com sua vinda. Por isso ainda há
certas descrições de Joel sobre este dia, que ainda não se cumpriram,
como “o sol se tornar em trevas e a lua em sangue” (Jl 2.31a). Certamente
você deve estar pensando, mas Joel disse que isso ocorreria antes que
viesse “o grande e terrível dia do Senhor” como o próprio profeta declarou
(Jl 2.31b). Mas também é necessário lembrar que para o profeta esse dia
de Yavé seria um evento único e curto.

Para entender um pouco melhor esta visão falha do futuro, de


algumas profecias, observe a imagem a seguir. Trata-se de um mesmo
objeto, mas visto de ângulos diferentes. Joel seria o primeiro personagem
e nós, com toda a revelação teológica ao longo da história, o segundo.

134
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FIGURA 06 – Perspectivas de visão de futuro

O profeta só conseguia olhar de frente. Nós olhamos como que de lado,


Assim, a pessoa só vê o entorno de cada percebendo assim cada evento/ocasião
evento, como se fosse uma única coisa como coisas distintas. Inclusive,
acontecendo num mesmo período. Não conseguimos enxergar outras coisas,
consegue sequer perceber o que seria mais menores ou escondidas atrás de outros
importante, se o centro ou a borda. eventos/situações.

Por fim, convém registrar que, como resumo geral acerca do dia
de Yavé, segundo o ponto de vista do profeta Joel, é que este dia vem
depressa e será dia de destruição (1.15), “dia de trevas e de escuridão”
(2.2), “é grande e terrível” (2.11,30), dia de transformação e livramento
para “todo aquele que invocar o nome do Senhor” (2.28,32), e ainda, como
destaca Kunstmann (1983, p. 55), será “dia de juízo para os incrédulos e
como dia de glória para os seus crentes”.

4.1.4 Teologia de Joel e Aplicações para os Dias de Hoje


Assim como o profeta Joel e seu povo foram convidados a confiar
numa promessa gloriosa ainda por vir, hoje ainda passamos por algo similar.
O grande dia de Yavé iniciou com o nascimento de Jesus, mas ainda não se
findou. Coelho Filho (2004, p. 74) nos exorta a não correr o risco de fazer apenas
uma “arqueologia cultural ou teológica”, no sentido de apenas conhecermos
o passado. Isso não. Infelizmente, ainda hoje, o pecado continua a privar as
pessoas da bênção plena pretendida por Deus e o arrependimento continua
sendo a única forma de nos aproximarmos do Senhor. O qual continua
gracioso e capaz de cumprir tudo aquilo que prometeu.

135
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Lembrar que a dispensação do Espírito está para todos e não só


para uma elite específica. Os líderes de hoje precisam entender seu papel
e importância no auxílio da vida do povo, mas lembrar que somos todos
iguais perante Deus. Em vez de irmos atrás de títulos, para aumentar o
status de nossa determinada função, deveríamos nos apegar ao fato de
que o melhor e maior adjetivo para descrever a relação entre os membros
do povo de Deus é “irmão”. Isso é deveras importante e magistral. Antes
de ser professor, pastor, missionário, líder deste ou daquele ministério,
ancião, presbítero, bispo, ou qualquer outra função ministerial para
a qual Deus tenha chamado, somos irmãos uns dos outros e todos,
indistintamente, coparticipantes do ministério de Cristo. Joel 2.28
continua mais atual do que nunca.

Por fim, convém, ainda nos dias de hoje, ressaltar a grande verdade
iniciada em Joel 2.32, e escancarada em todo Novo Testamento. A salvação
é por meio da graça divina. A salvação prometida pelo profeta era a partir
de uma invocação genuína ao nome do Senhor. Ou seja, mesmo vivendo
num período em que os rituais e cerimoniais eram muito presentes e até
indiscutíveis, o profeta deixa claro que o povo podia ser salvo tão somente
se invocassem ao Deus verdadeiro. Isso nos faz lembrar as palavras de
Smith (2001, p. 127-131), que Israel foi eleito por Deus antes mesmo de
as tábuas da lei serem entregues. Todavia, tal escolha não pode ser vista
como sinônimo de liberdade total. Mesmo porque em toda eleição está
implícita um chamado ou missão.

Mas voltando ao profeta Joel a ideia de uma salvação pela graça


é de fato maravilhosamente extraordinária. Curiosamente, o próximo
profeta a ser estudado, conhecido carinhosamente como o príncipe dos
profetas, também trabalha bastante sobre o dia de Yavé, a partir do viés
do messianismo. Consequentemente, acaba de igual modo, enfatizando
a importância de a salvação ser uma dádiva divina, inclusive ao ponto
de necessitar que um servo de Yavé padeça em lugar do próprio povo.
Vejamos a seguir, de forma breve, é claro, sobre o grande profeta Isaías, e
mais conhecido dentre os profetas.

136
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4.2 O Livro do Profeta Isaías


A obra deste profeta, ultimamente, tem sido encarada pelos estudiosos
modernos como sendo uma obra composta por no mínimo dois autores
distintos. O autor principal seria deste período pré-exílico e teria escrito os
capítulos 1-39, já a segunda parte do período exílico ou pós. Como veremos
a seguir. Como sua mensagem é muito mais enfática e tida como a grande
responsável pela teologia em torno do Messias que Deus haveria de enviar para
livrar o seu povo e julgar toda a terra, este profeta será estudado com maior
profundidade, no livro que abordará os profetas exílicos e pós-exílicos. Outro
fator que o coloca junto aos demais é sua intenção primária ser direcionada
a Jerusalém e Judá (Is 1.1). Mas, como ele inicia aqui, neste período histórico,
faremos uma breve introdução ao mesmo.

4.2.1 Panorama sobre o Livro de Isaías


Convém lembrar que, mais do que qualquer outro profeta, o servo de
Yavé, mesmo escrevendo uma mensagem que poderia ter uma aplicação
para além do seu contexto, ele continuava sendo o que nós mencionamos
anteriormente: fruto de seu tempo. Isso é muito importante porque não
são poucas as vezes que Isaías é chamado de o evangelista do Antigo
Testamento. Até certo ponto, não seria de todo inadequado chamá-lo
assim, se pensarmos que foi a partir dele que surgiu a ideia da mensagem
divina como “boas novas” (Cf Is 40.9), que foi traduzida para o grego e que
hoje usamos como evangelho. Porém, não dá para sustentar a ideia de
que ele teria sido o maior evangelista da história, porque, como ninguém,
percebeu exatamente o que Deus viria a fazer, por meio do ministério de
Jesus, o verbo encarnado. Isso não.

O grande exemplo disso é a própria profecia narrada em Is 7.14. Com


certeza também diz respeito ao nascimento de Jesus. Mas o foco inicial era
uma palavra de consolo/advertência a um rei particular, que passava por uma
situação específica. Muito provavelmente, nem o próprio Isaías teria percebido
que para além da vida do rei Acaz suas palavras teriam um cumprimento muito
maior e extraordinário. Mesmo porque a mensagem que eles precisavam
(tanto o profeta, quanto Acaz e o próprio povo) era para aquele momento.

137
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Da mesma forma não dá para dizer que ele seria o resumo de toda
a Bíblia, só porque tem exatamente sessenta e seis capítulos, a mesma
quantidade de livros encontrados na Bíblia toda (juntando AT e NT). Isso foi
mera coincidência. Mesmo porque a divisão dos livros na língua hebraica
era outra. Por exemplo, o que temos como doze livros relacionados aos
profetas menores: dois livros relacionados a Samuel, dois sobre os Reis
e dois para Esdras e Neemias, para a versão hebraica antiga, cada grupo
destes era considerado um único livro.

Além disso, a divisão em capítulos e versículos é muito moderna.


O texto bíblico original era como se fosse uma carta, sem qualquer
separação. Não havia, inclusive, separação entre as palavras. Terceira
razão que vai contra esta teoria: ele foi escrito antes de muitos livros do
próprio AT e antes de todos os livros do NT, por isso não tem lógica que
cada capítulo fosse o resumo de cada livro da Bíblia. Por fim, basta uma
leitura simples em cada capítulo para perceber que definitivamente não se
trata de nenhum resumo dos outros livros da Bíblia.

Sabemos que o texto original foi escrito em hebraico, mas, só


para se ter uma ideia, seria como se as palavras iniciais de IsaiasIsaías
estivessem escritas assim:

visaodeisaiasfilhodeamozqueeletevearespeitodejudaejer�salemnosdiasdeuzias
jotaoacazeezequiasreisdejudaouvioceusedaouvidosoter�aporqueosenhorequem
falacrieifilhoseoseng�andeci...

Sem pontos, acentos, sem espaço, indo assim até o final do livro.

4.2.2 Estrutura do Livro de Isaías


Este profeta, com um chamado pontual e bem específico (Judá
e Jerusalém), tem sido a literatura profética mais lida e pregada pela
igreja na atualidade. Apresentar um esboço geral de seus sessenta e

138
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seis capítulos não é tarefa tão difícil. O problema tem início quando se
começa a perguntar se o conteúdo dos capítulos foi, de fato, escrito por
um mesmo autor. Isso porque os capítulos 40-66 acabam tendo um
linguajar um pouco diferente e uma mensagem mais característica sobre
esperança. O que a tradição justificaria dizendo que isso teria ocorrido
pelo longo período de ministério do profeta. Se for assim, ele teria escrito a
parte inicial mais no início de seu chamado e a parte final mais para o fim
do seu chamado, sem contar que há muito mais palavras que aparecem
nas “duas partes” do que vocábulos distintos.

As discussões são muitas e não gastaremos energia com elas aqui.


A seguir apresentamos um esboço mais pormenorizado, dividindo o livro
em catorze partes, relacionadas entre si. Mas antes vejamos a divisão mais
usual, em quatro partes. Independentemente do fato, se vamos crer ou não
em um ou mais autores, estes quatro assuntos são bem perceptíveis:

01-35 Profecias de condenação a Judá e às nações inimigas;

36-39 Narrativa sobre a invasão de Senaqueribe a Judá;

40-55 O Servo Sofredor;

56-66 A restauração de Israel.

Para aqueles, porém, que o dividem a partir de seus vários possíveis


autores, a primeira parte (Is 36-39) pertenceria ao profeta Isaías, do oitavo
século; a segunda (Is 36-39) seria um apêndice secundário ao livro do
profeta do oitavo século, talvez pouco tempo depois; a terceira (Is 40-55)
teria sido composta por um segundo autor ou grupo e, normalmente, é
chamada de Deutero-Isaías ou Segundo Isaías; e, por fim, Is 56-66 deve ter
sido escrito por alguém que viveu no período pós-exílico, e é denominado
de Trito-Isaías ou Terceiro Isaías. Seguindo esta teoria de divisão em
mais autores, para Montagnini (1993, p. 13s), é importante destacar que
a vida e obra do primeiro Isaías certamente impactou tanto que outros
personagens se sentiram encorajados a continuar sua missão.

Independentemente se a obra é de autoria única, composta ou


mesmo anônima, como alguns livros que já estudamos. Quando olhamos
para o seu todo, podemos perceber certa estrutura a partir do que

139
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chamamos de Paralelismo Estrutural (MORAES, 2020, p. 95-98). Quando


lemos o quadro a seguir, conseguimos ver a similaridade entre o conteúdo
das partes que são equivalentes. Por exemplo, restauração (A e A’), o estilo
em narrativas (em B e B’) e assim sucessivamente.

Quadro 10: Esboço de Isaías a partir de uma proposta de Paralelismo


Estrutural

A Is. 1-5 Destruição e restauração de Judá


B Is. 6-8 Narrativa
C Is. 9-12 Agentes de bênção e julgamento
D Is. 13-23 Oráculos contra nações estrangeiras
E Is. 24-27 Julgamento e libertação do povo
F Is. 28-31 Sermões éticos
G Is. 32-33 Restauração de Judá e reino davídico
A’ Is. 34-35 Paraíso perdido e recuperado
B’ Is. 36-39 Narrativa
C’ Is. 40-45 Agentes de libertação e julgamento
D’ Is. 46-48 Oráculos contra Babilônia
E’ Is. 49-55 Redenção através do servo do Senhor glorificação de Israel
F’ Is. 56-59 Sermões éticos
G’ Is. 60-66 Paraíso recuperado

FONTE: DILLARD; LONGMANN III, 2006, p. 269.3

4.2.3 Principal destaque do Livro de Isaías


Dentro da temática deste capítulo, Isaías se destaca porque das
seis vezes que o AT usa a expressão “dia para Yavé” quatro delas é citada
pelo nosso profeta. O detalhe é que ele chama a atenção: em vez de ser
um dia para o livramento do seu povo, como era comum se crer, nosso
personagem redireciona o foco a Deus. É também dia favorável (Cf. Is

3 Este quadro foi criado a partir da tabela apresentada pelos autores citados. Com
duas diferenças básicas: eles chamam de abordagem bipartida de Isaías e, em vez de
usar as letras em maiúsculo, sinalizam cada seção com números de 1 a 7.

140
< voltar

61.1-2), mas é o momento que o Senhor escolheu para manifestar Sua


justiça. Por isso, nada mais natural que dizer que o referido período,
prioritariamente, seria um dia para o Senhor (Is. 2.12, 22.5, 34.8, 61.2).

Ainda, diferentemente dos demais profetas que trazem


esclarecimentos sobre o juízo divino, Isaías consegue descrever bem
claramente que tal julgamento é alegria para os justos, mas tragédia e
tristeza para os iníquos. Porque neste dia o Senhor estaria se vingando de
seus inimigos (Is 34.8, Is 61.2 Is 63.4).

Por fim, e talvez o maior destaque quanto a este aspecto, mesmo sendo
um profeta fruto de sua época, mensageiro direto de seus conterrâneos,
o profeta Isaías é o que mais profecias possui que podem ser aplicadas
diretamente na vinda do Messias. Que, como já mencionamos anteriormente,
é quando o dia de Yavé, de fato, se inicia sobre a face da terra.

Assim como o mais acertado seria se referir aos Salmos com


mensagens messiânicas, não como salmos messiânicos, mas com
mensagem ou aplicação messiânica, para Isaías podemos dizer a mesma
coisa. Por mais que possamos ver claramente a aplicação plena de muitas
de suas mensagens na vida do Cristo, mesmo assim as palavras de nosso
profeta veterotestamentário ainda tinham uma aplicação inicial para o seu
povo, que viveu quase setecentos anos antes do nascimento de Jesus.

Em outras palavras, não proibimos o uso ou as releituras das palavras


de Isaías, a partir de um viés cristológico. Só não concordamos com o uso
excessivo e, até mesmo, abusivo de suas palavras. Infelizmente, muitos
acabam retirando-as do contexto inicial e aplicam-nas diretamente e sem
qualquer filtro à vida e obra de Jesus. Todavia, o oposto também não pode
ser aceito. Imaginar que Isaías está tão longe da era do Messias que nada
deveria ser aplicado a Jesus também é outro caminho extremado e perigoso
a ser seguido. Quando se trata do texto do livro de Isaías, precisamos ler e
estudar tais ensinos pensando em: primeiramente, qual foi sua mensagem
para o seu povo; depois, se a porção que estivermos estudando teria, de
fato, algum relacionamento com o ministério de Cristo; e, por fim, o que as
palavras de um profeta que viveu há quase três mil anos continua a nos
dizer como povo de Deus e como mundo. Vejamos a seguir o que o profeta
Habacuque tem a nos ensinar sobre o julgamento de Yavé.

141
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4.3 O Livro do Profeta Habacuque


De forma direta, este profeta não toca no assunto “dia de Yavé”, todavia
sua principal queixa é sobre o julgamento que Deus estaria planejando
sobre Seu próprio povo. Pior, sob a perspectiva de Habacuque, até seria
uma punição justa. Porém, nosso profeta entra em crise, quando percebe
que Deus estaria usando a Babilônia, um povo ímpio, para ensinar a Judá
sob a importância de se andar em conformidade com os ensinos divinos.

Pelo fato desta temática em torno do julgamento e condenação


à chamada nação santa, optamos em estudá-lo aqui, neste capítulo.
Curiosamente, ele poderia ter sido trabalhado em qualquer um dos outros
capítulos desta obra, afinal, no capítulo dois trabalhamos os assuntos
relacionados ao julgamento de Deus contra a idolatria e a pecaminosidade;
no capítulo três, mostramos os profetas que foram ousados ao deixar
transparecer suas opiniões, e aqui estamos trabalhando a ideia do
dia de Yavé: dia de julgamento e salvação. Por questão muito mais de
aproximação histórica, então o trouxemos para ser discutido aqui.

Quando Isaías anuncia sua profecia, também o faz para Judá, mas
o faz sob a ótica da corte e, principalmente, quando as tribos do norte
ainda existiam. Agora, Habacuque está percebendo que o julgamento
de Yavé está cada vez mais próximo, o que, poucos anos mais tarde,
virá a ser conhecido como o cativeiro babilônico. Assim como Oséias e
Amós foram decisivos, como os últimos profetas para as dez tribos de
Israel, Habacuque, Sofonias (o profeta ser estudado na próxima seção)
e Jeremias (que será estudado no livro sobre os profetas exílicos) são os
últimos profetas enviados para chamar o povo ao arrependimento. Mas,
como os três são ignorados, o julgamento virá na forma de um rápido
domínio sob o Egito e, principalmente, como cativeiro sob o domínio o
império de Nabucodonosor, rei da Babilônia.

Sicre (2008, p. 279-283) nos conta sobre este período de cerca de


cinquenta anos finais da monarquia em Judá. No cinquentenário anterior
(692 a 642 a.C.), o terrível Manassés é quem dominava Judá. Além de
ímpio, déspota e muito cruel, Manassés tinha uma postura bem favorável
aos assírios. Quando deixa seu trono ao seu filho Amon, inicia-se um

142
< voltar

período de crise interna bastante acirrada. Só para se ter uma ideia de


tamanha instabilidade, enquanto Manassés ficou no poder por cinquenta
anos, nos últimos cinquenta e seis anos da monarquia em Judá (642 a
586 a.C.) passaram seis reis pelo trono. Três deles ficaram somente dois
anos e meio, no total.

Além da crise interna, o cenário de política externa também não tinha


nada de tranquilo. Durante o reinado do neto de Manassés, Josias, que
reinou entre os anos 640 a 609 a.C., a Assíria acabou sendo invadida por
vários inimigos, até que por fim, em 612 a.C., acabou sendo conquistada
por Nabucodonosor. Neste momento de fraqueza e instabilidade, o Egito
acaba investindo seus interesses sobre a terra de Israel; e neste jogo
de interesses e jogadas políticas, os últimos reis de Judá acabaram se
deixando dominar pelos babilônicos, que em três grandes levas (605,
598 e 586 a.C.) acabaram por conquistar toda a região, destruir o templo,
juntamente com a cidade de Jerusalém e levar a grande maioria dos
judeus para o cativeiro.

Neste meio de instabilidade, golpes políticos e rebeldia contra os


princípios de Yavé surge então o profeta Habacuque. Convém salientar
como bem destaca Sicre (2008, p. 285) que este profeta, embora um
verdadeiro desconhecido, consegue ser um símbolo de um novo momento
profético no qual o profeta não apenas transmite o que recebe de Deus,
mas ciente da total ação divina na história global, ousa a questionar. Ele
busca a Deus atrás de respostas para suas inquietações. Outro profeta
que segue esta mesma linha de relacionamento é o profeta Jeremias.
Aqui, em nosso personagem de estudo, é a partir deste diálogo entre o
profeta e seu Senhor que surge a profecia, a mensagem que servirá tanto
aos seus contemporâneos como também àqueles que ainda viriam.
Diferentemente de outros mensageiros que recebiam visão, sonho ou
êxtase, Habacuque tem seu “oráculo” depois de muita oração e reflexão.

Outro detalhe peculiar a Habacuque é que, diferentemente de outros


profetas que olhavam muito para a dor de seu próprio povo, nosso profeta
em estudo tem sim empatia por Judá, mas seu clamor vai em favor de todas
as pessoas menosprezadas e destruídas pelo poder imperialista, que tinha
alegria em simplesmente destruir o mais fraco. Sua grande inquietação “situa-

143
< voltar

se em uma perspectiva universal, olhando para todos os países saqueados


(2.8), destruídos (2.10), humilhados (2.15s) pela grande potência. Às custas
deles a Babilônia enriqueceu-se (2.7,9).” (SICRE, 2008, p. 435).

Seu nome tem sido tradicionalmente traduzido como “abraço”,


demonstrando sua expectativa de se colocar no lugar do outro e interceder
por ele. Porém Coelho Filho (2002, p. 75) destaca outras possibilidades: a)
um tipo de planta ornamental; b) alguém interpretou como sendo uma
derivação do árabe kibikkatum, que significa anão, o que designaria a
baixa estatura do profeta; c) Jerônimo teria entendido como um abraço
de luta.; d) Fafasuli defende que significaria que ele “lutou” com Deus,
em seu diálogo. Resumindo, concordamos com ele, quando finaliza sua
fala dizendo que a definição de Jerônimo seria a mais acertada. Pois ela
retrata a intimidade que o profeta tinha com Deus e, ao mesmo tempo,
sua persistência em buscar a revelação divina.

4.3.1 Produção do Livro de Habacuque


Segundo Kunstmann (1983, p. 127), embora não saibamos muita
coisa sobre o profeta em si, podemos determinar a data de seu ministério
entre os anos 625 a 605 a.C. Isso porque sua mensagem trabalha o
período de assolação dos egípcios e babilônios. Ele ainda afirma o fato
de ele ter sido contemporâneo a Jeremias. Nós ainda o colocamos como
contemporâneo também do profeta Sofonias.

De fato, é um dos profetas do qual menos conhecimento temos


acerca de sua própria pessoa. É deveras curioso, pois embora não tenha
sido registrado nenhum detalhe que pudesse identificá-lo dentro da
história de seu povo, ou, pelo menos, sua linhagem familiar, é um dos
poucos homens de Deus que deixa transparecer sua “alma”. Isso talvez
tenha ocorrido por conta da importância do nome para a cultura hebreia.
Conhecer o nome era sinônimo de conhecer a essência de alguém.
Mesmo porque “o nome estava relacionado à natureza do caráter da
pessoa” (SMITH, 2001, p. 111).

Desta forma, muito mais importante do que saber a genealogia


do profeta ou a cidade de sua origem, certamente era poder perceber sua

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determinação de “abraçar” a Deus no sentido de buscar sua intimidade


e revelação. É uma obra riquíssima em poesia e, segundo Gusso (2017,
p. 103), embora consiga misturar muitos gêneros literários diferentes, o
profeta segue uma estrutura bastante lógica e clara.

Além disso, um exímio admirador da natureza: a) conhecia a


rapidez do leopardo, a ferocidade dos lobos e a pressa da águia em devorar
a presa (1.8); b) sabia sobre as atividades pesqueiras e o movimento dos
répteis (1.14-17); c) entendia a ação da natureza, como a movimentação
da areia no deserto (1.9) e a força do vento (1.11); d) sabia acerca das
aves que construíam seus ninhos em lugares protegidos dos inimigos
(2.9); e) estava atento às ações de política externa, pois reconheceu que o
inimigo seria castigado por ter destruído as árvores do Líbano e os animais
silvestres (2.17) (CRABTREE, 1971, p. 233). De fato, um profeta inteirado
sobre o seu mundo e as coisas que o cercavam e, principalmente, que
conhecia a história de seu povo, como testemunho vivo do agir de um
Deus atuante, poderoso e libertador (3.3,5,9,11-15).

A seguir, analisaremos um pouco a estrutura na qual o profeta


elaborou sua profecia.

4.3.2 Estrutura do Livro de Habacuque


O autor do livro é bastante desconhecido, mas sua mensagem é
uma das mais conhecidas, dentre os profetas, nos dias de hoje. Isso,
provavelmente, porque, além de sua estrutura se mostrar bastante
simples, o profeta trata de assuntos que ainda hoje incomodam a muitos
crentes: Por que o justo sofre? A seguir, são apresentados dois modelos
de esboço: um mais básico, que seguiu a própria divisão habitual em
capítulos; outro, um pouco mais dividido.
Cap. 1 – Castigo de Judá
1.1 Título geral
1.2-4O profeta grita por socorro
1.5-11 Yavé mostra o castigo que viria dos caldeus
1.12-17 O profeta questiona a Deus: como pode usar um
povo cruel

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Cap. 2 – O castigo dos Caldeus


2.1 O profeta aguarda a reposta divina
2.2-3 Deus dá instrução para escrever a visão
2.4 O oráculo da consolação
2.5-20 Visão de destruição final em 5 ais
Cap. 3 – A oração do profeta
3.1 Título
3.2 Clamor por avivamento
3.3-15 Poesia sobre o grande agir de Deus na história
3.16-19 Declaração de confiança do profeta
(FRANCISCO, 1979, p. 166s)

Agora, a proposta de Sayão, dividida em sete partes que procuram


agrupar os versículos a partir de sua conexão temática:

1.1 Título Introdutório da Profecia


1.2-4 Por que Deus permite a injustiça?

1.5-11 Deus responde: os caldeus serão seus instrumentos de


juízo

1.12-2.1 Como um Deus santo pode utilizar os ímpios a seu


serviço?

2.2-4 Deus responde: Deus também punirá os caldeus. O justo


viverá pela fé

2.5-20 Cinco ais contra a injustiça

3.1-19 Salmo de glorificação a Deus

(SAYÃO, 1993, citado por COELHO FILHO, 2002, p. 77s)

Os autores Dillard e Longaman III (2006, p. 394) fazem dois


destaques interessantes, a partir da estrutura de Habacuque: a) a parte
dos ais, eles usaram como título a cada ai, respeitando a ideia poética
adotada pelo profeta. O primeiro ai fala sobre “o saqueador saqueado”; o
segundo, acerca de “o conquistador envergonhado”; o terceiro ai seria uma

146
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palavra prometendo ruínas ao construtor; o quarto, garante vergonha ao


desavergonhado; e o último ai menciona que todo aquele que diz que um
madeira ou pedra é ídolo será calado; b) outro destaque feito por eles diz
respeito ao título do salmo final, em vez de falar sobre a glorificação de
Yavé, dão-no como título “o salmo de submissão de Habacuque (3.1-19)”.

Talvez o ideal seria criarmos um título que valorizasse esta grande


verdade: o reconhecimento do profeta, de seu lugar diante de um Deus tão
santo. Por isso propomos como título para o terceiro capítulo de Habacuque
a seguinte declaração: Salmo sobre a submissão de Habacuque e sua
glorificação a Deus. Outra pequena mudança diz respeito aos versículos
finais. A Bíblia de Jerusalém sugere que Hc 3.16-19 não faria parte do
salmo, mas de uma conclusão a todo o livro. Acreditamos que isso seja
bem provável e também estaria em conformidade com o primeiro esboço
apresentado. Todavia, mais importante do que a discussão se o profeta
conclui o livro com um salmo, ou com uma declaração específica, após o
salmo, é perceber que ambas as formas nos dão a conhecer um profeta
extasiado de alegria e confiança diante do agir de Deus, independentemente
das coisas ocorrendo ao seu derredor.

Isso sem dúvida tem a ver com sua performance como poeta, de grande
qualidade que era. Sua habilidade de estar atento ao mundo ao seu redor,
aos grandes feitos divinos ao longo da história, associada à sua capacidade
poética de estrutura, o ajudou a chegar a este desfecho tão significativo.

Eis alguns exemplos de sua maestria poética. Além dos paralelismos


e das canções que compõe, segundo Crabtree (1971, p. 233), Habacuque
usa muito a linguagem figurativa. Neste pequeno livro encontramos:
a) analogias por meio de símiles, como os cavalos mais rápidos que
leopardo (1.8), juntar prisioneiros como areia empurrada pelo vento (1.9),
humanidade como bando de peixes (1.14); b) faz uso de metáforas,
chamando Deus de Rocha (1.12); c) adota a prática de personificação,
quando diz que a pedra clama da parede e o travessão do madeiramento
(2.11); d) perguntas retóricas, que em vez de interrogar servem como
afirmação categórica (1.2,14,17; 2.6,7,13,18; 3.8). Dito isso, passemos a
ver alguns destaques deste curto, mas riquíssimo livro.

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4.3.3 Destaques do Livro de Habacuque


e Aplicações para os Dias de Hoje
Nos versos iniciais, o profeta apresenta diante de Deus sua agonia
diante de tanta injustiça ao seu redor. Na verdade, para ele o problema
maior não seria a iniquidade em si, pois ele sabia que estava num mundo
caído. Sua grande crise teológica se dá pelo fato da aparente apatia e inércia
divina, diante de tanta coisa ruim acontecendo. Em outras palavras, sua
principal aflição se dava ao observar que, aparentemente, Deus não estava
fazendo nada para livrar os justos de seu povo, da mão dos malfeitores.
Lembremos o que destacamos em nosso terceiro capítulo: não há
problema algum em se aproximar de Deus, abrindo o coração e expondo o
que incomoda o fundo de sua alma. Habacuque faz isso e, como veremos
mais adiante (2.1), o profeta buscava em Deus o seu auxílio, sua resposta
e, porque não, sua razão de viver. Ele estava momentaneamente chateado,
mas buscava em seu Senhor algo que o ajudasse a superar sua crise.

O fantástico de nossa caminhada com Deus é que ele atende seu


povo. Em Hc 1.5-11, o profeta já mostra a resposta divina à sua aflição,
apresentada nos versículos anteriores. Acostumados a uma vida de
ilusão, muitos imaginariam uma resposta que, de imediato, já resolvesse
a angustiante tensão de Habacuque. Mas Yavé é Deus supremo, sublime
e transcendental. Jamais poderá ser perscrutado em totalidade e tão
rapidamente. Por isso, quando o Senhor responde ao profeta, em vez de
alívio, traz ainda mais inquietação. Deus logo traria juízo contra os terríveis
malfeitores, por meio da instrumentalidade da Babilônia, outra nação
ímpia e perversa.

Esta é a segunda queixa do profeta “contra” Yavé. Como seria possível


que seu povo, a nação escolhida, estaria sob o juízo de povos tão iníquos
(1.12s)? Como bem descreveu Coelho Filho (2002, p. 81), “Como é que
pode? Para punir a maldade, Deus vai enviar uma nação que é muito mais
violenta para punir alguns violentos!”. Isso mesmo, além disso o profeta
ainda continua questionando: a) “por que Deus se cala, quando os caldeus
destroem os demais?”; b) como Yavé deixaria os habitantes de Judá sem
liderança?; c) os babilônios continuariam matando e saqueando, pior, com

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a autorização divina? Assim é o agir de Deus. Para além da compreensão


e idealização humana. Como Ele mesmo disse ao profeta Isaías: “Porque
os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos
caminhos, são os meus caminhos, diz o Senhor.” (Is 55.8).

Em Hc 2.1, há a postura tão nobre do profeta. Subir em sua torre de vigília


para aguardar a nova resposta divina, à sua nova crise existencial-teológica.
Exatamente o que seria este lugar, não sabemos. Muito provavelmente,
semelhante à sentinela de uma cidade fortificada, que ficava atento aos
acontecimentos ao derredor, para então soar o alarme, quando necessário,
Habacuque devia ter um local próprio para buscar a Deus.

Um dos dois trechos mais conhecidos do profeta Habacuque, sem


dúvida, é a declaração em 2.4 de que “o justo viverá por sua fé”. Embora
muito conhecida, às vezes mal interpretada. Pode soar a falsa ideia de
que basta ter fé e nada mais. À semelhança do perigo que espreitava a
congregação do apóstolo Tiago. Mas no AT não se tinha este conceito tão
abstrato. Fé aqui não diz respeito apenas a um sentimento. Tem muito
mais a ver com um estilo de vida. Uma crença em Deus, que levava o justo
a viver por Ele e com Ele. Por isso a melhor tradução aqui seria “o meu
justo viverá por sua fidelidade”. Isso porque o fiel, além de crer, é leal e vive
constantemente unido ao seu senhor. Em outras palavras, fé, aqui, é crença
associada à obediência, como era o entendimento geral em todo o AT.

Uma aplicação que precisa estar em nossas mentes e ações é


nosso senso de ligação com a natureza. Assim como o profeta era tão
conhecedor do meio ambiente ao seu redor, precisamos, como povo de
Deus, nos importar mais com o mundo onde moramos. Obviamente, não
devemos considerar nosso planeta como nossa “mãe Terra”, isso não.
Seria ir além do que realmente somos. Mas, com certeza, precisamos
resgatar o mandamento inicial dado por Deus ao primeiro casal, que
ambos deveriam cuidar do jardim. Devemos cuidar do nosso planeta
por ser ele a nossa casa e, principalmente, por pertencer ao nosso Deus.
Estamos de passagem e somos apenas mordomos daquilo que Deus nos
dá o direito de ter.

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Outro ensino de Habacuque, bem atual, é a chamada lei da


semeadura. O adágio fala em se “devolver na mesma moeda”. Infelizmente
não é tão simples descobrir quando um determinado ensino vira ditado
popular. Mas, com certeza, este princípio já aparece na resposta divina a
Habacuque. Nos cinco ais, Yavé é muito enfático ao demonstrar que cada
um receberá conforme sua própria filosofia de vida: o saqueador seria
saqueado (2.6-8), o conquistador passaria vergonha (2.9-11), o construtor
estaria em ruínas (2.12-14), o zombador será envergonhado (2.15-18) e,
aquele que diz que um ídolo é alguma coisa, será silenciado.

De fato, uma verdade mais do que clara e muito presente em seus dias.
O profeta Oséias já havia dito, de forma semelhante, por meio de um provérbio:
“certamente, os que semeiam vento, colherão tufão” (Os 8.7). O apóstolo Paulo
também concordava com tal filosofia. Tanto que, quase setecentos anos
mais tarde, vem destacar: “Não vos enganeis: Deus não se deixa escarnecer.
Portanto, tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7).

Em Hc 2.20, no quinto ai, além de dar uma palavra dura contra


os idólatras, nos serve de alerta no sentido de que Ele é Deus e,
consequentemente, sabe o que faz. Precisamos estar mais atentos ao
seu agir e menos questionadores acerca de seus métodos. Certamente
uma dica aos propensos murmuradores, que vão até o Senhor, não para
se apegar à sua revelação e à sua santidade, mas apenas para reclamar,
como se soubéssemos o melhor sobre tudo.

A outra das duas passagens mais conhecida deste pequeno livro


é sua declaração de fé (Hc 3.17-18). O profeta chega à presença de
Deus abatido com o sofrimento do justo e, de certo modo, indignado,
com a falta de reação divina. Mas conclui a sua obra declarando que,
independentemente das circunstâncias, sua alegria estaria no Deus do seu
livramento. O profeta usa a expressão “minha salvação”, mas precisamos
lembrar do significado disso em todo o AT. Inicialmente, tinha muito mais
uma conotação de algum livramento físico do que salvação espiritual,
como estamos acostumados.

Notemos bem: o profeta já se sentia em condições de se alegrar em


Deus, mesmo sem saber o que sabemos sobre a eternidade. Infelizmente
não tem sido pouca, nos últimos tempos, a quantidade de cristãos que,

150
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sob a ilusão encantadora desta vida, passageira e transitória, “perdem” sua


fé na primeira dificuldade ou obstáculo que a vida apresenta. Devemos,
mais do que nunca, evocar a experiência do profeta que percebeu que o
agir e os planos de Deus são muito mais elevados do que as questões
corriqueiras deste presente século. Como diria o apóstolo Paulo: “se
esperamos em Cristo apenas para esta vida, somos os mais miseráveis
de todos os homens”.

Muitos usam e pregam os versículos 17 e 18, mas, se o fizerem sem


ligação ao verso anterior e, concomitantemente, ao próprio livro, correm o
grande risco de usarem esta rica porção da Palavra de Deus apenas como
algo mágico ou automático. O profeta consegue ter esta compreensão
e chegar a esta escolha de vida porque, como declara em 3.16, teve um
momento de aproximação e intimidade com Deus. Lembremos que isso
não veio por acaso, nem rapidamente, o profeta buscou ao Senhor e
perseverou nesta busca. Infelizmente, hoje, tem sido muito comum querer
tudo imediatamente ou, como costumamos dizer, “tudo pra ontem”. Mas
Yavé continua o mesmo. Nós é quem precisamos nos adequar aos Seus
desígnios e à sua vontade, e jamais Ele à nossa.

Embora o profeta não mencione a expressão “o dia de Yavé”, ele


enfatiza que Deus é o Senhor de toda a terra e que julgará toda e qualquer
nação que exceder os limites de sua justiça. De certo modo, também
trabalha os dois grandes temas deste dia de julgamento: a punição aos
ímpios, independentemente de quem sejam, e a alegria que sobreviria aos
justos, resgatados pela justiça poderosa do Senhor.

Por fim, a última e talvez maior aplicação de Habacuque para os


dias de hoje é o fato de que muitas vezes, não temos nossas perguntas
respondidas a contento, mas, indubitavelmente, mesmo que Deus não
explique o problema, Ele certamente consola seus servos. Conforme
destaca Crabtree (1971, p. 247), assim como ocorreu com Jó e Habacuque,
muitas vezes Deus “não explica perfeitamente o problema do sofrimento
dos homens justos ou inocentes, mas oferece [...] uma mensagem de
conforto e de vida, preciosa a todas as pessoas justas e inocentes que se
entregam confiadamente ao cuidado do Senhor.”. Em outras palavras, em
vez de descobrirmos o porquê das coisas, é muito mais vantajoso saber
“com quem” enfrentaremos tais coisas.

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A seguir, analisaremos o livro do profeta Sofonias, o último deste


período pré-exílico. Diferentemente de Habacuque, suas palavras são
severas contra seu próprio povo porque, mesmo diante de tantos avisos
divinos anteriores, continua irredutível em seu caminho de pecado,
corrupção e impiedade.

4.4 O Livro do Profeta Sofonias


O livro de Sofonias também é um livro relativamente curto,
com cinquenta e três versículos, mas muito enfático ao convidar seus
conterrâneos ao arrependimento. Ele faz isso, principalmente, a partir da
percepção que tem acerca do grande dia de Yavé. O profeta sabe que
Deus estaria prestes a manifestar sua justiça e seu povo estaria em Sua
agenda purificadora.

Apesar de o profeta ter se apresentado de forma tão clara, indicando


até seu quarto antecessor, hoje em dia nada se sabe acerca de Sofonias.
Por exemplo, como seu maior ancestral foi indicado como Ezequias,
alguns acreditam que Sofonias seria da corte real. Enquanto outros, por
seu primeiro ancestral ser chamado de Cuchi, defendem que ele seria filho
de escravos. Segundo Sicre (2008, p. 284), porém, este acúmulo de nomes
serviria apenas para esclarecer que seu pai não era estrangeiro (Cusita ou
núbio), mas alguém que, além de ser judeu, era adorador de Yavé. Coelho
Filho (2002, p. 97), por sua vez, não vê dificuldade em encará-lo como
sendo de fato descendente de linhagem nobre.

De qualquer forma, todos concordam que ele era judeu e conhecia


bem a situação de seu povo. Diante da realidade de corrupção e impiedade,
as reformas propostas por Josias ainda não haviam começado. Segundo
Sicre (2008, p. 284s), por conta de sua pregação ser tão forte contra o
sincretismo (1.4s), da referência ao castigo contra Nínive (3.13-15) e do
fato de a profetisa Hulda ser consultada em 622 a.C. (Cf.II Rs 22), o que
indicaria que Sofonias já tivesse morrido, parece ser mais sensato situá-lo
nos primeiros anos do rei Josias. Sendo assim, o ministério de Sofonias
teria ocorrido entre os anos 639 a 630 a.C.; e provavelmente ele tenha sido
um grande incentivador das reformas impostas por este rei.

152
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O contexto político é o mesmo do profeta Habacuque. A Assíria


está em declínio, a Babilônia está pestes a sair de simples colônia assíria
para se tornar a próxima potência mundial, o Egito tentava marcar território
em Canaã, as tribos do norte já haviam sido dizimadas pelos assírios há
quase um século, e Judá, após a morte de Manassés, está passando por
uma terrível instabilidade política (COELHO FILHO, 2002, p. 99).

Ainda, segundo esse mesmo autor, quanto ao contexto religioso,


a situação era ainda pior. O terrível Manassés conseguiu conduzir Judá
ao pior patamar de sua espiritualidade. Chegaram a ser piores do que os
canaanitas que haviam sido destruídos por Josué. Sua degeneração foi tão
grande que mesmo a profunda reforma religiosa implantada pelo rei Josias
não foi capaz de libertar totalmente o povo de suas práticas pecaminosas.

Diante de um contexto tão pesado e corrompido, Sofonias acaba


tendo uma mensagem forte, com palavras severas, com uma postura
de confronto direto ao arrependimento e, principalmente, com um
conteúdo de julgamento universal, inclusive sobre seu próprio povo.
Isso tudo tem levado alguns a considerarem-no como “o mais duro dos
profetas [...] fundamentalmente, um profeta de condenação” (FRANCISCO,
1979, p. 161). Embora, concordemos com tamanha dureza e ênfase na
reprovação, nosso profeta também tinha palavras de alento. Dezesseis de
seus cinquenta e três versículos são de esperança para o justo, cerca de
trinta por cento de sua obra.

4.4.1 Produção do Livro de Sofonias e sua Estrutura


O livro, como diria Sicre (2008, p. 285), está mais para um folheto,
considerando seu tamanho. Isso, contudo, não diminui em nada o poder
de suas palavras. Mesmo que alguns considerem que os dezesseis versos
que falam de benevolência divina não sejam do profeta, somos da opinião
de que Sofonias é o autor de todo o livro que leva o seu nome. Além disso,
assim como ele é bem expressivo ao mostrar suas ideias, da mesma
forma como é taxativo em descrever a ira de Yavé, também deixa claro a
redenção divina, planejada para os poucos justos.

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Neste sentido, segundo Coelho Filho (2002, p. 102), embora sejam


assuntos “contrastantes: ira e redenção, elas não são excludentes e
caminham lado a lado, em toda a Bíblia.”. Esse autor continua destacando
que o profeta fala de julgamento contra Judá (1.2-6) e contra as nações
estrangeiras (2.4-3.8). A grande diferença deste nosso profeta em relação
aos demais que viam julgamento para o próprio povo é que aqui Judá
é tratada “não como nação especial, do pacto, mas como uma nação
gentílica, fora do pacto, sujeita a juízo” (p. 103). E mesmo ao final, quando
Sofonias fala de salvação, não o faz pensando só em seu povo, mas a
anuncia a todas as nações, a toda e qualquer pessoa que invocasse o
nome do Senhor (3.9). Podemos observar melhor isso no esboço a seguir:
1.1-2.3 O dia do Senhor castigará o povo de Deus

2.4-3.8 O dia do Senhor punirá os inimigos de Deus

3.9-20 O dia do Senhor restaurará os fiéis de Deus

(COELHO FILHO, 2002, p. 103)

Não achamos outra proposta que fosse díspar. As diferenças


encontradas são em torno das palavras em si. Todos os autores
consultados seguem a mesma divisão e a mesma ideia tripartite:
condenação a Judá, às nações e redenção do fiel.

Todavia, algo fora do comum, a despeito de ser um livro tão


curto, é a riqueza de detalhes do que ocorrerá no dia de Yavé. Segundo
Francisco (1979, p. 162), o dia do julgamento será: a) iminente, amargo
e até o poderoso sentirá (1.14); b) é dia de terror (1.15); c) será seguido
de “grande convulsão da natureza” (1.15); d) é dia de guerra (1.16); e) é
para julgamento contra o pecado (1.17); f) cairá sobre toda natureza (1.2s;
2-4-15); e g) “apenas um resto sobreviverá e gozará a era messiânica (2.3;
3.9)”. Note que, num primeiro momento, parece se tratar de um evento
mais específico, mas por fim o profeta deixa transparecer que este dia
será uma era, ou algo parecido.

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4.4.2 Destaques do Livro de Sofonias e Aplicações


para os Dias de Hoje
Quando o profeta menciona a destruição total (1.2), certamente
está em vista aquela imagem incompleta acerca do dia de Yavé. A partir
da teologia do NT, sabemos que haverá de fato um dia em que tudo isso
que conhecemos será destruído, quando do retorno de nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo. Mas para o profeta parecia algo a acontecer antes,
inclusive, do arrependimento dos fiéis.

Em Sf 1.5-6 há três tipos ou espécies de pecadores que serão


eliminados da face da terra: “a) os que estão divididos em sua aliança com
Yavé; b) os que uma vez serviram a Yavé, mas depois o abandonaram; c) os
que nunca procuraram a Deus” (FRANCISCO, 1979, p. 162). Infelizmente,
estes pecadores estavam dentro da própria cidade de Jerusalém. Faziam
parte do povo de Deus.

O deus canaanita, adorado em Jerusalém e denunciado por Sf 1.5c, é


o mesmo deus “Moloque, Moleque, Malcom ou Milcom” ou ainda Melcom,
dependendo da versão bíblica utilizada. São todos nomes para a mesma
divindade, “era o planeta Saturno divinizado. O seu culto existia principalmente
entre os primitivos habitantes de Canaã, e entre os amonitas, fenícios e
cartagineses.”. O culto consistia em jogar as crianças nos braços da estátua
deste deus e dali elas caiam numa fornalha onde eram queimadas vivas
(SCOTT, 1982, citado por COELHO FILHO, 2002, p. 108).

Em Sf 1.8 é descrito que a família real seria condenada por usar


trajes estrangeiros. Muito provavelmente como símbolo de orgulho e
vaidade (HENRY, 2004, p. 721).

A expressão “suas fezes”, de Sf 1.12, diz respeito à borra do vinho.


Uma figura de linguagem para demonstrar que, assim como o vinho fica
sobre sua borra, os pecadores permanecem sobre seus atos pecaminosos,
como se nada tivesse acontecendo. Eles chegavam inclusive a declarar:
“o Senhor não faz o bem nem o mal”, como se Deus não ligasse para suas
práticas erradas e distorcidas.

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O profeta ironiza (Sf 1.18) dizendo que o dinheiro não servirá para
nada. Isso porque os poderosos tinham a ilusão de que seu poder resolvia
e comprava tudo. Certamente um ensinamento ainda muito importante
para os dias de hoje. Ainda hoje e, às vezes, até dentro da igreja, há pessoas
que acreditam que estão isentas de qualquer tipo de prestação de contas.
Pior, agem como se seu poder, dinheiro ou status pode resolver e livrá-los
de qualquer situação.

À semelhança de outros profetas, Sf 2.3 pede arrependimento, mas


não o condiciona ao livramento. Isso continua sob os desígnios divinos.
Ele tem total decisão sobre reverter ou não as consequências do pecado
do povo.

Todo o capítulo dois se dedica a destacar o julgamento divino


contra as nações. Isso porque Yavé não é Deus apenas de e sobre Israel.
O Senhor é dono de todo o universo. Ele controla tudo e todos e, inclusive,
permitirá adoração para além das fronteiras de Seu povo. Sf 2.11 destaca
um determinado período em que Deus seria louvado e adorado por
pessoas de todas as nações.

Sf 2.13- 15 faz uma declaração não somente sobre a queda de Nínive,


mas sobre o fato de ela ser varrida da face da terra. Curiosamente, apesar
de seu tamanho, importância e riqueza, a cidade de Nínive foi conquistada
pelos babilônios e pouco tempo depois abandonada e soterrada pela areia
do deserto. Até pouco tempo, alguns nem acreditavam em sua existência.
Isso só mudou depois que os arqueólogos a descobriram, há pouco mais
de um século.

O profeta volta a criticar a postura dos pecadores dentre o povo de


Judá. Em Sf 3.1-4, o alvo agora são os líderes. Seus oficiais, que deveriam
guardar o povo, são os primeiros a “devorá-lo”. Até mesmo os profetas
e sacerdotes, tidos como representantes de Deus e sua santa lei, eram
levianos, traiçoeiros e profanos. Infelizmente o povo de Judá estava
padecendo exatamente pelo que o profeta Oséias havia declarado sobre
os seus conterrâneos do norte: o povo estava padecendo porque não
tinha comunhão com seu Deus; isso, em grande parte, porque a liderança
não estava fazendo o seu papel.

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Por fim, em Sf 3.14-17, o profeta convida o povo a jubilar na


presença de Yavé. O dia do juízo está próximo e trará consequências
terríveis, mas o povo justo, aquele que procura servir ao Senhor, pode se
alegrar porque Deus não abandonou o seu povo. Ele continua no meio
daqueles que o buscam.

4.5 Síntese dos Profetas Pré-Exílicos


Nesta seção, seguem, em forma de quadro, as informações básicas
de cada um dos dez livros proféticos estudados nesta obra.

QUADRO 11: Resumo dos profetas em possível ordem cronológica

Data provável da
Nome Significado do nome Para quem
atuação (a.C.)
Isaías “Yavé salva” entre 740 e 687 a respeito de Judá
Oséias “Ajuda” ou “Salvação” entre 750 e 725 contra Israel
aos anciãos da
Joel “Yavé é Deus” 837 ou 400
terra (12 tribos)
Amós “Carga” ou “Carregador” entre 762 e 757 contra Israel
Obadias “Servo de Yavé” 845 ou 587 contra Edom
Jonas “Pomba” entre 781 e 753 contra Nínive
“Quem é como Yavé?” com o
Miquéias sentido de: “Não há ninguém entre 740 e 722 contra Judá
como Yavé”
Naum “Conforto” ou “Confortador” entre 663 e 612 contra Nínive
Habacuque “Abraço” entre 625 e 598 a respeito de Judá
Sofonias “Yavé me esconde” entre 639 e 622/1 a respeito de Judá
FONTE: O autor, 2021. (Construído a partir de: GARDNER, 1999; GUSSO, 2017; BÍBLIA
SAGRADA, 1990.)

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4.6 O Dia do SENHOR e sua Conexão com o Novo


Testamento
Certamente ainda há outras considerações interessantes, mas
acreditamos que elas poderão ser resolvidas com o auxílio de bons
comentaristas. As palavras aqui descritas são como uma breve introdução
geral aos livros proféticos pré-exílicos.

Síntese do Capítulo
Neste capítulo, aprendemos que Yavé é um Deus Zeloso, que está
sempre disposto a cuidar dos seus, mas que de igual modo não tem
favoritismo quando o assunto é pecado. Sua grandeza e pureza não
permitem que ninguém seja poupado das consequências tão terríveis
do pecado. Nem mesmo seu próprio povo. No começo deste período
conhecido como pré-exílico, os dois estados ainda existiam. O povo de
Deus estava dividido, não somente territorialmente, mas também em
suas ações. Israel sempre se mostrou pouco mais contumaz e obstinado
em não seguir os caminhos de seu Deus. Judá, por outro lado, começou
um pouco mais propenso a ser fiel à aliança com Yavé.

Todavia, com o extermínio das dez tribos, por conta de seus


pecados, pelos assírios, em vez de trazer lucidez e reflexão para Judá,
seus habitantes acabaram escolhendo o caminho do orgulho, achando
que eram imbatíveis por terem a cidade santa e o templo de Deus em
seu território. Ledo engano, infelizmente não foram capazes de saber
que o Senhor não é como os demais deuses, que se deixam bajular e ser
manipulado. Pelo contrário: Yavé é justo, santo e rei sobre todo o universo.
Sendo assim, estaria agindo para purificar seu povo.

Neste sentido, o profeta Joel é chamado por Deus para anunciar


sua palavra de destruição aos pecadores e manifestação da graça divina
a todos, independentemente de ser ou não líder ou pertencente a alguma
tribo específica. O profeta chama seu povo ao arrependimento, para que
assim pudessem escapar das consequências que haveria de vir por conta
de seus pecados.

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Isaías segue numa linha parecida, clamando ao povo que confiem


mais em Deus e procurando destacar que o pecado é tão grave que
somente o simbolismo do sangue dos animais não era mais suficiente.
Havia a necessidade de um servo do Senhor padecer em prol do povo.
Diante desta mensagem tão profunda e magnífica de um deus preocupado
com sua gente, surge Habacuque. Este profeta não se conformava com o
fato de observar ao seu redor e perceber alguns de seu povo sofrendo nas
mãos dos injustos. Para piorar sua crise, Deus lhe diz que estaria punindo
tais pecadores usando como seu instrumento de justiça os babilônios,
outro povo ímpio e perverso. Mas, diante de sua persistência, na presença
de Deus, ele não encontra todas as respostas, mas se aprimora de uma
fé e esperança capaz de perceber que o justo tem seu galardão garantido
pelo Senhor e, principalmente, nosso relacionamento com Deus não pode
depender de circunstâncias deste mundo.

Por fim, conhecemos o profeta Sofonias, que embora quase


desconhecido e, de certo modo, tão duro e contundente contra o pecado,
ainda assim nos ensina sobre a bondade, a graça e, principalmente, sobre
a soberania divina e Sua presença no meio de Seu povo. Afinal de contas,
assim como havia percebido Isaías, o dia de Yavé é grande e terrível, dia de
vingança sim, mas também ano aceitável, de se proclamar as boas-novas
do Senhor.

Esperamos que você tenha aproveitado este estudo introdutório a


estes livros fascinantes da Palavra de Deus.

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