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FUNDAMENTOS DA ARGUMENTAÇÃO CRÍTICA

Fundamentos da Argumentação Crítica apresenta as ferramentas básicas para a identificação, análise e avaliação de
argumentos comuns para iniciantes. O livro ensina usando exemplos de argumentos em diálogos, tanto no texto em
si quanto nos exercícios. Exemplos de argumentos controversos legais, políticos e éticos são analisados. Ilustrando
os tipos mais comuns de argumentos, o livro também explica como avaliar cada tipo através do questionamento
crítico. Douglas Walton mostra como argumentos podem ser razoáveis sob as condições certas de diálogo usando
questões críticas para avaliá-los. O livro ensina por meio de exemplos, tanto no texto em si e em exercícios, mas é
baseado em métodos que foram desenvolvidos através dos trinta anos de pesquisa do autor em estudos
argumentativos.

● Representa o estado da arte nos métodos e técnicas de lógica argumentativa e informal.

● Usa diálogos realistas contendo exemplos de argumentos políticos, científicos e legais que serão familiares
a estudantes de suas experiências universitárias e cotidianas.

● Incentiva estudantes a pensarem e argumentarem.

● Oferece diretrizes [guidelines] objetivas para avaliar os pontos fortes [strengths] e pontos fracos
[weaknesses] de um argumento usando questionamento crítico.

● Estilo de escrita limpo e uso de exemplos cotidianos fazem com que o assunto seja facilmente
compreensível para estudantes e torna evidente a importância do assunto.

Douglas Walton é professor de filosofia na Universidade de Winnipeg. Ele é autor de trinta e três livros e muitos
artigos sobre aspectos sobre a argumentação crítica. Ele recebeu o Prêmio ISSA da Sociedade Internacional para o
Estudo da Argumentação por suas contribuições à pesquisa em falácias, argumentação e lógica informal.
Dedicado aos alunos da São Francisco
Raciocínio Crítico e Argumentação

Esta série é destinada a [aimed at] estudantes iniciantes no campo da argumentação, lógica informal, e pensamento
crítico. Informado por pesquisas em linguística, comunicação, inteligência artificial, e pragmática, bem como
filosofia, livros nesta série estão em dia [up to date] com relação a método e apresentação, particularmente na
ênfase em diálogo e retórica, que contrasta com a abordagem tradicional do “se vire sozinho” [go it alone]. Cada
livro é projetado para uso em um curso com duração de um semestre e inclui exercícios.
FUNDAMENTOS DA

Argumentação
Crítica
Douglas Walton
Universidade de Winnipeg
Conteúdo

Prefácio xv

Nota da Tradução xvii

UM | ARGUMENTOS E DIÁLOGOS 18

1. Diálogos 18

2. Argumentos 20

a. EXERCÍCIO 1.2 22

3. Questões e Afirmações 22

a. EXERCÍCIO 1.3 24

4. Argumentos em Diálogos 25

a. EXERCÍCIO 1.4 27

5. Generalizações 27

a. ARGUMENTO EM UM PONTO DO DIÁLOGO 30

b. EXERCÍCIO 1.5 31

6. Encadeamento de Argumentos 32

a. PRIMEIRO ARGUMENTO NA CADEIA 32

b. SEGUNDO ARGUMENTO NA CADEIA 32

c. EXERCÍCIO 1.6 34

7. Crítica por Questionamento ou Refutação 35

a. EXERCÍCIO 1.7 37

8. Criticando um Argumento por Meio de Perguntas 37

a. EXERCÍCIO 1.8 41

9. Disputas e Dissidências 41

a. EXERCÍCIO 1.9 45

10. Resumo 45

DOIS | CONCEITOS ÚTEIS PARA SE ENTENDER ARGUMENTOS 47

1. Inconsistência 47

a. EXERCÍCIO 2.1 50

2. Três Tipos de Argumentos 51


viii

a. EXERCÍCIO 2.2 54

3. Silogismos 55

a. EXERCÍCIO 2.3 58

4. Proposições Complexas 58

a. EXERCÍCIO 2.4 59

5. Algumas Outras Formas Comuns de Argumento Dedutivo 60

a. MODUS PONENS 60

b. MODUS TOLLENS 61

c. SILOGISMO HIPOTÉTICO 61

d. EXERCÍCIO 2.5 62

6. Probabilidade e Argumento Indutivo 63

a. EXERCÍCIO 2.6 65

7. Argumentação Plausível 66

a. EXERCÍCIO 2.7 69

8. Argumentos e Explicações 70

a. EXERCÍCIO 2.8 73

9. Resumo 74

TRÊS| ESQUEMAS ARGUMENTATIVOS 76

1. Apelo à Opinião de Especialista 76

a. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO EM POSIÇÃO DE SABER 77

b. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA APELO À OPINIÃO DE ESPECIALISTA 78

c. EXERCÍCIO 3.1 80

2. Argumento de Opinião Popular 81

a. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA APELO À OPINIÃO POPULAR 81

b. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE PRÁTICA POPULAR 82

c. EXERCÍCIO 3.2 83

3. Argumento de Analogia 84

a. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE ANALOGIA 84

b. EXERCÍCIO 3.3 86

4. Argumento de Correlação à Causa 87


ix

a. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CORRELAÇÃO À CAUSA 87

b. EXERCÍCIO 3.4 89

5. Argumento de Consequências e “Bola de Neve” 89

a. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CONSEQUÊNCIAS POSITIVAS 91

b. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS 91

c. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO “BOLA DE NEVE” 92

d. EXERCÍCIO 3.5 94

6. Argumento de Sinal 95

a. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE SINAL 96

b. EXERCÍCIO 3.6 98

7. Argumento de Compromisso 98

a. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE COMPROMISSO 99

b. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE COMPROMISSO INCONSISTENTE 101

c. EXERCÍCIO 3.7 101

8. Argumentos Ad Hominen 102

a. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO AD HOMINEM DIRETO 102

b. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO AD HOMINEM CIRCUNSTANCIAL 104

c. EXERCÍCIO 3.8 105

9. Argumento de Classificação Verbal 106

a. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CLASSIFICAÇÃO VERBAL 107

b. EXERCÍCIO 3.9 109

10. Resumo 109

a. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO EM POSIÇÃO DE SABER 109

b. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA APELO À OPINIÃO DE ESPECIALISTA 110

c. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA APELO À OPINIÃO POPULAR 110

d. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE ANALOGIA 110

e. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CORRELAÇÃO À CAUSA 110

f. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CONSEQUÊNCIAS POSITIVAS 110

g. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS 111

h. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO “BOLA DE NEVE” 111

i. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE SINAL 111


x

j. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE COMPROMISSO 111

k. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE COMPROMISSO INCONSISTENTE 112

l. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO AD HOMINEM DIRETO 112

m. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO AD HOMINEM CIRCUNSTANCIAL 112

n. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CLASSIFICAÇÃO VEERBAL 113

QUATRO| DIAGRAMAÇÃO DE ARGUMENTOS 114

1. Argumentos Singulares e Convergentes 114

a. EXERCÍCIO 4.1 116

2. Argumentos Vinculados 116

a. EXERCÍCIO 4.2 119

3. Argumentos em Série e Divergentes 119

a. EXERCÍCIO 4.3 121

4. Distinguindo entre Argumentos Vinculados e Convergentes 122

a. EXERCÍCIO 4.4 124

5. Argumentos Complexos 125

a. EXERCÍCIO 4.5 127

6. Premissas e Conclusões Não Declaradas 128

a. EXERCÍCIO 4.6 131

7. Diagramando Mais Casos Complicados 131

a. EXERCÍCIO 4.7 135

8. Resumo 136

CINCO | DIÁLOGOS 138

1. Diálogo de Persuasão 138

a. Regras para uma Discussão Crítica 140

b. EXERCÍCIO 5.1 142

2. Compromisso no Diálogo 142

a. Três Requisitos Gerais sobre Compromisso em Diálogo 143

b. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS 144

c. EXERCÍCIO 5.2 144

3. Outros Tipos de Diálogo 145


xi

a. TABELA 5.1 TIPOS DE DIÁLOGO 145

b. EXERCÍCIO 5.3 150

4. Questões Simples e Complexas 150

a. EXERCÍCIO 5.4 154

5. Questões Carregadas 155

a. EXERCÍCIO 5.5 157

6. Respondendo a Perguntas Traiçoeiras 158

a. TABELA 5.2 159

b. EXERCÍCIO 5.6 162

7. Relevância de Perguntas e Respostas 163

a. EXERCÍCIO 5.7 165

8. Resumo 166

SEIS | DETECTANDO VIESES 168

1. Termos Carregados 169

a. EXERCÍCIO 6.1 172

2. Pontos de Vista e Ônus da Prova 172

a. EXERCÍCIO 6.2 175

3. Argumentação Enviesada 177

a. EXERCÍCIO 6.3 181

4. Disputas Verbais 182

a. EXERCÍCIO 6.4 184

5. Definições Lexicais, Estipulativas e Persuasivas 186

a. EXERCÍCIO 6.5 189

6. Definições Filosóficas e Científicas 189

a. EXERCÍCIO 6.6 193

7. Vieses Normais e Problemáticos 193

a. EXERCÍCIO 6.7 197

8. Resumo 198

SETE| RELEVÂNCIA 201

1. Relevância Probatória 201

a. EXERCÍCIO 7.1 203


xii

2. Relevância Dialética 204

a. EXERCÍCIO 7.2 205

3. Relevância em Reuniões e Debates 205

a. EXERCÍCIO 7.3 207

4. Relevância na Argumentação Legal 208

a. Critérios Legais de Evidência Relevante 208

b. A Regra de Exclusão Primária 208

c. A Regra de Relevância Condicional 209

d. EXERCÍCIO 7.4 211

5. Argumentos de Apelo ao Medo 211

a. E SQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO DE APELO AO MEDO 212

b. EXERCÍCIO 7.5 213

6. Ameaças como Argumentos 213

a. ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO AD BACULUM 213

b. EXERCÍCIO 7.6 215

7. Apelo à Piedade 215

a. EXERCÍCIO 7.7 217

8. Alterações e Relevância 217

a. EXERCÍCIO 7.8 219

9. Resumo 219

OITO| RACIOCÍNIO PRÁTICO EM UMA ESTRUTURA IDEOLÓGICA 222

1. Inferências Práticas 222

a. EXERCÍCIO 8.1 224

2. Condições Necessárias e Suficientes 225

a. EXERCÍCIO 8.2 226

3. Raciocínio Disjuntivo 227

a. Silogismo Disjuntivo (SD) 227

b. Raciocínio Disjuntivo (RD) 227

c. EXERCÍCIO 8.3 229

4. Levando Consequências em Consideração 229


xiii

a. EXERCÍCIO 8.4 231

5. O Dilema 232

a. EXERCÍCIO 8.5 234

6. A Suposição do Mundo Fechado 235

a. EXERCÍCIO 8.6 236

7. Inferências de Falta de Conhecimento 237

a. EXERCÍCIO 8.7 240

8. Situações do Mundo Real 240

a. EXERCÍCIO 8.8 242

9. Resumo e Vislumbres à Frente 243


xiv
Prefácio

Argumentação crítica é uma habilidade prática que precisa ser ensinada, desde bem no início, através de exemplos
reais ou realistas de argumentos do tipo que o usuário encontra na vida cotidiana. Neste livro didático [textbook]
introdutório de argumentação crítica um método de ensinamento baseado em exemplos é assim usado. Todos os
pontos cobertos são introduzidos e ilustrados através do uso de exemplos representando argumentos, ou problemas
de vários tipos que surgem na argumentação, de um tipo que será bastante familiar a leitores a partir de suas
próprias experiências. Exercícios anexados [appended] a cada seção do livro são projetados para pôr em prática
colocar essas atividades para trabalhar.

Além de ser uma habilidade, argumentação crítica é uma atitude. Atitude que é útil para encontrar um
caminho através de um problema ou fazer uma decisão bem pensada. Mas é mais útil quando você é confrontado
por um argumento e precisa em alguma avaliação raciocinada sobre ele em um balanço de considerações em uma
situação onde há argumentos em ambos os lados de uma questão [issue]. Um propósito deste livro então é afiar
esta atitude crítica, que todos nós já temos em algum grau, para focá-la e aumentá-la em alguma de uma maneira
construtiva, de modo a prover uma introdução aos seus métodos básicos. Os métodos apresentados são baseados
nas técnicas de vanguarda mais recentes desenvolvidas em teoria da argumentação e lógica informal. Este livro é
para ser um avanço sobre os muitos outros livros didáticos no mercado hoje que não têm o tipo de profundidade
necessária para um livro didático que é baseado em uma disciplina acadêmica estabelecida.

Considerando [since] que este livro didático foi feito para ser uma introdução “nível de entrada” [entry-
level] básica para fundamentos, ele se concentrava primariamente em identificação e análise de argumentos,
confinando a avaliação de argumentos principalmente em encontrar pontos faltantes [missing] ou fracos em um
argumento que exigem [calls for] a indagação de questões críticas. Textos subsequentes na série, especialmente o
sobre falácias, irão se aprofundar mais na avaliação de argumentos. A perspectiva deste primeiro volume
fundacional é a de antes que qualquer argumento possa ser avaliado como forte ou fraco, razoável ou falacioso, ele
precisa ser identificado. Alguém precisa classificá-lo como tipo de argumento e precisa identificar suas premissas e
conclusão. E isso precisa ser analisado. Alguém precisa saber quais são as suas premissas não explícitas e como elas
se encaixam em outros argumentos nos quais estão conectadas em um dado caso. Dessa maneira identificar e
analisar os tipos mais comuns de argumentos são as tarefas que tomarão a maior parte deste livro. Entretanto, de
vez em quando, comentários são feitos na avaliação. Por exemplo, é útil ao leitor mesmo neste estágio precoce ter
uma ideia de como um determinado tipo de argumento que geralmente é razoável pode às vezes ser usado
falaciosamente.

A abordagem à análise de argumentos presente neste livro faz a avaliação [assessment] de qualquer
argumento ativar três fatores. O primeiro fator é a estrutura do raciocínio no qual o argumento é baseado. Três tipos
de raciocínio são estudados nos capítulos 2, 3, e 4, respectivamente: raciocínio dedutivo, raciocínio indutivo, e
raciocínio derrotável. A estrutura representa o vínculo entre as premissas e a conclusão. O segundo fator é a
aceitabilidade das premissas. Este fator é julgado em relação aos comprometimentos das duas partes – o
proponente e o respondente – que estão envolvidas no argumento. O terceiro fator é a relevância do argumento.
Relevância é vista como uma questão [matter] de onde o argumento está levando em um diálogo. Para ser relevante
precisa ser uma cadeia de raciocínio que leva para conclusão final [ultimate] em questão [at issue] em um diálogo.
O segundo e terceiro fatores são explicitamente dialéticos, o que significa que eles envolvem um diálogo entre duas
partes (no caso mais simples) chamadas de proponente e de respondente. A linha de exposição dessa abordagem
no livro é dividida em estágios. O primeiro estágio começa do bloco de construção de inferência básico, no qual a
conclusão é tirada de um determinado conjunto de proposições chamadas premissas. Então o raciocínio é definido
como um encadeamento de inferências. Esta abordagem, por mais que seja de alguma forma nova do ponto de vista
da lógica tradicional, se encaixa com a visão de raciocínio que foi adotada em trabalho recentes de ciência da
computação, e especialmente em inteligência artificial. Leitores que estão tomando cursos em assuntos
relacionados à computação estarão familiarizados com esta visão de raciocínio. O próximo estágio é sobre
argumentos. Um argumento é definido como o uso do raciocínio em tipos diferentes de trocas conversacionais
direcionadas a objetivos chamadas diálogos. A natureza dialética da abordagem à argumentação crítica avançada
neste livro se torna evidente quando a distinção entre raciocínio e argumentação é explicitamente baseada no
propósito para o qual o raciocínio é usado em uma troca de diálogo entre duas partes. Esta nova abordagem dialética
habilitar estudantes a lidar com problemas de avaliação de argumentos de uma maneira que não acharão confusa
xvi

ou simplesmente inacreditável, como tem sido o caso com livros didáticos de lógica prévios. A nova abordagem
dialética provê uma ferramenta muito mais útil para identificar, analisar e avaliar argumentos comuns que possam
ter sido possíveis no passado.

Um benefício impressionante da nova abordagem dialética à argumentação crítica usada neste livro é que
a relevância pode ser definida com respeito a como um argumento foi usado em um determinado caso. Relevância
é julgada em relação ao tipo de diálogo no qual os participantes deveriam estar engajados, e o problema que eles
deveriam estar discutindo sobre naquele diálogo. Assim, pela primeira vez, uma acepção de relevância é
apresentada em um livro didático de argumentação crítica que é realmente útil em fornecer orientação
praticamente proveitosa a estudantes sobre como julgar se algo é relevante ou não, em uma troca de argumentos
em uma conversa, a julgar pelo contexto (como é conhecido) para o caso. Outros capítulos lidam com os tópicos
familiares de argumentação crítica ao mostrar como lidar com o uso de raciocínio plausível em um argumento e
como avaliar certos tipos comuns de argumentos, como o argumento de analogia, apelo à opinião de especialista,
apelo à opinião popular, uso de ataque pessoal em argumento, e o argumento “bola de neve” [slippery slope]. Este
livro ensina uma variedade de outras habilidades importantes de argumentação crítica necessárias para se avaliar
um argumento contextualmente, da maneira como é apresentado em um caso particular, baseado na evidência
textual fornecida no caso. À medida que o livro prossegue, o foco é menor em inferências individuais ou tipos de
argumentos e maior em como avaliar criticamente certas propriedades de como uma linha de argumentação precisa
ser julgada em uma perspectiva global, em um caso como um todo. Uma dessas importantes propriedades é viés ou
tendência [slanting] em um argumento. Outra habilidade é como identificar e reconstruir uma cadeia maior de
argumentação como usada em um caso determinado, identificando as premissas e conclusões “faltantes” que não
foram declaradas explicitamente. Outras habilidades ensinadas nesta parte são como lidar com problemas em
argumentos que surgem da linguagem, como ambiguidade e o uso de definições, e como aprender habilidades
argumentativas críticas de questionar e responder.

O material neste livro pretende ser flexível, para que possa ser usado em conjunto com outros livros
didáticos na série que entram em tratamentos mais detalhados de diferentes aspectos da argumentação crítica.
Cada capítulo é baseado na presunção de que a compreensão do estudante será afiada por ter masterizado o
material nos capítulos anteriores. Todo o material é facilmente legível, e exemplos são usados livremente para
ilustrar cada ponto. Os capítulos podem ser pulados por um instrutor que quer apenas cobrir tópicos selecionados.
Eu recomendaria cobrir ao menos o primeiro capítulo, e então escolher outros capítulos de acordo com o interesse.
O uso de exemplos ao longo do livro visam tornar o material mais fácil de entender e mais interessante para
estudantes. Mas o instrutor pode também usar estes casos para gerar discussões na sala de aula ou em um
seminário. Pode ser uma boa estratégia de ensinamento fazer dos casos pontos focais de uma palestra, também.
Além disso, os casos, junto com os exercícios no final de cada seção, podem ser usados para gerar outras atribuições
ou questões de prova, no que deveria ser essencialmente uma experiência de aprendizado prática [hands-on] para
os estudantes.
Nota da Tradução

Este livro foi traduzido pelos alunos da Turma 195 da FDUSP, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
também conhecida como São Francisco (ou, mais carinhosamente, "Sanfran"). Esperamos que esta singela tradução
possa ser de muita utilidade para os futuros alunos, e que a leitura seja proveitosa e enriquecedora.

Algumas observações importantes: algumas palavras, que foram consideradas de compreensão mais difícil
no idioma original do livro (inglês) foram colocadas, em inglês, na frente da palavra traduzida, entre parênteses e
em itálico, para deixar claro de onde aquela tradução surgiu. Além disso, alguns comentários pontuais, que visam
tentar explicitar o que o autor quis dizer com alguma noção ou conceito, foram colocados entre parênteses e
sublinhados, no meio de determinadas frases. Outro detalhe é que algumas locuções e expressões, menos usuais no
português, que parecem estar meio deslocadas no texto, foram colocadas entre aspas para representar o predomínio
do sentido figurado (ou conotativo). Por fim, algumas palavras consideradas mais importantes – para o contexto
geral da obra – foram destacadas por negrito.

No geral, o sentido original foi mantido, mas a escrita, em vez de obedecer a uma literalidade estrita, foi
adaptada para se assemelhar mais ao português ao qual somos familiares, ou seja, em que estamos melhor
acostumados. Tentamos fazer a melhor tradução possível, de modo que possa facilitar a absorção de todo o
conhecimento que é apresentado no livro.

Desejamos bons estudos e boa leitura!

— Franciscanos da 195
UM Argumentos e Diálogos

Os três objetivos da argumentação crítica são identificar, analisar e avaliar argumentos. O termo “argumento” é
usado em um sentido especial, referindo-se ao ato de fornecer razões que apoiem ou critiquem uma alegação que
é questionável, ou aberta a dúvidas. Dizer que algo é um argumento de sucesso neste sentido significa dizer que ele
fornece uma boa razão, ou diversas razões, de apoio ou crítica a uma alegação. Mas por que se deve fornecer uma
razão ao apoiar uma alegação? Pode-se devê-lo pois a alegação está aberta a dúvidas. Esta observação sugere que
há sempre dois lados em um argumento. De um lado, o argumento é apresentado como uma razão em apoio a uma
alegação. Do outro lado, esta alegação é vista como aberta a dúvidas, e o motivo de se fornecer a razão é remover
tais dúvidas. Em outras palavras, o oferecimento de um argumento pressupõe o diálogo entre dois lados. A ideia de
um argumento é melhor ilustrada em termos de seu propósito quando ele é usado em um diálogo. Sob risco de
repetição, a seguinte afirmação geral acerca de argumentos vale ser lembrada ao longo do capítulo 1 e do resto
deste livro. O propósito básico de se oferecer um argumento é fornecer uma razão (ou mais de uma) para apoiar
uma alegação que é sujeita à dúvida e, portanto, remover tal dúvida.

O capítulo 1 apresenta diversos exemplos de diálogos em que um lado faz uma alegação e o outro expressa
dúvidas acerca dela. Neste capítulo, mostra-se como o argumento é baseado em uma estrutura de diálogo. Nos
diálogos apresentados, há vários argumentos específicos, e eles são conectados a outros argumentos. Os exemplos
mostrarão como a argumentação assume a forma de uma corrente construída a partir da ligação de diversos
argumentos específicos uns aos outros. A palavra “argumentação” denota esse dinâmico processo de conexão de
argumentos com algum propósito em um diálogo. O âmago de um argumento é a razão, ou o conjunto de razões,
oferecidas para apoiar uma alegação, o que é chamado de conclusão de um argumento. Este conjunto de afirmações
é o cerne do argumento. Mas ao seu redor, há também a estrutura do uso de argumentos, na qual a argumentação
é utilizada com algum propósito em um diálogo. O capítulo 1 encaixa o cerne na estrutura do diálogo, dando ao
leitor uma introdução integral à noção de argumento que casa ambos os componentes, ganhando uma perspectiva
integrada, que ajuda o leitor a entender o conceito de argumento razoável no cerne da argumentação crítica.

UM Diálogos

Um diálogo é um tipo de conversa direcionada a um propósito, na qual dois participantes, no mínimo, participam
em turnos. A cada turno um lado responde ao turno do outro lado. Assim, cada diálogo é uma sequência conectada
de turnos (atos da fala) que tem uma direção de fluxo. Diálogos são estruturas convencionais que tornam possível a
argumentação racional. Diálogos não possuem apenas argumentos. Eles podem também conter explicações,
instruções, entre outros. Mas frequentemente eles possuem, sim, argumentação. E quando este é o caso, para que
a argumentação seja de sucesso, é necessário que os participantes revezem, cada um dando ao outro uma chance
de apresentar seu argumento de forma justa. Se um participante, por exemplo, utiliza-se da força para calar o outro
participante, tal ação é uma obstrução do sucesso do diálogo. Para apresentar um exemplo típico de argumentação,
considere uma situação em que duas pessoas, Helen e Bob, entram em desacordo durante um jantar. Helen é contra
dar gorjetas. Ela teve dificuldades relacionadas a gorjetas em restaurantes no passadas e acredita que dar gorjetas
é uma prática, em geral, ruim e não deve continuar. Bob, por outro lado, acredita que dar gorjetas é uma boa prática
que deve ser mantida. O grupo decide que Bob e Helen devem resolver sua diferença de opiniões por meio de uma
discussão acerca do assunto após o jantar. Para nos ajudar a acompanhar o que foi dito em cada turno, eles foram
enumerados.

O Diálogo Sobre Gorjetas

Helen (1): Um problema com gorjetas é que, às vezes, é muito difícil saber a quantia a se dar
a um motorista de táxi, atendentes de hotel, ou garçons ou garçonetes em restaurantes.

Bob (1): Não é tão difícil. Se você recebeu um serviço excelente, dê uma gorjeta. Caso
contrário, não dê gorjeta nenhuma.

Helen (2): Mas quanto se deve dar? E como se pode julgar se o serviço foi excelente ou não?
19

Bob (2): Você só tem que usar o senso comum.

Helen (3): Por favor, Bob, isso não é uma resposta! Frequentemente, o senso comum não
está certo. Que tipo de critério para bom julgamento é esse?

Bob (3): Como boa parte das coisas na vida, se você quer fazer algo bom, como retribuir um
serviço excelente, você só tem que usar senso comum.

Helen (4): Com gorjetas, senso comum deixa muito sujeito a incerteza. Por causa desta
incerteza, ambos os indivíduos envolvidos podem ser ofendidos. Se quem dá a gorjeta dá
muito pouco, o recebedor se sente envergonhado e desconfortável. Se quem dá a gorjeta dá
em excesso, ela pode se sentir envergonhada e desconfortável. Portanto a prática de dar
gorjetas leva à vergonha e ao desconforto.

Bob (4): Muitos estudantes dependem de gorjetas para pagar suas despesas. Educação
universitária é uma coisa boa. Acabar com gorjetas significaria que menos estudantes seriam
capazes de pagar por ela.

Helen (5): Isso não é problema. Tudo que temos que fazer é aumentar o salário mínimo.

Bob (5): Isso pode só levar vários restaurantes à falência e resultar na perda de empregos
para estudantes e outros.

O diálogo pode ter continuado, mas consideraremos apenas os 5 turnos acima, na discussão a seguir. Primeiramente,
analisemos o diálogo como um todo. Se o examinarmos, podemos identificar suas 5 principais características como
um tipo de diálogo contendo argumentação.

1. O Problema. Há um par central de proposições a mostra. O diálogo acima se pauta no questionamento da


continuidade da prática de dar gorjetas. O problema consiste em duas afirmações, chamadas de teses.
Uma tese é a afirmação que dar gorjetas é uma boa prática que deve ser continuada. A outra é que dar
gorjetas é uma prática ruim que deve acabar. Não é resolvido qual é verdadeiro e qual é falso.

2. Os Pontos de Vista dos Participantes. Há dois participantes chave, chamados de proponente e


respondente. Cada um possui um ponto de vista acerca do assunto. Bob é a favor das gorjetas. Então seu
ponto de vista pode ser chamado de ponto de vista pró no tocante às gorjetas. Helen não é a favor das
gorjetas. Portanto seu ponto de vista pode ser chamado de ponto de vista contra no tocante às gorjetas.

3. A Característica da Civilidade. Ambos os participantes revezam, e nenhum tenta impedir o outro de


expressar seu ponto de vista dominando o diálogo ou atacando o outro, seja fisicamente ou verbalmente.
Essa característica é chamada civilidade ou educação.

4. A Oposição de Pontos de Vista. Os dois pontos de vista são opostos, resultando em um conflito de
opiniões sobre o assunto. Na discussão sobre gorjetas, a tese de Bob é o oposto ou a negação da tese de
Helen. Isso significa que uma tese só pode ser verdadeira se a outra não for.

5. O Uso de Argumentos. Os dois participantes fazem vários tipos diferentes de turnos. Por exemplo, é feita
uma pergunta e, no próximo turno, é esperado que o outro participante a responda. Mas um dos tipos
mais importantes de turno é a apresentação de um argumento. O propósito de tal ação é tentar fazer
com que o outro participante mude seu ponto de vista e aceite o ponto de vista do argumentante ao
invés do ponto de vista que anteriormente aceitava como verdadeiro.

Pelo que podemos ver com o diálogo, nenhum dos participantes obteve sucesso usando argumentação para mudar
o ponto de vista do outro participante. Este seria o objetivo de ambos no diálogo. Mas mesmo que nenhum tenha
alcançado esse objetivo, não havendo perdedores ou vencedores, o diálogo ainda tem seus benefícios. Os
participantes puderam aprender algo a partir de seus pontos de vista opostos. Cada um pôde aprofundar sua opinião
acerca do assunto. Isso pode ser alcançado de diversas maneiras. Helen teve que articular suas razões em apoio a
seu ponto de vista mais claramente, em resposta a perguntas e objeções. Isso tornou seus argumentos mais fortes.
Ela pode ter levado os contra argumentos do outro lado em conta. Isso pode não apenas ter fortalecido seu
20

argumento, como também pode ter refinado seu ponto de vista, acrescentando qualificações e esclarecimentos.
Mais importante, por vir a entender as razões vindas do outro lado, ela pode aprofundar seu conhecimento sobre o
assunto e suas ramificações. Isso aprofunda seu ponto de vista e aguça a argumentação de apoio. E qualquer pessoa
que leia o diálogo pode aprender mais sobre a controvérsia da gorjeta, especialmente se ele ou ela ainda não pensara
tanto no assunto ou ainda não o vira como um problema. Assim, como um palco para se expressar argumentos, e
permitir o contato com argumentos contrários, o diálogo pode gerar benefícios significativos, mesmo que o conflito
de opiniões não seja resolvido decisivamente, de uma forma ou de outra. Isso apenas depende de como os
argumentos são apresentados, e como o outro lado reage a eles.

DOIS Argumentos

Considere mais uma vez a última parte do diálogo sobre gorjeta como uma sequência de movimentos em que Bob
e Helen expuseram argumentos opostos.

Bob (4): Muitos estudantes dependem de gorjetas para pagar suas despesas. Educação
universitária é uma coisa boa. Acabar com gorjetas significaria que menos estudantes seriam
capazes de pagar por ela.

Helen (5): Isso não é problema. Tudo que temos que fazer é aumentar o salário mínimo.

Bob (5): Isso pode só levar vários restaurantes à falência e resultar na perda de empregos
para estudantes e outros.

Aqui, Bob começa a explicação expondo um argumento. Como mostrado acima, o argumento dele pode ser
expressado como um conjunto de premissas que sustentam uma conclusão pela qual ele argumenta. Bob fez uma
afirmação [statement] quando disse que muitos estudantes dependem das gorjetas para ajudar a pagar seus
estudos. Em seguida, ele fez mais duas constatações. Primeiro, ele disse que a educação universitária é algo bom.
Depois, disse que acabar com as gorjetas significaria que menos estudantes poderiam bancar seus estudos. Para
estruturar as constatações de Bob como um argumento, poderíamos parafraseá-las definindo uma premissa geral
antes. Sua primeira premissa é a afirmação [statement] de que a educação universitária é algo bom. Suas duas
constatações seguintes são premissas adicionais. Bob usa essas três premissas para sustentar a conclusão. Veja as
premissas e a conclusão do argumento dele:

PREMISSA: Educação universitária é algo bom.

PREMISSA: Muitos estudantes dependem das gorjetas para bancarem seus estudos.

PREMISSA: Acabar com as gorjetas resultaria em menos estudantes poderiam bancar seus estudos.

CONCLUSÃO: Portanto, dar gorjetas é algo bom e que deveria continuar.

Helen respondeu com outro argumento, dizendo, “Isso não é um problema. O que precisamos fazer é aumentar o
salário mínimo”. O problema que Bob levantou em sua argumentação foi que a descontinuação das gorjetas poderia
atrapalhar os estudantes no custeio de seus estudos. O argumento de Helen se refere a esse problema. Sua solução
é aumentar o salário mínimo. Em tese, isso resolveria o problema, porque os estudantes não dependeriam mais de
gorjetas. Veja as premissas e a conclusão do argumento de Helen:

PREMISSA: Se aumentarmos o salário mínimo, os estudantes não dependeriam das gorjetas para
bancarem seus estudos.

PREMISSA: Se os estudantes não precisam depender de gorjetas para pagar seus estudos, não é
necessário, portanto, receber gorjetas para que paguem seus estudos.
21

CONCLUSÃO: Estudantes poderiam pagar seus estudos mesmo sem a prática das gorjetas.

A primeira premissa introduz um novo pressuposto [assumption] para a argumentação no diálogo. Baseando-se no
pressuposto como uma premissa, e também na outra premissa listada acima, Helen chegou a uma conclusão. Sua
conclusão sustenta seu ponto de vista: a prática de gorjetas deve ser descontinuada. Ela concorda que a educação
universitária é algo bom. De qualquer forma, ela não quer disputar com isso. Mesmo assim, agora ela pode
argumentar que o seu ponto de vista no diálogo sobre gorjetas não está em conflito com esse pressuposto.

A argumentação de Bob se encaixa com seu ponto de vista no diálogo sobre gorjetas. Se os estudantes não
conseguem pagar as mensalidades [tuition costs], isso seria algo ruim. Significaria que eles não poderiam ir à
faculdade. Sabendo que a educação é algo bom, isso segue o raciocínio de que descontinuar a prática de gorjetas é
algo ruim. Agora, nós podemos ver que o argumento de Bob se conecta com sua tese máxima [ultimate thesis] no
diálogo – a ideia de que dar gorjetas é algo bom e que deve continuar. Portanto, sua argumentação é relevante para
o problema que Bob e Helen estão discutindo. Da mesma forma, o argumento de Helen é relevante para seu ponto
de vista.

Argumentos como o de Bob são feitos de constatações [statements] chamadas premissas e conclusões.
Uma afirmação [statement], ou proposta [proposition] (usaremos os termos como sinônimos) é uma frase que pode
ser verdadeira ou falsa. Premissas são afirmações que oferecem motivos para sustentar uma conclusão. Conclusão
é uma afirmação que expressa uma constatação feita por uma parte durante um diálogo em resposta a uma dúvida
levantada pela afirmação da outra parte. A conclusão de um argumento pode frequentemente ser identificada por
expressões como “portanto” [therefore] ou “deste modo” [thus]. Palavras como essas são chamadas indicativas de
conclusão. Elas incluem as seguintes:

Indicadores de Conclusão
portanto
deste modo
por isso
consequentemente
podemos concluir que
por conseguinte
assim

Premissas também são frequentemente identificadas pelas expressões na lista abaixo:

Indicadores de Premissa
já que
considerando que
porque
sabendo que
por esse motivo
tendo em vista que

A habilidade de identificar um argumento analisando suas premissas e conclusões é uma habilidade muito
importante para a argumentação crítica. Somente depois de ser identificado é que o argumento pode ser
criticamente examinado de maneira clara e objetiva. Contudo, a lista com os indicadores não está completa, e os
indicadores não são suficientes para identificar premissas, conclusões e argumentos na língua. Certas vezes, alguém
precisa reconhecer o tipo de argumento envolvido. Essa habilidade será desenvolvida conforme nós identificamos
diversas formas de argumento nesse livro.
22

EXERCÍCIO 1.2

1. Encontre mais dois exemplos em que o argumento foi apresentado no diálogo sobre gorjetas. Identifique
as premissas e conclusões em cada argumento.

2. Mostre como o argumento de Helen na página 6 é relevante para o ponto de vista no diálogo sobre
gorjetas.

TRÊS Questões e Afirmações


Nos diálogos acima foi exemplificado como é montado com uma sequência de movimentos. Cada lado se reveza
fazendo um movimento que responda ao anterior do outro. Para responder o outro lado do argumento em um
diálogo, um argumentador precisa fazer mais do que colocar argumentos mais avançados. Ela também precisa
perguntar questões que expressam dúvidas. Argumentos são feitos de premissas e conclusões, como vimos, e essas
são afirmações. Mas fazer uma pergunta é diferente de fazer uma afirmação. Quando você faz uma afirmação, você
está comprometido com ela. Você a tornou oficial afirmando-a. Mas quando você faz uma pergunta, você pode não
estar se comprometendo com nada, da maneira que você estaria ao fazer uma afirmação . Quando você faz uma
pergunta, você está meramente expressando a sua dúvida se algo é verdadeiro ou perguntando por uma clarificação.
Esse tipo de movimento é diferente de avançar um argumento feito de afirmações.

Atos de discurso são formas de expressão representando as várias formas de movimentos feito em um diálogo. Um
tipo de ato de discurso que é muito importante é o de fazer uma afirmação. Nesse livro, como indicado acima, nós
vamos pegar os termos ‘proposição’ e ‘afirmação’ como equivalentes. A proposição (afirmação) é algo que é
verdadeiro ou falso. Por exemplo, se eu digo, “Madri está na Espanha”, estou fazendo uma afirmação que Madri
está na Espanha. Outra maneira de colocar a frase é que eu estou afirmando que a proposição ‘Madri está na
Espanha’ é verdadeira. Nós vamos pegar todos os próximos atos de discurso como equivalentes.

Dizer que Madri está na Espanha.

Afirmar que Madri está na Espanha.

Afirmar a proposição que Madri está na Espanha.

Afirmar que a proposição que Madri está na Espanha é verdadeira.

Fazer uma afirmação que Madri está na Espanha.

Fazer uma afirmação é um movimento corajoso em uma diálogo, porque você está reivindicando que aquela
afirmação é verdadeira, e dessa forma incorrer-se no comprometimento daquela afirmação. Outro tipo de tipo de
ato de discurso que é muito importante é o de fazer perguntas. Se eu falo, “Madri está na Espanha?” eu estou
fazendo uma pergunta. Fazer uma pergunta é diferente de fazer uma afirmação. Quando eu faço uma afirmação,
como indicado acima, eu estou alegando que aquilo é verdadeiro. Tal alegação tem o peso de uma prova associada
a ela, ou seja, se eu for desafiado eu devo sustentar a alegação ou desistir dela. Essa noção do peso de uma prova
será abordada nos capítulos 5 e 6. Por esse momento nós precisamos apenas reconhecer que quando alguém faz
uma alegação em uma discussão, dizendo que uma proposição é verdadeira ela deveria ter a capacidade de oferecer
um argumento que evidencia a alegação, o que significa um argumento sustentável. Se a sua alegação for
questionada por um respondente, ela não consegue dar um argumento que a suporta ela deve desistir da alegação.
Isso deve dar evidência de que sustentar uma alegação é um requerimento da argumentação crítica.

Outro tipo de ato de discurso é uma diretriz- tal como “Passe o sal!”- que direciona os ouvintes a fazer uma ação. A
diretriz é expressa em uma sentença imperativa, uma que venha na forma de comando. Uma sentença imperativa
não é baseada em proposições de verdadeiro ou falso. Se eu expresso a sentença imperativa “Feche a porta!” para
você, não seria apropriado responder “Isso é verdadeiro” ou “Isso é falso”. Você pode responder, por exemplo, “Não
há necessidade- a porta já está fechada”. Mas isso seria diferente de dizer “A diretriz ‘Feche a porta!’ é falsa”- uma
resposta que não faz sentido. Por outro lado, a diretriz pode ser associada com a proposição que afirma que pôr em
23

prática uma ação imperativa é recomendada. Associada com o imperativo “Feche a porta!” está a proposição ‘Fechar
a porta é uma ação recomendada’. Dessa forma, mesmo que diretrizes sejam associadas com, e poderiam conter,
proposições do tipo, elas não expressam proposições do mesmo jeito direto que as afirmações. Mais lições sobre
diretrizes contendo recomendações práticas para ação serão aprendidas no capítulo sobre raciocínio prático. Neste
capítulo, nossa principal preocupação é com as proposições que possuem afirmações.

O conceito de proposições é fundamental para a argumentação crítica, porque argumentos são criados de premissas
e conclusões que são preposições. A proposição tem duas características que a definem. A primeira, é algo que, em
princípio, é verdadeiro ou falso. Mas algo pode ser uma proposição mesmo se, nós não sabemos se é verdadeiro ou
falso. Por exemplo, a sentença, ‘Hannibal tinha uma barba no dia da Batalha do Lago Trasimeno’ é uma proposição.
Isso expressa uma alegação que é verdadeiro ou falso, mesmo que nós não sabemos se, de fato, é verdadeiro ou
falso. Nenhuma foto ou representações visuais confiáveis sobreviveram e não se sabe se ele usou ou não uma barba
naquele dia. Então, ainda que proposições tenham uma identificação característica de ser verdadeiro ou falso, nós
podemos não saber se uma proposição é verdadeira ou falsa.

Uma segunda característica da proposição, como notado acima, é que é típico conter uma forma especial do ato de
discurso. Está contido em uma frase que faz uma afirmação. Por exemplo, se eu afirmo que Madri está na Espanha,
então a proposição ‘Madri está na Espanha' está contida em minha afirmação. Mas tem uma diferença entre uma
frase e uma proposição. Duas frases diferentes podem conter a mesma proposição. Por exemplo, ‘Snow is white’ (‘A
neve é branca') e ‘Schnee ist weiss’ uma em inglês e a outra em alemão, as frases são diferentes, mas ambas
(podemos presumir) expressam a mesma proposição. Frases ambíguas não são proposições. Uma frase ambígua tal
qual “Elizabeth Taylor perde simpatia” (manchete encontrada em uma revista de fofoca) é o que poderia expressar
qualquer uma das proposições.

1. Elizabeth Taylor apelou para um julgamento, e o julgamento foi contra o seu caso.

2. Elizabeth Taylor é menos atraente do que ela era antes em tempos prévios.

Ninguém consegue dizer pela manchete qual dessas duas proposições representa o significado da frase. Assim
ninguém consegue dizer se essa sentença é verdadeira ou falsa. De fato, a frase sozinha não é verdadeira ou falsa.
Uma vez que seu significado deixa de ser ambíguo, então talvez alguém poderá afirmar se a proposição deveria ser
verdadeira ou falsa.

Frases ambíguas contêm proposições. Mas uma frase ambígua não é em si uma proposição. A razão para isso é que
ela não tem a propriedade, sozinha, de ser verdadeira ou falsa. O problema com frases ambíguas é que elas contém
mais de uma proposição. Por isso uma dessas proposições contidas na frase pode ser verdadeira, enquanto a outra
é falsa. Então, para o propósito do pensamento crítico de argumentação, é importante distinguir entre frases e
proposições. Proposições estão contidas em frases, mas não são o mesmo que elas. A noção de uma proposição é
semelhante a uma abstração filosófica. Isso representa o significado contido em uma frase, especialmente uma frase
fazendo uma afirmação. É claro que o conceito de significado é difícil de definir e teorias filosóficas discordam sobre
o que é significado ou onde ele está. No entanto, o conceito de uma proposição é muito utilizado na argumentação
crítica e iremos nos referir a ela de forma recorrente.

Frases que contém referência a expressões incompletas não expressam proposições. Por exemplo, a frase ‘Ela usou
sapatos de plástico no Festival Folk, durante todo o mês de julho de 1993' contém uma referência à expressão
incompleta ‘Ela’. Essa expressão é incompleta pois, ainda que ela se refira a uma mulher, não é especificado qual
mulher foi vista usando um sapato de plástico durante o mês de julho em 1993. A frase é (presumidamente)
verdadeira para apenas um indivíduo.

Por exemplo, poderia ser verdade se ‘ela’ fosse referência a Shirley Smith. Mas poderia ser falso se ‘ela’ fosse
referência a Shirley Jones. Até que seja especificado quem é o indivíduo, a frase em si não pode ser verdadeira ou
falsa. Referências a expressões incompletas são comuns na álgebra, em que as variantes x, y…, são usadas para
substituir os números. A frase ‘x é um número primo’, por exemplo, não é uma proposição, porque a variável x é
incompleta. Qualquer número poderia ser colocado no lugar de x. Se alguns números são colocados como x, se
resulta em uma proposição verdadeira. Por exemplo, ‘3 é um número primo’ é verdadeiro. Mas se outros números
são colocados no lugar do x, o resultado da proposição é falso. Por exemplo, ‘9 é um número primo’ é falso. Então,
a frase contendo variável, isto é, referências a expressões incompletas não são proposições como parecem. Mas se
um indivíduo específico é colocado no lugar de uma variável expressão de referência, o resultado da frase é uma
preposição.
24

EXERCÍCIO 1.3

Determine se ou não cada uma das sentenças seguintes é uma proposição. Justifique sua determinação mostrando
por que a sentença expressa uma proposição ou, por alguma razão específica, não expressa uma proposição.
A. O Japão invadiu a Coreia em 1948.
B. Qual é o peso atômico do alumínio?
C. Que bebê adorável!
D. Mulheres interessantes o encantavam.
E. Qualquer um que falte com a verdade é um mentiroso.
F. Nunca menospreze a sua boa saúde.
G. Ela correu em direção ao avião que estava rolando ao longo da pista.
H. Quando você parou de trapacear nas suas declarações de imposto de renda?
I. Tome tres cápsulas todo dia.

QUATRO Argumentos em Diálogos

Vamos olhar outro exemplo sobre um diálogo contendo argumentos. Nesse exemplo, Bob e Alice têm dois filhos
pequenos chamados Ted e Kearney. Um dia, Ted e Kearney começaram a discutir sobre o Papai Noel. Kearney estava
em uma idade em que ela estava começando a ficar cética em relação à existência do Papai Noel. Ted falou para
Kearney: “Papai Noel na verdade não existe; isso é apenas algo que os adultos contam”. Kearney ficou muito
chateada porque a sua crença no Papai Noel tinha sido abalada. Quando Bob e Alice ouviram essa conversa entre
Ted e Kearney, eles começaram a se perguntar se poderiam ter errado em contar às crianças que era o Papai Noel
que trazia os seus presentes. Enquanto decoravam a árvore de Natal, eles tiveram a seguinte discussão.

O DIÁLOGO DO PAPAI NOEL

Alice (1): Bem, eu acho que mentir é errado. É uma regra ética que mentir é sempre errado.

Bob (1): Sim, eu concordo que é uma regra geral que mentir é errado, mas certamente não é
errado em todos os casos. Considere a regra que diz que todos têm direito à propriedade.

Alice (2): Essa é uma regra geral, então vale para todos, assim como a regra afirma.

Bob (2): Bem, sim, geralmente, mas há exceções. Suponha que meu vizinho tenha me dado
seu rifle para ficar em segurança em nosso porão, porque ele tem crianças pequenas. Um
dia, Smith aparece na porta da frente exigindo que eu devolva o seu rifle. Acontece que eu
sei que Smith está tratando dos efeitos colaterais de um remédio contra a malária que
precisou tomar durante o seu serviço militar, e que é capaz de atos extremos de violência
quando não está medicado. Ele pergunta, “Você ainda tem o meu rifle? ” Como você deve
responder? Na minha opinião, em uma situação como essa, seria permissível dizer a ele que
você não tem mais o rifle. Isso seria uma mentira. Mas nesse caso o propósito da mentira é
prevenir danos, possivelmente até mortes. Portanto, em tal caso, mentir pode ser justificado.
Dito isto, eu acredito que mentir nem sempre é errado.

Alice (3): Claro, você pode estar certo. Mentir pode não ser absolutamente sempre errado,
mas como um princípio geral, você pode presumir que é errado a não ser que as
circunstâncias sejam excepcionais. No caso do Papai Noel, eu acredito que mentir é errado.

Bob (3): Você consegue lembrar de quando era criança e seus pais te contaram sobre o
Papai Noel? Não era agradável pensar que o Papai Noel tinha lhe dado presentes no Natal?
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Alice (4): Sim, era, e eu admito que era uma experiência agradável. Mas eu ainda acredito
que, no geral, mentir é errado, porque mentir é passar uma falsa informação, e isso é confuso
para crianças. Quando crianças ficam confusas desse jeito, é difícil para elas distinguir entre
fantasia e realidade. Por isso elas ficam em um estado de confusão e desconexão da
realidade. Estar nesse estado é ruim para qualquer um.

Bob (4): Eu não acredito que é algo tão ruim. É normal para crianças ter fantasias e acreditar
em histórias que não são verdadeiras. Em muitos casos, contar para crianças essas histórias
têm efeitos benéficos, porque pode ensiná-las todos os tipos de lições morais ainda que a
história não seja baseada na realidade. É similar aos adultos lendo histórias ficcionais. A ficção
pode conter lições morais ou trazer grandes benefícios ao ensinar o leitor diferentes coisas,
mesmo que a história não seja verdadeira na realidade. Pode não ser historicamente precisa
ou ser uma história sobre algo que realmente aconteceu.

Alice (5): Crianças ficam decepcionadas quando descobrem que o Papai Noel não existe de
verdade. A criança imagina que se os seus pais mentiram sobre o Papai Noel, eles
provavelmente estão mentindo sobre outras coisas. Essa criança pode se tornar cética e
desconfiada, ou até moralmente confusa. Ela pode perder a sua autoestima, e suas notas na
escola podem ser afetadas.

Bob (5): Bem, eu acho que as crianças são mais espertas. Elas sabem que a história do Papai
Noel é simplesmente uma “mentira inofensiva/mentirinha”, uma espécie de ficção que os
adultos usam para fazer com que o Natal seja um momento mais divertido para elas. A
decepção não é permanente, e as crianças percebem que não há a intenção de enganá-las
sobre os fatos, mas sim, meramente entretê-las durante um período em suas vidas em que
elas precisam de histórias assim para animá-las.

Alice (6): Eu consigo enxergar que a mentira sobre o Papai Noel é relativamente inofensiva,
mas eu ainda penso que uma mentira é uma mentira. É o princípio da coisa. Uma vez que
você permite uma de qualquer tipo, pode virar um hábito. Pode ser fácil começar a mentir
sobre qualquer coisa, para que você consiga o que quer. Você pode virar uma dessas pessoas
manipulativas e desonestas que mentem para escapar de qualquer coisa. Nós já temos o
suficiente dessas pessoas em cargos políticos de relevância.

Bob (6): Contar às crianças a história sobre o Papai Noel não é realmente uma mentira. É só
uma forma de estimular o poder de imaginação de uma criança, assim como contar uma
história na hora de dormir sobre eventos ficcionais. Não conta como uma mentira, a não ser
como uma “mentira inofensiva/mentirinha” de um tipo que às vezes é necessário se formos
ser diplomáticos e educados. É apenas um tipo de ficção inofensiva.

Alice (7): Bob, uma mentira é uma mentira. Se você conta a uma criança que o Papai Noel
existe, quando na realidade ele não existe, você está dizendo a ela algo falso. Você sabe que a
afirmação que você fez é falsa, e você fez intencionalmente. Isso conta como uma mentira,
porque isso é o que uma mentira é. É dizer intencionalmente algo que você sabe que é falso.

Bob (7): Bem, sim, OK, literalmente é uma mentira. Mas como eu disse antes, nem todas as
mentiras são igualmente graves. Algumas mentiras não são prejudiciais, e são necessárias a
fim de prevenir pessoas de sofrerem o dano que contar a verdade poderia causar.

Nesse diálogo, como o da gorjeta, a disputa original não é resolvida. Alice e Bob continuam discordando sobre o
problema ao final do diálogo. O que causou o diálogo inicialmente foi a diferença de opinião. Alice tinha a visão de
que mentir para as crianças sobre o Papai Noel é errado. Bob tinha a visão oposta. A diferença de opinião é a questão
que o diálogo tinha como objetivo resolver.

O Diálogo do Papai Noel não resolve a diferença inicial de opinião expressa por Alice e Bob. Ainda assim,
seus argumentos eram interessantes e revelaram algo sobre seus pontos de vista em relação à questão ética de
mentir. O diálogo foi sobre uma questão específica de mentir para as crianças sobre Papai Noel, mas rapidamente
escalou para um nível maior de generalidade. Muito veio à tona para tornar mais generalista a questão sobre mentir
ser sempre errado. Claro que tanto Alice quanto Bob aceitaram a proposição de que mentir é geralmente errado.
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Mas cada um deles viu isso como um diferente tipo de afirmação. Alice viu como uma afirmação absoluta, enquanto
Bob viu como uma proposição que funciona geralmente, mas está sujeita a exceções em casos específicos. O ponto
de vista de Alice pode ser chamado de ético absolutista. Nessa visão, regras éticas cobrem todos os casos, sem
exceção, e vinculam-se a todas as situações que se encaixam na regra. Para ela, todos os casos de mentira são
errados. O ponto de vista de Bob pode ser chamado de ético relativista, ou situacionista. Do seu ponto de vista,
mentir é geralmente errado, mas essa generalização está sujeita a exceções em algumas situações. De acordo com
a visão de Bob, a regra geral precisa ser considerada à luz da situação específica de um caso. Pode funcionar em
vários casos apesar de falhar ao aplicá-la em alguns.

Bob e Alice usam alguns tipos de argumentos que são interessantes. Na fala 4, Bob compara o caso de
contar uma história para uma criança ao caso de um adulto lendo ficção. Tal comparação é chamada de analogia, e
o tipo de argumento baseado nela é chamado de argumento de analogia. Na fala 6, Alice e Bob discutem sobre o
significado do termo ‘mentira’. Discutir sobre como definir termos é também um importante tipo de argumentação
em diálogos. Ambos argumentos serão estudados no capítulo 3. Assim como no diálogo sobre gorjeta. Alice e Bob
têm um diálogo produtivo porque não somente eles apresentam argumentos que são relevantes para a questão,
mas replicam aos argumentos um do outro de forma considerada. Eles não se atacam, ignoram os argumentos
levantados pela outra parte, ou impedem que o outro expresse seu ponto de vista. Portanto, mesmo que o diálogo
não tenha chegado a um acordo, ele é produtivo no sentido de que dá uma perspectiva na argumentação da questão.

EXERCÍCIO 1.4

1. Identifique e descreva as cinco principais características do Diálogo do Papai Noel como um tipo de
diálogo contendo argumentação.

2. No diálogo da fala 4, Alice admite a Bob que quando seus pais contaram a ela sobre o Papai Noel, foi-lhe
muito agradável pensar que o Papai Noel a tinha dado presentes de Natal. Bob, na fala 4, coloca um
argumento relacionado a essa afirmação e diversas outras suposições. Expresse o argumento de Bob na
fala 4 como um conjunto de premissas e uma conclusão.

3. Na fala 4, Alice argumenta que, no geral, mentir é errado. Mostre seu argumento na forma de um
conjunto de premissas e uma conclusão. O argumento dela é relevante no diálogo do Papai Noel? Se sim,
explique o porquê.

CINCO Generalizações

Uma forma muito comum de dar uma razão para apoiar uma conclusão é oferecer uma generalização sob a qual a
conclusão pode ser categorizada [falls under]. Por exemplo, suponha que um estudante de geometria duvide que o
triângulo com o qual ele está trabalhando tenha três lados. O professor pode provar que ele tem três lados ao
simplesmente afirmar [state] a generalização: “Todos os triângulos têm três lados”. Essa afirmação [statement] é
chamada generalização universal, pois define [ascribes] uma propriedade de todos os triângulos. Uma generalização
é um tipo de afirmação que define alguma propriedade a um grupo de coisas individuais, ao invés de uma afirmação
particular sobre uma coisa específica. às vezes uma generalização é chamada de regra, ou regra geral, porque afirma
como as coisas geralmente acontecem em uma diversa gama [wide range] de casos específicos. Há diferentes tipos
de generalizações, e como eles funcionam pode ser ilustrado [is best illustrated] por meio da discussão de alguns
aspectos do diálogo do Papai Noel.

O diálogo do Papai Noel começa com uma discussão de um problema antigo [ancient]. Esse problema pode
ser expressado no velho ditado de que, para toda regra, há uma exceção. Alice disse que é uma regra ética que
mentir é sempre errado. Bob respondeu a essa afirmação [claim] utilizando um exemplo do tipo chamado contra-
exemplo. Um contra-exemplo é um caso específico em que a regra geral falha. Suponha, por exemplo, que você
afirme que todas as rãs são verdes. Digamos que você faz essa afirmação como uma generalização absoluta. Em
outras palavras, o que você está dizendo é que todas as rãs, sem exceção, são verdes. Mas, então, suponha que eu
lhe apresente uma rã marrom. É uma rã, e não é verde. Isso é um contra-exemplo à sua regra geral de que todas as
rãs são verdes. Em seu argumento no começo do diálogo do Papai Noel, Bob apresentou a Alice um contra-exemplo.
27

Ele pede a ela para supor que o vizinho dele, um homem conhecido por sua capacidade de cometer atos de violência
extrema quando não está sob medicação, chega à porta dela pedindo o rifle dele. Está claro nesse caso que o que a
Alice deveria dizer é guardar o rifle fora do alcance desse homem, mesmo que isso signifique mentir para ele.A razão,
como disse Bob, é que esse ato de mentir pode prevenir danos [harm], ou mesmo salvar vidas. O que o contra-
exemplo do Bob mostra é que a generalização de que mentir é sempre errado nem sempre se sustenta. Mas, então,
outro ponto é feito na resposta de Alice. Frente ao contra-argumento de Bob ela admite que mentir pode não ser
sempre absolutamente errado. Em outras palavras, ela está dizendo que sua generalização não é do tipo [adicionei
para maior clareza] absoluto, que se sustenta em todas as situações. Ao invés disso, ela agora a apresenta como um
princípio geral que age como regra, mas é sujeito a exceções em casos especiais. Entretanto, Alice não cedeu
imediatamente ao argumento de Bob. Ela admitiu que mentir pode ser justificado no caso do vizinho violento, mas
ela ainda argumenta: “no caso do Papai Noel, eu acho que mentir é errado.” O que aconteceu aqui é que Alice
admitiu que seu princípio geral pode falhar em alguns casos, mas essa concessão abre a possibilidade de que a
generalização pode funcionar em alguns casos, mas não em outros. E assim Alice argumenta que, mesmo que sua
generalização falhe no caso do vizinho violento, ela ainda pode funcionar no caso do Papai Noel.

Um contra-exemplo é uma afirmação de um tipo específico chamado único [singular], porque é sobre uma
única [single] instância particular. Uma afirmação única é uma proposição que diz algo sobre apenas um indivíduo.
Por outro lado, uma generalização é uma proposição que vai além de dizer algo sobre apenas um indivíduo e diz algo
que se estende para uma população mais ampla de indivíduos. Um exemplo de uma afirmação única é a proposição:
“Sócrates foi uma pessoa corajosa”. Essa proposição diz algo sobre o indivíduo Sócrates, um filósofo grego que viveu
no quinto século a.C. [ou a.E.C - Antes da Era Comum? O que é melhor?], e é assim classificada como uma afirmação
única. Um exemplo de generalização é a proposição: “Todos os filósofos são corajosos.” Esse tipo particular de
generalização, contendo a palavra “todos”, é uma generalização universal, uma proposição que é falsificada por
mesmo um único contra-exemplo. Tudo o que você tem que fazer para provar que a generalização é falsa é encontrar
uma única instância de um filósofo que não é corajoso.

Outro tipo de proposição é a afirmação existencial, que propõe que alguns indivíduos têm determinada
propriedade. Por exemplo, a proposição ‘Algumas rãs são verdes’ é uma afirmação existencial. Afirmações
existenciais são generalizações? À primeira vista, pode parecer que sim, porque elas, de fato, dizem algo sobre um
grupo de indivíduos mais amplo do que apenas um. Mas tradicionalmente na lógica, afirmações existenciais, como
‘Algumas rãs são verdes’, são tomadas literalmente como significando apenas ‘Ao menos uma rã é verde’. Uma
afirmação como essa pode ser provada como verdadeira por meio da citação de apenas uma instância de uma rã
verde. Assim, em geral, na lógica, afirmações existenciais não são classificadas como generalizações. Por outro lado,
elas também não são afirmações únicas.

Um dos tipos de argumentos mais comuns familiares à lógica é aquele em que uma generalização ou uma
afirmação existencial é ligado a uma afirmação única para formar um argumento para uma conclusão. Por exemplo,
considere o argumento: “Todas as rãs são verdes. Esta criatura é uma rã. Portanto, esta criatura é verde.” Aqui a
generalização universal é ligada a uma afirmação única, e as duas provam um argumento que apoia a conclusão.
Vários exemplos de argumentos como esse são examinados no capítulo 4, sessões 2 e 4.

Uma generalização universal é de natureza absoluta, porque diz algo sobre cada indivíduo do tipo definido,
e nenhuma exceção é tolerada, a menos que a generalização seja apropriadamente qualificada. Por exemplo, na
proposição: “Todas as rãs menos as rãs de árvore e rãs escavadoras vivem no nível do solo”, duas qualificações foram
inseridas. Mas essa afirmação ainda é classificada como uma generalização universal, porque faz uma declaração
sobre todas as rãs menos rãs de árvore e rãs escavadoras. E uma única instância de uma rã que não é uma rã de
árvore ou uma rã escavadora que não vive no nível do solo falsifica a afirmação.

Algumas generalizações, entretanto, não são absolutas em natureza, e não são classificadas como
generalizações universais. Um tipo é a generalização indutiva, que afirma que um certo número de indivíduos (um
número que pode ser especificado exatamente ou não) tem uma certa propriedade. Exemplos seriam as afirmações:
“A maior parte das rãs comem insetos” ou “76,8% das rãs são comedores [porque se refere a por cento] de insetos”.
Uma generalização indutiva como a última, que usa um termo indutivo não-específico como “a maior parte” ou
“vários”, é classificado com uma generalização indutiva não-estatística. Uma generalização indutiva não-estatística
pode ser convertida a uma estatística pela inserção de um valor exato para o termo não-específico na generalização,
tornando a generalização mais precisa.

Outro tipo de generalização que é de natureza não-absoluta é a generalização presuntiva revogável


[presumptive defeasible generalization], que diz que alguns tipos de indivíduos geralmente têm uma certa
28

propriedade, com exceções. Por exemplo, a generalização revogável “pássaros voam” diz algo de forma geral sobre
os pássaros. Mas, ao contrário de uma generalização absoluta universal, não está sujeita à derrota por uma única
contra-instância. A afirmação geral “pássaros voam” é verdadeira, mesmo que haja alguns pássaros, como pinguins
e avestruzes, que não voem. Generalizações como essa fazem uma declaração sobre a forma como as coisas
tipicamente ou geralmente acontecem em um caso padrão ou normal, mas elas estão sujeitas a exceções. Elas têm
a propriedade de ser revogáveis, ou seja, estão sujeitas à derrota em casos especiais, mesmo que a generalização
ainda seja verdadeira para o caso padrão ou típico. Esse tipo de generalização é, também, presuntiva, o que significa
que é aceita apenas provisionalmente com uma suposição tentativamente acordada por ambas as partes em um
diálogo. Mais tarde no diálogo, se uma exceção for encontrada, a generalização pode ter de ser abandonada. Às
vezes os tipos de exceções são conhecidos e previsíveis, mas às vezes não são. Por exemplo, é fato bem conhecido
que alguns tipos de pássaros não voam. Mas há outros tipos de casos excepcionais que podem não ser tão
previsíveis. Por exemplo, um pássaro pode ter uma asa quebrada. Então mesmo que seja geralmente verdadeiro
que pássaros voem, e mesmo verdadeiro que esse tipo de pássaro normalmente voa, pode não ser verdade que
esse pássaro, em particular, voe. Assim, as exceções que podem ser encontradas em casos particulares não são
geralmente previsíveis em generalizações presuntivas revogáveis. Note que essa afirmação em si é uma
generalização presuntiva revogável.

Para sintetizar a discussão, existem três tipos de generalizações. A primeira delas é a generalização
universal. Ela pode ser chamada de “estrita” ou “absoluta”, pois não admite exceções. Generalizações indutivas são
menos estritas, pois são baseadas em probabilidades. Como se tem que probabilidades exatas podem ser calculadas
utilizando-se dados numéricos, inferências indutivas podem ser numericamente julgadas. Por último, generalizações
presuntivas revogáveis [presumptive defeasible generalizations] são as menos estritas, pois se baseiam no que é
tido como uma situação típica ou familiar, mas em que há um conhecimento incompleto ou inexato sobre que rumos
as coisas podem tomar. Para fins de simplificação, permita-nos adotar a prática de chamar generalizações
presuntivas revogáveis simplesmente de generalizações revogáveis.

A natureza precisa da diferença entre generalizações indutivas e revogáveis tem sido uma matéria de
considerável controvérsia recentemente. Alguns pensam nas generalizações revogáveis como um subtipo especial
das generalizações indutivas, enquanto outros as veem como um tipo separado de generalização. A diferença básica
é que generalizações indutivas tratam do número de instâncias ou da proporção entre instâncias e não instâncias de
uma propriedade, enquanto generalizações revogáveis tratam de como um cenário pode se desenvolver em uma
situação familiar ou ordinária. [The basic difference is that inductive generalizations are about the number of
instances or proportion of. No raciocínio revogável ou derrotável, pode haver grandes quantidades de informações,
as probabilidades podem ser desconhecidas e a situação pode se alterar rapidamente. O melhor que podemos fazer
é listar todos os argumentos em ambos os lados e, então, decidir qual deles plausivelmente possui a argumentação
mais forte. Quando é dito que as generalizações são revogáveis, isso significa que elas possuem exceções que não
podem, em muitas circunstâncias, ser preditas ou mesmo categorizadas previamente. Portanto, argumentos que as
contenham não podem ser avaliados da mesma forma numérica ou estatística que argumentos indutivos. Assim,
nós precisamos manter uma mente aberta sobre tais argumentos, pois eles são baseados em suposições e
postulados que são sujeitos a voltar à estaca inicial à medida em que novas informações entram na equação.
Precisamos estar abertos a desistir deles.

Usar generalizações revogáveis na argumentação é necessário, mas perigoso. Um dos problemas é que há
uma tendência natural, em alguns casos, a excessivamente generalizar ou a fazer generalizações precipitadas que
não são realmente pautadas em evidências. Mas, nota-se, a quantidade de evidência necessária para apoiar uma
generalização depende do tipo de generalização sendo feito em um dado caso. Generalizações universais estritas
são as mais difíceis de provar, pois fazem uma afirmação sobre todos os cenários dentro de um determinado tópico.
Muitas generalizações universais até mesmo se referem a eventos futuros que não podem ser ainda conhecidos ou
preditos com certeza. Tais generalizações não podem ser provadas com certeza absoluta, pois o futuro não é
conhecido. Generalizações indutivas são geralmente mais fáceis de provar, e generalizações revogáveis requerem
menos evidência ainda, pois são mais fracas por natureza e pela facilidade com que exceções podem ser
encontradas.

Um erro de raciocínio comum em conexão com o uso de generalizações revogáveis é a falácia do ato de
ignorar qualificações. Ela é também, em certas ocasiões, chamada de falácia da generalização precipitada, e ocorre
em casos nos quais exceções a uma generalização revogável têm pouca atenção dada a elas e não são consideradas
de forma apropriada quando uma conclusão baseada naquela generalização é construída. Nós já vimos como
exceções a uma generalização podem ser controversas no diálogo do Papai Noel, em que uma regra geral citada foi
29

a de que a propriedade de uma pessoa deveria ser devolvida a ela caso assim fosse requisitado. Mas vamos imaginar
que uma pessoa ignorou a exceção à regra, argumentando em um diálogo como indicado abaixo. Vamos dizer que,
em algum ponto do diálogo, um participante forme uma conclusão baseada no seguinte argumento:

ARGUMENTO EM UM PONTO DO DIÁLOGO

PREMISSA: todos têm o direito à sua propriedade.

PREMISSA: Smith está demando que eu devolva a ele o seu rifle.

PREMISSA: O rifle de Smith é sua propriedade.

CONCLUSÃO: Eu deveria devolver o rifle a ele.

Esse argumento é razoável, até agora. A generalização na primeira premissa é revogável/derrotável, mas não há
uma exceção a ela até agora, ao menos até onde os participantes sabem. Mas, então, uma nova informação sobre
a situação se torna conhecida na forma de dois novos fatos.

NOVO FATO: Smith é conhecido por ser portador de transtornos mentais e por ser capaz de atos de
extrema violência quando fora de sua medicação.

NOVO FATO: Smith não está usando sua medicação.

A forma correta de proceder frente a essa nova evidência sobre a situação descrita é a retração da conclusão
anterior, baseada no argumento revogável aceito previamente. Tal argumento foi agora deslegitimado. Mas e se o
proponente do argumento anterior se recusa a retrair e passa a defender sua conclusão, ‘Eu deveria devolver a
Smith o seu rifle’? O problema com esse diálogo é que, ainda que a conclusão derive das primeiras duas premissas
do argumento original – pautado no raciocínio revogável – os dois novos fatos do caso representam exatamente o
tipo correto de exceção para derrotar aquele argumento. Assim, qualquer um que se prenda à conclusão original,
baseada no embasamento dado pelas duas primeiras premissas, ignora as qualificações que deveriam ser parte da
generalização. Tal argumentador comete a falácia de ignorar as qualificações (generalização precipitada).

Um problema sério com a argumentação baseada em generalizações é que algumas pessoas que são
apaixonadamente comprometidas com um ponto de vista tendem a ignorar qualificações que são necessárias em
um caso específico. Elas persistem tratando a generalização como absoluta ou universal por natureza, como se
qualificações algumas fossem necessárias a ela. Tal falta de flexibilidade na argumentação e insensibilidade a uma
possível necessidade de qualificar uma generalização está na raiz do rígido estereótipo que é característico de
debatedores que são intensamente comprometidos com suas convicções. Tais argumentadores querem ver tudo
por meio de uma forma preta e branca polarizada que molda generalizações revogáveis em generalizações
universais, mesmo quando tal visão absolutista das coisas é impraticável ou não pode ser adequadamente
chancelada pela evidência que está disponível. Eles podem até mesmo enxergar todos os críticos ou oponentes de
seus pontos de vista como pessoas malignas que não são dignas de confiança, operando de acordo com o princípio
“se você não está a nosso fazer, você está contra nós”. Portando, eles estão fechados e rejeitam argumentações
críticas que levantem dúvidas sobre suas visões. Assim, tende a ser fútil tentar usar a argumentação racional ao
dialogar com tais pessoas. Elas podem parecer ouvir seus argumentos e até mesmo reconhecê-los ou argumentar
contra eles, mas irão sempre retornar ao mesmo ponto de vista fixo. Dessa forma, generalizações revogáveis são
perigosas. Mas também necessárias, se temos que lidar com a argumentação em um mundo de incertezas e falta de
conhecimento, onde temos que operar com base em presunções para desenhar conclusões inteligentes na
argumentação sobre debates controversos envolvendo valores e políticas públicas, como alimentos geneticamente
modificados e a eutanásia.
30

EXERCÍCIO 1.5

1. Classifique as seguintes sentenças como uma declaração singular, uma declaração existencial ou uma
generalização. No caso de generalizações, identifique de que tipo elas são.
a. Alguns parisienses que vivem em Left Bank (região da cidade de Paris) são intelectuais.
b. Pesquisas de opinião não são confiáveis.
c. JFK foi assassinado em Dallas.
d. Todas as criaturas que possuem corações possuem rins.
e. Em 1994, 78% dos compradores de fraldas compraram fraldas descartáveis.
f. Leões marinhos são mamíferos.
g. Leões marinhos vivem nessas cavernas.
h. Xerxer foi um rei na Pérsia Antiga.
i. Elétrons possuem carga negativa, ao contrário de prótons, que possuem carga positiva.
j. A maioria dos prédios de apartamentos em Fresno são feitos de blocos de concreto.
k. Quase todas as mortes que ocorrem em veículos com air bags ocorrem em casos em que os
ocupantes não estavam usando cinto de segurança

2. Escreva um contraexemplo às seguintes generalizações.


a. Todos os astronautas no ônibus espacial eram americanos.
b. Vazamentos radioativos sempre seguem uma explosão nuclear.

3. Julgue se a falácia de ignorar qualificações foi cometida em algum dos seguintes argumentos.
a. Todos, com exceção de estudantes, estão convidados. Bob é um estudante. Portanto, Bob não foi
convidado.
b. A maioria dos escoteiros vendem cookies. Wilma é uma escoteira. Portanto, Wilma vende
cookies.
c. Geralmente, beija-flores são atraídos por flores brilhantes. Lá vem um beija-flor. Seria um bom
palpite que ele irá se dirigir àquelas flores brilhantes no jardim.
d. Exercícios extenuantes são saudáveis. Jim deveria praticar exercícios extenuantes, pois possui
uma condição cardíaca não saudável.
e. Aspirina é boa para pessoas que possuem transtornos no coração. Sue possui um problema
cardíaco e também problemas estomacais. Então, Sie deveria tomar uma aspirina.
f. Cães são geralmente amigáveis e você deveria oferecer carinho a eles. Lá vem um pequeno cão.
Ele se parece com um pit bull. Ele está rosnando e espumando pela boca. Você deveria lhe
oferecer carinho.

SEIS Encadeamento de Argumentos

No diálogo sobre as gorjetas, Helen apresenta uma cadeia de argumentação que pode ser resumida da seguinte
maneira. Ela argumenta que é difícil saber o quanto dar de gorjeta e, por causa dessa incerteza, tal prática gera
constrangimentos e desconfortos. Ela utilizou dessa cadeia de argumentação para dar suporte a sua conclusão final
(tese) no diálogo como um todo. Essa conclusão final foi a de que dar gorjetas é uma má prática que deve ser cessada.
Em um nível global, a argumentação de Helen no diálogo pode ser vista encaminhando-se a essa conclusão final.
Mas também é possível identificar algumas partes argumentativas em um nível local.

Identifiquemos um argumento específico na cadeia de argumentação de Helen indicando as premissas e a


conclusão dentro desse (Aqui o autor quer dizer que um argumento é formado por premissas que são suporte a uma
conclusão). Essas premissas são afirmações apresentadas por Helen como motivos para fazer Bob aceitar as
conclusões citadas abaixo.
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PRIMEIRO ARGUMENTO NA CADEIA

PREMISSA 1: Com as gorjetas, o senso comum deixa muita margem para incertezas

PREMISSA 2: Se quem for dar a gorjeta dá pouco, aquele que recebe fica constrangido e desconfortável.
Se quem for dar a gorjeta dá muito, ela pode ficar constrangido e desconfortável.

PREMISSA 3: Por causa dessa incerteza, ambos os indivíduos podem ficar constrangidos e desconfortáveis

CONCLUSÃO: A prática de dar gorjetas resulta em constrangimento e desconforto.

A premissa 2 é a razão que dá suporte a premissa 3. Baseado nisso, a premissa 3 se liga à premissa 1 e essas juntas
dão suporte à conclusão.

Consideremos um outro argumento na cadeia de argumentação de Helen. Ele pode ser expresso em forma
de 3 afirmações. Duas dessas são premissas, afirmações com a finalidade de dar suporte a uma conclusão, uma
alegação feita por Helen. Essa alegação é a conclusão final (tese) de Helen no diálogo sobre as gorjetas.

SEGUNDO ARGUMENTO NA CADEIA

PREMISSA 1: Se uma prática causa constrangimento e desconforto, é uma má prática e deverá ser
cessada.

PREMISSA 2: A prática de dar gorjetas causa constrangimento e desconforto.

CONCLUSÃO: A prática de dar gorjetas é uma má prática e deverá ser cessada.

Este argumento é utilizado por Helen para sanar as dúvidas de Bob sobre a conclusão do próprio argumento, que é
a conclusão final (tese) de Helen no diálogo como um todo.

Agora pode-se encadear os dois argumentos na cadeia de argumentação, A conclusão do primeiro age
como uma premissa no segundo. Assim pode-se notar que o primeiro argumento representa um suporte auxiliar
para o segundo. Se Bob apresenta alguma dúvida em relação à segunda premissa do segundo argumento, Helen
pode evocar o primeiro argumento como um suporte auxiliar para o segundo. No diálogo como um todo, Bob
discorda da conclusão final de Helen. Ele é a favor de dar gorjetas. Mas, uma vez que Helen evoca o segundo
argumento, ele precisa lidar com isso e a premissa 1 do segundo argumento é difícil de rebater. Pouquíssimos teriam
alguma divergência em relação a esse, ao passo que a premissa 2 do segundo argumento já é mais questionável.
Diante dessa, Bob poderia certamente pedir para Helen apresentar uma evidência para provar sua conclusão. Helen
pode então evocar o primeiro argumento para embasar a premissa da qual Bob duvidou. Assim é natural ver como
a argumentação em um diálogo forma uma cadeia composta de argumentos menores.

Em outros exemplos, um argumento estava a uma etapa de uma premissa para uma conclusão (isso vai
fazer sentido no final do parágrafo). Mas mesmo nos exemplos de argumentos mais simples é comum haver uma
corrente de argumentos específicos combinados. Por exemplo, no caso de um dia que faz frio, a afirmação 2 é
inferida diante da afirmação 1. Nessa parte do argumento, 2 é a conclusão. No entanto, na próxima etapa, 2 é
utilizada como uma premissa a um próximo argumento.

EXEMPLO DE UM DIA FRIO

1. A temperatura está abaixo de 15°C.

2. Portanto é um dia frio.

3. Portanto seria bom usar um casaccasaco.


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Aqui se tem uma afirmação imediata, 2, que é utilizada não só como conclusão para o primeiro argumento, mas
também como uma premissa para 3. Assim, uma cadeia de argumentação se estende desde uma premissa inicial
(1), passando por um estado intermediário (2), até a conclusão final (3). Essa estrutura é chamada de cadeia de
argumentação, em que uma conclusão sobre uma inferência funciona como inferência para outra conclusão. Esse
tipo de cadeia pode assumir uma extensão considerável. Considere o tipo de lógica em um jogo de xadrez, por
exemplo. É preciso pensar diversas jogadas adiante. A maneira de fazê-lo é construir uma cadeia de argumentação.

As cadeias de argumentação possuem inferências que possuem mais de uma premissa em uma
determinada etapa. Consideremos o exemplo de uma cadeia de argumentação mais extensa.

O EXEMPLO DAS BERMUDAS

1. Todos aqueles que nascerem nas ilhas bermudas são considerados “britânicos”.

2. Harry nasceu nas Ilhas Bermudas.

3. Portanto Harry é considerado “britânico”.

4. Todos os “britânicos têm” o direito de morar na Inglaterra.

5. Portanto Harry tem o direito de morar na Inglaterra.

O primeiro argumento local dessa cadeia de argumentos possui uma “estrutura de uma etapa”. As duas premissas
são as proposições 1 e 2 e a conclusão é a proposição 3. Mas esse argumento é combinado com um outro, que é
formado pela premissa 4 e pela conclusão 5. No entanto a premissa 4 não é suficiente para embasar a conclusão 5.
A conclusão anterior 3 precisa ser adicionada como uma nova premissa. Uma vez que a afirmação 4 está ligado à
afirmação 3, juntas essas funcionam como premissas para embasar a conclusão 5. Assim 3 assume dois papeis na
cadeia de argumentação. Primeiro assume a função de uma conclusão de um argumento e então atua como
premissa para o próximo. Em suma, podemos observar como a cadeia de argumentação é formada por argumentos
menores que são conectados entre si. A conclusão sobre uma inferência atua como premissa em uma outra
conclusão.

Uma vez que compreendemos a ideia por trás da cadeia de argumentação podemos refletir sobre sua
aplicação em um diálogo. Essa reflexão nos encaminha para uma melhor noção da argumentação. Tipicamente, uma
cadeia de argumentação é utilizada para provar ou dar provas para justificar uma conclusão final, que é o final dessa
cadeia. Assim, a argumentação racional pode ser definida como o encadeamento de argumentos que nos
encaminham a um final específico. O argumento pretende dar suporte a uma conclusão e assim esclarecer dúvidas
sobre a veracidade e a razoabilidade da conclusão expressa no diálogo. Mas em uma corrente de argumentação,
constituída por argumentos menores conectados, sempre tem um propósito ou diretriz. Ele é direcionado para
provar ou justificar uma afirmação que foi posta em dúvida ou que não esteja resolvida em um diálogo.

Para melhor entender o termo “Argumento” é necessário ressaltar seus dois usos na lógica. Na lógica
tradicional, o termo geralmente é utilizado para se referir para um único argumento de uma etapa tal qual nos
diversos exemplos já mencionados. Isso representa o argumento em um nível local, o que significa que ele é utilizado
em um ponto particular como parte de uma troca de perguntas e resposta muito mais extensa. No entanto, também
é possível pensar no argumento em um nível global como uma longa sequência de argumentação conectada e
composta por diversos argumentos menores encadeados ao longo do diálogo. Um argumento em um nível global
conecta um argumento local à questão principal sendo debatida no diálogo como um todo. No diálogo sobre as
gorjetas, a principal questão a ser debatida é se dar gorjetas é geralmente uma má prática. Assim, em um nível
global, as teses de Helen e Bob são opostas. A questão entre ambos não está resolvida.
33

EXERCÍCIOS 1.6

Em cada um dos exemplos abaixo, faça uma lista numerando todas as afirmações feitas. No caso de um único
argumento, identifique cada afirmação como uma premissa ou conclusão. No caso de uma corrente de
argumentação, demonstre como os argumentos menores se inserem na cadeia principal. Em cada caso, mostre
como as premissas podem ser utilizadas como embasamento para uma conclusão em um diálogo com tema
controverso.

A. Fumar faz mal para a sua saúde, pois prejudica o funcionamento saudável do seu pulmão. Qualquer coisa
que prejudica o funcionamento saudável do seu pulmão faz mal para a sua saúde.

B. A eutanásia leva à perda de consideração pela vida humana. Qualquer coisa que leva à perda de
consideração pela vida humana é perigosa. Portanto a eutanásia é perigosa.

C. Punições não impedem crimes a não ser que sejam certeiras e imediatas. As punições não são certeiras e
imediatas no sistema judiciário americano. Portanto punições não impedem crimes no sistema judiciário
americano.

D. A Holanda é propensa a inundações. Qual prova temos para embasar tal afirmação? A Holanda situa-se
abaixo do nível do mar em diversas áreas de seu território e áreas abaixo do nível do mar são propensas a
inundações. O motivo é que a água exerce pressão sobre a superfícies que a delimitam. Se a pressão for
liberada ela corre para o nível mais baixo e ocupa espaço vazio.

E. Deus é bom, apesar de alguns céticos negarem esta afirmação. Um ser bom não causaria dor e sofrimento
sem motivo. Então Deus não causaria dor e sofrimento sem motivo. Mas Deus causa sofrimento em
guerras, doenças e desastres naturais. Portanto Deus deve ter um motivo para isso. Consequentemente
deve haver um motivo para guerras, doenças e desastres naturais. Assim sendo, guerras, doenças e
desastres naturais não são motivos para pensar que Deus não é bom.

SETE Crítica por Questionamento ou Refutação

Há uma distinção que é fundamental para a argumentação crítica que se fará presente por todo este livro. Essa é a
distinção entre afirmar uma proposição e questionar uma proposição. Quando se afirma uma proposição, você está
reivindicando-a como verdade. Você está fazendo dela uma reivindicação definitiva. Você se dizer a favor da
proposição, significa que você está expressando um ponto de vista profissional com respeito a isso. Essa afirmação
representa um compromisso com a proposição reivindicada. Então, você deve se manter nessa reivindicação em um
diálogo, caso deseje continuar mantendo-a frente a questionamentos ou objeções que apareçam conforme o
decorrer do diálogo. Questionar uma proposição é um assunto diferente. Quando você questiona uma proposição,
você não está necessariamente reivindicando-a como falsa, ou verdadeira. O questionamento expressa um ponto
de vista neutro, ele é meramente uma expressão da dúvida. Duvidar não implica crença, ou compromisso.
Questionar é, pelo menos frequentemente, a suspensão da opinião ou reivindicação de verdade, ou falsidade. Um
questionamento, tipicamente, diz “Eu não sei julgar a proposição como verdadeira, ou falsa”, então ele não
reivindica que a proposição seja verdadeira, ou falsa. Em outras palavras, questionar uma proposição representa um
tipo de compromisso mais fraco que a reivindicação. Quando se faz uma declaração, está se tomando uma opinião
e uma fala, então você deve defendê-la para mantê-la. Mas, você é livre para questionar qualquer proposição sem
comprometimento de dizê-la ser verdade, ou mentira.

Essa distinção entre afirmação e questionamento tem implicações em relação a como movimentos em
diálogos são relacionados a movimentos anteriores. Vamos dizer que existem 2 participantes em um diálogo
chamados White e Black. White se move primeiro e coloca um argumento. Em seu próximo movimento, Black pode
reagir criticamente ao argumento. Ele pode colocar um argumento oposto, atacando o argumento anterior, ao dar
razão para que se pense que sua conclusão não é verdadeira. Em outras palavras, ele coloca um novo argumento
que possui uma conclusão divergente da conclusão de White. Esse tipo de movimento é chamado de apresentação
de um contra-argumento (ou refutação) ao argumento original. Tal refutação irá (presumivelmente) demonstrar que
o argumento de White está errado. Ou, pelo menos, vai oferecer razões que demonstrem que o argumento de White
34

não prova o que deveria provar. Caso não apresente razões, então Black conseguirá atacá-lo, simplesmente,
apontando isso. Outra maneira de Black reagir criticamente é questionando o argumento de White, mas sem
apresentar uma razão que demonstre que a conclusão de White é falsa. Ele pode levantar uma questão sobre o
argumento, talvez encontrando algum ponto fraco nele, representando que algum aspecto nele seja merecedor de
dúvida. Portanto, há duas maneiras básicas de atacar um argumento. Uma é apresentar uma refutação, ou um
contra-argumento, uma forma, comparativamente, mais forte de ataque. E a outra é fazer perguntas que levantem
dúvidas quanto ao argumento, mas sem ir tão longe a ponto de refutar o argumento colocando um contra-
argumento.

Por exemplo, suponhamos que White tenha afirmado que Urano é o sétimo planeta em órbita ao redor do
Sol, porque isso foi dito no jornal. Black poderia questionar seu argumento, dizendo: “Esse jornal é uma fonte
confiável?” E assim, Black não estaria oferecendo um contra-argumento, porém estaria fazendo uma pergunta que
levanta dúvidas quanto a algum aspecto do argumento. Em outro caso, Black poderia tomar uma postura mais forte,
colocando um argumento oposto, como: “No meu livro de astronomia diz que Vênus é o sétimo planeta em órbita
ao redor do Sol” A conclusão de ser argumento, ‘Vênus é o sétimo planeta em órbita ao redor do Sol’, é oposta à
conclusão do argumento de White, ‘Urano é o sétimo planeta em órbita ao redor do Sol’. Elas são opostas em sentido
não podendo, ambas, serem verdadeiras. Se uma proposição é verdadeira, a outra é falsa. Portanto, Black fez uma
reivindicação de oposição, e apresentou um contra-argumento para fortalecê-lo. Visto que um livro de astronomia
é, geralmente, uma fonte mais confiável que um jornal, o argumento de Black é o mais forte dentre os dois. É uma
refutação do argumento de White.

Considere a última parte do diálogo sobre gorjetas mais uma vez, como uma sequência de movimentos
onde Bob e Helen trocam argumentos opostos.

Bob (4): Muitos estudantes dependem de gorjetas para ajudá-los a pagarem seu estudo em
uma universidade. A educação universitária é uma coisa boa. Descontinuar as gorjetas
significaria que menos estudantes seriam capazes de pagar por ela.

Helen (5): Não há problema. Tudo que eles precisam é de obter um salário mínimo.

Bob (5): Isso pode apenas colocar alguns restaurantes fora de circulação, resultando na perda
de trabalho para os estudantes e outros.

Aqui, Bob começa essa troca de argumentos colocando um argumento. Como demonstrado acima, seu argumento
pode ser expressado como um conjunto de premissas que suportam uma conclusão a qual ele argumenta a favor.
Vamos esquematizar como seu argumento é construído:

PREMISSA: Muitos estudantes dependem de gorjetas para ajudá-los a pagarem seu estudo em uma
universidade.

PREMISSA: A educação universitária é uma coisa boa.

PREMISSA: Descontinuar as gorjetas significaria que menos estudantes seriam capazes de pagar por ela.

CONCLUSÃO: Descontinuar as gorjetas seria uma coisa ruim.

Helen respondeu com outro argumento, dizendo: “Não há problema. Tudo que eles precisam é de obter um salário
mínimo.”. Ela coloca outro argumento, oposto ao de Bob e, portanto, seu movimento é classificado como uma
refutação. Uma refutação ocorre, como definido acima, onde um argumento foi posto por um grupo em diálogo e
outro argumento com uma conclusão oposta ao primeiro argumento é posto por outro grupo. A maneira como a
refutação funciona é o que corrompe a estrutura que suporta as premissas para a conclusão do primeiro argumento,
normalmente, introduzindo uma nova premissa. A refutação de Helen pode ser estruturada da maneira a seguir:
35

PREMISSA: Se obtivessem um salário mínimo, os estudantes não teriam que depender de gorjetas para
bancar seu estudo em uma universidade.

PREMISSA: Se estudantes não tivessem que depender de gorjetas para bancar os custos de seu estudo
em uma universidade, não seria necessário a eles dependerem de gorjetas para bancar os custos.

CONCLUSÃO: Não é verdade que descontinuar as gorjetas seria uma coisa ruim.

Sua primeira premissa introduz uma nova suposição à argumentação do diálogo. Baseado nessa suposição como
premissa, e também na outra premissa, como indicado acima, Helen chegou a uma conclusão. A conclusão é oposta
a de Bob em seu principal argumento acima, As premissas do argumento de Bob deram suporte para a conclusão.
Mas o novo argumento de Helen, que introduziu ao diálogo um novo movimento, deu uma razão que suportasse
sua conclusão, oposta a de Bob. Portanto, o argumento de Helen é uma refutação do argumento prévio de Bob.

Nota-se acima que relevância é um importante princípio da argumentação e que um argumento é relevante
se leva até a tese de seu argumentante, que ele, ou ela, está tentando provar durante o diálogo. Mas tem outro
fator crucial para a relevância. Essa relação entre um argumento e o próximo, ou o movimento feito pelo outro
grupo que faz o diálogo se entrelaçar e faz dele um diálogo produtivo. O argumento de Bob responde ao de Helen,
já a objeção de Helen responde ao último de Bob. O movimento anterior é relevante para o próximo. Toda a cadeia
de argumentação se entrelaça e segue em direção à resolução do assunto central. Observar o argumento de um
ponto de vista local é muito útil quando se deseja isolar as premissas das conclusões a fim de analisá-las e validá-las,
além de ver como um movimento está relacionado a outro. Mas isso também pode ser útil para observar um
argumento de um ponto de vista global, especialmente onde esse argumento é longo e sabe-se mais sobre o
contexto de como ele está sendo usado e em que direção segue.

EXERCÍCIO 1.7

1. Encontre um exemplo no diálogo do Papai Noel onde um grupo refuta o argumento anterior do outro
grupo. Expresse cada argumento como um conjunto de premissas e uma conclusão.

2. Encontre um exemplo no diálogo do Papai Noel onde o grupo questiona os argumentos do outro grupo,
mas não tenta refutá-lo.

3. Encontre uma corrente de argumentação no diálogo do Papai Noel e identifique todas as premissas e
conclusões da corrente.

OITO Criticando um Argumento por Meio de Perguntas

No diálogo sobre as gorjetas, Alice faz a Bob a pergunta: "Como você pode julgar se o serviço é excelente"? Bob
responde dizendo: "Você apenas tem de usar o bom senso". Helen responde: "Isso não é uma resposta". O que
vemos aqui é uma forma típica de troca (Exchange) num diálogo. Helen afirmou que Bob não respondeu à pergunta.
Mas ela não quis dizer isso literalmente. O que ela quis dizer foi que achou a resposta de Bob questionável. Ela não
aceitou a sua resposta de que o senso comum pode ser usado como critério para saber se o serviço é excelente. Ela
respondeu: "O senso comum é muitas vezes errado, não é?" Helen tornou a natureza da sua objeção mais clara um
pouco mais tarde, quando disse: "Com as gorjetas, o bom senso deixa demasiado aberto à incerteza" (colocar a
tradução do capítulo original). Este exemplo mostra que a formulação de uma pergunta pode ser apoiada por um
argumento. Ilustra também outro aspecto da distinção entre refutar (rebutting) uma discussão e fazer uma pergunta
sobre o assunto. O ato discursivo de fazer uma pergunta pode não ser totalmente neutro. Pode ser uma questão
crítica que pode prejudicar ou minar um argumento anterior da outra parte em um diálogo. Em tal caso,
simplesmente fazer uma pergunta é uma crítica séria a um argumento anterior. Uma crítica assim é um ataque ao
argumento, assim como uma refutação (rebuttal) é um ataque, uma vez que expor uma dúvida genuína sobre um
argumento pode ser uma razão para não o aceitar mais.
36

Para ilustrar como uma pergunta (question) pode ser um ataque a um argumento, e para introduzir alguns
novos tipos de argumentos, considere o seguinte diálogo sobre alimentos geneticamente modificados. Os alimentos
geneticamente modificados vêm de plantas que foram modificadas em laboratório para melhorar características
desejadas, tais como resistência aos herbicidas. Os geneticistas podem isolar genes, tais como como o responsável
pela tolerância à seca, e depois criar uma planta com esse gene exato. As plantas geneticamente modificadas
crescem mais rapidamente, são mais resistentes às pragas e podem ser criadas de tal forma que sejam mais
nutritivas. Por estas razões, os alimentos geneticamente modificados estão se tornando mais difundidos nas lojas e
mercados. Muitas plantas, tais como a soja, beterraba e tomate, assim como alimentos processados, tais como óleos
vegetais e cereais de café da manhã, contêm agora alguma percentagem de ingredientes geneticamente
modificados. Mark e Sarah estão discutindo esse assunto. Ele argumenta que devemos continuar este processo de
introdução de alimentos geneticamente modificados na alimentação humana. Contra esse ponto de vista, ativistas
ambientais e grupos de interesse público têm levantado questões sobre a possibilidade de essa introdução de
alimentos geneticamente modificados ser prejudicial. Sarah adota uma visão cética no diálogo abaixo, levantando
perguntas críticas (critical questions) sobre os argumentos de Mark.

O DIÁLOGO SOBRE ALIMENTOS GENETICAMENTE MODIFICADOS

Mark (1): Há pessoas famintas em muitos países do mundo atual. Prevê-se que a população
mundial duplique nos próximos cinquenta anos. Assim (Hence), o problema das pessoas que
morrem de fome será muito mais grave em anos futuros. Os alimentos geneticamente
modificados podem ajudar a resolver esse problema.

Sarah (1): Os efeitos a longo prazo da modificação genética ainda não foram testados. Pelo
que sabemos, a dependência de culturas geneticamente modificadas poderia destruir o
ambiente, incluindo toda a vida vegetal, tornando o problema da fome ainda pior. Assim
(thus), é duvidoso que sejam seguros.

Mark (2): Segundo a Monsanto, a empresa líder mundial em biotecnologia, os alimentos


geneticamente modificados são seguros para o ambiente. Eles são peritos que sabem tudo
sobre esses produtos.

Sarah (2): Eles têm a lucrar com a produção destes novos alimentos. Podemos confiar neles
para dar uma visão imparcial? Duvido. Essa é a empresa que produziu o Agente Laranja e o
DDT.

Mark (3): Nenhum efeito nocivo foi verificado em pessoas que comem alimentos
geneticamente modificados, até onde sabemos. Uma vez que não há provas de que sejam
prejudiciais, o melhor é operar com base na presunção de que não o são.

Sarah (3): Isso é apenas argumentar por ignorância (arguing from ignorance), não é? Você
pode argumentar a partir de falta de provas? Não é melhor argumentar a partir do
conhecimento positivo que nós temos?

Mark (4): O que sabemos é que os agricultores utilizam muitas toneladas de produtos
químicos pesticidas todos os anos nas culturas que produzem. Os alimentos tratados com
pesticidas constituem um perigo para a saúde. Assim, as colheitas produzidas pelos
agricultores neste momento são um perigo para a saúde. Além disso, os resíduos agrícolas
de pesticidas e fertilizantes estão envenenando abastecimento de água. Assim, as práticas
agrícolas atuais estão produzindo sérios danos para o ambiente e para a saúde humana.
Culturas geneticamente modificadas requerem menos pesticidas e fertilizantes. São menos
perigosas do que o que estamos fazendo atualmente.

Sarah (4): Eu duvido, porque também existem riscos ambientais ligados aos alimentos
geneticamente modificados que estão ocorrendo em consequência do que estamos fazendo
agora. Os cientistas têm demonstrado que as elevadas taxas de mortalidade sofridas
atualmente por borboletas monarca são causadas por pólen de milho geneticamente
modificado. O pólen do milho é levado pelo vento até os campos vizinhos, as lagartas
monarcas o ingerem e morrem em grande número.
37

Mark (5): Bom, isso é apenas um apelo à autoridade (appeal to authority). Você pode confiar
nele?

Sarah (5): As descobertas foram publicadas na revista científica “Nature”.

Mark (6): Mesmo reconhecendo o seu ponto de vista, há sempre dois lados para a utilização
de pesticidas. Neste momento, sabemos que as perdas de colheitas devido a pragas de
insetos podem ser enormes. À medida que a população mundial cresce, o que resulta em
mais e mais escassez de terrenos adequados para a produção de alimentos, teremos que
cultivar plantas em áreas onde seria impossível sem alimentos geneticamente modificados.

Sarah (6): E se as plantas geneticamente modificadas que estão sendo desenvolvidas


transferirem os seus genes para ervas daninhas que se tornarão imunes a herbicidas?
Superervas poderiam ser criadas. E como disse antes, as consequências futuras poderiam ser
a criação de novas espécies geneticamente modificadas que poderiam destruir todas as
plantações. Os herbicidas podem tornar-se ineficazes contra estas superervas. A sua
polinização em todo o mundo criaria muito mais fome generalizada do que temos agora.
Acho que isso representa um problema para o seu argumento.

Mark (7): Uma solução é criar zonas tampão em torno de campos de culturas geneticamente
modificadas. Isso impediria a transferência de genes para ervas daninhas ou outras culturas.

Sarah (7): O quão viável é esse plano? E se não funcionar? Muitas crianças desenvolveram
alergias mortais a amendoins e outros alimentos. A introdução de alimentos geneticamente
modificados na alimentação irá criar novos alergênicos, causando reações alérgicas que
poderiam tornar esses problemas de saúde muito piores.

Mark (8): O aumento das alergias poderia ser causado, em grande parte, pelos herbicidas
que são atualmente utilizados no cultivo de plantações. As novas plantas geneticamente
modificadas são mais resistentes a pragas, mesmo quando os herbicidas não são usados
para as proteger. Assim, o advento dos alimentos geneticamente modificados pode não ter o
efeito de aumentar as alergias em crianças. Como mencionei, nenhum efeito nocivo da
ingestão de alimentos geneticamente modificados tem sido comprovado até agora. Acho
que temos que ir em frente, a menos que tenhamos um problema definido.

Sarah (8): Como disse antes, penso que precisamos de argumentar a partir do conhecimento
e do que foi provado, não apenas avançar com base na ignorância. Pelo que sabemos, todo o
tipo de coisas horríveis pode acontecer se continuarmos com esse processo de introdução de
cada vez mais alimentos geneticamente modificados na alimentação humana. Estamos
incorporando mais e mais alimentos geneticamente modificados na nossa dieta. Esses
alimentos estão tornando-se gradualmente mais aceitos pelos consumidores e agências
reguladoras alimentares. Mas é um grande experimento. Os engenheiros biotecnológicos
estão mexendo com a base fundamental da vida. Por exemplo, produziram “Frankenpeixes”
que crescem quatro vezes mais rápido do que um peixe normal. A que esse tipo de
experimento vai levar? Não sabemos, não é? A comercialização desses produtos move-se
incessantemente porque as empresas são impulsionadas por ganhos a curto prazo, os
chamados bottom line. Se continuarmos avançando, não chegaremos a um ponto em que
não seremos capaz de voltar atrás? Não sabemos qual será o resultado final de tudo isso. Não
poderia ser uma destruição maciça da vida animal e vegetal, de fato uma devastação de toda
a vida no planeta?

No seu primeiro passo no diálogo sobre os alimentos geneticamente modificados, Mark apresentou um argumento.
A palavra "assim” (hence) indica que a afirmação após essa palavra é uma conclusão. Mark disse: "Assim o problema
das pessoas que morrem de fome será muito mais grave nos anos futuros". As duas declarações imediatamente
antes dessa conclusão parecem ser as premissas do argumento de Mark. Uma delas é a afirmação (statement) de
que há pessoas famintas em muitos países do mundo de hoje. A outra é a afirmação de que se prevê que a população
mundial duplique nos próximos cinquenta anos. Ao juntar essas duas declarações, elas dão uma razão para apoiar a
conclusão de Mark de que o problema das pessoas que morrem de fome será muito mais grave nos anos futuros. A
primeira premissa diz que há pessoas passando fome em muitos países hoje em dia. A outra premissa extrapola a
38

partir da situação atual até a previsão de que nos próximos cinquenta anos a população irá duplicar. Estas duas
premissas trabalham em conjunto para apoiar a conclusão de Mark porque indicam que o problema atual
provavelmente se tornará muito pior. Finalmente, há uma declaração (“statement”) adicional acrescentada ao
argumento de Mark. Esta é a afirmação de que os alimentos geneticamente modificados podem ajudar a resolver
esse problema. Essa declaração proporciona uma ponte entre a conclusão do argumento de Mark e a sua conclusão
final a ser provada no diálogo, a tese de que devemos continuar o processo de introdução de alimentos
geneticamente modificados na alimentação humana. Assim, é fácil de ver a ligação entre a tese de Mark e a
conclusão do seu argumento no movimento 1 de que os alimentos geneticamente modificados podem ajudar a
resolver o problema da fome. Obviamente, se os alimentos geneticamente modificados podem ajudar a resolver o
problema da fome, isso seria uma razão para continuar o processo de introdução de tais alimentos na alimentação
humana.

Em resposta ao argumento de Mark, Sarah, no seu primeiro movimento, apresenta uma refutação, um
argumento que avança para uma conclusão que se opõe à de Mark. A conclusão do seu argumento, indicada pela
palavra "assim" (thus), é que há dúvidas se a introdução de alimentos geneticamente modificados na alimentação
humana é segura. Ela apresenta duas razões para apoiar essa conclusão. A primeira é que os efeitos a longo prazo
da modificação genética ainda não foram testados. A segunda é que a dependência de tais culturas poderia destruir
o ambiente, incluindo toda a vida vegetal, fazendo com que o problema da fome se tornasse ainda pior. Assim,
segundo o seu argumento, a introdução de culturas geneticamente modificadas poderia, até onde sabemos, agravar
ainda mais o problema da fome. Esta alegação (claim) é contrária ao argumento anterior de Mark de que os
alimentos geneticamente modificados poderiam ajudar a resolver o problema da fome. O argumento de Sarah no
movimento 1 é, assim, uma refutação ao argumento de Mark no movimento 1.

No movimento 2, Mark apresenta um tipo diferente de argumento, baseado em apelo à opinião de peritos.
Ele argumenta que uma empresa líder em biotecnologia, a Monsanto, afirmou que os alimentos geneticamente
modificados são seguros para o ambiente. Porque devemos pensar que esta afirmação é verdadeira apenas porque
a Monsanto diz que é verdade? Mark dá a seguinte razão: "Eles são peritos que sabem tudo sobre esses produtos".
No movimento 2, Sarah oferece uma refutação ao argumento de Mark, afirmando que a Monsanto tem a lucrar com
a produção desses novos alimentos. Com base nessa observação, ela pergunta, "Podemos confiar neles para dar
uma visão imparcial"? Ao fazer esta pergunta crítica, ela sugeriu que a Monsanto poderia ser tendenciosa. Em outras
palavras, eles poderiam ter uma razão para fazer essa alegação (claim), para além da verdade da afirmação. Essa
razão é que eles teriam a lucrar com tal claim. Sarah ainda apoia esse argumento em outro que parece condenar
fortemente a Monsanto como uma fonte confiável. Ela diz que essa é a empresa que produziu o Agente Laranja e o
DDT. Estes produtos acabaram sendo destrutivos para a vida humana. Acabaram revelando-se altamente inseguros.
Assim, o argumento de Sarah sugere que a Monsanto não tem um bom histórico no que diz respeito às suas
declarações de que os seus produtos são seguros. Mais uma vez, isso sugere que a empresa é tendenciosa e não
uma fonte confiável para fazer alegações (claims) sobre quais alimentos são seguros para o meio ambiente.

No movimento 3, Mark introduz um tipo interessante de argumento. Ele argumenta que não há efeitos
nocivos verificados até agora em pessoas que comem alimentos geneticamente modificados. Após essa frase, ele
usa uma inferência: Uma vez que não há provas de que esses alimentos sejam prejudiciais, é melhor operar com
base na presunção de que não o são. A conclusão dessa inferência é que devemos aceitar a afirmação (statement)
de que comer esses alimentos não é prejudicial. Mas como Sarah salienta, esse é um argumento com base na
ignorância ou na falta de conhecimento. Ela pergunta se não é melhor argumentar a partir de provas positivas do
que a partir de uma falta de provas. A sua observação é intrigante. De algum modo, parece errado que
argumentemos a partir de uma falta de evidências. Mas muitas vezes faltam-nos provas, porque temos de avançar
e tomar uma decisão sob condições de incerteza. Nesses casos, então, estamos a argumentando por ignorância. Isso
é intrinsecamente errado? Mark e Sarah parecem ter uma diferença de opinião em relação a essa questão. Mark
usa o argumento da falta de provas para apoiar a sua conclusão de que comer alimentos geneticamente modificados
pode ser presumivelmente seguro. Mas Sarah questiona este argumento, dizendo que por se basear simplesmente
na ignorância, deve, de alguma forma, ser falho.

No movimento 4, Mark apresenta um longo argumento com base numa quantidade de premissas que ele
afirma como factuais. A sua conclusão é afirmada logo no final do seu movimento. Essa conclusão é a afirmação
(statement) de que culturas geneticamente modificadas são menos perigosas do que o que estamos fazendo hoje.
A sua razão é que o que estamos fazendo agora é usar todo o tipo de fertilizantes e pesticidas, e, como ele
argumenta, esses pesticidas e fertilizantes apresentam riscos para a saúde. Sarah responde no movimento 4 que
tem dúvidas sobre o argumento de Mark. A razão que ela dá é que os alimentos geneticamente modificados também
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estão sendo utilizados neste momento, e a sua utilização também contribui para os perigos ambientais. Ela cita o
exemplo das elevadas taxas de mortalidade atualmente sofridas por borboletas monarca. Como Mark observou, no
movimento 5, na sua resposta a este argumento, ele se baseia no apelo à opinião de peritos. Era uma forma de
argumento que Mark tinha acabado de usar no movimento 2. Sarah criticou-o argumentando que não se pode
confiar na Monsanto para dar uma opinião imparcial. Agora Mark usa uma forma semelhante de ataque quando
questiona a utilização do recurso à opinião de peritos por Sarah. Ele diz, no movimento 5, que esta forma de
argumento é apenas um apelo à autoridade, sugerindo que ela poderia ser ilegítima. Entretanto, poder-se-ia pensar,
apelo à opinião de peritos é muito comum, por exemplo na argumentação jurídica. As provas legais, por exemplo,
provas balísticas e provas de DNA, são frequentemente baseadas na autoridade de testemunhas especializadas. Tais
casos sugerem que o apelo à opinião dos peritos poderia ser uma forma razoável de argumento na recolha de provas.
Além disso, Sarah tem uma boa resposta à pergunta de Mark. A resposta de Sarah no movimento 5 reforça a
legitimidade do apelo à opinião dos peritos como forma de argumento, citando uma fonte fidedigna. Ela afirma que
as descobertas sobre as borboletas-monarca foram publicadas na revista científica “Nature”. Essa revista é uma boa
fonte, e por isso o apelo de Sarah à opinião dos peritos parece ser um argumento bastante forte. É possível para
Mark questioná-la, perguntando quem eram os autores do artigo, e quais eram as suas qualificações. Porém, apesar
dessa falta de detalhes, seu apelo à opinião de peritos não é desprovido de valor. Pode não ser concludente, mas
fornece uma razão que sustenta a sua claim. Assim, o contra-argumento de Sarah, baseado no apelo à opinião de
peritos, é uma refutação ao argumento anterior de Mark.

EXERCÍCIO 1.8

1. Expresse o ponto de vista de Mark e de Sarah no diálogo sobre alimentos geneticamente modificados,
identificando cada atitude e cada proposição no ponto de vista. Como os dois pontos de vista se opõem?

2. Escreva o argumento de Mark no movimento 1 como um conjunto de premissas e uma conclusão. Escreva
o argumento de Sarah no movimento 1 como um conjunto de premissas e uma conclusão. Como a
conclusão de um argumento se relaciona à conclusão do outro?

3. Represente o argumento de Mark no movimento 2 como um conjunto de premissas e uma conclusão.


Mostre como, no movimento 2, quando Sarah questiona esse argumento, a sua question assume a forma
de um ataque a ele. Como é que ela valida o ataque com um argumento? Identifique as suas premissas e
conclusão.

4. Identifique as premissas e a conclusão do argumento que Mark apresenta no movimento 3. A reação de


Sarah a ele é uma refutação ou um mero questionamento do seu argumento? Dê uma razão para apoiar a
sua resposta.

NOVE Disputas e Dissidências

Como observado acima, há uma diferença fundamental entre discutir que uma afirmação é falsa e meramente
questionar se ela é verdadeira ou não. No primeiro caso, expressa-se um ponto de vista contrário, no segundo pode
representar um ponto de vista neutro. Oferecer uma refutação é uma maneira mais forte de ataque a um argumento
do que simplesmente levantar dúvidas sobre alguns aspectos dele, isso através de perguntas críticas. Essa diferença,
como percebida acima, pode ser encontrada em vários pontos num diálogo onde um argumento específico foi
apresentado ou onde uma indagação específica foi questionada. Essa diferença, no entanto, é também muito
importante quando se vem a olhar o diálogo como um todo. Todo diálogo contendo uma argumentação é baseado
na diferença de pontos de vista sobre determinada questão, é essa questão que dá à argumentação no diálogo um
propósito e direção. Cada lado possui uma tese e a tese de cada lado é oposta à tese do outro. Mas há dois tipos de
oposição que podem ser encontradas num diálogo.

No diálogo sobre gorjetas, nós descrevemos a tese de Helen com termos negativos, como a afirmação de
que dar gorjetas não é uma boa prática. Assumindo que ‘mau’ é o contrário de ‘bom’, nós poderíamos dizer que os
pontos de vista de Bob e Ellen são fortemente opostos, significando que a tese contida em um é oposta à tese
contida em outro. Também é possível supor que, em outro tipo de caso, o conflito entre Bob e Ellen poderia conter
um tipo mais fraco de oposição. Suponha que Bob traga como sua tese a ideia de que dar gorjeta é uma boa prática,
40

mas Helen assume apenas a posição cética de não estar convencida, de um jeito ou de outro, se dar gorjetas é algo
bom ou ruim. Aqui, a oposição de Helen é de um tipo mais fraco. Helen dúvida se dar gorjetas é uma boa prática,
mas ela não vai tão longe a ponto de afirmar que é definitivamente ruim.

Em diálogos contendo um conflito entre os pontos de vista sustentados pelos dois participantes, o
comportamento da oposição pode assumir uma forma mais forte ou mais fraca. No tipo mais forte de oposição,
chamada disputa, uma das partes tem uma tese e a outra sustenta a tese oposta. No tipo mais fraco de oposição,
chamada divergência, uma das partes sustenta o ponto de vista que uma tese é verdadeira, enquanto a outra duvida
se essa ideia é verdadeira, mas não sustenta um ponto de vista de que ela seja falsa. Em alguns casos, é claro se o
diálogo é uma disputa ou uma divergência. Em outros casos, pode começar de uma forma jeito e então, se
transforma para a outra. Quando um caso particular está sendo analisado, especialmente se ele é um diálogo mais
longo, o analista precisa examinar os detalhes nos vários movimentos, bem como no diálogo como um todo. A
oposição entre as duas posições deveria ser descrita como disputa apenas se houver uma clara evidência que o
respondente está discutindo por sua própria tese. Isso é, o respondente deve estar declarando que sua tese é
verdadeira e apresentando uma argumentação que prove que é verdadeira. A não ser que a evidência nesse ponto
seja clara, o caso deve ser classificado como dissidência.

No próximo diálogo, Cassie e Fred acabaram de ler um relatório de notícias sobre um patologista
aposentado de Michigan, Dr Jack Kevorkian, que usava uma máquina que ele tinha inventado para ajudar uma
paciente com doença de Alzheimer encerrar sua vida. Essa máquina conecta um contêiner contendo produtos
químicos letais a paciente através de uma linha intravenosa. Quando o paciente pressiona um botão, os produtos
químicos são lançados e vão até a corrente sanguínea da paciente. A questão colocada por esse caso amplamente
publicado e divulgado é se o Dr Kevorkian violou o código de conduta ética para médicos (não relacionado a nenhum
código real ou conjunto oficial de regras, mas apenas o que se deve considerar que essas regras são, eticamente
falando). Nesse caso, o Dr Kevorkian foi reportado de ter pressionado o botão, ele mesmo. Portanto, o caso é
classificado como eutanásia ativa, como oposta a eutanásia passiva, essa última em que o médico deixa a paciente
com doença terminal morrer por retenção ou retirada do tratamento. Uma coisa é permitir que uma doente ou
paciente morra ao interromper um tratamento que ela não deseja ter mais, mas é outra coisa bem diferente é
intervir ativamente para trazer a morte uma paciente através da realização de ações que vão causar essa morte.
Após ler sobre esse caso, Cassie e Fred expressaram uma discordância se Dr Kevorkian tinha violado o código de
conduta ética para médicos.

O DIÁLOGO DA EUTANÁSIA

Cassie (1): Eu acho que ele realmente violou o código de conduta ética para médicos porque
ele mesmo pressionou o botão. Se a paciente tivesse pressionado o botão ao invés do Dr
kevorkian, eu diria que o médico não teria violado o código.

Fred (1): Acho essa visão altamente óbvia. Qual a diferença se ele puxou o botão, ou apenas
montou a coisa toda para que então a paciente pudesse pressionar o botão.

Cassie (2): É a diferença entre eutanásia passiva e ativa. Eutanásia ativa é provocar a
ocorrência de um resultado, enquanto eutanásia passiva é simplesmente não intervir pra
impedir isso. É por isso que eutanásia ativa é sempre errada, enquanto eutanásia passiva não
é.

Fred (2): Eu não vejo como uma pode ser errada e a outra não, porque ambas levam a morte
da paciente. Qualquer coisa que leve a morte da paciente é contra a vida humana. Qualquer
coisa que seja contra a vida humana é errada. Isso segue em que ambas, eutanásia passiva e
ativa, são erradas. Qualquer coisa errada não deveria ser permitida em nenhum código de
conduta ética para médicos. Portanto, eu acho que ambas deveriam ser contra o código de
conduta para médicos.

Cassie (3): Eu não acho que as duas deveriam ser contra o código de conduta ética para
médicos, porque eu acho que há uma diferença moralmente significante entre eutanásia
passiva e ativa. Na eutanásia passiva o paciente voluntariamente realiza o ato de se matar.
Isso é suicídio e não uma falha do médico. Porém, se um médico, ele mesmo, matar uma
paciente através da administração de medicamentos letais, isso seria assassinato.
41

Fred (3): Legalmente, pode existir uma diferença, mas eticamente eu não vejo que há.
Ambas, agindo e não agindo, podem levar o paciente à morte. Desde que ambas possam
levar ao mesmo resultado, a morte, certamente ambos os tipos de ações são igualmente
sérias e moralmente equivalentes. Então, qual a diferença?

Cassie (4): Agora espera um minuto, Fred!! Há uma diferença aqui. Vamos começar com um
caso onde eu atire em você. Isso é uma grande diferença, eticamente falando, de um caso
onde eu falhei em te salvar de outro que atire em você. Em um caso, eu sou diretamente
responsável por sua morte porque eu pessoalmente realizei a ação que causou isso. No outro
eu meramente esperei e falhei em intervir, falhando em prevenir sua morte. Minha
responsabilidade por sua morte é bem diferente nos dois casos.

Fred (4): Eu não vejo diferença, se você falha em intervir quando você poderia ter intervindo,
e eu morro, então você é responsável pela minha morte.

Cassie (5): Vamos olhar para isso de uma forma diferente. Suponha que uma paciente com
câncer está sofrendo uma dor terrível, e não há esperança que ela irá se recuperar através da
continuação da quimioterapia. Suponha que ela peça para que a quimioterapia seja
suspensa. Ao doutor dela não deveria ser permitido realizar os desejos dela? Eu acho que a
ele deveria ser permitido interromper o tratamento de acordo com os códigos de conduta
ética para médicos. Mas eu não acho que a ele deveria ser permitido dar a ela uma injeção
letal.

Fred (5): Mas como seu argumento se encaixa com a visão de que a vida humana é sagrada?
Tirar uma vida humana nunca deveria ser permitido, ainda que seja apenas uma questão de
colaborar para a morte, em vez de levá-la a cabo, efetivamente.

Cassie (6): Pense no caso dos animais. Quando seu cão está muito velho e está sofrendo
terrivelmente, você leva o para a sociedade humana e tem que o abater. Você está dizendo
que há uma diferença entre a vida humana, que é sagrada, e a vida de um animal, que não
é? Essa posição é 'especismo', a visão de que a vida humana é especial e unicamente valiosa,
simplesmente porque nós somos membros da espécie humana.

Fred (6): Dar a isso um nome que soa negativo não faz disso algo errado. Que tal a diferença
entre cachorros e humanos? Um humano é ser racional de livre escolhas, direitos e
responsabilidades. Cães são dependentes de nós para tomar decisões.

Uma coisa interessante sobre o dialogo da eutanásia é que a argumentação ficou presa em uma dificuldade
linguística. Num primeiro movimento no diálogo, Cassie deu uma razão para sustentar seu ponto de vista que o Dr
Kevorkian realmente violou os códigos de conduta ética para médicos. A razão que ela deu é que ele mesmo
pressionou o botão. Fred é cético sobre esse argumento e a assuntos relacionados a isso. Ele questiona qual a
diferença entre o Dr Kevorkian pressionar o botão e a paciente pressioná-lo. Para responder isso Cassie (num
segundo movimento) cita a diferença entre eutanásia ativa e passiva. Ela oferece uma definição de cada. Ela diz que
eutanásia ativa está causando um resultado ainda a ocorrer. Ela define eutanásia passiva, em contraste, pela não
intervenção, significando não causar o resultado. Com base nessa distinção ela argumenta por sua conclusão de que
a eutanásia ativa é sempre errada, enquanto eutanásia passiva não é. Não é difícil enxergar como essa conclusão é
relevante para sua tese no diálogo sobre eutanásia. Ela está sustentando que o que o médico fez pode ser
classificado como eutanásia passiva desde que ele não tenha pressionado o botão. Baseado em seu argumento
declarado, eutanásia passiva não é sempre errada. Portanto ela consegue argumentar de o que o médico deveria
fazer ao montar sua máquina de eutanásia não foi errado se fosse apenas isso que ele tivesse feito. O que o
argumento de Cassie mostra é que como os termos são definidos pode ser muito importante na argumentação.

No seu movimento 2, Fred refuta o argumento de Cassie apresentando outro argumento que tem a
conclusão oposta ao argumento de Cassie no movimento 2 dela. O argumento de Fred tem duas premissas. Ambas
generalizações:

PRIMEIRA PREMISSA: Qualquer coisa que leve uma paciente a morte é contra a vida humana
42

SEGUNDA PREMISSA: Qualquer coisa que seja contra a vida humana é errada.

CONCLUSÃO: Tanto a eutanásia passiva como ativa são erradas.

Fred usa o argumento com dois propósitos. O primeiro é indicado por sua observação no seu movimento 2: “Eu não
vejo como um pode ser errado e o outro não, porque ambos levam a paciente à morte". Em outras palavras, Fred
está dando uma razão para sustentar sua observação cética de que ele não vê como um tipo de eutanásia, eutanásia
ativa, poderia ser errada, enquanto a outra, eutanásia passiva, pode não ser errada. Isso é interessante porque
mostra que Fred está usando um argumento para apoiar seu interrogatório ao argumento anterior da Cassie. Em
outras palavras, o que ele está fazendo é não refutar o argumento dela, mas usar um argumento para questioná-lo.
A segunda coisa que ele está fazendo é usar um argumento para levar a outro argumento, portanto produzindo uma
corrente de argumentação. A conclusão do seu primeiro argumento foi uma declaração de que ambas, ativa e
passiva eutanásia, são erradas. Essa declaração é agora usada como uma premissa junto com uma premissa
adicional. A premissa adicional é a declaração de que qualquer coisa que é errada não deveria ser permitida no
código de conduta ética para médicos. Essas duas generalizações, tomadas juntas, sustentam a conclusão que Fred
reivindica. Fred diz, “Portanto, acho que ambas [eutanásia ativa e passiva] deveriam ser contra o código de conduta
ética para médicos”. Essa declaração é claramente relevante para o diálogo, já que vai diretamente contra o ponto
de vista de Cassie.

No movimento 4 dela e então novamente em seu movimento 5, Cassie usa um argumento baseado num
exemplo. Usar um exemplo pode ser uma forma razoável de argumento, porque não apenas ilustra seu ponto mas
mostra como isso é aplicado em um caso particular. Se o respondente está convencido que a generalização pela qual
você está argumentando é verdadeira neste caso, então pode ser convencido a aceitar isso. Mas, é claro,
simplesmente usar um caso como sua evidência é uma forma fraca de argumentação se ele era suposto a sustentar
uma ampla generalização. Assim, argumente a partir de um exemplo, mesmo se for a forma mais fraca de
argumento, pode continuar a ser um razoável argumento que carrega algum peso.

Outro argumento que Cassie usa no movimento 6 é um argumento de analogia. Ela elabora uma uma
comparação com um tipo de caso em que um cachorro está sofrendo e você tem de levá-lo à sociedade humana
para abatê-lo. Ainda outro tipo de argumento que ela usa em seu movimento 6 é baseado na sua afirmação de que
o argumento do Fred pode ser definido como ceticismo Mais uma vez o argumento é interessante por derivar do
uso da língua. Ela está usando o que é normalmente definido como linguagem emocionalmente carregada. Em
outras palavras ela usa um termo que faz com a visão de Freud, de certa forma, soe insensato ou errado. Fred
responde ao movimento 6 ressaltando que tais usos negativos da língua não prova, necessariamente, que seu
argumento está errado. Ele retoma seu ponto através da apresentação de outro argumento baseado na declaração
que seres humanos são diferentes de animais.

EXERCÍCIO 1.9

1. Classifique os seguintes casos como divergências ou disputas, dando suas justificativas para sustentar sua
classificação.
a. Tom acha que um a médico que tem AIDS deveria ser permitido trabalhar, enquanto Tara possui
algumas dúvidas sobre essa política.
b. Max e Melissa estão discutindo sobre a existência de Deus. Ele é um crente e ela, uma agnóstica.
c. Sandra e Scott estão discutindo sobre a existência de Deus. Ela é uma crente e ele, um ateu.
d. Bruno e Barbara estão discutindo sobre aborto. Ele acha que aborto é sempre errado e ela acha
que uma decisão sobre o aborto deveria ser uma escolha da mulher.
e. Elsa e Ed são opostos quanto a questão sobre se Howard deveria ter uma Harley Davidson. Ed
acha que ele deveria ter uma, mas Elsa duvida que isso seria uma boa ideia.

2. Classifique o argumento da eutanásia como uma disputa ou uma divergência, dando razões para
sustentar sua classificação.
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3. Classifique o diálogo sobre alimentos geneticamente modificados, dando razões para sustentar sua
classificação.

4. No diálogo da eutanásia, mostre como o argumento de Cassie seria uma refutação do argumento anterior
de Fred (no seu movimento 2). Quais são as premissas e a conclusão do argumento de Cassie? O que é
especial no argumento de Cassie que o faz parecido ao seu argumento anterior no movimento 2?

DEZ Resumo

Um argumento é feito de afirmações chamadas premissas e uma conclusão. As premissas dão uma razão (ou razões)
para apoiar a conclusão. A conclusão de um argumento que foi proposto [put forward] é uma declaração feita pelo
locutor, o que significa que ela tem um ponto de vista favorável ao argumento contido na conclusão. Um ponto de
vista é uma afirmação e uma posição [attitude] frente a ela, a favor [pro], contra ou neutra. Geralmente, um
argumento é um conjunto de afirmações defendido por uma parte em um diálogo em resposta a uma expressão de
dúvida apresentada [posed] pelo argumento questionador ou oposto da outra parte no diálogo. Assim, um
argumento pressupõe um diálogo com dois participantes (no caso mínimo), chamado proponente [proponent] e
respondente [respondent]. Um diálogo é uma troca verbal entre duas partes na qual elas, uma de cada vez, [where
they take turns] fazem movimentos que podem ser consideradas atos de fala [speech acts]. Propor um argumento
é apenas um tipo de ato de fala. Outro ato de fala importante é o questionamento da outra parte em um diálogo.
Fazer uma pergunta é um tipo de movimento, enquanto propor um argumento é outro. Quando uma parte faz uma
afirmação ou propõe um argumento, ela assume compromissos [incurs commitments]. Esses são movimentos que
trazem consigo o ônus da prova [burden of proof]. Fazer uma pergunta, por outro lado, nem sempre traz um
compromisso do questionador a proposições que devem ser defendidas. Há duas formas básicas de criticar um
argumento. Uma é oferecer uma refutação [rebuttal] ou contra-argumento. A outra é simplesmente fazer perguntas
críticas que expressam dúvida sobre o argumento, indicando pontos fracos nele.

Argumentos podem ser conectados para formar uma sequência argumentativa [chain of argumentation].
Assim, há duas formas de ver um argumento em um diálogo, localmente ou globalmente. Observado localmente,
um argumento é um conjunto de premissas com uma única conclusão. Observado globalmente é uma sequência
argumentativa utilizada no contexto de um diálogo para contribuir, em algum ponto do diálogo,à solução do
problema central. A distinção entre apresentar um argumento e simplesmente fazer uma pergunta é, também,
importante no nível global de um diálogo. Se algo é um argumento, presume-se que há algum problema em um
diálogo no qual ele aparece e que o argumento está sendo utilizado para solucionar [settle] aquele problema. Em
uma disputa, o proponente faz uma afirmação identificada como sua tese, e o respondente tem uma tese que é o
oposto daquela da proponente. O problema a ser solucionado é qual desse par de afirmações opostas é melhor
apoiado pela argumentação no diálogo. Em um desacordo [dissent], a intenção da proposição de um argumento por
uma parte é remover a dúvida expressada pelo questionamento pelo outro lado de uma afirmação específica que é
o cerne do problema [a specific statement at issue], chamada sua tese. Em uma disputa, a intenção por trás da
proposição de um argumento por uma parte é refutar a tese da outra parte por meio da demonstração de sua
falsidade com argumentação racional.
DOIS Conceitos Úteis para se Entender Argumentos

Esse capítulo introduz conceitos fundamentais necessários para identificar, analisar, e avaliar argumentos. É
essencial ser capaz de reconhecer argumentos dedutivos e contrastá-los com dois outros tipos de argumentos. Um
é o tipo indutivo, baseado em probabilidade. O outro é o tipo de argumento presumível, baseado na plausibilidade.
É necessário começar com os argumentos dedutivos, já que esse é o tipo mais estudado na lógica e mais conhecido
também. Daí em diante, o capítulo continua examinando a distinção entre uma explicação e um argumento. Nesse
livro a principal preocupação são os argumentos. Mas há uma tendência comum de confundir os dois, e a questão
da distinção entre eles tem que ser resolvida se queremos evitar o erro em tratar algo como um argumento quando
ele não o é. O capítulo começa com a noção de inconsistência e seu papel na argumentação. Essa noção é
fundamental para definir e reconhecer argumentos dedutivos como um tipo diferente de argumento.

Pode também haver muita confusão em misturar os três tipos de argumentos, e as dicas no diálogo que
permitem identificar o tipo certo podem ser sutis. Mesmo assim, pode-se começar a ter um bom entendimento
fundamental de como reconhecer cada tipo de argumento ao aprender sobre seus critérios de sucesso. Cada tipo
de argumento tem uma estrutura que os distingue dos demais. Se aprendemos a reconhecer estruturas comuns e
legíveis e compreendermos como eles tem padrões para seu uso correto, estaremos no caminho certo. Nós, pelo
menos, temos alguma base para identificar argumentos comuns dos três tipos, e essa base é extremamente útil para
evitar confusões. É uma ótima ajuda para os estudantes iniciantes da argumentação saber identificar esses três
diferentes tipos de argumento. Isso vai permiti-los aplicar o critério avaliativo apropriado para cada tipo de
argumento.

UM Inconsistência

Inconsistência é uma noção muito importante para analisar e avaliar a argumentação em diálogos. Supondo que no
diálogo sobre a gorjeta, apresentado no capítulo 1, Helen defendeu sua tese de que dar gorjeta é uma prática ruim.
Mas então supondo que mais tarde, nesse mesmo diálogo, ela traga um exemplo, de sua experiência própria, no
qual ela deu gorjeta para um motorista de taxi que a levou ao aeroporto a tempo do voo. Ela estava feliz por ter
dado a gorjeta, e ela admitiu que nesse caso particular, dar gorjeta era uma coisa boa. Vamos supor que quando
Helen argumentou pela sua tese de que dar gorjeta é uma boa prática ela levou essa afirmação como uma
generalização absoluta. Em outras palavras, ela queria dizer que todos os casos de gorjeta acabam levando a algo
ruim. Mas então, mais tarde no diálogo, quando ela dava esse exemplo, ela admitiu que dar a gorjeta era bom. Algo
ser bom é o oposto de ser ruim. Desse momento em diante, parece que a primeira afirmação de Helen era
inconsistente, por causa de sua segunda afirmação. A razão disso é que não é logicamente possível que as duas
afirmações sejam verdade. Inconsistência é definida por isso: duas afirmações são inconsistentes se não é
logicamente possível que as duas sejam verdade. Ser “inconsistente” nós queremos dizer como logicamente
inconsistente e não só inconsistente de forma prática ou física. “Bob é um homem de 69 anos” talvez seja
inconsistente de maneira prática ou física com “Bob consegue correr uma milha em menos de quatro minutos”, mas
as duas afirmações são logicamente consistentes uma com a outra. Entretanto, “Bob é um homem de 69 anos” é
inconsistente com “Bob não é um homem de 69 anos”. No diálogo do livro, parece negativo que Helen tenha se
comprometido com a defesa de uma inconsistência. Então devemos perguntar: O que ocorre de errado quando as
inconsistências ocorrem na argumentação?

Inconsistência é muito comum, especialmente em argumentações longas e complexas, nas quais tendemos a perder
o raciocínio quanto aos argumentos anteriores. Apesar disso, por um lado, inconsistência em argumentação é até
que compreensível. Mas o problema é que quando você tem um par de afirmações inconsistentes, não é possível
que as duas sejam verdade. Portanto, a fim de manter a verdade, em casos como esse, o argumentador tem que
desistir de alguma das duas afirmações. Suponha, por exemplo, que Bob, no diálogo da gorjeta, fala que as duas
afirmações de Helen são inconsistentes. Em outras palavras, suponha que Bob aponte que Helen antes defendeu
que gorjeta não é uma boa prática, mas logo depois, em seu exemplo, ela diz que a gorjeta é uma boa prática.
Suponha que Bob disse “Olha Helen, você não pode defender os dois, ou dar gorjeta é uma boa prática, ou não é.”
O que Helen deve fazer nesse cado é uma retração. Ela pode fazê-la de várias formas. Ela pode dizer, por exemplo
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“Eu não quis dizer que dar gorjeta é ruim em todos os casos. Tudo o que eu quis dizer foi que geralmente é ruim,
mas está sujeito a exceções. Ou ela pode retrair o argumento anterior. Ela poderia dizer “Bom, eu não quis dizer que
a gorjeta era boa nesse meu exemplo do motorista de táxi. Eu ainda mantive que todos em todos os casos a gorjeta
é uma prática ruim, mas nesse caso eu só quis pontuar que às vezes a gorjeta pode ser merecida, e então o ato de
dá-la pode ser bom em certos aspectos, mesmo que, ao analisá-lo de maneira geral, ele seja ruim.“ Podemos ver
aqui que Helen retraiu sua inconsistência esclarecendo o que ela estava tentando dizer. Mesmo que, em muitos
casos , as inconsistências podem ser entendidas e resolvidas, elas são, na maioria das vezes algo que tem que ser
levantadas na argumentação, uma vez que foi descoberta. O motivo, novamente, é que quando temos um conjunto
de afirmações inconsistentes, nem todas elas podem ser verdade.

Um caso bem simples de inconsistência, chamado contradição, ocorre quando uma afirmação tem sentido oposto
ao da outra. As duas afirmações a seguir, quando juntas, constituem uma contradição:

O monte Lemmon fica no Arizona.

O monte Lemmon não fica no Arizona.

Nesse caso é claro que uma afirmação se dá na direção contrária da outra. Uma é a negação da outra, indicada pela
palavra “não”, que aparece na segunda afirmação. Por causa dessa palavra, é imediatamente evidente que não é
possível que ambas sejam verdade.

Em outros casos de inconsistência, uma afirmação não é a negação da outra, mas é evidente que uma alega o que a
outra nega. Por exemplo, considere as afirmações abaixo, nas quais “todos” é considerado como uma generalização
universal absoluta:

A. Todos os lobos são predadores que caçam em grupo.


B. Alguns lobos são predadores que caçam em grupo.
C. Alguns lobos não são predadores que caçam em grupo.
D. Nenhum lobo é um predador que caça em grupo.
E. Nem todos os lobos são predadores que caçam em grupo.
F. É falso que alguns lobos não são predadores que caçam em grupo.
G. Todos os lobos não são predadores que caçam em grupo.

É suficientemente claro que a. é consistente em relação a b. Duas afirmações são consistentes se for possível que as
duas sejam verdade. Mas a. é consistente com c.? Parece que não, já que não seria logicamente possível que as duas
afirmações fossem verdade. Se todos os lobos, sem exceção, fossem predadores que caçam em grupo, a
possibilidade de que alguns não são estaria fora de cogitação. a. é o oposto direto de d. O que um alega, o outro
nega. Como consequência, a. e d. são inconsistentes. Por outro lado, a. é inconsistente em relação a f. porque não
é possível que os dois sejam verdade. Então vemos que em muitos casos de inconsistência, não há uma contradição
direta, mas ainda é possível determinar que um par de afirmações é inconsistente perguntando se é possível que os
dois sejam verdade.

Ainda em outros casos, somos confrontados com conjuntos de afirmações, muitas vezes mais do que duas, que são
coletivamente inconsistentes. Em muitos casos, uma não pode provar que elas são inconsistentes tão facilmente, é
exigido mais trabalho para isso. É necessário encontrar a contradição analisando a argumentação. Por exemplo no
caso da gorjeta, temos que mostrar que a afirmação que diz que ela é boa é inconsistente com a que diz que ela é
ruim. Podemos facilmente fazer essa suposição observando que parte do significado do termo “ruim” é que é algo
sendo considerado como “não bom”.

Também é comum haver casos em que não há contradição direta, mas há um conjunto de afirmativas que são
inconsistentes coletivamente. Considere o conjunto de afirmações a seguir. Vamos assumir

John é um chefe de polícia.

Aceitar suborno é desonesto.

John aceitou suborno.


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Ao considerar todas as quatro afirmações juntas, é evidente que nem todas podem ser verdade. Elas contém uma
inconsistência. Consequentemente, pelo menos uma é falsa. Mas não há contradições diretas. Não tem uma
afirmação que é oposta a outra dentre as quatro. Todavia, uma contradição pode ser derivada das quatro através
do encadeamento dos argumentos contidos nessas afirmações. Considere o primeiro par de afirmações. Deles, a
conclusão a qual se chega é que John é honesto, pelo argumento a seguir:

PREMISSA: Todos os chefes de polícia são honestos.

PREMISSA: John é um chefe de polícia.

CONCLUSÃO: John é honesto.

Agora, considere as últimas duas afirmações. Vamos assumir que o primeiro par é uma generalização absoluta.
Sendo assim, como está expresso abaixo, o argumento a seguir é produzido:

PREMISSA: Todos que aceitam suborno são desonestos.

PREMISSA: John aceitou suborno.

CONCLUSÃO: John é desonesto.

A conclusão do segundo argumento é contrária à conclusão do primeiro. A razão é que “desonesto” significa “não
honesto”. Logo, foi revelado que se você considerar todo o conjunto das quatro afirmativas juntas, você pode
mostrar, pelo encadeamento dos argumentos, que eles levam a uma contradição direta. Se alguém engajando sua
argumentação em um diálogo fizesse essas quatro afirmações, e o outro lado apontasse inconsistência, então quem
fez as afirmações teria que resolver essa inconsistência. O caminho óbvio para isso seria desistir de uma das
afirmações do conjunto.

Para revisar a definição básica de inconsistência, o conjunto de afirmações é dito como inconsistente se não for
possível, logicamente, que todas sejam verdadeiras. Então podemos dizer que um conjunto de afirmações é
consistente se for logicamente possível que todas sejam verdadeiras. Finalmente, vamos notar que afirmações
podem ser inconsistentes umas com as outras mesmo que elas não aparentem estar relacionadas entre si. Por
exemplo, considere as duas afirmações abaixo:

Alimentos geneticamente modificados causam aumento de alergias.

Dar gorjetas é uma prática ruim.

Nesse caso, as duas afirmações são consistentes, pois é possível que as duas sejam verdade. A evidência para essa
alegação é que uma afirmação não é relevante para a outra. Isso implica no fato de que você pode usar uma para
prova o oposto da outra. Falando de modo geral, se uma afirmação não é relevante para a outra, as duas são
consistentes entre si. Entretanto, o assunto da relevância não será levado em conta até o capítulo 7.

Toda a “consistência” quer dizer que é possível que as duas afirmações apresentadas sejam verdadeiras. Isso não
significa que nenhuma delas é verdadeira de verdade. Mas achar uma inconsistência em um conjunto de afirmações
significa que uma delas tem que ser falsa. O problema básico com afirmações inconsistentes é que não é possível
que todas sejam verdade. Por isso, a alegação que o argumentador mostrou uma série de suposições que
apresentam inconsistências é um poderoso e importante tipo de crítica. Se o argumentador em um diálogo se
comprometeu com um conjunto de afirmações inconsistentes, e o outro argumentador do diálogo aponta a
contradição, então o primeiro argumentador tem que lidar com a crítica rapidamente. A forma mais comum de lidar
com isso é retrair uma das afirmações. Apesar da inconsistÊncia ser na maior parte das vezes compreensível, e
comum na argumentação, é algo que tem que ser resolvido uma vez que surge no diálogo. Se o argumento de alguém
se demonstra inconsistente, isso não necessariamente significa que ele é inteiramente inválido e irreparável. Mas
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isso significa que o argumento não é aceitável da maneira como ele foi apresentado. O argumentador deve lidar
com a crítica que pontua a inconsistência se quiser que sua argumentação continue com sucesso no diálogo.

A procura por inconsistências é essencialmente importante na argumentação legal. Se uma testemunha oferece uma
prova que contém inconsistência, o interrogador do tribunal pode fazer com que a história contada vá por água
abaixo. A menos que a testemunha resolva a inconsistência em sua história, sua credibilidade pode vir a ser
destruída. A procura de inconsistência também é importante na argumentação científica quando, por exemplo, uma
teoria analisada cuidadosamente mostra uma inconsistência escondida. Encontrando e lidando com tais
inconsistências, descobertas científicas e a construção de teorias estão aptas a seguir em frente.

EXERCÍCIO 2.1

1. Determine quais proposições são inconsistentes umas com as outras, e quais não são:
a. Alguns pavões têm medo de cangurus.
b. Nenhum pavão tem medo de cangurus.
c. Todos os pavões tem medo de cangurus.
d. É falso que todos os pavões têm medo de cangurus.
e. Alguns pavões não têm medo de cangurus.
f. Nenhum canguru tem medo de pavões.
g. Ao menos um pavão não tem medo de cangurus.
h. É falso que pelo menos um pavão tem medo de cangurus.

2. Prove que o conjunto de afirmações a seguir é inconsistente encontrando uma contradição que pode ser
derivada da argumentação contida nele.
a. Todos os românticos idealistas amam poesia.
b. Todas as pessoas que amam poesia são afetuosas.
c. Todas as pessoas afetuosas amam animais de estimação.
d. Sam é uma romântica idealista.
e. Sam tem medo da minha cobra de estimação.
f. Nenhuma pessoa que tem medo da minha cobra de estimação ama animais de estimação.

DOIS Três Tipos de Argumentos

Existem três tipos de argumentos, sendo que cada um deles difere dos outros por possuir diferentes padrões de
exigência. Em um argumento dedutivamente válido, se as premissas são verdadeiras, a conclusão também deve ser
verdadeira (por uma necessidade lógica). Portanto, em uma inferência dedutiva, a ligação entre as premissas e a
conclusão é rígida. Por exemplo, considere o argumento a seguir, em que a primeira premissa age como
generalização universal absoluta sem exceções.

PREMISSA: Todos os chefes de polícia são honestos.

PREMISSA: João é um chefe de polícia.

CONCLUSÃO: João é honesto.

Nesse argumento, não há espaço para colocar em cheque a veracidade da conclusão, uma vez que as premissas
foram aceitas como verdadeiras. A razão se origina da palavra “todos” na primeira premissa da inferência.
Presumidamente, “todos” significa “todos sem exceção”. Se assim o for, a declaração da primeira premissa é uma
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generalização universal absoluta. Portanto, a conclusão é derivada de uma necessidade lógica a partir das premissas.
Se ambas as premissas forem verdadeiras, então a conclusão deve ser verdadeira.

A validade dedutiva pode também ser definida de outra forma, que oferece um critério ainda mais útil para
o seu reconhecimento em um argumento. Dizer que um argumento é dedutivamente válido significa dizer que é
logicamente impossível que todas as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Em outras palavras, em um
argumento dedutivamente válido, a presunção de que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão seja falsa é
inconsistente. Por exemplo, vamos considerar três declarações comparáveis ao argumento desenvolvido acima,
sendo que as duas premissas serão mantidas, mas com a terceira declaração em oposição à colocada anteriormente.

PRIMEIRA DECLARAÇÃO: Todos os chefes de polícia são honestos

SEGUNDA DECLARAÇÃO: João é um chefe de política.

TERCEIRA DECLARAÇÃO: João não é honesto.

Esse conjunto de três declarações é coletivamente inconsistente, pois não é possível sustentar as três declarações
ao mesmo tempo sem que o conjunto argumentativo se configure como inconsistente. Tal observação nos leva à
melhor forma de testar a validade dedutiva em um argumento. Se as premissas, analisadas conjuntamente, forem
inconsistentes com a negação da conclusão, o argumento é dedutivamente válido.

Em um argumento indutivo, a ligação entre premissas e conclusão não é tão estrita. Se as premissas forem
verdadeiras, a conclusão é, provavelmente, verdadeira, mas ela poderia também ser falsa. A categorização de um
dado argumento como dedutivo ou indutivo pode ser bem difícil em alguns casos e requer a análise de diversos
critérios e formas de evidência. Um dos principais critérios é a natureza da ligação de inferência entre as premissas
e a conclusão. É essa ligação que determina se um argumento é um argumento dedutivo de sucesso ou um
argumento indutivo de sucesso. Para fornecer aos iniciantes um ponto de entrada para melhor interiorizar a
distinção entre indutivo e dedutivo como formas de argumentos, aqui nos concentraremos exclusivamente na
natureza dessa ligação. Argumentos indutivos são baseados em probabilidade. Um exemplo é a sequência a seguir.

A maioria dos cisnes é branca.

Esse pássaro é um cisne.

Portanto, o pássaro é branco.

Nesse argumento, a primeira premissa é uma generalização indutiva. Ela não dispõe sobre uma verdade acerca de
todos os cisnes, mas somente sobre uma que é fato para parte deles. Nesse caso, se as premissas são aceitas como
verdadeiras, então a conclusão é provavelmente (mas não necessariamente) verdadeira. Pode ser que o pássaro
seja um daqueles cisnes negros. O que faz de tal argumento uma indução ao invés de uma dedução é a ligação entre
as premissas e a conclusão. O fato de que uma premissa é uma generalização indutiva, e não dedutiva, é um bom
indicador de que o argumento é indutivo. Uma premissa indutiva como a apresentada no exemplo acima limita a
conclusividade e a força de um argumento. Ela não pode ser utilizada para mostrar que a conclusão é
necessariamente derivada das premissas, mas somente indutivamente, em um cenário de probabilidade.

Argumentos indutivos são baseados em probabilidade1 e estatísticas. A sustentação para um argumento


indutivo é tipicamente dada pela coleta de evidências empíricas. Nos casos básicos, a evidência se dá na forma de
enumerar ou contar objetos, ou submeter indivíduos a pesquisas de opinião. Os resultados são expressos em

1
É difícil definir o termo "probabilidade" precisamente porque há desacordo entre os especialistas sobre exatamente
como defini-lo. Alguns acham que deve ser definida como frequência estatística da ocorrência de um evento. Outros
pensam que deve ser definido em termos de graus de crença racional. Outros ainda pensam que deve ser definido
por axiomas do cálculo de probabilidade. Seria um erro se preocupar com essas sutilezas neste momento. Basta
estarmos cientes de que a probabilidade é calculada por estatísticos, anexando números a afirmações (frações entre
zero e um) que devem medir a probabilidade de tais afirmações serem verdadeiras ou falsas, e números que
medem a confiança em inferências baseadas neles.
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números, os quais são processados pelos métodos atualmente utilizados em estatística, para gerar uma inferência
avaliada como probabilidade. O caso a seguir é um exemplo típico de argumento numericamente indutivo.

Setenta por cento dos residentes de Tutela Heights votam em candidatos conservadores.

Ned é residente de Tutela Heights.

Portanto, (provavelmente) Ned votará em candidatos conservadores.

Nesse argumento, a conclusão possui um certo grau de probabilidade relativo às premissas. Um argumento
dedutivamente contrastante, por exemplo, seria o do caso a seguir, em que existe uma garantia absoluta de que um
evento irá ocorrer. Consideremos, para propósitos ilustrativos, que a palavra “todos” na primeira premissa seja
dotada do sentido “absolutamente todos, sem exceção”

Todos os residentes de Tutela Heights residem no condado de Brant.

Ned é residente de Tutela Heights.

Portanto, Ned é residente do condado de Brant.

Nesse argumento dedutivamente válido, é impossível que ambas as premissas sejam verdadeiras e que a conclusão
seja falsa. A generalização absoluta na primeira premissa exclui quaisquer possíveis instâncias contrárias. No
entanto, no argumento indutivo, um pouco mais acima, há espaço para a possibilidade de as premissas serem
verdadeiras e a conclusão falsa. Poderia ser que Ned fosse um daqueles residentes de Tutela Heights que não
votassem em conservadores.

Argumentos dedutivos são um simples caso de “sim” ou “não”: ou o argumento é dedutivamente válido,
ou não. Caso contrário, ele é classificado como inválido. Por outro lado, utilizando o método indutivo de avaliação,
uma inferência é avaliada como indutivamente mais forte ou mais fraca à medida em que as premissas, se
verdadeiras, corroboram com a veracidade da conclusão. O critério da probabilidade utilizado em avaliações
indutivas faz com que a força que credibiliza um argumento seja uma questão de gradação, e não um simples caso
de “sim” ou “não”. A ligação entre argumento e conclusão poderia ser muito forte, contanto que as premissas
suportassem a conclusão com um maior grau de probabilidade. Ou a ligação poderia ser fraca, caso as premissas
embasassem a conclusão com apenas uma pequena probabilidade, como no argumento “Setenta por cento dos
residentes de Tutela Heights votam em candidatos conservadores; Ned é residente de Tutela Heights; Portanto, Ned
votará em candidatos conservadores”. Por último, o grau de suporte indutivo poderia estar em algum lugar no meio
dos dois cenários anteriores. Em muitos casos, o grau de embasamento pode ser medido exatamente pelos métodos
atualmente utilizados em estatística. Ambos os argumentos, dedutivo e indutivo, podem ser avaliados com o auxílio
de métodos exatos de cálculo.

É difícil definir o termo “probabilidade” de forma precisa, pois há discordâncias entre especialistas sobre como
exatamente fazer isso. Alguns pensam que ele deveria ser definido como a frequência estatística de ocorrência de um
evento. Outros pensam que ele deveria ser definido em termos dos graus de crença racional em dado cenário. Outros
ainda pensam que ele deveria ser definido por axiomas de cálculo probabilístico. Seria um erro se preocupar com tais
sutilezas neste ponto. É suficiente para nós estarmos conscientes de que probabilidades são calculadas por
estatísticos por meio da associação de números a declarações (frações entre zero e um) com o propósito de medir a
probabilidade de tais declarações serem falsas ou verdadeiras e números que mensuram a confiança em inferências
baseadas neles [It is enough for us to be aware that probability is calculated by statisticians by attaching numbers to
statements that are supposed to measure the likelihood that such statements are true or false and numbers that
measure confidence in inferences based on them.]

O terceiro tipo de argumento é menos preciso e confiável [reliable] do que os outros dois, mas é frequentemente
mais útil e até mesmo necessário, em muitos casos na condução prática dos negócios da vida cotidiana. Esse tipo de
argumento leva a uma conclusão que é plausível, e que pode ser provisoriamente aceitável como uma presunção.
Dizer que é plausível significa que aparenta ser verdadeira, pelo modo como se apresenta [on the given
appearances]. É claro, aparências podem ser errôneas [misleading] em alguns casos. Assim [thus] uma tal inferência
é inerentemente [inherently] sujeita a retração [retraction]. Ela é derrotável, o que significa que ela pode vir a falhar
[may turn out to fail] (predefinição [default] se novas evidências aparecerem [come in]. A conclusão é indicada como
presumivelmente verdadeira numa base de plausibilidade, e portanto tentativamente aceitável, dado que as
premissas são verdadeiras. Considere o seguinte argumento.
50

Onde há fumaça há fogo.

Há fumaça no Salão Buttner [Buttner Hall].

Portanto há fogo no Salão Buttner.

Perceba que, neste caso, a, premissa ‘Onde há fumaça há fogo’ não é tomada como uma generalização universal
absoluta. Isso não significa que todos os lugares onde fumaça é vista são lugares onde há fogo. É melhor apreendida
como uma declaração derrotável significando que geralmente, mas sujeita a exceções, se você vê fumaça em algum
lugar, você pode presumir que há fogo naquele lugar. Mesmo que ambas as premissas do argumento acima sejam
verdade, é possível que a conclusão seja falsa. É possível que haja uma coluna de fumaça subindo [rising] do Salão
Buttner, mas talvez não haja fogo lá, apenas uma massa fumegante [smoldering] de alguma substância que emite
[gives off] muita fumaça. E não é prático tentar julgar a força do argumento com dados numéricos sobre incêndios,
porque este caso é individual com muitos fatores circunstanciais que são relevantes. Mas em um tal caso, por
motivos de segurança [on grounds of safety], talvez não seja prudente trabalhar [operate] com uma presunção.
Talvez seja a conclusão certa a se chegar por inferência presuntiva que há um incêndio no Salão Buttner. Esta pode
ser a conclusão certa a se agir mesmo que eu não saiba as probabilidades e mesmo que eu não possa ver evidência
direta de fogo. Por razões práticas, tirar a conclusão de que há ou pode ter fogo lá é a opção sensata, considerando
que eu não tenho evidência indicando o contrário, por exemplo, um boletim de notícias [news bulletin] de que a
fumaça é causada por um pote manchado [smudge pot] como parte da realização de um filme. A fumaça subindo
do Salão Buttner pode ser evidência boa o suficiente de fogo para justificar uma ligação ao departamento de
incêndio na ausência de evidência contraindicativas. Mas, conforme observado, raciocínio presuntivo é
inerentemente provisório por natureza e deveria ser usado com cautela. É aplicável onde uma conclusão precisa ser
extraída, porém [yet] não é conhecido o suficiente sobre a situação para usar um método mais confiável ou exato
de se extraí-la. É apropriado onde, por razões práticas, sob condições de incerteza e conhecimento incompleto, uma
tentativa de conclusão [tentative conclusion] precise ser obtida como uma base temporária para continuar uma
linha de raciocínio ou adotar uma política de ação [policy of action].

Esses três tipos de argumentação são relativamente independentes um do outro. Se um argumento é


dedutivamente válido, a probabilidade (condicional) de que a conclusão é verdadeira, dado que as premissas sejam
verdadeiras, é 1.0 (o maior valor possível de probabilidade que uma proposição pode ter). Então você poderia dizer
que o argumento é indutivamente forte. Mas julgar um argumento como esse por padrões e métodos indutivos não
seria particularmente útil. É mais útil simplesmente dizer que o argumento é dedutivamente válido. Se uma
inferência a uma conclusão pode ser apoiada ou refutada bem efetivamente por métodos indutivos, então a
necessidade ou utilidade de julgá-la plausível ou não como uma inferência presuntiva cai por terra [falls away]. Em
geral, se um argumento pode ser avaliado numa base de probabilidade, então avaliá-la como plausível ou implausível
se torna menos útil. Métodos de raciocínio plausível abrem caminho para evidências indutivas, se houver
disponibilidade. Similarmente, avaliação indutiva abre caminho para lógica dedutiva, se puder ser aplicada de forma
útil a um caso.

EXERCÍCIO 2.2

Identifique as premissas e a conclusão em cada uma das inferências seguintes. Identifique as generalizações na
inferência, e julgue se a inferência é do tipo dedutivo, indutivo ou presuntivo.
A. Todos os cisnes são pássaros. Beverly é um cisne. Logo, Beverly é um pássaro.

B. Qualquer um que deixar de responder [fails to reply] a este memorando [memo] será considerado [will be
presumed] como de acordo. Bob deixou de responder a este memorando. Logo, Bob está de acordo.

C. A típica pessoa trabalhadora não tem condições de pagar [cannot afford] para voar no Concorde. Frank é
uma típica pessoa trabalhadora. Logo, Frank não tem condições de pagar para voar no Concorde.

D. Cinábrio [cinnabar] sempre contém mercúrio. Este objeto é um cinábrio. Logo, este objeto contém
mercúrio.
51

E. Defensores [advocates] de uma causa não acham fácil comprometer os interesses de seu grupo. Helen é
defensora de uma causa. Helen não acha fácil comprometer os interesses de seu grupo.

F. Setenta por cento dos pássaros neste zoológico voam. Tweety é um pássaro neste zoológico. Logo,
Tweety voa.

G. Wayne normalmente pega seu jipe quando ele sai de casa. O jipe de Wayne não está na garagem
[driveway]. Logo, Wayne não está em casa.

H. Conservadores são contra aumentar impostos. Bob é conservador. Logo, Bob é contra aumentar
impostos.

I. Se Minnesota fica no Canadá, então é norte da fronteira canadense. Minnesota fica no Canadá. Logo, é
norte da fronteira canadense.

J. Nancy é uma pessoa honesta. Qualquer coisa que uma pessoa honesta diz deve ser tomado como
verdade. Nancy disse que Peter não gosta da Denise. Logo, Peter não gosta da Denise.

TRÊS Silogismos

Uma forma muito comum de argumento dedutivo que é importante de conhecer é o silogismo. Aristóteles construiu
um sistema de avaliação de argumentos silogísticos para deduzir se são válidos ou inválidos e esse sistema foi a ideia
central que sustenta (the backbone) a lógica em escolas e universidades por mais de dois mil anos. O silogismo é um
tipo particular de argumento que sempre tem duas premissas e uma única conclusão, e todos os três argumentos
(statements) são o que chamamos de proposição categórica. A proposição categórica é antecedida pelo termo
“todos” (all) ou o termo “alguns” (some). O exemplo a seguir é um silogismo:

Todos os pilotos dublês são audaciosos.

Alguns pilotos dublês são contadores.

Portanto, alguns contadores são audaciosos.

A proposição categórica é composta por quatro componentes, um quantificador, um termo subjetivo, uma cópula
(copula) e um termo predicado. O componente quantificador é um das duas opções: o quantificador universal
“todos” e o quantificador particular (existencial) “alguns”. O termo é uma palavra que representa uma classe de
indivíduos, chamado de "extensão" da classe. Por exemplo, o termo “ pilotos dublês” representa a classe de pilotos
dublês. A cópula é a forma do verbo “é” ou “são” (do verbo “ser”) que une um termo ao outro. O termo subjetivo
representa uma classe dita pertencente, ou não pertencente, a outra classe, denotada pelo termo predicado. No
exemplo: “ Alguns contadores são audaciosos” a frase é considerada uma proposição categórica porque pode ser
parafraseada como “ Alguns contadores são indivíduos que são audaciosos”. Todo silogismo deve ser composto por
exatamente três proposições e cada uma destas proposições deve ser uma proposição categórica.

A expressão negativa “nenhum” também é aceita como quantificadora. Então, generalizações universais
negativas como “Nenhum piloto dublê é covarde” são proposições categóricas. Para expressar um argumento
essencial negativo, a partícula “nenhum/nenhuma” é anexada à cópula. Por exemplo, a sentença “ Alguns pilotos
dublês não têm seguro de vida” é uma proposição do tipo categórica negativa existencial. A admissão da versão
negativa tanto quanto a versão positiva da proposição categórica fornece a teoria da inferência silogística uma boa
generalidade. O silogismo, como um tipo particular de argumento, entretanto, é estritamente definido. Deve haver
exatamente três termos nisto, e cada termo deve ocorrer estritamente duas vezes. A primeira, o meio termo, deve
ocorrer uma vez em cada premissa. As outras, os termos finais, devem ocorrer primeiro em uma das premissas
apenas, e primeiro na conclusão. Então a seguinte inferência é um silogismo, porque cumpre com todos os requisitos
acima.

Todos os patos são aves que têm patas palmadas.

Todos os patos selvagens são patos.


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Portanto, todos os patos selvagens são aves que têm patas palmadas.

Existem apenas quatro tipos de proposições reconhecidas como proposições categóricas no raciocínio silogístico.
Onde F e G são variáveis para termos, estes quatro tipos são representados abaixo:

A: Todo F é G: Afirmação Universal

I: Alguns F são G: Afirmação Particular

E: Nenhum F é G: Negação Universal

O: Alguns F não são G: Negação Particular

A proposição universal “Todos os homens são mortais” faz uma afirmação sobre todos e cada indivíduo referido pelo
termo subjetivo (neste caso o “homem”). A proposição particular afirma, literalmente, que pelo menos uma coisa é
F e G. Diferente do inglês de conversação, quando dizemos “Alguns F são G “ sugere que há mais de um que é F e G
ao mesmo tempo, no raciocínio silogístico tudo que é necessário para fazer uma proposição positiva particular ser
verdadeira é uma coisa que tenha ambas as propriedades F e G. A proposição A é o oposto contraditório de O e a
proposição I é o oposto contraditório de E.

Agora que entendemos as proposições A, E, I e O, um método de avaliação de inferências silogísticas é


através de diagramas, chamados de diagramas de Venn, pode ser construído. Uma vez que a palavra “todos/todas”
no raciocínio silogístico é entendido como “todos/todas sem exceção”, o silogismo é estruturalmente correto apenas
quando isto é dedutivamente válido. De acordo com a definição de dedução válida,uma inferência é dedutivamente
válida se, e somente se, é logicamente impossível para as premissas serem verdadeiras e a conclusão ser falsa. Em
outras palavras, dizer que o silogismo é dedutivamente válido é dizer que se as premissas são verdadeiras, então a
conclusão tem que ser verdadeira também. A inferência dedutiva é um tipo de inferência necessária, significando
que as premissas são verdadeiras, não há outra opção se não que a conclusão seja verdadeira também. O exemplo
dos patos selvagens é um exemplo válido de silogismo porque as premissas são inconsistentes com a conclusão
oposta, “Alguns patos selvagens são aves que não tem patas palmadas”.

Vamos testar o exemplo dos patos selvagens para validar usando o diagrama de Venn. Vamos deixar o D
representando os patos, B para as aves de patas palmadas e o M para os patos selvagens. Agora construiremos um
diagrama de Venn com três círculos que se cruzam [intersecting], onde cada círculo representa um termo.

Por convenção, o termo do meio, que ocorre nas duas premissas, é representado pelo círculo do meio. Nós
colocamos cada premissa no diagrama, usando o hachurado para representar uma classe vazia. As duas premissas
foram marcadas no diagrama, usando a hachura. Então perguntamos se a conclusão também tem que ser
representada no diagrama. Se sim, então nós concluímos que o argumento é válido.
53

Agora, vamos testar o argumento do piloto dublê abaixo para validar.

Como mostrado acima, as duas premissas foram representadas no diagrama. Então temos que perguntar se a
conclusão também é verdade, de acordo com o diagrama. Nós vemos que é, então concluímos que o argumento é
válido.

Agora vamos testar outro silogismo para validar.

Todos os neuróticos exibem desvio de comportamento.


Todos os obsessivos-compulsivos exibem desvio de comportamento.
Portanto, todos os neuróticos são obsessivos-compulsivos.

Coloquemos ambas as premissas deste argumento no diagrama de Venn a seguir:

Examinando o diagrama, pode ser visto que apesar das duas premissas serem verdadeiras, é possível que a conclusão
seja falsa. Portanto, o argumento é inválido.

Note, entretanto, que apesar do argumento ser dedutivamente válido, é possível que uma ou mais
premissas sejam falsas. Por exemplo, considere os seguintes argumentos:

Todos os crocodilos são amigáveis.

Todos os animais amigáveis são bons animais de estimação.

Portanto, todos os crocodilos são bons animais de estimação.

Esse argumento é dedutivamente válido. Se as duas premissas são verdadeiras, a conclusão tem que ser também.
Seria inconsistente afirmar as três proposições:

Todos os crocodilos são amigáveis.


54

Todos os animais amigáveis são bons animais de estimação.

Nem todos os crocodilos são bons animais de estimação

Apesar do argumento ser dedutivamente válido, a primeira proposição é falsa. O ponto importante ilustrado aqui é
que apenas porque um argumento é válido, não quer dizer que a premissa seja verdadeira.

Como ilustrado por outro silogismo, é mesmo possível ter um argumento no qual não apenas todas as
premissas são falsas, como a conclusão é falsa também.

Todos os crocodilos têm seis patas.

Todos os animais com seis patas são bons animais de estimação.

Todos os crocodilos são bons animais de estimação.

Apesar do argumento ser dedutivamente válido, ambas as premissas e a conclusão são falsas.

Existem três lições gerais que podem ser desenhadas. Uma é que um argumento válido não é
necessariamente um bom argumento em todos os aspectos. Podem existir premissas falsas ou até uma conclusão
falsa. Outra lição é que a validade de um argumento tem a ver com a ligação entre as premissas e a conclusão. A
terceira lição é que existem duas formas distintas de atacar uma proposição dedutiva. Uma delas é mostrar que o
argumento não é válido. Esta forma consiste em atacar a ligação entre as premissas e a conclusão argumentando
que a conclusão não deriva das premissas. A outra forma de atacar uma ou mais premissas individualmente,
argumentando que não é verdade. No exemplo acima, a primeira premissa pode ser atacada como uma
generalização que não se sustenta.

EXERCÍCIO 2.3

Use diagramas de Venn para determinar se os argumentos silogísticos a seguir são válidos ou inválidos:

A. Todos os camaleões são lagartos. Todos os lagartos são animais de sangue frio. Logo, todos os camaleões
são animais de sangue frio.

B. Todos os patos são pássaros. Nenhum pássaro gosta de molho de chocolate. Logo, nenhum pato gosta de
molho de chocolate.

C. Todos os alimentos manufaturados possuem validade [shelf life] prolongada. Alguns alimentos que
possuem uma validade prolongada são feitos de ingredientes não saudáveis. Logo, alguns alimentos
manufaturados são feitos de ingredientes não saudáveis.

D. Alguns periquitos [budgies] são pássaros que exibem comportamentos agressivos. Alguns pássaros que
exibem comportamentos agressivos são perigosos a humanos. Logo, alguns periquitos são perigosos a
humanos.

E. Algumas companhias de mineração são organizações que são preocupadas sobre o meio ambiente.
Algumas organizações que estão preocupadas com o meio ambiente aprovam [approve] o Greenpeace.
Logo, algumas companhias de mineração são organizações que aprovam o Greenpeace.

QUATRO Proposições Complexas

Silogismo é um tipo de argumento que pode ser comprovado como dedutivamente válido ou inválido em um
determinado caso a partir da especificação de sua forma. Há inúmeras outras formas comuns de argumentação que
55

dispõem de uma forma dedutiva válida que é facilmente reconhecível. Essas formas de argumento são construídas
de proposições complexas de certos tipos. Algumas proposições são complexas, no sentido de que são formados
por proposições simples por certas operações lógicas. Uma dessas operações com a qual já nos deparamos é a
negação. “A neve não é branca” é formada a partir da proposição simples “A Neve é branca” por negação. Se uma
proposição é verdadeira, sua negação é falsa. E se uma proposição é falsa, a negação é verdade. Então, a operação
de negar a proposição dá à proposição final o valor verdadeiro oposto. Por exemplo, a proposição conjuntiva “O
livro está sobre a mesa e o lápis está sobre a escrivaninha”. Outro tipo de proposição logicamente complexa é
formado pela disjunção das proposições. Por exemplo, a proposição disjuntiva “O livro está sobre a mesa e o lápis
está sobre a escrivaninha” usa dois componentes (simples) e formam a sua conjunção usando a palavra “e”. A
proposição conjuntiva pode incluir uma proposição negativa, como na frase “O livro está sobre a mesa e a caneta
não está sobre a escrivaninha”. Outro tipo de proposição logicamente complexa é formado pela disjunção de
proposições. Por exemplo, a proposição disjuntiva “O livro está sobre a mesa ou o lápis está na escrivaninha” usa
duas proposições (simples) e forma sua disjunção usando a palavra “ou”. Proposições disjuntivas podem também
incluir proposições negativas, como na frase “O livro está sobre a mesa ou a caneta não está sobre a escrivaninha”.
Uma proposição conjuntiva só é verdade se as duas (ou todas) as proposições contidas dentro forem verdadeiras.
De maneira geral, proposições conjuntivas são mais difíceis de provar do que frases disjuntivas, porque elas afirmam
que mais é verdade.

Outro tipo de proposição complexa que é muito importante dentro da compreensão da razão lógica é o
tipo condicional de proposição. Uma proposição condicional é uma proposição na forma “Se A, então B” onde A e B
são partes da proposição na proposição condicional. A parte que segue o “se” (o A, nesse caso) é chamada
antecedente (hipótese). A outra proposição (o B, nesse caso) é chamada consequência. Segue um exemplo de
afirmação:

Se Bob está em Miami, então Bob está na Flórida.

Nesse exemplo, “Bob está em Miami” é o antecedente, e “Bob está na Flórida” é a consequência. Proposições
condicionais, como proposições conjuntivas e disjuntivas, podem incluir proposições negativas. Por exemplo, a
proposição condicional “Se Bob está em Miami, Bob não está no Texas” contém uma proposição negativa como
consequência.

De fato, proposições conjuntivas, disjuntivas, negativas e condicionais podem ser combinadas, como na
seguinte proposição: Se Bob está em Miami ou Bob está em Tama, então Bob não está no Texas e Bob não está em
Vermont. Mantendo essa condicional complexa, nós escrevemos tudo explicitamente, mas normalmente a frase
seria redigida de forma mais compacta, usando o pronome “Ele”: Se Bob está em Miami ou Tampa, então ele não
está no Texas nem em Vermont. Nesse caso, toda a frase tem a forma de proposição condicional, mas a parte
antecedente da proposição condicional é uma proposição disjuntiva e a parte consequente da condicional é uma
conjunção.

A coisa mais importante sobre as condicionais é que a proposição antecedente não está (necessariamente)
se afirmando verdadeira. Em geral, é apenas uma pressuposição ou hipótese. O que está sendo dito é que se a
proposição é verdade, então a proposição consequente também é. Uma afirmação como essa é hipotética por
natureza. Por exemplo, se eu digo: “Se Bob é um gangster, então ele deve ser processado”. Eu não estou
(necessariamente) dizendo que Bob é um gangster. Estou apenas afirmando que, se ele for um gangster, então deve
ser processado. Toda a proposição condicional pode ser verdadeira, até mesmo quando a parte antecedente da
proposição é falsa. Mesmo que, de fato, não seja verdade que Bob é um gangster, poderia continuar sendo verdade
que se ele for um gangster, então deve ser processado.

É importante notar que há uma diferença entre suposições e afirmações. Se eu suponho que uma
proposição é verdadeira, sabendo que uma suposição é apenas uma hipótese, e se alguém questiona isso, eu não
preciso provar. Mas se eu asseguro que uma proposição é verdadeira, eu fiz uma afirmação. Então se alguém
questiona essa afirmação ou me pede para prová-la, eu preciso dar razões para sustentá-la, ou desisto de que minha
afirmação é verdadeira. Então, suposições são “gratuitas”, enquanto afirmações têm um “preço” embutido. Você
deve provar (justificar) a eles ou desistir. Nesse sentido, suposições são mais como perguntas do que afirmações.
56

EXERCÍCIO 2.4

Identifique as proposições simples nas proposições complexas a seguir e mostre como as proposições complexas
são formadas a partir das simples, identificando cada operação lógica usada.

A. Se o uso de antibióticos não for contido, tuberculose e poliomielite se tornarão impossíveis de serem
controladas.

B. Se comer farelo de cereais [bran cereal] todo dia reduz as chances de câncer de cólon, então não comer
farelo de cereais todo dia é uma maneira de reduzir a longevidade.

C. Ou Bob é um gângster ou Bob está trabalhando para o FBI e está comprometido com trabalho disfarçado
[undercover].

D. Madagascar fica ao sul do Equador.

E. Coragem é uma forma de vicio em ação combativa, e precisa ser contida, ou poderá ameaçar aqueles que
temem seus perigos.

F. Se este objeto é metal, então será atraído por uma bobina magnética [magnetic coil], se uma for colocada
em sua proximidade.

G. Algumas moedas são feitas de prata e algumas são feitas de ouro.

H. Ou Ted não está vindo para a festa, ou Linda está em casa e esperando uma ligação de Bob.

CINCO Algumas Outras Formas Comuns de Argumento Dedutivo

Além dos silogismos, há certas outras formas de argumento que são muito comuns e podem ser avaliadas como
dedutivamente válidas. Uma forma de argumento comumente usada tem a seguinte estrutura, em que as letras
maiúsculas A, B, e assim por diante, representam afirmações (statements).

MODUS PONENS

PREMISSA: Se A, então B

PREMISSA: A

CONCLUSÃO: B

Essa estrutura de inferência é chamada de modus ponens (MP). É uma forma comum de argumento válido. Um
exemplo é o argumento seguinte.

Se Lugano é na Suíça, Lugano é na Europa.

Lugano é na Suíça.

Portanto, Lugano é na Europa.

Se as premissas desse argumento são ambas verdadeiras, as conclusões devem (por necessidade lógica) ser
verdadeiras. Assumir que ambas as premissas sejam verdadeiras enquanto a conclusão é falsa é uma inconsistência
57

lógica. Assim, o argumento é dedutivamente válido. Nós não podemos nem mesmo saber se ambas as premissas
são verdadeiras. Mas nós sabemos que se elas forem verdadeiras, então a conclusão deve ser verdadeira também.
Assim, o argumento é válido.

Outro exemplo de uma forma interessante de argumento é o caso seguinte.

PREMISSA: Se essa barra de ferro está magnetizada, ela atrai partículas de ferro próximas.

PREMISSA: Essa barra não atrai partículas de ferro próximas.

CONCLUSÃO: A barra não está magnetizada.

Se ambas as premissas são verdadeiras, segue necessariamente que a conclusão é verdadeira. Assim, o argumento
é válido. Essa forma de argumento é chamada de modus tollens (MT).

MODUS TOLLENS

PREMISSA: Se A, então B

Não-B.

CONCLUSÃO: Não-A.

Essa forma de argumento é válida, o que significa que se as premissas são aceitas como verdadeiras, então a
conclusão também deve ser verdadeira. MP e MT são formas comumente utilizadas de argumento que são
dedutivamente válidas, o que significa que se as premissas são verdadeiras (ou razoavelmente aceitáveis), então a
conclusão deve ser verdadeira (ou razoavelmente aceitável), também. Usar essas formas de inferência é uma boa
forma de ter certeza de que seu raciocínio (reasoning) atinge os padrões de correção estrutural apropriados para o
raciocínio lógico.

Outra forma comumente usada de raciocínio é o silogismo hipotético (SH), da forma seguinte, em que duas
condicionais são combinados.

SILOGISMO HIPOTÉTICO

Se A, então B

Se C, então C

Portanto, se A, então C.

Esse tipo de inferência é frequentemente utilizado em planejamento, quando se tenta prever possíveis eventos
futuros, como no exemplo seguinte.

PREMISSA: Se a Inglaterra aumentar seus gastos militares, então a Alemanha criará um embargo sobre a
carne importada.

PREMISSA: Se a Alemanha criar um embargo sobre a carne importada, a França construirá mais reatores
nucleares perto da fronteira alemã.
58

CONCLUSÃO: Se a Inglaterra aumentar seus gastos militares, a França construirá mais reatores nucleares
perto da fronteira alemã.

Se ambas as premissas são verdadeiras, segue que a conclusão é, também, verdadeira. Aqui está um exemplo com
raciocínio matemático.

PREMISSA: Se o primeiro triângulo é congruente com o segundo triângulo, então o segundo triângulo é
isósceles.

PREMISSA: Se o segundo triângulo é isósceles, então dois de seus ângulos devem ser iguais.

CONCLUSÃO: Se o primeiro triângulo é congruente com o segundo triângulo, então dois ângulos do
segundo triângulo devem ser iguais.

O raciocínio matemático geralmente tende a ser de natureza dedutiva, pois é baseado em generalizações que são
absolutamente universais e em inferências que são estritas.

Quando avaliamos inferências que têm as formas (MP), (MT), e (HS), é importante lembrar que há duas
perguntas separadas a serem perguntadas: (1) as premissas são verdadeiras, e (2) a conclusão segue das premissas
por algum padrão do que constitui uma inferência correta? Se uma inferência tem uma das formas (MP), (MT), ou
(HS), então ela é dedutivamente válida. Premissas são frequentemente declaradas (claimed to be) verdadeiras pela
evidência, mas não em todos os casos de argumentos. Em alguns argumentos, meramente presume-se (assumption)
que as premissas são verdadeiras mas não são declaradas verdadeiras. Por exemplo, considere o argumento
seguinte

PREMISSA: Bob é o assassino.

CONCLUSÃO: Bob teria de estar na cena do crime no momento em que o crime foi cometido

Esse argumento pode ser razoável, mesmo que nenhuma declaração tenha sido feita de sua veracidade. A única
declaração é a de que a conclusão é verdadeira se a premissa for verdadeira (uma declaração hipotética). Então a
premissa de um argumento não é necessariamente uma declaração ou asserção. Uma premissa pode também ser
uma presunção. A razoabilidade do passo da(s) premissa(s) à conclusão de uma inferência é independente da
razoabilidade da(s) premissa(s), como afirmações que são apoiadas por evidência. Geralmente, então, ao avaliar
inferências, há dois fatores separados a serem considerados: (1) se as premissas são ou não afirmações verdadeiras,
e (2) se a conclusão segue ou não das premissas. Se uma inferência tem a forma (MP), (MT), ou (HS), então a
conclusão segue das premissas de acordo com o padrão de correção de inferência apropriado para o caso em
questão. Mas isso, é claro, não significa que as premissas da inferência sejam verdadeiras, pois isso é sempre uma
questão separada.

EXERCÍCIO 2.5

1. Determine se as inferências a seguir apresentam a forma de (MP) ou (MT) ou não possuem nenhuma das
formas de argumento:
a. Se Sócrates é um homem, então Sócrates não é mulher. Sócrates é um homem. Logo,
Sócrates não é mulher.
b. Se Bob está na Alemanha, então Bob não está na Itália. Bob está na Alemanha. Logo, Bob
não está na Itália.
59

c. Se Bob está na Alemanha, então Bob não está na Itália. Bob não está na Itália. Logo, Bob está
na Alemanha.
d. Se Bob está na Alemanha, então Bob não está na Itália. Bob está na Itália. Logo, Bob não está
na Alemanha.
e. Se Boris é um tigre, então Boris é um animal. Boris não é um animal. Logo, Boris não é um
tigre.

2. Avalie as inferências a seguir julgando (1) se as premissas são verdadeiras e (2) se as inferências são
dedutivamente válidas:
a. Se a população continuar a crescer, haverá maior estresse sobre o meio ambiente. Se houver
mais estresse no meio ambiente, desastres naturais irão ocorrer. Então se a população
continuar a crescer, desastres naturais irão ocorrer.
b. Se a igualdade de oportunidades está prestes a ser conquistada, então aqueles previamente
em desvantagem deveriam obter agora oportunidades especiais. Se as pessoas previamente
em desvantagem deveriam receber agora oportunidades especiais, então algumas pessoas
irão receber tratamento preferencial. Então, se a igualdade de oportunidades está prestes a
ser conquistada, algumas pessoas irão receber tratamento preferencial.
c. Se as ações humanas são previsíveis, o universo é determinista. Se o universo é
determinista, livre escolha é uma ilusão. Logo, se as ações humanas são previsíveis, livre
escolha é uma ilusão.
d. Se Bob trapaceou na sua prova, então sua honestidade deveria ser questionada. Se a
honestidade de Bob deveria ser questionada, então acusações deveriam ser feitas contra
Bob. Logo, acusações deveriam ser feitas contra Bob.

SEIS Probabilidade e Argumento Indutivo

Argumentação dedutiva é baseada em proposições que são verdadeiras ou falsas. Argumentação indutiva adiciona
outra dimensão ao introduzir a ideia que uma proposição pode ser provavelmente verdadeira ou provavelmente
falsa. A ciência de medição da probabilidade é a estatística. Probabilidade estatística é a medida de quanto provável
ou improvável uma proposição pode ser – por cálculos -, em uma escala de frações entre zero e um. Ao fazer
estimativas da probabilidade de uma proposição ser verdadeira (ou falsa), estatísticos, normalmente, também
fornecem uma medida numérica da probabilidade de erro, a proporção de vezes que uma estimativa acabe se
revelando errada. Argumentação crítica não está tão preocupada com fórmulas e métodos de estatística usados
para calcular probabilidades numéricas, quanto com a aplicação desses métodos, a fim de determinar inferências
prováveis usadas no raciocínio cotidiano que influencia nosso pensamento e decisões sobre o modo de agir.

Como notado no capítulo 1, generalizações estatísticas têm um número exato representando seu valor de
probabilidade, mas muitas generalizações indutivas não tem número exato. Ao invés disso, uma proposição pode
ser avaliada, em um modo menos preciso, em tendo “alta” ou “baixa” probabilidade. Ou equivalentemente, pode
ser dito que um evento é provável que ocorra, improvável que ocorra, muito provável que ocorra, e assim por diante.
Dizer que uma proposição tem uma alta (baixa) probabilidade, é dizer que um alto (baixo) número, representando
seu valor estatístico, pode ser associado a ela, mesmo que esse número não tenha sido calculado ainda.

Probabilidade é a propriedade não somente de proposições individuais, mas também de argumentos. Um


argumento é indutivamente forte quando é improvável que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
“Improvável” significa que a probabilidade é baixa (mas não é específica, no geral, sobre o quão baixa exatamente).
É assumido, também, que o argumento não é dedutivamente válido. Caso contrário, argumentos dedutivos válidos
seriam simplesmente um caso especial de fortes argumentos indutivos, em que a probabilidade de que as premissas
sejam verdadeiras e a conclusão falsa seria igual a zero.

Os dois próximos argumentos ilustram a diferença entre argumentação dedutiva e indutiva.

PREMISSA: Todos os estudantes que se graduaram na Godfrey College, depois de 1995, tiveram um curso
de argumentação crítica.
60

PREMISSA: Bob foi um estudante que se graduou no Godfrey College depois de 1995.

CONCLUSÃO: Bob teve um curso de argumentação crítica.

Esse argumento é dedutivamente válido, considerando, naturalmente, que a primeira premissa é universalmente
generalizante. Agora considere outro argumento.

PREMISSA: A maioria dos estudantes que se graduaram no Bohemond College, depois de 1995, tiveram
um curso de argumentação crítica.

PREMISSA: Elaine foi uma estudante que se graduou no Bohemond College depois de 1995.

CONCLUSÃO: Elaine teve um curso de argumentação crítica.

O segundo argumento é diferente do primeiro com “a maioria” sendo usado ao invés de “todos”, indicando uma
probabilidade estatística (indutiva) generalizante, oposto de uma generalização universal. O segundo argumento é
indutivamente forte, no sentido que ambas as premissas são verdadeiras, então é provável que a conclusão também
seja. Ou em outras palavras, é improvável que ambas as premissas sejam verdadeiras e a conclusão seja falsa. Logo,
argumentos indutivos são baseados em probabilidade, não necessidade lógica. Com um forte argumento indutivo,
é logicamente possível que todas as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Só que não é provável.

Se alguém deveria assumir uma inferência específica2 usada em um dado caso de argumentação como
indutiva ou dedutiva é, às vezes, difícil de julgar e deve-se ter atenção cuidadosa com a linguagem usada. Mas o
critério para o sucesso e, portanto, a estrutura interna de cada um dos dois tipos de argumento, é inerentemente
diferente. Essa diferença de estruturação é certamente um importante indicador para ajudar a identificar ambos os
tipos de argumentos. A estrutura do argumento é uma ligação inferencial que junta as premissas com a conclusão,
e como notado acima, pode-se haver dois tipos de ligação. É suposto que um argumento dedutivo seja rígido e
definido, implicando necessidade lógica no sentido que a conclusão deve ser feita a partir das premissas. Em
contraste, não é suposto que um argumento indutivo seja absoluto ou rígido do mesmo modo, sendo baseado em
probabilidade ao invés de necessidade. Um argumento poderia ser apresentado como indutivo e, mesmo que seja
muito forte nesses parâmetros, continuaria possível que as premissas fossem verdadeiras enquanto que a conclusão
fosse falsa (mesmo que isso seja improvável). Então há uma diferença de estruturação clara entre os dois tipos de
argumentação.

Em muitos casos, o melhor jeito de fazer distinção entre as instâncias dos dois tipos de inferência é olhar o
tipo de generalização que cada uma é baseada. Se uma generalização absoluta, como “todos”, é usada, então a
inferência é dedutiva em sua natureza. Se um termo estatístico com número representado o valor de uma
probabilidade é dado, ou se um termo como “a maioria”, “muitos” ou “muito poucos” é fornecido, então a inferência
é indutiva em sua natureza.

Existe uma comum e equivocada concepção de que argumentação dedutiva é do geral ao específico,
enquanto raciocínio indutivo sempre vai do específico ao geral. É verdade que muitas inferências indutivas vão de
instâncias específicas para generalizações, como no exemplo adiante.

PREMISSA 1: Cisne um é branco.

PREMISSA 2: Cisne dois é branco.

PREMISSA 3: Cisne 3 é branco.

2
Uma inferência, no sentido técnico do termo, é o processo de raciocínio dentro do argumento. Em um sentido
mais amplo usado aqui, o termo "inferência" pode ser usado de forma intercambiável com o termo "argumento".
61

PREMISSA 4: Esses três cisnes são representantes da população de cisnes nessa área.

CONCLUSÃO: É provável que a população de cisnes nessa área seja branca.

Esse argumento representa um tipo muito comum de raciocínio indutivo de instâncias específicas para uma
população geral de modo que isso é chamado inferência de amostragem. A inferência de amostragem é, na verdade,
tão comumente usada é típica de um raciocínio indutivo que é fácil presumir que todos os argumentos indutivos são
de premissas específicas a uma generalização na conclusão. Mas o exemplo listado acima sobre o Bohemond College
mostra que, em outras instâncias, um argumento indutivo pode ir de uma premissa geral para uma conclusão com
instância mais específica.

Nós vimos muitos exemplos acima de argumentos dedutivos que vão de premissas generalizantes para
conclusões específicas ou de premissas generalizantes para conclusões generalizantes. Ainda assim, é também
possível haver casos de argumentos dedutivamente válidos que têm instâncias específicas como premissas e
conclusões generalizantes.

PREMISSA: Essa raposa correu sobre aquela colina.

CONCLUSÃO: É possível raposas correrem sobre colinas.

Essa inferência é dedutivamente válida. Seria inconsistente a premissa ser verdadeira e a conclusão falsa. Ainda
assim, a premissa cita uma instância específica, enquanto a conclusão é acerca de raposas e colinas em geral. Ao
contrário do que alguns poderiam esperar, nem todas as inferências dedutivas vão do geral ao específico. Algumas
vão de premissas gerais para conclusões particulares. Outras vão de instâncias específicas em premissas para uma
conclusão geral.

EXERCÍCIO 2.6

Determine quais dos argumentos seguintes são dedutíveis em estrutura e quais são indutíveis em estrutura.

A. Todos os super-heróis derrotam vilões nojentos. Batman é um super-heróis. Logo, Batman derrota vilões
nojentos.

B. A maioria dos super-heróis tem um companheiro fiel. Batman é um super-herói. Portanto, Batman tem
um fiel companheiro.

C. Quase todos os super-heróis têm uma fraqueza fatal. Superman é um super-herói. Logo, Superman tem
uma fraqueza fatal.

D. 76% dos fãs de Zorro têm menos de 12 anos. Ricardo é fã de Zorro. Portanto, Ricardo tem menos de 12
anos.

E. Todo vilão conhece seu rival ao encontrar uma boa pessoa. Quando um vilão conhece seu rival ao
encontrar uma boa pessoa, na maioria dos casos, essa boa pessoa é um super-herói. Brutus é um vilão.
Logo, quando Brutus conhecer seu rival ao encontrar uma boa pessoa, essa boa pessoa será um super-
herói.

F. Esse papagaio é amarelo. Esse papagaio é verde. Logo, alguns papagaios são diferentes de outros em cor.

G. Esse papagaio é amarelo. Aquele papagaio é amarelo. Logo alguns papagaios são amarelos.

H. Esse papagaio é verde. Aquele papagaio é verde. Esse terceiro papagaio também é verde. A cor desses
três papagaios representa a cor dos papagaios aqui. Portanto, é provável que papagaios aqui sejam verde.
62

I. Dez bolas foram removidas dessa urna e todas são brancas. A cor dessas bolas removidas é representativa
da cor das bolas na urna. Logo, todas as bolas na urna são brancas.

SETE Argumentação Plausível

A argumentação plausível pode ser melhor explicada citando um exemplo antigo. De acordo com Platão 3, esse
exemplo veio de Coraz e Tisias, dois Sofistas (antigos professores gregos de técnicas de argumentação) que viveram
no meio do século V a.C. 4 O exemplo é um caso legal em que um homem acusa outro de agressão. Houve uma briga
entre os dois homens, e o problema era quem a havia começado. Um homem era um pouco menor e mais fraco do
que o outro. O argumento do homem menor para o júri poderia ser colocado na forma de uma questão. Ele
perguntou se era plausível que ele, menor e mais fraco, agrediria o outro homem visivelmente maior e mais forte?
O argumento poderia ser traduzido como uma série de premissas e conclusão a seguir:

PREMISSA 1: Normalmente, um homem menor e mais fraco não atacaria um homem maior e mais forte.

PREMISSA 2: Eu sou o homem menor e mais fraco.

PREMISSA 3: O outro homem é maior e mais forte do que eu.

CONCLUSÃO: É implausível que eu o atacaria.

Esse argumento poderia influenciar o pensamento do júri no caso. Pareceria improvável para eles que o homem
menor atacaria o maior. Era possível, claro, que ele tenha atacado. A primeira premissa contém o qualificador
“normalmente”, e assim é aberta a exceções. Mas não havia testemunhas. Era só um homem contra o outro. Sob
essas circunstâncias de falta de conhecimento de primeira-mão sobre o que aconteceu, a plausibilidade do
argumento acima transferiu o ônus da prova para o outro lado do julgamento, dando a razão pela qual o menor
homem não foi quem começou a briga. O argumento funciona porque o júri pode se colocar mentalmente no lugar
do homem menos na situação dada. Cada um perceberia que se fosse o homem menor, não começaria uma luta tão
unilateral.

O curioso sobre esse exemplo é que o homem maior usou um coincidente argumento plausível para refutá-
lo.5 Ele argumentou que desde que era tão óbvio que ele era o homem maior e mais forte, era aparente que se ele
fosse atacar esse homem menor e mais fraco, ele perceberia o quão ruim isso ficaria, especialmente se o caso fosse
para a Corte. Agora, sabendo desse fato, é ´plausível que ele atacaria o homem menor? A questão traz um
argumento similar ao anterior.

PREMISSA 1: Normalmente, um homem grande e forte não atacaria um homem mais fraco e menor,
especialmente se estivesse ciente que o caso iria para a Corte.

PREMISSA 2: Eu sou o homem grande e forte.

PREMISSA 3: O outro homem é mais fraco e menor.

PREMISSA 4: Eu estava ciente que o caso poderia ir para a Corte.

CONCLUSÃO: É implausível que eu o atacaria.

3
Fedro 272d-273c. Por exemplo, no estado atual da tecnologia, a afirmação "Henry está em Boise, Idaho, em um
determinado momento" é praticamente inconsistente com "Henry está em Atenas, Grécia, cinco minutos depois
desse horário". Mas as duas afirmações não são logicamente inconsistentes.
4
Aristóteles atribuiu o exemplo a Corax (Retórica 1402a17-1402a28).
5
Aristóteles, Retórica 1402a 11.
63

Esse argumento corresponde ao argumento plausível do homem mais fraco, acima. Assim, um argumento plausível
funciona como refutação do outro. Esse argumento funciona praticamente da mesma forma. O júri acharia plausível
porque eles podem se colocar mentalmente no lugar do argumentador. Uma pessoa do júri saberia que o homem
maior estaria colocando si mesmo numa situação ruim agredindo o homem menor, e então eles poderiam facilmente
ver por que o homem maior seria relutante em fazê-lo. Usando esse contra-argumento plausível, o homem mais
forte foi capaz de anular a peneira no ônus da prova que o faria parecer culpado.

Plausibilidade é diferente de probabilidade. A probabilidade é determinada coletando dados estatísticos


das chances do que aconteceu, e então usando esses dados para julgar o quão provável é que a declaração seja
verdadeira. A plausibilidade é uma questão de se a afirmação parece ser verdadeira em um tipo de situação normal
que é familiar tanto para os participantes quanto para os espectadores. No exemplo do argumento do homem
menor, os espectadores podem esperar ver que se ele fosse começar tal briga, ele perceberia que a consequência
seria uma derrota humilhante. Julgando pelas aparências e pelo que normalmente ocorreria numa situação que os
espectadores estão familiarizados, eles concluem que é implausível que o homem menor começaria a briga. Claro,
essa conclusão é baseada em outras coisas sendo iguais. Suponha que tenha sido mostrado pelas evidências no
julgamento que o homem menor era um boxeador habilidoso e era geralmente agressivo. E suponha que mais
evidências foram introduzidas mostrando que o homem maior era desajeitado e não era uma pessoa agressiva. Esses
fatos adicionais significariam que a conclusão tirada no caso seria diferente.

Outro exemplo cassico de raciocínio baseado na plausibilidade é o caso da cobra e da corda. 6 Um homem
vê uma corda enrolada num quarto pouco iluminado. Parece uma cobra, e não querendo ser atacado, ele age com
base na suposição plausível de que é uma cobra saltando sobre ela. Quando ele se vira, no entanto, vê que não se
mexeu. Ele agora pensa que não é muito plausível que é uma cobra e que é plausível que seja uma corda. Mas, de
novo, ele pensa, cobras sãoimóveis às vezes. Então ele faz outro teste. Ele cutuca o objeto com uma vareta. De novo
não se mexe, e ele concluí que o objeto é uma corda. O homem não poderia ter certeza. Mas como havia risco de
uma mordida de cobra, ele agiu na suposição plausível que era uma cobra. Ele tomou cuidado e pulou sobre ela de
novo. Então novas informações entram no caso. Ele viu que o objeto não se moveu quando ele pulou sobre ele. Essa
evidência indicou que provavelmente não era uma cobra. Para conseguir mais evidências, ele cutucou o objeto. O
teste confirmou a hipótese de que o objeto era uma corda e não uma cobra.

Ainda outro exemplo mostra como uma declaração que é implausível pode se mostrar verdadeira. John
Locke, filósofo do século dezoito, apresentou o exemplo do embaixador holandês que estava entretendo o rei do
Sião para ilustrar a plausibilidade. 7 O embaixador disse ao rei que a água na Holanda poderia, no frio, ser tão dura
que homens poderiam andar sobre ela. Ele dissse que essa água seria ainda não firme que um elefante poderia andar
sobre a superfície. O rei achou essa história tão estranha que ele concluiu que o embaixador estava mentindo. A
história mostra que a plausibilidade se refere a uma inferência feita com base em expectativas normais e comuns
baseadas em condições com as quais uma pessoa está familiarizada. Nos trópicos, as pessoas não estavam
familiarizadas com as condições de congelamento e, portanto, a história do canal congelante não se encaixava nas
expectativas normais que tinham em seu ambiente. Eles apenas acharam as declarações do embaixador implausíveis
e pouco convincentes.

Ainda outro exemplo de plausibilidade é uma afirmação aceita com base em um recurso à opinião de um
especialista. Se um especialista afirma uma afirmação como verdadeira, essa é uma razão plausível para pensar que
a afirmação é verdadeira. Pode acontecer que esta afirmação não seja verdadeira. O especialista pode estar
mentindo ou pode estar errado. Mas ainda assim, outras coisas sendo iguais, se uma pessoa não é um especialista
e não tem muito conhecimento sobre o assunto em questão, pode ser sensato aceitar a opinião de um especialista
como plausível. Pode ser uma suposição plausível para agir, desde que se esteja aberto a novas evidências que
possam surgir.

Os argumentos indutivos são baseados em probabilidade, no sentido estatístico deste termo. Os


argumentos plausíveis são baseados em presunção. Uma presunção é uma suposição experimental e qualificada de
uma proposição como verdadeira que pode ser justificada em uma base prática, desde que não haja evidência
suficiente para mostrar que a proposição é falsa. Na ciência da computação, essa maneira de fazer uma inferência é
chamada de “derrotabilidade”. A inferência plausível é baseada em uma generalização ou em uma premissa
condicional do tipo derrotável, onde há ressalvas que precisam ser feitas e onde não se sabe se essas ressalvas se

6 Este exemplo, atribuído ao filósofo grego Carneades, pode ser encontrado em um livro do filósofo cético Sexto

Empírico, Contra os Lógicos, 188.


7
John Locke, An Essay on Human Understanding, 9ª ed. (London: A Churchill, 1726), pp. 275-76.
64

aplicam ou não ao caso em questão. Até que tal conhecimento chegue, uma conclusão temporária pode ser inferida
pela derrota. O caso clássico usado em ciência da computação para ilustrar o padrão é o exemplo do Tweety.

EXEMPLO DO TWEETY

Pássaros voam.

Tweety é um pássaro.

Logo, Tweety voa.

A primeira premissa neste argumento não é uma generalização que se destina a ser aplicada a todas as aves, sem
exceção. A palavra “geralmente” indica que a primeira premissa não é uma generalização (absolutamente) universal
e abre espaço para casos excepcionais de pássaros que não voam. Tampouco é uma generalização estatística ou
probabilística. Fica como uma presunção sujeita à derrota. Portanto, o tipo de link de argumento no caso do Tweety
é presuntivo. Suponha que Tweety seja um pinguim. Sabemos que nenhum pinguim voa. Assim, temos um contra-
exemplo à generalização na primeira premissa. Sabemos que, neste caso, o Tweety não voa. Assim, o argumento no
exemplo do Tweety é padronizado. Claro, a declaração 'Os pássaros voam' permite que o Tweety seja um desses
casos excepcionais. Tweety pode ser um avestruz ou um pinguim – um pássaro que não voa. Antes que soubéssemos
disso, o argumento se manteve. Mas assim que essa nova informação chegou, o argumento do Tweety falhou.

Um argumento plausível é usado para tirar uma conclusão temporária, baseada em uma expectativa do
que seria normal em um tipo de situação familiar ou conhecido. A conclusão pode ser assumida provisoriamente
como um guia para a ação, mesmo quando alguns dos detalhes ainda não são conhecidos na forma de provas
concretas. A argumentação plausível na ciência é típica do estágio inicial de descoberta de uma investigação em que
uma hipótese é formada, mesmo que ainda não tenha sido verificada pela coleta de dados suficientes. Em um estágio
posterior, uma vez que mais informações estejam disponíveis, o teste e a verificação adicional da hipótese inicial
podem levar a um ponto em que ela pode ser avaliada como provavelmente verdadeira ou provavelmente falsa por
raciocínio indutivo. Ou ainda mais tarde, nenhuma reserva pode precisar ser expressa, uma vez que uma teoria
precisa tenha sido construída e argumentos dedutivos possam ser usados para prová-la. O raciocínio plausível pode
ser útil como forma de avançar provisoriamente e diminuir o número de hipóteses que precisam ser testadas
experimentalmente. O raciocínio plausível também é muito comum no direito. Por exemplo, o argumento "Parece
uma declaração juramentada, portanto é uma declaração juramentada'', poderia ter peso como evidência legal
apresentada em um julgamento. 8 Assim, uma inferência plausível é traçada para fins legais, mesmo que o tribunal
possa posteriormente revertê-la, por exemplo, se puder ser provado que a assinatura do notário no documento foi
falsificada. Como isso funciona é que uma inferência é provisoriamente aceita como plausível, com base no que
parece ser o caso e fornece evidências para prosseguir, mesmo que mais tarde possa ser derrotada por novas
evidências.

Tanto os argumentos indutivos quanto os plausíveis são de natureza não absoluta. Ambos permitem
instâncias contrárias e, portanto, ambos estão sujeitos a revisão, caso novas informações surjam em um caso. A
diferença básica entre eles é que o raciocínio indutivo é baseado em reunir evidência que pode (nos casos mais
claros) ser contada ou processada de alguma forma numérica por métodos estatísticos. A argumentação plausível é
mais prática por natureza e é baseada em presunções sobre como as coisas normalmente acontecem, como as coisas
normalmente aparecem, ou práticas que agilizam maneiras de trabalhar em conjunto para realizar ações
colaborativas suaves e eficientes. A argumentação plausível é inerentemente negativa por natureza. Ele funciona
excluindo provisoriamente certas condições que não são conhecidas por serem obtidas, no caso específico. É mais
útil usar argumentação plausível nos casos em que cada situação individual é única e desconhecida, mesmo com
base na probabilidade. Como a semelhança de um caso com outro não é exata, argumentos plausíveis não são (não
arbitrariamente) sujeitos a quantificação precisa. Em contraste, a argumentação dedutiva é absoluta e precisa. E a
argumentação indutiva é positiva e mais precisa do que presuntiva. Portanto, a lógica, no passado, enfatizou
fortemente a argumentação dedutiva e indutiva e tendeu a ignorar a argumentação plausível como muito vaga e
não confiável. No entanto, a argumentação plausível é provavelmente (ou plausivelmente) o tipo mais comum de

8
Uma declaração juramentada é uma declaração escrita, confirmada por juramento, usada como prova judicial.
65

raciocínio usado na deliberação cotidiana, bem como em argumentos jurídicos, e é de vital importância para a lógica
avaliá-la.

Embora a argumentação plausível seja necessária para fins práticos, ela também é perigosa. Como a
argumentação plausível é baseada em estereótipos, ou suposições sobre o modo como os padrões ou expectativas
normais funcionam na experiência prática, é um tipo de raciocínio inerentemente experimental e imperfeito que
pode se tornar enganoso ou injustificado em situações imprevistas ou não padronizadas. Portanto, uma atitude de
mente aberta e cautelosa é apropriada ao usar esse tipo de argumentação. Quando novas informações chegam, um
argumento presumivelmente razoável que era plausível na situação antiga pode agora ter que ser reavaliado como
não mais plausível (por padrão). Por isso, é importante não se tornar muito rígido ou dogmático ao confiar em
estereótipos na argumentação plausível. Por exemplo, se descobrirmos que o Piu-Piu é um pinguim, seguir
dogmaticamente a generalização absoluta “Todos os pássaros voam” e concluir (ao contrário dos fatos) que o Piu-
Piu deve voar não seria razoável. A falácia da generalização apressada (ver capítulo 1) é um perigo aqui.

O raciocínio plausível lhe dá alguma razão para pensar que uma proposição é verdadeira, desde que você
não tenha uma razão melhor para pensar que é falsa. Por exemplo, tirar uma conclusão com base no depoimento
de uma testemunha usa um raciocínio plausível. Se você não tem uma boa razão para pensar que a proposição
afirmada pela testemunha é falsa, então o testemunho lhe dá alguma razão para pensar que é verdade. Mas se você
descobrir que a testemunha foi subornada ou ameaçada ou se você encontrar evidências físicas (baseadas em testes
científicos, por exemplo) de que a proposição é falsa, então esta é uma informação nova e você deve retirar sua
conclusão original. O raciocínio plausível é de um tipo inerentemente sujeito à inadimplência, caso novas evidências
surjam. Portanto, o consentimento para uma conclusão extraída por inferência plausível deve ser sempre provisório
e sujeito a revisão à luz de novas informações.

EXERCÍCIO 2.7

Discuta a argumentação usada nos seguintes diálogos:

A. Dois soldados veem uma núvem de poeira se movendo em sua direção do oeste. Um diz para o outro,
“Deve ser uma coluna de tanques inimigos se aproximando.”

B. Bob diz para seu advogado, “Como você sabe que aquilo é uma declaração juramentada?”. Seu advogado
responde, “Parece uma declaração juramentada para mim.”

OITO Argumentos e Explicações

Até o momento, neste capítulo nós aprendemos a reconhecer muitos tipos diferentes de argumentos, e nós
começamos a aprender como analisar e avaliar esses argumentos. Tendo avançado até esse ponto, há uma
tendência a vermos argumentos em todos os lugares, e até mesmo a classificarmos como argumentos coisas que,
afinal, não são realmente argumentos, apesar de se parecerem com eles. Por exemplo, às vezes um falante está
apenas reportando um fato ou uma crença, mas não está discutindo por esses. Um dos tipos mais comuns de casos
em que algo possa ser encarado como um argumento quando na verdade não é, são os casos de explicações. Por
exemplo, suponha que Larry e Sandra vejam o cachorro de Sandra se coçando. Ele pergunta a ela ‘’Por que o seu
cachorro está se coçando?’’ e ela responde ‘’Ele está se coçando porque ele está com pulgas’’. Nesse caso, Sandra
ofereceu uma explicação a Larry. Ambos viram que o cachorro está se coçando, e ela explicou o porquê de aquilo
estar acontecendo. O ato de fala de Sandra é claramente feito para ser uma explicação. Ela está dando uma razão
para o cachorro estar se coçando e ela ainda usou a palavra ‘’porque’’, a qual pode ser uma palavra indicadora de
argumento às vezes. Como então nós podemos identificar explicações, em contraste com argumentos, e, assim, nos
prevenir de confundirmos os dois? Depois de tudo, se alguma coisa não for, enfim, um argumento, seria um erro
grave criticar isso como um argumento ruim com base no fato de que ele falha ao encontrar os padrões requisitados
para um bom argumento.

Foi mostrado no capítulo 1 que o propósito de um argumento é dar uma razão que suporte uma afirmação
feita por uma das partes em um diálogo. A afirmação é algo que é duvidado pelo replicante (outra parte) no diálogo.
É uma proposição que está em questão ou é instável/duvidosa. É esperado que o argumento apresente uma boa
66

razão para fazer com que o respondente aceite a proposição como verdadeira, afastando, portanto, a dúvida. O
propósito de uma explicação é ajudar o interrogador que não entende alguma coisa. Logo, o conceito de explicação,
assim como o de argumento, é baseado em um diálogo no sentido de envolver um bate-papo de troca entre dois
participantes. No caso de oferecer uma explicação de um defensor para um replicante (de uma parte para a outra
do diálogo), uma certa função deve ser realizada. Se a explicação é para ser útil, ela deve realizar uma função
esclarecedora, ou seja, deve ajudar a outra parte (replicante) a entender algo que ela não havia entendido antes.
Uma explicação útil deve fazer o que foi perguntado ficar claro para o respondente através do uso de termos que
ele já conhece ou entende. Em um diálogo, o pedido por uma explicação toma a forma de uma pergunta que pede
ajuda para entender algo.

Há muitos tipos diferentes de questões que caracteristicamente funcionam como pedidos por explicações.
Uma é a pergunta do ‘’Como?’’. Por exemplo, se eu não entendo como um certo computador funciona, eu pergunto
para alguém ‘’Como isso funciona?’’, e, com esse ato, eu estaria pedindo por uma explicação sobre como isso
funciona. Eu não estaria pedindo para a pessoa provar para mim como o computador funciona ou para usar um
argumento que me mostre que ele funciona. Ao invés, eu estaria pedindo uma ajuda para entender como se dá o
funcionamento. É também frequentemente o caso de perguntas ‘’Por que?’’ serem usadas como incitações de
explicações. Por exemplo, eu posso te perguntar ‘’Por que o céu aparece azul da superfície da Terra?’’ e então você
pode me dar uma explicação. Você pode dizer, por exemplo: ‘’Os raios de luz do sol são espalhados por partículas
na atmosfera de uma certa maneira que ativa a parte azul do espectro quando a luz atinge nossos olhos enquanto
olhamos para o céu’’. Tal explicação pode ser bastante complicada e poderia envolver um certo número de
pressupostos de algumas proposições para outras proposições conectadas a elas.

Nesse caminho, então, explicações frequentemente parecem ser bastante similares a argumentos. Ambos
explicações e argumentos consistem em grupos de declarações em que algumas dessas declarações são tomadas
como pontos de partida e levam até outras declarações como pontos finais. Entretanto, quando estamos lidando
com explicações, os termos ‘’premissas’’e ‘’conclusões’’ não são usados. Ao invés, há uma proposição que é
questionada ou que deveria ser explicada. O propósito de explicar não é dar uma razão para a outra parte aceitar
essa proposição como verdade. O propósito de oferecer uma explicação é pegar essa proposição que a outra parte
não entende e esclarecê-la, relacionando essa proposição com outras proposições com as quais o outro esteja mais
familiarizado e consiga compreender. Logo, explicações e argumentos são diferentes porque cada um tem um
propósito diferente em um diálogo. O objetivo de uma explicação não é convencer ou persuadir a outra parte de
que uma determinada proposição é verdade, mas expressar a proposição questionada com termos mais familiares
ao outro, ou relacionar essa proposição com uma outra série de proposições que possam ser colocadas juntas de
modo a soar mais familiar e compreensível para a outra parte.

O Diálogo do Radiador

Fred: Por que radiadores estão geralmente localizados embaixo de janelas se as janelas são a
melhor fonte de perda de calor?

Donna: As janelas são a parte mais fria do cômodo e é por isso que os radiadores são
colocados embaixo delas. O ar que vem em contato com as janelas é frio e cai no chão. Isso
cria um delineamento, porque o movimento do ar resulta em uma convecção corrente. Se o
radiador fosse instalado em uma parede interna, então a parte mais fria do cômodo, onde as
janelas estão, permaneceria gelada e a parte mais quente, a dentro do cômodo,
permaneceria quente. Essa localização não seria um arranjo confortável para habitar o
cômodo. Por isso os radiadores são normalmente instalados embaixo de janelas em um
cômodo.

Em sua resposta à pergunta de Fred, Donna está dando uma explicação para ele mostrando qual seria o resultado
de colocar um radiador próximo a uma parede interna e mostrando porque isso seria indesejável. Nesse caso, Fred
perguntou uma pergunta ‘’Por que?’’ que expressava sua perplexidade sobre radiadores estarem localizados em
uma área de perda de calor. Essa localização parecia ser desperdiçadora e, por isso, parecia perturbá-lo o fato de
normalmente os radiadores serem instalados embaixo de janelas em um cômodo. Se você olhar para a sequência
de raciocínio da pergunta de Fred, a conclusão que se tira é que a instalação de radiadores não é prática porque
presume-se que, normalmente, nosso propósito em construir uma casa é minimizar perdas de calor desnecessárias.
Logo, localizar o radiador embaixo de uma janela pareceria nada prático. Donna respondeu citando outro fator
importante a ser considerado: o conforto dos moradores/ocupantes do cômodo. Os radiadores são comumente
67

instalados embaixo das janelas, ela explica, porque a convecção corrente cria um delineamento, então a parte fria
embaixo da janela precisa ser aquecida. Claro, ao projetarmos um cômodo, nós queremos evitar qualquer situação
onde uma pessoa que ali vive se sentiria desconfortável por causa de algo como um delineamento ou uma diferença
severa de temperatura entre duas partes do cômodo. Portanto, conforme ela explica, colocar o radiador em uma
parede interna pareceria incerto.

Nesse caso, o propósito da resposta de Donna no diálogo não era produzir um argumento que daria a Fred
uma razão para aceitar certa proposição, que ele expressou dúvida sobre, como verdade. Por exemplo, Donna não
está tentando dar a Fred uma razão para aceitar a proposição duvidosa de que radiadores são localizados embaixo
de janelas. Ele não duvida dessa e de nenhuma outra proposição. Ele apenas está atormentado com o porquê de
instalar radiadores embaixo de janelas ser uma prática comum quando isso parece tão incerto para ele pelo motivo
que ele citou. Donna explicou porque essa é uma prática usual ajudando Fred a entender como as correntes
conveccções estão envolvidas. Logo, a resposta dela para a questão dele é uma explicação e não um argumento.

Explicações de ações humanas são similares a explicações de eventos naturais porque ambas se empenham
em ajudar um questionador a entender alguma coisa.

O Exemplo do Motorista

Um motorista vê um carro com um pneu faltando estacionado no ombro de uma rodovia. À medida que o
motorista avança ao longo da estrada, ela vê um homem rolando um pneu ao longo da beira da rodovia.
Ele está carregando um bebê no outro braço e três crianças pequenas estão seguindo ele. Ela explica o
que vê, inferindo que o pneu que o homem estava rolando tinha sido tirado do carro por ele. Ela inferiu
que o homem estava pegando o pneu para consertá-lo. Ela também inferiu que o homem não queria
deixar as crianças sozinhas no carro.9

Observando os vários eventos em sequência, a motorista que estava passando desenhou inferências que explicavam
os eventos. Ela tinha que saber um pouco sobre como os carros funcionam e como eles podem quebrar. A motorista
que passava aceitou que o homem com as crianças também sabia tais coisas. Esse tipo de conhecimento de senso
comum sobre como as coisas podem normalmente ser esperadas a acontecerem em um tipo de situação
familiar/comum, é frequentemente necessário para que um agente seja capaz de explicar as ações para outro
agente, ou para os dois engajarem em um diálogo juntos. É também a base para muitos casos de argumentos
plausíveis. Mas nesse caso, a motorista que passava não está apresentando um argumento quando ela desenha as
três inferências citadas no exemplo. Ela está explicando o que vê. O que ela enxerga peculiar e demanda algum tipo
de explicação. Por que o homem e as crianças estão andando sozinhas pela beira da rodovia? Ela é capaz de explicar
as ações do homem porque ela consegue desenhar inferências plausíveis sobre o que ele está tentando fazer - ou
seja, consertar o seu pneu sem deixar as crianças sozinhas - baseado no seu próprio conhecimento de senso comum
sobre como pneus podem furar e o que é normalmente feito para consertá-los.

Para distinguir entre um argumento e uma explicação em um dado caso, você deve olhar não apenas para
o contexto do diálogo, mas também para o conjunto de palavras usadas na construção do raciocínio em questão.
Um dos critérios utilizados para reconhecer um argumento é a existência de certas palavras indicadoras. Como
mostrado na lista de palavras indicadoras de conclusão do capítulo 1, na seção 2, certos elementos linguísticos, como
‘portanto’, ‘então’ e ‘logo’, tipicamente indicam a conclusão de uma inferência. Como é possível observar na lista de
indicadores de premissa do capítulo 1, na seção 2, por outro lado, outros tipos de palavras indicam a premissa ou as
premissas de uma inferência. Tais palavras incluem ‘como’, ‘porque’, ‘como comprovado por’ e ‘a razão é que’. No
entanto, as palavras indicadoras não são suficientes por si mesma para determinar se uma sequência de raciocínio
é um argumento, pois muitas das palavras indicadoras, ou palavras muito similares a elas, são usadas em explicações.
Dessa forma, para distinguir se uma sequência de raciocínio é utilizada como argumento ou como explicação em um
caso particular, temos que examinar o texto do discurso para tentar determinar a natureza da pergunta que o
raciocínio foi usado para responder. Temos que tentar determinar, em um dado caso, para qual propósito o
raciocínio foi usado.

9
Este exemplo foi retirado de um livro sobre computação: Sandra Carberry, Plan Recognition in Natural Language
Dialogue (Cambridge, Mass.; MIT Press, 1990), p. 17.
68

O teste básico para fazer essa distinção em um dado caso é o de prestar atenção na proposição que está
sendo explicada ou sobre a qual se está argumentando, ou seja, tentar perceber se a proposição particular é uma
proposição a ser explicada, ou a conclusão de um argumento. Se está presumido por ambas as partes de um diálogo
que a proposição é verdadeira, então o raciocínio está sendo usado como uma explicação. Por outro lado, se a
proposição em questão está descredibilizada por uma das partes, então o raciocínio está sendo utilizado em um
argumento. Por exemplo, no exemplo acima, em que Helen usou um argumento do tipo ‘argumento derivado de
consequências’ [‘argument from consequences’] para tentar persuadir Bob de que dar gorjetas é uma prática ruim
que deveria ser descontinuada, ela está usando o argumento partindo da presunção de que Bob não aceita a
proposição de que dar gorjetas é uma prática ruim que deveria ser descontinuada. De fato, nós sabemos, pelo
contexto do diálogo, que é exatamente essa a proposição a que Bob tão ativamente se opõe – configurando seu
ponto de vista na disputa. Então, o raciocínio nesse caso é claramente um argumento.

Portanto, geralmente, para determinar, em um caso particular, se uma sequência de raciocínio está sendo
usada como argumento ou explicação, devemos perguntar qual é o propósito do discurso no qual o raciocínio está
contido. Então, depois disso, o melhor teste é focar na troca conversacional em um nível mais localizado para
determinar a natureza da pergunta que foi feita e que tipo de resposta foi dada a ela. Ao fazer tal determinação, um
teste chave é focar na proposição particular que é a conclusão ou a proposição a ser explicada e perguntar se os
participantes parecem estar presumindo que ela é verdadeira ou não. Se eles estão presumindo que é verdade, é
uma explicação. Se não, é um argumento. Esse é o teste. No entanto, haverá casos em que não temos informações
suficientes sobre o contexto da conversa, ou o texto do discurso em um caso particular, e podemos não saber dizer
se o raciocínio está sendo usado como argumento ou explicação. O melhor que podemos fazer, ao avaliar tal caso
de forma lógica, é fazer uma avaliação condicional. Ou seja, podemos dizer que se é um argumento, então é um
argumento correto ou incorreto em certos aspectos. Ou, se é uma explicação, então é uma boa explicação, ou não,
em certos aspectos. O erro que devemos tentar evitar cometer é o de supor, de forma genérica, que, apenas porque
um texto de discurso contém uma inferência ou uma sequência de raciocínio, ele deve automaticamente ser um
argumento, e então se propor a avaliá-lo usando métodos da lógica como argumento correto ou incorreto. O
problema aqui é que, uma vez que os alunos são ensinados a usar a lógica para avaliar argumentos, há uma tendência
de usar métodos lógicos de avaliação sempre que um raciocínio ocorre em um texto de discurso. Mas isso pode ser
um erro, porque, se o raciocínio não estava sendo usado como um argumento, mas sim como uma explicação ou
talvez como uma descrição ou algum outro tipo de artifício discursivo, então é inadequado avaliá-lo como um
argumento. Em particular, não gostaríamos de cometer o erro de julgar uma sequência de raciocínio como um
argumento ruim ou falacioso quando na verdade ela nem mesmo for um argumento.

EXERCÍCIO 2.8

1. Determine se o raciocínio usado nos seguintes textos de discurso é um argumento ou uma explicação,
apresentando suas razões.
a. O dólar dos EUA perdeu valor em relação ao marco alemão e ao iene japonês em março de 1995,
pois o déficit de gastos dos EUA foi considerado muito alto pelos operadores financeiros
b. A liberdade de expressão é uma coisa boa, porque, se você não permitir a liberdade de
expressão, visões irracionais que estão fora de contato com a realidade não podem ser
declaradas e criticadas em público. E quando tais pontos de vista não são declarados e criticados
em público, eles podem ter um poderoso apelo entre aqueles com queixas ocultas.
c. Os cangurus são frequentemente mortos nas estradas na Austrália porque gostam de comer a
grama curta perto das rodovias, mas não têm noção do perigo de um veículo se aproximando.
d. Vacas e ovelhas sobrevivem muito bem apenas com capim, enquanto os seres humanos não. A
razão é que vacas e ovelhas têm sistemas digestivos muito mais complexos do que os seres
humanos.
e. O aborto é um direito da mulher. Portanto, o aborto é aceitável.
f. O aborto implica na morte do feto. O feto é uma pessoa. Portanto, o aborto é inaceitável.
g. Por que o típico filme de faroeste sempre tem um tiroteio no final em que o vilão é morto? Tal
clímax é uma parte necessária do tema ético – segundo o qual deve haver uma luta e então o
bem deve triunfar (estreitamente) sobre o mal.
69

h. As forças do Eixo perderam na Segunda Guerra Mundial porque, como em qualquer guerra de
desgaste, não tinham recursos humanos e materiais suficientes. Além disso, havia o fator de que
eles não desenvolveram uma bomba atômica.
i. As crianças que estão na creche devem ser imunizadas porque, se não estiverem, há o risco de
outras crianças contraírem uma doença contagiosa.
j. In a university classroom, professors should not be allowed to argue for any viewpoint they
happen to think is right, because arguing for that viewpoint may cause harm to persons in a
group who have been singled out.
k. O Diálogo da Água Nublada
NIGEL: Por que a água quente fica turva quando sai da torneira?
MARY: A nebulosidade é por causa das bolhas de ar na água quente. À medida que a água fria no
tanque de água quente se aquece, ela libera o ar dissolvido nela.
NIGEL: Mas por que as bolhas de ar, se são apenas ar, fariam a água parecer turva?
MARY: O sistema de água quente está fechado e a pressão que se acumula impede que o ar saia
da água. No entanto, quando a água quente sai da torneira, a pressão diminui e o ar preso escapa,
tornando a água turva.
l. O Diálogo da Primeira Cruzada
GREG: Como é que um exército que começou com cerca de 50.000 cruzados conseguiu conquistar
Jerusalém em 1099, dado que enfrentou tantos obstáculos e tantos inimigos e que a maioria deles
morreu antes mesmo de chegar lá?
SOPHIE: O idealismo religioso deles exigia que eles libertassem os lugares sagrados do controle do
Islã. O Papa Urbano II prometeu “a remissão dos pecados” a todos os que tomassem aquela cruz.
Havia um entusiasmo religioso varrendo o Ocidente naquela época, aliado à ideia heroica e
militante da cavalaria, que tomava a libertação do Santo Sepulcro em Jerusalém como um ideal
santificado apropriado para a cavalaria. A luxúria pelo saque era um fator, mas o fascínio mais
profundo do Oriente era como uma busca religiosa para o cavaleiro.

NOVE Resumo

Neste capítulo, foi demonstrado como explicações, em certos aspectos, são similares a argumentos e quão
facilmente elas podem ser confundidas com eles em alguns casos. Dessa forma, é necessário ter cautela para evitar
o erro de acriticamente tratar algo que, para o enunciador deveria ser uma explicação, como um argumento. Por
exemplo, seria injusto criticar alguém por ter lançado mão de um argumento frágil se esse alguém não estivesse
nem mesmo tentando argumentar, mas de fato estivesse simplesmente tentando explicar alguma coisa. Para evitar
esse erro, devemos ter o cuidado de analisar a evidência textual e, então, chegar a uma decisão, baseada em
evidências, para tratar uma dada proposição como argumento ou explicação. Desde que todos os envolvidos em um
diálogo estejam cientes de que não estamos simplesmente, de forma acrítica, partindo do pressuposto de que algo
é um argumento sem nem mesmo considerar a possibilidade de que esse algo poderia ser uma explicação, o perigo
do erro é evitado.

Alguns tipos comuns de argumentos que deveríamos ser capazes de reconhecer podem ser avaliados de
acordo com vários padrões de estruturação. Em um argumento dedutivamente válido, se as premissas são
verdadeiras, a conclusão também deve ser verdadeira. Por outro lado, em um cenário no qual as premissas estão
organizadas de forma conjunta e há a negação da conclusão, identifica-se um conjunto inconsistente de declarações
[The premises taken together with the negation of the conclusion is an inconsistent set of statements.] Um conjunto
de declarações é inconsistente caso não seja logicamente possível que todas as premissas sejam verdadeiras.
Silogismos são formas comuns de argumentação dedutiva, consistindo de duas premissas e uma conclusão sendo
consistentes por palavras do tipo “todos” e “alguns”. Outras formas dedutivas de argumento que são comuns são
as modus ponens, modus tollens e o silogismo disjuntivo [disjunctive syllogism] Um argumento dedutivo é conclusivo
no sentido de que, se todas as suas premissas são verdadeiras, a conclusão deve também ser verdadeira. Entretanto,
há casos em que o argumento é dedutivamente válido, mas as premissas são falsas. Portanto, em geral, há duas
formas de criticar um argumento dedutivo: você pode argumentar que ele é inválido, ou que uma ou mais premissas
são falsas.

Em um argumento indutivamente forte, se as premissas são verdadeiras, então é provável (raciocinando


de forma indutiva) que a conclusão seja verdadeira. Argumentos indutivos são baseados em probabilidade e
70

estatísticas. Esses tipos de argumentos nos são muito familiares, pois são, com certa frequência, apresentados em
pesquisas e outros achados estatísticos na mídia.

O terceiro tipo de argumento é menos confiável que os outros dois. Mas se tem que argumentos plausíveis
são também muito comuns. É frequentemente necessário, por razões práticas, utilizá-los nos campos da ciência e
do direito, como também na vida cotidiana, mas eles podem ser perigosos. Argumentos dessa categoria nunca deve
ser aceitos acriticamente e deve-se sempre ter uma mente aberta sobre eles. Deve-se estar preparado, caso novas
evidências que o refutem surjam, para desistir de um argumento que parecia plausível. Em um argumento plausível,
se as premissas são verdadeiras, então credita-se certa plausibilidade à conclusão. Dizer que uma declaração
[statement] é plausível significa dizer que ela parece ser verdadeira e baseada em dados conhecidos e observados,
em situações normais, até então. Mas aparências podem nos conduzir a caminhos equivocados e, quando se
descobre mais sobre as condições particulares de uma dada situação, uma inferência plausível pode perder sua
plausibilidade. Muitos dos problemas mais sérios da argumentação crítica ocorrem em casos nos quais uma pessoa
se torna tão fortemente comprometida com um argumento – seja por interesses financeiros ou crenças
apaixonadas, por exemplo – que ela não é capaz de se ver desistindo dele, mesmo que novas evidências que
mostrem a falibilidade do argumento sejam descobertas.
TRÊS Esquemas Argumentativos

Várias formas distintas de argumentos que não são indutivos ou dedutivos por natureza são identificadas no capítulo
3. Esses argumentos são inerentemente presumíveis e derrotáveis, e assim são diferentes em natureza dos
argumentos dedutivos e indutivos. Cada uma das formas argumentativas descritas neste capítulo é usada nos
diálogos como argumento presumível que carrega alguma plausibilidade. Se o respondente aceita as premissas,
então isso o dá uma boa razão para também aceitar a conclusão. Mas isso não significa que o respondente deve
aceitar a conclusão acriticamente. Determinar cada forma de argumento envolve uma série apropriada de questões
críticas a serem perguntadas. Em um certo caso, deve-se balancear as considerações que devem ser consideradas.
Pode haver alguns argumentos favoráveis à conclusão e outros contrários à esta. Essas formas de inferência são
chamadas de esquemas argumentativos, e eles representam muitos tipos comuns de argumentação que são
familiares em conversas cotidianas. Eles devem ser analisados em um contexto de diálogo. Eles são usados para
mudar o ônus da prova de um lado para o outro em um diálogo e devem ser analisados de formas diferentes em
diferentes estágios do diálogo. Apenas alguns dos mais importantes e familiares dentre esses tipos comuns de
argumento são descritos no capítulo 3. Outros, como os argumentos que partem de consequências, são descritos
no capítulo 4.

UM Apelo à Opinião de Especialista

Em uma discussão crítica, vários fatos distintos podem ser relevantes para a disputa. Por exemplo, em uma disputa
sobre a prática de dar gorjeta, dados econômicos sobre como dar gorjetas afeta a economia ou dados sociológicos
sobre como dar gorjetas afeta a satisfação no ambiente de trabalho podem ser informações muito úteis para apoiar
ou refutar argumentos de um ou outro lado. Entretanto, citar esse tipo de informação sempre envolve o uso de
fontes que podem ser citadas, como livros ou artigos, o que é uma forma de argumentação chamada de “apelo à
opinião de especialista”. É comum que em deliberações pessoais, sociais e políticas, não seja possível saber todos os
fatos relevantes e que até mesmo por razões de tempo, custos, ou circunstâncias com pressão externa, seja
necessário escolher dentre cursos de ação alternativos. Uma possibilidade é adiar o momento em que se vai tomar
uma decisão até que mais informações sejam coletadas. Frequentemente, essa decisão de não agir ao não tomar
uma decisão é o curso de ação mais prudente. Mas nem sempre adiar a tomada de uma decisão ao não tomar
nenhuma ação é um curso de ação com consequências significativas (negativas). E quanto a coletar mais
informações? Quanto mais informações alguém tem sobre as alternativas, a situação e as consequências prováveis
de um curso de ação, mais bem informada e prática deve ser a conclusão desse alguém sobre como prosseguir.
Porém, ao invés de tentar se coletar mais informações por meio de pesquisas próprias, é mais prático usar fontes.

Pode haver informações de todo o tipo que podem ser úteis em uma deliberação. Um pode ter acesso a
uma enciclopédia, um manual, um livro de referências, ou uma base de dados em um computador. Um também
pode obter informação de outra pessoa que sabe os fatos. Por exemplo, se há uma deliberação sobre como chegar
na prefeitura de uma cidade desconhecida, pode ser muito útil perguntar a um transeunte que possa saber dessa
informação. Você pode aumentar suas chances de obter informação verídica ao escolher uma fonte que você acha
confiável. Mas em algum grau, você terá que recorrer a uma presunção ou à confiança de que sua fonte é
transparente, honesta e não está mal informando você. Assim, você pode argumentar, para você ou ao companheiro
que está com você, “Parece que esse transeunte conhece as redondezas, e ele diz que a prefeitura é para lá;
portanto, vamos em frente e aceitar a conclusão de que a prefeitura é para lá”. Baseado nesse argumento, você
alcança a conclusão indicada. Nesse tipo de caso, você agiu com a base na argumentação “em-posição-de-conhecer”.

Onde a é uma fonte de informação, o esquema argumentativo derivado representa a forma de


argumentação “em-posição-de-conhecer”.

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE POSIÇÃO DE SABER

PREMISSA: a está em posição de conhecer se A é verdadeiro ou falso.


72

PREMISSA ASSERTIVA: a assegura que A é verdadeiro (falso).

CONCLUSÃO: É plausível que A seja tomado como verdadeiro (falso).

Essa forma argumentativa pode ser plausível, mas também derrotável. Ela pode ser questionada criticamente em
um diálogo por meio do levantamento de dúvidas sobre uma das premissas ou sobre a fonte de informação, se esta
é honesta (confiável). As perguntas críticas a seguir são apropriadas quando usadas para questionar um argumento
“em-posição-de-conhecer”.

1. Pode-se dizer que a esteja em uma posição de conhecer se A é verdadeiro (falso)?

2. É possível afirmar que a seja uma fonte honesta (fidedigna, confiável)?

3. Observa-se que a garante que A é verdadeiro (falso)?

A segunda questão crítica se relaciona à credibilidade da fonte. Por exemplo, um advogado, quando convoca uma
testemunha em um julgamento, é permitido (sob limites controlados) a levantar dúvidas sobre o caráter de uma
testemunha quanto a sua honestidade. Se uma testemunha se tornou conhecida por mentir em casos anteriores ou
puder ser mostrada como alguém que possui um julgamento errôneo ou um caráter ruim quanto à veracidade de
seus julgamentos, ao advogado é permitido levar a frente essas preocupações no questionamento dessa
testemunha. Ao levantar tais questionamentos, o promotor poderia questionar a credibilidade dessa testemunha,
assim influenciando o júri a duvidar sobre o quanto podem partir do seu testemunho.

Grande parte das mesmas considerações se aplicam fora do tribunal. Um posicionamento sensato “em-
posição-de-conhecer” tipicamente é usado em diálogos do tipo “busca por informações”, em que uma das partes
precisa depender de uma fonte. Ele também é frequentemente usado em casos em que ter um diálogo deliberativo
de alta qualidade depende de um diálogo anterior do tipo “busca por informações”. Em vários casos desse tipo, o
uso de informação é importante, porque o diálogo do tipo “busca por informações” contribui para o objetivo da
deliberação ao torná-la mais bem informada. Tal deliberação é melhorada por informações adicionais relevantes,
porque a deliberação se torna mais prática ao se encaixar melhor às realidades de uma situação dada.

O apelo para opinião de especialista, às vezes chamado de “argumento por opinião de especialista”, é uma
subespécie importante de um posicionamento sensato “em-posição-de-conhecer”. Ele é baseado na presunção de
que uma fonte está pretensamente em posição de conhecer sobre um assunto, porque ele ou ela tem conhecimento
especializado sobre esse assunto. Suponha que no contexto do diálogo sobre a prática de dar gorjetas no capítulo
1, Helen use o seguinte argumento.

Dr. Phil diz que dar gorjetas abaixa a autoestima.

Dr. Phil é um psicólogo especialista, então o argumento de Helen é baseado no apelo à opinião de um especialista
que pode ser mostrado da seguinte forma.

PREMISSA: Dr. Phil diz que dar gorjetas abaixa a autoestima.

PREMISSA: Dr. Phil é um especialista em psicologia, um campo em que se estuda sobre a autoestima.

CONCLUSÃO: Dar gorjetas abaixa a autoestima.

O argumento de Helen é plausível e carrega uma bagagem que apoia seu posicionamento no diálogo sobre dar
gorjetas. É um argumento que poderia ser rebatido por Bob. Por exemplo, ele poderia citar outro especialista em
psicologia que discorda com o que Dr.Phil diz sobre a prática de dar gorjetas. Ainda assim, a não ser que Bob critique
o argumento de Helen, ele fornece uma razão para dar suporte a uma conclusão. Tais argumentos partindo da
opinião de especialista são comuns e são importantes como evidência em julgamentos. Por exemplo, especialistas
73

em balística e especialistas em DNA são comumente usados para dar testemunho especializado como evidência em
julgamentos.

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA APELO À OPINIÃO DE ESPECIALISTA

PREMISSA MAIOR: A fonte E é um especialista no domínio do assunto D que contém a proposição A.

PREMISSA MENOR: E garante que a proposição A (no domínio D) é verdadeira(falsa).

CONCLUSÃO: É plausível considerar A como verdadeiro (falso).

Apelar para a opinião de especialistas deveria, na maioria dos casos típicos, de qualquer maneira, ser visto como
uma forma de argumentação plausível, mas derrotável. Raramente é sábio se tratar um especialista como infalível,
e ter essa aproximação pode ser perigoso, uma vez que existe uma tendência natural de respeitar especialistas e
ceder a eles sem questionar.10 Para a maioria de nós, não é fácil questionar a opinião de um especialista. Isso tende
a parecer mal-educado e assim precisa ser feito de forma diplomática. Mas isso precisa ser feito, em muitos casos,
porque especialistas muitas vezes estão errados. Em um assunto prático, por exemplo, sobre saúde e finanças, você
se sairá muito melhor se estiver preparado para questionar o conselho de um especialista de forma crítica, porém
educada. Assim, é vital enxergar o apelo à opinião de especialista como derrotável, aberto à questionamento crítico.

Os seis tipos básicos de perguntas críticas para casos de apelo à opinião de especialista estão listados
abaixo: 11

1. Questão sobre Especialidade. O quão crível E é como uma fonte especializada?

2. Questão sobre Campo. Pode-se afirmar que E seja um especialista no campo em que A está?

3. Questão sobre Opinião. O que E afirma que implica A?

4. Questão de Confiabilidade. É possível dizer que E seja pessoalmente confiável como uma fonte?

5. Questão sobre Consistência. Será que A é consistente com o que outros especialistas afirmam?

6. Questão sobre Evidência de Suporte. Dá para dizer que afirmação de E é baseada em evidências?

A ideia por trás do uso de questões críticas para avaliar apelos à opinião de especialistas é dialética. A presunção é
que o problema a ser resolvido por uma argumentação depende de uma balança de considerações. Alguém pode
questionar criticamente o apelo à opinião de um especialista ao levantar dúvidas sobre qualquer uma das premissas.
Para ser um especialista genuíno em uma área do conhecimento ou em um conhecimento técnico, alguém deve ter
as credenciais próprias e um histórico de experiências. Não é suficiente, por exemplo, que uma pessoa seja uma
celebridade popular. Sobre a segunda questão, alguém deve observar as palavras exatas usadas pelo especialista
(preferencialmente, às citando). Sobre a terceira questão, alguém deve ser cuidadoso, por exemplo, em checar se o
especialista é uma autoridade em um campo (como física), ao passo em que a proposição que ele está defendendo
está em outro campo (como religião). A sexta questão mostra a exigência de que um especialista deveria ser capaz
de dar suporte a sua opinião com evidência objetiva. As duas questões críticas remanescentes se relacionam a outras
duas presunções implícitas. A quinta questão se relaciona às opiniões “dissidentes”, especialmente em assuntos nos
quais os especialistas discordam. Alguém pode levantar a questão sobre a consistência ao comparar A com alguma
outra evidência conhecida (e, em particular, com aquilo que especialistas em D diferentes de a dizem). Alguém pode
levantar a questão sobre a confiança ao expressar dúvidas sobre a confiabilidade do especialista como uma fonte
levando em conta sua personalidade. Por exemplo, alguém pode questionar se o especialista é parcial, por exemplo,
se ele tem algo a ganhar ao apoiar um posicionamento.

10
O respeito que temos pela autoridade foi demonstrado por alguns experimentos famosos realizados pelo
psicólogo Stanley Milgram. Nesses experimentos, os sujeitos foram solicitados por um cientista de aparência
autoritária a administrar graves choques elétricos a outras pessoas, e muitas vezes o fizeram.
11
Este conjunto de questões críticas é de Douglas Walton, Appeal to Expert Opinion (University Park: Penn State
University Press, 1997), p. 223.
74

Apelar para opinião de especialista como um argumento não deveria ser visto como um substituto a se
obter evidência factual por meio de métodos científicos de coleta de dados. Esse é um método argumentativo que
pode ser usado abusivamente. Contudo, em vários casos de deliberação ou outros tipos de diálogo, esse tipo de
argumento, apesar de sua falibilidade, pode ser um meio valioso de se coletar informações e conselhos úteis para
solucionar um problema ou tomar uma decisão. Um exemplo seria um caso em que uma assembleia legislativa está
discutindo sobre uma lei que legalizaria a maconha. Um argumento poderoso contrário à legalização seria a rota que
liga a maconha ao vício crescente por drogas mais pesadas – uma consequência negativa, vista como muito perigosa.
Nesse ponto, o que provavelmente aconteceria no debate é que especialistas científicos seriam trazidos para
testemunhar sobre achados científicos em relação aos vínculos entre o uso de maconha e o uso de drogas pesadas.
especialistas poderiam ser trazidos por ambos os lados, e seus testemunhos poderiam ser conflituosos. Ambos os
lados poderiam questionar os especialistas científicos, e o diálogo poderia ser bastante útil em tornar a votação
daquela lei mais bem informada e inteligente. Obviamente, muito iria depender em como o testemunho do
especialista foi apresentado e como ele foi criticamente questionado pelos participantes da assembleia legislativa.

Talvez o uso mais familiar de testemunhos de especialistas esteja no direito, onde eles são um tipo de
evidência muito importante, por exemplo, em julgamentos criminais. Um tipo familiar de testemunha especializada
é um especialista em balística ou um cientista forense que fornece, por exemplo, evidência em testes de DNA no
sangue ou cabelo encontrados em uma cena de crime. Outro tipo familiar de testemunho de especialista em um
julgamento criminal é dado pelo psiquiatra ou psicólogo que é convocado para determinar o “estado mental” de um
réu quando um apelo por insanidade é feito. Frequentemente, tais casos se tornam em uma “batalha de
especialistas”, porque ambos os lados podem pagar uma taxa para uma testemunha especializada vista como
provável de apoiar o lado de seu contratante no caso. Tais conflitos de testemunhos de especialistas nos lembram
que argumentos baseados em apelo à opinião de especialista são inerentemente subjetivos e presunçosos por
natureza e são raramente conclusivos. Ainda assim, eles podem ser guias valiosos de ação em uma deliberação ou
fontes valiosas de opinião formada em um diálogo de persuasão. Apelos à opinião de especialista podem, em alguns
casos, serem usados falaciosamente, ou também, como formas de intimidar ou silenciar uma das partes em um
diálogo por meio de ditos como, “Você não é um especialista, ou seria?” Essa tática pode ser uma falácia quando
usada para tentar suprimir ou bloquear questionamentos críticos legítimos sobre o que o especialista disse. 12

Em resumo, apelar para opinião de especialista é um tipo de argumento derrotável que depende da
confiança na honestidade e competência da fonte consultada. Se você tiver uma escolha entre evidência baseada
na afirmação de uma fonte em posição de conhecer ou em evidência objetiva baseada em métodos científicos de
observação, investigação e coleta de dados, então é melhor dar mais peso à evidência objetiva. Mas se você tem
que agir em uma deliberação, por razões práticas, e não pode adiar por mais tempo a coleta de informações
objetivas, pode ser mais sábio utilizar a opinião de um especialista qualificado, ou de alguém que está em uma
posição especial de conhecer, ao invés de jogar dados ou depender de pura especulação. De um lado, é importante
atingir uma balança entre confiança na qualificação, e presunção de honestidade competência, do outro, é
importante uma atitude cética e questionamento crítico. A balança correta deve ser decidida caso a caso, baseando
seu julgamento no balanceamento dos objetivos, como segurança dos dados em oposição à necessidade de assumir
uma atitude positiva com as ações.

EXERCÍCIO 3.1

Analise os seguintes argumentos identificando o esquema argumentativo que eles envolvem. Identifique as
premissas e a conclusão do argumento. Se existe algum aspecto questionável do argumento que deve ser
considerado, identifique questões críticas que deveriam ser perguntadas.

A. Bob está perdido na floresta, em um país com o qual ele não é familiar. Entretanto, ele sabe que o Tarzan
é muito familiar com o terreno nessa área, então ele pergunta a Tarzan qual o melhor método de chegar à
montanha que ele deseja visitar. Tarzan responde: “Não atravesse aquele rio. Ele está cheio de crocodilos
famintos e hipopótamos perigosos.”

12
Como Locke (1690) colocou, quando um especialista é "estabelecido em dignidade", qualquer questionamento do
que ele diz por um leigo pode ser classificado como "insolência" ou mostrar respeito insuficiente pela autoridade
(Locke's Essay, citado por Charles Hamblin, Fallacies (Londres: Methuen, 1970), p. 160).
75

B. Você vai a um novo dentista para limpar seus dentes, e ele recomenda que você faça um canal nas raízes
dentárias e considere por um aparelho em seus dentes. Ele se propõe a realizar ambos os procedimentos
imediatamente. Esse pedido lhe parece estranho, porque não teve problemas com seus dentes
recentemente.

C. Herman e Louise são turistas canadenses na Austrália. Quando ele está prestes a sair do meio-fio, Herman
pergunta: “Quem tem o direito de passagem, os pedestres ou motoristas?” Louise responde, “Eu vejo que
todos os outros pedestres estão dando passagem aos carros.”

D. Gilbert e Joanne estão tendo uma discussão crítica acerca da possibilidade de cirurgiões com HIV serem
autorizados a operarem. Joanne argumenta: “Doutor Dave diz que eles devem ser permitidos, e, como
esse assunto envolve uma questão médica, eu acho que ele deve ter a última palavra nisso! Ele é um
especialista.”

E. No diálogo sobre alimentos geneticamente modificados (capítulo 1, seção 8), Sarah citou o Príncipe de
Gales como uma fonte que dá suporte ao seu ponto de vista no diálogo. Ela usa o seguinte argumento:
“Príncipe Charles disse que precisamos redescobrir a reverência pelo mundo natural, e que a ciência, que
tem uma lacuna em sua dimensão espiritual, não deveria ser usada para mudar a natureza.” Ela disse,
“Ele sabe tudo sobre agricultura orgânica. Ele até mesmo tem seu próprio jardim orgânico em Highgrove.”

F. Dr. Zorba, um especialista em câncer, está testemunhando na corte no caso de um homem que foi
machucado por seu cinto de segurança quando outro carro bateu na traseira do seu carro. Esse homem,
mais tarde, contraiu câncer nos testículos. Dr. Zorba testemunha que, em sua opinião, o machucado
causado pelo cinto de segurança foi um causador no desenvolvimento de câncer nos testículos pelo
homem. O físico contratado pela companhia de seguros testemunhou que não existe evidência médica
estabelecida que atesta que machucados ou traumas causados por cintos de segurança causam câncer.

DOIS Argumento de Opinião Popular

O argumento da opinião popular [argument from popular opinion], ou apelo à opinião popular, como é normalmente
chamado, tem a seguinte forma: Se uma grande maioria (todos, quase todos etc.) aceita A como verdadeiro, como
mostra uma enquete, por exemplo, isso é prova de que A é geralmente aceito. Ou se A for de conhecimento geral,
o que significa que é uma suposição que normalmente não seria contestada, então isso é uma prova de que A é
geralmente aceito. Por exemplo, no diálogo sobre as gorjetas, nenhuma das partes contestaria a declaração
[statement] de que o céu é azul ou de que as pessoas frequentemente consomem comida em restaurantes. Se uma
declaração é geralmente aceita, então pode ser utilizada como um argumento plausível a favor de A.

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA APELO À OPINIÃO POPULAR

PREMISSA DE ACEITAÇÃO GERAL: A é geralmente aceito como verdadeiro.

PREMISSA DE PRESUNÇÃO: Se A é geralmente aceito como verdadeiro, isso dá uma razão a favor de A.

CONCLUSÃO: Há uma razão a favor de A.

Por si só, esse tipo de argumento não é muito forte, uma vez que se demonstra facilmente que a maioria está, muitas
vezes, errada. Ainda assim, ele pode tornar uma declaração plausível, dando uma razão a seu favor num diálogo em
que pode haver razão tanto a favor quanto contra ela. Geralmente, o argumento da opinião popular é mais fraco do
que o argumento a partir da opinião de especialistas (embora os especialistas também estejam frequentemente
errados). O argumento da opinião popular é melhor compreendido como a expressão de um limite na disputa.
Quando se discute sobre uma questão controversa, e alguma outra proposição é relativamente incontroversa
(porque é aceita por quase todos ou por todos os que são parte do diálogo), então essa proposta pode ser "tomada
como certa", ou aceita provisoriamente como não controversa. Esses “pontos de acordo” ajudam o diálogo a ir para
a frente.

As duas perguntas críticas seguintes são relativas ao esquema de argumentação de apelo à opinião popular.
76

1. Que provas, tais como uma enquete ou um apelo ao conhecimento comum, apoiam a afirmação de que A
é geralmente aceito como verdadeiro?

2. Mesmo que A seja geralmente aceito como verdade, existe alguma boa razão para duvidar que o mesmo
seja verdadeiro?

Embora os argumentos por opinião popular não sejam muito fortes isoladamente, eles são frequentemente
reforçados ao serem combinados com argumentos de “posição a saber” [position to know]. O seguinte caso é um
exemplo de argumento da opinião popular, mas a sua força é aumentada por um argumento de “posição para saber”
implícito. Aqui está um exemplo:

PREMISSA: É geralmente aceito por aqueles que vivem em Cedar Rapids que o lago é um bom local para
nadar no verão.

CONCLUSÃO: O lago em Cedar Rapids é (plausivelmente) um bom lugar para nadar no verão.

O pressuposto implícito que torna este apelo à opinião popular plausível é que, uma vez que as pessoas que vivem
em Cedar Rapids são, normalmente, familiares com a área, pode assumir-se que estão em posição para saber se um
determinado lago na zona é um bom local para nadar no Verão ou não. Portanto, se as pessoas que vivem em Cedar
Rapids acham que o lago é um bom local para nadar no Verão, é uma presunção plausível e razoavelmente segura
(na ausência de qualquer prova em contrário) que o lago é um bom local para nadar no Verão. Este fator adicional
[additional factor] forma uma cadeia de argumentação, juntando argumentos de posição para saber ao apelo à
opinião popular. Tal fusão é chamada de ‘reforço do apelo à opinião popular”, o que significa que o argumento
conjunto aumenta a plausibilidade do apelo à opinião popular. Um caso de “apoio” pode ser identificado através da
declaração da premissa implícita, como no exemplo abaixo, relacionado ao argumento logo acima.

PREMISSA IMPLÍCITA: As pessoas que vivem em Cedar Rapids estão numa posição para saber se o lago de
Cedar Rapids é um bom local para nadar no verão.

É claro que podem estar errados, devido a alguma contaminação recente do lago da qual ninguém sabe, por
exemplo. Porém, na ausência de qualquer contraindicação desse tipo, a conclusão de que o lago é um bom local
para nadar é uma presunção plausível. É frequentemente importante identificar a premissa implícita que reforça a
plausibilidade do apelo à opinião popular, a fim de estar atento ao que torna o argumento plausível.

Uma forma prática do argumento da opinião popular é o argumento da prática popular [argument from
popular practice]. Esta forma de argumento está ligada à argumentação de posição para saber, porque a
familiaridade com uma prática é uma base para estar em condições de saber se ela é geralmente aceitável ou não.

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE PRÁTICA POPULAR

A é uma prática popular entre aqueles que estão familiarizados com o que é aceitável ou não em relação
a A.

Se A é uma prática popular entre os que estão familiarizados com o que é aceitável ou não em relação a
A, isso dá uma razão para pensar que A é aceitável.

Portanto, A é aceitável nesse caso.

Um exemplo deste tipo de argumentação é o seguinte caso, no qual marido e mulher estão visitando a
Holanda pela primeira vez e alugaram bicicletas. Eles começaram a andar de bicicleta numa ciclovia na Holanda. Ele
está andando atrás dela, pensando que não é permitido andar lado a lado. Ela o chama, dizendo "Ande ao meu lado,
para podermos conversar". Ele responde, "Eu não tenho certeza de que é permitido". Ela responde: "Todos os outros
77

estão fazendo isso". O argumento da prática popular nesse exemplo torna-se mais plausível pelo pressuposto de
que, uma vez que os outros casais são provavelmente da região, e não todos turistas, seria provável que soubessem
o que é geralmente aceito no que tange a andar lado a lado nas ciclovias. Assim, o argumento da prática popular é
reforçado por um argumento de posição para saber implícito.

Em outros casos ainda, o argumento por opinião popular não se baseia em um argumento de posição para
saber, mas na suposição de que as pessoas já deliberaram sobre uma política ou prática específica e a aceitaram
porque a consideraram algo útil ou bom a se fazer. Considere o seguinte argumento, relativo à Regra de Ouro: “Faça
aos outros como gostarias que fizessem a ti”. Por outras palavras, trate os outros como você gostaria de ser tratado.

PREMISSA: A Regra de Ouro é básica para todos os sistemas de ética já concebidos, e todos a aceitam de
uma forma ou de outra.

CONCLUSÃO: A Regra de Ouro é um princípio moral estabelecido que tem alguma justificação prática
como uma política sólida.

Aqui a suposição é que as pessoas vêm aceitando, em geral, a Regra de Ouro e até a implementaram nos seus
sistemas de ética. Tal aceitação popular confere um certo peso a favor da Regra de Ouro como um princípio ético a
ser levado a sério. Isso não significa que a Regra não possa ser questionada ou criticada. Significa apenas que a Regra
de Ouro deve ser levada a sério numa discussão sobre princípios éticos, porque as pessoas já pensaram em tais
assuntos no passado, e sua unanimidade na aceitação da Regra de Ouro indica uma presunção a seu favor.

As duas perguntas críticas que correspondem ao argumento da prática popular são as seguintes:

1. Que ações ou outras indicações mostram que uma grande maioria aceita A?

2. Mesmo que uma grande maioria aceite A como verdadeiro, que motivos poderão existir para se pensar
que ela tem razão em aceitar A?

Em relação à primeira pergunta crítica, é frequentemente problemático determinar, por meio de uma pergunta, o
que uma grande maioria realmente aceita como verdade ou como representação da sua verdadeira opinião sobre
um assunto. Sondagens de opinião pública são frequentemente utilizados, mas muito depende de como as questões
nessas enquetes são redigidas. Talvez seja melhor se basear em provas de como as pessoas agem, para além de
seguir o que elas dizem. Mas a incerteza das provas verbais não é o principal problema com os apelos à opinião
popular em geral. O principal problema reside na colocação da segunda pergunta crítica.

Um problema típico do apelo à opinião popular é que em muitos casos não é feita nenhuma tentativa séria
de apoiar a primeira premissa, dando uma razão real para que o fato de todos aceitarem A signifique que você (o
respondente) deva aceitar A. Em vez disso, o argumento é utilizado de tal forma a pressionar o respondente a aceitar
A ou a sentir-se excluído do grupo popular que aceita A. Por exemplo, considere o seguinte argumento:

Você deveria comprar um veículo esportivo recreativo, pois todas as pessoas legais “environmental off-
road” têm um desses veículos hoje em dia.

Em vez de dar uma razão para comprar um veículo desses, o argumento diz ao respondente que ele será deixado de
fora do grupo das "pessoas legais" se não comprar um desses veículos. Este argumento coloca pressão sobre o
respondente, apelando ao seu desejo de ser visto como parte de um grupo socialmente estimado, um grupo da
moda.

Assim, argumentos da opinião popular variam. Embora eles sejam geralmente fracos, em alguns casos
podem dar boas razões para apoiar uma conclusão. Em tais casos, seria insensato ignorar ou rejeitá-los. Mas noutros
casos, os argumentos da opinião popular não dão o apoio necessário à sua conclusão e, em vez disso, apelam apenas
a um desejo de pertencer a um grupo estimado.
78

EXERCÍCIO 3.2

Analise os seguintes argumentos, identificando o esquema de argumentação envolvido. Identifique as premissas e


a conclusão do argumento. Se houver quaisquer aspectos questionáveis do argumento que devam ser considerados,
identifique as perguntas críticas que devem ser feitas.

A. Um homem dirige o seu veleiro para um porto desconhecido, e ele tem a escolha de virar à esquerda ou à
direita em torno de uma grande rocha. Ele observou que todos os veleiros que entraram no porto antes
dele viraram à esquerda. Ele conclui que deve virar à esquerda.

B. Se votarmos a favor do retorno da pena de morte, nós, juntamente com alguns estados, seremos as
únicas jurisdições do mundo ocidental com uma pena de morte. Nem um só país na Europa tem pena de
morte. O Canadá não a tem. A Nova Zelândia não a tem. A Austrália não a tem. Está prevista em lei na
Bélgica, mas ainda não houve uma execução no país desde 1945. Por conseguinte, não devemos votar a
favor do regresso da pena de morte.

C. No diálogo sobre os alimentos geneticamente modificados (capítulo 1, seção 8), Mark apoia o seu ponto
de vista ao argumentar: "As pessoas em todo o planeta têm modificado animais e plantas geneticamente
por séculos, ninguém se preocupou com isso, e até os cientistas aceitaram isso há muito tempo".

D. É claro que você deve usar pasta de dentes “Tartar Control”. Uma pesquisa recente mostrou que 87% das
pessoas preferem a pasta de dentes “Tartar Control” em relação a outras marcas.

E. Tenho a certeza de que você vai querer votar a favor da minha proposta. Todos os profissionais altamente
educados são a favor dela e sempre reconhecem o seu mérito imediatamente.

F. Todas as pessoas bonitas que pertencem aos escalões superiores dos ricos e famosos têm óculos de sol
“Pilotage”. Por isso, você deve comprar óculos de sol “Pilotage” também.

TRÊS Argumento de Analogia

Argumentos de analogia são comumente usados em raciocínios baseados em casos, onde um caso é considerado
semelhante a outro caso em particular. Desde que um caso seja considerado por ter uma certa propriedade, então
conclui-se que o outro caso também tem a mesma propriedade. De maneira geral, seguem a seguinte forma:

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE ANALOGIA

PREMISSA SIMILAR: Geralmente, o caso C1 é similar ao caso C2.

PREMISSA BASE: A é verdadeira (falsa) no caso C1.

CONCLUSÃO: A é verdadeira (falsa) no caso C2.

Essa forma de argumento é defensável porque qualquer um dos dois casos será similar entre eles em certos
aspectos. Por um caso ser geralmente similar a outro, isso não significa que os dois casos serão similares em todos
os aspectos. Se eles são similares em todos os aspectos eles serão o mesmo caso. Entretanto, dois casos podem ser
geralmente similares mesmo que tenham diferenças importantes entre eles.

Na disputa sobre as gorjetas, Bob poderia usar um argumento por analogia.

Parar de dar gorjetas é como retirar do animal sua fonte de alimento através da destruição do seu habitat natural.
Tirando a sua fonte de alimento há a consequência do animal morrer de inanição e doenças. Então, parar de dar
79

gorjetas irá tirar a renda da pessoa que está lutando para sobreviver em uma economia enfraquecida, com a mesma
consequência desastrosa.

Nesse argumento, Bob compara dois casos: o caso do animal lutando para sobreviver em um habitat ameaçado de
extinção e o caso da pessoa que luta para sobreviver em uma economia enfraquecida. Ele cita as consequências
negativas da destruição do habitat em um caso, e então postula uma comparação com as consequências ruins do
outro caso. Bob está usando o argumento a partir de consequências, 13 mas esse argumento é construído na
argumentação por analogia, baseada na comparação entre os dois casos.

Existem três questões críticas que têm origem no uso da argumentação por analogia.

1. Existem diferenças entre C1 e C2 que tenderia a enfraquecer a força da similaridade citada?

2. Pode-se afirmar que A seja verdadeiro (falso) em C1?

3. Existe algum outro caso C3 que é também similar a C1, mas no qual A seja falsa /verdadeira?

No exemplo acima, a segunda questão crítica é fácil de ser respondida porque a base da premissa do argumento -
que retirar o habitat natural tem aquelas consequências negativas - é bastante plausível. Mas fazer a primeira
pergunta crítica é um caminho melhor para a crítica do argumento por analogia nesse caso. Isso pode ser
demonstrado que existe a diferença entre os dois casos. Se o animal perder o habitat natural pode não haver outro
lugar que ele possa ir ou ser transferido onde ele terá fontes adequadas de alimentos. Mas neste caso, o argumento
de parar de dar gorjetas pode ser usado para promover salários e benefícios maiores para o empregador. A qualquer
custo, a citação de qualquer diferença neste caso pode ser usada para aumentar as dúvidas sobre o argumento por
analogia usado no exemplo acima.

Fazer a terceira questão crítica é uma super resposta em alguns casos, mas não funciona bem em todos os
casos. A razão é que é necessária certa ponderação e inteligência para elaborar uma analogia adequada. Mas em
alguns casos o uso da contra analogia pode ser muito eficaz. Exemplo:

O presidente Ronald Reagan, em uma palestra no Congresso para ajudar os Contra rebeldes na Nicarágua, comparou
os Contras com os americanos patriotas que lutaram na Guerra de Independência Americana. Um palestrante da
oposição comparou o envio de ajuda aos Contras com a Guerra do Vietnã.

No uso de argumentos de analogia, Reagan comparou o caso dos Contra rebeldes da Nicarágua com o caso dos
americanos patriotas que lutaram na Guerra de Independência. Já que a audiência iria pensar que o exemplo
representou uma causa muito valiosa e que foi boa e houveram boas consequências, sua política seria
presumivelmente de apoio esmagador. Com o uso da argumentação por analogia, Reagan esperava transferir aquela
atitude positiva (apoio da guerra da USA) para justificar o caso dos Contra rebeldes. Mas seu oponente no Congresso
foi capaz de contrariar seu argumento quando usou outra analogia que é extremamente poderosa para a audiência:
a intervenção no Vietnã. Esta intervenção teve consequências extremamente negativas para os EUA e foi um preço
que ninguém quer pagar novamente. Esse caso demonstra uma poderosa lição sobre o efeito da intervenção em
guerras estrangeiras. Aqui está o terceiro caso que parece ser similar ao caso da Nicarágua em certos aspectos, mas
o resultado da intervenção foi muito ruim.

Em alguns casos, o argumento de analogia é usado de uma forma extremamente agressiva que comprime
todos os tipos de suposições não declaradas e questionáveis no argumento. O próximo exemplo foi retirado de uma
carta da revista Chatelaine, de maio de 1982. 14 Uma vez que várias suposições dentro do argumento são
identificadas, pode ser facilmente demonstrado que elas são altamente questionáveis e que o argumento embasado
por elas não são justificáveis.

Quando um assassino é considerado culpado, ele é punido sem considerar a razão para o assassinato. Em
similaridade, qualquer um que participa de um aborto é culpado por ter privado ele/ela do direito à vida.

13
Essa forma de argumento como um esquema usado por Bob é argumentar que uma ação ou política é ruim
porque tem consequências ruins. O argumento das consequências é explicado mais detalhadamente no capítulo 3,
seção 5.
14
Este exemplo é de um artigo sobre argumentos contendo suposições não declaradas: Douglas Walton e Chris
Reed, "Argumentation Schemes and Enthymemes", Synthese: An International Journal for Epistemology, Logic and
Philosophy of Science, a ser publicado.
80

A conclusão implícita do argumento é a afirmação que qualquer um que participa de um aborto pode ser punido.
Por quê? O argumento é embasado pela analogia entre dois casos considerados semelhantes. Um caso é uma pessoa
que matou outra pessoa, um crime punível pela lei. O outro caso é uma pessoa que participou de um aborto. O
argumento é: já que um caso é similar ao outro, uma coisa que é verdade para um pode também ser verdade para
a outra. Portanto, o argumento é baseado na suposição que uma vez que assassinos são punidos sem considerar a
razão para o assassinato, por analogia o aborto pode também ser punido. Como mostrado pela aplicação do
esquema de argumentação por analogia, esse argumento é baseado na premissa implícita que os dois casos são
similares. Mas tal suposição é altamente questionável. Na lei o feto não é uma pessoa e não tem o direito à vida da
mesma forma que uma pessoa tem. Claro que esta distinção é jurídica e há diferença entre lei e moralidade. Mas
mesmo assim, a suposição que qualquer pessoa que participa de um aborto está privando ele/ela do direito à vida
é uma presunção que o feto é uma pessoa.

Em geral, a primeira questão crítica do argumento por analogia tende a ser a mais importante para focar
na avaliação dos argumentos. Se um caso é similar ao outro em um aspecto, então a similaridade da certo peso na
plausibilidade do argumento. Portanto, um argumento por analogia pode ser mais forte ou mais fraco em diferentes
casos.

EXERCÍCIO 3.3

Analise os seguintes argumentos identificando o esquema argumentativo envolvido. Identifique as premissas e a


conclusão do argumento. Se houver aspectos questionáveis do argumento que devam ser considerados, identifique
questões que deveriam ser feitas.

A. Após ingerir um miligrama da substância alfa a cada dia durante noventa dias, ratos brancos
desenvolveram anormalidades genéticas. Sendo que ratos brancos são similares em várias maneiras aos
humanos, se segue que a substância alfa provavelmente produz anormalidades genéticas em humanos.

B. Quando um indivíduo é diagnosticado com câncer, todo esforço é feito para matar o crescimento
cancerígeno, seja por cirugia, tratamento radiativo, ou quimioterapia. Mas assassinos e sequestradores
são crescimentos cancerígenos na sociedade. Assim, quando esses criminosos são presos e condenados,
eles deveriam ser tratados como qualquer outro câncer e eliminados por pena capital.

C. Quando um líder político eleito foi submetido a extensa crítica por conta do desemprego crescente e uma
economia flácida [sagging], alguns argumentaram que ele deveria renunciar para que o partido pudesse
selecionar um novo líder. Outros disseram que uma eleição deveria ser convocada [called]. Ele respondeu:
"As pessoas não mudam médicos apenas porque estão doentes."

D. Fumantes deveriam poder fumar apenas em privado onde não ofendem ninguém mais. Algum fumante
iria entrar em um restaurante e começar a comer comida meio mastigada no prato de alguém ou beber
um copo de água que previamente segurou os dentes de alguém? Provavelmente não, e ainda assim eles
esperam que não fumantes inalem fumaça dos confins [recesses] de seus pulmões. Meu privilégio e
direito é escolher uma vida limpa e saudável sem interferências.

E. Um doutor alegou que médicos deveriam dar exames médicos para cada paciente todo ano, usando o
seguinte argumento: "As pessoas levam seu carro para reparos a cada alguns meses".

QUATRO Argumentos de Correlação à Causa

Apesar de alguns cientistas, particularmente aqueles de campos práticos como a engenharia e a medicina, algumas
vezes fazerem afirmações sobre as relações causais, não há nenhuma teoria de causalidade (ou qualquer teoria
filosófica, com esse propósito) que esteja resolvida. Parece que a relação causal é prática e contextual em sua
natureza. Ao dizer que um assunto A causa o assunto B, têm-se que A, pode ser trazido à tona e, quando trazido, ou
81

parado, então B também será trazido à tona, ou parado. 15 Sob qualquer instância, qualquer que seja o significado
de causalidade, o mais importante tipo de evidência de que A causa B em um caso particular é que exista uma
correlação estatística entre A e B. Por exemplo, se uma significativa correlação estatística é encontrada entre a
redução na incidência de ataques cardíacos e o consumo de vinho tinto, uma conclusão poderia ser feita, de que
beber vinho tinto seja a causa da redução na incidência de ataques cardíacos. Recentemente, de fato, a conclusão
de causalidade é feita, baseada em dados estatísticos, de que beber vinho tinto com as refeições, como os franceses
fazem, ajuda a prevenir ataques cardíacos.

Como uma forma presunçosa de raciocínio, o argumento da correlação à causa tem a seguinte forma.

ESQUEMA DE ARGUMENTAÇÃO PARA ARGUMENTO DE CORRELAÇÃO À CAUSA

PREMISSA DA CORRELAÇÃO: Há uma correlação positiva entre A e B.

CONCLUSÃO: A causa B.

Uma correlação é uma relação puramente estatística, determinada pela contagem de quantas vezes um evento
ocorre e junto a ele outro também ocorre. No entanto, como pode ser notado acima, a causalidade não é uma
relação puramente estatística (ou pelo menos, caso seja, é um tipo bem complicado de relação), então a dedução
da correlação à causalidade não pode ser avaliada como puramente estatística, ou com uma base numérica. É
melhor vista como uma presunção dedutível e refutável, sujeita a derrota à medida que mais dados são coletados.

Um problema com argumentos de correlação à causa é que pode não haver uma real correlação entre dois
eventos, mas apenas aparente haver. Considere o exemplo a seguir:

Pesquisadores do “Wellesley Central Hospital” estudaram 18 pacientes com artrite reumatoide por mais de um ano,
testando como mudanças em seus sintomas eram influenciadas pelo clima, mas eles vieram com o resultado de que
não havia nenhuma relação entre as mudanças. “Nós acreditamos que essa crença resulta, ao menos em parte, da
tendência das pessoas em reconhecerem padrões onde não há,” Dr. Ronald Redelmeier da “Wellesley” escreveu no
resumo do estudo publicado na última edição do jornal estadunidense “Proceedings of National Academy Science”....
Durante seu estudo dos 18 pacientes com artrite na “Wellesley”, os pesquisadores adquiriram dados sobre os
sintomas duas vezes por mês durante 15 meses. Os pacientes avaliaram a intensidade de suas dores, enquanto os
médicos avaliavam o grau de sensibilidade articular, mobilidade e funcionamento de cada paciente em cada
avaliação. Os pesquisadores também obtinham as previsões do tempo de vários dias próximos ao dia da avaliação.
Eles entrevistaram os pacientes sobre suas crenças em torno da dor causada pela artrite e todos os pacientes, com
exceção de 2, acreditavam que a influência do clima era demasiada. Entretanto, quando os pesquisadores
investigaram as correlações entre a dor e o clima que os pacientes mencionavam, não encontraram nenhum
padrão.16

Nesse caso, pareceu aos pacientes haver uma correlação entre os sintomas da artrite e as mudanças climáticas. Mas
o estudo do Dr. Redelmeier levantou dúvidas quanto à existência se essa correlação.

Outro problema é que a correlação estatística entre dois eventos pode ser, simplesmente, uma
coincidência. Um sofisticado estudo estatístico de Steffie Woolhandler e David U. Himmelstein17 analisando números
de 141 países descobriu que quanto maior for o percentual do PIB que um país gastar em armas, maior será sua taxa
de mortalidade infantil. Woolhandler e Himmelstein concluíram que há uma conexão plausível entre o gasto militar
e a taxa de mortalidade infantil: “Nossas descobertas confirmam o que muitos já suspeitavam - que o militarismo é
nocivo para a saúde, mesmo na ausência de hostilidade”. No entanto, os críticos questionaram se sua descoberta
não passava de nada mais que uma coincidência. O Dr. John Bailar, um estatístico da “Harvard School of Public
Health”, disse que a mesma aproximação poderia ser utilizada para conectar a mortalidade infantil ao consumo de

15
As variáveis A e B representam estados de coisas que são pensados como proposições, porque podem ser
tornados verdadeiros (produzidos) ou falsos por ações.
16
Jane Gadd, "Arthritis Study Rejects Weather Link", Globe and Mail, 3 de abril de 1996, p. A5.
17
"Militarism and Mortality", The Lancet, 15 de junho de 1985, pp. 1375-1378.
82

bananas.18 Ele questionou qual seria a correlação estatística entre as duas coisas, em casos como esse, que faria-se
concluir que uma coisa causa a outra.

Outra questão crítica é se ambas as coisas correlacionadas uma com a outra são realmente causadas por
algum fator comum que está causando ambas. O próximo caso é um exemplo clássico.19

Em uma conferência sobre o vínculo entre humanos e animais de estimação, em Boston em 1986, pesquisadores
reportaram que os animais de estimação podem abaixar a pressão sanguínea em humanos, aumentam as chances de
sobrevivência de pacientes cardíacos, e até mesmo conseguem adentrar o isolamento de uma criança autista. De
acordo com uma reportagem da “Newsweek”, pesquisadores em uma conferência reportaram os benefícios da
companhia de um animal de estimação. Estudos mostraram que mulheres que possuíram cachorros durante a
infância obtiveram maior pontuação em testes de autoconfiança, sociabilidade e tolerância do que mulheres sem os
animais. Homens que tiveram cachorros “possuem um melhor senso de valor pessoal e pertencimento, além de
melhores habilidades sociais”. Crianças que tiveram animais de estimação também demonstraram maior empatia.

Nesse caso, houve uma correlação genuína entre possuir um animal de estimação e melhorias na saúde, mas ambos
os fatores poderiam ser o resultado das melhores qualidades sociais das pessoas que adquirem um animal de
estimação. Esse fator pode levar, tanto a possuir um animal de estimação, quanto a possuir uma saúde melhor. Em
casos como esse é possível que haja uma correlação genuína entre os dois fatores (A e B) mas a razão da correlação
é na verdade um terceiro fator (C), que está causando A e B. Nesse caso, é incorreto tecer a conclusão de que A
causa B.

Para resumir as lições desses casos, as três principais questões críticas que devem ser feitas, quando um
argumento de correlação de causalidade é posto, são as seguintes:

1. Há realmente uma correlação entre A e B?

2. Há alguma razão para se pensar que a correlação não passa de mera coincidência?

3. Poderia haver um terceiro fator (C), que causa tanto A, quanto B?

Como um exemplo da terceira questão crítica, considere a correlação entre beber vinho tinto todos os dias com a
refeição e diminuir a taxa de ataques cardíacos entre homens abaixo de 40. Estudos subsequentes demonstraram
que consumir álcool de qualquer tipo (em moderação, ou seja um, ou dois drinks por dias) estava associado a uma
significante diminuição no número de ataques dentro desse grupo. A última descoberta sugeriu que foi o álcool do
vinho tinto que causou o resultado e que beber cerveja, ou qualquer tipo de álcool causaria o mesmo efeito.

Em suma, argumentos de correlação causal são um tipo legítimo e correto de inferência de um tipo
presunçoso e refutável, e é extremamente útil para fins prático orientando ações em questões práticas. Mas em
alguns casos, há uma tendência da natureza humana de pular rápido demais para uma conclusão causal assim que
a correlação é aparentemente observada. Nesses casos, é melhor se questionar apropriadas perguntas críticas antes
de colocar muito peso em um argumento de correlação de causa.

Agora, um aviso final. Todos os argumentos de correlação baseados em afirmações estatísticas devem ser
questionados sobre como os termos foram definidos na pesquisa. A teoria do vinho tinto na prevenção de doenças
do coração foi recentemente questionada por um grupo de cardiologistas que apontaram que, enquanto a maior
parte dos países requeria uma determinada causa de morte para ser deferida, na França, muitas fatalidades
causadas por paradas cardíacas são oficialmente especificadas como “morte súbita”.20 Essa maneira de reportar
estatísticas médicas diriam que as descobertas reportadas causavam a diminuição do número de ataques cardíacos.

18
"Infant Death Link Found", Winnipeg Free Press, 15 de junho de 1985, p. 70.
19
Douglas Walton, Informal Logic (Nova York: Cambridge University Press, 1989), pp. 226-227.
20
Bernard D. Kaplan, "The Attack on Red Wine's Hearty Reputation", Globe and Mail, 16 de setembro de 1994, p. A9.
83

EXERCÍCIO 3.4

Analise os seguintes argumentos identificando a argumentação esquema envolvido. Identifique as premissas e


conclusões dos argumentos. Se houver quaisquer aspectos questionáveis que devam ser considerados, identifique
as questões críticas que deveriam ser feitas.

A. Um relatório publicado no “Journal of the American Medical Association” encontrou uma relação
estatística entre a calvície típica do "padrão masculino" (espalhando-se para fora da coroa da cabeça) e
ataques cardíacos. Homens com esse tipo de calvície foram encontrados como 30 a 300% mais propensos
a sofrerem um ataque cardíaco do que homens com pouca, ou sem perda de cabelo. Os pesquisadores
hesitaram em definir a conclusão de que calvície causa ataques cardíacos, e alguns especularam que o
estresse, ou um fator hormonal comum poderiam estar envolvidos (David Gelman, Carolyne Friday e
Shawn D. Lewis, "A Really Bad Hair Day". Newsweek, 8 de março de 1993, p. 62).

B. Um professor de medicina da Universidade de Toronto disse que um comitê estudando os programas de


bem-estar em Ontario que crianças de famílias pobres são duas vezes mais prováveis, se comparadas a
crianças de famílias mais ricas, a morrer na infância, ou em acidentes e duas vezes e meia mais suscetíveis
a morrer de infecções. Ele concluiu que a pobreza é um assassino invisível e que é mais mortal que o
câncer (The Winnipeg Free Press, 8 de fevereiro de 1987, p. 10).

CINCO Argumento de Consequências e “Bola de Neve”

Uma forma bem comum de argumentação é usada onde uma das partes no diálogo diz para a outra “essa ação não
seria boa pois poderia ter consequências ruins.” Por exemplo, suponha que você está pensando em adotar certa
medicação e seu médico diz: “você tem pressão alta, e adotar essa medicação aumenta a pressão sanguínea, assim,
no seu haveria um efeito colateral ruim em adotar isso”. Essa forma de argumentação é chamada argumentum ad
consequentiam, ou argumento das consequências (literalmente, isso significa ‘argumento para a consequência’).
Como uma forma de argumentação, isso cita consequências alegadamente previsíveis de uma ação proposta como
premissa, e a conclusão inferida é que essa linha de ação é ou não é recomendada. Essa forma de raciocínio pode
ser usada de uma forma positiva ou negativa, como um argumento para responder uma proposta que foi
apresentada quando duas partes ou lados estão tendo um diálogo sobre o que fazer. Nos argumentos das
consequências positivas, uma política ou linha de ação é sustentada citando consequências positivas de levar a cabo
essa política ou curso de ação. No argumento das consequências negativas, a política ou linha de ação é contra
argumentada citando consequências negativas de levar isso a cabo.

Argumento das consequências é frequentemente usado nas deliberações políticas e econômicas onde dois
lados ou grupos discordam sobre qual é a melhor linha de ação a prosseguir. Por exemplo, suponha que duas pessoas
Bob e Helen discordem sobre se dar gorjetas é geralmente um bom costume ou uma boa política social que deveria
ser continuada. Bob pode usar o seguinte argumento:

PREMISSA: Se a prática de dar gorjetas fosse interrompida, resultaria no desemprego.

PREMISSA: Desemprego é um coisa ruim.

CONCLUSÃO: Não seria uma boa ideia interromper a prática de dar gorjetas.

Neste exemplo, Bob usou um argumento de consequências negativas de uma certa política ou curso de ação. Bob
contra argumentou essa política ou linha de ação.

Argumento de consequências também pode ser usado de uma forma positiva, para sustentar uma política
ou ação. Por exemplo Helen poderia usar o argumento a seguir:
84

PREMISSA: Se a prática de dar gorjetas fosse interrompida, provedores de serviço teriam uma maior e
melhor autoestima.

PREMISSA: ter uma boa autoestima é algo bom

CONCLUSÃO: A prática de dar gorjetas deveria ser interrompida.

Nesse argumento de consequências, Helen citou consequências positivas de uma certa política ou linha de ação
como razão e motivo para sustentar e apoiar aquela política ou linha de ação como uma boa ideia. Como os dois
últimos exemplos mostram, argumento positivo de consequências é frequentemente usado contra argumento
negativo de consequências numa argumentação.

Tais argumentos conflituosos de consequências são comuns em debates políticos ponderando os prós e
contras alegados da linha de ação que está sendo contemplada. Por exemplo, em março de 1995, votantes na
província de Quebec estavam tendo reuniões na câmara para deliberar se teriam um referendo dando a eles uma
chance de se separar do Canadá e formar um país separado ou ficar como província no Canadá. Alguns
argumentaram que as consequências econômicas da separação de Canadá seriam altamente negativas para Quebec.
Outros argumentaram que ter um único país francófono separado do Canadá anglófono teria consequências
positivas para a cultura francesa em Quebec. Em casos desse tipo de deliberação política, tipicamente o argumento
é sobre os resultados futuros ou possibilidades de alguma linha de ação que é única, pelo menos em muitos aspectos,
que então as consequências prováveis devem ser adivinhadas ou conjecturadas. O futuro nunca pode ser conhecido
com certeza, e adivinhar pode ser altamente conjectural onde várias variáveis complexas e mutáveis de uma situação
estão envolvidas. Portanto, o argumento de consequências é geralmente presumível por natureza como um tipo de
raciocínio.

O esquema de argumentação para argumentos das consequências positivas é o seguinte:

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CONSEQUÊNCIAS POSITIVAS

PREMISSA: Se A for provocado, boas consequências vão provavelmente ocorrer.

CONCLUSÃO: A deveria ser provocado.

Um esquema de argumentação correspondente para argumento das consequências negativas é o seguinte:

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS

PREMISSA: Se A é provocado, consequências ruins vão possivelmente ocorrer.

CONCLUSÃO: A não deveria ser provocado.

Estas são as mesmas três perguntas críticas encaixando com cada um desses esquemas de argumentação, sendo a
variante positiva ou negativa.

1. Quão forte é a probabilidade ou plausibilidade que essas consequências citadas irão ocorrer?

2. Qual evidência, se alguma, sustentou a afirmação que essas consequências vão (podem, poderiam,
devem) ocorrer se A é provocado?

3. Existem consequências de valor oposto que deveriam ser levadas em conta?


85

Fracassar em responder qualquer uma dessas perguntas críticas adequadamente, quando questionado por um
parceiro de diálogo ou crítico, coloca um argumento das consequências em dúvida.

Um argumento bola de neve é uma espécie de raciocínio negativo das consequências, usado quando duas
partes estão deliberando juntos e um adverte ao outro a não tomar uma ação contemplada, porque esse seria um
primeiro passo numa sequência de eventos que levariam a algum resultado terrível. O que é característico sobre um
argumento de “bola de neve” como um subtipo especial de argumento das consequências é que se diz que há uma
sequência conectada de ações, tal que uma vez que a primeira ação de uma sequência é realizada, uma sequência
de outras ações se seguirão, então uma vez que a sequência começa não há nada que a pare, até (por fim) que o
resultado terrível ocorra. Esse resultado especialmente horrível é o evento final na sequência e representa algo que
iria definitivamente contra as metas que são importantes para o participante na deliberação, quem está sendo
advertido, por exemplo, isso poderia ser sua saúde ou segurança pessoal.

Há vários tipos de argumentos “bola de neve” [slippery slope], mas a forma geral dos tipos mais comuns de
argumento “bola de neve” pode ser caracterizada seguindo o seguinte esquema de argumentação. Um argumento
“bola de neve” sempre tem esse aspecto recorrente, o que significa que se aplica sobre e mais uma vez num processo
de repetição. Esse aspecto é definido nas recorrentes premissas abaixo.

ESQUEMA DE ARGUMENTAÇÃO PARA O ARGUMENTO “BOLA DE NEVE”

PREMISSA DE PRIMEIRO PASSO: A₀ está a ser considerado como uma proposta que inicialmente aparenta
como algo que deveria ser realizado

PREMISSA RECURSIVA: Realizando A₀ levaria possivelmente (nas dadas circunstâncias, tão quanto
sabemos) a A₁, que por sua vez levaria plausivelmente a A₂, e assim por diante, através da sequência A₂ ….
An.

PREMISSA DE RESULTADO NEGATIVO: An é um resultado horrível (ruim, desastroso).

CONCLUSÃO: A₀ não deveria ser realizado.

A ideia característica do argumento “bola de neve” é que uma vez que você toma a primeira ação na sequência, é
como um empurrão do topo de uma pista olímpica de ski, uma vez que você começou, voltar atrás se torna mais e
mais difícil. Em algum ponto mal definido ou zona cinzenta, não há como voltar atrás. Uma vez que você está dentro
dessa área, há apenas um caminho a seguir, descer cada vez mais e mais rápido até alcançar o fundo da ladeira.
Portanto, se não quiser ir por uma ladeira abaixo fora de controle e bater no fundo (com consequências desastrosas
de danos pessoais), a mensagem é que você não deveria dar o primeiro passo.

Argumentos bola de neve são frequentemente usados para dar uma razão para não começar a usar drogas,
porque uma vez que começa a usar uma substância viciante, torna-se mais e mais difícil parar. Em algum ponto que
não pode ser definido especificamente para cada indivíduo, você está fissurado e o resultado é que sua vida será
muito prejudicada ou possivelmente até mesmo destruída. Uma vez que uma pessoa começa a usar drogas,
dependência física pode tornar isso algo muito difícil de se parar, e a sequência de resultados posteriores podem ter
todos tipos de outras consequências ruins que por fim resulta em uma numa vida dolorosa de dependência de
substâncias e finalmente numa morte desagradável. Nesse tipo de caso, a base da bola de neve é o vício e a
dependência causadas pela reação do corpo à substância. Como você consome mais e mais da substância, você
necessita de mais para manter o hábito. Há também, variantes sobre esse argumento que cita uma sequência
alegada levando de uma substância viciante a outra. Aqui as conexões são difíceis de provar, e debates sobre tais
argumentos são altamente controversos. Um caso desse tipo é o argumento que a descriminalização da maconha
seria o primeiro passo numa sequência que levaria ao maior uso de drogas e a progressão para o uso de drogas mais
pesadas, tal como heroína, e por fim levaria a uma sociedade onde o uso de todos os tipos de drogas tornou-se
comum e incontrolável, com todos os problemas sociais que se prendem a toxicodependência generalizada. 21 Uma
variante nesse caso com até mesmo uma conexão mais fraca é o argumento usado quando uma pessoa adverte
outra a não começar a fumar, argumentando que poderia levar ao uso de outras substâncias viciantes, como
maconha, que em sua vez poderia levar ao uso de drogas mais pesadas.

21
Ralph Johnson e J. Anthony Blair, Logical Self-defense, 2ª ed. (Toronto: McGraw-Hill Ryerson, 1983), pp. 161-162.
86

Argumentos bola de neve são frequentemente usados em disputas sobre ética e política pública. No caso
de Texas v. Johnson (1989) a questão diz respeito a um homem que queimou uma bandeira dos EUA durante uma
manifestação política em Dallas, essa que estava protestando contra políticas do governo Reagan. O caso de se ele
deveria ser condenado por “profanação a um objeto venerado” por fim foi a suprema corte dos EUA, onde foi
determinado que, nesse caso, a bandeira queimada foi um ato manifestamente expressivo e, portanto, deveria ser
protegido sobre a liberdade de expressão (Primeira Emenda). Justice Brennan usou um argumento bola de neve
como parte do raciocínio para sua decisão.

Nós não percebemos nenhuma base sobre qual assegurar que o princípio subjacente a nossa decisão não se aplica a
esse caso. Para concluir que o Governo pode permitir que os símbolos designados sejam utilizados para comunicar
apenas um conjunto limitado de mensagens seria entrar num território sobre essa teoria, proibir a queima de
bandeiras estaduais? Ou cópias do selo presidencial? Ou da constituição? Na avaliação dessas escolhas sobre a
Primeira Emenda, nós decidimos quais símbolos seriam suficientemente especiais para justificar esse status único?
Para fazer isso, nós seríamos forçados a consultar nossa própria preferência política, e impor elas sobre a cidadania,
de forma que a Primeira Emenda nos proíbe de fazer.22

O argumento foi que uma vez que a queimada da bandeira no caso tal como o acima fosse proibida pela lei, isso
abriria um precedente para banir muitos outros tipos de atos, tal como queimar outros objetos que representassem
governos federais ou estaduais. Ter de fazer cumprir todas essas infrações seria dispendioso, e o valor de fazer isso
parece duvidoso. Isso levaria a uma imposição de preferências políticas em banir todos os tipos de atos expressivos
que apresentariam conflitos com a Primeira Emenda.

Em um cartoon de Doonesbury,23 uma personagem advertiu a outra sobre os perigos de banir “profanação
físico da bandeira” ao citar um número de passos mais específicos na sequência de uma “bola de neve”.

…”Profanação física” é um negócio complicado… Por exemplo, será ilegal queimar uma bandeira de papel? Ou rasgar
uma foto de uma bandeira? E que tal cortar um bolo decorado com uma bandeira? E Que tal sobre bandeiras
confeccionadas? Você seria patriota se vestisse uma camiseta de bandeira, mas um criminoso se você usasse calças
de bandeira? E o que faz o Tio Sam? E quanto à arte - quem decide se uma pintura de bandeira é profanação ou uma
homenagem? Também, que tal sobre outros símbolos nacionais, como a águia ou a Estátua da liberdade? Ou outras
bandeiras? Ou a bandeira confederada? Todas sagradas para alguém - deveriam elas serem protegidas? Também,
desde que a queima é a única forma sancionada de eliminar uma bandeira gasta, não estamos proibindo uma ideia ao
contrário de um ato? E se sim, que outras ideias deveríamos ilegalizar?

Aqui conseguimos ver que o que propulsiona a sequência de raciocínio para o escorregão não é apenas a ideia de
estabelecer um precedente, mas também da dificuldade linguística de circunscrever um termo vago como
profanação física. Uma vez que isso foi aplicado a um objeto, como uma bandeira, é difícil parar de aplicar essa lógica
para outros objetos como um bolo, uma camiseta. Essa “imprecisão” é a área cinzenta do argumento bola de neve.

Argumentos bola de neve conforme as premissas e conclusão do esquema de argumentação podem ser
razoáveis como argumentos presumíveis num diálogo, providos todos os passos da sequência, conectando o
primeiro passo ao resultado (horrível) final, são adequadamente encaixados e justificados. Em alguns casos, no
entanto, essas conexões no raciocínio não estão sustentadas corretamente e o bola de neve não é plausível. Em
alguns casos, isso é até mesmo usado de uma maneira pouco convincente como um argumento de apelo ao medo.
O problema com argumento de apelo ao medo é que eles podem ser facilmente contra-atacados se o apelo ao medo
é exagerado é muito exagerado e inconveniente. Por exemplo, no filme cult Reefer Madness, adolescentes foram
advertidos sobre os perigos de fumar maconha, mas a evidência era duvidosa, de acordo com o que era conhecido
naquele tempo. Portanto o argumento foi um argumento de apelo ao medo inconvincente que a audiência achou
engraçado. Em geral, evidências empíricas são necessárias para sustentar um argumento bola de neve
adequadamente. Desde que o período quando esse filme foi popular, evidências consideravelmente empíricas de
consequências negativas em usar maconha foram encontradas. Mas, quão forte a conexão entre usar maconha e
progredir para o uso de drogas mais pesadas continua sendo assunto de alguma controvérsia. Ainda assim, drogas
que são viciantes são muito perigosas para as pessoas experimentarem. Então, o ónus da prova em tais casos
deveriam ser pensados com cuidado. Se até mesmo experimentando tal tipo de droga pode ser perigoso, exortando
uma pessoa a ser cautelosa e não tomar o primeiro passo, poderia ser um bom tipo de argumento bola de neve.

22
Texas v. Johnson, 1989, 10.
23
G.B. Trudeau, 12 de agosto de 1989.
87

Em geral, ao avaliar raciocínios bola de neve é melhor começar por identificar as três premissas do
argumento. A premissa do primeiro passo postula o primeiro passo da sequência. A premissa recorrente descreve o
mecanismo da bola de neve- a repetição ou fator propulsor que dirige a sequência ao longo de um ponto onde a
sequência não pode ser parada. O resultado ruim menciona o resultado horrível, supostamente o último evento da
sequência. As mais importantes e apropriadas perguntas críticas para um argumento bola de neve consistem parte
2, a sequência de passos no argumento.

1. Quais proposições de intervenção na sequência ligando A₀ ao An são de fato dadas?

2. Que outros passos são requeridos para preencher a sequência de eventos a fazê-la plausível?

3. Quais as ligações mais fracas na sequência, onde questões críticas específicas deveriam ser questionadas
sobre se um evento irá realmente levar a outro?

Quão forte um argumento bola de neve precisa ser depende sobre quão forte uma aclamação é feita na conclusão
- ela diz que o resultado horrível pode, vai ou deve ocorrer? Quanto mais forte a alegação, mais forte o argumento
necessário para rebate-la. No entanto, desde que argumentos bola de neve são sobre o futuro, algum deles que têm
um “deve” na conclusão (ou qualquer palavra indicando inevitabilidade) deveria ser visto muito ceticamente.

Alguém deveria ser muito cuidadoso ao distinguir entre exemplos de argumento das consequências
negativas e exemplos de argumentos bola de neve, porque, como indicado acima, os argumentos bola de neve
descritos acima são espécies de argumentação das consequências negativas. O que é que faz o argumento bola de
neve como um tipo especial de argumento das consequências negativas é que o argumento bola de neve sempre
tem a premissa de característica recorrente. Essa premissa descreve uma sequência de ações onde o argumento
avança de um passo para o próximo por alguns processos repetitivos do mecanismo que dirige as ações ou
consequências além do ponto onde a sequência pode ser parada. Muitos casos de argumento das consequências
realmente têm tal premissa recorrente estabelecida como parte do argumento. Se um argumento das
consequências negativas não tem essa característica recursiva, ele não deveria ser classificado como um argumento
bola de neve.

EXERCÍCIO 3.5

Analise os diálogos seguintes, classificando o argumento usado através da identificação de seu esquema de
argumentação. Identifique as premissas e a conclusão do argumento. Se há qualquer aspecto questionável dos
argumentos que deveria ser considerado, identifique perguntas críticas que deveriam ser questionadas.

A. Pierre e Maria estão discutindo sobre a questão de Quebec se separar do resto do Canadá. Pierre mantém
que a separação seria uma coisa boa porque ela preservaria a herança da cultura francófona. Mary
argumenta que se Quebec se separasse, haveria desemprego em massa, especialmente em Quebec, onde
há vários empregados do governo federal.

B. Bob está prestes a tentar consertar seu rádio pegando um fio de tensão Jane o adverte, “eu não faria isso.
Você pode levar um choque desagradável.

C. Anne e Fred estão discutindo sobre a questão se cientistas deveriam ter permissão para fazer pesquisa de
laboratório em embriões humanos. Fred argumenta que: “Nós devemos parar toda pesquisa em embriões
humanos imediatamente, porque isso levará a mais e mais pesquisas experimentais em fetos humanos e,
por fim, a colheita de fetos humanos abortados se tornará tal como uma fonte para o tratamento de
doenças como Parkinson e distrofia muscular, não haverá nenhuma forma de voltar atrás.

D. Jhon e Louise estão discutindo a questão se suicídio fisicamente assistido deveria ser permitido em casos
de doenças terminais, Louise argumenta: “uma vez que você permite isso em casos de doença terminal,
isso levará a eutanásia dos deficientes. Isso significa que qualquer um que é considerado como
problemático será eliminado como desajustado pelo estado. Por último, os únicos cidadãos a quem será
permitido viver serão aqueles que se encaixam ao conceito contemporâneo de uma pessoa saudável
ideal”
88

E. Em um debate sobre se a prática de não permitir preces nas escolas deveria ser continuada, alguns
participantes preocupados que diferentes religiões poderiam querer ter preces especiais representando
suas próprias práticas religiosas e visões. Um participante argumentou que todos os tipos de grupos
minoritários, uma vez que você aceita um tipo de religião como legítima, você terá que aceitar muitos
outros tipos de grupos religiosos como ter um direito legítimo para ter preces ou prestações religiosas na
sala. Esse participante disse: “É uma caixa de Pandora. Você sabe que Satanismo é uma religião também!

F. Trevor e Mary estão discutindo sobre a questão se cartas de condução deveriam ter fotografia sobre eles.
Trevor argumenta: isso seria o primeiro passo em direção a um estado policial.

SEIS Argumento de Sinal

Em muitos casos de argumentação, dados observados em um caso são tidos como sinais de algo que se encaixa em
um padrão familiar. Desenhando uma inferência a partir do sintoma de um paciente visto como um sinal visível de
determinada doença ou alguma outra condição conhecida é uma forma muito comum de justificar diagnósticos
médicos. Por exemplo, suponha que um paciente que está se sentindo mal esteja com a pele amarelada. A
observação sobre a cor da pele pode ser um sinal ou indicador de que o paciente tem hepatite. Claro, um diagnóstico
rápido desse tipo é provisório é considerado apenas uma hipótese. O paciente pode ter alguma outra doença no
fígado, ou alguma doença na pele, que não tenha nada a ver com o fígado. Essa forma de argumentação é possível
de ser defendida nos estágios iniciais e talvez só seja uma conclusão plausível na forma de hipótese mesmo. Ela pode
talvez levar a observações futuras e testes. A hipótese pode ser testada, por exemplo, analisando uma amostra de
sangue do paciente. Argumentação por sinais é uma forma típica de argumentação. O clássico exemplo a seguir
ilustra uma argumentação por sinais:

Travis e Lisa estão andando ao longo de uma trilha de caminhada no Parque Nacional Jasper e veem
algumas pegadas na trilha. Travis as examina mais de perto e diz que reconhece-nas como pegadas de
urso e diz “Um urso esteve aqui”. Lisa responde “como você sabe que essas marcas são pegadas de urso?
Elas não parecem grande o bastante para isso”. Travis responde “elas são pegadas de um urso pequeno,
na verdade, são pegadas de um urso pardo, o que podemos ver pelas marcas de longas garras”.

Nesse caso, Travis apresentou um argumento a Lisa. Ela expressou dúvida de que as marcas que eles viram eram
pegadas de urso. Travis ofereceu a ela um argumento por sinais para justificar e chegar à conclusão de que eram
pegadas de urso . Argumento por sinal é um tipo de argumento presunçoso baseado na premissa de que,
geralmente, o sinal encontrado é característico de algum tipo de objeto, evento ou ação. A outra premissa é que
essas características ou sinais estão presentes no caso observado. A conclusão é que o evento ou objeto particular
em questão ocorreu ou vai ocorrer neste caso em particular.

O esquema argumentativo para argumentos de sinais é o seguinte, onde A e B são tomadas como essas
duas proposições.

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE SINAL

PREMISSA ESPECÍFICA: A (um achado) é verdadeiro nesta situação.

PREMISSA GERAL: B é geralmente indicado como verdade quando seu sinal, A, é verdadeiro.

CONCLUSÃO: B é verdadeiro nesta situação.

É fácil ver porque a argumentação por sinais, no esquema feito acima, éderrotavel. A premissa geral não é uma
generalização universal absoluta. Essa proposição sendo verdade geralmente (mas não necessariamente) indica que
a outra será verdadeira também. Pele amarela talvez seja um sinal de disfunção no fígado. Mas já casos nos quais o
paciente vai ter a pele amarelada mas não vai ter disfunção no fígado. A presença da pele amarelada é só um
indicador ou sintoma preliminar. Isso talvez tenha valor de evidência. Mas a presença de outros fatores conhecidos
89

talvez exclua essa possibilidade, derrotando a inferência inicial à conclusão de que o paciente tem disfunção no
fígado.

Argumentos por sinais procedem pela descoberta de determinada informação na forma de um sinal ou
indicador. O sinal é algum tipo de coisa observada. Então se chega a uma conclusão de que o sinal indica a presença
de algo mais que está conectado a isso. A conclusão pode ser expressa como uma proposição de que determinado
evento ocorrerá, ou ocorreu, ou que algum objeto ou fator está presente. Uma informação descoberta é tida como
sinal dessa proposição por diversas razões. Pode ser um tipo de evento está geralmente conectado com outro. Ou
pode ser que a descoberta de algum outro fator, devido a alguma característica identificável vinda da primeira
informação descoberta, é feita aparente no sinal. Por exemplo, a presença de nuvens escuras no céu é sinal de chuva
porque uma coisa é comumente associada à outra, e também porque nuvens escuras podem ser citadas como a
causa da chuva. Para o propósito do esquema de argumentação, ambas as coisas que estão conectadas, a
informação encontrada (nuvens escuras) e a conclusão a qual se chegou através dela (chuva) pode ser demonstrada
através de proposições.

Avaliando argumentos por sinais, as duas questões críticas a seguir são apropriadas:

1. Qual é a força da correlação entre o sinal é o evento ao qual ele se refere?

2. Existem outros eventos que seriam mais plausíveis de serem os indicados por tal sinal?

Frequentemente, argumentação por sinal é uma forma fraca de argumento que não pode ser confiada nem levada
sem críticas. Mesmo assim, é uma forma presunçosa de argumentar que pode muitas vezes ajudar a pontuar uma
investigação ou um encadeamento de razões que levem à conclusão mais plausível.

Em alguns casos, argumentos por sinais são preditivos. Por exemplo, nuvens escuras ou ventos fortes talvez
sejam sinais de um cenário climático específico que vai ocorrer em um futuro próximo, como uma tempestade. Em
alguns casos, argumentos por sinais são usados numa moda retrógrada, como no caso do urso, no qual a existência
de pegadas de urso são usadas para justificar que anteriormente um urso esteve naquele exato local. A presença do
urso é usada como base para explicar a presença das pegadas.24

Se olharmos a argumentação por sinais como uma forma derrogável de defesa podemos facilmente ver sua
natureza presunçosa. As pegadas do urso poderiam ser interpretadas como sinal de outro evento, dependendo do
que fosse observado e onde as observações fossem feitas. Talvez alguém, usando algum dispositivo específico, de
maneira planejada plantou as pegadas para nos enganar ou nos dar a impressão de que há ursos na região. Mas
como no Parque Nacional Jasper, normalmente há ursos, nós levaríamos a presença dessas pegadas como um ótimo
argumento de que realmente havia um urso naquela região. No entanto, se encontrássemos pegadas de urso em
uma sala de faculdade, estaríamos muito menos inclinados a chegar na conclusão de que um urso teria adentrado a
sala. Nos provavelmente pensaríamos que as pegadas de urso eram resultado de alguma pegadinha feita por
estudantes ou tentaríamos achar outra explicação, pois não seria normal um urso estar presente numa sala de
faculdade.

Caracteristicamente, argumentação por sinal provém uma base por criar uma hipótese inicial inteligente,
que guiará para explicações mais completas uma vez que entendermos o contexto todo do caso. Por exemplo, no
próximo caso,25 dois sinais iniciais de pegadas e feridas de presas guiaram para a explicação de muitas mortes de
rinocerontes.

Quando conservacionistas da reserva Pilanesberg, na África do Sul descobriram uma série de rinocerontes
morrendo sistematicamente, eles tiveram duas pistas para achar os culpados: feridas de presas nos
cadáveres e pegadas de elefante nas proximidades. Apesar de os elefantes normalmente não atacarem
rinocerontes, a reserva tem um número de adolescentes machos, não supervisionados, que normalmente
seriam mantidos na linha por touros. Sem adultos para servir como modelo para os jovens elefantes

24 Às vezes, o tipo de argumentação exibido no exemplo das pegadas de urso é chamado de inferência para a

melhor explicação. A importância dessa forma de argumentação na descoberta científica foi estabelecida pelo
filósofo americano Charles S. Peirce.
25
Michael Kesterton "Social Studies", Globe and Mail, 13 de outubro de 1994, p. A20.
90

testarem sua força, esses animais se tornaram delinquentes juvenis do mundo animal.

Aqui as marcas de presa na ferida e as pegadas de elefante ofereceram pistas que baseiam uma argumentação por
sinais. Dois sinais sugeriram que elefantes eram os responsáveis. Mas evidências mais adiante guiaram para uma
hipótese ainda mais específica. A hipótese inicial foi confirmada, uma vez que o contexto geral da falta de supervisão
dos jovens elefantes por adultos entrou em cena.

Em alguns casos, há uma sequência de sinais, no qual cada um, por si só, dá uma pequena presunção para
a conclusão. Mas quando colocamos a sequência junta, é formado um argumento com acúmulo de evidências. Esse
argumento utiliza uma corrente de razões contendo muitos argumentos por sinais, e assim constrói uma presunção
muito mais plausível em favor da conclusão. No conto a seguir, de A Study in Scarlet, Dr. Walton, procurando por
um lugar para ficar em Londres, acaba de ser apresentado a Sherlock Holmes. Holmes usou a sequência de razões a
seguir para chegar a conclusão de que Watson tinha acabado de voltar do Afeganistão:

Aqui está um cavalheiro com tipo de médico, mas com o ar de militar. Claramente um médico do exército, então. Ele
acabou de chegar dos trópicos, pelo seu rosto escuro, já que essa não é a cor natural da sua pele, e pelos seus pulsos
claros. Ele passou por dificuldades e doenças, como sua feição abatida diz claramente. Seu braço esquerdo foi ferido.
Ele o segura em de uma forma dura e não natural. Onde nos trópicos poderia um médico inglês do exército ter visto
tanta dificuldade e ter seu braço machucado? Claramente no Afeganistão.26

Holmes fez uma adivinhação, nesse caso. Foi só uma hipótese plausível., Mas como os exemplos individuais de
argumentação por sinais construíram evidência conforme a sequência de razões progrediu, o acúmulo de evidências
tornou essa uma conclusão plausível. O contexto do caso também teve papel importante aqui, porque Holmes
estava ciente de que havia acontecido uma guerra no Afeganistão recentemente, na qual muitos britânicos
participaram. Consequentemente a melhor explicação para todo o fenômeno de Holmes observou – a pele
bronzeada, o braço machucado e assim por diante – seria que Watson teria sido participante da campanha do
Afeganistão. Claro, era somente uma hipótese. Mas a conclusão de Holmes moldada pelo argumento de sinais foi
uma forma inteligente de justificativa, característica das observações cuidadosas e do poder de construir inferências
baseadas nelas que o detetive da ficção costumava fazer.

EXERCÍCIO 3.6

1. Analise os argumentos a seguir identificando o esquema de argumentação envolvido. Identifique as


premissas e conclusões do argumento. Se há qualquer aspecto questionável do argumento que deva ser
considerado, identifique as perguntas críticas que deveriam ser feitas.

a. Barbara tinha o nariz entupido, tosse, febre, e congestão nasal. No quinto dia, pontos vermelhos
apareceram em seu corpo. Por isso, Barbara tem rubéola.

b. Jane tinha o nariz entupido, amídalas inchadas e uma leve febre. No terceiro dia, pontos
vermelhos apareceram em seu rosto e pescoço, e então sumiram depois de dois dias. O médico
suspeitou que Jane tivesse rubéola alemã. Ele deu a Jane um teste de sangue para confirmar seu
diagnóstico.

SETE Argumento de Compromisso

Na argumentação por compromisso, o proponente utiliza como premissa uma proposição com a qual o respondente
é comprometido e a usa para pressioná-lo a aceitar outra premissa – derivada por inferência da anterior. Um
exemplo é o seguinte caso.27

26
Arthur Conan Doyle, The Complete Sherlock Holmes, vol. 1 (Nova York: Doubleday, 1932), p. 11.
27
Douglas Walton, Argumentation Schemes for Presumptive Reasoning (Mahwah, NJ: Erlbaum, 1996), p. 55.
91

Bob: Ed, você é um comunista, não é?

Ed: Claro. Você sabe disso.

Bob: Bem, então você deveria estar do lado do sindicato nesta disputa trabalhista
recente.

Nesse caso, digamos que Ed frequentemente advogou pelo comunismo no passado e é conhecido, por exemplo, por
bradar “poder ao povo!” em manifestações políticas. Soma-se a isso que, nesse caso, quando perguntado, Ed
admitiu a Bob que ele é um comunista. Então, pode ser construída a conclusão de que Ed é um comunista ou que
ele, coloquemos assim, está comprometido com o comunismo. Dado esse compromisso geral de Ed, Bob deriva dele
a conclusão plausível de que Ed apoia o sindicato em uma disputa trabalhista específica. Claro, pode não ser esse o
caso, mas, posto que um comunista iria, normalmente, ser fortemente suportivo ao sindicato em uma disputa dessa
natureza, pode ser inferido, ainda que de forma frágil, que Ed está do lado da organização dos trabalhadores. É
evidente que, se o diálogo continuasse e Ed dissesse que, no cenário particular, não apoia a união trabalhista, a
conclusão de Bob teria que ser revogada baseada em novas considerações.

Argumentos de compromisso possuem a seguinte forma geral, em que a é um participante no diálogo, e A


e B são declarações, como usual.

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO POR COMPROMISSO

PREMISSA DE EVIDÊNCIA DE UM COMPROMISSO: Nesse caso, foi demonstrado que a é comprometido


com a proposição A, de acordo com evidência do que ele fez ou disse.

PREMISSA DE LIGAÇÃO DOS COMPROMISSOS: Geralmente, quando um debatedor está comprometido


com A, pode ser inferido que ele também está comprometido com B.

CONCLUSÃO: Nesse caso, a está comprometido com B.

Existem duas questões críticas cujas respostas são apropriadas para responder ao uso do argumento por
comprometimento

1. Qual evidência dá como verdade a afirmação de que a está comprometido com A? Isso inclui evidências
contrárias indicando que a pode não estar comprometido com A?

2. Há espaço para questionar se há uma exceção para a regra geral, no caso específico tratado, de que o
compromisso com uma ideia A pressupõe o compromisso com uma ideia B?

Ao examinar a segunda pergunta crítica, uma pessoa poderia perguntar se a proposição B, como citada na premissa
da ligação dos compromissos, é ligada à proposição A da mesmo forma como foi disposto no modelo. Em caso
negativo, pode ser de valia uma discussão sobre qual exatamente é a natureza do relacionamento entre as duas
proposições.

Se o respondente no diálogo faz qualquer uma das perguntas críticas, em um contexto no qual o
proponente acabou de usar um argumento por compromisso, então o ônus da prova é invertido para o
segundo. A não ser que o proponente responda à pergunta de forma adequada, o argumento por
compromisso está derrotado.

No diálogo exemplificado acima, fica bem claro, por meio da evidência de suas palavras e ações, que Ed está
comprometido com o comunismo, o que torna a primeira pergunta uma de fácil resposta. No entanto, Ed poderia
responder os questionamentos usando a segunda pergunta crítica, ao alegar que, naquele caso particular, ele
acredita que o sindicato esteja errado, dado que suas demandas são excessivas e irão levar a empresa processada à
falência, gerando desemprego para todos. Dessa forma, é possível dar uma réplica a um argumento por
compromisso dizendo que normalmente você estaria comprometido com uma política particular, mas que o caso
92

em questão é excepcional para você. Há a possibilidade de haver uma exceção à regra. Ao dar prosseguimento a tal
linha de pensamento, o argumento é derrotado.

A segunda pergunta crítica tem a ver com o que o respondente está comprometido na premissa em relação
ao que ele está comprometido na conclusão. Em alguns casos, o mesmo compromisso pode ser invocado tanto na
premissa quanto na conclusão. Por exemplo, considere o seguinte diálogo.

Bob: Ed, você é um comunista, não é?

Ed: Claro. Você sabe que eu sou forte em minhas convicções sobre ele.

Bob: Bem, então eu assumo que você esteja advogando pela posição comunista ao
tomar o lado do sindicato na disputa judicial recente.

Nesse diálogo exemplificador, a proposição A é idêntica ou, ao menos, muito próxima de ser idêntica a B, tanto na
conclusão quanto na premissa quanto na conclusão da inferência. Em contraste, nos exemplo de diálogo anterior a
este, há uma diferença muito mais marcante na relação entre as duas proposições. Ao examinar qualquer um dos
casos, um olhar cuidadoso em relação ao ordenamento de palavras das duas proposições pode ajudar.

Uma forma como o argumento por compromisso pode ser abusado é por meio do cometimento da falácia
do espantalho – que consiste em distorcer ou exagerar uma posição do oponente com vistas a tornar o ataque e a
refutação delas mais fáceis. Debates ambientes propiciam casos clássicos de tais tipos de argumentos, como o
exemplo a seguir irá indicar.

Stewart e Margo estão tendo uma disputa sobre questões ambientais, na qual Margo tomou uma posição
moderada na medida em que defende que o desenvolvimento deveria ser permitido somente se ele for
sustentável e se houverem esforços para não poluir o meio-ambiente. Stewart retruca, “Vejo que você é
uma daquelas protecionistas extremistas que pensam que a Terra deveria ser uma selva intocada em que
todo tipo de desenvolvimento industrial é proibido”.

Muito aqui depende do contexto anterior do diálogo e das proposições particulares que Margo se comprometeu a
aceitar como sua posição. Mas suponha que seus compromissos não sejam tão extremos quanto a visão radical
retratada por Stewart e que sua forma de ambientalismo seja moderada. Nesse caso, o ponto de vista dela foi
deturpado por ele e feito parecer mais extremo do que realmente é. Esse tipo de argumentação é apenas uma tática
para tornar mais fácil refutar seu argumento. Como mostrado por este caso, a segunda questão crítica é
extremamente importante. A proposição com a qual a proponente está comprometida pode não ser a mesma
proposição atribuída a ela pelo respondente. Se houver uma diferença entre as duas proposições, deve haver uma
razão para tirar a inferência de uma para a outra. Assim, o uso do argumento por comprometimento às vezes é
perigoso. Pode até ser usado como um movimento enganoso e errôneo para atacar um oponente em um diálogo.

Argumentos por compromisso podem ser usados de uma forma ainda mais forte para inferir que um
respondente é inconsistente em seus compromissos. Suponha que, em outro caso, Ed tenha na verdade escolhido
o lado da gerência em uma disputa trabalhista recente. Em tal caso, Bob poderia usar o argumento por compromisso
de uma forma invertida para vir com a conclusão de que a conduta de Ed implica em uma inconsistência. Considere
o diálogo a seguir.

Bob: Você é um comunista, não é?

Ed: Claro. Você sabe que digo isso com certa frequência.

Bob: Bem, você diz que é um comunista, mas tomou a posição contrária à do
sindicato naquela disputa recente, mostrando que você não é um comunista.

Nesse diálogo exemplificativo, Bob está construindo a conclusão de que os compromissos de Ed são inconsistentes,
ou ao menos ele está argumentando que eles parecem ser inconsistentes e que a aparente inconsistência suscita
93

dúvidas sobre a base na realidade deles. Bob diz, “Bem, você diz que é um comunista”, sugerindo que Ed pode na
verdade não ser comunista nenhum, pois “ações falam mais que palavras” quando se trata de observar com quais
ideias um indivíduo está comprometido. Esse tipo de ataque pode ser usado para fazer um debatedor parecer ilógico
ou até hipócrita, como é mostrado na análise de diversos tipos de argumentos de ataque pessoal na seção 9.

Para responder a esse tipo de uso negativo do argumento por comprometimento, como em sua resposta à
terceira pergunta crítica, acima, Ed tem que oferecer algum tipo de relato dando suas razões pelas quais ele fez o
que fez, mostrando como esse caso foi excepcional. Ed precisa ir mais longe nos detalhes do caso para restaurar a
consistência de seus compromissos. Esse uso negativo do argumento por comprometimento, chamado argumento
por compromisso inconsistente, tem a seguinte forma geral.

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE COMPROMISSO INCONSISTENTE

PREMISSA INICIAL DO COMPROMISSO: a diz ou indicou que está comprometido com a proposição A (de
forma genérica ou em virtude do que ele disse no passado).

PREMISSA DE COMPROMISSO OPOSTA: Outra evidência nesse caso particular mostra que a não está
realmente comprometido com A.

CONCLUSÃO: Os comprometimentos de A são inconsistentes.

Para responder ao uso de um argumento de compromissos inconsistentes, um réu pode precisar ir mais longe nos
detalhes do caso ou na natureza de seu compromisso para mostrar por que a inconsistência é apenas aparente e
não real. Alternativamente, se ele admitir que a inconsistência é real, ele deve de alguma forma explicar como o
conflito surgiu. As questões críticas que correspondem ao argumento de compromissos inconsistentes são as
seguintes.

1. Qual é a evidência que supostamente mostra que a está comprometido com A?

2. Que outras evidências no caso supostamente mostram que a não está comprometida com A?

3. Como as evidências de 1 e 2 provam que há um conflito de comprometimentos?

Geralmente, o problema com argumentos por compromissos inconsistentes é que uma ação atribuída a alguém
pode sugerir que esse alguém não está comprometido com uma política, mas se deve observar que a forma como
uma ação é interpretada em uma situação particular, como se estivesse expressando um compromisso, é muitas
vezes altamente questionável. Se eu sou um vegetariano declarado, mas como carne bovina em uma ocasião, essa
ação significa que agora estou comprometido com uma política de comer carne bovina? Talvez não, porque eu posso
ter vacilado em uma ocasião ou ficado com muita fome quando não havia comida vegetariana disponível. O que
uma ação implica, como um compromisso, pode não ser tão fácil de julgar e pode exigir a análise de um conjunto
de provas em um determinado caso.

EXERCÍCIO 3.7

Analise os argumentos nos diálogos seguintes identificando o esquema de argumentação apresentado por um dos
lados. Identifique as premissas e a conclusão do argumento. Caso haja algum aspecto questionável do argumento
que deva ser considerado, identifique perguntas críticas que deveriam ser feitas.

Diálogo (a)
RON: Rose, você é católica, não é?
ROSE: Sim, você sabe disso.
RON: Bem, então você deve estar votando contra os Democratas na próxima eleição, porque eles apoiam aborto sob demanda.

Diálogo (b)
94

TINA: Você acredita na teoria da evolução, não é, Tom?


TOM: Bom sim, eu suponho que eu de fato aceite essa teoria.
TINA: Então você é um desses materialistas ímpios [godless] que rejeitam direitos iguais por motivos de que toda vida deveria
ser uma luta [struggle] na qual apenas os mais adaptados deveriam sobreviver.

Diálogo (c)
BRUTUS: Você disse que apoiava a livre iniciativa [free enterprise], certo, Barbara?
BARBARA: É isso o que eu apoio, sim.
BRUTUS: Mas na semana passada você disse que aprovava a nova política de reforçar [tighten] o controle sobre a emissão de
poluição industrial em Bay Area. Então você não está realmente comprometido com a iniciativa privada de jeito nenhum, nesse
caso [in that instance].

Diálogo (d)
SENADOR S: Uns dez anos atrás, você condenou nossa política por motivos de ter contribuído para a inflação.
SENADOR T: Bem sim, eu fiz isso.
SENADOR S: Mas enquanto o seu partido esteve no poder, houve mais inflação do que nunca.

OITO Argumentos Ad Hominem

Em qualquer um dos tipos de estruturas de conversa [conversational structures] nas quais as pessoas debatem
[reason] umas com as outras, apesar da oposição e sectarismo [partisanship] característicos de muitos tipos de
diálogo, deve-se também haver uma presunção de que, de modo a atingir objetivos colaborativos, os participantes
devem observar as regras de conversa polida. Aqueles que debatem [arguers] devem poder confiar um no outro,
até um certo ponto; ser informativos e relevantes; falar cada um de uma vez; e expressar seus compromissos clara
e honestamente. Sem esse tipo de colaboração em contribuição a um diálogo, a discussão, de um tipo que usa o
raciocínio para completar seus objetivos de interação dialética, não seria possível. Por essas razões, atacar a
honestidade e sinceridade da outra parte em uma discussão é um movimento poderoso. Um tal argumento leva
alguém à conclusão de que tal pessoa não tem a credibilidade como um argumentador que jogará de acordo com
as regras. Esse argumento é tão poderoso porque sugere que nunca se pode confiar em uma tal pessoa, e que,
portanto, qualquer argumento que ela utilizar pode ser simplesmente desconsiderado por ser sem valor. Assim, a
pessoa atacada não pode mais tomar parte no diálogo significativamente, independentemente de quantos bons
argumentos ela parece ter. Porque são tão poderosos e perigosos, os argumentos ad hominem foram, com
frequência, tratados no passado como falaciosos. Seu uso em táticas de campanha negativa na argumentação
política é notório. Mas eles podem, às vezes, ser argumentos razoáveis. Por exemplo, na argumentação legal em um
julgamento, pode ser legítimo a um advogado questionar, durante a examinação cruzada, o caráter ético de uma
testemunha. O advogado pode até mesmo argumentar que a testemunha mentiu no passado e usar esse argumento
para erguer dúvidas sobre o caráter dela para honestidade. Mas antes de podermos avaliar tais argumentos ad
hominem, é necessário saber qual forma eles tomam.

A forma mais simples do argumento ad hominem, ou ataque pessoal, é o tipo direto ou pessoal
frequentemente nomeado ad hominem abusivo nos manuais de lógica.

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO AD HOMINEM DIRETO

PREMISSA DE ATAQUE AO CARÁTER: a é uma pessoa de mau caráter.

CONCLUSÃO: o argumento de a não deve ser aceito.

Nesse tipo de argumento, a é o proponente de um argumento. A premissa alegada é que a é uma pessoa de mau
caráter. O que é normalmente citado é algum aspecto do caráter de a como pessoa, e, com frequência, o principal
alvo é o caráter para a veracidade. Por exemplo, a alegação pode ser: "Ele é um mentiroso!” O ataque é dirigido à
destruição da credibilidade do indivíduo, de modo que seu argumento tem sua plausibilidade descontada em
decorrência da redução à credibilidade do argumentador. Assim, esse tipo de ataque é particularmente efetivo
quando a plausibilidade do argumento de alguém depende de sua honestidade ou bom caráter presumidos.
95

As questões críticas apropriadas para o argumento ad hominem direto são as seguintes.

1. Quão bem apoiado por evidência é a alegação feita na premissa de ataque pessoal?

2. A questão do caráter é relevante no tipo de diálogo em que o argumento foi utilizado?

3. A conclusão do argumento é que A deve ser (absolutamente) rejeitado, mesmo se outras evidências que
apoiam A forem apresentadas, ou a conclusão é simplesmente (a alegação relativa) de que a deve ter
atribuído a si um menor peso de credibilidade como apoiador de A, em relação ao corpo total de
evidências disponível?

Como essas perguntas críticas funcionam pode ser ilustrado pelo caso seguinte.

Paul Johnson, em seu livro Intellectuals28 escreveu relatos biográficos de diversos intelectuais
famosos, apresentando as pessoas em questão como desordeiras e antiéticas em suas vidas privadas.
Sobre Karl Marx, Johnson escreveu que Marx era preguiçoso na coleta de fatos, e frequentemente
desonesto ao divulgá-los (p. 68-71), e portanto não podia-se confiar que ele utilizaria evidências
factuais de uma forma objetiva (p. 69).

Para avaliar esse uso do ataque ad hominem direto, as três perguntas críticas devem ser feitas. Primeiro, era
verdadeiro que Marx era preguiçoso na coleta de fatos e frequentemente desonesto ao divulgá-los? Para responder
essa pergunta, temos de ver os casos relevantes citados por Johnson e perguntar se os incidentes que ele cita
mostram que Marx era preguiçoso ou desonesto. Para responder a segunda pergunta crítica, temos de perguntar
qual o propósito do livro de Johnson. O propósito do livro é atacar a credibilidade de diversos intelectuais, e
intelectuais em geral, ao mostrar que eles tinham um mau caráter, como demonstrado por sua inabilidade em gerir
suas próprias vidas de uma forma ética. O ataque de Johnson a Marx é relevante, assim, no sentido de que contribui
a esse propósito. (Um capítulo futuro examina em maior detalhe a questão do que é a relevância em geral.)

A terceira pergunta crítica pode ser apresentada da seguinte forma. A conclusão do argumento de Johnson
é que a teoria econômica de Marx deve ser absolutamente rejeitada, ou a conclusão de Johnson é simplesmente de
que Marx deve ter atribuído a si um menor peso de credibilidade como apoiador de sua teoria, em relação ao corpo
total de evidências disponível? Parece que a segunda opção é uma melhor interpretação do argumento de Johnson.
Ele afirma não que a teoria de Marx é falsa ou foi absolutamente refutada enquanto teoria econômica por seu
argumento ad hominem. Ele afirma apenas que Marx não é um apoiador de sua teoria digno de confiança. Mas
mesmo essa forma mais fraca de argumento representa um ataque sério à defesa de Marx de sua teoria.

O aspecto mais fraco do argumento ad hominem contra Marx é percebido na segunda pergunta. Mas, em
geral, seu argumento utilizado para questionar a credibilidade de Marx tem peso como um argumento plausível,
desde que possa-se apoiar a alegação de Johnson de que Marx era preguiçoso e desonesto em situações específicas.
Se alguém tem um mau caráter em alguns respeitos, é perfeitamente legítimo a uma biógrafa argumentar que ele
tinha um mau caráter, ao citar fatos que apoiam sua tese.

Em muitos manuais, o argumento ad hominem direto é chamado de “abusivo”, sugerindo que é sempre um
argumento falacioso e está sempre errado. Entretanto, como mostra o exemplo acima, às vezes argumentos ad
hominem podem ser razoáveis, se forem baseados em fatos que os apoiam e se o caráter é relevante como uma
questão no diálogo. Ainda assim, é verdadeiro que o argumento ad hominem direto é pouco mais que “jogar sujeita”
ou usar um ataque pessoal para tentar desacreditar alguém, com frequência simplesmente por meio de insinuação
e sugestão, sem apresentar fatos para apoiar as alegações. Assim, é necessário cuidado ao lidar com argumentos ad
hominem.

O argumento ad hominem circunstancial é uma variação do argumento direto baseada no argumento a


partir de compromisso inconsistente. A alegação de compromisso inconsistente é utilizada para sugerir que o
argumentador não é sincero em seguir a conclusão de seu próprio argumento. como no caso clássico a seguir do
argumento ad hominem circunstancial, a alegação pode ser expressa ao dizer: “Você não pratica o que prega.”

28
Londres: Weidenfeld e Nicholson, 1988.
96

Mãe: Há evidências fortes de uma ligação entre o fumo e doença obstrutiva pulmonar crônica. Fumar é também
associado com muitas outras desordens sérias. Fumar não é saudável. Então você não deve fumar.

Filho: Mas você própria fuma. Lá vai seu argumento contra o fumo!

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO AD HOMINEM CIRCUNSTANCIAL

PREMISSA DO ARGUMENTO: a defende o argumento α, que tem a proposição A como conclusão.

PREMISSA DE COMPROMISSO INCONSISTENTE: a está pessoalmente compromissado(a) ao oposto


(negação) de A, como demonstrado pelos compromissos expressos em suas ações ou circunstâncias
pessoais que expressam tais compromissos.

PREMISSA DE QUESTIONAMENTO DE CREDIBILIDADE: A credibilidade de a como pessoa sincera que


acredita em seu próprio argumento foi questionada (pelas duas premissas acima).

CONCLUSÃO: A plausibilidade do argumento α proposto por a diminui ou é destruída.

O argumento ad hominem circunstancial é uma sequência argumentativa [chain of argumentation] baseada em


combinar argumentos a partir de compromisso inconsistente com o argumento ad hominem direto. As duas
primeiras premissas representam um argumento a partir de compromisso inconsistente. Juntas elas levam à terceira
premissa, a premissa questionadora de credibilidade, que é a conclusão do argumento a partir de compromisso
inconsistente. Mas essa conclusão questiona o caráter do argumentador como uma pessoa sincera. Assim, ele
funciona como uma premissa que leva à conclusão final do argumento ad hominem circunstancial acima. Se o
argumentador a é uma pessoa de mau caráter, e seu argumento depende de seu bom caráter (porque depende de
sua credibilidade), então a plausibilidade de seu argumento é enfraquecida ou destruída pelo compromisso
inconsistente encontrado nele.

A efetividade do argumento do filho [the child’s] no caso do fumo é baseado na percepção dos
compromissos inconsistentes da mãe [the parent’s], como expressado pela combinação da premissa do argumento
e da premissa do compromisso inconsistente. A mãe defende que não se fume, mas, ao mesmo tempo, fuma. Essa
combinação de premissas leva à premissa de questionamento de credibilidade. Se a mãe é inconsistente desse jeito,
segue plausivelmente que a crença da mãe em seu próprio argumento está aberta à dúvida. Ou seja, a mãe não tem
suficiente credibilidade aos olhos do filho. Assim, argumenta o filho, o argumento da mãe pode ser rejeitado.

Há muitas perguntas críticas apropriadas ao tipo circunstancial do argumento ad hominem mas, nesse caso,
as quatro seguintes são as mais importantes de se considerar. Credibilidade de um participante no diálogo é uma
noção importante na terceira premissa. A credibilidade de uma argumentadora é incrementada quando indica-se
que ela tem um bom caráter de uma forma que a torna uma participante cooperativa e confiável que ajuda um
diálogo. Inversamente, a credibilidade de uma argumentadora pode ser atacada ou destruída mostrando-se que ela
tem um mau caráter – por exemplo, se ela mentiu ou se ela não é sincera em acreditar no que diz. Assim, a
credibilidade pode incrementar a plausibilidade de um argumento ou subtrair dela.

1. Há um par de compromissos que pode ser identificado, mostrado por evidências como compromissos de
a, e tomados para mostrar que a é inconsistente na prática?

2. Assim que a inconsistência prática que é alvo do ataque é identificada, ela pode ser resolvida ou explicada
por posterior diálogo, assim preservando a consistência dos compromissos do argumentador no diálogo
ou mostrando que o compromisso inconsistente de a não apoia a alegação de que a não possui
credibilidade?

3. Caráter é uma questão no diálogo, e mais especificamente, o argumento de a depende de sua


credibilidade?

4. A conclusão é a afirmação mais fraca de que a credibilidade de a está aberta a questionamentos ou a


afirmação mais forte de que a conclusão de α é falsa?
97

Agora, vejamos como o esquema se aplica ao exemplo do fumo. Com respeito à primeira pergunta crítica,
a inconsistência prática é facilmente identificada: a mãe afirma que não se deve fumar (como prática geral), mas ela
própria fuma. A segunda pergunta crítica é sobre quão séria é a inconsistência. Nesse caso, a mãe pode responder:
“Sim, eu fumo, mas eu estou dando o meu melhor para parar. Depois que você começa, é difícil parar.” Se o diálogo
fosse estendido dessa forma, a mãe poderia tirar um pouco do efeito da alegação de inconsistência. A terceira
pergunta é se, como resultado das considerações acima, a mãe não tem credibilidade. A resposta é, até um certo
ponto, sim. Mas alguma credibilidade pode ser restaurada pelo tipo de explicação citado acima.

Nesse caso, a pergunta crítica mais importante é a quarta. O problema com a reação do filho é que ele
parece rejeitar a afirmação da mãe (de que fumar não é saudável) imediatamente, declarando: “Lá vai seu argumento
contra o fumo!” Essa resposta é exagerada [an overreaction], porque bem possivelmente a mãe apresentou boas
evidências para apoiar essa conclusão. Ao jogar o argumento todo da janela, o filho pode estar cometendo um grande
erro. Mas se o ad hominem do filho é apenas a alegação mais fraca de que a credibilidade da mãe está aberta a
questionamentos, com base em ser ela uma fumante, então sua posição pode ser razoável.

EXERCÍCIO 3.8

Analise os argumentos a seguir identificando o esquema argumentativo envolvido. Identifique as premissas e a


conclusão do argumento. Se existir algum aspecto questionável do argumento que deveria ser considerado,
identifique questões críticas que deveriam ser perguntadas.

A. Bob Smith foi acusado de assédio sexual uma vez. Então seria um erro levar as opiniões [views] desse
pervertido repreensível a sério.

B. Criança para o pai/mãe: seu argumento é que eu deveria parar de roubar doce da loja da esquina não é
bom. Você mesmo me contou apenas uma semana atrás que você também roubou doce quando era
criança.

C. Senador X: Impostos elevados e muitas regulações nos negócios são as piores coisas para a economia, e
estas coisas não estão sob controle razoável de jeito nenhum.

Senador Y: Quando o seu partido estava no poder, você aumentou os impostos a níveis recordes, e
introduziu muitas novas regulações nos negócios. Então ou você é ilógico ou, mais provavelmente, um
hipócrita que não acredita em uma palavra que diz.

D. Em um sinal em um adesivo de pára-choque [bumper sticker], lê-se: "O que é mais ridículo do que um
anti-caçador que come carne?

E. O Sr. S. denunciou investidores que se aproveitam [take advantage] de brechas [loopholes] sobre
impostos na lei, alegando que estas más práticas arruinam a economia para a pessoa média. Sr. T.
respondeu que o próprio S. tinha recentemente se aproveitado de um esquema de redução de impostos
"quick-flip" que era tecnicamente legal mas era de fato um dispositivo inteligente para evitar impostos. O
Sr. S. respondeu que você não deveria condenar ninguém por tirar vantagem da lei e que o que ele fez era
legal. Então ele, como qualquer cidadão, deveria poder tirar vantagem de deduções legítimas.

F. Uma política no escritório cobrou que a política governamental é indevidamente [unduly] influenciada
por corporações que dão dinheiro ao partido. Críticos apontaram que companhias privadas haviam doado
milhões de dólares em contratos e concessões [grants] para a sua própria campanha de liderança.
Citando uma lista dessas doações que ela havia recebido recentemente, eles argumentaram que a sua
condenação de doações de negócios contradiziam sua própria solicitação e aceitação de tal financiamento
[funding]. O seu porta-voz respondeu que ela estava apenas falando filosoficamente sobre um mundo
ideal quando ela chamou a atenção para um sistema partidário político financiado apenas por dinheiro
público.
98

NOVE Argumento de Classificação Verbal

Argumento de classificação verbal conclui que uma coisa específica tem uma certa propriedade por motivos de [on
the grounds] que essa coisa pode ser classificada em uma categoria geral de coisas que possuem essa propriedade.
Um exemplo simples é o argumento a seguir.

Todos os golfinhos são classificados como mamíferos.

Nadadeira [flipper] é um golfinho.

Logo, Nadadeira é um mamífero.

Nesse caso, a classificação de golfinhos como mamíferos é determinada pela ciência da Biologia. Na medida em que
[to the extent that] a classificação de todos os golfinhos como mamíferos não é sujeita a exceções ou casos limítrofes
[borderline cases], a inferência neste exemplo pode ser classificada como dedutivamente válida.

Mas argumentos de classificação verbal muitas vezes recaem sobre [often rest on] classificações baseadas
no uso de palavras de conversas cotidianas (não-científicas). Considere o exemplo a seguir.

Qualquer um com ativos líquidos (net assets) de mais de dois bilhões de dólares é rico (wealthy).

Sarah tem ativos líquidos de mais de dois bilhões de dólares.

Logo, Sarah é rica.

O termo ‘rico’ é vago no uso ordinário. Mas é incontroverso classificar qualquer um com ativos líquidos de mais de
dois bilhões de dólares como rico. Uma tal quantia de ativos líquidos está além da área cinzenta [is beyond the gray
area] onde haveriam disputas sobre se alguém seria corretamente classificado como rico ou não. Então, por mais
vaga que a palavra ‘rico’ seja, o argumento de classificação verbal no exemplo acima também pode ser avaliado
como sendo dedutivamente válido.

Entretanto, alguns casos de classificações são mais sujeitos à dúvida. Suponha que a primeira premissa no
exemplo logo acima fosse a declaração, “Qualquer um com ativos líquidos de mais de um milhão de dólares é rico.”
O quão essa declaração é aceitável depende do contexto de seu uso. Em alguns países, seria verdade dizer que
alguém com ativos líquidos de um milhão de dólares é ‘rico’. Mas na Arábia Saudita, por exemplo, essa classificação
não seria considerada plausível. Não só deixaria espaço para dúvida, como seria rejeitada como uma explicação
[account] correta do jeito que a palavra ‘rico’ é usada.

Classificações podem ser estabelecidas [be set in place] por convenções de terminologia científica ou pelo
uso comum de termos em falas do cotidiano. Mas em alguns, casos, também podem ser estabelecidas por definições
legais de termos como ‘assassinato’ ou ‘ganhos de capital’. Em qualquer evento, apesar de alguns termos nos quais
classificações são construídas estarem claramente definidos de uma maneira que é bem estabelecida, outros termos
estão altamente sujeitos a disputa. Especialmente nesses últimos casos, é importante levantar questões críticas
sobre argumentos baseados em uma classificação verbal.

O argumento de classificação verbal apresenta a seguinte forma verbal, onde a é uma identidade individual,
x é uma variável que abrange [ranges over] tais entidades, e F é uma propriedade.

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CLASSIFICAÇÃO VERBAL

PREMISSA INDIVIDUAL: a tem a propriedade F. CONCLUSÃO: a tem propriedade G.

PREMISSA DE CLASSIFICAÇÃO: Para todo x, se x tem a propriedade F, então x pode ser classificado como
tendo a propriedade G.
99

CONCLUSÃO: a tem propriedade G.

As questões críticas apropriadas para o argumento de classificação verbal são as seguintes.

1. Que evidência existe para a definitivamente ter a propriedade F, em oposição a evidência indicando
espaço para dúvida sobre se deveria ser classificada assim?

2. Seria a classificação verbal na premissa de classificação meramente baseada em uma definição estipulada
ou enviesada que é sujeita a dúvida?

Uma definição estipulativa é inventada, ao invés de representar um significado estabelecido ou largamente aceito.
Por exemplo, o termo ‘quark’ foi introduzido na física para nomear um tipo especial de partícula subatômica. Ou em
economia, uma recessão pode ser definida estipuladamente como dois quartos de crescimento negativo em PIB
[GNP]. Esta definição estipulativa pode não concordar completamente com s maneira na qual o termo é usado em
falas cotidianas, mas poderia discutivelmente ser apresentado (be put forward) para representar um uso técnico do
termo em economia como uma disciplina. Essas definições estipulativas parecem razoáveis, contextualizadas, mas
em alguns casos tais definições são mais questionáveis porque elas têm um aspecto de valor, um tipo de viés ou
tendência [spin] que faz o ponto de vista de alguém parecer bom ou um ponto de vista oposto parecer mau. Tal uso
de termos emocionalmente carregados frequentemente precisa ser criticamente questionado.

Um exemplo mostrando a importância de questionar criticamente argumentos de uma classificação verbal


poderia ocorrer no caso do diálogo sobre gorjetas onde Helen pode usar o seguinte argumento para sou apoiar seu
ponto de vista.

Dar gorjeta é elitista.

Então, a prática de oferecer gorjetas deveria ser descontinuada.

Esse argumento de classificação verbal é bastante perigoso para o lado de Bob da disputa. Se Bob aceitar a premissa
de que o ato de dar gorjetas pode ser classificado como uma prática elitista, então por argumento de classificação
verbal, a tese da Helen de que a prática de dar gorjetas deveria ser descontinuada diretamente é seguida por uma
inferência estruturalmente correta. A não ser que Bob criticamente questione este uso de argumento de
classificação verbal, ele perde a disputa. Bob tem dois caminhos para escolher. Ele pode desafiar diretamente a
premissa de Helen de que o ato de dar gorjetas é elitista, perguntando a primeira questão crítica. Ou então ele pode
configurar a segunda questão crítica ao argumentar que mesmo que dar gorjeta seja elitista em algum grau ou de
certa forma [in certain respects], esse tipo de nível de elitismo não é necessariamente algo ruim. Em outras palavras,
ele pode questionar se uma prática deveria ser descontinuada apenas porque pode ser classificada como elitista.

Argumentos de classificação verbal frequentemente conduzem a disputas verbais em cima do significado


real de um termo. Mas eles podem ser bem difíceis de serem combatidos se o termo em questão está associado a
algum tipo de conotação negativa forte no uso cotidiano. Uma vez que um estigma desse tipo é afixado a uma tese,
há um efeito de coloração [staining effect] que é difícil de remover. No diálogo acima, por exemplo, Bob pode tentar
virar o jogo ao chamar a tese de Helena de comunista ou usar algum outro termo para descrevê-la que é geralmente
percebido como sendo pejorativo. Em alguns casos, então, não é difícil ver como argumentos de classificação verbal
podem levar a xingamentos e ataques ad hominem.

Outra coisa importante sobre argumentos de classificação verbal é que este tipo de argumento é
frequentemente usado de maneira agressiva para fazer pressão para aguentar um oponente pelo uso de um
argumento de classificação verbal que é enviesado para um lado do diálogo. Suponha que duas pessoas estejam
tendo um diálogo teológico sobre a questão de Deus ser uma trindade ou uma unidade, e o proponente da trindade
argumenta contra o defensor da unidade usando o argumento a seguir.

Sua tese é heresia.

Portanto, sua tese está errada.


100

Esse uso de argumento de classificação verbal aparenta ter o defensor da unidade na corda bamba [on the ropes],
assumindo (porquanto parece plausível talvez para os disputantes) que qualquer coisa que pode ser classificada
como heresia soa muito mal e deve ter coisa errada com ela. Essa implicação poderia originar (could stem) das
conotações negativas associadas ao termo ‘heresia’ – soa como algo ruim. Mas deveria ser questionado,
perguntando a primeira questão crítica acima, se a tese em questão realmente poderia ser classificada como heresia.
E mesmo que possa, deveria ser questionado, perguntando a segunda questão crítica acima, se toda heresia é
realmente tão ruim. Afinal, ‘heresia’ parece ser estipuladamente definida como qualquer visão que seja contra os
dogmas da igreja. O que precisa ser reconhecido, então, é que ‘heresia’ é um tipo de termo enviesado, conforme
usado no diálogo teológico acima. Qualquer visão que se afaste da visão do argumentador da trindade no diálogo
acima pode ser classificada como heresia. Heresia é usada não apenas como um termo depreciativo, ou pelo menos
é para ser, pelo proponente do argumento no diálogo acima. Qualquer visão oposta à sua própria (a visão oficial da
igreja) é deste modo automaticamente classificada como heresia, não permitindo oposição a esta visão no diálogo.
O que um respondente precisa fazer é desafiar a classificação dessa tese sob este termo depreciativo questionando
o uso enviesado deste termo estipulativo.

Disputas sobre argumentos de classificação verbal são às vezes retratados como triviais. Mas é importante
reconhecer que tais argumentos podem ser extremamente poderosos e significantes, porque suas consequências
podem ser enormemente importantes. Tais argumentos também podem ser disputados em larga escala e, em
algumas instâncias, com alto custo nos tribunais. Considere o seguinte exemplo deste tipo.

Uma corporação privada quer construir um novo complexo habitacional (housing development) na área X.
Entretanto, há uma lei que estabelece que em qualquer área classificada como pântano (wetland), nenhum
desenvolvimento comercial de qualquer tipo pode tomar lugar. Qualquer área que possui aves selvagens (wildfowl)
nela e que possui mais de dois mil metros quadrados de superfície aquática durante o mês de julho é classificada
como pântano. Um grupo ambientalista alega que a área X atende esses critérios e portanto é um pântano.

Neste exemplo, o grupo ambientalista usa o argumento de classificação verbal para sustentar sua posição (make
their case) de que a área X é um pântano. Se eles ganharem este caso na corte, a corporação não conseguirá seguir
em frente com seus planos para desenvolver a área X.

EXERCÍCIO 3.9

Analise os seguintes argumentos identificando o esquema argumentativo envolvido. Identifique as premissas e


conclusão do argumento. Se houver algum aspecto questionável do argumento que deva ser considerado,
identifique questões críticas que deveriam ser perguntadas.

A. Todos os cangurus são marsupiais. Pulador [Jumper] é um canguru. Logo, Pulador é um marsupial.

B. Qualquer um que acredita em contratar pessoas estritamente por mérito está adotando um ponto de
vista elitista. Bem acredita em contratar pessoas estritamente por mérito. Logo, Bem é um elitista.

C. Estava em causa [at issue] no tribunal se um homem que tinha dirigido uma bicicleta sob efeito de drogas
havia violado a lei contra dirigir bêbado. A questão chave era se a bicicleta poderia ser considerada um
veículo. O tribunal decidiu negativamente [in the negative].

D. Seu argumento apoia o livre comércio. Portanto, é uma visão globalista que apoia as grandes corporações
que são contra direitos humanos.

DEZ Resumo

Abaixo estão listados todos os esquemas de argumentação tratados neste capítulo com a sequência [set] de
questões críticas correspondentes a cada formato argumentativo.
101

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO EM POSIÇÃO DE SABER

PREMISSA EM POSIÇÃO DE SABER: a está em condições de saber se A é verdadeiro ou falso.


PREMISSA DE AFIRMAÇÃO: a afirma que A é verdadeiro (falso).
CONCLUSÃO: A é verdadeiro (falso).

1. a está em condições de saber se A é verdadeiro (falso)?


2. a é uma fonte honesta (confiável, fidedigna)?
3. a afirma que A é verdadeiro (falso)?

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA APELO À OPINIÃO DE ESPECIALISTA

PREMISSA MAIOR: Fonte E é especialista numa área de conhecimento S que contêm a proposição A.
PREMISSA MENOR: E afirma que a proposição A (na área de conhecimento D) é verdadeira (falsa).
CONCLUSÃO: A pode ser admitida como verdadeira (falsa).

1. Questão sobre Especialidade: O quão confiável como fonte de especialista é E?


2. Questão sobre Campo: E é um especialista na área de conhecimento A?
3. Questão sobre Opinião: O que E afirma que implica em A?
4. Questão sobre Confiabilidade: E é pessoalmente confiável como fonte?
5. Questão sobre Consistência: A é consistente com o que os especialistas afirmam?
6. Questão sobre Evidência de Suporte: A afirmação de E é baseada em evidência?

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA APELO À OPINIÃO POPULAR

PREMISSA DE ACEITAÇÃO GERAL: A é geralmente aceita como verdadeira.


PREMISSA PRESUMIDA: Se A é geralmente aceita como verdadeira, existe uma presunção sobre A.
CONCLUSÃO: Existe uma presunção sobre A.

1. Que evidências, sejam elas pesquisas ou apelos ao senso comum, sustentam a alegação de que A é
geralmente aceito como verdadeira?
2. Mesmo se A for geralmente aceito como verdadeira existem razões para duvidar de sua verdade?

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE ANALOGIA

PREMISSA DE SIMILARIDADE: Geralmente o caso C1 é similar ao caso C2.


PREMISSA BÁSICA: A é verdadeira (falsa) no caso C1.
CONCLUSÃO: A é verdadeira (falsa) no caso C2.

1. Existem diferenças entre C1 e C2 que tenderiam a destruir [undermine] a força da similaridade citada?
2. A é verdadeira (falsa) em C1?
3. Existe um outro caso, C3, que também é similar ao C1 mas em que A é falsa (verdadeira)?

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CORRELAÇÃO À CAUSA

PREMISSA DE CORRELAÇÃO: Existe uma correlação positiva entre A e B.


CONCLUSÃO: A causa B.

1. Existe realmente uma correlação entre A e B?


2. Existe alguma razão para pensar que a correlação é mais do que uma mera coincidência?
3. Poderia existir um terceiro fator, C, que está causando tanto A quanto B?
102

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CONSEQUÊNCIAS POSITIVAS

PREMISSA: Se A ocorrer, possivelmente haverão boas consequências.


CONCLUSÃO: A deve ocorrer.

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS

PREMISSA: Se A ocorrer, possivelmente haverão más consequências.


CONCLUSÃO: A não deve ocorrer.

As três questões críticas seguintes combinam os esquemas argumentativos com consequências positivas e negativas.

1. O quão forte é a probabilidade ou possibilidade dessas consequências citadas(poder/dever)


acontecerem?
2. Que evidência sustenta a alegação de que consequências(poder/dever) vão acontecer se A for causa?
3. Existem consequências de valor contrário que devem ser levadas em conta?

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO “BOLA DE NEVE”

PRIMEIRO PASSO DA PREMISSA: A0 pode ser considerada uma proposta que parece, inicialmente, algo que
deveria ser causa.
PREMISSA RECURSIVA: Trazer A0 como causa poderia levar (nas dadas circunstâncias até onde sabemos) a A1, o
que tornaria admissível A2, …, An.
PREMISSA DE EFEITO NEGATIVO: An tem uma péssimo efeito [outcome].
CONCLUSÃO: A0 não deve ser apresentada como causa.

1. Que proposições entre a sequência que liga A0 a An são realmente dadas?


2. Que outros passos são necessários para preencher uma sequência de eventos de forma a torná-los
plausíveis?
3. Quais são as conexões mais frágeis na sequência, onde questões críticas específicas deveriam ser feitas
sobre se um evento vai realmente levar a outro?

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE SINAL

PREMISSA ESPECÍFICA: A (um achado) é verdade nessa situação.


PREMISSA GERAL: B é geralmente indicado como verdade quando seu sinal, A, é verdadeiro.
CONCLUSÃO: B é verdade nessa situação.

1. Que força de correlação tem o sinal com o evento apresentado?


2. Existem outros eventos que poderiam ser mais confiáveis para o sinal?

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE COMPROMISSO

PREMISSA DE EVIDÊNCIA POR COMPROMISSO: Nesse caso foi mostrado que a está comprometida com a
proposição A, de acordo com a evidência dita ou feita.
PREMISSA COM LIGAÇÕES DE COMPROMISSO: Geralmente, quando quem discute está comprometido com A,
pode-se inferir que o mesmo está também comprometido com B.
CONCLUSÃO: Nesse caso, a está comprometida com B.

1. Que evidência nesse caso sustenta a alegação de que a está comprometida com A, e isso inclui provas
contrárias, indicando que a pode não estar comprometida com A?
103

2. Existe espaço para questionar se há uma exceção nesse caso para a regra geral de comprometimento em
que A implica compromisso para com B?

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTOS DE COMPROMISSO INCONSISTENTE

PREMISSA DE COMPROMETIMENTO INICIAL: a alegou ou indicou que ele está comprometido com a proposição A
(geralmente ou em virtude do que ele disse no passado).
PREMISSA DE COMPROMETIMENTO OPOSTA: Outra evidência nesse caso particular mostra que a não é
realmente comprometido com A.
CONCLUSÃO: O compromisso de a é inconsistente.

1. Que evidência supostamente mostra que a está comprometido com A?


2. Que outra evidência nesse caso alega que a não está comprometido com A?
3. Como as evidências 1 e 2 provam que existe um conflito de comprometimentos?

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO AD HOMINEM DIRETO

PREMISSA DE ATAQUE AO CARÁTER: a é uma pessoa de mau caráter.


CONCLUSÃO: o argumento de a não deve ser aceito.

1. Quão bem sustentada por evidências é a alegação feita na premissa de ataque ao caráter?
2. A questão do caráter é relevante no tipo de diálogo em que o argumento foi usado?
3. A conclusão do argumento A deve ser (absolutamente) rejeitada, mesmo se outra evidência que sustenta
A for apresentada ou a conclusão é meramente (alegação relativa) que a deve ser atribuída a um peso
menor de credibilidade por sustentar A, relativo ao corpo total da evidência disponível?

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO AD HOMINEM CIRCUNSTANCIAL

PREMISSA DO ARGUMENTO: a defende o argumento α, que tem a proposição A como conclusão.


PREMISSA DE COMPROMISSO INCONSISTENTE: a está pessoalmente comprometido (a) ao oposto (negação) de A,
como demonstrado pelos compromissos expressos em suas ações ou circunstâncias pessoais que expressam tais
compromissos.
PREMISSA DE QUESTIONAMENTO DA CREDIBILIDADE: A credibilidade de a como pessoa sincera que acredita em
seu próprio argumento foi questionada (pelas duas premissas acima).
CONCLUSÃO: A razoabilidade do argumento α proposto por a diminui ou é destruída.

1. Existe um par de compromissos que pode ser identificado, apresentado por evidência, para ser
comprometido por a e tomado para mostrar que a é praticamente inconsistente?
2. Uma vez que a inconsistência prática é identificada como foco do ataque, poderia ser resolvida ou
explicada por diálogos seguintes mesmo preservando a consistência dos compromissos do debatedor no
diálogo ou mostrando que a inconsistência do compromisso de a não sustenta a alegação de que este não
tem credibilidade?
3. O caráter é uma questão no diálogo e, mais especificamente, o argumento de a depende de sua
credibilidade?
4. A conclusão é a alegação mais fraca de que a credibilidade de a está posta em dúvida ou a mais forte
alegação de que a conclusão de α é falsa?

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CLASSIFICAÇÃO VERBAL

PREMISSA INDIVIDUAL: a tem a propriedade F.


PREMISSA DE CLASSIFICAÇÃO: Para todo x, se x tem a propriedade F, então x pode ser classificado como tendo a
propriedade G.
CONCLUSÃO: a tem propriedade G.
104

1. Que evidência existe para a definitivamente ter a propriedade F, em oposição a evidência indicando
espaço para dúvida sobre se deveria ser classificada assim?
2. Seria a classificação verbal na premissa de classificação meramente baseada em uma definição estipulada
ou enviesada que é sujeita a dúvida?
QUATRO Diagramação de Argumentos

Esse capítulo preocupa-se com a tarefa de pegar um argumento tal como ele está dado em um caso específico do
texto de um discurso e identificar a argumentação como um conjunto de premissas apresentada como o motivo
para aceitar uma conclusão. Identificar a estrutura de uma cadeia de argumentos como essa através da diagramação
de argumentos pode ser muito útil antes de criticar o argumento através do achamento de lacunas ou problemas
nele e na avalição do argumento como forte ou fraco. Nesse capítulo, nós não lidamos com o problema de como
avaliar a argumentação encontrada no texto de um discurso. Nós só confrontamos os problemas anteriores de como
identificar e analisar o argumento. É claro que que alguns argumentos são mais fáceis de identificar e analisar que
outros. Em um texto filosófico abstrato, em um texto de discurso complexo que contenha argumentação científica
técnica, ou em um caso legal em que haja uma quantia massiva de evidência de algo muito contestado, pode ser
extremamente difícil analisar a argumentação de forma simples e clara usando apenas um diagrama que não esteja
cheio de complexidades. O problema com de lidar com casos reais de argumento em um texto de discurso com
linguagem natural é que pode haver lacunas, ambiguidades e incertezas sobre o que realmente se queria dizer. Aqui
nós consideramos somente alguns casos relativamente simples que são fáceis de colocar em diagramas. Somente
ao final do capítulo nós tratamos de alguns problemas postos em casos mais complexos. O método começa com o
texto de discurso real de um caso, e, usando a evidência textual dada, constrói um diagrama com a sequência
argumentativa apresentada no caso. Mais para o fim do capítulo, partes desse método são desenvolvidas para
diferenciar cuidadosamente proposições de fato colocadas por um argumentador em um caso e proposições não
colocadas que precisam ser atribuídas ao argumento para tornar possível analisá-lo com cuidado e avaliá-lo com
justiça.

UM Argumentos Singulares e Convergentes

Um erro importante mencionado no começo desse capítulo é aquele de tratar como argumento o que não é, de
fato, um argumento, mas somente se parece com um. Por exemplo, como mostrado no capítulo 1, pode ser fácil,
em alguns casos, confundir explicações e argumentos. O objetivo final do pensamento crítico é, certamente, avaliar
argumentos. Mas o problema é que, uma vez que essa habilidade é adquirida, há o perigo de aplicá-la em textos
discursivos que não foram feitos para exibir um argumento. Seria um erro grave julgar algo como um argumento
ruim quando não se trata, de forma alguma, de um argumento. No capítulo um, algumas dicas de como evitar esse
erro foram dadas. Os conceitos de explicação e argumento são dados a partir do contraste entre eles. O propósito
de oferecer um argumento em um diálogo é dar à outra parte uma ou mais razões para aceitar a conclusão. Palavras
indicadoras de conclusão, como, “portanto”, e “então”, e palavras indicadoras de premissas, como “por essa razão”,
são importantes pistas para identificar um argumento. Esses termos não estão sempre presentes, mas, nesse
capítulo, alguns significados adicionais são apresentados para identificar e analisar argumentos de diferentes tipos.

Há vários tipos básicos de estruturas argumentativas que podem ser identificadas, dependendo de como a
inferência é vinculada junto da cadeia de raciocínio em dado caso. O tipo mais simples, o argumento solitário, tem
somente uma premissa dada que é usada como base para se inferir a conclusão. Por exemplo, considere o seguinte
texto discursivo:

O gado adoecido pode transmitir doenças letais aos humanos que consomem produtos de carne bovina.
Portanto, a inspeção do gado para evitar essas doenças é essencial para a segurança humana.

Esse texto claramente contém um argumento, no sentido com o qual esse termo foi definido no capítulo 1. A
conclusão, a segunda afirmação, é indicada pela palavra “portanto” à frente dela. A outra afirmação, a premissa “O
gado adoecido pode transmitir doenças letais aos humanos que consomem produtos de carne bovina.” indica uma
razão que apoia a conclusão. Assim, esse argumento pode ser classificado como solitário.

Muitos dos argumentos encontrados no cotidiano têm duas premissas.


106

Suponha, no diálogo sobre gorjetas, que Helen tivesse argumentado como a seguir: “Eu acho que dar
gorjetas é uma prática ruim. Por um lado, faz com que a parte que recebe a gorjeta sinta-se indigna. Por
outro, leva a uma economia marginalizada, de mercado negro".

Nesse argumento, cada premissa funciona como um motivo separado para dar suporte à conclusão de que dar
gorjeta é uma prática ruim. Cada uma se porta como um argumento separado. Ambas seguem o esquema de
argumento por consequência (capítulo 3). E nós podemos ver que Helen expôs dois argumentos de consequência
separados um do outro. O esquema argumentativo nos ajuda a ver que são dados dois argumentos separados. 29
Outra partezinha de evidência é a escolha de vocabulário feita por Helen. Ela diz “por um lado” e “por outro” quando
apresenta os dois argumentos, o que indica que duas razões separadas. Outra, ainda, é que um argumento funciona
como motivo sem a ajuda do outro. Por exemplo, fazer com que as pessoas se sintam indignas é uma razão bastante
forte para ver a prática de dar gorjetas como ruim, independentemente de levar em consideração o argumento
sobre mercado clandestino.

O padrão de argumentação que é apresentado quando há mais de uma premissa e cada premissa funciona
como um motivo separado para dar suporte à conclusão chama-se convergente. Ao defender um argumento
convergente ou usá-lo para sanar dúvidas de um oponente em um diálogo, você pode escolher entre usar uma
premissa ou a outra. Cada uma é um caminho independente de evidência para apoiar a conclusão através do
oferecimento de um motivo para isso. Um argumento convergente é, de fato, como dois argumentos separados. Na
verdade, não importa muito se você os chama de convergentes ou de argumentos separados. Nós veremos, uma
vez que o método de diagramação for desenvolvido abaixo, que ambas as estruturas são diagramadas da mesma
forma.

Um outro exemplo de argumento convergente é proveniente do seguinte texto discursivo, extraído de um


discurso político proferido por Michael Dukakis durante a campanha para eleições presidenciais.

Eu me opus à pena de morte durante toda a minha vida. Eu não vejo evidências de que são
desencorajadoras e eu acho que há maneiras melhores e mais eficientes de lidar com crimes violentos. 30

Nesse caso, muito pouco do contexto exato em que o argumento foi proferido é dado, exceto que foi parte de um
discurso político em uma campanha eleitoral. Ainda que as palavras indicadoras de argumento convergente estejam
expostas (como no exemplo prévio), nós podemos claramente dizer que o argumento é do tipo convergente. Dukakis
deu duas razões separadas para sua oposição à pena de morte. Mesmo que uma premissa fosse fortemente
debatida, ou mesmo refutada pela oposição (então George Bush Sr.) Dukakis ainda teria um ponto de apoio em seu
argumento. A outra premissa ainda daria suporte a sua oposição à pena de morte. Ela fornece uma linha
argumentativa independente. Assim, o argumento encaixa-se no padrão convergente.

EXERCÍCIO 4.1

Determine se cada argumento é solitário ou convergente. Brevemente aponte suas razões para a classificação.

29 Por enquanto, ignoramos as premissas não declaradas envolvidas em ambos os argumentos, pois a questão das

premissas não declaradas não é tratada até uma parte posterior do capítulo (seção 6). Fazer com que a parte que
recebeu uma gorjeta se sinta indigna é considerada uma má consequência da gorjeta. E levar a uma economia
clandestina de mercado negro também é considerada uma má consequência da gorjeta. Que essas consequências
são ruins poderia ser acrescentado como premissas não declaradas no argumento.Por enquanto, ignoramos as
premissas não declaradas envolvidas em ambos os argumentos, pois a questão das premissas não declaradas não é
tratada até uma parte posterior do capítulo (seção 6). Fazer com que a parte que recebeu uma gorjeta se sinta
indigna é considerada uma má consequência da gorjeta. E levar a uma economia clandestina de mercado negro
também é considerada uma má consequência da gorjeta. Que essas consequências são ruins poderia ser
acrescentado como premissas não declaradas no argumento.
30 O então governador Michael Dukakis, no debate presidencial Bush-Dukakis, Los Angeles, 15 de outubro de 1988.
107

A. Todos os cisnes são brancos. Portanto, não há cisnes que não sejam brancos.

B. A contaminação de rios é um problema de enorme proporção. Quase todos os rios da América do Norte
estão contaminados por esgoto jogado neles.

C. Minha caneta provavelmente está na escrivaninha. Uma razão para isso é que é lá que eu normalmente a
deixo. Outra é que eu estava trabalhando na escrivaninha pouco antes de sair.

D. Fazer com que alunos memorizem datas históricas promove o trabalho inútil. Isso também aniquila o
espirito criativo da inquisição. Por essas razões, fazer com que alunos memorizem datas históricas não é
um bom método de ensino.

E. Os picos das montanhas no deserto são bons lugares para se olhar as estrelas. Como são altos, eles estão
mais perto das estrelas. Como são secos, eles estão relativamente livres da obstrução muito comumente
criada por nuvens.

DOIS Argumentos Vinculados

Nem todos os argumentos com múltiplas premissas são convergentes. Em outros casos, por exemplo, no tipo de
argumento com o qual nos preocupávamos nos três capítulos anteriores, existem vários exemplos de argumentos
em que duas premissas são usadas conjuntamente para dar suporte à uma conclusão. Nesses casos, as duas
premissas dependem uma da outra e seria um erro enxergar o argumento como convergente.

Considere o exemplo do Piu-Piu novamente:

Pássaros voam.

Piu-Piu é um pássaro.
Portanto, Piu-Piu voa.

Este é um tipo muito comum de argumento. Ele tem duas premissas e as duas trabalham juntas para dar uma
justificativa que apoie a conclusão. Por essa razão ele é chamado de argumento vinculado, demonstrando que as
premissas trabalham juntas para construir uma justificativa que apoie a conclusão. Aqui nós podemos ver que o
argumento é vinculado porque está na forma presuntiva estudada no capítulo 2. A primeira premissa funciona como
uma generalização anulável que, com ajuda da segunda premissa, oferece a justificativa para aceitar a alegação de
que a conclusão é verdadeira. Tendo em vista a forma com que as premissas se encaixam em uma forma de dedução
conhecida, podemos classificar o tipo de argumento como vinculado.

Ao fazer um diagrama de argumento, o exemplo do Piu-Piu é representado como um argumento vinculado


do tipo apresentado na Figura 4.1, onde A é a premissa “Pássaros voam”, B é a premissa “Piu-Piu é um pássaro” e C
é a conclusão “Piu-Piu voa”.

Figura 4.1 Argumento vinculado.


108

O diagrama para o argumento do tipo convergente é mostrado na Figura 4.2. Um exemplo dele é o argumento do
diálogo sobre dar gorjeta na página 140. A é a premissa “Dar gorjeta faz a parte que a recebe se sentir indigna” e B
é a premissa “Dar gorjeta nos leva ao subterrâneo, a uma economia de mercado clandestino”. A conclusão C é a
proposição “Dar gorjeta é uma prática ruim”.

Existem certos tipos de argumentos de múltiplas premissas comuns e fáceis de identificar que são sempre
vinculados. Todos os argumentos apresentados com esquema de argumentação no capítulo 3 são vinculados. Mas
para considerar outro tipo de exemplo, vamos reconsiderar o seguinte argumento dedutivo do capítulo 2.

Todos os residentes de Tutela Heights moram no Condado de Brant.

Ned é um residente de Tutela Heights.

Figura 4.2 Argumento convergente.

Portanto, Ned é um morador do Condado de Brant.

Esse argumento, como indicado no capítulo 2, é dedutivamente válido, o que significa que se as duas premissas são
verdadeiras, a conclusão deve ser verdadeira. Portanto, se ambas as premissas são aceitas, isso dá uma forte razão
para aceitar a conclusão. Portanto, as duas premissas dependem uma da outra para apoiarem-se. Se a primeira
premissa for omitida da consideração, a segunda, tomada sozinha, vai entregar um suporte muito frágil para a
conclusão. Para ver isso, considere o argumento com a primeira premissa omitida.

Ned é um residente de Tutela Heights.

Portanto, Ned é um morador do Condado de Brant.

Mesmo se a premissa do argumento é mantida como verdadeira, sendo usada sozinha, ela provê um suporte muito
pequen para a conclusão. Pelo que se sabe, Tutela Heights pode ser em qualquer lugar, uma vez que a primeira
premissa foi omitida da consideração e não mais assumida ou conhecida como verdadeira. O mesmo efeito de falta
de suporte ocorre quando a segunda premissa é omitida, produzindo a seguinte argumentação:

Todos os residentes de Tutela Heights moram no Condado de Brant.

Portanto, Ned é um morador do Condado de Brant.

Enquanto a outra premissa estiver omitida, o argumento é muito fraco por não ser possível mais assumir que Ned
é um morador de Tutela Heights. Com a ausência dessa premissa, não se deduz que ele deve ser um morador do
Condado de Brant. Assim, o argumento está vinculado.

A razão para que esse argumento seja do tipo vinculado é comparável à dada acima na análise do
argumento do exemplo do Piu-Piu. Nos dois tipos de caso, as duas premissas são vinculadas à conclusão por uma
estrutura argumentativa identificável. A primeira premissa é uma generalização e a segunda é um caso particular
que se encaixa na generalização. Portanto, as duas proposições se encaixam, dando suporte à conclusão por uma
estrutura interligada. Isso é típico em vários argumentos vinculados. Você pode ver pela estrutura do argumento
que ele é vinculado. Se você tirar uma das premissas, o suporte dado pela outra sozinha é muito fraco para que a
conclusão seja aceita. Então, reconhecendo a estrutura do argumento você pode imediatamente ver que é um
argumento vinculado e, assim, oposto ao do tipo convergente. Um silogismo típico, como o visto no capítulo 2,
sempre tem duas premissas e um argumento vinculado. Ambas as premissas são obrigatórias para que tal
argumento seja dedutivamente válido. Se uma delas for omitida, o argumento será muito fraco.
109

Aqui está outro exemplo que mostra a configuração vinculante muito claramente:

Suponha que no diálogo sobre gorjetas, Bob argumentou assim: “Eu acredito que dar gorjetas é bom para
uma economia saudável, porque isso recompensa a iniciativa, e qualquer coisa que recompense a
iniciativa é boa para uma economia saudável”.

Aqui, Bob desenvolveu duas premissas para suportar sua conclusão e elas trabalharam juntas para dar base à
conclusão. Uma premissa, “Qualquer coisa que recompense a iniciativa é boa para uma economia saudável” é uma
proposição amplamente geral (universal). Ela pode ser analisada na forma de condição universal, “Para todo x, se x
recompensa a iniciativa, x é bom para uma economia saudável”. A outra premissa, “Dar gorjetas recompensa a
iniciativa”, encaixa na condição da primeira premissa na parte antecedente. Então, por modus ponens (implicação),
nós estamos autorizados a deduzir a conclusão “Dar gorjetas é bom para uma economia saudável”. Por isso, o
argumento dado por Bob no diálogo das gorjetas é vinculado. Se você eliminar uma das premissas, a outra, sozinha,
vai dar muito menos base para um apoio à conclusão. Claramente, as duas premissas trabalham juntas.

Em muitos casos, analisar um esquema de argumentação claramente mostra que o argumento é vinculado.
Por exemplo, se o argumento é um apelo para a opinião de um especialista, é evidente que três premissas,
encaixando-se no modelo de premissas do esquema apresentado, vão dar suporte à conclusão juntas. Em outros
casos, nós talvez não saibamos nada sobre como as premissas se encaixam naquele tipo de estrutura com que
estamos acostumados a lidar, mas a redação do argumento em seu contexto de uso é o que pode deixar claro que
ele é do tipo vinculado.

Indivíduos competentes têm a liberdade para fazer suas próprias decisões de tratamento médico;
indivíduos incompetentes não têm. Portanto, competência e liberdade são intrinsecamente entrelaçadas
[interwoven].31

Nesse argumento, não foi utilizado um esquema de argumentação familiar (evidentemente) de forma que possamos
usar a estrutura conhecida para identificar o argumento como vinculado.

Mas, mesmo assim, fica claro pelo contexto e pela escrita de que as duas premissas devem trabalhar juntas
para dar suporte à conclusão.

Em muitos casos, mais do que duas premissas precisam ser vinculadas juntas para que enxerguemos como
o argumento dá apoio à sua conclusão. Por exemplo, considere o seguinte argumento sobre gastos do governo. Ele
tem a forma de um dilema, um tipo de argumento a ser analisado no capítulo 8.

Se aumentarmos os gastos do governo, o aumento do déficit vai enfraquecer o dólar. Se nós diminuirmos
os gastos do governo, os sem-teto e os desempregados vão sofrer. Nós devemos aumentar ou diminuir os
gastos do governo. Portanto, ou o crescimento do déficit vai enfraquecer o dólar ou os sem-teto e os
desempregados vão sofrer.

Nesse caso, está claro que as três premissas estão trabalhando juntas para dar suporte a conclusão e, assim, o
argumento é do tipo vinculado. A evidência do texto para reconstruir o discurso de apoio é que as três premissas
estão explicitamente afirmadas antes da conclusão, a qual é antecedida pela palavra "portanto, " e de que as quatro
proposições se encaixam na estrutura do dilema.

31
George J. Annas e Joan E. Densberger, "Competence to Refuse Medical Treatment: Autonomy vs. Paternalism",
Toledo Law Review 15 (Inverno de 1984): p. 561.
110

EXERCÍCIO 4.2

Os seguintes argumentos de duas premissas são vinculados. Rapidamente, explique como as duas premissas
trabalham juntas para dar suporte à conclusão.

A. Todos os livros didáticos são livros destinados a educar. E alguns livros de lógica são livros didáticos.
Portanto, alguns livros de lógica são destinados a educar.

B. Cachorros retêm, implicitamente, várias qualidades dos lobos. Lobos são animais de carga. Portanto,
cachorros são, implicitamente, animais de carga.

C. Meu objetivo é ir à Minneapolis. A Rodovia A4 é o caminho para chegar à Minneapolis. Portanto, eu devo
seguir pela Rodovia A4.

D. Se Jane concordar em concorrer, Dick não será eleito. Jane concordou em concorrer. Portanto, Dick não
será eleito.

E. Qualquer ação que diminua o sofrimento humano pode ser moralmente aceitável. Eunatásia diminui o
sofrimento humano. Portanto, eutanásia pode ser moralmente aceitável.

F. Minhas anotações devem estar no auditório, porque eu estava com elas quando eu dei a palestra lá
alguns minutos atrás e eu não estava com elas quando eu saí da sala.

G. Paul está perto de se formar ou acabou de se formar. Mas nós sabemos que ele não se formou. Portanto,
Paul está perto de se formar.

TRÊS Argumentos em Série e Divergentes

No capítulo 1, o encadeamento de argumentos [chaining of arguments], onde a conclusão de um argumento


funciona como premissa de outro, foi identificado. Quando a argumentação por encadeamento é usada, o tipo de
estrutura é classificado como um argumento serial. Por exemplo, no argumento seguinte, a conclusão do primeiro
argumento individual age, também, como a premissa do segundo argumento individual:

Clientes frequentemente dão gorjetas simplesmente porque é a prática aceita. Portanto, a gorjeta de um cliente
não é necessariamente um bom critério de serviço excelente. Portanto, não se pode argumentar que a prática
da gorjeta é boa simplesmente na base de que ela recompensa a excelência de serviço.

A estrutura em série deste argumento é mais clara se nós escrevermos suas três afirmações componentes
verticalmente, como se segue.

A: Clientes frequentemente dão gorjetas simplesmente porque é a prática aceita.

B: Portanto, a gorjeta de um cliente não é necessariamente um bom critério de serviço excelente.

C: Portanto, não se pode argumentar que a prática da gorjeta é boa simplesmente na base de que ela
recompensa a excelência de serviço.

A proposição do meio na sequência tem duas funções. Primeiro, ela age como a conclusão retirada da premissa sobre
ela. Bas depois, em um segundo passo argumentativo, ela funciona como uma premissa da qual uma nova conclusão
é retirada (a terceira afirmação na sequência). Esse tipo de função dupla é característica do argumento em série.

Outro exemplo é o argumento a seguir.


111

A Psicologia é a religião da era moderna. Se as pessoas estão infelizes, culpadas, ou confusas com a
vida, elas vão ver um psicólogo. Ano passado, dois milhões de pessoas na América do Norte visitaram
um psicólogo devido a problemas pessoais e emocionais.

Esse argumento é composto de três proposições na seguinte sequência:

A: Ano passado, dois milhões de pessoas na América do Norte visitaram um psicólogo devido a
problemas pessoais e emocionais.

B: Se as pessoas estão infelizes, culpadas, ou confusas com a vida, elas vão ver um psicólogo.

C: A Psicologia é a religião da era moderna.

A última proposição, C, é um argumento instigante e algo controverso que precisa de justificação para ser plausível.
Tal justificação é providenciada pelo argumento do meio, B, que age como uma premissa para apoiar C. E então
apoio para B é providenciado ao apresentar A como premissa. O argumento do topo, A, é uma proposição mais
específica, utilizada como premissa para apoiar a proposição mais geral do meio, B.

Na figura 4.3, um diagrama da estrutura da sequência de raciocínio em um argumento, as letras


representam proposições e as setas juntando as letras representam passos de inferência de uma proposição a outra.

Figura 4.3 Argumento em série.

Outro tipo de argumento que às vezes ocorre é o argumento divergente, em que duas proposições são inferidas
como conclusões separadas a partir da mesma premissa. Por exemplo, considere o argumento a seguir:

Provou-se que fumar é muito perigoso à saúde. Portanto, propagandas para cigarros devem ser
proibidas. E também, avisos de que fumar é perigoso devem ser impressos em todas as embalagens
de cigarro.

Nessa sequência de raciocínio, estão envolvidas três proposições:

A: Provou-se que fumar é muito perigoso à saúde.

B: Propagandas para cigarros devem ser proibidas.

C: Avisos de que fumar é perigoso devem ser impressos em todas as embalagens de cigarro.
112

A estrutura divergente do argumento é representada pelo diagrama na figura 4.4.

Figura 4.4 Argumento divergente.

Agora nós vimos como as estruturas de argumentos seriais e divergentes podem ser representadas em forma
diagramática. Argumentos seriais são muito comuns, como demonstrado pelo encadeamento de argumentos exibido
nos diálogos no capítulo 1. O padrão de encadeamento (em série) de argumentação é a cola que mantém juntos os
argumentos longos. Argumentos divergentes são menos comuns. Nós poderíamos facilmente dispensar o padrão
divergente ao representar duas conclusões como uma única afirmação em que as duas conclusões são ligadas pela
palavra "e". Mas nós incluímos a estrutura divergente para tratamento aqui por ser frequentemente encontrada em
relatos de diagramação de argumentos nos manuais.

EXERCÍCIO 4.3

Exiba a estrutura de raciocínio usada nos seguintes argumentos desenhando o diagrama do argumento.

A. A flatulência das vacas emite um gás sulfuroso nocivo que é uma causa relevante da destruição da camada
de ozônio. Portanto, para prevenir o aquecimento global, nós temos de trabalhar para solucionar o
problema da flatulência bovina. Portanto, nós temos de encomendar uma pesquisa científica sobre o
problema da flatulência bovina.

B. Adolescentes estão se tornando mais suscetíveis à violência extrema. Portanto, nós devemos julgar mais
delinquentes juvenis na corte adulta. E também, nós devemos expandir nossos centros de tratamento
para delinquentes juvenis.

C. Porque as maiores variações genéticas são observadas no povo africano, pode-se concluir que eles
tiveram a história evolucionária mais longa, indicando a probabilidade de uma origem africana para os
seres humanos modernos.

D. Esses senadores votaram contra seu partido na lei de controle de armamentos. Então eles devem ser
punidos por violarem a solidariedade partidária. Portanto, eles devem ser removidos dos principais
comitês do partido. E eles devem ser repreendidos por suas ações irresponsáveis.

E. O déficit está fora de controle. Portanto, nós devemos reduzir gastos do governo ou aumentar os
impostos. Mas nós não podemos aumentar os impostos, porque isso freiaria a economia. Portanto, nós
devemos reduzir gastos do governo.

QUATRO Distinguindo entre Argumentos Vinculados e Convergentes

Uma das dificuldades mais comumente encontradas quando se começa a usar o método de diagramar argumentos
é que, em alguns casos, fica difícil entender se o argumento é vinculado ou convergente. Em alguns casos fica muito
claro que as premissas são meios independentes de apoio para uma conclusão e não dependem umas das outras.
Esse tipo de argumento é claramente convergente. Em outros casos, como silogismo e muitos outros exemplos, o
argumento é claramente vinculado. Entretanto, em alguns casos, não é possível determinar se o argumento deve
ser classificado como vinculado ou convergente, porque não é dada informação o bastante para julgar com justiça
como ele deve ser entendido. Considere o seguinte argumento:
113

Eu prometi à minha namorada que a levaria para assistir à Lista de Schindler, e ela ficaria bastante
desapontada se eu não a levasse, então acho que eu deveria levá-la para ver o filme.

O raciocínio desse argumento é vinculado ou convergente? Aqui, você poderia arrumar razões para interpretá-lo de
qualquer uma das duas maneiras. Inicialmente, cada premissa parece um motivo separado e independente para
apoiar a conclusão. Cada uma oferece um motivo de peso considerável como justificativa para levá-la ao cinema,
mesmo na ausência de outra premissa. Nesse modo de ver, o argumento é convergente. Mas as duas premissas
parecem conectadas, ainda que por um laço fraco. Se uma pessoa ficaria chateada com o descumprimento de uma
promessa feita a ela, o cumprimento dessa promessa é ainda mais importante do que seria em outro cenário. Dada
essa conexão, parece que as duas premissas conectadas têm, de algum modo, mais força como uma unidade do que
teriam se as duas fossem encaradas como motivos separados. Nesse ponto de vista, o argumento é do tipo
vinculado.

Em casos como esse, quando não há palavras que nos indiquem se o argumento é vinculado ou
convergente, o que devemos fazer? O protocolo, em casos como esse, deve ser colocá-lo como convergente. Se nós
não temos certeza de que há interconexão entre as premissas, elas ficariam mais fortes se consideradas interligadas.
Mas, na dúvida, o melhor é interpretar o argumento como sendo mais fraco e não presumir a funcionalidade da
conexão se nós não temos certeza dela. Por sorte, há quatro evidências para afirmar se um argumento é convergente
ou vinculado em determinado caso. O melhor a fazer se essas evidências estiverem disponíveis é basear-se nelas
para classificar um argumento em vinculado ou convergente.

O mais importante tipo de evidência é o “Blackout test” ( teste no escuro), que pode ser aplicado no mais
simples dos casos, quando o argumento tem só duas premissas, como a seguir. Tampe uma premissa, por exemplo,
colocando seu dedo nela, e presume que não está sendo considerada como parte do argumento para dar suporte à
conclusão. Nesse ponto, pergunte-se se o suporte dado à conclusão pelo recém-reduzido argumento de uma
premissa decaiu consideravelmente em relação àquele dado pelo argumento de duas premissas. Se decaiu muito,
eis uma evidência de que os argumentos eram vinculados. Foi esse teste que nós usamos para classificar o primeiro
argumento na seção 2 acima, conforme anexado.

Todos os residentes de Tutela Heights residem em Brant Country.

Ned é residente de Tutela Heights.

Assim, Ned é residente de Brant Country.

Nós classificamos esse argumento como vinculado porque as as duas premissas dependem uma da outra para
sustentar a conclusão. Agora nós podemos ver como o teste no escuro se aplica nisso. Suponha que a primeira
premissa devesse ser tampada. Assim, a segunda premissa, por ela mesma, forneceria pouca sustentação para a
conclusão. Para verificar isso, examideo argumento mais uma vez com a premissa omitida, como fizemos acima.

Ned é residente de Tutela Heights.

Assim, Ned é residente de Brant Country

Não pode mais ser presumido que Ned é residente de Tutela Heights, dado o ocultamento, e então não se entende
dedutivamente que ele tem que ser residente de Brant Country. O teste no escuro aplicado à outrs premissa também
mostra enfraquecimento considerável do argumento. Então ele é claramente vinculado.

Depois, vamos aplicar o teste no escuro a outro exemplo anterior, em que Helen arguiu, no diálogo da gorjeta: “Eu
acho que dar gorjeta é uma prática ruim. Primeiro porque a parte que recebe sente-se indigna. Depois, porque
alimenta uma economia de mercado negro”. Nós classificamos esse argumento como convergente, porque cada
premissa oferece uma razão diferente para apoiar a conclusão. Vamos ver como o teste no escuro aplica-se a isso.
Primeiro, nós ocultamos uma premissa e examinamos o argumento somente com a outra premissa aparecendo.

A prática de dar gorjeta faz com que a parte que a recebe sinta-se indigna.
114

Assim, dar gorjeta é uma prática ruim.

Nesse argumento, a premissa ainda oferece uma razão forte para sustentar a conclusão, mesmo que esse seja menor
do que quando a outra premissa também estava sendo considerada. Uma descoberta semelhante é produzida
deletando a outra premissa, o que resulta no seguinte argumento.

A prática de dar gorjeta alimenta uma economia de mercado negro

Assim, dar gorjeta é uma prática ruim.

Novamente, a premissa ainda oferece uma razão forte para sustentar a conclusão, mesmo que sem a outra premissa.
Ouso do teste no escuro permite arranjar razões pelas quais esse argumento deve ser classificado como
convergente, e não vinculado. É claro que, nesse caso, há outra evidência, ainda mais forte, de que o argumento é
vinculado. Ela vem do uso das expressões “por uma coisa” (“for one thing”) e “por outra coisa” (“for another thing”).

O que nós vimos é que há diferentes tipos de evidência que podem ser usadas para julgar, em dado caso,
se o argumento é convergente ou vinculado. Essa evidência pode ser colocada em quatro categorias:

1. Palavras Indicadoras. Palavras como ‘minha outra razão’, ou ‘em adição’ indicam um argumento
convergente. Palavras como “junto disso’ ou ‘também é preciso‘ iindicam um argumento vinculado.

2. Estrutura de Inferência. Se o argumento encaixa-se na conhecida estrutura válida dedutiva, como modus
ponens, ou um esquema de argumentação, como argumento por consequência, que é evidência de que o
argumento é vinculado.

3. Teste no Escuro [blackout test). Tente tampar uma das premissas. Se a base de apoio para a conclusão
decair muito, isso é evidência de que essa premissa é parte de um argumento com uma estrutura
vinculada. Se a base de apoio decai pouco ou nada, isso é evidência de que o argumento é convergente.

4. Contexto de Diálogo. Quanto mais texto de discurso é dado em um caso específico indicando como o
argumento está sendo usado para contribuir com a construção do diálogo como parte de uma sequência
maior de argumentação, mais evidência vai ser dada indicando se a racionalização está sendo usado em
um argumento vinculado ou convergente.

O teste do escuro (blackout test) não é suficiente por si mesmo para determinar, em todos os casos, se um dado
argumento é vinculado ou convergente. Na verdade, mesmo os quatro tipos de evidência juntos não são suficientes
em todos os casos. Ainda, costuma ser útil saber se um argumento é vinculado ou convergente quando é preciso
analisá-lo e avaliá-lo criticamente. Portanto, uma pessoa pode fazer uma determinação temporária, baseada na
evidência, e dar razões para interpretar um argumento como vinculado ou convergente. Em muitos dos casos mais
comuns , a evidência torna muito claro qual caminho seguir com o argumento. Se a dúvida permanecer, o melhor é
tratar o argumento como convergente.

EXERCÍCIO 4.4

1. Classifique os seguintes argumentos como vinculados ou convergentes, fornecendo evidências do texto


ou contexto do discurso para apoiar sua interpretação.
a. A entrega de correspondência pelo correio não é tão bom porque o tempo de entrega não é
previsível, o serviço costuma ser demorado e os pacotes costumam vir danificados.
b. Entrega de correspondência por serviço privado é muito bom porque é rápido e você consegue
rastrear seu pacote para provar que foi enviado.
c. Entrega de correspondência por serviço privado é melhor que pelos correios porque estas
últimas costumam ser lentas enquanto as privadas são rápidas.
d. Bob era a parte culpada em um acidente, porque ele estava do lado errado da estrada e passou
em um sinal vermelho.
115

e. A Lista de Schindler foi um filme emocionante de assistir, porque a atuação é perfeita, e a


atmosfera produzida pelo cenário retratado no filme produziu uma ambientação histórica
assustadoramente realista.
f. Kevin pegou o dinheiro sem o consentimento do dono e gastou-o em seu uso pessoal. Assim, é
razoável concluir que Kevin roubou o dinheiro.
g. O aquecimento global é a causa de recentes inundações na Europa, China e América do Norte.
Como nós sabemos disso? Professor Tusk informou-nos, e ele é um especialista em geografia da
Universidade do Arizona na área de mudanças climáticas.
h. Ou esse mármore é preto ou vermelho. Ele não é preto. Então, é vermelho.
i. Esse mármore é vermelho. Esse outro mármore também é vermelho. Assim, ambos os mármores
são vermelhos.
j. Os recém-nascidos deveriam ser testados para infecção de HIV. Se os testes são feitos, um
melhor diagnóstico para outras doenças, como as pulmonares, é possível. Recomendações sobre
o risco de amamentar podem ser dadas à mãe. E, finalmente, educação para a prevenção de
transmissão adicional é possibilitada.

2. Classifique o raciocínio usado nos seguintes argumentos como vinculado, convergente ou indeterminado,
citando a evidência textual do discurso usado como critério.
a. Retirar pessoas do grupo dos que recebem benefícios governamentais requer dar-lhes
habilidades para trabalhar. Dar-lhes educação relacionada ao trabalho é o meio de fazer isso.
Assim, fundos financeiros para programas oferecendo treinamento relacionado ao trabalho para
quem recebe auxílio governamental precisam crescer.
b. Educação é um direito que não pode ser exercido se sérios obstáculos estão no caminho.
Necessidade financeira é o pior obstáculo que impede as pessoas de acessar altos níveis de
educação acadêmica. Assim, mensalidades precisam ser reduzidas por meio do maior suporte
governamental às universidades.
c. Pesquisa feita pelas universidades é uma importante fonte de técnicas inovadoras, novas ideias e
descobertas científicas que são úteis ao governo e à indústria. Aprender algo de um mestre que
está engajado nas pesquisas em um campo acadêmico torna um curso muito mais interessante e
informativo para alunos. Por essas razões, pesquisas universitárias devem ser apoiadas.
d. A quantidade e o uso dos veículos motorizados aumentou tanto que melhorias no controle da
poluição não têm sido o suficiente para proteger cidadãos dos elevados níveis de pequenas
partículas no ar. Essas pequenas partículas são muito perigosas para a saúde humana. Então nós
devemos encontrar maneiras de diminuir número e uso dos veículos motorizados.
e. Poliomelite é um problema para a América do Norte, ainda que tenha sido erradicada por vários
anos. Porque há subtipos do vírus em países como China, Índia, África e no leste europeu. E com
as viagens modernas de avião, o vírus pode facilmente ser transmitido de uma população à
outra, mesmo que sejam de países distantes.
f. Não seria prático tentar controlar a liberdade de expressão na Internet. Regulações
governamentais para controlar todas as milhões de mensagens todo ano seriam proibitivamente
custosas. Além disso, qualquer conjunto de regulações inevitavelmente dificultaria pesquisas
legítimas e transmissão de dados em tópicos como ciência e história.
g. É necessário controlar a liberdade de expressão na Internet. Crescentemente, sites e chats têm
sido usados para atrair crianças ao conteúdo pornográfico. Essa atividade criminosa é uma forma
de expressão que precisa ser controlada pela polícia.

CINCO Argumentos Complexos

Agora que temos quatro diferentes tipos de estruturas argumentativas – vinculante, convergente, em série e
divergente – o raciocínio estendido em um texto de discurso pode ser analisado ao se combinar essas três estruturas
em um caso. Para tomar um exemplo simples, suponha que Helen apresente o segundo argumento para Bob, no
decorrer do diálogo sobre gorjetas. Aqui as proposições individuais estão enumeradas por conveniência.
116

(A) Ou você pode ter que decidir o que é um pagamento justo para um trabalho em uma base individual, como
gorjetas, ou um comitê governamental pode decidir o valor do trabalho como uma contribuição para a economia.
(B) Um comitê governamental pode fazer uma avaliação [assessment] objetiva. (C) Um cliente individual faz uma
decisão subjetiva que poderia ser enviesado por favoritismo pessoal. (D) Portanto, o comitê governamental
deveria decidir o valor de um trabalho como contribuição para a economia. (E) Portanto, o ato de dar gorjetas
deveria ser descontinuado como prática.

A primeira tarefa em analisar qualquer argumento em um determinado texto de discurso é escanear o texto e
determinar que proposição é a conclusão final sendo discutida. Nesse caso, a conclusão final é E, como representado
no diagrama da figura 4.5.

Figura 4.5 Argumento vinculado e singular.

Parece que as premissas A, B e C estão ligadas juntas para apoiar a conclusão intermediária D. A apresenta uma
disjunção, ou escolha entre duas alternativas. B dá uma razão para preferir uma das alternativas, e C dá uma razão
para deixar de preferir [dispreferring] a outra alternativa. D age como a conclusão para a inferência disjuntiva, mas,
além disso, também age como uma premissa para uma conclusão posterior E. Por isso, nesse caso, o raciocínio no
argumento combina uma estrutura vinculante com uma estrutura única.

Para considerar outro exemplo, suponha que Bob argumentasse como se segue no diálogo sobre gorjetas.

(A) Muitos estudantes podem pagar seus custos de matrícula [tuition] apenas pela obtenção de gorjetas
em seus trabalhos de meio período [part-time] no setor de serviços. (B) Então, se você abolisse gorjetas,
esses estudantes não seriam capazes de permanecer na escola. (C) Portanto, a abolição de gorjetas teria
um impacto severo em um segmento vulnerável da população. (D) Além disso, afetaria matrículas
[enrollments] universitárias de uma forma negativa.

Figura 4.6 Argumento singular e convergente.

Nesse caso, o argumento combina uma estrutura em série com uma estrutura divergente, como mostrado na figura
4.6. Em muitos casos, uma dificuldade recorrente é que pode ser preciso um pouco de reflexão [thought] para decidir
se um argumento é vinculante ou convergente. Suponha, por exemplo, que, no diálogo sobre gorjetas, Bob
argumentasse como se segue.
117

(A) Eu não acho que haver diretrizes governamentais para decidir sobre salários justos para diferentes
trabalhos seja uma boa ideia. (B) Diretrizes governamentais são altamente ineficientes como maneira
prática de decidir sobre essas questões. (C) Além do mais, não só isso, mas burocracias governamentais
muitas vezes são frustrantemente injustas. (D) Olhe para o favoritismo, patrocínio [patronage], e
clientelismo [pork barreling] que ocorrem em operações governamentais atuais. (E) Se há favoritismo,
patrocínio e clientelismo acontecendo, então burocracias serão frustrantemente injustas.

Escaneando esse caso, nós, antes de tudo, destacamos a proposição que é a conclusão final do argumento, que
aparenta ser A. Todo o resto da sequência de raciocínio é direcionada para sustentar A. Primeiro, B e C são premissas
usadas para sustentar A, em um argumento convergente. O indicativo mais evidente de que o argumento é
convergente é a expressão "além do mais", usada para prefaciar a premissa C. Mas, além disso, as premissas B e C
dão duas razões separadas em apoio a A. Uma é a de que burocracias governamentais são ineficientes. A outra é a
de que elas são frustrantemente injustas.

Então nós chegamos nas proposições D e E. Evidentemente, elas são usadas para sustentar C. Mas esse
argumento é vinculante ou convergente? Aqui, o indicativo é a estrutura da inferência, que tem a forma de um
modus ponens. Dessa forma, no diagrama da figura 4.6, o mesmo número é usado em ambas as setas que vão de D
e E para C. Em contraste, para mostrar a natureza convergente do outro subargumento, diferentes números são
usados para rotular as setas que saem de C até A e de B para A.

O diagrama argumentativo na figura 4.7 mostra uma estrutura que combina um argumento vinculante com
um argumento convergente. As duas inferências são juntas pela proposição comum C. É uma conclusão no primeiro
argumento, mas então serve de premissa no próximo.

Figura 4.7 Argumento vinculado e convergente.

Em alguns casos, não seria particularmente importante ou necessário que o diagrama indicasse que um argumento
é vinculante ou convergente. Como notado acima, se for difícil julgar claramente se o argumento é vinculante ou
convergente, apenas o considere como convergente. Entretanto, se for possível e importante fazer uma distinção
desse tipo, uma justificativa escrita deveria ser adicionada ao diagrama argumentativo, citando as evidências do
texto de discurso usadas para sustentar a alegação que é vinculante ou convergente.

EXERCÍCIO 4.5

Exiba a estrutura de raciocínio utilizada nos argumentos seguintes traçando um diagrama argumentativo. Nas
instâncias nas quais parte de um argumento for vinculante ou convergente na estrutura, justifique sua escolha de
classificação ao dar um motivo.

A. Dar às minhas crianças um subsídio [allowance] de roupas se revelou uma boa ideia. Em primeiro lugar,
isso tirou de mim a pressão de comprar roupas para elas que eu considerava muito caras e muito feias.
Além disso, ensinou a elas algumas boas lições de economia. Quando eu as dou o dinheiro delas, fica a
cargo delas decidirem o que comprar. Quando o dinheiro delas não é o bastante para conseguir os itens
desejados, elas passam a ter uma visão realista do quanto as coisas custam. Não é mais necessário que
elas me convençam da necessidade de elas terem algo, então eu não preciso mais brigar com elas sobre o
quanto nós podemos gastar.
118

B. Iniciativas de equidade buscam reparar [redress] desigualdades de poder e recursos existentes entre
grupos por meio da redistribuição de poder e recursos sobre uma base justa. Redefinir desigualdades
existentes é necessário, pois alguns grupos foram dominantes no passado e oprimiram outros grupos por
um processo de vitimização. Essa opressão foi muito ruim para os grupos vitimizados. Iniciativas de
equidade precisam ser apoiadas por todos que acreditam em justiça e igualdade.

C. Iniciativas de equidade são muito ruins para uma economia produtiva porque jogam um grupo de
interesse contra outro em um conflito infinito sobre direitos reivindicados. Tais conflitos infinitos
atrapalham o esforço produtivo e colaborativo em um país porque eles constantemente abastecem [fuel]
ressentimento e inveja entre cidadãos que se consideram pertencentes a um grupo em oposição a outro.
Esse tipo de conflito separa as pessoas em vez de aproximá-las, e as brigas constantes perturbam
qualquer tipo de esforço de colaboração em larga escala.

D. "Há vários computadores que declaram serem capazes de lidar com multimídia. Mas quando você tenta
fazer algo tão simples como carregar um CD-ROM, pode ficar bem assustador. Então, se você quiser um
computador multimídia que realmente funcione, há realmente uma única opção. O Macintosh da Apple. É
o computador mais fácil para configurar, aprender, e - o mais importante - usar. Além do mais, cada Mac
vem com capacidades de som e vídeo nativas embutidas. Isso não é verdade para a maioria dos PCs.
Então visite um distribuidor autorizado da Apple Canadá hoje."

E. Em seu livro Fingerprints of the Gods (Toronto: Doubleday Canada, 1995), de 1995, Graham Hancock
alegou a existência de uma alta civilização previamente não identificada de muita antiguidade.

Supõe-se que A Esfinge [The Sphinx] foi construída por Khafre em torno de 2500 a.C., max desde o começo
dos tempos dinásticos – diz-se de 3000 a.C. pra frente – simplesmente não teve chuva o suficiente em
planalto [plateau] de Gaza a erosão bem extensiva que nós vemos por todo o corpo da Esfinge. Você teria
que voltar antes de 10.000 a.C. para encontrar um clima úmido o suficiente no Egito para dar conta de
intemperismo [weathering] desse tipo e nessa escala. Portanto se segue que a Esfinge deve ter sido
construída antes de 10.000 a.C., e considerando que é uma obra de arte massiva e complicada, também se
segue que ela deve ter sido construída por uma alta civilização. (pp. 419-420l

SEIS Premissas e Conclusões Não Declaradas

Suponha que mais uma vez no diálogo das gorjetas, Bob estava prestes a apresentar o seguinte argumento para
Helen: “Qualquer prática que recompense excelência no serviço é uma prática boa, portanto, dar gorjeta é uma
prática boa”. Esse argumento teria a forma de uma inferência de silogismo, tirando o fato de que Bob não constatou
explicitamente a proposição “gorjetas recompensam excelência no serviço” como uma premissa. Seria razoável
assumir que essa proposição poderia ser tida como uma suposição no argumento de Bob? No contexto do diálogo,
parece razoável assumir que Bob está usando essa premissa como uma premissa em seu argumento, por três razões.
A primeira razão é que sem essa premissa, o argumento de Bob teria uma lacuna, e a menos que essa lacuna seja
preenchida, o argumento não seria dedutivamente válido. Na verdade, sem assumir essa premissa como parte da
base do argumento de Bob, seria inútil Helen aceitar a conclusão que Bob precisa provar. Então, sem essa premissa,
o argumento não só seria inválido, ele seria também inútil no diálogo da gorjeta. A segunda razão é que quando uma
suposição não declarada acima é inserida na lacuna, o argumento se torna válido e útil para provar a tese de Bob no
diálogo. A terceira razão é que a suposição faltante parece ser a proposição com a qual Bob está comprometido, e
que se encaixa com o que sabemos de seu ponto de vista no diálogo. Nós sabemos pela sequência de argumentação
dele no diálogo, que Bob está comprometido com a proposição de que dar gorjeta recompensa um bom
atendimento. Certamente, é uma proposição compatível com seu ponto de vista, e que até mesmo o apoia. Logo há
muitas evidências do contexto de que Bob está comprometido com essa proposição. Por essas três razões, então,
uma proposição não declarada pode Às vezes ser assumida como premissa de um argumento apresentado. Inserir
uma premissa que falta é justificável na argumentação crítica desde que seja reconhecido que ela esteja sendo
inserida somente como uma suposição ou hipóteses que faça possível para nós identificarmos o argumento por
inteiro. Caso o argumento fosse deixado incompleto, nós não teríamos um caminho para identificar seus pontos
fracos perguntando as perguntas críticas apropriadas. Portanto, nós não podemos criticar um argumento
apropriadamente se ele não nos é apresentado por inteiro.
119

A premissa que faltava que preenchemos é apenas um artefato necessário para o criticismo de um
argumento. Não é algo que necessariamente representa o que o argumentador acredita em seu coração. Suponha
que Bob é questionado nesse ponto e nega que ele aceita a proposição “gorjeta recompensa excelência de serviço”.
Nesse caso, nós teríamos que voltar atrás na suposição que fizemos acerca do argumento de Bob. Mas a não ser que
Bob indique que não concorda com isso em algum ponto do diálogo, seria razoável presumir que essa premissa deve
ser levada como uma premissa não declarada de seu argumento. Mas temos que relembrar que Bob nunca
realmente disse isso. É importante enfatizar a distinção entre uma premissa explícita, que foi apresentada por um
dos participantes do diálogo, e uma premissa não declarada que foi atribuída ao seu argumento. Para alegar que um
participante apresentou uma proposição, ele deve ser citado como tendo suposto essa proposição em várias partes
do diálogo. Então, em um diagrama da argumentação, a distinção entre uma premissa declarada ou não premissa
ser indicada e tida em mente.

Agora há uma pequena complicação a ser adicionada. Não são só premissas que estão faltando e precisam
ser inseridas para completar um argumento. Às vezes conclusões podem ser partes não declaradas de argumentos
também. Suponha, por exemplo, que no decorrer do diálogo da gorjeta, Helen argumenta como se segue.:

Se uma prática faz uma pessoa em uma troca social se sentir menos empoderada, então ela é uma prática
ruim e precisa parar. Dar gorjeta faz uma uma pessoa em uma troca social se sentir menos empoderada.
Eu posso te contar por experiência própria.

Não há palavras indicadoras aqui. Helen apresenta duas declarações. A terceira é apenas uma afirmação de que as
duas primeiras podem ser demonstradas pela experiência pessoal de Helen. Então podemos ignorar ou deletar isso
e nos concentrarmos nas duas primeiras declarações. Elas parecem implicar em uma conclusão. No contexto do
diálogo da gorjeta, é claro que essas não são só duas declarações aleatórias. Elas são apresentadas por Helen como
premissas em um argumento incompleto que ela está oferecendo. O que está faltando é a conclusão. Há razões para
pensar que o argumento de Helen está incompleto. Parece que a conclusão não declarada é a proposição “dar
gorjeta é uma prática ruim e deve parar”. Que evidência apoia essa hipótese? Primeiro, nós sabemos que a tese de
Helen no diálogo da gorjeta é essa proposição. Então, Helen está certamente comprometida com ela, e, na realidade,
seu objetivo no diálogo é provar isto a Bob. Segundo, essa conclusão segue uma inferência modus ponens pelas duas
premissas que ela afirmou. Quando essa conclusão é ligada ao diálogo, o argumento se torna válido. Então seria
justo presumir, sujeito à correção de Helen, que essa proposição é sua conclusão (não declarada). 32 Como base para
identificar e criticar o que Helen disse, é justo ver isso como um argumento com uma proposição não declarada,
inserida na forma de conclusão.

Em alguns casos, não como no diálogo da gorjeta, nós não sabemos nada sobre o argumento ou o diálogo
do qual ele faz parte, exceto pelo que foi dito em algumas palavras. Entretanto, mesmo nesses casos, pode ser útil
e necessário inserir uma afirmação não declarada como parte da argumentação necessária para completá-lo. Por
exemplo, considere um caso no qual uma mãe, tentando oferecer conselhos nutricionais para o seu filho, diz “você
quer crescer forte e grande, não quer? Então coma seus vegetais!”. Nesse caso, há apenas duas sentenças. Uma é
uma pergunta, e a outra é uma diretiva. Mas o que a mãe disse pode expressar um argumento. E na verdade, é claro
que ela está brigando com seu filho, fornecendo uma razão para que ele aceite a visão de que comer seus vegetais
é uma coisa boa, que ele deveria fazer. Sua primeira sentença é uma pergunta retórica, o que significa que sua real
função não é ser uma pergunta, mas sim uma afirmação. Sua primeira frase é uma premissa, e a segunda uma
conclusão que, ela alega, que deveria ser derivada dessa premissa. Ela está usando um argumento para tentar
persuadir o filho a comer vegetais.

Nesse caso, o argumento da mãe pode ser identificado e completo adicionando uma premissa não
declarada.

PREMISSA DECLARADA: Você quer crescer e ser forte e grande

32
Tradicionalmente em lógica, por muito tempo, um argumento que tem uma premissa ou conclusão não explícita
tem sido chamado de entimema. Continuamos a seguir essa tradição há muito estabelecida, embora haja
evidências de que o fundador do campo da lógica, Aristóteles, usou o termo "entimema" (em grego, enthymema)
para significar outra coisa. À luz dessa evidência, talvez seja melhor usar o termo "argumento incompleto". Mas o uso
de entimema para representar um argumento com premissas ou conclusões não explícitas foi ensinado em livros de
lógica por tantas gerações que é difícil resistir a ele.
120

PREMISSA NÃO DECLARADA: Se você não comer seus vegetais, não crescerá forte e grande

CONCLUSÃO: Você deve comer seus vegetais.

Uma vez que o argumento foi completado dessa forma, podemos ver que é um argumento ligado porque as duas
premissas se encaixam para apoiar a conclusão. O filho quer crescer e ser grande e forte. Sua mãe está dizendo que
ele pode atingir essa meta somente comendo seus vegetais. Presume-se, então, que o filho entenderia que o que
sua mãe está dizendo é que comer os vegetais é necessário para crescer grande e forte. E o resto de nós entenderá
dessa forma também. É uma afirmação comumente aceita a de que comer vegetais é necessário para a nutrição e o
crescimento saudável de uma criança. Consequentemente, há motivos para adicionar a premissa não declarada para
tornar o argumento completo. O argumento não faria sentido ou não seria plausível sem essa premissa. E não só a
mãe como o resto de nós também podemos facilmente aceitar essa declaração como algo que não seria debatido,
porque é largamente aceito na nossa sociedade.

Ainda em outros casos, a afirmação que falta em um argumento não é uma proposição comumente aceita,
de senso comum. Talvez seja uma proposição que é específica de um caso. Por exemplo, considere o argumento a
seguir:

O assaltante tinha menos que 1,80, então Sean não era o assaltante.

Nesse caso, a premissa que falta é “Sean não tem menos que 1,80m”. Como sabemos disso: Não é questão de senso
comum. Nós nem sabemos quem Sean é, e ninguém nos contou o quão alto ele é. Mesmo assim, está relativamente
claro, pelo que foi apresentado, que a premissa não declarada é a de que Sean não tem menos que 1,80 m. O motivo
é que essa proposição é o necessário para obtermos um argumento conectado que seja válido e que ofereça motivos
para apoiar a conclusão de que Sean não era o assaltante.

Ao preencher argumentos incompletos com afirmações não declaradas, é bom lembrar que nosso
propósito deveria ser normativo e não psicológico. Nosso propósito não é o psicológico de tentar determinar o que
essa pessoa realmente quis dizer com a frase em algum nível mais profundo. Talvez, no exemplo acima o
argumentador saiba que Sean tem 1,85m. Mas nós não precisamos saber disso. Tudo o que precisamos sabe é que
para tornar o argumento completo, é preciso assumir que Sean não tem menos que 1,80m. Nosso propósito
introduzindo uma premissa não declarada em uma parte incompleta de um argumento devia ser para completá-lo
(sujeito a correção ou refutação), baseado nas evidências dadas no texto. A premissa ou conclusão não declarada
que é inserida nas afirmações dadas explicitamente devem ser tratadas como uma construção artificial, como uma
presunção que pode ser baseada em evidência. Essa abordagem é tanto útil quanto necessária para a argumentação
crítica.

Em diálogos do dia a dia, premissas e conclusões são frequentemente deixadas não declaradas, porque
afirmá-las explicitamente não é necessário, e é até tedioso, podendo fazer com que o argumento fique
desnecessariamente complicado. Na verdade argumentos incompletos são muitas vezes úteis para a comunicação
no geral, e para criticar um argumento. Geralmente eles podem ser usados para um argumentador para facilitar a
comunicação permitindo que a audiência complete as lacunas por si só, porque o argumentador toma como certo
que a plateia não vai discordar da afirmação não declarada. Ela pode construir um argumento vindo de uma
mensagem incompleta que, quando completado, é relevante e contribui com a meta do diálogo. E completar partes
não declaradas pode ser útil para criticar um argumento, porque a crítica tem que achar os pontos fracos no
argumento. O propósito da crítica construtiva deveria ser preencher as lacunas de forma a fazer o argumento mais
completo e assim contribuir para o diálogo. Na argumentação crítica, criticar um argumento não é só atacá-lo de
qualquer forma possível. Criticismo deveria ser visto como construtivo. Seu propósito é, obviamente, tentar achar
os pontos fracos do argumento. Mas isso pode ser levado como uma maneira colaborativa que possibilitará que
todos, inclusive o próprio argumentador, identifiquem esses pontos fracos e os corrijam.

EXERCÍCIO 4.6

Inclua qualquer premissa ou conclusão não declarada necessárias para completar os argumentos abaixo. Dê a razão
principal pela qual você escolheu a afirmação que falta citando uma evidência do texto e/ou do contexto do discurso.
121

A. Jenna e Rupert estão tendo uma discussão crítica quanto à questão da eutanásia ser uma boa prática ou
não. Rupert, que é contra, argumenta: “Qualquer coisa que leve à perda do respeito pela vida humana é
uma prática perigosa. Portanto, a eutanásia é uma prática perigosa”.

B. Jason deveria conhecer as ruas de Manhattan, porque todo motorista de táxi em Manhattan deveria
conhecer as ruas de Manhattan.

C. Uma placa na estrada diz: “Quanto maior o hambúrguer, melhor. Os hambúrgueres são maiores no
Burger King”.

D. Todos os médicos são graduados na faculdade, então todos os membros da Associação Médica
Americana, são graduados na faculdade.

E. Um cientista social que acabou uma pesquisa sobre o conhecimento dos universitários norte-americanos
é cotado para falar para uma plateia o que está a seguir: ”Há universitários que pensam que a África fica
na América do Norte. Mas qualquer um que pensa que a África fica na América do Norte não tem
conhecimento básico de geografia.”

F. Membros de um partido político estão deliberando acerca de quem vão eleger como próximo líder do
partido. Um participante sugere Brown como candidato. Outro participante responde “Brown tem tido
baixas porcentagens nas enquetes ultimamente, então ela não seria uma boa líder.”

SETE Diagramando Casos Mais Complicados

Até agora os casos examinados têm sido relativamente fáceis de colocar em diagramas. Em muitos casos, todavia,
interpretação e reorganização consideráveis do material em um texto de discurso têm de acontecer antes que a
estrutura de um argumento possa ser identificada. Em alguns casos, entretanto, premissas ou conclusões faltantes
podem ser encontradas mais facilmente por meio do uso de esquemas de argumentação. Considere o seguinte
argumento: “O imposto de renda empresarial deve ser abolido; ele encoraja desperdício e preços altos.” A premissa
faltante no argumento do imposto de renda empresarial é a afirmação: “Qualquer coisa que encoraja desperdício e
preços altos deve ser abolida.” Essa afirmação pode ser analisada como enunciando a seguinte generalização
derrotável: “Em geral, se uma prática encoraja desperdício e preços altos, essa é uma razão para aboli-la”. Então o
argumento analisado pode ser representado como a seguir.

PREMISSA NÃO ENUNCIADA: Em geral, se uma prática encoraja desperdício e preços altos, essa é
uma razão para aboli-la.

PREMISSA ENUNCIADA: O imposto de renda empresarial é uma prática que encoraja desperdício e
preços altos.

CONCLUSÃO: O imposto de renda empresarial deve ser abolido.

Note que a segunda premissa foi um pouco modificada, de modo que o imposto de renda empresarial seja
classificado pela inclusão da frase “é uma prática que”. A análise até agora é razoavelmente óbvia, mas o exemplo
pode ser analisado de forma ainda mais aprofundada pelo uso de esquemas de argumentação.

No capítulo 3, seção 5, a argumentação para o argumento a partir de consequências negativas foi definida.

PREMISSA: Se a ação A for realizada, consequências ruins plausivelmente acontecerão.

CONCLUSÃO: A não deve ser realizada.


122

Com esse esquema de argumentação em mente, é fácil ver o raciocínio por trás do argumento do imposto de renda
empresarial. O raciocínio atrás dele é a presunção não-enunciada [unstated assumption] de que desperdício e preços
altos são consequências ruins. Já que afirmou-se que o imposto de renda encoraja desperdício e preços altos, outra
presunção implícita segue; especificamente, de que o imposto de renda empresarial tem más consequências.
Juntando toda a cadeia de argumentos, vemos que há cinco argumentos envolvidos.
A. O imposto de renda empresarial deve ser abolido.
B. O imposto de renda empresarial tem más consequências.
C. O imposto de renda empresarial encoraja desperdício e preços altos.
D. Desperdício e preços altos são más consequências.
E. Qualquer prática que tenha más consequências (outros fatores sendo os mesmos) deve ser abolida.

As únicas afirmações explícitas são (A) e (C). As outras afirmações, B, D e E, são presunções não-enunciadas no
argumento original do imposto de renda empresarial.

Toda a sequência de argumentação pode ser representada pelo diagrama de argumento na figura 4.8. As

Figura 4.8 Diagrama do exemplo do imposto de renda empresarial.


afirmações B, D e E foram escurecidas para indicar que representam presunções não-enunciadas, enquanto A e C
são apresentadas como proposições que foram explicitamente afirmadas no argumento dado. Esse argumento ainda
foi bastante fácil de transformar em diagrama, dado que o esquema de argumentação foi utilizado para ajudar, mas
muitos outros casos de argumentos no discurso de linguagem natural podem ser mais difíceis.

Quando confrontando um caso em particular, como um argumento expresso em um editorial de jornal, uma carta
ao editor, ou um artigo de revista, muito trabalho pode ser necessário para re-expressar a argumentação em uma
forma que permite que seja transformada em diagrama. Esse processo de preparar o texto de discurso para a
diagramação é chamado de transformação. Há quatro tipos de transformações que podem ter de ser feitas (5). 33
Deleção é a retirada de itens do texto que não são partes do argumento ou não são necessários para representar as
premissas e as conclusões nele. Por exemplo, muito do material em um texto pode consistir em descrições,
explicações, clarificações, etc, que não realizam qualquer papel como premissas ou conclusões no argumento. Muito
do texto em casos realistas pode ser de natureza não-argumentativa. Adição é encontrar e inserir premissas não-
enunciadas e conclusões necessárias para tornar completo o argumento. Permutação é o re-ordenamento das
proposições para formar uma sequência ordenada que apoia a conclusão. Substituição envolve clarificar a função e
o formato de um movimento em um diálogo, e re-expressar o movimento como parte de um argumento. Por
exemplo, a pergunta no exemplo acima: “Você quer crescer e ficar grande e forte?” Foi apresentada como uma
pergunta retórica. Uma pergunta retórica realiza a função de fazer uma afirmação. No argumento acima, nós re-
expressamos essa pergunta retórica como uma afirmação usada pela mão para ‘Você quer crescer e ficar grande e
forte’. Nessa transformação, a oração no dado texto de discurso está na forma de uma pergunta, mas sua função
real é fazer uma afirmação usada como premissa no argumento.

O exemplo seguinte é um argumento que é moderadamente difícil de transformar em diagrama, mesmo


que algumas palavras indicadoras sejam dadas. Você tem que pensar pelo argumento para ver como as afirmações
apresentadas agem como evidência que dá razões que apoiam a conclusão. Você também tem de decidir quais

33
Frans H. van Eemeren, Rob Grootendorst, Sally Jackson e Scott Jacobs, Reconstructing Argumentative Discourse
(Tuscaloosa: Alabama University Press, 1993), pp. 61-62.
123

partes do texto podem ser representadas de forma útil por um diagrama de argumento. Portanto, você deve
determinar quais partes podem ser melhor deletadas.

Recentemente, houve alguma controvérsia sobre a prevalência do hábito de comer junk food que é de mau valor
nutricional, e o impacto que isso tem na saúde. Frequentemente tomou-se como verdade que a educação pública
sobre fazer escolhas nutricionais sábias poderia solucionar o problema. Mas pode ser muito mais difícil reverter o
padrão de comer junk food do que pode ser realizado por meio apenas da educação. É mais barato e fácil para as
pessoas comer junk food do que comida nutritiva. Na loja onde trabalho, uma barra de doce custa menos de um
dólar e está pronta para comer. Frutas frescas e vegetais tendem a ser embaladas de forma inconveniente e ter
preços mais caros. É, também, muito mais lucrativo para as indústrias vender junk food do que comida nutritiva,
porque junk food pode passar mais tempo na prateleira do supermercado.

Para analisar esse argumento, temos de começar determinando quais partes dele representam um argumento que
apoia uma conclusão e quais partes têm alguma outra função. A primeira afirmação preenche o contexto de um
diálogo ao nos dizer sobre o que é a controvérsia no caso. Ela apresenta um problema que foi discutido. A segunda
afirmação nos conta sobre uma solução para o problema que foi proposta. Ela nos conta que há um ponto de vista
amplamente aceito ou comumente defendido de que a educação pública pode solucionar o problema O restante da
argumentação, após a palavra ‘mas’, opõe esse ponto de vista frequentemente aceito ao oferecer um conjunto de
razões para pensar que não é justificado. É essa parte da argumentação que podemos transformar em um diagrama
útil por meio dos métodos aprendidos até agora. Para nossos atuais propósitos, podemos simplesmente deletar as
duas primeiras afirmações.

Entretanto, assim como a deleção, nós também temos de realizar a operação de adição. Nós temos de
preencher algumas premissas faltantes que não são explicitamente enunciadas mas que pretende-se que sejam parte
do argumento. Uma é a afirmação de que barras de doce podem ser classificadas como junk food. Outra é a afirmação
de que frutas frescas e vegetais podem ser considerados comida nutritiva. Vamos inserir essas afirmações como
premissas e enumerar cada uma das afirmações no argumento.

(A) Pode ser muito mais difícil reverter o padrão de comer junk food do que pode ser realizado por
meio apenas da educação. (B) É mais barato e fácil para as pessoas comer junk food do que comida
nutritiva. (C) Na loja onde trabalho, uma barra de doce custa menos de um dólar e está pronta para
comer. (D) Barras de doce podem ser consideradas junk food. (E) Frutas frescas e vegetais tendem a
ser embaladas de forma inconveniente e ter preços mais caros. (F) Frutas frescas e vegetais podem
ser considerados comida nutritiva. (G) É, também, muito mais lucrativo para as indústrias vender junk
food do que comida nutritiva, porque (H) junk food pode passar mais tempo na prateleira do
supermercado.

Nesse argumento, A é a conclusão final A afirmação A é apoiada pela afirmação B. O locutor depois dá um número
de razões que apoiam B. As afirmações C, D, E e F juntam-se para apoiar B. G dá uma razão adicional para apoiar B,
e H dá uma razão para apoiar G. Portanto G pode ser percebida como uma premissa que é parte de um argumento
convergente que leva a B. Finalmente, H é um argumento singular que apoia G. Essa análise é demonstrada na
figura 4.9.

Figura 4.9 Argumento vinculado, em série e singular.


124

É possível suplementar essa análise com uma outra ainda mais profunda. Se nós desejássemos nos aprofundar um
pouco mais, nós poderíamos adicionar uma outra premissa faltante que junta-se a H para apoiar G. É a afirmação de
que comida que pode passar mais tempo na prateleira do supermercado é mais lucrativa para as empresas no
mercado. Isso adicionaria uma afirmação I, em um argumento ligado com H, ao diagrama em apoio a G. É
frequentemente o assunto de quanto você quer se aprofundar na análise de um argumento que determinará se é
útil adicionar premissas adicionais que não foram explicitamente enunciadas em um caso mas que podem possuir
algum papel em como a argumentação no caso deve ser criticada ou avaliada.

Nesse manual, nós não podemos nos aprofundar mais nas quatro técnicas para limpar um texto de discurso
antes de transformar em diagrama a argumentação nele. É suficiente dizer que uma tal operação é baseada na
interpretação que o(a) crítico(a) tem do discurso em linguagem natural. Não há um conjunto mecânico de regras que
pode ser dado. Assim, abaixo, alguns avisos sobre o processo são adicionados. O que deve ser percebido é que sem
algum processo de transformação da linguagem natural, com todas as suas idiossincrasias [características
peculiares], em um diagrama de argumento, não há possibilidade de aplicar métodos de argumentação crítica a casos
reais de argumentos do dia-a-dia dos tipos encontrados em revistas e jornais.

Normalmente, um argumento em um texto de mídia tem o formato de um diálogo como sua estrutura
normativa mesmo que os leitores ou a audiência pretendida não tenham papel ativo como respondentes no diálogo.
Mas a estrutura do argumento é um diálogo, normativamente falando, porque o leitor (ou membro da audiência)
deve fazer perguntas críticas sobre o argumento apresentado a ele(a) para aceitação. Entretanto, cuidado é
necessário à reconstrução de tais textos de discurso. Em muitos casos, o discurso de mídia não é, em si, um
argumento direto, mas um relatório do argumento de outra pessoa que o texto de mídia pode, então, apoiar (ou
contrariar). Cuidado é necessário para separar, em tais casos, o argumento original e o relatório da mídia sobre ele -
um relato de segunda mão pode ser altamente seletivo. E lembre-se: você pode não ter acesso ao texto do discurso
do argumento original.

EXERCÍCIO 4.7

Aplique o processo de transformação para identificar as premissas e conclusões nos seguintes textos de discurso em
linguagem natural. Desenhe um diagrama de argumento para representar a conclusão final e as razões dadas para
apoiá-la. Cite evidência do texto de discurso para apoiar cada passo em seu processo de transformação.

A. Spray Nine diz matar o vírus do HIV em uma superfície seca em trinta segundos. Mas Bob Howard, dos
Centros de Controle e Prevenção de Doenças, diz que o vírus do HIV morreria em trinta segundos em uma
superfície seca mesmo que nada fosse colocado nele. Parece, então, que você não ganha nenhuma
segurança adicional usando Spray Nine. Eu não acho que vou comprar esse produto para me proteger da
transmissão do HIV.

B. “Você não gostaria que pudéssemos nos livrar dos CFCs? De certa forma nós podemos - se resfriarmos
nossos edifícios com gás natural. Equipamentos de resfriamento com gás natural resfriam usando água, ao
invés de CFCs, que depletam a camada de ozônio. Sistemas de resfriamento com gás natural também têm
menos partes que sistemas tradicionais, o que significa que os custos de manutenção são mais baixos. E,
porque eles custam muito menos para operar, eles cortam os custos energéticos do resfriamento - em até
50%. Há outro grande benefício, também. Eles economizam eletricidade durante o calor do verão, quando
a demanda atinge seu pico. Como resultado, podemos ajudar nossas cidades a evitar apagões, e ajudar a
diminuir a necessidade de instalações de geração de energia. O melhor de tudo, nós podemos ajudar os
Estados Unidos a balancear o uso de seus recursos energéticos. Sem dúvida, o gás natural é uma forma de
alta tecnologia e baixo custo para manter algo frio sem CFCs. É uma forma legal [cool] de ajudar a salvar
nossa camada de ozônio, também” (American Gas Association, Wall Street Journal, 10 de abril de 1995, p.
A19).

C. “Os japoneses não são apenas mestres na adaptação dos trabalhos de outras pessoas. Eles fazem os seus
próprios, trazendo talento e eficiência à manufatura. Essas qualidades vêm, em parte, de um desejo por
simplicidade. De cadeiras a garrafas de molho de soja, designs japoneses oferecem um perfil limpo e
minimalista. O espaço é precioso no Japão, então produtos que não o desperdiçam são particularmente
valorizados. O exemplo mais óbvio é a miniaturização de aparelhos eletrônicos. Trinta anos atrás, a Sharp
125

Corporation introduziu a primeira calculadora em estado sólido. Foi descrita como uma desktop mesmo
que com 35 quilogramas ela pesasse quase tanto quanto a mesa na qual se apoiava. Hoje em dia, a
calculadora é pequena o suficiente para caber no bolso. Carros japoneses começaram a superar seus
competidores em vendas não só devido aos seus designs mas também porque eram muito bem-feitos. Em
objetos tão diversos como máquinas de costura, decorações domésticas e motocicletas, os japoneses
atingiram harmonia e elegância visuais. Qualquer um familiarizado com a patinação tem os japoneses a
agradecer, ou culpar. Em 1969, Yoshisada Horiuchi desenhou um skate de bota com quatro rodas
montadas em uma linha. Um americano inventou patins in-line no século XIX, mas seu design não se
perpetuou, aparentemente sem a elegância japonesa” ("Japan Excels by Design", The Economist,
reimpresso no Globe and Mail, 10 de abril de 1995, p. A9).

OITO Resumo

Existem quatro tipos básicos de estruturas de argumentos centrais para a diagramação argumentativa. Um único
argumento apresenta apenas uma premissa que é usada toda por si só [all by itself] como a base oferecida para
apoiar a conclusão. Em um argumento vinculado [linked], as premissas funcionam juntas para apoiar a conclusão.
Em um argumento convergente, cada premissa funciona por conta própria para preencher a função probatória.
Assim um argumento convergente pode ser visto como vários argumentos diferentes usados para apoiar a mesma
conclusão. Em um argumento serial (em série), a conclusão de um argumento se torna a premissa do próximo
argumento usado na sequência de raciocínio. Em um argumento divergente, duas proposições são inferidas como
conclusões separadas da mesma premissa. Em alguns casos, se não é um assunto simples [straightforward matter]
distinguir se o argumento é vinculado ou convergente. Como uma base para determinar se o argumento é vinculado
ou convergente, quatro tipos de evidência são usados: palavras indicativas, estrutura de inferência, o teste apagão
[blackout test], e o contexto de diálogo. Em casos onde há evidência insuficiente para determinar firmemente se um
argumento é vinculado ou convergente, é melhor classificá-lo como convergente.

Um argumento incompleto é um argumento com uma afirmação, uma premissa, ou conclusão que não foi
explicitamente declarada no texto de discurso do caso em questão mas isso precisa ser explicitado para poder
oferecer uma base para avaliar o argumento como um todo. O processo de inserir premissas ou conclusões não
declaradas é parte de um processo mais geral chamado transformação. Os quatro tipos de transformação usados
para inventar um diagrama argumentativo de um determinado texto em discurso são delação, adição, permutação
e substituição. Algumas premissas ou conclusões que não foram explicitamente declaradas talvez tenham que ser
preenchidas para tornar o argumento útil para provar algo que contribua para resolver um problema [settle an issue]
em um diálogo. Um argumento como esse poderia assumir que uma audiência preencherá as premissas em falta ou
tirar as conclusões não declarada por si mesmas. Se essas partes faltantes forem deixadas de fora, entretanto, o
raciocínio do argumentador pode não ser devidamente representado.

Uma premissa ou conclusão implícita precisa ser rotulada como tal em uma reconstrução argumentativa
(usando uma convenção no diagrama, para separá-las de premissas e conclusões explícitas). Desse modo, uma tal
premissa implícita, deve ser sempre lembrado, está sendo atribuído ao argumentador em uma base presuntiva
apenas, quando a evidência textual justifica uma tal adição ao caso. Mas no fim, julgar se uma proposição deveria
ser inserida como uma adição não declarada a um argumento é melhor feito em uma base contextual de determinar
como o argumento está sendo usado no contexto de diálogo em um determinado caso. Julgamentos de como
completar argumentos incompletos são melhor realizados em uma base caso a caso, utilizando a evidência do
contexto de diálogos.

Os exemplos estudados antes das seis seções desse capítulo foram feitos para serem claros e diretos
[straightforward] em estabelecer casos ilustrativos de argumentos. Mas a realidade de diagramar argumentação
em linguagem natural, como indicado na seção 7, pode ser muito mais difícil. Ao se lidar com casos difíceis dos tipos
que são encontrados em muitos casos de textos de discurso reais, argumentos precisam ser expressados novamente
por meio de sua transformação. É preciso identificar um conjunto [set] de premissas e uma conclusão ou uma
sequência ordenada deles. Mas em alguns casos, esta sequência está enterrada em um texto de discurso obscuro e
confuso. Pode ser bem difícil nesses casos julgar quais suposições não declaradas são necessárias para completar
um argumento ou mesmo identificar claramente as premissas e conclusões supostamente sendo explicitamente
declaradas.

A realidade é que as pessoas são muitas vezes enganosas. Elas usam ambiguidade e linguagem obscura para
esconder seu significado e mesmo tentar disfarçá-lo para que não sejam responsabilizadas. Em muitos casos,
argumentadores até usam insinuações [innuendo] e outras técnicas enganosas inteligentes de ofuscação para
126

providenciar “negação plausível”. Por exemplo, uma premissa ou conclusão não declarada pode ser apresentada
[put forward] em um argumento para persuadir uma audiência, mas então depois, quando criticamente
questionada, o proponente do argumento pode negar que ela quis afirmar [assert] essa proposição de forma alguma
[at all]. Essas técnicas de tentar se livrar? [weasel out] de um comprometimento prévio são todas muito familiares
em argumentação política. Mas existem até casos nos quais argumentadores tentam evitar o cumprimento desse
fardo em antecipação a qualquer desafio que possa aparecer depois. Por exemplo, um argumentador poderia dizer:
“Eu ouvi rumores de que a proposição A é verdadeira, mas seria injusto da minha parte repetir esses rumores porque
eu não posso provar que eles são verdade. Mas apenas no caso em que eles revelem-se falsos, eu gostaria de negar
que eles são verdadeiros.” Em um caso tal como este, o argumentador está te tentando fazer aceitar A como uma
presunção plausível que pode ser verdadeira, sem ter que aceitar um fardo de prova por apresentar A como uma
alegação para a sua aceitação. Felizmente, nem todos os casos de argumentos são apresentados em uma maneira
tão complicada [tricky] para fugir à responsabilidade de ter que apoiar premissas e conclusões com evidências. Mas
em argumentação crítica, precisamos ter noção de que tais casos existem.

Portanto, uma certa restrição cautelosa e julgamento são exigidos. Seria contra-produtivo sempre sair por
aí botando premissas adicionais que fariam um argumento estruturalmente correto, mesmo que esteja claro que o
argumento é ruim, e não está sendo apresentado de uma maneira que represente uma argumentação
estruturalmente correta ou a posição do autor sendo defendida no texto do discurso. Uma tal atribuição precisa ser
vista como sujeita ao repúdio pelo proponente do argumento. É melhor manter esta limitação porque, como vimos
em conexão com o argumento de comprometimento no capítulo 3, podem haver sérios problemas em atribuir
erroneamente premissas ou conclusões não declaradas para argumentadores em alguns casos. O maior problema é
o perigo de cometer a falácia do espantalho [straw man], ao atribuir falsamente a um argumentado alguma
declaração com a qual ele não esteja comprometido, 34 e não representa a posição pela qual ele está argumentando.
Apesar desses perigos, as quatro transformações, incluindo a técnica para a adição de premissas e conclusões não
declaradas, são métodos necessários e úteis de diagramação argumentativa. Nós não poderíamos devidamente
identificar, analisar, e avaliar argumentos cotidianos em conversas em linguagem natural se nós não os
implantássemos [deploy]. Mas precisamos usá-los cautelosamente, sempre provendo uma atribuição ao apelar para
a evidência textual e contextual dada no caso.

34
Sobre a noção de compromisso como um conceito central para a argumentação crítica, ver Douglas N. Walton e
Erik C. W. Krabbe, Commitment in Dialogue (Albany: New York State University Press), 1995.
CINCO Diálogos

Os diálogos, como vimos no capítulo 1, têm características como a civilidade, o que significa que os dois participantes
se revezam fazendo vários movimentos. Esse capítulo começa com a análise dos diferentes tipos de diálogo que
apresentam tais características, a fim de tornar o diálogo bem sucedido como um ambiente de utilização da
argumentação racional. Tais movimentos incluem não só a apresentação de argumentos, mas também a formulação
de perguntas, incluindo perguntas críticas utilizadas para responder aos argumentos. É a sequência de perguntas e
respostas, assim como cadeias de argumentos, que constituem os diálogos. Assim, fazer as perguntas certas num
diálogo e responder adequadamente às perguntas da outra parte são aspectos importantes daquilo que faz um
diálogo avançar. Este capítulo classifica os diferentes tipos de diálogo e examina algumas das principais propriedades
das perguntas e como elas são utilizadas nos diálogos. Questionar é obviamente muito importante no Direito e na
política. Por exemplo, num julgamento, um advogado tem que interrogar uma testemunha e, por vezes, em contra-
interrogatório [cross-examination], pode fazê-lo sondando de forma até mesmo agressiva. O advogado do outro
lado muitas vezes precisa de se opor a tais perguntas. O questionamento é também muito importante em ciência
na fase de descoberta, onde as hipóteses são formuladas.

Fazer perguntas muitas vezes pode parecer uma atividade inocente e inofensiva do ponto de vista de
argumentação crítica. Afinal, as perguntas não fazem afirmações, na forma como as proposições costumam fazer, e
as perguntas não têm premissas e conclusões como os argumentos costumam ter. Porém, as perguntas têm
pressupostos, e estes pressupostos são afirmações que podem muitas vezes funcionar num diálogo de forma muito
semelhante aos argumentos. As perguntas podem ser carregadas, e podem ser complexas. Combinando esses
aspectos, você pode fazer perguntas que funcionam como armadilhas engenhosas. Assim, as questões, como será
mostrado, não são, em muitos casos, tão inocentes quanto parecem. De fato, fazer as perguntas corretas e ter o
cuidado de lhes responder da forma certa pode ter uma enorme influência na condução de um diálogo em certa
direção, que pode se aproximar (ou se afastar) do objetivo que o diálogo supostamente deve cumprir. Por todas
estas razões, a capacidade de aprender a questionar e responder é um dos aspectos mais importantes da
argumentação crítica. As habilidades ensinadas neste capítulo incluem aprender a reconhecer diferentes tipos de
perguntas, aprender a responder a elas, e aprender como agir quando uma resposta não é apropriada. Também são
ensinadas as habilidades de aprender a como detectar implicações ocultas e ardilosas de questões e como responder
a elas de forma racional e construtiva.

UM Diálogo de Persuasão

No início deste livro, no capítulo 1, seção 1, vimos que as principais características de qualquer diálogo que contenha
argumentação podem ser identificadas como: a questão, os pontos de vista dos participantes, a característica da
civilidade, a oposição dos pontos de vista, e a utilização de argumentos. O capítulo 1 ilustrou todas estas
características com o diálogo sobre gorjetas. Abaixo, será mostrado que existem diferentes tipos de diálogos, mas
começamos com o diálogo de persuasão, uma vez que este é de importância central para argumentação. O diálogo
sobre as gorjetas é um diálogo de persuasão, o que significa que Bob e Helen têm pontos de vista opostos sobre a
questão das gorjetas, e cada um tenta persuadir o outro a aceitar o seu ponto de vista. Helen é contra as gorjetas.
Na sua opinião, é uma má prática que não deve ser continuada. Bob é a favor de dar gorjetas. Ele pensa que é uma
boa prática que deve ser mantida. O que cada parte está fazendo no diálogo é utilizar a argumentação racional para
levar o outro a desistir do seu antigo ponto de vista e passar a aceitar um ponto de vista diferente, no caso, o
defendido pelo debatedor.

Podemos ver que o diálogo sobre as gorjetas, assim como todos os diálogos de persuasão, representa uma
mistura de oposição e colaboração. Os pontos de vista de Helen e Bob são opostos entre si. Eles têm opiniões opostas
sobre gorjetas. Cada um é um defensor do seu próprio ponto de vista, e é importante que cada um apresente os
argumentos mais fortes e persuasivos que puder, e que questione criticamente e tente refutar os argumentos do
outro tão bem quanto puderem. A questão pode ser examinada observando as razões a favor e contra cada um dos
lados. Como mostrado no capítulo 1, se ambas as partes o fizerem, o diálogo pode ser bem sucedido, lançando luz
128

sobre a questão, evidenciando as razões a favor e contra cada opinião e nos permitindo resolver ou clarificar a
questão.

Um diálogo de persuasão é sobre uma questão central; cada parte tem um ponto de vista sobre essa
questão, e o ponto de vista de uma das partes é oposto ao do outro. Como é mostrado no capítulo 6, um ponto de
vista é constituído por dois componentes, uma proposição (declaração) e uma atitude (pró ou contra) em relação a
essa declaração. Num diálogo de persuasão, uma das partes tem uma atitude a favor de alguma proposição,
enquanto a outra duvida dessa proposição, como em uma dissidência. Ou uma pessoa tem uma atitude a favor de
alguma proposição especial e a outra tem uma atitude a favor da proposta oposta, como numa disputa (ver capítulo
1, seção 9). Esta proposta especial foi chamada de tese de argumentador no capítulo 1. Numa disputa, a tese de
uma das partes é a oposto da tese da outra. Numa dissidência, uma das partes duvida que a tese da outra seja
verdadeira, e a primeira parte oferece argumentos para eliminar as dúvidas do outro. Numa dissidência, o papel do
proponente é apresentar um argumento, utilizando o raciocínio para tirar do outro a dúvida sobre alguma
proposição específica (a conclusão do raciocínio). O papel do respondente é expressar dúvidas sobre essa proposta
em particular ou, em alguns casos, até expressar a opinião de que essa proposta é falsa. Assim, todo o diálogo de
persuasão, seja uma disputa, seja uma dissidência, é caracterizado por uma oposição entre dois lados do debate, ou
seja, existe uma proposta particular que um aceita e o outro não. Num caso de forte oposição, a tese de uma das
partes é o oposto (negação) da tese da outra parte, e esse tipo de diálogo é chamado de disputa. No caso de oposição
fraca, uma parte tem uma proposição particular como a sua tese, e a outra parte não aceita essa tese, mas não
defende a proposição oposta a ela. Nesse tipo de diálogo, a dissidência, o respondente é bem sucedido se ele puder
questionar a defesa da tese do proponente, lançando a dúvida sobre ela. Assim, a colocação cuidadosa de perguntas
é um método importante de discussão.

Tal oposição num diálogo de persuasão, quer se trate de uma disputa, quer seja uma dissidência, pode
representar uma discordância factual ou um desacordo sobre se alguma ação ou tipo de ação é ou não uma boa
prática. Por exemplo, podemos ter uma disputa sobre o mercúrio ser mais pesado do que chumbo ou não. Isto seria
uma disputa factual sobre se a proposta "Mercúrio é mais pesado do que chumbo'' é verdadeira ou falsa, e você
poderia tentar me convencer de que a sua opinião sobre o assunto está correta, citando provas. Poderia, por
exemplo, citar uma passagem de um livro didático de Química. A disputa sobre gorjetas, em contraste, representou
uma discordância sobre se um tipo de ação, no caso, a gorjeta, é geralmente uma boa prática ou não. Este também
é um diálogo de persuasão, ainda que se trate de ações e da possibilidade de serem boas ou não. A razão disso é
que ambas as frases "Dar gorjetas é uma boa prática que deve ser mantida" e "Dar gorjetas é uma prática ruim que
não deve ser mantida" podem ser classificadas como declarações verdadeiras ou falsas. E assim podem ser
apresentados argumentos persuasivos dando razões pelas quais cada uma delas é verdadeira (ou falsa). É
importante abordar esse ponto sobre o diálogo de persuasão, ainda que possa parecer uma coisa pequena, porque
abaixo é feita uma diferenciação entre o diálogo de persuasão e outro tipo de diálogo chamado deliberação.

A característica mais importante de um diálogo de persuasão é que as duas partes tentam convencer a
outra de que a sua tese é verdadeira (no caso de uma disputa). Entretanto, o que se entende por "persuasão"?
Refere-se não apenas a persuasão psicológica, mas também ao que se poderia chamar de “persuasão racional”.
Como já foi dito, o conceito de argumento tem um componente de racionalidade. O proponente de um argumento
tenta conseguir que o respondente aceite a conclusão, utilizando premissas que o respondente já aceita ou pode
ser convencido a aceitar através da utilização de outros argumentos. O proponente usa argumentos para este fim,
utilizando uma cadeia de raciocínios. Mas a forma específica como se utiliza tal cadeia de raciocínio é característica
do diálogo de persuasão. Tenta-se usar um argumento que cumpra dois requisitos. Um é que o argumento seja
estruturalmente correto como dedutivo, indutivo ou como uma inferência plausível. A outra é que o argumento
tenha premissas que a outra parte aceita ou possa ser convencida a aceitar. Se o proponente utilizar um argumento
com sucesso em tal caso, o respondente é obrigado a aceitar a conclusão. A razão é que ambos os participantes num
diálogo de persuasão devem respeitar um argumento racional. Isso faz parte daquilo com o que eles concordam
quando entram neste tipo de diálogo. Se o proponente apresentar um argumento que cumpra esses dois requisitos
e o respondente não puder refutar ou questionar criticamente os argumentos, então ele deve aceitá-lo. Ele deve ser
racionalmente persuadido a aceitar a conclusão. Apesar de não a ter aceito antes, deveria aceitar agora. Em outras
palavras, um argumentador num diálogo de persuasão deveria estar aberto a mudar a sua opinião se confrontado
com um argumento que dê boas razões para apoiar a sua conclusão. Se ele se recusar a ceder, mesmo confrontado
com um argumento convincente, ele acaba optando por não participar no diálogo de persuasão de fato. Em outras
palavras, é importante, num diálogo de persuasão, ter a mente aberta. Ser dogmático ou ignorar evidências é uma
coisa ruim.
129

Em um tipo especial de diálogo de persuasão, chamado de discussão crítica, o objetivo do diálogo é resolver
o conflito central de opiniões provando que o ponto de vista de uma das partes foi com sucesso e o da outra parte
não. Nesse tipo de diálogo, tem que haver vencedor e perdedor, ou o diálogo não foi bem sucedido. No entanto, em
outros diálogos de persuasão, mesmo que nenhum dos lados consiga provar a sua tese ou refutar a do outro, o
diálogo ainda é razoavelmente bem sucedido. Por exemplo, uma discussão filosófica sobre alguma questão como o
livre arbítrio ou a eutanásia podem ser bem sucedidos mesmo que um dos lados não prove estar certo e o outro
errado. Um diálogo de persuasão como uma discussão filosófica, por exemplo, pode ser bem sucedido se cada
participante perceber as razões pelas quais a outra parte manteve a sua opinião ou, também, ganhar uma visão mais
profunda das razões pelas quais ele próprio tinha a opinião que tinha. Alguns vêem a percepção crítica [critical
insight] como menos importante do que quem ganhou o diálogo, mas tal percepção é valiosa porque pode abrir o
caminho para o conhecimento, ao expor argumentos que são questionáveis ou mesmo falaciosos.

Naturalmente, já estamos familiarizados desde o capítulo 1 com o tipo de diálogo em que existem dois
pontos de vista diferentes e opostos e em que cada participante usa a argumentação racional para tentar levar o
outro a aceitar o seu ponto de vista, mas, no final, a tese de um não se mostra verdadeira e a do outro lado falsa. Os
diálogos do capítulo 1, tais como o diálogo sobre gorjetas e o diálogo sobre alimentos geneticamente modificados,
são desse tipo. Tal diálogo pode valer a pena e lançar luz sobre uma questão, mesmo que não a resolva. No entanto,
para ilustrar como o diálogo de persuasão é governado por regras que regulam cada movimento, o exemplo da
discussão crítica foi escolhido aqui. A discussão crítica é um dos tipos de diálogo de persuasão mais facilmente
reconhecíveis, e a sua exigência de resolução [resolution requirement] é rigorosa e definitiva. Para que uma discussão
crítica seja bem sucedida, um dos lados deve ganhar enquanto o outro lado perde. O conflito de opiniões deve ser
resolvido, fazendo o resultado ir para um lado ou para o outro. De certa forma, este tipo de diálogo de persuasão é
o mais fácil de ser reconhecido e analisado por um principiante.

Abaixo é apresentada uma versão das dez regras de diálogo que regem os movimentos feitos por ambos os
participantes durante a fase de argumentação de uma discussão crítica.35

Regras Para Uma Discussão Crítica

Regra 1: As partes não devem impedir uma à outra de avançar ou de levantar dúvidas sobre os pontos de vista um
do outro.

Regra 2: Quem avançar [advances] um ponto de vista é obrigado a o defender se lhe for pedido fazê-lo.

Regra 3: Um ataque a um ponto de vista deve representar o ponto de vista que realmente foi posto pelo
adversário.

Regra 4: Um ponto de vista só pode ser defendido ou atacado através do avanço de uma argumentação relevante
para esse ponto de vista.

Regra 5: Uma pessoa pode ser considerada responsável pelas premissas não declaradas [unstated premises] que
deixa implícitas na sua argumentação.

Regra 6: Um ponto de vista só é considerado como conclusivamente defendido se a defesa ocorre através da
argumentação baseada em premissas aceitas pela outra parte, e cumpre o requisito da regra 8.

Regra 7: Um ponto de vista só é considerado como conclusivamente defendido se a defesa ocorre por meio de
argumentos nos quais um sistema de argumentação é aplicado corretamente.

Regra 8: Um ponto de vista só é considerado como conclusivamente defendido se for apoiado por uma cadeia de
argumentação que cumpra os requisitos das regras 6 e 7 e se as premissas não declaradas na cadeia de
argumentação forem aceitas pela outra parte.

35 As regras para a discussão crítica foram estabelecidas pela Escola de Amsterdam de teoria da argumentação,

incluindo as regras para a fase de argumentação apresentadas acima. Uma versão deste conjunto de regras pode
ser encontrada em Frans H. van Eemeren e Rob Grootendorst, Argumentation, Communication and Fallacies
(Mahwah, NJ: Erlbaum, 1992), PP. 208-209. A versão representada acima não é citada literalmente [verbatim]. Ele foi
reexpresso e modificado para atender às necessidades e à linguagem deste livro.
130

Regra 9: Uma defesa que falha deve ter como resultado o proponente retirando sua tese e uma defesa bem
sucedida deve resultar no respondente retirando sua dúvida quanto à tese do proponente.

Regra 10: As formulações de perguntas e argumentos não devem ser obscuras, excessivamente vagas, ou
confusamente ambíguas e devem ser interpretadas com a maior precisão possível.

A partir destas regras, o leitor pode ter uma boa ideia de como a discussão crítica funciona como um tipo distinto
de diálogo. E é possível obter uma ideia de como ela representa um modelo normativo de argumentação, ou seja,
que certos tipos de movimentos e argumentos são excluídos por serem inadequados ou incorretos pelas regras. Para
estabelecer este ponto, vamos examinar cada uma das regras.

A regra 1 proíbe o uso de força ou ameaças em uma discussão crítica ou outra táticas utilizadas para tentar
fazer com que a outra parte “se cale”. A regra 2 expressa o requisito do ónus da prova, tal como definido no capítulo
6. A regra 2 significa que, se você afirmar que uma determinada proposição é verdadeira, deve apresentar um
argumento com essa afirmação [claim] como conclusão, se a outra parte questionar a razão da sua afirmação. A
regra 3 lida com a falácia do espantalho. Ela exige que, se você atacar ou questionar o ponto de vista da outra parte,
deve dirigir as suas críticas ao verdadeiro ponto de vista que foi defendido e não a alguma versão exagerada ou
distorcida do mesmo. A regra 4 requer relevância, um fator que é estudado abaixo no capítulo 7. A regra 5 tem a ver
com ”enthymemes”, ou argumentos com premissas ausentes, do tipo estudado no capítulo 4, seção 6. A regra 6
(bem como a regra 5) mostra claramente porque a discussão crítica é um tipo de diálogo de persuasão. Um
argumento de sucesso utilizado por um proponente tem de ser baseado em premissas com as quais o respondente
está comprometido, a julgar pelo que foi registrado como dito por ele no diálogo até agora. As regras 7 e 8
acrescentam requisitos estruturais à cadeia de argumentação utilizada para argumentar a partir das premissas do
respondente até chegar a sua conclusão. Cada passo deve ser baseado em uma forma correta de argumento, ou
seja, um esquema de argumentação ou uma forma de argumento que é dedutivamente válida ou indutivamente
forte. A regra 9 estabelece o requisito de ganhar e perder que é característico da discussão crítica como um tipo
especial de diálogo de persuasão. A regra 10 acrescenta um requisito linguístico. Uma vez que os diálogos que
representam casos reais de argumentação conversacional ocorrem no discurso da linguagem natural, é necessária
clareza de expressão. Assim, é necessário evitar a obscuridade, ou uma vagueza e ambiguidade excessivas, se se
pretende que a argumentação seja bem sucedida.

O diálogo de persuasão não é o único tipo de diálogo em que a argumentação pode ocorrer. Na próxima
seção, veremos que existem outros tipos de diálogo, com características diferentes e regras diferentes. Uma vez que
a diálogos estudados no capítulo 1, tais como o diálogo das gorjetas e o do Papai Noel, são diálogos de persuasão, é
fácil entender porque o diálogo de persuasão é tão comum e tão característico de boa parte da argumentação
cotidiana. Assim, ele é claramente um bom lugar para começar a estudar como um tipo de diálogo pode ter regras
que regem a argumentação racional utilizada nele. A discussão crítica é um bom exemplo para ser utilizado ao
introduzir o leitor ao diálogo de persuasão. Embora as regras não sejam enunciadas em uma formulação exata, do
tipo que pode ser utilizado em informática, são fáceis de compreender sem utilizar notação técnica, e representam
claramente um modelo normativo de argumentação, ou seja, um modelo que representa uma utilização correta da
argumentação e exclui certos tipos de movimentos de argumentação, julgando-os incorretos no modelo.

EXERCÍCIO 5.1

1. Reveja o diálogo sobre alimentos geneticamente modificados no capítulo 1, e julgue até que ponto os
movimentos feitos no diálogo estão em conformidade com as regras de uma discussão crítica.

2. Sente-se com um parceiro e realizem uma breve discussão crítica sobre a questão da gorjeta. Decida que
lado da questão você apoia mais fortemente e encontre um parceiro para a discussão que apoie o outro
lado. Registre o diálogo. Identifique três dos argumentos mais persuasivos que foram utilizados de cada
lado. Mostre como cada um destes três argumentos (de um lado ou do outro) foi ligado a outros
argumentos na discussão.
131

DOIS Compromisso no Diálogo

Uma das noções centrais em qualquer tipo de diálogo é o comprometimento. Como os debatedores em um diálogo
proferem várias afirmações e expõem argumentos ou performam manobras de qualquer tipo, essas manobras os
comprometem. Por exemplo, se um debatedor concorda com a proposição de que dar gorjeta resulta em más
consequências, ela compromete-se com essa proposição. Cada participante em um diálogo tem um estoque de
comprometimentos, em que fica gravado tudo com que cada um se comprometeu. Quando um participante se
compromete com algo, isso vai para o estoque. Portanto, cada compromisso assumido é armazenado em um banco
de dados que contém uma lista de proposições que cada participante aceita como verdade. Idealmente, essa base
de dados é registrada e vigiada. Na vida real, os participantes se esquecem das coisas com que se comprometeram
ou ainda tentam escondê-las. Às vezes as pessoas vão brigar por causa disso. Por exemplo, uma pessoa pode dizer
que a outra sustentou a justificação da pena capital, enquanto essa segunda pessoa pode insistir no fato de que
nunca disse isso. Como não há registro público do que foi ou não foi dito, não há como verificar. Entretanto,
idealmente, em um diálogo deve haver registro das manobras prévias e das coisas com as quais cada parte
comprometeu-se.

Quando a participante de um diálogo comprometeu-se com certa proposição, então ela está atada a essa
proposição caso o assunto surja novamente no diálogo. Vamos pegar o exemplo das disputas sobre gorjeta. Suponha
que Helen, em um momento anterior do diálogo, concordou com a proposição de que qualquer prática que
recompense excelência no serviço é boa. E suponha que, em algum outro ponto do diálogo, ela concordou que dar
gorjeta é uma forma de recompensar excelência no serviço.

Então seria apropriado que Bob usasse o seguinte argumento no diálogo sobre gorjeta.

Qualquer prática que recompense a excelência no serviço é boa.

O ato de dar gorjeta recompensa a excelência no serviço.

O ato de dar gorjeta é bom.

Bob aponta, digamos, que esse argumento é dedutivamente válido e que Helen comprometeu-se com as duas
premissas. Como a estrutura do argumento é dedutivamente válida, uma vez que Bob apontar o compromisso de
Helen com as premissas, ela também deve comprometer-se com a conclusão. O que é mostrado aqui é que uma vez
que você comprometeu-se com algumas proposições em um diálogo, você também pode ter se comprometido com
outras, ainda que não tenha percebido. Você pode ter se comprometido com outras proposições que seguem
logicamente as que você aceitou como verdade.

Uma pessoa certamente consegue enxergar o porquê de Helen precisar aceitar que “dar gorjetas é uma
prática boa” como um compromisso dela uma vez que Bob expuser o argumento acima. Se ela disser que a
proposição não é verdadeira, estará sendo inconsistente. E, conforme mostrado na seção 1 do capítulo 1, a
inconsistência é algo ruim na Lógica. Se você se contradizer, todas as coisas que você falou não podem mais ser
verdade. Inconsistência é um sinal importante de erro na argumentação crítica. Do modo como as coisas estão, Bob
mostrou a inconsistência de Helen no diálogo das gorjetas. Portanto, Helen precisa reagir de algum modo e enfrentar
a criticidade de Bob.

Quando o Bob usou o argumento acima, porém, apareceu outro problema para o argumento de Helen no
diálogo das gorjetas.A aceitação da conclusão significaria que Bob está certo e que dar gorjetas é uma boa prática.
Mas, no diálogo, ela não concorda com essa posição de forma alguma. Ela é contra isso. Apesar disso, se ela a
aceitasse, significaria que ela perdeu a discussão crítica acerca das gorjetas. Essa concessão significaria que, no
diálogo, Bob teve sucesso em provar a tese dele. Então Helen está em apuros aqui, a menos que ela consiga retirar
o compromisso com alguma das premissas. Deveria ser permitido a ela fazer isso? A resposta é que, em um diálogo
de persuasão, deveria ser permitido. Helen pode fazer isso explicando por que mudou de ideia. Suponha, por
exemplo, que ela decida retirar o compromisso com a proposição de que a gorjeta recompensa excelência no serviço
dizendo: “Isso não está muito correto, e, apesar de ter parecido certo à primeira vista, agora eu acho que está errado
e rejeito [a proposição]. Helen talvez ofereça razões sobre o porquê de ela achar que a proposição é inverdadeira.
Esse tipo de manobra é muito razoável em diálogos de persuasão. Nesse tipo de diálogo, quando confrontado por
um argumento de racional que é logicamente razoável e persuasivo, espera-se que você aceite a conclusão, masmo
132

que antes você não a aceitasse. Retrações desse tipo são parte do processo de ser mente-aberta em um diálogo de
persuasão. Você precisa estar aberto para novas evidências e para mudar de ideia se suas proposições anteriores
foram provadas incorretas. Portanto, retração de compromisso deve ser aceita, algumas vezes, em diálogos de
persuasão.

O problema técnico central em modelos formais de diálogo persuasivo é decidir as condições precisas em
que retrações devem ser permitidas. Esse não é um problema fácil e nós não devemos tentar resolvê-lo aqui. É
suficiente dizer que há diferentes tipos de diálogo persuasivo, alguns com regras mais severas, incluindo as de
retração, e alguns mais permissivos. Há três regras gerais, no entanto, às quais os participantes devem estar
submetidos.

Três Requisições Gerais sobre Compromisso no Diálogo

1. Se aquele que alega se compromete com uma série de afirmações e aquele que ouve a alegação consegue
mostrar que outra afirmação as segue logicamente como uma conclusão daquela série, aquele que alega
está comprometido com a conclusão.

2. Aquela pessoa que ouve a alegação tem o direito de retrair o comprometimento dela com aquela
conclusão, mas deve também retrair o comprometimento em relação a ao menos uma das premissas. De
outro modo, fica provado que os argumentos dela são inconsistentes.

3. Se um dos lados, no diálogo, consegue mostrar que o outro lado tem argumentos inconsistentes, o lado
acusado deve negar ao menos uma das premissas com as quais se comprometeu.

Como mostrado no capítulo 1, a inconsistência na Lógica geralmente é má coisa. Se um grupo de argumentos é


inconsistente, eles não podem ser todos verdadeiros. Ao menos um deve ser falso. Assim, se uma pessoa que
argumenta tenta sustentar uma série de compromissos inconsistentes, significa que há algo errado na posição dela.
Portanto, a outra parte pode usar a inconsistência encontrada como uma crítica.

De fato, no capítulo 3, seção 7, o esquema argumentativo para Argumento de Comprimisso Inconsistente


foi apresentado. É uma forma negativa de argumento por compromisso. Quando confrontado com um argumento
desse tipo, aquele que responde deve fazê-lo de modo crítico. Mas é possível para ele fazê-lo sem perder o diálogo
só por causa da inconsistência encontrada no conjunto de compromissos. Ele pode aprofundar-se nos detalhes do
caso e mostrar o porquê de a inconsistência ser apenas aparente, e não real. Em alguns casos, pode parecer que a
posição de um argumentador é inconsistente, mas esclarecimentos aprofundados podem comprovar que não há
inconsistência ou que é possível lidar com ela por meio de algumas correções. Se um argumento está sendo usado
em várias manobras, o ponto de vista de uma das partes sobre o diálogo pode consistir pode consistir de vários
compromissos singulares, e a relação lógica desses compromissos pode ser bem complexa. Além disso, na
argumentação realista e cotidiana, pode ser difícil ou até impossível manter um registro exato de todos os
compromissos firmados por uma das partes no passado. Portanto, em mérito de regra geral, conjuntos de
compromisso nem sempre precisam ser consistentes. Entretanto, se um lado do diálogo aponta corretamente
inconsistências do outro lado, os acusados têm que lidar com elas em sua próxima manobra.

Para ilustrar como essas regras acerca do comprometimento funcionam, vamos voltar mais uma vez ao
diálogo da gorjeta. Suponha que Helen fez com que Bob concordasse que o gesto de dar gorjetas tem consequências
ruins em ao menos alguns casos, citando o caso em que um garçom derrubou sopa no terno do marido dela por
causa de um mal-entendido envolvendo a gorjeta. No capítulo sobre esquemas argumentativos, foi mostrado que a
seguinte forma de argumentação é coerente:

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA ARGUMENTO DE CONSEQUÊNCIA NEGATIVA

PREMISSA: Se A ocorrer, consequências ruins acontecerão.

CONCLUSÃO: A não deve se realizar.


133

Como Bob concordou que o gesto de dar gorjetas tem consequências ruins, segue dessa forma argumentativa que
ele também comprometeu-se com a conclusão de que o gesto de dar gorjetas não deve ocorrer. Em outras palavras,
ele está comprometido a afirmação de que a prática de dar gorjetas deve ser descontinuada. O compromisso dele
implica no fato de que essa prática é do tipo que deve acabar. Mas esse compromisso é inconsistente com o ponto
de vista de Bob no diálogo. Ele é favorável às gorjetas. Em outras palavras, ele está comprometido com a proposição
segundo a qual dar gorjetas é uma prática boa que deve continuar. Então Bob está agora no mesmo tipo de apuro
em que Helen esteve acima. Ele deve retrair ao menos um de seus compromissos. Esse exemplo mostra como
esquemas argumentativos podem ser vinculados a um diálogo e como eles podem ser usados para criticar a posição
de um argumentador. Críticas relativas à inconsistência fazem crescer a necessidade de retração de um
compromisso.

EXERCÍCIO 5.2

No exercício 1.7, quatro amostras de diálogo foram apresentadas nas quais havia um problema na consistência do
conjunto de compromissos de um argumentador. Analise cada diálogo para mostrar como o problema deveria ser
resolvido de acordo com os três requerimentos gerais de compromisso em um diálogo.

TRÊS Outros Tipos de Diálogo

Até agora nos preocupamos apenas com as regras de gerenciamento de compromisso no diálogo de persuasão. Mas
também há outros tipos de diálogos nos quais a argumentação pode ocorrer, e cada um deles requer diferentes
tipos de regras de compromisso. Em adição ao diálogo de persuasão, existem outros cinco tipos básicos de diálogo
para argumentação: diálogos de negociação, inquérito, deliberação, diálogo em busca de informação, e diálogo
erístico. As principais características de cada tipo estão resumidas na Tabela 5.1.
TABELA 5.1 TIPOS DE DIÁLOGO

Situação Meta do Objetivo do


Tipo de diálogo
inicial participante diálogo

Resolver ou
Conflito de Perduadir a outra
Persuasão opiniões parte
clarificar uma
questão

Necessidade de Encontrar e verificar Provar (refutar)


Inquérito prova evidência hipóteses

Acordo razoável
Conflito de Obter o que você mais
Negociação interesses quer
com o qual ambos
possam viver

Busca por Necessidade de Adquirir ou fornecer Trocar


informação informação informação informações

Decidir o melhor
Dilema ou Coordenar metas e
Deliberação escolha prática ações
curso de ação
disponível

Revelar uma base


Atingir verbalmente o
Erístico Conflito pessoal
oponente
mais profunda do
conflito

Cada tipo de diálogo tem seu objetivo coletivo como uma estrutura que governa ambos os participantes e todos os
seus movimentos. Mas também, cada participante também tem um objetivo individual. Um argumento é útil em
uma estrutura de diálogo na medida em que contribui para o objetivo coletivo do diálogo. Portanto, um argumento,
conforme o termo usado nesse capítulo, pressupõe uma estrutura conversacional na qual há uma troca verbal entre
duas partes e onde raciocínio é usado pelas duas partes por algum motivo relacionado a essa troca conversacional.
Além disso, todos os tipos de diálogos requerem colaboração. Cada parte precisa revezar nos movimentos e
134

precisam fazer cada movimento de acordo com as regras para que o diálogo tenha sucesso. Mas dentro desta
estrutura colaborativa, também há espaço para oposição. Por exemplo, em um diálogo persuasivo cada parte
defende o seu próprio ponto de vista e ataca o ponto de vista oposto usando os argumentos e críticas mais fortes
que ele pode encontrar.

Cada diálogo no qual argumentação é usada tem quatro etapas. Na etapa de confrontação, a tese de um
participante é declarada, e a natureza da oposição do outro participante àquela tese é determinada. Nesta etapa,
o assunto do diálogo é formulado e aceito por ambas as partes. Na etapa de abertura, os debatedores decidem
começar a discussão, e concordam em seguir as regras apropriadas àquele tipo de diálogo. Na etapa de
argumentação, os dois lados apresentam seus argumentos para defender suas opiniões, e cada um questiona
criticamente os argumentos apresentados pelo outro. Na etapa final, a discussão é concluída, e caso uma das partes
tenha atingido seu objetivo, a outra parte deve aceitar.36 Um argumento ou pergunta ser apropriado depende da
etapa na qual ocorre no diálogo. Por exemplo, uma pergunta sobre como formular o assunto do diálogo pode ser
relevante na etapa de confrontação, mas essa mesma pergunta pode ser irrelevante se feita durante a etapa de
argumentação.

Por exemplo, em uma discussão crítica, cada parte deve declarar seu ponto de vista sobre o assunto a ser
discutido, e deve ficar claro se o diálogo é uma disputa ou uma dissidência. Nesta etapa, o ônus da prova que recai
sobre cada lado torna-se evidente. Na etapa de abertura, ambos os lados devem concordar que o diálogo no qual
elas tomarão parte é uma discussão crítica, na medida em que eles concordam em cumprir [abide] as regras de
discussão crítica. Durante a etapa de argumentação, como ilustrado pelo diálogo sobre gorjetas e os outros diálogos
no capítulo 1, cada lado apresenta argumentos para apoiar seu próprio ponto de vista, e questiona criticamente os
argumentos apresentados pelo outro lado. Na etapa final, o lado que forneceu os argumentos mais fracos para
apoiar seu ponto de vista deve ceder ao outro lado, que forneceu os argumentos mais fortes. Nesta etapa, em uma
discussão crítica de sucesso, o conflito de opiniões é resolvido.

O segundo tipo de diálogo que constitui uma estrutura para argumentos é chamada de inquérito. O
inquérito provém do tipo de inquietação [unsettledness] que é a falta de uma prova decisiva em alguma alegação na
qual há uma necessidade de, definitivamente, de um jeito ou de outro, prove que essa alegação é verdadeira ou
falsa. Entretanto, pode acontecer de, mesmo após uma coleta exaustiva de evidências, essa proposição específica
não poder ser comprovada ou refutada. Mas essa descoberta também pode ser um resultado útil do inquérito. Se
puder ser demonstrado que, não obstante a coleta de todos os dados relevantes, as proposições não podem ser
comprovadas nem refutadas, então pode-se pelo menos demonstrar que ela não se deveria menosprezar que a
proposição está resolvida ou aceita como verdade.

O inquérito é uma estrutura altamente colaborativa de argumento no qual padrões elevados de prova são
adotados. Um grupo de investigadores coleta todos os dados relevantes disponíveis, tanto a favor quanto contra
uma proposição específica que está sendo contemplada. Eles então organizam as evidências, assim que coletadas,
e chegam a uma etapa na qual eles concordam que isso é toda a evidência que pode ser encontrada. Então eles
alcançam uma etapa de argumentação. Eles tentam traçar conclusões de uma maneira ordenada, em cima da base
sólida de premissas fornecidas pelas evidências dadas, para que a proposição em debate possa ser definitivamente
comprovada ou refutada. Assim, o objetivo do inquérito é provar que uma proposição é verdadeira ou falsa ou, se
isso falhar, mostrar bem definitivamente que as evidências existentes são insuficientes para prová-la ou refutá-la.
Em um diálogo de persuasão, os participantes são relativamente livres para mudar de pensamento e retrair um
compromisso anterior. Aliás, como notado acima, mente aberta é uma propriedade bastante importante em um
diálogo de persuasão. Se for encontrado um argumento forte baseado em novas evidências, que vai contra uma
proposição com a qual um debatedor estava anteriormente comprometido, então o participante de um diálogo
persuasivo deveria retrair seu compromisso anterior. O objetivo [purpose] do inquérito é minimizar ou mesmo
eliminar a necessidade de tais retrações. O método do inquérito é prosseguir cuidadosamente, ao aceitar como
premissas apenas as proposições que estão definitivamente estabelecidas, por fortes evidências, como sendo
verdadeiras ou falsas. A razão é que não haverá no futuro necessidade de voltar e retrair essas premissas, e então
começar toda uma nova linha de raciocínio baseada em premissas diferentes.

O inquérito é comumente associado com uma filosofia de fundacionalismo, onde o uso de raciocínio é
comparado à construção de um prédio, no qual os construtores começam com bases firmemente estabelecidas e
então continuam construindo a partir delas, em direção ao topo. Cientistas e filósofos frequentemente retrataram

36
Ver van Eemeren e Grootendorst, Argumentation, Communication and Fallacies, pp. 34-37.
135

o argumento fundamentado [reasoned] na ciência como tendo a forma do inquérito. Aristóteles sentiu que o que
ele chamou de demonstração (ou inquérito, nos nossos termos) era o melhor modelo para o raciocínio científico.
Descartes, cientista e também filósofo, foi um forte expoente do inquérito como um tipo de argumento apropriado
tanto para o raciocínio científico quanto o filosófico. Ele até discutiu que premissas em um inquérito deveriam ser
indubitáveis, ou além de toda possibilidade de dúvida. Outros fundacionalistas não chegaram a ser tão extremados.
Mas eles enfatizam que evidências deveriam ser firmemente estabelecidas antes que conclusões científicas sejam
traçadas a partir delas. Se essas alegações sobre a estrutura do argumento científico fundamentado são verdadeiras,
porém, é sujeito de muita controvérsia. Parece que, geralmente, nas etapas mais avançadas de pesquisa científica,
nas quais os resultados são solidificados e apresentados a colegas e ao público, o raciocínio científico de fato assuma
uma forma de argumento bem similar ao inquérito. Entretanto, nas etapas iniciais, nas quais muitas suposições
criativas estejam envolvidas em argumentos sobre hipóteses científicas, o inquérito é, provavelmente, um modelo
não muito útil de argumento científico. O filósofo e cientista americano Charles S. Peirce defendeu que há uma etapa
inicial de descoberta no raciocínio científico. Nessa etapa inicial, inferências abdutivas são utilizadas para se construir
hipóteses plausíveis. Essas hipóteses podem, mais tarde, serem verificadas ou falsificadas como sendo argumentos
dedutivos ou indutivos, uma vez que elas sejam testadas por experimentos e outros tipos de evidência científica.
Mas o uso de etapas plausíveis na etapa de descoberta pode levar a melhores resultados mais rapidamente,
reduzindo o tempo e o custo de testar todas as hipóteses possíveis que poderiam ser desenvolvidas.

O terceiro tipo de diálogo é o diálogo de negociação. No diálogo de negociação, questões de verdade e


falsidade de uma proposição são secundárias. Em vez disso, o objetivo do diálogo de negociação é que ambas as
partes consigam "fazer um bom negócio", isto é, chegar num acordo que ambas as partes possam achar aceitável,
mesmo que envolva alguns ganhos e perdas para ambos. O tipo de inquietação que é característica do diálogo de
negociação é o conflito de interesses. Esse é o tipo de conflito que envolve frequentemente interesses financeiros -
isto é, cada parte possui algo a perder ou ganhar monetariamente a partir do resultado do argumento. No tipo de
diálogo de negociação chamado barganha distributiva, há um conflito de interesses entre as duas partes, e o diálogo
é um jogo de somatório zero no sentido de que o ganho de uma parte é a perda da outra. Todavia, há, também,
outros diálogos de negociação nos quais o conflito não é puramente econômico, mas concerne relacionamentos e
tem a ver com personalidades e motivações.

Algumas das regras de diálogo de negociação são diferentes daquelas do diálogo de persuasão. Por
exemplo, a regra 1 da discussão crítica baniu o uso de ameaças como argumentos, ao declarar que os participantes
não devem impedir um ao outro de seguir em frente ou lançar dúvida sobre o ponto de vista do outro. Ameaçar usar
algum tipo de força física contra o outro participante seria altamente inapropriado em um tipo persuasivo de
diálogo. Contudo, ameaças de vários tipos são comuns no diálogo de negociação. Em uma negociação de gestão
sindical sobre remunerações, o sindicato pode ameaçar entrar em greve se a gestão não concordar com suas
demandas. Como seu argumento, a gestão pode então ameaçar cortar remunerações ou deixar os funcionários irem
embora. Em casos extremos, a gerência pode até ameaçar declarar falência, dissolvendo a empresa, com o resultado
de que todos nela perderão seus empregos. Tais usos de ameaças na argumentação não são necessariamente
errados ou inapropriados como parte de uma negociação, mesmo que usar uma ameaça possa ser uma tática
arriscada em algumas circunstâncias. Quando usadas excesivamente, inapropriadamente, ou de uma maneira pouco
convincente, ameaças podem ser contraproducentes em uma negociação. Inclusive, uma ameaça que pode
seraltamente inapropriada em um diálogo persuasivo pode não o ser tanto em um diálogo de negociação. Por
exemplo, se duas partes estiverem tendo uma discussão sobre a questão do aborto em uma aula de filosofia, e uma
ameaçar agredir a outra se ela não aceitar imediatamente seu ponto de vista, todos reconheceriam um tal
movimento como altamente inapropriado. Seria antiético a até possivelmente ilegal. Mas, mesmo para além disso,
seria inapropriado na discussão crítica sobre o assunto do aborto. Isso não ajudaria a discussão a atingir seu objetivo
e talvez até a impedisse disso.

O quarto tipo de diálogo no qual argumentação é usada é chamado de diálogo de busca de informação.
Neste tipo de diálogo, uma parte, presumivelmente, detém uma informação que a outra parte precisa ou quer obter.
O papel do participante que possui essa informação é transmiti-la ao participante que não a tem. Este tipo de diálogo
tende a ser colaborativo e não adversativo por natureza. Ele começa com uma situação inicial na qual um
participante possui alguma informação que falta ao outro participante. O tipo de inquietação que é característica
deste tipo de argumento é a falta de informação ou o desequilíbrio de informação entre as duas partes. Umas das
partes quer ou precisa obter a informação que a outra parte supostamente tem. Um exemplo comum é perguntar
sobre a direção certa quando se está perdido.

Uma pessoa precisa ir a uma reunião no Salão Lockhart, mas chegou como um desconhecido na
universidade e não sabe onde fica o Salão Lockhart. Ao encontrar um transeunte que aparenta ser um
136

estudante que possivelmente estaria familiarizado com o campus, ela o pergunta, "Onde fica o Salão
Lockhart?". Ele aponta para uma direção específica e diz, "Fica logo atrás daquele prédio ali. Você só tem
que dar a volta por esse caminho e então virar à sua direita. Então você verá a placa [sign] do Salão
Lockhart".

Nesse tipo de caso, o informante não precisa ser um especialista em localização de prédios ou em arquitetura. Mas
ele é alguém que é considerado como sendo familiar com a região e, logo, estaria na posição de poder fornecer a
informação necessária. Mas, em alguns casos, o informante precisa ser um especialista. Um tipo especial de subcaso
do diálogo de busca por informação é um no qual uma das partes é especialista em algum domínio do conhecimento
ou está em uma posição especial de saber algo. Por exemplo, se eu estou consultando minha conselheira financeira,
eu a faria diferentes perguntas sobre quais seriam as melhores aquisições dentre as ações atualmente disponíveis,
quais seriam as regulações governamentais mais recentes sobre imposto de renda, e por aí vai. Neste tipo de diálogo,
o conselheiro tenta te dar informações relevantes de que você precisa para chegar a uma decisão sobre o que fazer.
Então uma deliberação poderia, em última análise [ultimately], estar envolvida. Mas o objetivo principal do diálogo
não é que as duas partes cheguem conjuntamente a uma decisão sobre o que fazer, mas sim que uma das partes dê
informação à outra. Então, posteriormente, em um diálogo separado ou em uma sequência separada de raciocínio,
a outra parte pode chegar a uma decisão sobre o que fazer. Apelo à opinião de especialista (argumento de
autoridade) é um importante tipo de raciocínio usado aqui. Também é muito importante como uma forma de relato
de testemunha na argumentação legal. Especialistas em balística ou especialistas em DNA são comumente
convocados para fornecer testemunho legal.

O quinto tipo básico de diálogo no qual argumentos são utilizados é chamado de deliberação. A deliberação
pode ser tipificada, por exemplo, por argumentos usados em reuniões de prefeitura nas quais um grupo de cidadãos
se juntaram para discutir algum problema prático na região local. Eles discutem diferentes soluções ou maneiras de
resolver o problema, e, normalmente, os participantes se dividem em diferentes facções, ou mantêm pontos de
vista e então argumentam contra o posicionamento de um ponto de vista oposto. Em última análise, contudo, o
objetivo é chegar a um acordo sobre alguma linha de ação que eles possam tomar para lidar com o problema. Por
mais que se possa deliberar individualmente, olhando para diferentes faces de um problema, em outros casos pode
haver um número maior de pessoas envolvidas em deliberar juntas, como em uma reunião municipal. No entanto,
no tipo mais simples de caso, que nós consideraremos como nosso modelo, há apenas dois participantes envolvidos
na deliberação, representando dois pontos de vista opostos sobre como resolver um problema. 37 Na etapa de
abertura, uma pauta ou "questão governante" sobre o que deveria ser feito é colocada. A discussão subsequente
dessa questão incluirá sugerir várias propostas ou opções possíveis de ação. Argumentos a favor e contra as várias
propostas são discutidos. Finalmente, os participantes, após examinar todos os argumentos relevantes, chegarão a
um acordo sobre algum curso de ação recomendado como sendo a melhor escolha para se resolver o problema.

A inquietação característica do tipo deliberativo de diálogo é uma diferença de opinião sobre o que as duas
partes consideram como sendo um curso de ação prudente para se resolver um problema com o qual eles são
confrontados, o qual requer algum tipo de ação. É também característico do argumento na deliberação que o
conhecimento é insuficiente para se determinar claramente a escolha que deve ser feita. Então, apesar do
conhecimento baseado em probabilidade ser frequentemente relevante em deliberações, esse tipo de
conhecimento por si só é geralmente insuficiente para se resolver a questão. No tipo mais simples de deliberação,
há um conflito direto entre dois cursos possíveis de ação, e uma escolha precisa ser feita dentre esses dois cursos.
Este tipo de caso é frequentemente chamado de um dilema em filosofia. Exemplos seriam a disputa de aborto e a
disputa sobre eutanásia, nas quais os argumentos em ambos os lados concentram-se em duas escolhas fortemente
opostas ou cursos possíveis de ação.

Raciocínio prático é o tipo de raciocínio mais frequentemente usado em argumentos no diálogo de


deliberação. E, como aprenderemos no capítulo 8, o raciocínio prático tende a ser presuntivo por natureza. A
argumentação em um diálogo deliberativo tipicamente assume a forma de raciocínio prático, encadeando juntos
objetivos e cursos possíveis de ação que seriam meios de se implementar esses objetivos em uma situação
específica. A conclusão de uma cadeia argumentativa como essa declara que uma pessoa sábia (ou prudente), no

37
O modelo apresentado aqui é o de David Hitchcock, Peter McBurney e Simon Parsons, "A Framework for
Deliberation Dialogues", em Argument and Its Applications: Proceedings of the Fourth Biennial Conference of the
Ontario Society for the Study of Argumentation (OSSA 2001), ed. H V. Hansen, C. W. Tindale, J. A. Blair e R. H. Johnson,
disco compacto (CD). Também disponível na página da Web de Peter McBurney na Universidade de Liverpool,
Departamento de Ciência da Computação: http://www.csc.liv.ac.uk/~peter.
137

que diz respeito à praticidade, deve selecionar algum curso de ação específico designado como a conclusão do
argumento.

O sexto tipo de diálogo no qual argumentos comumente ocorrem é o diálogo erístico. É essencialmente
uma briga na qual cada parte ataca a outra parte por qualquer meio de argumentação que esteja disponível. Na
briga, ao contrário da discussão crítica, o raciocínio pula de um tópico a outro bem rapidamente. Então, na briga,
um alto grau de irrelevância é tolerado. O tipo de inquietação que é característica da argumentação em uma briga
é um antagonismo entre duas partes, cada uma possuindo um rancor ou ressentimento subjacente contra a outra
que é profundamente sentido. Em uma briga, uma parte frequentemente direciona à outro ataques pessoais. Em
uma conversa educada, por exemplo, em negócios normais, não seria considerado apropriado trazer à tona tais
rancores ou ressentimentos. De fato, um argumento normal, funcionando sem problemas [smoothly], em uma
conversa educada, é possibilitado ao se suprimir o impulso de dar vazão à brigas. Quando a briga realmente chega,
é, no maior das vezes, uma tempestade repentina [sudden]. É inesperada [unanticipated] e chega em cena
rapidamente. O rancor profundamente mantido então emerge à superfície. Considere o caso seguinte.

Um casal está tendo uma discussão sobre quem deveria levar o lixo para fora, quem esqueceu de levar o
lixo em um dia específico, ou qualquer incidente relativamente trivial como esses. Mas então, de repente,
uma das partes traz à tona algum ressentimento profundamente mantido e começa a atacar a outra parte
por ser culpada de algum erro. Em réplica, a parte atacada começa a se empenhar no que é chamado
contra-culpar.

O que é bem característico de argumentação em uma briga é o tipo de argumento ad hominem, ou de ataque
pessoal. Cada parte culpa a outra por algum ato supostamente ruim que ocorreu no passado e ofendeu
profundamente a outra parte.

O objetivo individual de cada parte na briga poderia ser descrito como "bater" verbalmente no oponente.
Esta descrição sugere que a briga é uma troca adversária trivial que não tem valor real como um argumento.
Entretanto, em algumas situações, a briga pode ter um benefício bem valioso de permitir que sentimentos
poderosos sejam extravasados [vented]. Esta função catártica é valiosa porque, em uma briga séria, profundamente
internalizadas podem ser vazadas, com base em ressentimentos que foram reprimidos por tempo demais, e pode
ser bem valioso expressá-los abertamente à outra parte que está envolvida nesses supostos ressentimentos. Assim,
cada parte pode pode adentrar os sentimentos que são profundamente importantes para a, outra parte, mas não
seriam normalmente assuntos apropriados a conversas educadas. A percepção resultante pode ser uma boa base
para facilitar relacionamentos pessoais a longo prazo. Por exemplo, uma parte pode ter uma mania [mannerism]
irritante que a outra pessoa não quer mencionar porque poderia ser ofensivo. Mas, durante uma briga, pode se
tornar aparente o quanto a pessoa foi ofendida no passado por esse hábito que ela capta como sendo tão detestável.
A outra parte poderia então dizer algo como, "Eu não percebi o quão importante era pra você ou o quanto
incomodou você, então, no futuro, eu tentarei muito não ceder a esse hábito".

O diálogo erístico é o mais adversarial e o menos colaborativo de todos os seis tipos básicos de diálogo.
Você quase poderia dizer que é puramente adversarial, exceto pelo fato de que, para se ter uma briga, ou
participantes precisam, pelo menos, colaborar em seguir algumas regras mínimas. Por exemplo, eles devem ser
revezar. Se a outra parte impede que a outra parte tenha a vez de atacar, não temos realmente uma briga. Uma
briga tem que ir pra trás e pra frente. É claro, a briga ainda é muito adversarial e, em muitos aspectos, altamente
caótica. Uma parte tentará, com frequência, dominar o diálogo discutindo muito alto, de modo a impedir a outra de
falar. Ou uma parte dirá à outra "cale-se ou então" e por aí vai.

Frequentemente, brigas parecem bestas e sem sentido. E, em muitos casos, elas são. Mas, em certos
aspectos, brigas como forma de argumento até têm um lado sério. Ao contrário do que parecia ser inicialmente,
então, a, briga é uma estrutura conversacional que pode ser útil em nos dar uma introspecção [insight into] na
avaliação de argumentos. Geralmente, porém, brigas geram mais calor do que luz, e o prognóstico sobre a briga, do
ponto de vista da lógica, tende a ser negativa no geral. Um fator específico a se notar é que a briga, tipicamente,
exibe uma atitude de mente fechada em relação ao passado de ambos os participantes. Em outras palavras, uma
participante em uma briga tende a ser muito relutante em admitir que ela esteja errada, ou que pode ser
demonstrado que esteja errada, não importa o quão forte ou revelador os argumentos do outro lado se mostrem
ser. Como notado acima, o diálogo de persuasão requer que os participantes mantenham a mente aberta. Com
relação a isso, a briga contrasta muito com o diálogo de persuasão. Assim, se um argumento vai de um diálogo de
138

persuasão (ou qualquer outro tipo de diálogo, nesse sentido) para uma briga, isso é um sinal patológico de
deterioração do argumento. Uma vez que o argumento de degenerou em uma briga, os debatedores se tornam
dogmáticos e inalteravelmente fixos em suas posições. Pode ser impossível tirá-los desse estado, uma vez que
estejam nele. Com isso, o resultado da briga é um perigo para os outros tipos de diálogo.

EXERCÍCIO 5.3

Dê um breve exemplo de cada um dos cinco tipos de diálogo descritos na seção 2, seja da sua própria experiência
ou de uma rememoração de algum argumento encontrado na mídia. Mostre como os exemplos citados
exemplificam as características do tipo de diálogo em questão, de forma geral.

QUATRO Questões Simples e Complexas

Diálogos são feitos de diversos tipos de movimentos argumentativos, a fim de que se prossiga com o argumento.
Um tipo de movimento abordado no capítulo 1, seção 8, é a crítica de um argumento pela realização de perguntas.
Mas há vários tipos de questões que podem ser feitas em um diálogo. Precisamos começar identificando os
diferentes tipos de questões e suas propriedades importantes. Exemplos de quatro tipos de questões são dados
abaixo:

QUESTÕES ALTERNATIVAS: “Bob é conservador ou liberal?”

QUESTÕES SIM/NÃO: “Bob é conservador?”

QUESTÕES DE PORQUÊ: “Por que Bob é simpático ao Socialismo?”

QUESTÕES CONDICIONAIS: “Se Bob é conservador, por quanto tempo ele tem sido conservador?”

Uma questão alternativa, também chamada de disjuntiva ou de questão de múltipla escolha, coloca um número de
alternativas e o respondente escolhe uma delas como resposta. Uma questão sim-não admite apenas duas respostas
diretas, a saber, “sim” e “não”, e pode ser percebida como um tipo de pergunta restritiva que oferece apenas essas
duas alternativas. Para os propósitos desse capítulo, há dois tipos de “questões de por que” que precisam ser
distinguidas. Um dos tipos é a de “busca por informação”. O outro tipo é a pergunta em que o questionador demanda
do respondente uma prova (ou argumento) para a sustentação de alguma proposição. Aqui, é importante estar
alerta quanto à distinção entre uma explicação e um argumento. Finalmente, uma questão condicional contém uma
condicional ou “se (...), então", proposições já definidas no capítulo 1. Outros tipos de perguntas são as questões
“quem”, questões “quais” e questões “deliberativas”, tais como “O que eu devo fazer agora?”.38

É importante fazer a distinção entre a resposta a uma questão e a réplica de uma questão. Uma réplica é
qualquer revide, em um diálogo, que segue após uma pergunta. Uma réplica relevante é aquela que contribui com
o diálogo, correspondendo à necessidade expressa. A relevância de uma réplica é definida na seção 7 deste capítulo.
A resposta do primeiro diálogo abaixo é uma réplica irrelevante à questão:

Thelma: Quando é que Harvey está saindo rumo à Nova Iorque?

Fred: A fotocopiadora não está funcionando, e o técnico deve ser chamado.

A resposta dada no diálogo seguinte, por sua vez, é uma resposta relevante:

38 Uma classificação mais completa dos diferentes tipos de questões é dada por David Harrah, "The Logic of

Questions", em Handbook of Philosophical Logic, ed. D. Gabbay e F. Guenther, vol. 2 (Dordrecht: Reidel, 1984), pp.
715-764.
139

Thelma: Quando Harvey está partindo rumo à Nova Iorque?

Morris: Preciso perguntar à assistente dele.

Note que embora Morris tenha dado uma réplica relevante à pergunta de Thelma no primeiro exemplo, ele não
respondeu à pergunta. Se ele tivesse dito “Harvey está partindo no dia 3 de fevereiro para Nova Iorque”, esta teria
sido uma resposta. Uma resposta direta dá a exata informação requerida pela questão, enquanto uma resposta
indireta (resposta parcial) fornece apenas alguma parte daquela informação. Por exemplo, no segundo exemplo
acima, suponha que Morris tenha replicado, “Eu não tenho certeza, mas eu acho que ele parte em algum momento
da próxima semana”. Essa réplica teria sido uma resposta, mas apenas uma resposta parcial. Mas se ele tivesse dito
“Harvey está partindo no dia 3 de fevereiro para Bali”, essa teria sido uma resposta direta. Ambas – direta e indireta
- são respostas relevantes, mas um questionador prefere uma resposta direta caso possa ser dada.

Todas as questões têm pressuposições. Por exemplo a pergunta “Quando Harvey está partindo rumo à
Nova Iorque?” pressupõe que Harvey está partindo rumo à Nova Iorque. Em outras palavras, fazendo a pergunta
“Quando Harvey está partindo rumo à Nova Iorque?” assume-se um diálogo em que ambos, o questionador e o
respondente estão comprometidos com a proposição que diz que Harvey existe, que Nova Iorque existe, que há
alguma maneira de partir para Nova Iorque que pode ser atribuída a alguma data ou horário, e assim por diante.
Realizar tal questão pressupõe que as duas partes do diálogo já estão comprometidas com todas essas sentenças.
Essa observação leva a uma definição técnica da noção de “pressuposição de uma questão de um diálogo”. A
"pressuposição de uma questão de um diálogo” é uma proposição à qual o respondente se torna comprometido em
um diálogo, em virtude de ter dado qualquer resposta direta à questão. Por exemplo, se Morris dá a resposta direta
“Harvey está partindo no dia 3 de fevereiro para Nova Iorque”, ele se torna comprometido com a proposição de que
Harvey vai à Nova Iorque. Então, no contexto do diálogo, dado o quão pouco fomos informados acerca do caso, a
proposição “Harvey vai à Nova Iorque” conta como uma pressuposição da questão “Quando Harvey vai à Bali?” A
realização de questões também é baseada em presunções sobre um diálogo que toma forma de implicação, do tipo
descrito no capítulo 6. Por exemplo, se eu lhe pergunto “Quando Harvey parte rumo à Nova Iorque?” há uma
presunção de que você (a pessoa a qual a pergunta foi dirigida) pode, em uma expectativa plausível, saber a resposta.
Pelo menos é presumível que você provavelmente esteja apto a dar alguma informação útil que levar-me-ia a uma
resposta. Tais presunções também podem ser descritas como pressuposições de uma questão, porque a resposta
se torna comprometida com as pressuposições quando qualquer resposta é dada. Por exemplo, ao dar-se qualquer
resposta direta à questão “Quando Harvey parte rumo à Nova Iorque?” um respondente torna-se comprometido
com a proposição de que ele sabe quando Harvey partirá.

Há a tendência de haver muitas pressuposições a uma dada questão, mas, para o propósito do pensamento
crítico, algumas são mais importantes de serem identificadas do que outras. Geralmente, é importante identificar
uma pressuposição em um diálogo caso ela seja controversa naquele diálogo. Suponhamos que no diálogo sobre
gorjetas a seguinte troca ocorra:

Bob: A gorjeta levanta a autoestima de uma pessoa pelo senso de recompensa a um serviço
excelente.

Helen: Como é que qualquer prática que trate uma pessoa como um objeto levantaria a
autoestima da pessoa?

A pressuposição importante do questionamento de Helen nesse caso é a proposição “dar gorjetas é uma prática que
trata uma pessoa como um objeto”. Antes que Bob dê qualquer resposta direta à questão de Helen, ele deveria
atentar-se que tal proposição é uma pressuposição da questão e, ainda, uma pressuposição controversa nesse
diálogo. É uma proposição que ele deveria desafiar, do ponto de vista de dar suporte a sua posição no diálogo. Em
contraste, a proposição “Uma prática pode levantar a autoestima de uma pessoa” é, também, uma pressuposição
da questão de Helen, mas uma importante (relativamente ao contexto do caso).

Agora já lidamos com as questões simples e precisamos seguir a examinar alguns exemplos de questões
complexas. Uma questão complexa (múltipla) é aquela que tem mais de uma proposição como pressuposições e é
onde torna-se importante, em um diálogo, para o respondente resolver essas proposições separadas e permanecer
atento à diferença entre elas. Quando um respondente dá qualquer resposta direta a uma questão complexa, ele se
compromete com mais de uma proposição significativa, enquanto, na verdade, ele desejava aceitar uma e repudiar
outra. Um exemplo de questão complexa é a dada no seguinte diálogo.
140

Rita: Se você ainda vai a Cingapura no domingo, você comunicaria Fred e informaria a ele
que o contrato não está firmado?

Ted: Ok.

A pergunta, nesse caso, é complexa, como indicado pelo fato de que ela traz nela uma condicional bem como uma
conjunção. A resposta de Ted indica que ele concorda com tudo que foi tratado na questão. Mas ele talvez tivesse
desejado separar as proposições individualmente e concordar com algumas, mas não com todas elas. Por exemplo,
Ted poderia ter respondido: “Eu não vou a Cingapura o domingo, na verdade”, indicando que que a proposição
antecedente “Eu vou a Cingapura no domingo” não é verdade. Ou então ele poderia ter concordado com a
proposição antecedente da condicional, mas separado as proposições da parte conjuntiva da questão. Por exemplo,
ele poderia ter respondido “Eu comunicarei Fred Simpson, mas não é minha responsabilidade contar a ele que o
contrato fracassou. Eu acredito que, como um gesto de educação a Fred, você devesse ligar para ele e contar
pessoalmente.” Nessa resposta, Ted indica que ele concorda com uma proposição na consequente conjuntiva da
condicional, mas não com a outra.

De fato, a maioria das questões do dia-a-dia são complexas. Mas um exemplo de pergunta simples seria
“Você é Bohemond Smith?” Para responder essa pergunta, um simples ‘sim’ ou ‘não’ basta, e o respondente não
precisa fracionar a questão em partes, a fim de dizer ‘sim’ a uma parte e ‘não” à outra. Até mesmo essa pergunta
aparentemente simples é complexa, em certa medida. É uma questão sim-não, e a pressuposição da questão é a
proposição disjuntiva “Ou você (o respondente) é B. Smith ou não”. Essa proposição é uma tautologia, uma
proposição que é logicamente verdadeira, independente das suas proposições componentes. É como dizer “Ou
amanhã chove ou não”. É claro, tal proposição jamais poderia ser falsa, independente do que “aconteça amanhã”,
isso porque é uma tautologia não faz qualquer previsão (que possa ser sujeita à veracidade ou à falsidade). Contudo,
tal proposição é complexa, pois é uma disjunção. Ainda, entretanto, a questão exemplificada não é complexa no
sentido de que há duas ou mais proposições diferentes e importantes a serem separadas pelo respondente.
Presumivelmente, o respondente deveria se satisfazer apenas com o ‘sim’ ou o ‘não’, sem dividir a questão.

Apesar de a tradição chamar a “questão complexa” de falácia, não há nada de intrinsecamente errado com
a realização de perguntas complexas. Em muitos casos, fazer uma pergunta complexa é necessário para a
comunicação adequada, em um diálogo. Por exemplo, se duas pessoas estão tentando consertar uma máquina
fotocopiadora, eles poderiam ter um diálogo do tipo a seguir:

Laura: Como você conserta um erro no papel do tipo que acontece quando aquela luz
vermelha surge, como acabou de ocorrer quando eu tentei copiar um documento?

Trevor: Não consigo entender quais são as instruções que você está tentando me passar. Se
eu levantar o papel na bobina e depois clicar para a trava voltar ao lugar, isso consertaria esse
problema, haja vista que eu desligue a máquina, cuidando para não prender meus dedos
onde a bobina encaixa nos dentes?

Nesse caso, como Laura e Trevor precisam lidar com uma matéria de grande complexidade, relacionada a
procedimentos de manutenção de uma máquina complexa, eles precisam fazer questões complexas um ao outro.
Se eles tivessem que quebrar cada questão complexa em questões simples e singulares, isso faria com que o diálogo
atingisse um altíssimo nível de dificuldade, beirando o impossível.

Assim, não há nada de intrinsecamente errado com perguntas complexas; contudo, elas podem nos levar a
dificuldades em alguns casos, onde a separação de questões é importante à luz do comprometimento do
respondente em um diálogo. Considere o exemplo a seguir.

Uma nova conta de saúde que transfere a responsabilidade pelo fundo de saúde do governo federal ao estadual foi
posta à frente para votação na Assembleia Legislativa. Um democrata, Representante Munson, adoraria votar contra
tal medida. Entretanto, unida à proposta há um “rider” - uma peça de legislação que retém também uma forte forma
de ação afirmativa como política para o governo federal. Representante Munson está em um dilema. Para qual lado
deve votar? Se ele votar contra a conta, ele deve também votar contra a ação afirmativa. Mas, para votar no sentido
do fortalecimento da ação afirmativa, ele deve votar a favor da conta (o que ele é contra).
141

Por conta da forma com que a votação dessa conta é estruturada, Munson não tem escolha de fazer o que ele
realmente deseja, que é votar contra a conta e a favor da ação. Então, ele precisa perceber, na base de suas
prioridades, qual das duas políticas é mais importante para ele, ao votar em uma ou em outra. Não importa em qual
direção siga seu voto, entretanto, alguma das proposições irá contra suas vontades. Logo, aqui, a natureza complexa
da questão é um problema para ele.

Esse problema de ter que votar em uma pauta complexa que pode conter uma série de proposições é
comum em todos os Legislativos, Parlamentos e Congressos que permitem emendas “pregadas” às propostas. Uma
legislação pode requerer que tais emendas devam ser relevantes à pauta considerada. Entretanto, o Senado dos
EUA permite emendas não necessariamente relevantes pregadas às pautas. Isso significa que qualquer coisa pode
ser adicionada a uma proposta para votação, seja relevante a ela ou não.

O que isso significa, com efeito, é que qualquer matéria, quer ela seja introduzida previamente ou não,
quer ela seja referida em comitê ou não, quer ela seja importante ao negócio pendente ou não, poderá
ser introduzida como emenda. Isso foi, na verdade, a maneira com a qual a Carta de Direitos Civis de 1960
fora trazida ao Senado. O senador Lyndon B. Johnson, o então líder majoritário, na movimentação de uma
carta obscura de ajuda a uma escola distrital no Missouri que foi impactada a nível federal, anunciou que
a carta seria aberta a emendas de direitos civis. 39

O problema de ter de se votar em proposições complexas não é particular do Senado norte-americano. Mas os casos
mais dramáticos de ter de se votar em legislações complexas, nas quais o comprometimento do votante está
sutilmente dividido em matérias diferentes ocorrem nesse Senado, pois não há requerimento de relevância nas
emendas.

Uma outra forma que questões complexas podem apresentar um problema é que elas podem ser muito
complexas ou até mais complexas do que o necessário, com o resultado de que a questão fica muito confusa. Em
debates políticos, o uso dessas questões com alto teor de complexidade é comum. O seguinte exemplo, da Oral
Question Period of the House of Commons Debates of Canada (Hansard, 16 de fevereiro de 1976, p. 10956)
concernente ao direito da União a apelar a um tribunal do governo contra uma decisão da Pasta Anti-Inflação.

Tendo em vista o fato de que este direito de apelo o qual o governo falou tão orgulhosamente quando tal
legislação passou pela Casa, está se tornando uma farsa já que a pessoa agravada não pode apelar ao
administrador exceto com o consentimento da Pasta Anti-Inflação ou do governo, e agora não pode
apelar a decisão do administrador à pasta de apelação e, já que eles não podem levar a matéria ao âmbito
federal a menos que tenham apelado ao tribunal anteriormente. Já não chegou a hora do ministério
introduzir uma legislação imediatamente para dar a qualquer pessoa afetada por uma decisão da Pasta
Anti-Inflação o direito de recorrer diretamente ao tribunal de apelação e, se não satisfeita, ir diretamente
aos tribunais?

Você poderia dizer que esse caso é similar ao anterior. De fato, a matéria do direito da União de apelar a um tribunal
do governo contra uma decisão da Pasta Anti-Inflação é uma matéria complexa de procedimentos administrativos.
E, dessa forma, a realização de perguntas tão complexas quanto a exposta no exemplo podem ser justificadas pela
própria complexidade natural da matéria.

Mas há um problema adicional evidente no exemplo acima. A pergunta complexa, nesse caso contém certos
vieses em algumas das suas cláusulas, indicados pelo uso de alguns termos carregados, tais como “orgulhosamente”
e “farsa” e, ainda, forçando a questão para uma direção pelo uso da frase “Já não chegou a hora...?” O problema
aqui é como o colocado pela seguinte questão: “Você vai ser um bom menino e ir para a cama agora?” É uma
pergunta complexa, e a primeira parte, antes do ’e’ coloca uma certa pressão no respondente. Se ele disser ‘sim’,
tudo estará certo; contudo, se ele disser ‘não’, ele estará comprometido com a proposição de que ele não está sendo
um bom garoto. Então, não há nada de inerentemente errado com a realização de perguntas complexas, mas
problemas podem surgir em três tipos diferentes de casos. (1) O diálogo pode ser estruturado de maneira que o
respondente não consiga separar as proposições. (2) A pergunta pode ser tão complexa que se torna confusa. (3) A

39 Lewis A. Froman, Jr., The Congressional Process (Boston: Little, Brown, 1967), p. 132.
142

questão pode vir carregada de termos comprometedores ou outras formas de inclinação que pressionam a parte a
uma posição definida. Esse terceiro tipo de caso-problema é examinado adiante quando no trato das “questões
capciosas”.

EXERCÍCIO 5.4

1. Considere as seguintes questões feitas no contexto de um debate sobre o canibalismo. Uma das partes está
argumentando sob a tese de que o canibalismo é sempre errado, no âmbito moral, enquanto a outra parte
argumenta sob a tese de que o canibalismo pode ser moralmente aceitável em alguns casos – por exemplo,
em uma emergência na qual alguém está faminto. Identifique o tipo de questão e identifique UMA
pressuposição importante de cada questão.
a. O canibalismo é praticado em algumas culturas?
b. Por que o canibalismo é contrário ao respeito ao corpo humano?
c. Por que você defenderia uma prática que já foi condenada por toda sociedade civilizada?
d. O que poderia fazer para sobreviver uma pessoa se ela fosse uma sobrevivente em um acidente
aéreo nos Andes e não tivesse qualquer outra fonte de comida a não ser os corpos das vítimas do
acidente?
e. Os corpos humanos devem ser tratados com respeito?
f. Se corpos humanos devem ser tratados com respeito, então comê-los não seria moralmente
errado?
g. O que é mais importante, salvar uma vida humana ou tratar um corpo humano
respeitosamente?
h. Canibalismo é um assunto que causa desgosto?
i. O que você faria em uma situação onde você está faminto e não há qualquer outra opção de
comida a não ser cadáveres humanos? 1) comer os corpos. 2) morrer de inanição. 3) segurar ao
máximo e apenas comer o corpo para evitar a própria morte?

2. Analise as seguintes questões para julgar se a pergunta é complexa. Identifique as pressuposições


importantes da questão. Comente sobre a possibilidade da natureza complexa da questão gerar problemas.
a. Você é o homem do escritório do prefeito que nos telefonou ontem?
b. Você concorda que corpos humanos devem ser tratados com respeito e nunca serem comidos?
c. Se eu apertar o botão vermelho e então não colocar o código, o alarme de assalto irá desligar
imediatamente ou eu terei uma chance de desligá-lo?
d. A seguinte questão, no assunto de Economia, foi feita na seção Questions Without Notice do
Parliamentary Debates Of the House of Representatives of Australia: “Minha pergunta é
direcionada ao Primeiro Ministro. Já que o falido Tesoureiro foi para o banco traseiro, é um fato,
como foi noticiado na imprensa, que o Primeiro Ministro está agora recebendo conselhos
econômicos perturbadores o que indica que o honorável membro para Blaxland e que a posição
econômica australiana é muito pior do que anteriormente levou o P. Ministro a acreditar?
e. A seguinte questão, usada em uma organização de segurança e inteligência australiana foi
realizada na seção Questions Without Notice do Parliamentary Debates Of the House of
Representatives of Australia:” Se o Primeiro Ministro continuar a confiar seletivamente na
convencção de nem confirmar nem negar as comprometedoras alegações a fim de acomodar seu
interesse próprio e, dado que ele é cronicamente incapaz de dizer a verdade, ele – no interesse
nacional - irá concordar com o estabelecimento de um inquérito judicial para que então o
Parlamento e as pessoas da Austrália tenham acesso a verdade de uma vez por todas?
143

CINCO Questões Carregadas

Uma questão carregada é uma questão feita por um questionador em algum movimento no diálogo que possui uma
ou mais pressuposições contidas nela, com as quais o respondente não está comprometido naquela jogada.
Tipicamente, a pressuposição contida em uma questão carregada é também perigosa para que o respondente se
comprometa. É, muitas vezes, um compromisso que irá desfavorecê-lo [make him look bad], ou mesmo levá-lo a
perder o diálogo, uma vez que o questionador o usar para derrotá-lo. O conceito de uma questão carregada depende
de quais sejam os compromissos do respondente, ou não sejam, em qualquer etapa específica que a sequência de
argumentação tenha atingido em um diálogo. Por exemplo, suponha que em algum movimento no diálogo sobre
gorjetas Helen pergunte a Bob a questão: "Por que dar gorjeta a alguém trata essa pessoa como um objeto?". E
suponha que, antes dessa movimentação no diálogo, a questão de se gorjetas tratam pessoas como objetos nunca
foi discutida. A pergunta de Helen é carregada, no movimento no qual ela foi feita no diálogo sobre gorjetas, porque,
àquela altura do diálogo, Bob não estava comprometido com a proposição de quer dar gorjetas a alguém trata essa
pessoa como objeto. Além do mais, ela poderia facilmente ser usada para provar (ou argumentar plausivelmente
contra) a alegação [contention] de que a tese de Bob, "Dar gorjetas é uma boa prática que deveria ser continuada",
é falsa. Assim, seria muito perigoso para Bob dar qualquer resposta direta à essa questão. Qualquer prática que trate
uma pessoa como objeto é geralmente considerada como sendo uma má prática, eticamente falando. Helen teria
um argumento muito forte disponível que poderia facilmente ser utilizado para derrotar Bob no diálogo sobre
gorjetas.

Fazer perguntas carregadas é geralmente permitido em argumentação de conversas do cotidiano, e então


é certamente uma habilidade útil e importante de argumentação crítica ser capaz de identificá-las. É preciso ter
muito cuidado, por conta dos perigos de responder uma questão como essa muito apressadamente [hastily].
Considere o seguinte exemplo como uma extensão do diálogo sobre gorjetas no capítulo 1.

Helen: Por que a prática de dar gorjetas trata uma pessoa como um objeto?

Bob: Eu não concordo com a pressuposição da sua pergunta, nomeadamente a proposição


de que gorjetas tratam uma pessoa como um objeto.

Nesse caso, da perspectiva de uma argumentação crítica, Bob deu o tipo certo de réplica. Se ele tivesse dado
qualquer resposta direta à questão, ele automaticamente se tornaria comprometido com a proposição de que
gorjetas tratam uma pessoa como um objeto. Como observado [pointed out] acima, uma tal réplica seria uma jogada
bem perigosa, de um ponto de vista do lado de Bob do diálogo sobre gorjetas. Pois ela poderia facilmente ser usada,
junto com algumas outras suposições plausíveis, para provar que dar gorjetas é uma má prática, do tipo que não
deveria ser continuado. É por essa razão que questões carregadas desse tipo, comumente chamadas de "perguntas
principais [leading]" no Direito, podem ser contestadas [objected to] em um julgamento e são frequentemente
derrubadas [struck down] pelo juiz.

A questão de "porquê" de Helen no exemplo acima solicitou uma explicação sobre o porquê de gorjetas
tratarem uma pessoa como um objeto. Mas quando um questionador pede por uma explicação do porquê a
proposição A é verdadeira, a presunção inerente na pergunta é que A é de fato verdade. Então, nesse exemplo, a
questão de Helen pressupõe que dar gorjetas é de fato uma má prática que trata uma pessoa como um objeto.
Portanto, tão logo Bob dê uma resposta direta à pergunta de Helen, ele se torna comprometido com essa
proposição, e é uma admissão muito prejudicial para ele fazer, dada a sua posição no diálogo. Uma das lições mais
imoortantes desse exemplo é que não é sempre obrigatório ou mesmo, em muitos casos, uma coisa sábia a se fazer,
dar uma resposta direta a uma pergunta. Às vezes é melhor questionar a pergunta, ou até mesmo, como nesse
exemplo, repudiar a pressuposição da pergunta ao claramente e enfaticamente negar seu compromisso com aquela
proposição. De fato, responder a uma pergunta com outra pergunta é uma sequência bem comum e legítima de
diálogo em trocas conversacionais cotidianas. Em muitos casos, fazer a um questionador uma pergunta sobre a sua
pergunta é necessário para o diálogo continuar [carry on] construtivamente.

A habilidade mais importante de argumentação crítica, no que diz respeito a questões carregadas, é ser
capaz de identificar [spot] a natureza carregada da questão, para que você não se comprometa com proposições
que possam ser usadas contra você, sem nem mesmo se dar conta do que você está concedendo. Em muitos casos,
mesmo que não nos contem ou que não saibamos todo o contexto de diálogo no qual uma pergunta foi feita,
podemos determinar, simplesmente ao identificar alguns termos carregados usados na pergunta, que a questão é
carregada. Por exemplo, considere a seguinte questão: Qual é a sua opinião no esforço simbólico [token] feito pelo
144

governo para lidar com esta monstruosa crise do óleo? Nesse caso, nada é sabido sobre o diálogo em torno dessa
pergunta, mas os termos carregados "simbólico" e "monstruoso" são facilmente identificados. Isso não significa que
a pergunta seja falaciosa ou que tenha sido injusta ou inapropriada da maneirs que foi usada em um diálogo. Muito
depende em se o respondente já estava comprometido com as proposições de que o esforço foi "simbólico" e de
que a crise do óleo é "monstruosa" (e que seja de fato uma "crise"). Mas, ainda assim, é útil, de um ponto de vista
de pensamento crítica, identificar os vieses na pergunta.

Um problema com questões carregadas que é muito importante ter consciência sobre, de um ponto de
vista de pensamento crítico, é que ao menos que elas sejam respondidas da maneira certa, elas podem facilmente
deixar a impressão de que o respondente perdeu terreno em uma disputa. Uma questão carregada muda a
presunção para o lado do respondente, e essa presunção será alojado [lodged] no local a menos que o respondente
faça um esforço especial para desalojá-lo. Questões como a seguinte são carregadas no sentido que elas imputam
culpa ao respondente: "Como poderia uma pessoa de aparência inocente como você ser levada a cometer um crime
vicioso como esse?". O problema aqui é que se o respondente não reagir a essa questão vigorosamente de maneira
suficiente, demonstrando justa [righteous] indignação à impertinência da pergunta, ele está mais propenso a
parecer culpado. O que ele deve fazer é disputar as pressuposições da pergunta da qual ele discorda. Ou então
haverá uma presunção persistente [lingering] de que elas provavelmente são verdade. De fato, então, uma questão
carregada é realmente muito parecida com um argumento e precisa ser tratada como um argumento pelo
respondente. Ele precisa questionar a questão por si mesma e atacar suas pressuposições ao demandar que o
questionador prove tais alegações.

Mas, por outro lado, a estratégia de vigorosamente argumentar contra a pergunta pode facilmente sair
pela culatra [backfire]. Pois as pessoas com suspeição a uma pessoa que afirma sua inocência muito
vociferantemente quando acusada de um crime. 40 Então é preciso ser muito cuidadoso ao reagir a uma pergunta
carregada que implica culpa por transgressão [wrongdoing]. Se o respondente é inocente ou pelo menos quer
refutar a alegação, a melhor abordagem seria responder apropriadamente à severidade da acusação, conforme
indicada no contexto de diálogo. A melhor estratégia é ou questionar ou atacar as pressuposições da questão, o
mais fortemente quanto pede a situação, para transferir [shift] o ônus da prova de volta para o outro lado. Essa
abordagem requer a adoção de uma atitude crítica em relação à questão. O primeiro passo é identificar as
declarações carregadas que são pressupostas pela questão e sujeitar cada uma delas a questionamentos críticos ou
a contra-argumentação apropriados para cada diálogo. Na maioria dos casos é bem suficiente demandar que a
questionadora prove as afirmações carregadas, e então deixá-las assim. Então se ela tentar prová-las, você pode
continuar a engajar esses argumentos no diálogo subsequente.

EXERCÍCIO 5.5

Identifique quaisquer pressuposições nas questões a seguir que poderian tornar a questão carregada, da maneira
como foi usada contra um respondente em um diálogo.

A. Mais ou menos quanto dinheiro você gastou em férias longe de casa no último ano?

B. Nas últimas três semanas, com que frequência você comprou café, chá, água engarrafada, refrigerante
diet, ou refrigerante normal?

C. Você acha que nós deveríamos continuar a usar dinheiro dos contribuintes [tax money] para apoiar
projetos artísticos frívolos?

D. Por que você continua tentando justificar uma visão que é tão obviamente racista?

E. Você acha que Bob é inocente do crime mais cruel [vicious] conhecido pelo homem?

40
B. Yandell, "Those Who Protest Too Much Are Seen as Guilty", Personality and Social Psychology Bulletin, 5, (1979):
44-47.
145

F. A pergunta seguinte sobre o tópico da Conferência de Mulheres na China foi feita nos Debates
Parlamentares do Senado da Austrália: "Minha questão é direcionada ao Ministro de Serviços Familiares e
se relaciona com a conferência das mulheres de Beijing da próxima semana. Por que o australiano Dr.
Ware foi nomeado como delegado para aquela conferência depois que esse oficial, aproximadamente no
dia 23 de junho, recusou considerar como coerciva a política oficial de Xangai de impor uma multa de três
vezes os ganhos anuais de uma família, pagável em até seis anos, na situação em que uma mulher se
recusou a abortar a sua segunda gravidez?".

SEIS Respondendo a Perguntas Traiçoeiras

Quando uma pergunta é simultaneamente complexa e carregada, ela pode ser usada como uma armadilha, como
mostrado no caso a seguir, usado por muitos anos como exemplo pelos principais livros didáticos de lógica
tradicional para ilustrar o problema.

Você parou de usar drogas psicoativas?

Essa pergunta é um tipo de armadilha, pois é uma pergunta de “sim” ou “não”, e não importa que resposta direta
seja dada, o respondente se compromete com o fato de ter usado drogas psicoativas. Se ele diz “sim”, então ele
admite ter usado tais drogas no passado. Porém, se responder “não”, ele admite que não só as usou no passado,
mas continua fazendo isso. Assim, a opção “não” é ainda pior, mas o ponto é que não importa o que o respondente
infeliz diga, ele se compromete com o fato de ter feito algo que o faz parecer ruim e provavelmente destrói sua
credibilidade.

Fazer uma pergunta carregada já foi chamado de falácia. Perceba, entretanto, que até essa pergunta, por
mais complicada, perigosa e enganosa que possa parecer, poderia ser razoável de ser perguntada em alguns casos.
Considere o diálogo a seguir, onde Bruno é o réu em um julgamento no qual ele está sendo acusado de assassinato
e está sendo questionado pela promotoria.

Promotor: Você admite ter usado drogas psicoativas no passado?

Réu: Sim.

Promotor: Você parou de usar drogas psicoativas?

Nesse caso, em virtude da resposta anterior do réu, na qual ele livremente admitiu ter usado drogas no passado, é
justificável que o promotor faça a pergunta “Você parou de abusar de sua esposa?” no próximo movimento (“move”)
no diálogo. Nesse caso, fazer uma pergunta dita “falaciosa” é apropriado ao contexto. Entretanto, é possível ver,
com o caso da pergunta usada nesse exemplo, como esse tipo de pergunta maliciosa (“tricky”) pode ser, e
geralmente é, usada para injustamente intimidar o respondente, e tentar prendê-lo a admissões prejudiciais. Assim,
é uma tática de questionamento da qual vale a pena estar ciente.

Outro aspecto complicado da pergunta sobre o abuso da esposa é o formato negativo. “Parou” significa
que algo foi “descontinuado”, uma ideia negativa, que significa “não fazer mais o que se fazia antes”. Pesquisas
mostraram que uma pergunta acusatória negativa, como “Não é verdade que seu trabalho não é bem avaliado entre
seus colegas?”- feita no interrogatório de um perito em tribunal - tende a ser presunçosa (“presumptuous”) quanto
a sugerir culpa.41 O papel da negação em perguntas presunçosas e maliciosas é conhecido desde os tempos antigos.
Eubulides, um filósofo contemporâneo de Platão, ficou conhecido por inventar vários paradoxos. Um deles,
chamado de “homem chifrudo”, envolve a seguinte pergunta.

Você perdeu seus chifres?

A malícia na questão é similar àquela das drogas psicoativas. Não importa que resposta direta seja dada - “sim” ou
“não” - o respondente admite que, em algum momento, ele teve chifres. Esse comprometimento o faz parecer bobo.
Porém, parte do truque é explicado por certa ambiguidade do termo “perder”, que aparece quando a pergunta é

41
S. M. Kassin, L. N. Williams e C. L. Saunders, "Tricks Dirty of Cross-Examination: The Influence of Conjectural
Evidence on a Jury", Law and Human Behavior 14 (1990): 373-384, p. 376.
146

parafraseada na forma de um argumento onde “perder” é negado. A seguinte versão do paradoxo de Eubulides está
na forma de um argumento: 42

O que você não perdeu você ainda tem.

Mas você não perdeu os chifres.

Assim, você ainda tem chifres.

Um dos significados de “não perdeu” pressupõe que você tinha algo antes. Ele torna a primeira premissa verdadeira.
O outro significado não requer que você tivesse a coisa anteriormente. Ele torna a segunda premissa verdadeira.
Então, há uma ambiguidade sutil na negação, revelando um tipo de equívoco implícito em questões como a do
homem chifrudo. Assim, o fato de a pergunta sobre o abuso da esposa e outras perguntas como essa serem
expressas em uma forma negativa é uma dimensão adicional à malícia a qual se deve atentar.

Perguntas como as do homem chifrudo e do abuso não são sempre falaciosas, como comentado acima,
então o problema é saber como as avaliar quando são usadas em um caso específico. O melhor método é aplicar um
perfil de diálogo (“profile of dialogue”), uma sequência de perguntas e respostas representando o contexto do
diálogo num caso. Por exemplo, em uma situação como a citada acima, na qual a pergunta sobre o abuso da esposa
foi utilizada corretamente, o perfil do diálogo pode ser representado como na tabela 5.2.

TABELA 5.2

Proponente Respondente

Você já usou drogas psicoativas? Sim.

Você parou de usá-las?

Se a resposta do respondente tivesse sido “não” no primeiro momento, então o interlocutor não deveria prosseguir
com a próxima pergunta. Se fizesse isso, seu questionamento não seria apropriado. O problema com uma pergunta
tão carregada é que ela pode ser usada em um caso em que o respondente nunca usou drogas psicoativas, ou não
quer admitir ter feito isso, para tentar forçar uma admissão de culpa. Ela faz isso ao acumular uma sequência de
perguntas em uma única questão complexa, de uma forma que impeça o respondente de responder “não” a cada
parte no perfil do diálogo. O que o argumentador crítico deve fazer, então, ao ser confrontado com esse tipo de
pergunta, é desafiar seus pressupostos [presuppositions]. Dar uma resposta direta seria cair na armadilha criada pela
pergunta. O respondente crítico deve, no lugar disso, responder à pergunta questionando suas pressuposições. O
respondente deveria perguntar ao proponente como ele pode provar a alegação pressuposta na pergunta, e ele
também pode negar a alegação, dependendo do quão forte a reação crítica apropriada à acusação seria e de como
essa acusação foi posta no diálogo.

A exata resposta apropriada depende do tipo de diálogo, dos compromissos já feitos pelo respondente até aquele
ponto no diálogo e outros fatores particulares do caso. Por exemplo, na situação seguinte, de um debate sobre os
cortes de empregos no parque nacional, a respondente reagiu consideravelmente bem a uma pergunta maliciosa.

Interrogador: Já que a política deste governo é eliminar empregos, o respondente poderia


confirmar as más notícias e explicar em termos inequívocos por que os meus constituintes
são alvos de tais cortes selvagens e inaceitáveis?

Respondente: É verdade que a administração do parque está reduzindo certos empregos


devido a necessidade econômica. Porém, nós estamos fazendo o nosso melhor para acalmar

42
William Kneale e Martha Kneale, The Development of Logic (Oxford: Clarendon, 1962), p. 114.
147

a situação e ajudar na capacitação de empregados que possam receber novas tarefas;


estamos prosseguindo da forma mais humana possível.

Embora a respondente não tenha respondido diretamente à pergunta, ela enfraqueceu as acusações feitas quanto
aos cortes serem "selvagens" e “inaceitáveis” e de que a política do governo seria a de reduzir empregos. Como
argumentadores críticos avaliando a pergunta do exemplo acima, não seríamos capazes de prever essa resposta ou
sugerir uma melhor porque nós não temos as informações particulares do caso, conhecidas pela respondente. Ela
que deve responder. Porém, nós estamos em posição de avaliar criticamente as perguntas identificando sua
estrutura complexa, seus pressupostos e a natureza carregada deles. Fazendo isso, podemos expor a malícia da
pergunta, mostrando porque um questionamento crítico da pergunta é uma abordagem mais racional do que tentar
respondê-la.

Perguntas complexas e carregadas muitas vezes apresentam uma dimensão adicional de malícia ao envolver um
ataque ad hominem ao respondente. Esse tipo de ataque ad hominem é particularmente perigoso porque, posta na
forma de pergunta, a alegação não parece requerer nenhuma prova, mesmo que seja baseada apenas na sugestão
e na insinuação. O caso clássico 43 concerne um diálogo entre alguém que é contra a caça e uma caçadora. Na
conversa, o crítico da caça acusa a caçadora de praticar sacrifícios bárbaros de lebres e trutas, apenas por sua própria
diversão. A caçadora então responde com a seguinte pergunta: “Por que você se alimenta da carne de animais
indefesos?”. Aqui a caçadora virou o jogo. Obviamente, se o crítico é vegetariano, ele poderia facilmente refutar a
pressuposição da questão. Porém, se ele come carne ocasionalmente, parece estar preso em uma inconsistência
circunstancial. Ele está criticando a matança de animais, mas ao comprar e comer carne, ele estaria apoiando a
prática. Assim, essa pergunta clássica é uma pergunta maliciosa que contém um argumento ad hominem
circunstancial.

A pergunta no caso clássico é realmente maliciosa, pois ela tem uma base genuína para o argumento ad hominem.
Comer carne realmente é conectado com a matança de animais. Entretanto, o que o respondente crítico deve
ressaltar é que comer carne é diferente de matar animais por diversão, aquilo de que o crítico acusou o caçador.
Para virar o jogo mais uma vez e responder adequadamente à pergunta da caçadora, o respondente deve deixar
claro que comer carne não é o mesmo que o ato de matar animais por esporte (ou entretenimento). As duas coisas
são relacionadas, mas não são a mesma coisa. E então, ele deve repetir que está acusando a caçadora de matar
animais por diversão.

Um argumento ad hominem colocado em uma pergunta como a do caso clássico é uma tática altamente efetiva
para colocar o respondente na defensiva, e é possível ver o porquê. A pergunta esconde um uso de argumento por
compromisso para atacar a integridade, e assim a credibilidade, do respondente. Ao forçar o respondente a admitir
que ele próprio participa de uma prática que contribui para a matança de animais, a pergunta usada pela caçadora
no caso faz o respondente parecer um hipócrita. O respondente parece assumir a superioridade moral ao fazer uma
acusação de barbaridade contra a caçadora. Porém, a pergunta questiona se o próprio respondente é realmente
uma pessoa tão moral. Uma pergunta que é particularmente agressiva ou potencialmente danosa, especialmente
uma que acusa o respondente de culpa por algo ruim, é comumente respondida por uma pergunta ad hominem
direcionada de volta ao interrogador, dizendo “você é tão ruim quanto”. Esse tipo de resposta ad hominem pode
ser chamada de argumento dos “dois errados”. A troca constante de perguntas e respostas ad hominem é
característica de muitos debates políticos. Por exemplo, quando um candidato em uma campanha apela à
“propaganda negativa” ou “ataques ao caráter”, o candidato da oposição frequentemente sente que deve responder
com ataques ad hominem igualmente fortes ou ele perderá sua posição nas pesquisas. Tal padrão de ataque é
ilustrado pelo debate a seguir.

Político A: Você pode assegurar às pessoas de que não haverá aumento nas taxas de juros
amanhã?

Político B: Essa é uma pergunta ridícula vindo da pessoa cujo partido levava as taxas de juro
até 20 e 25 por cento ao ano quando estavam no poder.

Nesse caso, a pergunta não é um ataque ad hominem explícito, embora ela implique uma responsabilidade por altas
taxas de juros (presumivelmente algo ruim para as pessoas em geral). Porém, a resposta ataca a pergunta, usando
um argumento ad hominem circunstancial para fazer a interrogadora parecer inconsistente e sugerir que ela é

43
Richard Whately, Elements of Logic (New York: William Jackson, 1836), p. 196.
148

hipócrita. Nesse caso, a pergunta está longe de ser razoável, e o uso do ad hominem circunstancial para responder
parece tanto justificável quanto efetivo.

O uso de uma resposta ad hominem para responder a uma pergunta ad hominem ou qualquer pergunta que
implique culpa pode ser razoável. Porém, tais sequências de diálogo devem ser analisadas com cuidado, Como no
clássico caso, uma resposta assim pode ser legítima e ter justificativa, mas os casos do interrogador e do respondente
podem não ser exatamente os mesmos, ou similares. A seguir é descrita uma reportagem do programa de notícias
60 Minutes, “What Killed Jimmy Anderson?" (2 de março de 1986).

Um programa de notícias investigou evidências de que as mortes de várias crianças de uma pequena
cidade poderiam ter sido causadas devido aos químicos tóxicos que pararam no sistema de água por meio
do descarte de resíduos industriais.O entrevistador perguntou a um representante corporativo sobre a
possibilidade de a sua companhia ter violado a lei ao despejar químicos tóxicos. O representante
respondeu que o entrevistador era “uma pessoa interessante para levantar aquela questão” em relação
ao fato de sua rede ter sido recentemente citada por problemas de contaminação. O investigador rebateu
sua resposta apontando que diferente do caso da companhia, objeto do programa, no caso da citação da
rede não houve mortes ou doenças reportadas, nenhum processo e nenhuma investigação criminal. 44

Aqui o entrevistador acusou o representante da empresa (ou sua companhia) de ser responsável por despejar
químicos tóxicos. Porém, o representante respondeu que a própria rede do entrevistador teria feito a mesma
coisa.Essa resposta ad hominem joga a culpa de volta para o lado do entrevistador, sugerindo que ele é uma “pessoa
interessante” para estar fazendo essas perguntas.

Entretanto, o que é especialmente interessante sobre esse caso é a resposta do entrevistador, apontando várias
diferenças entre a sua situação e a do representante da companhia. O entrevistador aponta o que observamos no
caso da caçadora, no caso, que a situação de um lado é diferente da do outro. Porém, como no caso da caçadora, a
resposta ad hominem ainda tem certo peso e justificativa, pois ela alega que o atacante está envolvido com as
mesmas práticas das quais ele acusa o outro lado. Assim, a avaliação de respostas a perguntas ad hominem ou a
qualquer pergunta carregada ou que sugira algum tipo de culpa deve ser feita com cuidado. A resposta precisa ser
julgada em relação à pergunta, e ambas as situações devem ser comparadas cuidadosamente, para que se veja se
elas são iguais, similares ou em que ponto elas podem ser diferentes.

Em sequências de perguntas e respostas, ataques ad hominem podem ocorrer na pergunta inicial, na resposta dada
à questão ou em ambas. Quando o ataque é feito na pergunta, o pensador crítico deve identificar a pergunta como
carregada e identificar a natureza precisa “carregada” como um ataque ad hominem. Quando o ataque é feito na
resposta, o pensador crítico deve avaliar a situação do interrogador frente à do respondente, no que tange à troca
ad hominem, até onde a informação sobre ambas as situações estiver disponível no caso. Ao comparar ambas as
situações, pode-se avaliar até que ponto a resposta ad hominem é justificada. Simplesmente reconhecer a pergunta
como carregada porque contém um ataque ad hominem já é um passo importante na argumentação crítica.

EXERCÍCIO 5.6

1. Analise as perguntas a seguir, citando as pressuposições importantes e mostrando como uma tentativa de
respondê-las poderia ser problemática. Mostre que tipo de resposta seria apropriada para a pergunta.
a. As suas vendas cresceram ano passado como um resultado da sua propaganda enganosa?
b. Por que as suas opiniões sexistas foram constantemente consideradas ofensivas no passado?
c. Você e seus amiguinhos comunistas pensam que seus esforços para suprimir a liberdade de
expressão podem ser usados para forçar todos a viverem em um Estado policial no qual todo
mundo está em um depressivo mesmo nível de mediocridade?

44
Douglas N. Walton, Question-Reply Argumentation (Nova York: Greenwood Press, 1989), p. 179.
149

d. O tópico da pergunta a seguir no Question Period of the House of Commons Debates of Canada
(10 de junho de 1982, p.18304) era a posição do governo em relação ao desemprego: “Até
quando o ministro está pronto para condenar mais 1200 canadenses a perderem seu emprego e
à insegurança diariamente porque ele é muito teimoso e indiferente para mudar sua política?
e. O tópico da pergunta a seguir no Question Period of the House of Commons Debates of Canada
(20 de junho de 1986, p.14760) era os gastos do governo.
Sr. Don Boudria (Glengarry-Prescott-Russell): “Senhor orador, minha pergunta é direcionada ao
primeiro Ministro. Diariamente a mídia reporta o abuso excessivo do Primeiro Ministro no gasto
do dinheiro dos contribuintes em hotéis, aviões, vídeos, aluguel de limousines, caviar e
champanhe, como se ele tivesse ganhado a loteria 649 (?). O Primeiro Ministro vai colocar um fim
agora nessa “orgia” de gastos do dinheiro do contribuinte?

2. Avalie a argumentação nos seguintes diálogos de perguntas e respostas.

(a)
REPÓRTER: Se você, como um representante eleito, está em uma posição de confiança pública, onde não
deveria haver uma situação de conflito de interesses, como você pode ter aceitado uma viagem grátis de
pesca dada por uma companhia de aviação, a qual é uma empresa privada?
POLÍTICO: E você? O correspondente internacional do seu jornal viajou pelo mundo por anos com passagens
grátis. Essa não é uma situação de conflito de interesses?
(b) O fragmento seguinte é de Hansard (Canada: House of Common Debates, 3 de maio de 1985, p.4380).
INTERROGADOR: Senhor orador, minha pergunta é direcionada ao Vice Primeiro Ministro. Ela diz respeito a
festas nos meios de viagem sagrados do governo. Em face dos grandes cortes nas artes, na CBC (Canadian
Broadcasting Corporation) e em outras áreas valorosas das atividades governamentais, o Vice Primeiro
Ministro poderia dizer a todos o que poderia ter levado seu colega, o Ministro das Comunicações, encher
um jato do governo com sua família e funcionários pessoais para viajar para a Argélia, para a Grécia e
outros locais exóticos,gerando um custo de US$57.000 para os contribuintes canadenses, em um momento
no qual ele e seus colegas pregam restrições e nos dizem como segurar as pontas? Como ele pretende parar
com esse tipo de atividade no futuro?
RESPONDENTE (Vice Primeiro Ministro e Ministro da Defesa): Senhor orador, se me lembro bem, a viagem
específica da qual o honorável membro fala é aquela que foi feita levando em conta os interesses vitais do
comércio canadense em uma das áreas líderes da nossa tecnologia, ou seja, as telecomunicações. O
Ministro visitou vários países no Oriente Médio em missões para alavancar os mercados e estabilizar os
mercados para a venda de produtos e bens manufaturados canadenses. Quando eu vi o artigo ao qual o
honorável membro se refere, eu, que tenho essa responsabilidade agora, examinei cuidadosamente aquela
viagem. Eu vejo total justificativa para o uso da espaçonave do governo naquela situação. Não houve nada
além de benefícios. Certamente é uma vantagem muito maior para o Canadá do que o exemplo que foi
dado pelo seu partido que estava no governo há alguns anos, quando três aeronaves governamentais, com
três diferentes Ministros de Gabinete, chegaram basicamente ao mesmo tempo na cidade de Winnipeg,
sem conhecimento uns dos outros. Os três poderiam ter feito uma viagem comercial.

SETE Relevância de Perguntas e Respostas

Em qualquer sequência de argumentação questão-réplica, a réplica precisa ser avaliada em relação à questão. E
ambas a questão e a réplica precisam ser avaliadas na sequência maior de trocas em um diálogo, do qual elas são
parte. Questionar e replicar movimentos são melhor julgados em relação a como ambos o questionador e o
respondente tomam parte, colaborativamente, em ajudar um diálogo seguir em frente em direção à realização de
seu objetivo. O questionador deveria fazer perguntas relevantes e probatórias, que não sejam muito complexas ou
agressivamente carregadas, em uma ordem que permita respostas úteis e exatas [accurate]. O respondente deveria
responder uma pergunta, ou, se não puder, pelo menos dar uma réplica relevante. Em algumas situações [instances],
questionar uma questão pode ser uma réplica relevante, se for a melhor maneira de dar prosseguimento à
argumentação no diálogo.

É um experimento interessante assistir entrevistas em noticias [news interviews] ou outros tipos de


entrevistas mostradas na mídia, como entrevistas de celebridades do esporte e do entretenimento e de outras
pessoas de interesse para o público, para ver que réplicas dadas são relevantes à questão feita. Exemplos são comuns
nas situações em aue a réplica não é relevante. Dizer que a réplica é relevante significa que ou ela responde à
questão ou ela lida com ela de maneira construtiva, de modo a contribuir para o prosseguimento do diálogo em
direção ao seu objetivo. Um exemplo típico é o diálogo a seguir.
150

Questionador: Você experimentou drogas quando estava na faculdade [college]?

Respondente: Eu sempre fui contra a ingestão de substâncias ilícitas.

Nesse caso, a réplica parece sugerir que a resposta dada é "não". Mas se você a olhar mais cuidadosamente, você
pode ver que a réplica não responde de fato a questão de jeito nenhum. A réplica é, na verdade, uma resposta à
uma questão diversa, a questão de se o respondente é contra "a ingestão de substâncias ilícitas" ou não, como uma
questão de política geral. Ela não gera um compromisso dele com a questão de se ou não ele, pessoalmente, já
ingeriu substâncias ilícitas e não responde a questão específica de se ele usou drogas (lícitas ou não) na faculdade.
Dar réplicas relevantes à questões é extremamente importante para um diálogo de sucesso, mas a falha em realizar
isso, como ilustrada pelo exemplo acima, é frequentemente esquecida [overlooked]. O outro aspecto desse exemplo
que precisa ser comentado é a questão de se a pergunta por si só foi relevante ou apropriado no diálogo. Se não
fosse relevante ao suposto assunto ou tópico da entrevista, o respondente deveria apontar isso. Então o
questionamento poderia voltar para uma linha de diálogo de busca de informação que fosse mais construtiva ou
informativa e relevante.

Os casos problemáticos são aqueles nos quais a réplica dada aparenta ser uma resposta relevante, porque
se trata de uma resposta a alguma questão relacionada ou similar, mas não realmente responde à questão que foi
feita e é, por isso, evasiva. Por exemplo, considere a seguinte sequência no Diogo sobre gorjetas.

Bob: Você concordaria que se algum método justo de julgar quando uma gorjeta é
apropriada poderia ser concebido [devised], dar gorjetas poderia ser uma maneira valiosa de
premiar excelência de serviço?

Helen: Não há método justo de julgar quando uma gorjeta é apropriada.⁵

Nesse caso, pode parecer que Helen respondeu a questão. Mas a questão é do tipo condicional. Helen replicou
negando o antecedente (suposição) da condicional. Essa não é uma resposta, e não lida realmente com a questão
posta na pergunta de Bob. Nesse caso, Bob precisa replicar: "Não foi isso o que eu te perguntei. Eu perguntei se um
tal método poderia ser concebido, se seguiria, na sua opinião, que dar gorjetas poderia ser uma maneira valiosa de
se premiar excelência de serviço". Helen ainda assim poderia não querer escoger responder à questão, mas não
adiantaria negar o antecedente da condicional, seja na forma de uma resposta ou de uma réplica construtiva no
diálogo.

Por outro lado, o pensador crítico não deve ser muito apressado em tratar qualquer réplica a uma questão
como "irrelevante" se ela não responde à questão. Pois, como vimos acima, nos casos de questões carregadas e
complexas, não é só legítimo mas até útil questionar criticamente uma questão em vez de respondê-la. Uma melhor
réplica à questão condicional no exemplo acima teria sido respondê-la, mas justo com a resposta, adicionar um
esclarecimento que derrotaria a implicação potencialmente errônea da pergunta. Helen poderia ter replicado: "Sim,
eu admito que se algum método de julgamento poderia ser concebido, então gorjetas poderiam, como você diz, ser
uma maneira valiosa de premiar excelência de serviço. Mas eu não acho que uma maneira justa de julgar quando
uma gorjeta é apropriada poderia ser concebida algum dia. Então a sua pergunta é puramente hipotética. E o fato
de que eu a respondi afirmativamente não deveria ser tomada como uma implicação de que eu, de maneira alguma,
concordo com a proposição de que dar gorjetas poderia ser uma maneira valiosa de premiar excelência de serviço".
Essa réplica fornece uma resposta relevante, mas ao mesmo tempo lida criticamente com uma possível sugestão
errônea implícita na pergunta que Helen (certamente) quer evitar.

Em alguns casos, entretanto, replicar uma questão com uma questão é evasivo, porque a questão não é
uma questão crítica apropriada que contribua para o prosseguimento do diálogo. Em vez disso, é uma tática de
distração usada para acobertar a evasão de fornecimento de resposta ao encaminhar [send] para longe em uma
direção diferente. No exemplo a seguir, a questão era uma controvérsia sobre usar hospitais com fins lucrativos para
tratar adolescentes com problemas de dependência de drogas ou álcool. A controvérsia surgiu porque foi alegado
que os adolescentes não estavam sendo supervisionados adequadamente.

Pai: Por que vocês não estavam cuidando do meu filho devidamente?

Diretor do Hospital: Como nós poderíamos cuidar de trinta e seis se você não consegue
tomar conta de um?
151

O problema nesse caso é que o diretor do hospital, em vez de responder à pergunta, tenta evadi-la ao transferir o
fardo de volta ao pai. A pergunta parece ser razoável, no contexto da controvérsia no exemplo. Mas o diretor do
hospital evita ter que respondê-la ao usar uma questão emocionalmente distrativa como réplica. O pai está
compreensivelmente preocupado sobre os problemas que ele teve com o filho, e há provavelmente um certo
sentimento de culpa da sua parte. Então seria difícil para ele não se distrair com essa réplica inteligente à sua
pergunta. Ao se avaliar a importância de uma réplica, a primeira tarefa é julgar se a réplica respondeu à pergunta.
Caso não, é preciso decidir se a réplica conduz o diálogo em direção à sua meta ou a encaminha para uma direção
diferente (longe da meta).

EXERCÍCIO 5.7

Avalie se as réplicas seguintes foram relevantes à questão perguntada, até onde pode ser julgada pelo contexto
dado.

A. Neste caso, o prefeito de Detroit foi entrevistado por um repórter de mídia sobre o tópico de Dia Sem
Crime em Detroit.
ENTREVISTADOR: A taxa de assassinatos deste ano, até agora, é de mais de trezentas pessoas assassinadas
em Detroit. Mais pessoas foram assassinadas mês passado em Detroit do que no ano inteiro em Toronto
até agora.
PREFEITO: Você está me fazendo perguntas sobre essa alta taxa de assassinatos em Detroit. Essa não é a
questão. Outras cidades como Nova York também têm taxas elevadas. O tópico é Dia Sem Crime. Essa
pergunta de taxa de assassinato não é relevante.
ENTREVISTADOR: Bem, sim, é realmente relevante.

B. Neste caso, um repórter estava entrevistando um político sobre uma próxima eleição.
ENTREVISTADOR: O que deu errado nos seus quatro últimos anos no gabinete?
POLÍTICO: Vamos colocar isso em perspectiva: O que deu certo? A taxa de desemprego diminui, o déficit foi
revertido, e altas taxas de juros não são mais um problema. Nos últimos quatro anos, o país foi muito mais
próspero, houve renovação econômica, e maior justiça social.

C. O tópico da seguinte questão de um artigo de revista, no qual um líder político foi entrevistado, era
gravidez na adolescência.
QUESTIONADOR: Números indicam que ocorrem até oitenta gravidezes não planejadas de adolescentes a
cada semana em Manitoba. Você acha que um programa forte de educação sexual ajudaria a resolver este
problema?
RESPONDENTE: Eu acho que há uma série de razões para a gravidez na adolescência. Francamente, nós
descobrimos, de novo e de novo, que muitas crianças, e elas são crianças dessa idade, sabem que elas
deveriam usar anticoncepcionais e escolhem não usar anticoncepcionais. É por isso que o componente de
responsabilidade da educação na vida em família é tão muito muito importante.

D. O tópico desta entrevista de um político é a pena capital.


QUESTIONADOR: Você acha que se a pena capital fosse trazida de volta haveriam menos assassinatos de
policiais e guardas prisionais?
RESPONDENTE: A pena capital definitivamente será trazida de volta, porque as pessoas estão revoltadas
pelo estado de coisas atual e estão solidamente por trás da pena de morte em casos capitais de assassinato.

E. A troca a seguir (nenhum tópico é dado) tomou lugar em um debate na seção dos Questões Sem Aviso
Prévio dos Debates Parlamentares da Câmara dos Deputados [House of Representatives] da Austrália (6
de junho, 1991).
QUESTIONADOR: Eu pergunto ao Ministro de Serviços Comunitários e Saúde: em administrar seus portólios,
seria uma prática sua como Vice Primeiro-Ministro e Ministro de Serviços Comunitários e Saúde enganar ou
até trair o povo australiano se ele considerar politicamente conveniente [expedient] fazê-lo?
RESPONDENTE: Eu agradeço ao membro honorável pela pergunta, a qual eu acharia que pede por uma
réplica óbvia. Eu certamente não pretendo gastar nenhum tempo com isso. Mas sexo honorável membro
quiser seguir para a questão de integridade, eu acho, francamente, que a oposição talvez devesse olhar
para sua própria casa.
152

QUESTIONADOR: Qual é sua resposta?


RESPONDENTE: Nos termos da performance dos membros da oposição em relação a questões de políticas,
francamente, eles parecem recuar [back away] de cada compromisso que fazem, e para a oposição fazer
uma declaração neste Parlamento é não estabelecer nenhuma credibilidade.

OITO Resumo

Esse capítulo começou identificando um tipo de diálogo que é centralmente importante em argumentação crítica
chamado de discussão crítica, um subtipo de um tipo mais geral de diálogo chamado diálogo de persuasão. Nem
todos os diálogos de persuasão são são do tipo de discussão crítica. Para um diálogo de persuasão não é necessário
para o conflito e opiniões (a questão) ser resolvida definitivamente de um jeito ou de outro, ao mostrar que uma
das partes ganha o diálogo e a outra perde. Apesar do diálogo de persuasão ser importante, é apenas um tipo de
diálogo que contém argumentação. Os outros cinco tipos de diálogo estão listados na Tabela 5.1 (p. 183), junto com
as suas principais características. Como questões são perguntadas e respondidas é uma parte central da estrutura
de qualquer tipo de diálogo.

Entre os tipos mais importantes de questões definidas foram as disjunções (múltipla escolha), questões de
sim/não, questões de porquê, e questões condicionais. Existe uma distinção importante entre uma réplica [reply] e
uma resposta [answer]. Uma resposta é um tipo especial de réplica que supre [supplies] a afirmação requerida pela
questão. Uma resposta direta fornece [furnishes] exatamente a informação requerida pela questão. Uma
pressuposição de uma questão foi definida como qualquer questão com a qual um respondente se compromete em
virtude de dar qualquer resposta direta à questão. Da perspectiva de uma disputa particular sobre algum assunto,
uma vez que a disputa atingiu um determinado nível onde uma questão específica foi perguntada, certas
proposições são especialmente importantes para identificar, porque elas desempenham um papel importante no
intercâmbio [exchange]. De um ponto de vista do pensamento crítico, ao se avaliar uma questão-pergunta
intercambiada em um determinado caso, são essas pressuposições que são importantes para identificar e ter em
mente. Uma questão pode ter muitas outras pressuposições que são de menor importância.

Uma questão complexa é uma questão que tem várias, isto é [that is] mais de uma, destas pressuposições
significativas. De fato, uma questão complexa contém realmente duas (ou mais) questões em uma. Para respondê-
la de um jeito que contribua para a meta do diálogo, estas duas questão devem ser separadas e então replicadas
individualmente. Entretanto, não há nada inerentemente errado com questões complexas. Elas são frequentemente
necessárias para comunicar com êxito sobre assuntos complexos ou deliberações onde muitas proposições
conectadas precisam ser consideradas juntas. Uma questão carregada é uma que tem uma ou mais afirmações
carregadas como pressuposições da questão. Não há nada inerentemente errado em usar questões carregadas em
um diálogo, assim como há nada inerentemente errado em usar afirmações carregadas. Mas o que é importante é
perceber que ambas afirmações e questões carregadas funcionam em um diálogo tanto quanto argumentos usados
em uma maneira enviesada para apoiar o lado do usuário e argumentar contra o lado do respondente. Elas
realmente possuem um peso argumentativo, e um respondente deve estar alerta para a necessidade de ligar com
elas cuidadosamente, e, em muitos casos, também bastante [fairly] agressivamente. Questões carregadas
frequentemente precisam ser desafiadas fortemente por um respondente, e é vital para um pensamento crítico
estar atento às proposições carregadas contidas na questão.

Uma pergunta complicada é uma que é tanto complexa quanto carregada, usada para prender um
respondente ao ser estruturada de modo que não importa qual resposta direta o respondente dê, ele se torna
comprometido com uma proposição que é carregada contra o seu lado em uma disputa. Questões complicadas,
como a questão do abuso do cônjuge [spouse], são tipicamente usadas para fazer acusações de que o respondente
é culpado por algum ato censurável [blameworthy], ou então para fazer o respondente parecer estar do lado
perdedor em um diálogo. Conforme notado no caso da questão do abuso do cônjuge, uma mesma questão pode ser
usada como tática traiçoeira de armadilha [entrapment] em um caso, e ainda assim ser bastante razoável, e não ser
uma armadilha de forma alguma, como usada em outro caso. Então não é bom simplesmente condenar todas as
questões que são tanto complexas quanto carregadas ou banir tais questões completamente [altogether]. Cada caso
precisa ser avaliado por seu mérito, por meio da construção de um perfil de diálogo que exiba a ordem certa de
perguntar e responder a questões em um caso. Em um caso falacioso do uso de uma questão complicada, pode ser
demonstrado que a sequência certa de perguntas e respostas foi embolado [has been balled up] em uma questão,
de um jeito que obstrui o progresso construtivo do diálogo em direção à sua meta. O que o pensador crítico precisa
153

fazer é questionar a questão ao desafiar suas pressuposições. E um desafio como esse, quando justificado, deveria
ser julgado para ser uma réplica relevante à questão.

Outra coisa para se prestar atenção em diálogos é a réplica que aparenta ser relevante à questão mas não
é. Em muitos casos, uma réplica é topicamente relevante, mas não aborda realmente a questão da maneira que foi
posada. Em algum caso, responder a uma questão com uma outra questão não é uma réplica relevante e é
meramente uma tentativa de evitar responder à questão. Mas em outros casos, responder a uma questão com uma
questão é uma resposta relevante, porque, em muitos casos, a questão possui importantes pressuposições que
precisam ser criticamente questionadas ou mesmo refutadas pelo respondente. Uma resposta como essa é
relevante se contribui para o objetivo do diálogo de persuasão ao auxiliar o progresso da argumentação através de
uma sequência de questões e respostas que provocam [elicit] os compromissos reais de ambos os lados na matéria
tratada.
SEIS Detectando Vieses

A detecção de viés, ou uma inclinação [slant] para um lado, é uma habilidade importante de pensamento crítico.
Existem indicadores definitivos de vieses, estudados neste capítulo, que podem ser detectados em um argumento
em determinado caso. A maioria deste capítulo é destinada a mostrar como reconhecer indicadores de viés
presentes em um dado caso. Em alguns casos, uma massa de provas, que indiquem um padrão persistente de vieses
em uma série argumentativa em um diálogo, pode ser avassaladora. Mas o problema, em muitos casos, é que é
difícil identificar um viés, por estar escondido na linguagem utilizada. Alguém que tenta persuadir um público talvez
faça uso de uma linguagem emotiva, na forma de termos carregados, que dê uma "virada" no argumento. Um tal
uso de termos carregados em linguagem natural pode, muitas vezes, fazer parecer que uma simples declaração de
algum fato esteja sendo feita. Essa aparência tende a encobrir a função real do discurso, que seria apresentar um
argumento.

As pessoas tipicamente sentem que disputas verbais são triviais e que a maneira como um termo é definido
é de pequena ou nenhuma importância, em comparação com o trabalho de provar uma posição com evidências
observacionais "difíceis", coletadas por estatística. Mas problemas sobre linguagem e disputas verbais estão, muitas
vezes, longe de serem triviais. Linguagem enviesada é uma ferramenta poderosa de persuasão sobre assuntos
importantes de política pública. Em alguns casos, bilhões de dólares estão envolvidos em ações judiciais, políticas
sociais, e regulações governamentais que se voltam para questões de como um termo-chave deveria ser definido.
Em muitos casos, meramente identificar um viés ao perceber que a linguagem usada oculta um argumento é tudo o
que precisa ser feito para se criticar o argumento efetivamente. A melhor resposta crítica é reconstruir a fala como
um argumento, e então pedir para a falante dar razões para sustentar seu argumento. Quando um respondente faz
uma resposta crítica tão melhor, a próxima ação no diálogo é, com frequência, o oferecimento de uma definição de
um termo-chave pelo proponente. Como notado acima, o diálogo pode então mudar para uma disputa verbal sobre
palavras e definições de palavras. Então a primeira parte deste capítulo se preocupa com definições de palavras e
frases, especialmente palavras e frases que possuem um quê de emocional e persuasivo oculto.

Se o viés em um argumento está oculto na linguagem usada, um crítico, ou alguém que quer avaliar o valor
do que foi dito, pode não saber como responder. Mas é importante saber como identificar um tal viés e como
responder a ele, ao fazer uma alegação de viés. Um problema é que, quando um argumento é criticado por ser
enviesado, o debatedor geralmente irá contestar [dispute] a alegação. Contra-argumentos como esse
frequentemente levam a disputas verbais sobre o significado de palavras, que podem ser difíceis de desembaraçar.
Outro problema é que nem todo viés é ruim, ou de um tipo que deveria ser condenado. Em muitos casos, um viés
em favor de um ponto de vista próprio é bem normal, porque uma debatedora em um diálogo está tentando
defender seu próprio ponto de vista. Infelizmente, porém, em alguns casos, o viés é parte de um comprometimento
tão forte com o ponto de vista de alguém em um diálogo, que pode haver uma relutância com toda argumentação
oposta. Isso pode ser um problema sério, representando um tipo problemático de viés, porque um debatedor
deveria estar aberto a questionamento crítico, e deveria dar razões para sustentar uma alegação feita. Nós
esperamos, com razão, que a argumentação crítica tenha dois lados e seja equilibrada em um diálogo. Assim, na
última seção deste capítulo, são fornecidos indicadores para que se possa distinguir entre vieses normais e
problemáticos.

UM Termos Carregados

Uma distinção é frequentemente traçada entre o significado emotivo de um termo e o significado descritivo ou
factual.45 O significado descritivo é o conteúdo factual ou cognitivo central de uma palavra, ao passo que o
significado emotivo representa os sentimentos ou atitudes (positivas ou negativas) que o uso da palavra sugere aos

45
A frase "significado emotivo" foi cunhada [coined] por Ogden e Richards em seu livro, The Meaning of Meaning
(1923), de acordo com Junichi Aomi, "Persuasive Definitions in Social Sciences and Social Thought", em Man, Law
and Modern Forms of Life, ed. Eugenio Bulygin, Jean-Louis Gardies, e e Ilkka Niiniluoto (Dordrecht: Reidel, 1985), pp.
187-190. Charles Kay Ogden e Ivor Armstrong Richards, The Meaning of Meaning (1923; Nova York: Harcourt Brace,
1959).
155

respondentes. O significado emotivo de uma palavra é um tipo de sugestão implícita contida na palavra que
desencadeia uma resposta positiva ou negativa no público. É discutível se o significado factual de um termo na
linguagem cotidiana pode, realmente, chegar a ser bem separados de seu significado emotivo. O significado emotivo
está presente em muitos, se não na maioria, dos termos usados na linguagem cotidiana. Além disso, pelo fato de
serem emotivos por natureza e pelo fato de poderem variar de público para público, ou mesmo de indivíduo para
indivíduo, é difícil defini-los ou isolá-los precisamente. Mas é extremamente útil estar ciente da distinção entre
significado factual e emotivo na argumentação, simplesmente porque aumenta a consciência do papel da
terminologia emotiva na argumentação. Em muitos casos, uma declaração é carregada para um lado da disputa e
refutar o outro lado, em virtude de um termo usado na declaração que possui conotações emotivas positivas ou
negativas. Algumas palavras em particular possuem fortes conotações emotivas, positivas ou negativas. Por
exemplo, ao relatar um conflito militar, nosso lado pode ser descrito como "guerreiros da liberdade" e o outro lado
como "terroristas". Um termo laudatório, como "tesouro" ou "obra de arte", evoca um sentimento positivo ou
favorável em direção à coisa descrita. Um termo depreciativo, tal como "trapaceiro" ou "poluição", evoca um
sentimento negativo ou desfavorável. 46 Então se, na disputa sobre gorjetas, Helen faz a declaração "Gorjetas são
humilhantes [demeaning], essa declaração está carregada contra lado de Bob da disputa, simplesmente em virtude
de seu uso do termo depreciativo "humilhante" para descrever gorjetas.

Bertrand Russell citou a seguinte "conjugação emocional" clássica para ilustrar tons de significado emotivo
de palavras e como elas refletem vieses.

Eu sou firme, você é obstinado, ele é um tolo cabeça de porco.

Eu sou justamente indignado, você está incomodado, ele está fazendo um barulho por nada.

Eu reconsiderei o assunto, você mudou de ideia, ele voltou atrás em sua palavra.47

Termos como "obstinado" e "cabeça de porco" são depreciativos e, como tais, eles não são neutros, porém carregam
consigo uma avaliação. Por isso, tais termos são chamados de "termos carregados". Um termo carregado é um rótulo
ligado a algo, de uma forma que faça a declaração contendo o rótulo parecer ou discutível ou falso. 48 Um termo
carregado, assim, possui uma certo inclinação ou "viragem" que apoia um lado de um assunto discutível ao fazer o
outro lado parecer errado ou ruim. O uso de termos carregados na argumentação é uma técnica bem poderosa, com
certeza, como sabemos da implantação atual de termos como "racista" e "sexista" em assuntos sociais controversos.
Se alguma prática é descrita como "racista" ou "sexista", ela é automaticamente vista como muito ruim, dadas as
sugestões emotivas convencionais que esses termos tomaram no uso atual. Tais palavras têm implicações tão fortes
que, se nosso ponto de vista é descrito como "racista" ou "sexista", seja justificadamente ou não, ele se torna quase
impossível de se defender. Sua opinião é feita para parecer tão ofensiva e ruim que qualquer coisa que você dizer
em seguida provavelmente será rebaixada.

O caso clássico de termos carregados é ilustrado pelo seguinte exemplo.

Bill e Hilda estão tendo uma disputa sobre o assunto do aborto. Bill é pró-vida e Hilda é pró-escolha. Em
algum momento no diálogo, Bill faz a declaração de que aborto é assassinato.

O problema aqui é que em uma única sentença breve, Bill classificou a prática de aborto sob o termo "assassinato".
Esse termo possui implicações afetivas bastante negativas, implicando um ato que é bem ruim. É talvez o pior crime
que uma pessoa poderia cometer. Se aborto é assassinato, é certamente errado como prática, e essa conclusão é
de fato a tese de Bob na disputa. É também oposta à tese de Helen. Assim, quando Bill fez a declaração de que
aborto é assassinato, isso funcionou como um argumento que implicou a conclusão de que aborto é um tipo de ação
que é errada e, inclusive horrível, assim como assassinato.

46
Monroe C. Beardsley, Thinking Straight, 4ª ed. (1975; Penhascos de Englewood: Prentice-Hall, 1950), p. 181.
47
De acordo com o Cambridge Dictionary of Philosophy, ed. Robert Audi (Cambridge: Cambridge University Press,
1995), p. 223, Russell usou o exemplo "cabeça de porco" em um programa da Rádio BBC, "Brains Trust", em 1948. O
jornal New Statesman, então, realizou uma competição para outros exemplos, que trouxeram 2.000 entradas, como
as outras duas citadas.
48
Ralph H. Johnson e J. Anthony Blair, Logical Self-Defense, 2ª ed. (Toronto: McGraw-Hill Ryerson, 1983), p. 129.
156

Em muitos casos, termos emotivos são usados para ganhar apoio de um público. O proponente do
argumento pode simplesmente usar termos que sejam positivos para o público, para conseguir persuadir o público
a aceitar sua conclusão.

O programa de seguro de emprego do país é um escudo necessário para homens e mulheres


trabalhadores, para dar-lhes igual chance de achar emprego produtivo em tempos de necessidade, como
cidadãos patrióticos que apenas querem uma chance de realizar um dia de trabalho.

Argumentos como esse são bem comuns, pois muitos termos em linguagem natural tendem a ter conotações
emotivas positivas. Não há nada de errado em usar termos com conotações emotivas positivas para apoiar seu
argumento, em geral. Mas, do ponto de vista da argumentação crítica, é importante perceber que terminologias
assim realmente expressam argumentos. O exemplo acima aparenta ser uma declaração ou proposição. Ele não
possui a forma superficial de um argumento, com uma palavra tal qual "portanto", ou outra evidência de que uma
inferência está sendo traçada ou proposta. Mas, sob a superfície, é evidente que a declaração realmente está sendo
usada para apresentar um argumento. A declaração está transmitindo a mensagem de que seguro de emprego é
uma boa coisa. Está sendo recomendado como uma boa política que é associada a bons objetivos e valores, como
ser um cidadão patriótico. Mas se a declaração do exemplo é um argumento, então ele tem um ônus de prova.
Qualquer um apresentado a ele tem o direito de demandar algum apoio ou justificativa para ele, antes de aceitá-lo.
Assim, a coisa mais importante sobre o uso emotivo de termos na argumentação crítica é que isso tende a disfarçar
a apresentação de um argumento. Uma crítica deveria sempre perceber que ela pode, e muitas vezes deveria,
desafiar um tal argumento.

É claro, se uma linguagem com termos positivos emotivos pode ser usada para apoiar uma alegação, uma
linguagem com termos emotivos negativos pode ser usada para atacar uma alegação. Considere o seguinte exemplo.

O programa de seguro-desemprego do país é uma forma legalizada de furto e fuga do trabalho por parte
de "vagabundos do bem-estar que dirigem Cadillacs", que manipulam o sistema para arrancar do resto de
nós, contribuintes [taxpayer] legítimos, que contribuem para o sistema.

Assim como no exemplo anterior, em uma leitura superficial, esse pedaço de fala aparenta ser uma instância do ato
de se fazer uma declaração. Porém, quando examinado mais criticamente, é evidente que não apenas uma alegação
está sendo feita, como razões estão sendo dadas para apoiar essa alegação. O discurso está nos dizendo que o
programa de seguro-desemprego é algo ruim. É descrito negativamente como um programa de "desemprego" em
vez de um programa de "emprego". É descrito como "furto", algo ruim ou mal. Até usa termos bastante emotivos
como "arrancar", "manipulam", "vagabundos do bem-estar que dirigem Cadillacs". Bem claramente, a redação da
declaração está transmitindo [conveying] a mensagem de que o programa de seguro-desemprego é uma má política
que não deveria ser perpetuada do jeito que está. O uso de terminologia emotiva na argumentação pode ser
poderosamente persuasivo, não apenas por conta de seu impacto emocional, mas também porque ela tende a ser
oculta. Em uma fala verbalmente apresentada, que é televisionada em vez de escrita, por exemplo, o público tende
a não estar muito ciente da escolha de termos e dos aspectos emotivos da linguagem sendo usada. O discurso parece
passar [go by] muito rápido, e é provável que o público nem mesmo se lembre da redação exata do discurso. Mas,
mesmo assim, eles serão fortemente influenciados pelo impacto emocional do discurso, assim como somos
frequentemente influenciados por palavras de músicas populares. Assim, usar terminologia emotiva é um jeito fácil
de fazer seu argumento ser compreendido, sem que ele seja até mesmo desafiado ou examinado criticamente. Uma
vez que o discurso é transcrito, e a linguagem nele é escrutinada mais cuidadosamente, entretanto, a argumentação
nele pode ser reconhecida e analisada.

Para citar outro exemplo, suponha que Bob e Helen estão tendo uma discussão crítica sobre pena capital,
e Bob argumenta, "A pena de morte é uma forma de execução cruel e desumana, na qual o prisioneiro é abatido
para satisfazer a sede de vingança sangrenta". O que é imediatamente evidente é quantos termos emotivos Bob
usou, como "cruel", "desumano" e "abatido", na sua declaração. Cada um desses termos usados para descrever a
pena capital é bastante negativo, no sentido de que eles implicam que a pena capital é algo ruim. Assim, a declaração
de Bob é bastante argumentativa. Em virtude da redação utilizada, sua declaração implica que o ponto de vista de
Helen no diálogo está errado. Pois, afinal, ela está defendendo a pena capital. Por essas razões, a declaração de Bob
157

poderia ser chamada de proposição carregada. O que isso significa é que, no contexto do diálogo entre Bob e Helen,
a declaração de Bob toma partidos [take sides]. Isso implica que seu ponto de vista está certo, e o de Helen, errado.
Há tanto mais que poderíamos dizer sobre a declaração de Bob, e como ela usa terminologia emotiva. Mas a lição
mais importante para a argumentação crítica é a observação seguinte. A declaração de Bob não é apenas uma
proposição que é verdadeira ou falsa. É, na verdade, um argumento oculto ou encoberto. Contextualizado, funciona
como um argumento. Por quê? A resposta é que o uso de termos carregados negativamente implica que a tese de
Helen no diálogo é carregada.

O que precisa ser esclarecido é que o uso de termos emotivos por Bob não é inerentemente errado. Afinal,
ele está tomando um lado em um diálogo sobre pena capital. Ele está simplesmente expressando o ponto de vista
que ele defende no diálogo, e isso é normal e razoável. Porém, na argumentação crítica, precisamos estar cientes
de que a declaração de Bob não deveria apenas ser tratada como uma proposição que é verdadeira ou falsa. Ela
deveria ser tratada como um argumento. Parte de tal desafio diz respeito [concerns] às definições escolhidas por
Bob. Bob está fazendo mais do que simplesmente declarando um fato sobre a pena de morte. Ele está, efetivamente,
definindo a expressão "pena de morte" de uma certa maneira. Da mesma forma, o uso de termos carregados no
exemplo do aborto pode mudar pora uma disputa verbal sobre definições. À medida que o diálogo continua, Bill e
Hilda talvez tenham uma disputa sobre como o termo "aborto" deveria ser definido. Bill talvez queira definir
"aborto", por exemplo, como "o assassinato de um bebê". Hilda talvez retruque dizendo que o feto não é uma pessoa
e que, por isso, é incorreto descrevê-lo como um bebê. Ela talvez então defina "aborto" como "a interrupção de uma
gravidez indesejada". A maneira na qual eles poderiam, daí, entrar em uma disputa sobre esse assunto – uma disputa
verbal – representaria a continuação do diálogo.

O problema com o uso de terminologia emotiva em argumentação não é que o uso de tal linguagem seja
inerentemente errado. Termos usados em linguagem natural frequentemente têm implicações emotivas, o que
significa que elas implicam que algo é bom ou ruim, positivo ou negativo. E é perfeitamente legítimo argumentar
que algo é bom ou ruim. Isso é apenas expressar seu ponto de vista. Mas você também deveria ser capaz de defender
seu ponto de vista, para justificá-lo com um argumento. O problema é que apresentar uma declaração que contenha
tal terminologia emotiva pode ocultar o fato de que uma conclusão está sendo traçada ou defendida, a partir da
declaração, e que a declaração com a conclusão é um argumento. O respondente cara a cara com um argumento
como esse pode não perceber essa necessidade de apoio. Como é mostrado na próxima seção, muitos argumentos
são apresentados encobertamente através de um processo chamado de insinuação [innuendo], no qual a conclusão
não é explicitamente declarada, mas apenas sugerida pelo que não foi dito.

EXERCÍCIO 6.1

Qual é o problema com os argumentos a seguir? Em cada caso, identifique o termo emotivo sendo usado e mostre
como a alegação feita representa um argumento.

A. Johnson e Blair (Logical Self-defense, p. 127) citaram o seguinte caso de um argumento utilizado em um
debate sobre pena capital (Sandra Precop, “No Answer In Noose”, Windsor Star, fevereiro de 1976).

O Canadá precisa abolir a pena de morte. Os argumentos de ambos os lados foram repetidos tão alto e por
tanto tempo que seria desperdício de tinta passar por eles de novo. Para mim, isso sempre se reduz a uma
equação básica: um assassinato mais um assassinato não equivale a justiça.

B. Henrietta e Ralph estão tendo uma disputa sobre se adicionar aulas de língua espanhola ao currículo
escolar seria uma boa ideia. Ralph, que é contra a ideia, diz: "Adicionar aulas de língua espanhola seria
uma deterioração do currículo".

C. Kate está tentando persuadir Heinrich a se manter na escola. Ele replica: "Que perda de tempo a minha
estadia na escola seria".

D. Boris e Anna estão discutindo sobre se um santuário de baleias, para salvar baleias de serem arpoados,
seria uma boa ideia. Boris diz, "Essa criatura preciosa é digna de ser salva".

E. Duas pessoas estão comentando sobre uma reportagem [news report] recente que fala de um assunto
controverso. Uma delas achou a reportagem muito boa. A outra replica, "Foi pura odorose propaganda".
158

DOIS Pontos de Vista e Ônus da Prova

Como reforçado na seção anterior, não há nada intrinsecamente incorreto na utilização de terminologia emotiva
para defender seu próprio ponto de vista ou para atacar o ponto de vista de um oponente de quem você discorda.
Mas como veremos abaixo no capítulo 7, há dois lados em um diálogo. Apesar de você ter o direito de defender seu
ponto de vista com argumentação tão vigorosa quanto possível, seu oponente também tem o direito de te fazer
perguntas críticas e de pedir a você razões que sustentem as afirmações que você fez. A noção de argumento
explicada no capítulo 1 tem dois aspectos. Primeiro, um argumento é uma afirmação com motivos que a sustentam.
Mas, segundo, um argumento tem mais de um lado. Um argumento é exibido para oferecer razões que deem
suporte a uma afirmação colocada em dúvida ou questionada. O respondente para quem o argumento é direcionado
tem o direito de questioná-lo. Como nós vimos no diálogo do capítulo 1, cada lado tem um ponto de vista. Por
exemplo, um pode ser contra as gorjetas e outro pode ser favorável. Mas se uma afirmação é lançada por qualquer
uma das partes, o respondente para o qual a afirmação foi dirigida tem o direito de perguntar quais razões embasam-
na. Você não pode exigir que a outra parte aceite seu ponto de vista sem fornecer razões pelas quais ela deve mudar
o próprio ponto de vista acerca do assunto em questão. Se nenhuma razão for fornecida pela pessoa que propôs o
argumento, ela deve retirá-lo. Mas o quê exatamente é um ponto de vista?

Usando o diálogo do Papai Noel do capítulo 1 como exemplo, nós estamos na posição de definir a
importante noção de ponto de vista. Ele é formado por dois componentes. Um é a proposição e outro é o modo de
agir. A noção de proposição já foi definida na seção anterior. O modo de agir pode ser um dentre três tipos: pró,
contra ou neutro (nem pró, nem contra). No diálogo do Papai Noel, a questão central é se mentir para crianças sobre
o Papai Noel é errado. Alice era favorável à proposição, o que significa que ela tomou-a como verdade. Bob era
contra. Ele alegou que ela não era verdade. Então, os pontos de vista são opostos, o que significa que a proposição
contida em um é oposta à proposição contida no outro.

A noção de ponto de vista está condensada na fórmula:

Ponto de Vista = Modo de Agir + Proposição

No começo de um diálogo, deve estar claro qual o ponto de vista de cada participante. Somente assim se poderá
determinar, ao final do diálogo, se a divergência de opiniões foi resolvida ou não.

Como mostrado na seção anterior, o uso de linguagem emotiva pode muitas vezes expressar um ponto de
vista. Se alguém descreve o aborto como “assassinato”, ou uma ação como “racista”, isso significa que ele ou ela é
contra isso e está afirmando que todos deveriam ser também. No caso da última seção, Bob descreve a pena capital
como “uma forma cruel e desumana de execução em que o prisioneiro é chacinado para satisfazer o desejo
sangrento de vingança''. Nós podemos certamente usar esse linguajar para comprovar o implícito de que Bob é
contra a pena capital e acha que é uma prática errada contra a qual todos deveriam estar. Esse é o ponto de vista
que Bob está defendendo no diálogo. Como percebido acima, porém, Helen defende o ponto oposto. Então, o
linguajar de Bob deixa implícito que a posição de Helen está errada ou incorreta. Em vez de meramente aceitar a
derrota por causa da linguagem de Bob, porém, Helen deve ter o direito de colocar em cheque o argumento de Bob
pedindo que ele forneça razões para sustentá-lo. Tudo o que Bob precisa fazer é reformular a afirmação do
argumento dizendo “Na minha opinião, a pena capital é errada por diversas razões: primeiro, porque é uma forma
cruel de execução; segundo, é desumano; e terceiro, é motivada por vingança. Helen pode questionar cada um
desses argumentos e pedir que Bob forneça razões que apoiem cada um.

A razoabilidade da atitude de Helen nesse caso é baseada em um conceito chamado ônus da prova. Bob
tem o direito de dizer o que ele disse, mas qualquer um que duvide de tal afirmação deve ter o direito de pedir a
Bob uma razão que sustente o dito. A menos que Bob possa oferecer essa razão na forma de argumento que tenha
a afirmação como conclusão, ele deve retirar o afirmado. A racionalidade precisa de tal requisição de argumentação
crítica não ficará plenamente aparente até o final do capítulo, mas aqui nós precisamos ver se ela reflete a noção de
diálogo do capítulo 1, de que há dois lados em um diálogo. Um lado é oposto ao outro, então cada lado deve desistir
do seu próprio ponto de vista e aceitar o do outro somente se lhe forem apresentados argumentos que justifiquem
fazer isso. Em outra circunstância, o argumentador deve ter liberdade para permanecer com dúvida em relação ao
ponto de vista do outro e de fazer perguntas críticas sobre ele. É um requerimento importante da argumentação
racional em um diálogo que quando uma afirmação é posta, um crítico possa questioná-la. O requerimento de que
159

se um crítico questionar a afirmação aquele que a sustenta deverá fornecer razões para isso se quiser mantê-la como
verdadeira chama-se ônus da prova.

Fazer perguntas costuma não gerar um ônus da prova a qualquer afirmação feita, mas há muitas exceções.
Algumas perguntas contém afirmações junto delas. Algumas perguntas podem ser altamente argumentativas. As
chamadas perguntas condutoras no Direito, por exemplo, têm assumpções em si para tentar fazer o juri aceitar a
proposição contida na pergunta. Perguntas traiçoeiras, como “Você parou de envolver-se com o abuso infantil?”,
são argumentos que implicitamente contém proposições. Não importa de que maneira você responda “sim” ou
“não”, você compromete-se com a premissa de que já se envolveu com abuso infantil. E essa pode ser uma
proposição que você queira negar. Então, você precisará colocar esse tipo de questão em cheque, ordenar que o
questionador prove a alegação contida na questão ou ainda que ele a retire. No geral, as perguntas são distintas de
afirmações. Você deve sentir-se livre para fazer perguntas a qualquer momento e esperar respostas razoáveis. Mas,
se você afirmar algo, há o ônus da prova. Uma afirmação pode e muitas vezes deve ser colocada em cheque por
alguém que peça um argumento que a sustente. Em princípio, então, lançar afirmações é um ato discursivo diferente
de fazer perguntas. Questionamentos podem conter proposições, mas não do modo direto, como nas asserções.

Quando um argumentador coloca uma afirmação que contém linguagem emotiva para embasar seu próprio
ponto de vista e atacar o oposto, age de modo legítimo. No geral, porém, o argumentador crítico tem o direito, ou
até a obrigação de apontar que essa afirmação representa um argumento e de insistir que o ônus da prova seja
satisfeito. Então, enquanto o enviesamento, na forma de compromisso com um ponto, é perfeitamente normal na
argumentação, também é um fenômeno que é importante reconhecer e ao qual é preciso responder da maneira
corretamente crítica. Mas um problema acerca do enviesamento é que ele está frequentemente escondido na
linguagem em que a afirmação é proferida, de modo que não estejamos preparados para lidar com ele. O
enviesamento pode não só estar escondido nas palavras emotivas usadas para construir a afirmação, mas também
no fato de que a afirmação pode nem estar posta, apenas implícita.

A sugestão pode ser um método poderoso para levar alguém a uma conclusão porque deixa muitos
detalhes por conta da imaginação desse alguém. Um dos mais famosos casos disso em propagandas políticas foi o
anúncio produzido pelos Democratas em 1964 para sugerir que Barry Goldwater, o candidato republicano à
presidência dos EUA, tinha sua periculosidade "ativada" diante da alegria alheia 49. O anúncio mostrava uma criança
tirando pétalas de uma margarida enquanto uma contagem regressiva sinistra começava ao fundo, seguida de uma
explosão nuclear. Lyndon Johnson era mostrado dizendo “Nós devemos amar uns aos outros ou morrer”. Mas não
havia conteúdo discriminatório explícito em nenhuma parte do anúncio, até a mensagem final para votar para o
presidente Johnson. Esse anúncio foi tão eficiente porque tal mensagem assustadora foi inteiramente transmitida
por sugestão. Em lugar nenhum havia afirmação explícita de que Goldwater era perigoso. O argumento em prol
dessa conclusão foi baseado somente em sugestões.

Em muitos casos de sugestão, a conclusão é formada por um processo chamado implicatura, o que significa
que a conclusão é sugerida através do que diz aquele que propõe (mesmo que não o tenha feito explicitamente) e
aquele que responde pode presuntivamente inferir a conclusão com base em assumpções sobre o tipo de conversa
que os dois devem estar travando. No seguinte caso clássico, foi solicitado a um mestre A que escrevesse uma carta
de recomendação em prol do aluno “Sr. X” 50.

A está escrevendo um testemunho sobre um pupilo que é candidato a um trabalho ligado à Filosofia, e a
carta dele é: “Caro senhor, o entendimento do Sr. X em Inglês é excelente, e ele comparece às tutorias
com regularidade. Seu…”

Nesse caso, o leitor da carta vai chegar à conclusão de que A está afirmando que o Sr. X não é um bom candidato
para esse trabalho, A implicatura é construída porque A diz menos que o esperado. A que conclusão o leitor chega
diante dessa ausência de informações esperadas? Pareceria que a única razão pela qual A diz tão pouco é porque
esse mestre acha que o Sr. X não é bom candidato ao trabalho, mas A não deseja afirmá-lo diretamente através de

49
Kathleen H. Jamieson, Dirty Politics (New York: Oxford University Press, 1992). pp. 54-55. Jay Newman, Fanatics
and Hypocrites (Buffalo: Prometheus, 1986).

50
H. Paul Grice, "Logic and Conversation", em Syntax and Semantics, vol 3, ed. Peter Cole e Jerry L. Morgan (Nova
York: Academic, 1975), pp. 41-58.
160

algum atributo ruim que ele pensa que o candidato tenha, Então, ao não dizer nada, à exceção de trivialidades, ele
sugere por implicatura que o Sr. X não teria nenhum atributo positivo que o faria adequado para o trabalho.

A assumpção frequentemente feita em um diálogo é que se uma proposição particular deveria ter sido
mencionada mas não foi, isso deve significar que está se afirmando (por implicatura) que é falsa. Em outras palavras,
a mensagem é que o Sr. X não tem nenhuma daquelas características que seriam normalmente mencionadas em
uma carta de referência desse tipo. Uma pessoa pode perceber, nesse caso, que a inferência de presunção usada
para chegar à conclusão tem forma de um argumento de ignorância, do tipo estudado no capítulo 8, seção 7, porque
está baseado no que foi omitido, em oposição ao modo de embasar ligado às asserções positivas. Por sugestão,
baseando o referencial dele no que não foi dito, o respondente chega a várias conclusões sem que o proponente
tenha que afirmá-las.

O que é realmente sagaz acerca das sugestões é que elas abrem espaço de negabilidade plausível para um
argumentador, permitindo que ela chegue a conclusões e seja capaz de negar, num momento futuro, que o fez.
Ironicamente, quem propõe a sugestão pode até mesmo adicionar que, na opinião dele, a proposição que ele
colocou [através da sugestão] é falsa. É claro que a ironia está no fato de que uma vez que a sugestão está posta, o
estrago está feito, e não importa se a proposição for retirada no futuro. No caso seguinte,51 Andy Rooney, do 60
Minutos, comentou sobre uma alegação do Senador Alan Simpson de que um repórter era simpatizante de Saddam
Hussein só porque ele continuou ele continuou a estar em reportagens de Bagdá durante a Guerra do Golfo. Simson,
depois, pediu desculpas pela alegação, e Rooney pediu desculpas comparáveis a Simpson, citada abaixo:

O senador Simpson foi a Bagdá para ver Hussein no último dia 13 de Abril e, naquela ocasião, ele confortou Hussein
acerca das coisas que estavam sendo escritas sobre ele em nosso jornal dizendo que repórteres americanos eram
“mimados e arrogantes”. É por isso que eu tenho chamado o senador Simpson de “amigo de Saddam Houssein”. Bem,
agora eu me sinto meio mal por isso. Eu não devia tê-lo feito. O senador Simpson diz que o Wall Street Journal deu a
entender também que ele fosse racista. Eu não daria a entender isso porque eu simplesmente não sei [se é verdade
ou não]. Eu ouvi rumores de que, se ele pudesse, repeliria o First Amendment [primeiro “artigo” da Constituição dos
EUA], que garante liberdade de imprensa. Eu ouvi rumores de que ele é um dos nossos senadores mais estúpidos.
Seria injusto de minha parte repetir esses rumores porque eu não sei se são verdadeiros. Eu nunca nem me encontrei
com ele. Nem posso provar que o senador Simpson é amigo de Saddam Hussein. Não há certeza de que eles são
amigos a menos que os fatos provem isso. Eu peço desculpas a ele por ter dito que eram amigos. Eu espero que você
receba a mensagem no mesmo espírito em que eu a enviei, senador. A menos que você possa provar o contrário.
Essa série irônica de “desculpas” de Rooney demonstra perfeitamente como a técnica da sugestão pode ser usada
para transmitir alegações que não foram provadas e mesmo as que foram, depois, negadas, mas continuam fazendo o
trabalho de levar a audiência à conclusão que elas delinearam.

A sugestão é um importante indicador de vieses porque a conclusão defendida pelo proponente não está
explicitamente posta. Então, a argumentação é escondida e pode cumprir sua missão sem que os ouvintes estejam
atentos ao fato de que a mensagem tem uma inclinação particular. Esse tipo de viés é oculto e mais difícil de
detectar. A audiência pode não saber que um ponto de vista está sendo defendido e que há um ônus da prova atado
a ele. Por isso, sugestões podem ser manipuladoras, enganadoras e criadas para confundir. Enquanto pode parecer
que sugestões baseadas em implicações são suaves e indefesas, de fato elas podem funcionar muito mais
poderosamente, como “persuasores ocultos'' para fazer passar um argumento sem que o respondente saiba. O
poder da sugestão, quando usado, pode ter efeito duradouro sobre a audiência, mesmo que ela não saiba do viés
que afetou seu ponto de vista.

EXERCÍCIO 6.2

1. Identifique os dois pontos de vista os dois pontos de vista do diálogo sobre gorjetas do capítulo 1. Qual
proposição está contida em cada ponto de vista? Como os dois pontos de vista se opõem?

2. Examine o diálogo sobre gorjeta para encontrar instâncias em que um lado ou outro ficou sujeito ao ônus
da prova.

51
Douglas Walton, "Plausible Deniability and the Evasion of Burden of Proof", Argumentation 10 (1996): 47-58, citado
na p. 52.
161

3. Analise o uso da sugestão nos casos seguintes:

a.

O capitão L teve um oficial que por vezes era viciado em bebidas fortes e, às vezes, como diz a
gíria, “ficava cheio”. A embarcação estava repousando num porto chines e o colega estava na
costa se aproveitando de alguns compostos vilânicos comuns nas costas chinesas. Ele apareceu a
bordo embriagado e pensando que tinha a hipoteca de todo o planeta. O capitão, que raramente
tocava em licores, ficou muito perturbado com a conduta desse oficial, em especial porque a
tripulação toda percebeu a condição [de embriaguez] em que ele estava. Um dos deveres do
oficial é registrar como transcorreu cada dia, mas como esse não podia fazê-lo, o capitão o fez, e
fez também a seguinte ressalva: “O oficial esteve embriagado o dia todo”. O navio deixou o porto
no dia seguinte, e o oficial recobrou a sobriedade. Ele se pôs diante do ofício de registrar [aquele
novo dia] em tempo hábil, mas ficou pasmo quando viu o que o capitão tinha feito. Ele foi ao
deque, e pouco depois o seguinte diálogo aconteceu:

“Capitão, por que você colocou no registro de ontem que eu estive embriagado o dia todo?” “Era
verdade, não era?” “Era, mas o que os donos dirão se virem? Isso vai manchar minha reputação
em relação a eles.” O oficial não conseguia extrair nada além de “Era verdade, não era?”, do
capitão. No outro dia, enquanto o capitão estava examinando o livro de registros, ele achou, no
rodapé de observações do oficial, caminhos, ventos, correntezas: “O capitão esteve sóbrio o dia
todo” (Charles E. Trow, The Old Shipmasters of Salem (Nova York, 1905), pp. 14-15).

b. “[Os fabricantes de] Anacin, um remédio que alivia dores de cabeça, afirmaram, em seu anúncio,
que “Somente Anacin tem essa fórmula”, Essa afirmação era tecnicamente verdadeira, porque
nenhum outro remédio contra a dor de cabeça cominava aspirina e cafeína, mas a implicação
que ele sugere objetiva confundir, porque a cafeína não ajudou em nada no alívio da dor” (Ivan L.
Preston, The Tangled Web They Weave: Truth, Falsity and Advertisers (Madison: University of
Wisconsin Press, 1994), p. 43).

c. “Um panfleto de 1971 publicado pela Associação de Químicos Manufatureiros celebra os


encantos da produção e do empacotamento modernos de alimentos possibilitado pelas
tecnologias químicas; a associação sugere que muitas pessoas ficarão surpresas ao descobrir que
‘não só comida, mas também os elementos que compõem comidas e lares, e mesmo a própria
terra, e todos os seus habitantes, podem ser descritos em termos de elementos químicos.’
Fredrick J. Stare é citado alertando consumidores para que não deixem ‘ qualquer moderninho
que opine sobre comida ou qualquer agricultor orgânico dizer que há qualquer diferença entre a
vitamina C de uma laranja e a feita em uma fábrica.’ A ideia de que ‘ingredientes-químicos-são-
naturais’ foi o tema central da campanha de relações públicas da Chemical Facts of Life [Fatos
Químicos da Vida] da Monsanto entre o final de 1970 e o começo de 1980; centenas de anúncios
da Monsanto em televisões e revistas lembravam ao consumidor que ‘produtos químicos eram
uma realidade da vida’, e que, na verdade, ‘sem eles, não haveria mundo’. O AIHC, de modo
semelhante, nos lembra que ‘a vida é, essencialmente, um processo químico’” (Robert E. Proctor,
Cancer Wars: How Politics Shapes What We Know and What We Don’t Know about Cancer (Nova
York: Basic Books, 1995), p. 126).

d. Durante uma campanha eleitoral competitiva, um candidato inclui a seguinte mensagem como
parte de um anúncio televisivo:

Se você soubesse que um dos candidatos dessa disputa está recebendo dinheiro de fontes ilegais,
isso afetaria sua decisão de voto? Pesquise sobre isso e veja de onde vêm os fundos de campanha
do meu oponente. É claro, eu não estou dizendo que ele está tirando o dinheiro de fontes ilegais,
e, se acusado de fazer essa alegação, eu a negaria”.

TRÊS Argumentação Enviesada

Frequentemente descontamos um argumento quando descobrimos que ele é tendencioso. Quando isto acontece,
o argumento é desvalorizado até certo ponto, o que significa que é considerado menos plausível. Por exemplo,
suponha que uma vendedora está anunciando um carro a alguns potenciais compradores na concessionária. Ela
enfatiza continuamente todas as boas qualidades do carro. Sempre que os compradores mencionam uma
162

desvantagem desse tipo particular de carro, ela contra-argumenta dizendo que essa inconveniência não é realmente
tão ruim quanto parece. Em um caso assim, os compradores poderiam ter a impressão de que os argumentos da
vendedora são tendenciosos, porque ela sempre apoia os argumentos a favor da compra do carro e encontra alguma
razão para descontar quaisquer argumentos que pareçam ir contra a compra. Por outro lado, espera-se que uma
vendedora seja tendenciosa. O seu trabalho é vender o carro e apresentá-lo sob uma boa perspectiva. Ela é
provavelmente paga em um regime de comissão. Assim, um comprador não deve geralmente estar sob qualquer
ilusão de que um vendedor está oferecendo conselhos neutros sobre o carro ser uma boa compra, em comparação
com outros carros disponíveis, ou não. O comprador seria ingênuo ao pensar que tudo o que o vendedor (ou
vendedora) está fazendo é dar-lhe conselhos ou informações sobre as qualidades do carro. Ele pode estar fazendo
isso, mas está também tentando persuadí-lo a comprar o carro. Isso não é uma discussão de uma questão por duas
partes, em que cada parte está tentando trazer os argumentos mais fortes possíveis para apoiar o seu lado, a fim de
lançar luz sobre a questão. Em vez disso, o que o vendedor está tentando fazer, ou pelo menos o que é supostamente
o seu trabalho, é usar quaisquer argumentos que possam levar a outra parte a comprar o carro, de preferência a um
preço que seja favorável à concessionária. O vendedor tem definitivamente um forte interesse no resultado.

Naturalmente, um bom vendedor mostrará alguns sinais de que está olhando para os argumentos de ambos
os lados, e os levando todos em conta de forma justa. Entretanto, ainda assim seria um erro tomar essa aparência
de imparcialidade como sendo, em si mesma, um indicador conclusivo de que os argumentos do vendedor não são
tendenciosos. Uma vez que é esperado que uma vendedora tente vender um produto, o preconceito no seu
argumento não é enganoso nem errôneo. Porém, outras situações contêm ainda mais potencial para a enganação.
Num tipo de programa de televisão chamado “infomercial”, a abertura dá ao programa a aparência de uma
plataforma de notícias ou um talk show, mas, uma vez que o espectador é atraído, o programa acaba sendo um
anúncio comercial de meia hora ou um discurso de venda (“sales pitch”) para um produto específico. No caso a
seguir, o programa era um anúncio para um produto de saúde.

De acordo com um relatório “20/20” (20 de Setembro de 1990, "It's Really a Comercial", p. 16), um
programa de televisão, "Redescubra a Fórmula Natural para a Juventude" [“Rediscover Nature's Formula
for Youth”], utilizou termos como "equipe de investigação" para sugerir que era um noticiário. Um
apresentador do programa até se apresentou como "o seu investigador de informação privilegiada" (p.
15). Quando confrontado com a acusação de que estava fingindo que aquele era um programa de notícias
para vender um produto, o produtor respondeu (p. 16), "Vamos lá, John, este é o mundo real" (ao
entrevistador John Stossel). (Douglas Walton, One-Sided Arguments: A Dialectical Analysis of Bias?
(Albany: SUNY Press, 1999), p. 178).

Nesse tipo de casos há enganação envolvida, porque o programa finge ser um noticiário, presumivelmente
apresentado como uma espécie de diálogo de procura de informação (“information-seeking dialogue”) que seria
equilibrado, apresentando todos os lados de uma questão. As expectativas normais do espectador são exploradas
através da introdução do programa num formato que sugere um relatório de notícias. Mas com sua progressão, há
uma mudança gradual para um discurso de vendas completo. Em um caso como esse, a crítica de enviesamento é
corretamente utilizada para avaliar o argumento, reduzindo o peso da plausibilidade inicialmente creditada ao
argumento. Ele deveria fazer parte de uma reportagem de notícias que (presumivelmente) tem certos padrões de
objetividade na coleção e apresentação de fatos. Porém, uma vez revelado que o argumento é, na realidade, um
discurso de vendas, a sua plausibilidade deve ser reduzida.

Um dos indicadores mais óbvios e mais importantes de enviesamento é o fato de um dos interlocutores ter
algo a ganhar com a defesa de um determinado argumento. Esse “algo a ganhar” é normalmente um interesse que
é financeiro por natureza, mas também pode ser um ganho em algo como prestígio, que pode não ter um valor
monetário exato ou imediato que lhe possa ser atribuído. Poderia ser um interesse em promover a própria carreira,
por exemplo, a qual pode não ter um valor exato em dólares num determinado momento, mas que poderia
certamente ser valorosa financeiramente e de interesse para alguém.

No exemplo a seguir de um diálogo, pode-se observar o argumento pelo ponto de vista da audiência.

Duas pessoas, Wilma e Bruce, são participantes de um debate televisionado sobre a questão da chuva
ácida. A questão sendo debatida é se a chuva ácida está ou não causando danos graves ao meio
163

ambiente. Wilma argumenta fortemente que os relatórios quanto ao nível e à seriedade dos danos
causados pelas chuvas ácidas foram muito exagerados. Ela também diz que o custo das ações para
prevenir esses danos seriam proibitivos. Após Wilma ter apresentado argumentos desse tipo por um
tempo, Bruce aponta que Wilma compõe o quadro de diretores de uma grande companhia de carvão dos
EUA e que, portanto, seus argumentos não deveriam ser imediatamente aceitos.

Neste caso, o argumento de Bruce é que, uma vez que Wilma tem uma ligação com uma empresa de carvão, um
grupo que tem um interesse financeiro definido relacionado às políticas públicas de controle da poluição ambiental,
os seus argumentos devem ser descontados. O que é que essa crítica representa exatamente, e como deve ser
avaliada? A primeira coisa a se notar é que, uma vez Bruce fez esta observação, o resultado será certamente a
desvalorização dos argumentos de Wilma por parte do público que acompanha a discussão. Uma vez assinalado que
ela tem algo a ganhar, todos verão os seus argumentos sob uma perspectiva diferente. Essa mudança na avaliação
é justificada? Por que é que isso ocorre? É porque o argumento de viés (“Argument from bias”) foi usado, mas porque
é que esse argumento é tão eficaz, e por que é que a plausibilidade do argumento de Wilma deveria ser reduzida
nesse contexto?

Inicialmente, o público viu Bruce e Wilma como sendo dois participantes num debate sobre a questão da
chuva ácida. Por isso, estavam supostamente envolvidos num diálogo de persuasão do tipo discussão crítica, cada
um apresentando argumentos fortes para apoiar o lado que aceita, e interagindo argumentativamente com os
argumentos fortes apresentados pela outra parte. A presunção por trás dessa ideia da discussão crítica da questão,
no entanto, era a de que cada um deles estaria aberto aos argumentos apresentados pelo outro lado e não os
descontaria ou rejeitaria automaticamente só porque eles foram apresentados para apoiar a outra parte. Embora
não se possa esperar que qualquer um dos participantes para mude o seu ponto de vista no final, nós ainda
esperamos que cada um reconheça boas evidências quando essas são trazidas à sua atenção e reaja a um argumento
baseado em provas plausíveis fazendo algumas concessões que modificam um ponto de vista anteriormente
expresso ou que demonstram uma boa vontade de levar o argumento em conta. Caso contrário, o diálogo de
persuasão falharia no seu objetivo de aprofundar e enriquecer as posições tomadas de ambos os lados da questão.

A utilização do argumento de viés por Bruce sugere que Wilma poderia ter tomado a sua decisão sobre a
questão da chuva ácida antes mesmo de o debate ter começado. Ou, em todo o caso, ela certamente teria um
motivo para tender fortemente, sempre que possível, para a argumentação de um dos lados, tendo em conta os
seus interesses em uma empresa que teria muito a perder com as restrições ambientais que provavelmente seriam
postas se a opinião de que a chuva ácida é um problema sério a ser combatido fosse apoiada por grande parte do
público. O viés alegado pelo argumento de Bruce nos faz duvidar se Wilma está realmente participando do diálogo,
com a abertura, a honestidade e o equilíbrio adequados para contribuir para uma discussão crítica. Suspeitamos que
Wilma possa estar se propondo secretamente a um tipo de diálogo que pode ser melhor descrito como uma
negociação baseada em interesses.

Note, no entanto, que o argumento de viés de Bruce não é uma refutação completa da argumentação de
Wilma. Apesar de ela ter algo a perder, financeiramente, com o resultado do debate, os seus argumentos ainda
podem ser bons, ou pelo menos vale a pena ouvir e julgá-los pelos seus méritos. O argumento de viés é um tipo
presuntivo de crítica que é derrotável por natureza, que precisa ser pensada como parte do conjunto maior das
evidências em um caso. Como crítica, deve resultar numa redução da plausibilidade no que diz respeito ao
argumento criticado. O resultado não deve ser que o argumento seja rejeitado como totalmente inútil. Note também
que sinais de omissão podem ser um grande fator na forma como julgamos um argumento de viés num determinado
caso. Se Wilma tivesse anunciado a sua filiação à companhia de carvão no início do debate, a posterior utilização do
argumento de viés por Bruce não teria tanto efeito. Porém, quando ele fez a alegação e ela teve de admitir que tinha
tal afiliação, pode ter parecido à audiência que ela esperava esconder a sua ligação com a companhia de carvão.
Esse aspecto da localização do argumento de viés no diálogo, em relação ao que era previamente conhecido ou foi
anteriormente anunciado, faz uma grande diferença no impacto do argumento. Portanto, aqui pode haver um
aspecto de enganação, como no caso de um infomercial, em que um argumento se revela ser algo que inicialmente
não parecia ser.

Se uma descoberta é anunciada como resultado de uma investigação científica, um tipo de investigação
cuidadosamente controlada com elevados padrões de evidências, nós atribuímos a ela um grau de plausibilidade
muito mais elevado do que no caso de uma proposta com base no relatório ou queixa de uma pessoa qualquer.
Porém, as pesquisas científicas, que costumavam ser feitas principalmente por governos e universidades, estão
sendo pagas, cada vez mais, por empresas privadas. Elas têm um interesse comercial nos resultados dessa pesquisa
164

e na forma como eles são apresentados. Tem-se tornado cada vez mais necessário, para o pensador crítico,
questionar quem financiou a investigação científica que produziu um estudo.

Um fator importante é que existe uma enorme indústria de comunicação de advocacia (“advocacy
communication”) nos EUA apoiada por associações comerciais envolvidas no apoio, condução e elaboração de
relatórios de pesquisas científicas sobre substâncias específicas. Os relatórios emitidos por essas agências - sobre
temas tais como o aquecimento global, riscos no local de trabalho e a relação de produtos como tabaco, isopor e
fraldas descartáveis com a saúde - são apresentados pelas agências como baseados em investigação científica
genuína (e, em muitos casos, eles são), mas o problema é que são conduzidos por grupos de advocacia que
definitivamente têm algo a ganhar (ou a perder) com o resultado das pesquisas. A seguinte citação de um livro sobre
informação pública em relação ao câncer indica a extensão e o poder dessas associações comerciais.

Existem milhares dessas associações nos Estados Unidos, promovendo tudo, do amianto ao zinco. O Instituto da
Cerveja [Beer Institute] defende cervejeiros contra a acusação de que o consumo de álcool causa crime ou acidentes
de tráfico; o Instituto da Jardinagem [Lawn Institute] (que representa os produtores de sementes de gramíneas e
fabricantes de pesticidas) trabalha para assegurar aos consumidores que não há problemas em fazer "ChemLawn". A
Associação de Informação sobre o Amianto [Asbestos Information Association] adverte os consumidores contra uma
histérica "fobia às fibras"; o Conselho de Controle das Calorias [Calorie Control Council] defende adoçantes artificiais
como o ciclamato e a sacarina das acusações de que eles causam câncer. Em 1986, de acordo com uma estimativa, as
associações comerciais e as suas corporações membros gastaram quase 2 bilhões de dólares no que veio a ser
conhecido como “gestão de questões” [issues management], comunicação de advocacia, ou publicidade de imagem.
Washington, D.C., sozinha, é a sede de cerca de 1.700 associações comerciais, tornando o negócio das associações
comerciais a segunda maior indústria privada que compõe o capital nacional, depois do turismo (Robert E. Proctor,
Cancer Wars: How Politics Shapes What We Know and What We Don’t Know about Cancer (New York: Basic Books,
1995), p. 110).

O problema com as reportagens emitidas na mídia por estas associações comerciais é o que Proctor (p. 104) chama
de "ciência como publicidade". Os relatórios afirmam ser estudos científicos ou que estão comunicando os
resultados de pesquisas científicas. Mas o que estão relatando e a forma como estão relatando tem uma certa
inclinação. Eles esperam levantar questões ou obter a boa vontade do público, a fim de prevenir a regulamentação
governamental da sua indústria, e aumentar assim os seus lucros empresariais, minimizando os danos que as
alegações de ameaças à saúde apresentadas por seus produtos poderiam causar. Um caso em questão é o de uma
indústria de comércio que tem estado ativa e altamente visível nos últimos anos.

Fundado em 1954, o Conselho para a Investigação do Tabaco (“Council for Tobacco Research”) foi criado
por fabricantes de tabaco, cultivadores e armazenistas para promover a pesquisa feita por "cientistas independentes
sobre o tabaco e a saúde" (Proctor, Cancer Wars, p. 106). Desde o final dos anos 50, o conselho gastou mais de 240
milhões de dólares nessa pesquisa, o que levou à publicação de mais de 5.000 artigos científicos. Em 1983, durante
um debate no Congresso sobre um projeto de lei que exigia advertências nas embalagens de cigarros, o Instituto do
Tabaco (“Tobacco Institute”), um ramo do Conselho para a Investigação do Tabaco, anunciou os seguintes resultados
(Proctor, Cancer Wars, p. 106).

1. A grande maioria dos fumantes não contrai câncer de pulmão.

2. O fumo não pode explicar os padrões étnicos e geográficos da mortalidade por câncer de pulmão.

3. Estudos que ligam o tabagismo à doença não apresentam controle adequado para outras variáveis.

4. Alguns estudos com animais mostram que os fumantes vivem, na realidade, mais tempo do que não-
fumantes.

Algumas destas alegações são plausíveis e outras não. Inicialmente, uma vez que somos informados de que se
baseiam em pesquisas científicas, a alegação seria considerada mais plausível. Mas uma vez revelado que esta
investigação científica foi financiada pelo Conselho para a Investigação do Tabaco, esse nível inicial de plausibilidade
deveria diminuir. A razão disso é que esse é um grupo de associações comerciais que é financiado pelos interesses
do tabaco. Evidentemente, o Conselho para a Investigação do Tabaco defenderia a sua credibilidade, argumentando
que a pesquisa apoiada por ele foi realizada por "cientistas independentes". Mas quão independentes são, de fato,
esses cientistas, se o seu rendimento vem do Conselho para a Investigação do Tabaco? Essa é a questão-chave, e
cada caso deve ser avaliado nos seus méritos. Mas é preciso ser muito cético se a descoberta científica anunciada
165

convenientemente apoia os interesses comerciais da agência que pagou por essa pesquisa. Investigações científicas,
particularmente sobre assuntos complexos em que um estudo de um aspecto não mostra o quadro geral, por
exemplo, em questões de nutrição, saúde e ambiente, podem tender para um lado ou outro, à medida que novas
provas aparecem. Portanto, pode haver muita seletividade envolvida na escolha de que resultado é relatado ou não,
ou julgado como significativo em qualquer momento particular. Por isso, pode ser prudente ter bastante cautela ao
aceitar as descobertas científicas recentes antes de aplicá-las na prática.

Antes de aceitar qualquer argumento de forma imediata, pode ser extremamente útil questionar se ele tem
um viés e, em caso afirmativo, criticá-lo como um argumento tendencioso. Nesse caso, o crítico monta um contra-
argumento contra o argumento original. O tipo de argumento utilizado pelo argumentador crítico em um caso assim,
chamado argumento de viés, tem a seguinte forma de inferência:

Se uma sequência de argumentação utilizada num diálogo mostrar indicações de que não está
considerando as provas de ambos os lados da questão discutida, então essa argumentação é enviesada.

A sequência da argumentação neste caso mostra tais indicações.

Por conseguinte, a sequência de argumentação neste caso é enviesada.

As perguntas críticas apropriadas para a resposta à argumentação de viés são as seguintes:

1. Qual é o contexto do diálogo, e em particular, ele é um tipo de diálogo que requer que a argumentação
leve evidências de ambos os lados da questão em conta?

2. Quais são as provas da acusação de que o argumento é tendencioso?

O argumento de viés é devidamente utilizado na avaliação de um argumento num determinado caso reduzindo a
plausibilidade inicialmente atribuída à dada sequência de argumentação. A crítica assume que o argumento
supostamente faria parte de um tipo particular de diálogo, tal como uma discussão crítica. Em certos tipos de
diálogo, tais como um diálogo de persuasão, é importante que um interlocutor leve em conta os argumentos de
ambos os lados de uma questão e não se limite a avançar automaticamente com os argumentos do lado que ela
defende, ignorando completamente ou descontando os argumentos do outro lado. Em outras palavras, um
argumento é mais plausível se tiver como base uma consideração de todas as evidências em um caso, de ambos os
lados da questão debatida, do que se estiver unicamente se posicionando a favor de um lado, ignorando qualquer
evidência apresentada pelo outro, mesmo que seja boa. Portanto, se um argumento é enviesado, isto é, se tende
apenas a um lado, descontamos esse argumento como sendo menos valoroso. Entretanto, temos que ser muito
cuidadosos e perceber que não é apenas porque um argumento é unilateral que ele não vale nada ou que devemos
sempre rejeitá-lo completamente. Mesmo assim, o reconhecimento de um viés pode ser muito importante na forma
como julgamos um argumento.

EXERCÍCIO 6.3

1. Avalie o argumento no caso seguinte.

Um vídeo sobre árvores e o meio ambiente foi distribuído gratuitamente a professores do sistema escolar
público como instrumento educativo para utilização em aulas sobre geografia e o meio ambiente. No
entanto, o vídeo foi produzido por uma empresa madeireira que tinha uma grande participação financeira
nas regiões geográficas abrangidas pelo programa e expressou claramente um ponto de vista favorável
aos madeireiros quanto às questões ambientais. Após o vídeo ter sido reproduzido para uma turma
durante algum tempo, uma criança observadora disse: "Ei, isso é um anúncio!".

2. Avalie como se deveria reagir criticamente às alegações feitas nos casos seguintes.
a. Durante o diálogo sobre gorjetas, suponhamos que Helen argumente como se segue.

HELEN: Olha, Bob, acontece que eu sei que você é um consultor de relações públicas que foi contratado
pela “União dos Provedores de Serviços de Restaurantes” como parte da campanha deles para promover a
166

prática das gorjetas. Os seus argumentos a favor de dar gorjetas como sendo uma boa prática não devem
ser aceitos sem criticidade.
b. Um relatório científico previu perdas económicas espantosas e desemprego se a proibição de
garrafas de whisky feitas de cloreto de vinil fosse posta em prática pelo Governo dos Estados
Unidos da América. O relatório foi produzido por Arthur D. Little, uma empresa contratada por
funcionários da indústria de polímeros (Proctor, Cancer Wars, p. 103).
c. Um estudo de investigação científica de políticas baseada num modelo de computador mostrou
que se a publicidade fosse tributada no Minnesota, não só a indústria publicitária, mas toda a
economia do Estado seria prejudicada. O estudo foi patrocinado pela Coalizão da Indústria de
Comunicação [Communications Industry Coalition], um grupo industrial (Cynthia Crossen, Tainted
Truth: The Manipulation of Fact in America (New York: Simon & Schuster, 1994), p. 139).

QUATRO Disputas Verbais

Em um diálogo, o ponto de vista de um dos lados é oposto ao daquele do outro lado. O diálogo deveria resolver esse
desentendimento por meio da apresentação de argumentos por cada um dos lados. Porém, em algumas situações,
o desentendimento pode ser impossível de ser resolvido desta maneira, pois as partes não estão argumentando
sobre a mesma coisa. O desentendimento é meramente verbal, o que significa que eles estão usando a mesma
palavra-chave distintamente. Por exemplo, considere o seguinte diálogo:

Carly: Derek finalmente se livrou daquele Toyota velho dele e comprou um carro novo. Ele
está agora dirigindo um novo Honda.

Levon: Não, Derek não comprou um novo carro. Aquele Honda já tem uns três anos.

Neste diálogo, Carly e Levon discordam entre si. Ela acha que Derek dirige agora um carro novo. Ele diz que Derek
não comprou um carro novo, sugerindo que o carro que ele dirige não é novo. O desentendimento entre eles,
entretanto, não deriva dos fatos da questão. Ele se segue de como cada um deles usa a palavra "novo". Quando
Levon usa o termo "novo", ele se refere a um carro que é do mesmo modelo que surgiu naquele ano. Por exemplo,
no ano de 2003, um carro é novo apenas se for um modelo de 2003 (produzido no período designado pelas
montadoras [automakers] para um veículo de 2003). Quando Carly usa o termo "novo", ela se refere a um carro que
é novo para Derek, isto é, diferente do seu antigo, e talvez um que seja um modelo mais recente do que o antigo.
Poderia ser verdade que o carro de Derek seja novo, no sentido que Carly dá à palavra, mas falso que seja um novo
carro no sentido que Levon dá à palavra. Em outras palavras, Carly e Levon têm um desentendimento meramente
verbal, em oposição a um desacordo substanciado sobre o que são os fatos. Ambos viram o novo carro de Derek,
então eles concordam sobre os fatos do caso. Sobre o que eles discordam é o significado que o termo "novo" deveria
ter ao se descrever esses fatos.

Agora, contrastemos esse diálogo com outro.

Leshandra: Derek finalmente se livrou daquele velho Caprice Clássico e comprou um novo
carro. Ele dirige um novo Mustang agora.

Ben: Não, Derek não comprou um carro novo. É o novo Mustang de seu tio que ele dirige.

Nesse diálogo, Leshandra e Ben discordam sobre um assunto factual. Leshandra vê Derek dirigindo um novo
Mustang, e, a partir desse fato, ela traça a conclusão de que Derek o comprou, substituindo seu carro antigo com
ele. Se segue do que ela diz que, na sua visão, Derek é o dono do novo Mustang. Ben pensa de modo diverso.
Evidentemente, ele detém alguma informação que ela não possui. Ele diz que é o novo Mustang do tio de Derek que
Derek dirige. Dessa forma, Derek não é o dono do novo Mustang. Nesse diálogo, há uma oposição de pontos de
vista, assim como no anterior. Contudo, aqui a diferença não é meramente verbal. Leshandra pensa que Derek é o
proprietário do novo Mustang, mas Ben não acha isso. Eles discordam sobre a questão factual de quem é o
proprietário do carro. Esse desacordo é dito factual, ou substanciado, para usar outra palavra, porque pode ser
resolvido ao se apresentar argumentos baseados nos fatos do caso. Por exemplo, se Ben e Leshandra falassem com
Derek, ele poderia admitir que o carro pertence ao seu tio. Ou se a disputa sobre quem é dono do carro se tornasse
167

séria, eles poderiam investigar no escritório de veículos automotores para ver no nome de quem o carro foi
registrado.

Tais desentendimentos verbais podem parecer triviais e inofensivos, assim como no exemplo acima, mas
em muitos casos eles podem ser bem sérios. Por exemplo, suponha que os representantes de dois países, na
Assembleia Geral da ONU, estejam discutindo sobre se um terceiro país deveria ser admitido nas Nações Unidas
como um país-membro. Alguém poderia fazer a objeção de que este terceiro país não é democrático, porque é
comandado por um ditador, e argumentar que ele não deveria ser admitido, pelo motivo de que apenas países
democráticos se qualificam para serem membros. O outro poderia discordar, argumentando que o dito ditador é o
presidente do país, que foi eleito quando uma maioria votou nele. De acordo com o ponto de vista embasado por
esse lado, se um presidente foi eleito pelo voto majoritário em uma eleição, o país é uma democracia. Em um caso
como esse, os dois representantes estão tendo uma disputa verbal. É suficientemente razoável, e bastante comum,
ter uma disputa verbal sobre o significado de um termo-chave, no qual os participantes não entram em
concordância. O problema é que a natureza da disputa pode estar disfarçada, se os participantes acham que esta se
baseia em um desacordo substanciado sobre os fatos, quando, na realidade, o desentendimento é meramente
verbal. O uso da palavra "meramente" aqui não deveria sugerir que disputas verbais são triviais, contudo, ou que
elas são sempre fáceis de serem resolvidas. Em muitos casos, um lado usa termos emotivamente carregados para
expressar seu ponto de vista, enquanto o outro persiste em usar termos emotivamente carregados que refletem o
ponto de vista oposto. Até que eles ou desistam de usar tais termos, ou cheguem a um acordo sobre como defini-
los de um modo que ambos possam aceitar, a disputa pode nunca ser resolvida.

Foi mostrado, na seção 1 acima, como o uso de termos carregados em uma disputa pode facilmente levar
a argumentos sobre como um termo-chave deveria ser definido. No exemplo, Bill e Hilda estavam discutindo sobre
aborto quando Bill, o defensor pró-vida, disse a Hilda, "Aborto é assassinato". O seu uso de argumento de
classificação verbal nesta situação é um caso de termo carregado - "assassinato" possui implicações bastante
negativas – sugerindo que o lado pró-escolha defende algo altamente imoral, nomeadamente, o assassinato de um
ser humano, e também ilegal. Esse uso de um termo carregado pode então levar a uma disputa verbal sobre Remix
"aborto" deveria ser definido. Hilda poderia começar retrucando que um feto não é uma pessoa e que, portanto,
não pode ser assassinado. Ela poderia prosseguir ao apresentar sua definição de "aborto" como "interrupção de
uma gravidez indesejada". Hilda e Bill poderiam, então, entrar em uma disputa verbal sobre como o aborto deveria
ser definido.

Em resposta à definição de Hilda, Bill poderia proceder ao trazer sua própria definição de "aborto":, como
ilustrado no seguinte diálogo:

Bill: Eu defino "aborto" como um assassinato de um bebê.

Hilda: Você não pode definir o termo desse jeito. Primeiramente, assassinato é um termo
carregado de valor. Segundamente, o feto não é uma pessoa. Na minha opinião, é um
impropério chamar o feto abortado de "bebê". Então, como eu disse antes, abortos não
podem ser "assassinato". Isso é ridículo.

Em resposta, Hilda faz uma objeção não apenas ao uso do termo carregado "assassinato" em sua definição, mas
também à sua suposição de que o feto seja uma pessoal. O que aconteceu nesse caso é que o argumento foi de uma
discussão ética sobre a questão do aborto para uma disputa verbal sobre o significado de um termo-chave. Quando
esse tipo de desvio ocorre, há com frequência um tipo de estreitamento [tightening up] do diálogo, e uma
concentração em tons sutis de significado de palavras e frases. Alguns veem como trivial, ou uma "brincadeira", uma
tal disputa verbal, mas ela não é necessariamente uma coisa ruim se há um acordo sobre significados de termos, ou
se a natureza da disputa é esclarecida. Entretanto, se a natureza verbal da disputa está mascarada ou escondida,
isso pode ser um grande obstáculo na resolução do conflito de opiniões. Disputas verbais desse tipo podem revolver,
essencialmente, em diferenças ocultas de opinião sobre o significado de uma palavra ou frase, ou em uma
ambiguidade, em que dois participantes usam a mesma palavra ou frase de maneiras diferentes. Pode haver um
problema se os disputantes acharem que estão discutindo sobre os fatos do caso quando, na verdade, sob a
superfície, eles estão tendo um desacordo verbal.

Em resumo, o desvio de uma disputa substancial para uma disputa verbal pode precisar ser esclarecida e
trazida à superfície, antes que um diálogo de persuasão possa prosseguir de uma maneira produtiva em direção à
resolução do conflito de opiniões que é a questão básica. Um desvio [diversion] terminológico, na forma de uma
disputa verbal contida dentro de um diálogo principal, não é necessariamente uma coisa ruim. No entanto, se os
168

participantes não estão cientes do desvio, de modo que eles não tenham noção de que estão discutindo sobre
palavras, o diálogo de persuasão pode ficar atolado [bogged down] sem, aparentemente, ser capaz de avançar mais.

Nos últimos dois casos, houve um desvio de uma disputa substancial sobre uma questão específica, para
um subdiálogo no qual a argumentação se tornou uma disputa verbal sobre o significado de uma palavra ou frase
chave. O que é preciso, se a disputa original é para ser resolvida ou, ao menos, colocada de volta na ativa em direção
à sua eventual resolução, é o reconhecimento de que um termo pode ter mais de um significado atribuído a ele, e
uma disjunção precisa ser feita entre os vários sentidos da palavra. Daí, o próximo passo é algum esclarecimento
desses significados. A maneira usual de se lidar com o problema é ao se propor uma definição de algum tipo, e então
chegar a um acordo sobre a definição a ser feita, ou ao menos alguma avaliação sobre a definição a se estabelecer
no diálogo.

Outro fator a se atentar em tais casos de uso argumentativo de termos emotivos, é que interesses
poderosos podem estar em jogo [at stake]. Não apenas as definições são não triviais, como milhões de dólares
podem ser gastos ao se usar técnicas profissionais de de relações públicas para dar uma "virada" em uma
controvérsia. O termo "pântano" ganhou proeminência nos debates climáticos ambientais do final dos anos 60 e
começo dos 70. Se refere a uma área saturada por água, na medida em que somente plantas especialmente
adaptadas podem crescer nela. Pântanos são muito valiosos para a ecologia, segundo cientistas. Ambientalistas,
preocupados com o desaparecimento de pântanos, especialmente devido a construções, fazem pressão para
proteger essas áreas do desenvolvimento. Grandes quantias de dinheiro estão em jogo, e desenvolvedores têm se
engajado em muitas ações legais amplamente divulgadas e debates sobre o assunto com ambientalistas. Começando
nos anos 70, esforços foram feitos para se introduzir uma definição ecológica padronizada do termo "pântano". Uma
definição de 1979 mencionou características como o tipo de solo, o tipo de vegetação, e o modo como a água está
presente. Em 1989, uma definição desse tipo foi codificada em um manual do governo federal para identificação de
pântanos. Na campanha eleitoral presidencial de 1988, George Bush fez sua administração se comprometer com
uma política de "zero perdas líquidas" de pântanos. Em 1990, se tornou claro que, se Bush mantivesse seu
compromisso, ele corria o risco de alienar muitos de seus eleitores [constituents] pró-negócios e pró-
desenvolvimento. De acordo, em agosto de 1991, um documento produzido por uma força-tarefa vice-presidencial
propôs uma redefinição do termo "pântano", tornando os critérios mais estritos do que aqueles dados no manual
de 1989. De acordo com estudos feitos por cientistas e ambientalistas, sob a nova definição, 50 milhões de acres
anteriormente designados como "pântanos" agora seriam excluídos. Essa assim chamada codificação da definição
no manual de 1989 foi implementada em agências federais sem a aprovação da Casa Branca ou pelo Congresso e
sem convidar comentários públicos, mesmo que tenha sido recebido com oposição intensa de ambientalistas. 52 É
importante reconhecer que essa disputa sobre uma definição foi uma questão de interesses concorrentes
[competing] poderosos. Pode parecer que "pântano" seja um termo científico, que deveria ser definido pelos
cientistas especialistas, e que a questão é sobre descrição científica dos fatos. Contudo, essa abordagem permite
que seja garantido a uma "elite tecnológica" uma "hegemonia definicional" para defender suas próprias opiniões e
interesses sob uma aparência de neutralidade científica. A verdadeira questão não é tanto sobre ciência quanto
sobre interesses concorrentes de grupos de defesa contrários. Dinheiro está envolvido, e a defesa de uma causa está
envolvida. Aqueles financialmente envolvidos no desenvolvimento de terras, construções, imobiliária, exploração
madeireira [logging] e daí em diante estão em um dos lados de um diálogo. Os ambientalistas e seus apoiadores,
que frequentemente também se aproveitam de especialistas em relações públicas profissionais e são bem
embasados, estão do outro lado. Ambos os lados tentam convencer o público, a mídia, e os políticos para que os
sigam em adotar políticas, elaborar leis, ou tomar ações em cima de projetos sobre terras e construções.

EXERCÍCIO 6.4

1. Analise os seguintes diálogos para determinar se cada um é uma disputa substancial ou uma disputa verbal,
dando suas razões.
a. Toban: Antes da batalha da ponte Milvian, o imperador romano Constantino fazia com que o
símbolo da cruz fosse pintado nos escudos dos soldados romanos.

52
Este exemplo clássico é resumido abaixo do relato apresentado por Edward Schiappa "Wetlands and the Politics
of Meaning", em Environmental Pragmatism, ed. Andrew Light e Eric Katz (Londres: Routledge, 1996), pp. 209-230.
169

Julia: Isso é um pouco de ficção histórica que está incorreta. Ele fazia com que o símbolo chirho
(um X com um traço vertical curvado para baixo no topo) fosse pintado em seus escudos.
b. Kenny: A Microsoft está tendo um bom ano. Suas vendas aumentaram consideravelmente desde
o ano passado.

Jennifer: Eu não diria isso. Seus lucros estão apenas ligeiramente acima do ano passado e estão
muito abaixo dos anos anteriores.

2. Discuta qualquer problema no caso a seguir que possa estar dificultando com que a disputa prossiga para
uma resolução, por meio de uma discussão da questão.

a. A questão de um debate entre duas pessoas era se a eutanásia deveria ou não ser legalizada.
Uma parte argumenta que é moralmente justificado e, portanto, deve ser legalizado, pois
oferece aos pacientes com doenças terminais, que aguentam sofrimentos insuportáveis, uma
oportunidade de morrer com dignidade. Ela argumenta que tal paciente deve poder, a pedido,
ser retirado dos sistemas de suporte à vida, quando tratamentos agressivos ou heroicos não
estão mais fazendo nenhum bem para salvar sua vida. A outra parte discorda, argumentando que
a eutanásia é assassinato e que qualquer médico que dá a um paciente uma droga letal está
matando essa pessoa, mesmo que o paciente concorde com isso. Uma das parte continua
insistindo que a eutanásia é assassinato, enquanto a outra nega que seja assassinato, dizendo
que ela deixa a natureza seguir seu curso sem interferência de alta tecnologia.

3. O seguinte exemplo que descreve um diálogo que aconteceu é da palestra "O que o Pragmatismo
Significa", de William James.53

Alguns anos atrás, estando com um grupo de acampamento nas montanhas, voltei de uma caminhada
solitária para encontrar todos envolvidos em uma feroz disputa metafísica. O corpus da disputa era um
esquilo - um esquilo vivo supostamente agarrado a um lado de um tronco de árvore; enquanto do lado
oposto da árvore, imaginava-se que um ser humano estava de pé. Esta testemunha humana tenta avistar o
esquilo movendo-se rapidamente ao redor da árvore, mas não importa o quão rápido ele vá, o esquilo se
move tão rápido na direção oposta, e sempre mantém a árvore entre ele e o homem, de modo que nunca
um vislumbre dele é pego. O problema metafísico resultante agora é este: o homem gira em torno do
esquilo ou não? Ele dá a volta na árvore, com certeza, e o esquilo está na árvore; mas ele gira em torno do
esquilo? No lazer ilimitado do deserto, a discussão estava desgastada. Todos tomaram partido e foram
obstinados; e os números de ambos os lados eram pares. Cada lado, quando apareci, portanto, apelou-me
para torná-lo uma maioria. Atento ao ditado escolástico de que sempre que você encontrar uma
contradição você deve fazer uma distinção, eu imediatamente procurei e encontrei uma, como segue: "Qual
partido está certo", eu disse, "depende do que você praticamente quer dizer com 'dar a volta' no esquilo. Se
você quer dizer passar do norte dele para o leste, depois para o sul, depois para o oeste e depois para o
norte dele novamente, obviamente o homem o circunda, pois ele ocupa essas posições sucessivas. Se, ao
contrário, você quer dizer estar primeiro na frente dele, depois à direita dele, depois atrás dele, depois à
esquerda e finalmente à frente novamente, é até óbvio que o homem não o contorna, pois pelos
movimentos compensatórios que o esquilo faz, ele mantém a barriga virada para o homem o tempo todo, e
as costas viradas. Faça a distinção, e não há motivo para mais disputas. Vocês estão ambos certos e errados
conforme vocês concebam o verbo 'dar a volta' de uma forma prática ou de outra". Embora um ou dois dos
disputantes mais acalorados tenham chamado meu discurso de uma evasiva arrastada, dizendo que eles
não queriam tergiversação ou discrição acadêmica, mas apenas uma rodada inglesa simplesmente honesta,
a maioria parecia pensar que a distinção havia aplacado a disputa.

Analise a argumentação neste caso, mostrando o que era o desacordo, como ele pareceu ser uma disputa
substancial aos participantes, e como o terceiro foi capaz de resolvê-la ("aplacá-la") ao mostrar que se
tratava de uma disputa verbal.

CINCO Definições Lexicais, Estipulativas e Persuasivas

Há muitos tipos de definições. Cada tipo tem uma função, quando apresentado em uma troca dialética que tem, por
si própria, uma função. Uma parte apresenta ou mostra uma definição à outra parte por algum motivo no diálogo.

53
William James, Pragmatism: A New Name for Some Old Ways of Thinking (Londres: Longmans, Green, 1907), pp.
43-45.4
170

Chamemos a primeira parte de proponente ou definidor [definer], e a segunda parte de respondente. Um dos tipos
mais familiares de definição é a definição lexical, do tipo encontrado em um dicionário, usado para explicar o
significado de uma palavra (ou frase) para alguém que a procure naquele dicionário. O definidor escreve a definição,
e então o respondente, que supostamente desconhece o significado da palavra ou quer esclarecê-lo, a procura,
buscando ajuda.

A definição lexical nos dá uma noção [account] de uma palavra que tem um significado convencional em
uma linguagem. Assim, uma definição lexical é um tipo de relatório sobre como falantes nativos de uma língua usa
um termo em falas do cotidiano (ou em contextos especiais, como em um campo científico). Uma definição lexical
é uma explicação sobre como a palavra é usada, e tem sucesso ou não na medida em que (1) representa
corretamente o uso de fato e (2) explica esse uso de uma forma que ajude o respondente a entender o significado
da palavra, da maneira como é usada. O jeito usual de se encontrar uma definição lexical de um termo é procurá-la
em um dicionário. Dicionários são especialmente úteis com palavras que são incomuns ou não usuais. Por exemplo,
se procurarmos a palavra "cota de malha" [hauberk] no Dicionário Priberam, o seguinte verbete é encontrado.

Vestidura interior de fina malha metálica.

Esse verbete explica bem o termo "cota de malha". Mas se você procurar a palavra "bom" no mesmo dicionário, o
verbete é bem longo (são quase 20 definições!), mas realmente não ajuda muito. "Bom" é definido como algo "Que
é como deve ser ou como convém que seja; que corresponde ao que é desejado ou esperado", e uma longa lista de
sinônimos, como "afável", "cortês" e "bondoso", é dada. Isso provavelmente não seria terrivelmente esclarecedor
se você já não soubesse o que "bom" quer dizer. Então, é assim que são os dicionários. Eles presumem que você já
tem uma habilidade no nível de um falante nativo, ou pelo menos um nível razoável de compreensão da linguagem
e de muitas das palavras comuns nela. E então eles elaboram nessa suposição para apresentar explicações das
palavras menos comuns e menos familiares.

Contrastando com definições lexicais, uma definição estipulativa é puramente arbitrária, e a definidora é
até mesmo livre para inventar uma nova palavra e atribuir-lhe qualquer significado que ela escolher. Considere as
duas definições seguintes.

Dirigir a mais de 30 km/h em uma rua (a não ser que haja disposição em contrário) é definido como
"excesso de velocidade" [speeding], ou dirigir muito rápido.

Um "tigreão" [tigon] é definido como a prole [offspring] de um tigre e uma leoa.

Definições estipulativas parecem normais e inofensivas, mas eventualmente pessoas irão entrar em disputas sobre
elas, como demonstra o diálogo a seguir.j

Helen: Eu defino uma gorjeta "excessiva" como qualquer gorjeta que exceda 15% da conta.

Bob: Isso é arbitrário. Eu diria que uma gorjeta é "excessiva" se a quantidade é mais do que
merecida pela qualidade do serviço.

Nesse caso, Helen estipulou um número exato como definição de gorjeta excessiva, mas Bob critica a definição como
sendo "arbitrária". Ele poderia adicionar, "Eu não vejo nenhuma diferença real, em termos de excesso, entre 14,9
por cento e 15,1 por cento em uma gorjeta".

A maioria das outras definições são uma mistura de definições léxicas e estipulativas. Elas começam usando
um termo familiar e usam o significado convencionalmente aceito daquele termo como base, e então o desenvolvem
em uma certa direção. Em testamentos [wills], contratos e negociações, por exemplo, muitos termos que têm um
significado convencionalmente aceito, de modo geral, são definidos mais precisamente, de uma forma parcialmente
estipulativa. O seguinte exemplo é uma definição estipulativa.

"Cego" significa, para fins de imposto de renda federal, ou a inabilidade de ver mais do que 20/200 no melhor olho,
com óculos, ou ter um campo de visão de 20 graus ou menos.
171

Similarmente, uma disciplina como a ciência tomará um termo como "ácido" ou "número", que possuem um
significado convencional no uso cotidiano, e então dá-lo um significado mais preciso, que se encaixe na metodologia
daquela disciplinas específica. Esses tipos de definições poderiam ser chamados de definições precisas, no sentido
de que elas tomam um termo familiar e então propõem uma contrapartida estipulativa que é mais precisa
(geralmente usando critérios numéricos para esse fim).

Uma definição persuasiva toma o termo que possui um significado léxico convencional no uso normal, e
então apresenta uma definição parcialmente estipulativa, do tipo que apoia um lado e vai contra o outro lado de
um conflito em um diálogo de persuasão. Um exemplo divertido [amusing] é a seguinte definição.

"Futebol (americano)" [football] significa um esporte no qual gladiadores dos tempos modernos
brutalizam um ao outro, ao mesmo tempo que tentam mover uma "bola" de formato ridículo, de uma
ponta do campo de jogo para a outra.

A definição persuasiva dá uma certa "guinada" [spin] em uma palavra ao redefini-la de um jeito positivo ou negativo.
Neste exemplo, o objetivo de oferecer essa definição negativa de "futebol (americano)" é fazer com que o esporte
pareça sem sentido, bobo [silly], e brutal. A definição toma um ponto de vista ou compromisso definido que provoca
ou continua uma disputa sobre futebol, representando um diálogo de persuasão no qual há dois lados. Precisamente
porque eles dão um novo significado a um termo que já tem um uso estabelecido, as definições persuasivas são
enganosas. O problema é que uma definição persuasiva, se disfarça como uma tarefa honesta de significação de um
termo, enquanto condena ou aprova a coisa sendo definida. 54 Mas definições persuasivas não são inerentemente
ruins ou ilegítimas desse jeito. Elas são normais no diálogo de persuasão e têm um lugar nesse tipo de diálogo. Porn
outro lado, elas podem ser enganosas e traiçoeiras em alguns casos, e vale muito a pena ter noção delas.

Palavras contêm conotações emocionais positivas e negativas, assim como conteúdo descritivo. Muitas
palavras, conforme foi notado acima, tem um desvio laudatório ou depreciativo, por conta de suas conotações
positivas ou negativas na fala do dia a dia. Uma definição persuasiva tipicamente altera o significado convencional
de um termo, ao levá-lo em uma direção que se adapta [suits] ao propósito do definidor. Mas a conotação emocional
da palavra tende a permanecer no lugar. Por meio de um efeito "inercial", a palavra tende a reter a mesma viragem
laudatória ou depreciativa que sempre teve. Assim, pode haver uma certa trapaça sutil em alguns casos, porque o
respondente pode não se dar conta de que está sendo manipulado. Em outros casos nos quais uma definição
persuasiva foi usada, o diálogo produtivo pode sair prejudicado.

Em muitos casos, pessoas em uma disputa aparentam chegar a uma espécie de impasse, no qual elas não
conseguem ir mais além porque a argumentação apenas vai para frente e para trás, como em uma "partida de tênis"
terminológica. A disputa verbal que se segue então requer algum esclarecimento terminológico ou introdução de
definições. Por exemplo, Helen e Bob talvez tivessem a seguinte troca no diálogo sobre gorjetas.

Helen: Bem, você sabe que gorjetas são tão elitistas, é uma forma de opressão.

Bob: Estamos falando da mesma coisa? Eu não enxergo gorjetas como ruins de jeito
nenhum.

Helen: Bom, como você definiria gorjetas, de qualquer forma?

Bob: Gorjetas são um fator importante no produto nacional bruto que é uma função de
transações comerciais como pagamento por serviços humanos.

Neste diálogo, Helen e Bob reconhecem que sua disputa requer algum tipo de esclarecimento ou definição verbal.
Porém, quando Bob tentou preencher a definição requerida, sua tentativa não logrou êxito. A suposta [purported]
definição de "gorjeta" que ele oferece é simplesmente muito obscura para ser útil em esclarecer o termo, ou permitir
que a disputa vá mais longe em um diálogo produtivo.

Bob e Helen talvez então tentem novamente introduzir alguma definição do termo em disputa, "gorjeta".

54
Charles L. Stevenson primeiro desenvolveu o conceito de uma definição persuasiva e mostrou sua importância
para a argumentação crítica em Ethics and Language (New Haven: Yale University Press, 1944), e em um artigo
anterior, "Persuasive Definitions", Mind 47 (1938) : 331-350.
172

Helen: Sua definição é bem inútil. É muito obscura. Deixe-me oferecer uma definição mais
clara e precisa: gorjeta é uma gratificação dada a uma pessoa inferior que realiza uma tarefa
servil [menial] a uma pessoa superior.

Bob: Essa definição é claro, tudo bem. Mas ela faz uso de uma linguagem emocionalmente
carregada que implica que gorjetas são inerentemente ruins. Eu me oponho [object] a isso.

A essa altura, Helen e Bob chegaram de novo a um impasse. Bob simplesmente se recusa a aceitar a definição de
Helen. O que deveria ser feito aqui? Bob tem o direito de recusar a definição que ela ofereceu, aparentemente. Mas
ela apresentou a definição de boa-fé, quando uma definição era necessária. E a sua definição proposta é certamente
muito mais clara e mais precisa do que a que Bob ofereceu.

Por outro lado, Bob está certo em dizer que a definição de Helen está carregada de termos negativos,
retratando gorjetas de uma maneira depreciativa. Se ele aceitar essa definição, ele achará extremamente difícil ou
até impossível discutir com sucesso sobre sua tese na disputa, de que gorjetas são uma boa prática. Bob talvez então
ofereça uma definição de sua autoria [of his own].

Bob: Deixe-me propor uma definição alternativa de gorjeta.

Helen: Tudo bem. Como quiser.

Bob: Gorjetas são uma recompensa para excelência de serviço, dadas a alguém que merece
por alguém que certamente aprecia, e quer reconhecer, o trabalho excelente.

Helen: Bem, Bob, como posso aceitar isso? Isso faz com que gorjetas soem tão positivas e
otimistas [upbeat], que com certeza derrota meu lado do argumento.

Aqui, então, chegamos a mais um impasse na disputa. Tanto Helen quanto Bob agora ofereceram definições sobre
gorjetas. Uma definição, contudo, é oposta à outra. Uma faz com que gorjetas pareçam ser muito positivas por
natureza, enquanto a outra faz com que gorjetas pareçam ser bastante negativas.

Bob e Helen têm muitas opções para continuar seu diálogo sobre gorjetas. Uma é continuar a disputa
verbal, na esperança de a resolver. Helen talvez então proponha um contra-exemplo para a definição de Bob sobre
gorjetas. Isto é, ela talvez cite um caso de gorjeta no qual uma gorjeta foi dada, mas a pessoa que recebeu a gorjeta
não a merecia realmente. Ela poderia então apontar que a definição de Bob sobre "gorjeta" é diferente do significado
lexical aceito, de uma maneira que mostre que sua definição é inadequada ou defeituosa. Alternativamente, em vez
de continuar a disputa verbal, Bob e Helen poderiam tentar concordar colaborativamente com uma definição neutra
de "gorjeta" que não teria nenhuma conotação positiva ou negativa associada a ela. Essa alternativa é boa nesse
caso particular, porque a palavra "gorjeta", em seu significado convencional, não é uma palavra laudatória ou
depreciativa. Uma vez que uma definição não persuasiva e não enviesada é acordada [agreed on], então Helen e
Bob poderiam voltar ao assunto de se ou não dar gorjetas (conforme definição) é uma boa prática digna [worth] de
ser continuada.

EXERCÍCIO 6.5

1. Classifique as seguintes definições como léxicas, estipulativas, precisas ou persuasivas.


a. A seguinte definição está incluída na descrição de uma bolsa em um calendário universitário:
"Para os fins desta bolsa, 'estudante em tempo integral' significa um aluno matriculado em seis
ou mais cursos semestrais em um determinado ano civil."
b. Uma pessoa crédula é uma pessoa que é facilmente enganada.
c. Monocracia significa governo de uma pessoa.
d. Um liberal é um benfeitor que se aquece em um brilho rosado de auto-adulação enquanto
defende regras governamentais que apóiam causas aprovadas no curto prazo, mas levam a
consequências de longo prazo pelas quais todos têm que pagar.
173

e. O capitalismo é o sistema econômico que permite que planejadores gananciosos, agressivos e


astutos explorem os trabalhadores para acumular fortunas usadas para fins egoístas.
f. Na Austrália Ocidental, um motorista está legalmente embriagado se tiver um nível de álcool no
sangue de 0,01 partes de álcool no sangue, ou mais.
g. Uma enxada é uma espécie de picareta para soltar o solo, com uma ponta cortante em vez de
uma ponta.
h. Murmurar é falar baixinho e indistintamente.

2. Proponha uma definição neutra de "gorjeta" com a qual Bob e Helen concordem no diálogo sobre gorjetas.

3. Proponha uma definição neutra de "aborto" com a qual Bill e Hilda concordem no diálogo sobre aborto.

SEIS Definições Filosóficas e Científicas

Em discussões intelectuais e filosóficas, declarações de definição são de um certo tipo, como "A essência da
religião é paz de espírito", ou "A verdadeira coragem é resiliência sob pressão". Tais definições, que se propõem a
definir as propriedades mais importantes (ou "essenciais") de algo, são chamadas de declarações de essência. 55
Definições de essência fazem declarações sobre a essência da poesia, da arte, da amizade, e assim por diante,
como parte de uma discussão ou disputa intelectual. As seguintes maneiras de expressar uma definição de
essência são especialmente importantes (x é uma coisa individual e A é uma propriedade que pretende se aplicar
ao indivíduo).

A essência de x é A.

x é A por natureza.

O verdadeiro x é A.

O x real é A.

O x genuíno é A.

Em uma tratado [treatise] filosófico, o autor frequentemente começa discutindo o significado lexical do termo, mas
aí argumenta que o conceito, se for para realmente para ser entendido em seu significado "verdadeiro" ou "real",
deve ser definido de um jeito diferente, dando uma definição de essência. O problema é que definições de essência
de palavras como "amor", "honra", "cultura", "vida", ou "democracia" podem carregar com elas um significado
emotivo positivo ou negativo. Por exemplo, se algo é dito sobre "amor verdadeiro", pode haver uma sugestão
positiva de que esse fenômeno é bastante valioso. Em casos como esse, a definição de essência se torna uma
definição persuasiva, mesmo que sua natureza persuasiva não seja evidente. Por exemplo, considere a declaração
"A essência da religião é o amor". Essa declaração coloca uma viragem positiva na religião por conta do significado
emotivo de "amor". A declaração "A essência da religião é uma reação neurótica de angústia [anguish]" é justamente
o contrário. Ela dá uma viragem negativa à religião.

O fato de uma definição de essência estar sendo usada como definição persuasiva, em uma discussão
intelectual ou filosófica, não necessariamente quer dizer que a definição é errada ou errônea, ou que deveria ser
criticada como sendo incorreta. Pois se a discussão intelectual é do tipo persuasivo de diálogo, do tipo estudado no
capítulo 1, o uso de uma definição persuasiva poderia ser bem apropriado. Ainda assim, de uma perspectiva crítica,
pode ser valioso reconhecer que a definição possui um certo partidarismo ou viés, e está sendo usada com o
propósito de persuadir o leitor.

Uma definição de essência é melhor vista como um tipo de hipótese, ou proposta temporária [tentative],
apresentada por um proponente a um respondente em um diálogo de persuasão. É uma proposta que representa
ou apoia a tese do proponente, e o respondente está sendo solicitado a respondê-la criticamente. Assim, a definição
de essência não deveria ser vista como a última palavra em uma discussão, ou como uma declaração que é enunciada

55
Soren Hallden, True Love, True Humor e True Religion: A Semantic Study (Lund: Gleerlup, 1960).
174

com finalidade absoluta, de modo a não deixar espaço para mais discussão. Pelo contrário, é melhor vista como uma
declaração que representa um ponto de vista específico, e como uma definição que faz parte do argumento
projetado para desenvolver esse ponto de vista, dando ao respondente uma visão sobre isso. Se o respondente
aceitar a declaração de essência, ela deveria ser uma hipótese temporária usada como base para exploração
posterior do assunto. Mas se for revelado que a declaração possui fortes argumentos contra si, o respondente
deveria se sentir livre para retrair seu compromisso com ela, ao desistir dela como definição e, talvez, optar por
alguma outra definição (oposta ou alternativa) em vez disso, dependendo de como a discussão se deu. Assim,
definições de essência deveriam ser vistas como tendo uma função provocativa, dando origem a argumentos que
lançam uma nova inclinação em um assunto, de forma a desbloquear um ponto de vista diferente que estava oculto
ou que você não tivesse pensado antes, porque é diferente da forma convencionalmente aceita de olhar para o
assunto em questão.

Um bom exemplo de como definições de essência podem ser criticadas criticamente, e tratadas como
hipótese em uma discussão filosófica de valores éticos, é o diálogo platônico Meno, no qual o assunto é se a virtude
(excelência moral de caráter ao viver a boa vida) pode ser ensinado ou não. A palavra grega arete é geralmente
traduzida como "virtude", mas provavelmente "excelência" é uma melhor palavra para comunicar seu significado.
No Meno, os participantes reconhecem, no começo do diálogo, que o assunto da discussão depende diretamente
de como o termo "virtude" deveria ser definido. Ao longo do diálogo, ambos Meno e Sócrates, os dois participantes,
apresentam definições essenciais de "virtude", mas eles concordam que esse termo não pode ser definido de uma
maneira que não seja aberta a questionamentos e objeções. Mas Sócrates faz com que Meno aceite provisoriamente
a definição de virtude como um tipo de conhecimento, e daí, usando essa hipótese, Sócrates desenvolve sua visão
filosófica de que todo conhecimento é um tipo de rememoração de coisas das quais já temos ciência, implicitamente,
mas que precisa ser afiado ou articulada por meio de diálogo. Ao final do diálogo (88d), os participantes concluem
que a virtude é um tipo de sabedoria.

A argumentação no Meno ilustra o tipo certo de atitude a se tomar com relação a definições de essência.
Quando uma proponente apresenta uma definição de essência, ela não está te pedindo para aceitá-la como última
palavra. Nem ela deveria ser vista como uma substituta que toma o lugar da definição lexical de uma palavra. Em
vez disso, ela deveria apresentar a definição de essência como um convite para tomar parte em um diálogo de
persuasão (ou talvez já seja parte de um diálogo de persuasão em progresso [ongoing] sobre algum assunto), que
irá jogar alguma luz no assunto ao dar a ele uma diferente perspectiva que você talvez não tenha encontrado ou
apreciado antes. Assim, você deveria se sentir livre para aceitar a definição como quiser. Você não deveria se sentir
obrigado a ter que aceitá-la absolutamente, como um tipo de estipulação de significado, mas você também não
deveria absolutamente rejeitá-la, sem pelo menos pensar sobre ela, só porque você a reconhece como uma
definição persuasiva. A melhor atitude para se abordar definições de essência é com uma mente aberta e cética, e
problemas sobre as conotações positivas e negativas

Você poderia pensar que as dificuldades em definir termos-chave, e os problemas sobre as conotações
positivas e negativas desses termos, sejam únicas de disputas éticas ou políticas sobre valores ou condutas, e que
afetam o raciocínio na pesquisa científica. Mas um exame dos problemas encontrados por sociólogos ao definir o
termo "gangue", por exemplo, indicariam que uma tal suposição não fosse verdadeira. Por conta da importância e
frequência de alegações estatísticas feitas feitas sobre gangues na mídia, e ao se estudar e lidar com o crime, haverá
todos os tipos de dados estatísticos errôneos (veja o capítulo 3 sobre definições de pesquisas estatísticas) a não ser
que o problema de definir o termo "gangue" possa ser resolvido. Pode também ser adicionado aqui que existem
alguns conflitos disciplinares envolvidos também, já que definições legais são adotadas para fins de leis criminais,
ao passo que definições sociológicas são adotadas com fins de pesquisa científica em grupos sociais.

Alguns pesquisadores até mesmo sugeriram que os problemas de definições que co-fundaram a pesquisa
sobre gangues poderiam ser resolvidos ao se fazer um levantamento de trabalhadores de serviços de juventude,
policiais, juízes, oficiais de condicional [probation officers], educadores, membros da Câmara Municipal, ex-
presidiários [ex-convicts], membros atuais e antigos de gangues, e outros familiares com gangues, para que acordem
com uma definição do termo "gangue". A definição a seguir foi composta com base nesse levantamento.

[uma gangue é] uma associação auto formada de pares, unidos por interesses mútuos, com liderança identificável,
com linhas de autoridade bem-desenvolvidas, e outros recursos organizacionais, que agem em conjunto [in concert]
para alcançar um propósito ou propósitos específicos, que geralmente incluem a condução de atividade ilegal e
controle sobre um território, instalação [facility], ou outro tipo de empreendimento [enterprise] específico (Walter B.
Miller, Violence by Youth Gangs and Youth Groups as a Crime Problem in Major American Cities (Washington, D.C.:
National Institute for Juvenile Justice and Deliquency Prevention, 1975), p. 121).
175

Alguns argumentaram que definições baseadas em um voto não tem validade especial. A sensação era de que votar
seria um método apropriado de determinar uma definição lexical, mas um método pobre para se estabelecer o tipo
de definição estipulativa necessária à pesquisa científica.

Outro aspecto contencioso da definição acima abrangeu a cláusula de que o objetivo de uma gangue
geralmente inclui atividade ilegal. Essa característica é uma qualidade negativa, dando uma conotação pejorativa
definida à palavra "gangue", sugerindo que gangues são grupos maus. Outros pesquisadores foram ainda mais longe,
enfatizando que "o elemento-chave, que distingue as gangues de outras organizações de jovens, é a delinquência;
seus membros regularmente participam em atividades que violam a lei".56 Mas esse tipo de definição é contencioso,
porque constrói uma avaliação negativa sobre a real definição do termo "gangue", e é questionável se tal escala de
valor [value-laddeness] é apropriada em pesquisa científica. Mas pode ser questionado se definições que incluam
atividade ilegal como uma propriedade intrínsecamente definidora do termo "gangue" possam incluir, por definição,
a mesma delinquência que os pesquisadores e teóricos tentam explicar. O resultado de uma tal definição pode ser
inflar estatísticas sobre violência "relacionada a gangues".

Se a única propriedade saliente de um "membro de gangue", por exemplo, for sua liderança em uma gangue, uma
consequência seria a de que qualquer atividade ilegal que envolva uma tal pessoa seja definida como "associada a
gangues". É esse o caso em Los Angeles, onde a definição produz o dobro de violência "relacionada a gangues" do que
seria produzida pela definição de Chicago, que reconhece que membros de gangues possam ter motivos não
relacionados com a sua filiação [membership] a alguma gangue (Richard A. Ball and G. David Curry, “The Logic of
Definition in Criminology”, Criminology 33 (1995): 225-245, citado da pág. 33).

O problema em definir o termo "gangue" aqui pode ser apresentado como um dilema. Se você fizer justiça às
conotações negativas do termo "gangue", ao definir uma gangue como um grupo que possui algum objetivo imoral
ou ilegal, você desenvolveu, por definição, um juízo de valor que torna difícil explicar delinquência de gangue de
uma maneira no circular. Mas se você tentar definir o termo "gangue" em termos neutros, sem ensejar nenhuma
implicação negativa, você pode não estar fazendo justiça à maneira que o termo está sendo realmente usado.

Esse mesmo tipo de problema é ainda mais evidente em raciocínio ético sobre palavras como "coragem"
ou "justiça", que possuem conotações positivas, e palavras como "racismo" e "intolerância" [bigotry], que possuem
conotações negativas. Em casos como esse, é melhor reconhecer que o termo em questão possui um significado
laudatório ou depreciativo, no seu uso lexical convencional, e tentar manter a implicação que a palavra já tem – em
uma direção ou outra – ao desenvolver um componente valorativo dentro da definição. Por exemplo, em vez de
tentar definir "coragem" de um modo neutro – como ausência de medo ou como certo estado cognitivo de
motivação – seria mais útil, para fins de uma discussão ética, reconhecer que a palavra "coragem" é usada de uma
maneira positiva para elogiar a conduta boa ou digna. Dessa forma, assim, uma definição expressamente valorativa
de "coragem" é "busca [pursuit] de um objetivo bom ou digno apesar do perigo, medo e/ou dificuldades severas de
natureza dolorosa". Essa definição é francamente positiva, trazendo à tona as conotações laudatórias da palavra
"coragem" na própria definição. Mas isso significa que, como definição persuasiva, ela deveria ser valorada como
imprópria, enganosa, carregada, ou agressivamente unilateral [one-sided], de uma maneira que deveria indicar sua
rejeição? Não, não deveria, porque "coragem" é, para começar, um termo emotivamente carregado, no seu uso
lexical. Então, para manter suas conotações positivas, contanto que isso deja feito de uma maneira evidente [overt]
e claramente expressada, não é enganosa e não deveria ser um obstáculo para se ter uma discussão ética produtiva,
sobre a natureza da coragem ou sobre algum assunto no qual "coragem" seja um termo-chave.

Se um dado termo que possui um uso convencional já tiver uma forte conotação positiva ou negativa, então
a definição daquele termo deveria ter a mesma inclinação positiva ou negativa claramente expressa como parte da
definição. Considerando que uma definição persuasiva é parcialmente estipulativa, contudo, ela pode se afastar do
uso convencional e ir na outra direção. Por exemplo, um termo que possui conotações positivas, no uso normal,
poderia ser definido de uma forma negativa. Mas, quando um tal afastamento ocorre, a definição deveria estar
aberta a questionamento crítico e deveria ser desafiada em razão de um tão marcado afastamento do uso. Por
exemplo, alguém poderia definir "coragem" como uma força de vontade poderosa usada para superar obstáculos
ao se tomar ações fortes para se atingir um objetivo. Porém, por conta do termo "coragem" normalmente ter
conotações positivas, seria apropriado notar que, de acordo com essa definição, alguém que se utilize de uma
poderosa força de vontade para roubar um banco, tomando ações fortes, estaria agindo corajosamente. Sendo que
a nova definição de coragem desvia das conotações positivas do termo na fala normal, ela pode ser criticada por sua
falha, de certa forma inesperada e potencialmente confusa, em manter a direção dessa inclinação. Alguém
apresentado a essa nova definição em um diálogo de persuasão poderia defendê-lo com mais argumentos, mas

56 Sandra Gardner, Street Gangs (Nova York: Franklin Watts, 1993), p. 5.


176

haveria um fardo ou obrigação sobre ela, para defendê-la como uma definição persuasiva que é estipulativa nesse
importante aspecto.

A mesma lição se aplica ao termo "gangue". Suponha que alguém defina uma gangue como uma associação
auto formada de pares, e assim por diante, exceto que não há cláusula que expresse as conotações negativas dessa
palavra. Essa seria uma definição legítima ou aceitável de "gangue"? Poderia ser, se a definição foi feita para ser
estipulativa, mas se a definição também está sendo usada para representar a ideia convencional de gangue, ela é
aberta à objeção. Alguém poderia perguntar: e quanto a uma "gangue" que é uma associação auto formada de
pares, e assim por diante, que age em conjunto para atingir o objetivo de ajudar pacientes com câncer?
Considerando que a meta desse grupo é boa, é estranho e potencialmente errôneo chamá-lo de "gangue" (em
qualquer sentido literal). Geralmente, então, uma definição deveria manter a inclinação positiva ou negativa de um
termo, ou deveria haver uma expectativa legítima de que o apresentador da definição possa explicar o porquê de
não ter sido dessa forma.

EXERCÍCIO 6.6

1. Identifique os elementos de definição persuasiva nas definições de essência a seguir, e discuta criticamente
cada definição de essência.
a. Poder político, propriamente dito, é meramente o poder organizado de uma classe para oprimir
outra (Karl Marx e Friedrich Engels, O Manifesto Comunista).
b. Arte é uma atividade humana que tem por objetivo a transmissão, a outros, dos melhores e mais
elevados sentimentos aos quais os homens ascenderam (Conde Leo Tolstoi, O que é Arte?)
c. Pornografia é a subordinação "gráfica", ou sexualmente explícita, de mulheres, especialmente a
retratação das mulheres como objetos sexuais e a representação de violência contra mulheres.

2. Avalie as seguintes definições, com relação a como elas lidam com as conotações positivas ou negativas do
termo sendo definido.
a. Um culto é um grupo religioso minoritário reunidos ao redor de um líder carismático, abençoado
com uma visão espiritual profunda.
b. Um barulho é um som que é indesejável ou desagradável.
c. De acordo com a definição de "saúde" da Organização Mundial da Saúde, "Saúde é um estado de
bem-estar físico, mental e social completo, e não meramente a ausência de doença ou
enfermidade [infirmity]".
d. Pornografia é a retratação artística do corpo humano natural em poses emotivamente
provocativas.
e. Deus é o ser mais perfeito que você possa imaginar.
f. Uma mentirosa é alguém que te engana intencionalmente, ao te dizer que algo é verdadeiro (ou
falso) quando ela sabe que não é.
g. Suborno é dar dinheiro a alguém, para dar a ele ou ela um incentivo para te ajudar a realizar
algum objetivo que é importante para você, mas que requer ajuda para ser atingido.
h. Religião é um método de extorquir [extort] dinheiro de pessoas crédulas [gullible] que estão
sofrendo de profunda culpa psiquiátrica, ou que têm pavor da morte.

SETE Vieses Normais e Problemáticos

O compromisso de um debatedor com uma posição identificável pode, às vezes, ser um indicador importante de
viés. Mas é importante não saltar muito rapidamente para a conclusão de que o compromisso com alguma
proposição particular está inalteradamente fixo. Em argumentos de compromisso, como vimos no capítulo 3, o
argumentador pode identificar algumas proposições que a outra parte já se comprometeu, e assim usar essas
mesmas proposições como premissas para persuadir a outra parte. Em um exemplo do capítulo 3, Bob perguntou
se Ed era comunista. Ed respondeu: “Claro, você sabe disso”. Nesse caso, Ed se comprometeu com uma posição
177

política notória chamada de “comunismo”. Dado o comprometimento de Ed com esse ponto de vista. Bob pode
fazer pressuposições (sujeitas à refutação) que Ed vai levar para um “lado” em oposição a outro, em relação a
diversas questões relacionados à política, à economia e problemas sociais. Nesse caso, já que Ed se assumiu um
comunista, é uma forte evidência de que ele se compromete com diversas posições comunistas.

Suponha que Ed p6articipasse do diálogo sobre gorjetas e que ele apresentasse o seguinte argumento.

Ed: Minha opinião sobre dar gorjetas é a de que tal prática é a exploração e opressão de
trabalhadores que deveriam receber salários regulares e benefícios justos por seu trabalho.
Eles deveriam ser tratados com dignidade como iguais.

Nesse caso, o argumento de Ed mostra uma inclinação/viés claro para um lado do problema sobre das gorjetas. Dada
a declaração prévia de Ed ser um comunista, é uma inclinação fácil de reconhecer e identificar. Novamente, o fato
que essa inclinação tenha sido identificada não significa que o argumento de Ed é errado ou insignificante. Significa
somente que Ed tomou uma posição que é facilmente reconhecível e que embasa, de uma maneira que deveria ter
sido prevista, um lado específico do problema.

Em muitos casos, um viés, ou uma inclinação para um lado do argumento, é perfeitamente normal e
esperado. Em um diálogo de persuasão, por exemplo, os argumentos deveriam sustentar a tese de alguém de uma
maneira partidária, e não há nada de errado com isso. É apenas no caso em que se espera um argumento balanceado
que abranja os dois lados da moeda que encontrar um viés na argumentação possui conotação negativa no sentido
que justifica a redução da plausibilidade dada ao argumento. Mas até em um diálogo como no capítulo 1, onde a
argumentação toma normalmente um partido e é direcionada para embasar uma tese e a fazer a outra parte aceitá-
la, o viés pode se tornar um problema que interfere com a construção do progresso do diálogo. É particularmente
este viés contra produtivo ou negativo que é importante de ser identificado, no ponto de vista do pensamento lógico.

Em alguns casos, no entanto, na medida em que o diálogo prossegue, pode-se ter uma boa ideia de qual
tipo de posição o argumentador está se comprometendo. Nós temos nomes para certos tipos conhecidos de posição
de uma espécie típica e familiar que são encontradas em diversos argumentos sobre problemáticas do dia a dia. Por
exemplo, se alguém é católico, feminista, comunista, republicano ou democrata, e a evidência em um diálogo mostra
que a pessoa aceita essa posição de uma forma geral ou de uma maneira ou forma mais específica, então quem tem
direito a replica em um diálogo com esta pessoa irá ter uma boa ideia geral de como essa pessoa provavelmente
responderá a argumentos sobre alguns assuntos.

Lois e James estão tendo uma discussão crítica sobre a questão da aborto. James, que é contra o aborto,
se identifica no diálogo como católico. Lois está prestes a argumentar que o feto deveria não ser
considerada uma pessoa, no sentido de que o feto não teria qualquer tipo de direito, quando ela lembra
que o ponto de vista católico faz uma distinção entre pessoas potenciais e reais e agrega grande valor
ético ao potencial para a vida humana. Ela não tem certeza se James concorda com todas essas visões,
mas já que ele se diz católico, ela acha que é um bom palpite que ele não aceitará a proposição de que o
feto não é uma pessoa, se a proposição for colocada a ele categoricamente dessa forma.

Este caso mostra que julgar o viés dos comprometimentos de um argumentador é mais sutil do que pode parecer
inicialmente. Existem vários tipos de posições católicas que podem ser tomadas, algumas bastante rígidas e
tradicionais, mas outras que são consideradas radicais pela hierarquia da igreja e que foram altamente controversas.
Portanto, seria sábio não pré-julgar a posição de James como se esta fosse definido de forma fixa pelo restrito dogma
católico. E sempre se pode fazer uma pergunta a James para ver como ele reage. Mas ainda, dado que ele adotou o
que chama de posição católica sobre a questão do aborto, este comprometimento indica um viés, de tal forma que
se pode afirmar que um católico médio seria contra ou a favor aquela ou esta visão a respeito do problema do aborto
em algum momento da discussão. Como os católicos geralmente são contra o aborto, e como James é católico,
podemos tirar uma conclusão presuntiva de que James é contra o aborto.

O que é chamado de estereotipar, ou formar de generalizações refutáveis, com base em padrões que
podem ser regularmente (mas não absolutamente, ou mesmo provavelmente) esperados, não é necessariamente
errado ou falacioso, pois às vezes é sustentado. Abstrair inferências com base em tais estereótipos às vezes é
necessário ao usar o raciocínio prático com algum sucesso em áreas como política, medicina, engenharia e negócios,
ao fazer deliberações inteligentes sobre como proceder em uma situação variável, e em assuntos práticos da vida
178

cotidiana em geral. O problema é que o uso inteligente desse tipo de raciocínio contestável requer a percepção de
que regras contestáveis estão abertas a exceções e, portanto, devem ser tratadas com flexibilidade na sua aplicação
a casos particulares.

Embora James, como católico praticante, seja contra o aborto, no que diz respeito à sua própria consciência
e comprometimento pessoal, ele pode reconhecer casos, como no caso de estupro, defeitos congênitos ou doenças,
onde o aborto seria uma política aceitável para ele concordar. Ou ele pode estar preparado para argumentar que
pode pertencer ao Partido Democrata, embora tenha uma posição política positiva sobre a legalização do aborto.
Assim, rótulos como “católico” ou “comunista” podem indicar uma viés que não seria sábio ignorar. Mas esses
rótulos indicam um viés apenas no sentido de que são sinais de um certo comprometimento que pode ser
especificado ou retraído no diálogo subsequente.

Qualquer alegação da existência de um viés com base no comprometimento de um argumentador deve


estar sujeita a hesitação na medida em que a discussão da questão se torna mais específica ou quando o
argumentador pode ter indicado seus próprios pontos de vista individuais que divergem do paradigma central da
posição típica identificada por termo. Por exemplo, alguém pode dizer que é comunista, mas, à medida que a
discussão avança, pode apontar que ele ou ela é um tipo de comunista trotskista diferente que discorda de muitas
das visões marxistas mais comuns tão frequentemente identificadas com o comunismo. Então seria impróprio
continuar insistindo que essa pessoa deveria se comprometer às visões marxistas típicas sobre uma questão e nunca
poderia se afastar dessa posição de qualquer maneira.

Outros indícios de comprometimento com uma posição sobre um assunto são o uso de termos carregados
e/ou definições persuasivas. Nenhuma dessas técnicas de argumento é inerentemente errada. Ambos podem ser
usados de forma legítima, e constituem uma parte perfeitamente normal e aceitável da argumentação no diálogo.
Mas cada um deles, quando usado na argumentação, revela uma certa inclinação ou 'ângulo' em um argumento,
mostrando que o argumento está sendo usado para promover um lado de um problema. O indicador chave desse
tipo de viés é a linguagem usada em um argumento. O viés é parcialmente ocultado por ser embutido na linguagem
usada, de tal forma que em vez de ver o argumento em um formato explícito do tipo usual, onde as premissas são
postas em suporte de uma conclusão, tudo o que se vê é uma única afirmação expressa em linguagem que tem
conotações positivas ou negativas. Se o aborto for descrito como “assassinato”, por exemplo, tudo o que se vê é o
que parece ser um enunciado descritivo sobre o aborto. Mas por causa das conotações fortemente negativas da
palavra 'assassinato', o que está sendo implícito secretamente é que o aborto é, de certa forma, ruim ou
profundamente errado.

O comprometimento com uma posição é perfeitamente normal em discussões cotidianas e não deve ser
visto como inerentemente ruim, apenas porque representa um parcialidade ou inclinação em um argumento. No
entanto, num diálogo como os do capítulo 1, um certo equilíbrio, ou meio-termo, é apropriado para manter um
comprometimento. Se os argumentador renúncia aos comprometimentos com muita facilidade, ele será visto como
inconsistente, demais de indeciso ou carente de princípios. Se o diálogo estiver prestes a alcançar seu objetivo, um
argumentador deve manter seus compromissos quando os fatos apontam que ele tem razão. Mas, por outro lado,
se um se compromete de maneira teimosa aos seus compromissos, ela será vista como muito mente-fechada para
ter fundamentos. Então o necessário é atingir o equilíbrio. Se você muda de ideia muito facilmente, você pode entrar
na posição de manter compromissos inconsistentes. Mas se você se apegar muito rigidamente a sua posição, como
se você estivesse defendendo um forte contra todos os atacantes, você deixa de estar aberto a questionamentos
críticos e contra-argumentos.

Ambos os lados têm que ter a mente aberta, até o ponto de concederem a derrota quando confrontado
com um argumento que refuta a sua tese, para que haja o refinamento da argumentação em um diálogo. Um
argumentador que mostra que ela está participando na evolução do diálogo, na verdade, admitindo a uma boa
refutação ou contra-argumento, ganhará um certo grau de credibilidade, que, em troca, concederá maior
plausibilidade a seu argumento. Tal argumentador é confiável, o que significa que ele tem uma espécie de
reconhecimento positivo como uma pessoa que pode ser confiada a considerar o mérito de um argumento e estar
aberta a admitir a derrota quando confrontada por um bom argumento contrário ao seu ponto de vista. Quando um
argumentador é confiável, então a outra parte que ouve um argumento defendido por essa pessoa o dará um grau
adicional de plausibilidade, apenas porque foi defendido por esse argumentador. Por outro lado, se o respondente
observa que um argumentador apenas prossegue unilateralmente em um diálogo, por nunca admitir qualquer crítica
dos argumentos contrários e dando relevância apenas para os seus argumentos, o respondente vai (com razão) ver
179

seus argumentos como tendenciosos. Sua avaliação será que argumentos são voltados para um lado e não são
flexíveis o suficiente ou dar peso suficiente para os argumentos do outro lado, quando tal concessão é necessária.

Um bom teste para identificar um viés é ver como um argumentador responde a argumentos que são
opostos ao seu ponto de vista, e, particularmente, àqueles que desafiam comprometimentos que estão intimamente
relacionados com sua tese no diálogo. É evidência de um viés se o argumentador repele tais contra-argumentos sem
realmente fazer-lhes justiça ou fazer qualquer esforço real para levá-los em conta. O problema com essa atitude é
que ela é imune a novas evidências, expressas na rejeição de qualquer argumentação opositora em um diálogo. A
rejeição à argumentação oposta é indicado pelo uso de dispositivos e expressões para evitar todos os desacordos
com antecedência, como 'é óbvio', 'todo mundo sabe', 'claramente', 'claro', 'como qualquer um pode ver '. Prevenir
o desacordo varia de expressões suaves, como “declaro que todos nós acreditamos', para expressões mais agressivas
usadas para intimidar a oposição, como “só um louco teria essa opinião”. O uso dessas expressões em um diálogo
para evitar desacordos pode ser considerado um caso especial de uso de termos carregados. Quando tais
dispositivos para prevenir desacordos são usados, este é um tipo especial de evidência de um viés em um
argumento. Esse viés pode ser problemático se representar um fechamento para argumentos opostos.

Outro tipo de evidência de fechamento à argumentação oposta é o tipo de resposta, particularmente em


relação a refutação de uma visão profundamente sustentada ou considerada emocionalmente, onde o
argumentador reage de uma forma fortemente emocional que é não é apropriada, ou mesmo com violência ou
ameaças, como ‘é melhor você calar a boca, se você sabe o que é bom para você’. Esta resposta indica que o
argumentador está tentando desconsiderar todas as considerações opostas. Outro tipo de evidência de um viés é o
estilo de discurso evangélico, caracterizado pelo uso de slogans ou de propaganda para estimular o entusiasmo por
uma “causa”. O tema aqui é tipicamente um que representa lealdade ao grupo. Em vez de responder criticamente
a um argumento oposto ou questionar sua base de suporte, o argumento pode ser colocado como expressão de
hostilidade dos típicos oponentes que são contra os valores e lealdades do grupo. Uma resposta desse tipo para um
argumento anterior seria: “Oh, nós ouvimos esse tipo de ataque contra a nossa união tantas vezes antes que não
prestamos atenção a isso!”. O argumentador tendencioso tem a característica de ver uma questão de forma
simplista, em termos em preto e branco, de modo que pouco ou nenhum espaço é deixado para levar em conta as
exceções a uma regra ou a um estereótipo. O fanático vê tudo em absolutos, mas, como vimos no capítulo 1, muitas
das generalizações sobre as quais argumentos são baseados no raciocínio cotidiano são derrotáveis. Eles valem
normalmente, sujeitos a qualificações, e estão abertos a exceções de um tipo que nem sempre pode ser listado
previamente com precisão. No que diz respeito a como lidar com argumentos baseados em tais generalizações em
um diálogo, é necessário um grau de flexibilidade. Como mostrado no capítulo 1, generalizações revogáveis são
diferente das generalizações absolutas, marcadas pelo quantificador universal ‘todos’, que suportam inferências
dedutivamente válidas. Tratar uma generalização derrotável como se fosse uma generalização absoluta, do tipo que
não admite exceções, equivale a cometer o que foi chamado em capítulo 1 a falácia da generalização precoce. O
seguinte exemplo de a falácia da generalização precoce mostra o aspecto absoluto deste tipo de pensamento.

Me dei mal com meu ex-marido. A partir dessa experiência eu aprendi que todos os homens não prestam.

Um argumento que conclui muito rapidamente para uma generalização universal é associado à atitude de
fechamento a pontos de vista opostos. Fanatismo é a extensão desta atitude para uma posição mais rígida.

É claro que, conforme enfatizado neste capítulo, o viés para um lado de um argumento é perfeitamente
normal e esperado em muitos casos. Nos diálogos do capítulo 1, por exemplo, os argumentos deveriam apoiar a
defesa da tese por um lado específico, e não há nada de errado nisso, desde que o argumentador esteja aberto aos
argumentos da outra parte. A resistência/fechamento para o questionamento crítico é um problema do ponto de
vista da argumentação crítica, porque o fanático não responderá adequadamente a um argumento forte e
argumento desafiador que exige algum tipo de concessão ou mudança de posição da pessoa. Assim, você nunca
pode realmente argumentar com sucesso ou de forma produtiva com tal participante em um diálogo. O fanatismo
dos terroristas lutando pela causa da “libertação política” ou pelo “comprometimento excessivo” com posições
como o materialismo dialético marxista ou alguma ideologia racista combinam o fervor revolucionário com a
perseguição de membros de grupos-alvo. O fanatismo, então, é uma forma extrema de fechamento em relação a
argumentação oposta que muitas vezes é reconhecível pela polarização dramática de uma questão e uso de artifícios
para evitar o desacordo na forma de possíveis contra-argumentos.
180

EXERCÍCIO 6.7

1. Avalie o diálogo com relação à maneira como a pessoa lida com o compromisso nos seguintes casos:
a. Helen se identifica como feminista no diálogo sobre gorjetas. Bob está prestes a argumentar que
a gorjeta apoia os direitos humanos, permitindo liberdade de escolha no mercado. Mas ele se
lembra que Helen argumentou que a maioria dos trabalhadores no setor de serviços são
mulheres e que a gorjeta é desfavorável às mulheres, mantendo-as em empregos mal
remunerados e dependentes de gorjetas. Bob não tem certeza se ele deveria apresentar seu
argumento ou não, já que é um palpite muito bom que Helen não acha que dar gorjeta apoia os
direitos das mulheres ou permite mais liberdade de escolha para as mulheres no mercado.
b. Helen se identifica como feminista, no diálogo sobre a gorjeta. Bob argumenta com Helen: “Você
nunca poderia apoiar a liberdade de escolha em no mercado porque, como feminista, você acha
que deveriam existir cotas governamentais que exijam dar empregos às mulheres, seja eles são
os melhores candidatos ou não. Como feminista, você apoia apenas políticas que dão mais
liberdade de escolha às mulheres, políticas governamentais que limitam a liberdade de escolha
dos homens”.

2. Encontre indicações de viés nos seguintes casos:


a. No diálogo sobre a gorjeta, Bob argumenta com Helen: “Todo americano decente é a favor da
livre iniciativa, e a gorjeta é a livre iniciativa.”
b. Durante o debate sobre a questão da chuva ácida, Wilma argumenta com Bruce:
“O público inteligente e bem-informado aqui presente sabe que a mídia tem divulgado a questão
da chuva ácida desproporcionalmente em relação à extensão real do problema”.
c. O último mecânico que fui me cobrou por uma peça que não foi substituída por uma nova. A
partir dessa experiência, cheguei à conclusão de que todos os mecânicos são desonestos.
d. A citação a seguir é um trecho do discurso de Benito Mussolini “Nós ou Eles” de 1930:
Quanto mais o nosso regime durar, mais a coalizão antifascista vai recorrer a expedientes ditados pelo
desespero. A luta entre os dois mundos não pode permitir concessões. O novo ciclo que se inicia com o
nono ano do regime fascista coloca a alternativa em alívio ainda maior – ou nós ou eles, ou suas ideias ou as
nossas, ou nosso Estado ou o deles! O novo ciclo deve ser de maior rigidez, não de maior indulgência. Quem
a interpretou de maneira diferente caiu em grave erro de interpretação. Isso explica por que a luta agora se
tornou mundial e por que o fascismo se tornou objeto de debate em todos os países, aqui temidos, ali
odiados, em outros lugares ardentemente desejados (Gorham Munson, Twelve Decisive Battles of the Mind
(Nova York: Greystone, 1942)).

OITO Resumo

O tipo de viés estudado neste capítulo é dialético, no sentido de que é uma propriedade de como um argumento é
usado em um contexto de diálogo — um tipo convencional de conversa na qual duas partes devem tomar parte. Um
argumentador ter um viés a favor de seu próprio ponto de vista em um diálogo é normal. Não há nada errado com
isso. Mas problemas podem surgir para a argumentação crítica se esse viés está escondido na linguagem emotiva
usada por um argumentador ou em uma sugestão. Por conta da possibilidade de viés escondido [concealed] existe
o perigo de que uma das partes em um diálogo ou ambas falhem em perceber que um argumento foi apresentado
e que, consequentemente, o seu proponente incorreu em um fardo de prova. Dois tipos de perigos são possíveis em
tal caso. Um é que o respondente pode não perceber que o argumento deveria ser criticamente questionado e que
razões para apoiá-lo deveriam ser cobradas [asked for]. A outra é que o proponente pode não apenas falhar em
oferecer qualquer suporte para a alegação feita mas talvez até tente evitar o fardo de prova. Um argumentador
como esse talvez até tente selar a possibilidade de criticismo, ou de confrontar argumentos opostos, alegando que
não há necessidade de provar sua alegação. Tais movimentos representam um tipo perigoso de viés.

Um argumentador que colaborativamente toma parte em um diálogo precisa considerar um argumento


oposto em seu mérito e mesmo admitir derrota se confrontado com evidências que mostrem que sua própria tese
é falsa. Viés pode se tornar um problema quando leva a esse fecho [closure] patológico para toda argumentação
181

oposta. Entretanto, mesmo quando viés é normal, pode ser valioso para um crítico identificá-lo. Mas os casos
realmente sérios e preocupantes são aqueles em que um argumento aparenta ser objetivo e aberto à críticas, mas
na qual esta pretensão é errônea [misleading]. Outro problema é que o viés costuma estar escondido dentro da
linguagem usada em um argumento. Um crítico talvez nem mesmo perceba que o uso emotivo da linguagem é uma
forma de argumentação que precisa ser defendida e que deveria ser questionada. A preocupação em desafiar vieses
escondidos no capítulo 5 nos levou à área da linguagem e do significado. A única maneira de desafiar terminologias
que contenham vieses é pedir uma definição da palavra ou frase em questão. Este movimento muitas vezes leva a
disputas verbais.

É típico de argumentações prolongadas em assuntos controversos que elas podem mudar de uma disputa
sobre um assunto particular para uma disputa verbal sobre as palavras usadas na argumentação sobre o assunto.
Um tal desvio não é necessariamente ruim. Ela pode ser construtiva em clarificar o assunto em alguns casos. Porém,
em outros casos o desvio para uma disputa verbal pode bloquear a argumentação de continuar em uma maneira
construtiva em direção a se atingir o objetivo do diálogo. Duas espécies de problema neste tipo de caso podem ser
agudos. Uma é o tipo de caso, como no caso do esquilo em torno da árvore, em que os, participantes não percebem
que estão atolados [bogged down] em uma disputa verbal não resolvida. O outro é o tipo de caso no qual termos
carregados foram usados por um ou ambos os lados, e o uso de um destes termos não é aceitável para um lado.
Antes que o diálogo possa proceder, algum acordo sobre como definir um termo carregado pode ser necessário,
uma vez que o significado do termo foi colocado em questão.

Os diferentes tipos de definições citadas foram definições lexicais, definições estipulativas, definições
precisas [precising], e definições persuasivas. Definições persuasivas, especificamente, requerem identificação da
questão crítica em uma disputa, porque se ambos os lados as usam, isso pode levar a um impasse [deadlock] em
uma disputa verbal no qual não é possível obter mais progresso. Uma decisão precisa ser feita sobre se o termo em
questão deveria ser definido de uma maneira neutra que ambos os lados possam concordar ou se o termo possui
conotações positivas ou negativas embutidas [built-in] que deveriam ser retidas na definição. Um tipo especial de
definição persuasiva é a assim chamada definição de essência, que significa [purports] ir por trás de significados
convencionais e opiniões popularmente aceitas para revelar a "essência", ou a mais importante característica de
alguma coisa. Definições de essência são tipicamente apresentadas em discussões intelectuais e filosóficas que
pretendem revelar um significado mais profundo que faz os participantes na discussão pensarem duas vezes sobre
algo no qual eles não haviam refletido profundamente antes mas eram familiares com isso apenas em uma maneira
mais superficial.
SETE Relevância

No capítulo 5, foi mostrado como réplicas à perguntas podem ser irrelevantes, mas há um problema ainda mais geral
sobre relevância com respeito à argumentação. Como podem argumentos, ou quaisquer movimentos em um
diálogo, nesse sentido, ser julgados relevantes ou irrelevantes? Esse problema é central na argumentação crítica,
pois muitos dos apelos emocionais comumente usados em argumentação, como o apelo à dó ou ao medo, ou
argumentos ad hominem, são falaciosos porque são argumentos irrelevantes. Eles são práticas poderosas de
distração que servem para desestabilizar um debatedor, ao criar distrações e confusão por meio do despertar de
emoções poderosas. Entretanto, apelos à emoção não são sempre falaciosos. De vez em quando eles são relevantes.
Então há um problema de julgar, em um determinado caso, quando um tal apelo deveria ser considerado relevante
ou não. Mesmo que esquemas argumentativos sejam úteis para esse propósito, o julgamento de irrelevância
frequentemente significa que também se deve examinar uma cadeia argumentativa mais extensa em um diálogo.
Como indicado no capítulo 1, uma sequência de argumentação em um diálogo deveria sempre ter uma proposição
específica como destino final, para prová-la como sendo sua meta. Seu objetivo é o assunto que o diálogo deveria
resolver. Em uma discussão crítica, a cadeia de argumentação se destina a provar ou lançar dúvidas sobre alguma
proposição específica que esteja em pauta em um diálogo. Por exemplo, para ser relevante no diálogo sobre
gorjetas, um argumento precisa ser direcionado para apoiar, refutar, ou questionar criticamente a tese de que dar
gorjetas é uma boa prática que deveria ser continuada.

O problema com argumentos irrelevantes é que eles não apenas falham em provar ou lançar dúvidas sobre
essa proposição final específica, elas também se inserem em uma cadeia argumentativa que se afasta da proposição
a ser provada. A falha não está no raciocínio e em suas ligações [links] individuais. Um argumento irrelevante pode
ser bem válido como raciocínio. O problema com argumentos irrelevantes é que eles são inúteis em determinado
momento no contexto de um argumento. Eles podem ser altamente distrativos, e impedir um diálogo de progredir
em direção à resolução de um conflito. O problema reside em como o argumento é usado para alguns propósitos
nos quais algumas partes participam em um argumento uma com a outra. Assim, você não pode provar uma
irrelevância apenas olhando para um único argumento e o avaliando com relação a um esquema argumentativo, por
mais que isso seja parte do que está sendo envolvido. Você tem que julgar para onde toda uma sequência
argumentativa está indo, em relação a onde ela deveria estar indo. Para julgar esse quesito, você tem que olhar para
o contexto dialético de um caso como um todo. Você tem que primeiro determinar aonde o argumento deveria ir.
Por exemplo, no caso de uma discussão crítica, você tem que determinar a tese que supostamente deveria ser
provada ou duvidada. Aí você tem que determinar se o argumento, no caso dado, pode ser encadeado para a frente
para alcançar aquela tese, ou se ele está seguindo uma direção diversa para longe daquela tese.

UM Relevância Probatória

Cada tipo de diálogo que é contexto para algum argumento começa com uma questão pendente [unsettled], e o
propósito do diálogo é resolver a questão. Um diálogo de persuasão possui como sua questão duas proposições
opostas. Por exemplo, no diálogo sobre gorjetas, a tese de Bob de que dar gorjetas é uma boa prática que deveria
ser continuada, e a tese de Helen é que dar gorjetas é uma má prática que deveria ser descontinuada. A questão
global é para onde todo o raciocínio usado no diálogo se direciona. Bob utiliza argumentos para provar sua tese (ou
refutar a de Helen), e Helen usa argumentos para provar sua tese (ou refutar a de Bob). Para um argumento ser
relevante no diálogo sobre gorjetas, então, ele deveria ser parte de uma cadeia argumentativa que possui uma ou
mais dessas teses como sua conclusão definitiva.

Em alguns casos, é extremamente duvidoso quando um argumento é de fato relevante, no sentido de ser
usado para provar a conclusão que o argumento supostamente visa atingir. Aqui está um típico caso problema:

Uma proposta de nova portaria [ordinance] sobre a espessura de fundações de concreto e construção
segura de escadarias [stairwells] está em análise na Prefeitura. Um vereador, que está atualmente
concorrendo em uma eleição, levanta-se para falar apaixonadamente a favor do projeto, argumentando
apenas que é desejável haver moradia decente para todas as pessoas, sem mencionar nada sobre
183

fundações de concreto ou construção segura de escadarias.

A falha de relevância neste caso pode ser categorizada como uma ocorrência da falácia de ignoratio elenchi
(literalmente, ignorância de refutação), ou "conclusão irrelevante", cometida quando um argumento "que se presta
a estabelecer uma conclusão específica é desviado em direção a provar uma conclusão diferente". O tipo de tática
tão comumente usada por debatedores políticos, representado nesse exemplo, é bem familiar a nós. A julgar pelo
contexto do caso, conseguimos perceber a falha. O falante está vagando [wandering] para longe de discutir a
questão que ele supostamente deveria discutir, se o projeto de lei sobre as fundações e escadarias é bom ou não.
Em vez disso, ele tenta ganhar o apoio do público ao argumentar em favor de uma proposição que todos aceitem
entusiasticamente. Por que ele faria isso? Possivelmente para passar uma boa imagem para a mídia, para que ele
possa receber cobertura que o ajude na corrida eleitoral eminente [upcoming]. Dar um show desses pode parecer
inofensivo, mas precisamos reconhecer que está tomando tempo de discussão, na qual os argumentos a favor e
contra a proposta sobre fundações e escadarias deveriam ser considerados. Se esses argumentos relevantes não
forem considerados, ou mesmo articulados, o voto dado ao projeto de lei pode constituir uma má decisão.

O que, então, torna um argumento relevante em um determinado caso? A resposta é que o argumento
deve ser parte de uma cadeia argumentativa, que possui como proposição final a conclusão que deveria ser provada
pelo argumentador. O que essa proposição representa deve ser sabido, ou explicitado no caso, antes que um
argumento no caso possa ser julgado relevante ou não. No exemplo sobre moradias decentes acima, sabemos que
a proposição em discussão é a tese de que o projeto específico sobre moradia deveria ser votado a favor, ou não.
Cada argumento que é relevante no diálogo sobre gorjetas também deveria ter alguma influência sobre a questão
global, fixado no começo do diálogo pelas duas teses opostas de Helen e Bob. A argumentação que é relevante no
diálogo pode ser vista como uma extensa cadeia de raciocínio, que possui ou a tese de Bob ou a de Helen como seu
ponto de chegada final, ou como conclusão a ser provada. Um argumento, para que seja relevante, precisa ter um
lugar em alguma região nessa cadeia de raciocínio. Por exemplo, suponha que Bob, em algum ponto no diálogo,
apresente o seguinte argumento:

Se fregueses dão gorjetas sabiamente, então a gorjeta recompensa excelência de serviço.

Os fregueses dão gorjetas de forma sábia.

Portanto, gorjetas premiam excelência em serviço.

Julgamos que esse argumento é relevante no diálogo sobre gorjetas, pois não é tão difícil ver como ele se conecta,
por meio de uma cadeia de argumentação, ao assunto global do diálogo. Ele é conectado pela seguinte inferência:

Se gorjetas premiam excelência de serviço, então dar gorjetas é uma boa prática.

Gorjetas premiam excelência em serviço.

Logo, dar gorjetas é uma boa prática.

A conclusão da primeira inferência também serve como premissa da segunda inferência. As duas inferências podem
daí ser conectadas uma à outra em uma cadeia de raciocínio, na qual a conclusão final é a tese de Bob sobre a
questão a ser resolvida. Por isso que a primeira inferência é um argumento relevante, da maneira que foi usada por
Bob. Quando Bob apresenta a primeira inferência acima como um argumento, Helen poderia concordar ou discordar
com a premissa de que fregueses dão gorjetas de modo sábio. Se ela concordar com ambas as premissas, Bob
poderia então usar o argumento para provar a sua tese de que dar gorjetas é uma boa prática. Se ela discordar da
premissa, Bob poderia ainda tentar achar outros argumentos para apoiá-la e persuadir Helen a aceitá-la. Assim, não
é difícil descobrir como o argumento pode ser usado por Bob como parte de uma cadeia argumentativa que ele
poderia usar para provar sua tese. Por isso esse argumento é relevante no diálogo sobre gorjetas.

Ao fazer julgamentos sobre relevância, frequentemente estamos mais preocupados com a relevância de
um argumento com relação ao contexto maior do diálogo, mas, em alguns casos, também podemos nos preocupar
com a relevância de uma premissa em um argumento. Por exemplo, na inferência sobre gorjetas logo acima,
podemos ver que a segunda premissa, "Gorjetas premiam excelência em serviço", é relevante não apenas no
argumento como um todo, como também é relevante para a outra premissa, "Se gorjetas premiam excelência de
serviço, então dar gorjetas é uma boa prática". A razão é que as duas premissas funcionam juntas como parte de um
argumento vinculado, que sustenta a conclusão "Dar gorjetas é uma boa prática". Em um tal caso, podemos julgar
184

que a segunda premissa é relevante para a primeira premissa e que ambas as premissas são relevantes à conclusão.
Também podemos dizer que todo o argumento é relevante no diálogo sobre gorjetas.

Agora, contraste esse caso com o caso no qual Bob usou outro argumento no diálogo sobre gorjetas,
conforme abaixo.

O Matterhorn é maior do que a Montanha Whitney.

A Montanha Whitney é maior do que a Montanha Rainier.

Logo, o Matterhorn é mais alto do que a Montanha Rainier.

Por isso só, esse argumento é até bom. Ele é dedutivamente válido, e as premissas são verdadeiras. Assim, o
argumento provê uma boa razão para aceitar a conclusão. Mas o problema é que ele não é relevante dentro do
diálogo sobre gorjetas. A razão é que, aparentemente, não há nenhuma maneira para o colocar em uma cadeia
argumentativa, que iria em direção a sustentar a tese de Bob no diálogo, de que dar gorjetas é uma boa prática que
merece ser continuada. Obviamente, o argumento de Bob poderia ser relevante em um diálogo sobre a altura de
montanhas. Mas ele não é relevante no diálogo sobre gorjetas. Naquele diálogo, esse argumento não prova nada,
então nós poderíamos dizer que ele não é probatoriamente relevante, o que significa que ele não é de nenhum valor
para se provar algo (neste caso, a tese de Bob sobre gorjetas). Mas a relevância probatória precisa ser diferenciada
de outro tipo de relevância.

Duas proposições são probatoriamente relevantes se uma pode ser usada para provar a outra, ou levantar
dúvidas razoáveis sobre a outra. Duas proposições são topicamente relevantes se uma compartilha uma
sobreposição de assunto/questão com a outra. 57 Por exemplo, o par de proposições "Bananas são amarelas" e "Bob
comeu uma banana" são topicamente relevantes entre si, porque ambas possuem em comum o assunto (ou tópico)
'banana". Mas elas não são probatoriamente relevantes, pois você não poderia fazer uso de uma para provar a outra.
No entanto, elas poderiam ser probatoriamente relevantes no contexto adequado de diálogo. O motivo é que a
relevância probatória é determinada pelo modo como as proposições são utilizadas como premissas, ou conclusões,
em uma cadeia argumentativa. Por exemplo, a proposição "Bananas são amarelas" poderia ser probatoriamente
relevante com relação à proposição "Bob comeu uma banana" se a cadeia argumentativa fosse prolongada da
maneira certa. Considere a seguinte cadeia de argumentação:

Bananas são amarelas.

Ou Bob comeu uma banana ou alguma outra fruta.

Qualquer que seja a fruta que Bob comeu, ela tinha uma cor.

Logo, ou o que Bob comeu era amarelo ou era de alguma outra cor.

Apenas bananas, dentre tudo o que Bob comeu, são amarelas.

O que Bob comeu era amarelo.

Logo, Bob comeu uma banana.

Essa cadeia argumentativa começou com a declaração "Bananas são amarelas", é então avançou para provar a
conclusão de que Bob comeu uma banana. Com isso, da maneira como foi utilizada no argumento, a proposição
"Bananas são amarelas" de fato provou ser probatoriamente relevante para a proposição "Bob comeu uma banana".

Apesar desse exemplo, geralmente há uma distinção entre relevância probatória e tópica. É comum que
duas declarações sejam topicamente relevantes uma em relação à outra, mas que não sejam probatoriamente
relevantes entre si. Das duas noções, a relevância probatória é a mais importante na maioria dos casos, nos quais s
irrelevância é um problema na argumentação. No exemplo de legislação habitacional acima, o problema é que os

57
Richard L. Epstein, The Semantic Foundations of Logic, vol. 1 (Nova York: Oxford University Press, 1995), pp. 99-107,
desenvolveu uma lógica formal chamada lógica de relacionamento que pode ser usada para modelar
argumentação com base na relevância tópica. Essa lógica é baseada em atribuições de assuntos para declarações,
conforme indicado acima.
185

comentários [remarks] do orador sobre moradia decente para todas as pessoas não são probatoriamente relevantes,
em relação ao projeto de lei sendo discutido. Mesmo que seus comentários sejam topicamente relevantes, o
problema é que eles são inúteis nas deliberações sobre se esse projeto de lei específico é um bom projeto, que
deveria ser votado a favor pela legislatura.

A relevância de um argumento sempre precisa ser julgada com relação à etapa do diálogo na qual aquele
argumento específico foi usado. Uma discussão crítica, um subtipo especial do diálogo de persuasão, possui quatro
etapas características, e a relevância de um argumento é uma função da etapa da discussão na qual o argumento foi
usado. Frequentemente, na sequência inicial ou intermediária [middle] do raciocínio usado na etapa argumentativa,
pode não ser evidente ainda se ou não um argumento é ou será relevante, uma vez que avançamos além ao longo
da sequência no diálogo. Por exemplo, no tribunal, se uma juíza contestar [objects] que ela não vê a relevância de
um argumento de um advogado, ele poderia responder: "Se Vossa Excelência me der um pouco de espaço, eu
poderei mostrar porque é relevante". Assim, a relevância tipicamente precisa ser julgada à luz da etapa do diálogo
na qual um argumento está sendo usado, e do quão longe na sequência de raciocínio ele progrediu até aquele ponto.
Em muitos casos do tipo que com frequência consideramos em argumentação crítica, contudo, o argumento em
questão é parte da etapa argumentativa de um diálogo.

EXERCÍCIO 7.1

A. Considere todos os possíveis pares de proposições no conjunto seguinte, e determine se cada par
(individualmente) exibe relevância tópica e/ou relevância probatória: (1) Bob comeu duas bananas; (2)
Bananas são amarelas; (3) Maçãs contêm vitamina C; (4) Miami fica ao sul de Detroit; (5) Detroit é maior
que Tampa; (6) Miami e Tampa ficam na Flórida; (7) Detroit fica a norte de Miami.

B. Preencha uma cadeia argumentativa que poderia plausivelmente ser utilizada para conectar o argumento
acima à questão global do diálogo, mostrando que os argumento é probatoriamente relevante. Suponha
que Helen, em algum ponto do diálogo sobre gorjetas, apresente o seguinte argumento:

Se fregueses não dão gorjetas de modo sábio, as pessoas que servem a fregueses ficam
ofendidas.

Fregueses realmente não dão gorjetas sabiamente.

Portanto, pessoas que servem fregueses ficam ofendidas.

C. Avalie se o seguinte argumento, se fosse usado por Helen no diálogo sobre gorjetas, é relevante ou não.

Manifestantes em uma manifestação em Boston no ano 2000 argumentaram que corporações


colocaram drogas perigosas, como talidomida, no mercado no passado. Você não pode confiar
nessas grandes corporações porque elas lucram em cima do comércio de drogas.

DOIS Relevância Dialética

No uso ordinário, o termo "relevante" é bem amplo, porém, pora fins de pensamento crítico, uma definição mais
estreita e explícita se faz necessária, do tipo de relevância que diz respeito ao uso de argumentos. Durante os anos
70, a era dos hippies e amores [love-ins], a frase "Seja relevante!" era frequentemente usada. Era difícil dizer o que
significava essa frase, talvez algo como "Expresse o que você sente ser profundamente importante para você!".
Relevância desse tipo é difícil de ser definida precisamente, pois é subjetiva. Geralmente, uma proposição será
relevante para uma pessoa se essa pessoa sentir que ela é profundamente importante para si mesma. Esse tipo de
relevância é a relevância emocional. Às vezes também é chamada de relevância psicológica. Ela pode ser contrastada
com a relevância dialética. A relevância dialética é uma parte especial de uma troca dialética ou conversacional, em
que argumentos estão sendo usados. Assim, a relevância dialética é normativa, o que significa que é definida pelo
que é apropriado em uma estrutura de diálogo. A relevância dialética desempenha uma função de "porteiro"
[gatekeeper] na lógica, ao excluir argumentos que, em um diálogo, são de nenhuma utilidade para resolver o
problema que deveria ser resolvido pelo diálogo. Argumentos irrelevantes não são sempre falaciosos, mas eles
podem retardar um argumento, ou distrair os participantes de sua tarefa, ao fazer levar a linha de raciocínio para
uma direção tangencial e improdutiva. A irrelevância é, às vezes, identificada com o uso de táticas de "arenque
186

vermelho" [red-herring] na caça: ao se arrastar um cheiro forte (como o de um arenque) ao longo da trilha, alguém
poderia fazer com que os cães partissem em uma perseguição de ganso selvagem (para misturar metáforas), para
longe da direção da raposa.

Uma lição do capítulo 5 foi que o contexto de diálogo é um fator importante ao se julgar a utilidade da
argumentação em determinado caso. A relevância de um argumento é determinada por fatores gerais que
abrangem o tipo de diálogo do qual o argumento supostamente deveria fazer parte. É preciso saber o objetivo para
o qual o argumento está supostamente sendo usado para se atingir, em um tipo específico de diálogo, e em que
etapa o diálogo supostamente está. Em uma discussão crítica, um determinado argumento deveria ter como sua
conclusão última a tese a ser provada pelo proponente. É esse requisito que essencialmente torna a relevância
necessária para todo raciocínio usado em qualquer argumento em um diálogo de persuasão. Como mostrado no
capítulo 5, uma das regras da discussão crítica é que os participantes devem apenas usar argumentos relevantes
durante a etapa de argumentação, para que possam resolver seu conflito de opiniões. Mas argumentos podem
ocorrer em outras etapas também. Um argumento ser ou não relevante em um determinado caso depende da etapa
que a discussão crítica atingiu naquele caso.

Uma discussão crítica, ou qualquer diálogo de persuasão, pode dar errado se começar a se tornar uma
briga, na qual ambos os lados usam argumentos ad hominem ou outros argumentos irrelevantes, como ameaças ou
apelos à dó. A briga não restringe muito a relevância, de forma alguma. De fato, é típico de uma briga que ela vá
para frente e para trás sobre todos os tipos de tópicos aparentemente nada a ver. Qualquer coisa é relevante se é
algo no qual um participante se sente profundamente sensível sobre, ou tem algum tipo de reclamação sobre, no
sentido de que [to the effect that] a outra parte foi insensível, por exemplo. Mas, em uma discussão crítica, a
relevância é uma propriedade muito importante de argumentos. Se a discussão crítica deveria ser sobre um assunto
específico, como gorjetas, então se um participante se lança em um longo argumento sobre o assunto do aborto,
essa distração poderia confundir a todos e impedir que o argumento tenha qualquer influência sobre o assunto das
gorjetas. No entanto, o assunto do aborto poderia ser relevante em alguns casos. Suponha que Helen, no diálogo
sobre gorjetas, trace uma comparação entre os assuntos de gorjetas e aborto, argumentando que, em ambos os
casos, os direitos das mulheres estão envolvidos. No contexto de um argumento de analogia entre os dois casos, o
argumento de Helen que introduz aborto como um tópico poderia ser relevante.

Outro tipo de irrelevância ocorre quando um lado tenta forçar o outro a parar de tomar parte na discussão
como um todo, ao usar ameaças ou mudar a discussão para um assunto diferente usando apelos à dó. Um requisito
importante para uma discussão crítica de sucesso é que ambas as partes atenham-se [stick to] em usar argumentos
relevantes que genuinamente genuinamente abordem o assunto, e evitem usar argumentos que sejam
emocionalmente excitantes mas não façam nada para provar o que supostamente deveria ser provado. Os outros
tipos de diálogo, exceto a briga, também têm relevância como requisitos essenciais para um argumento ser útil em
contribuir com o objetivo do diálogo. Assim como a discussão crítica, os outros tipos de diálogo têm as mesmas
quatro etapas características. Assim, no geral, para se determinar a relevância ou irrelevância de um argumento em
um determinado caso, você deve analisar para onde a cadeia argumentativa está indo, e se ele está na mira [aimed
at] do objetivo do diálogo. Então as duas perguntas iniciais que você precisa fazer ao analisar a relevância em um
caso específico são: (1) Que tipo de diálogo é, e (2) Em que etapa o diálogo está, até onde se pode deduzir a partir
das informações fornecidas no caso. Como mostrado na seção 1 acima, a relevância probatória precisa ser julgada
ao se analisar a estrutura de cadeia em um caso, para ver onde essa cadeia está indo. Uma cadeia argumento pode
partir para qualquer direção. Se é para ser útil como sequência argumentativa, então ela precisa ser direcionada a
algum propósito. No capítulo 6, vimos que cada tipo distinto de diálogo tem seu próprio objetivo. Por isso, um
argumento ser relevante ou não depende do tipo de diálogo do qual supostamente deveria ser parte, e julgar essa
questão em um determinado caso é uma função de como a argumentação foi usada no contexto.

EXERCÍCIO 7.2

Suponha que Bob e Helen estão tendo uma discussão crítica sobre a questão das gorjetas, do tipo esboçado em
casos anteriores nos quais a sua disputa sobre gorjetas foi ilustrada. Julgue se ou não os argumentos a seguir, usados
por Helen, são relevantes nesse contexto.

A. Eu não concordo, Bob, que deveríamos ter uma discussão crítica sobre gorjetas. Eu acho que deveríamos
discutir sobre aborto, pois esse assunto é mais importante.
187

B. Gorjetas são indignos, pois pressupõem um sistema de classes sociais no qual presume-se que uma parte
seja inferior a outra.

C. Helen, você é uma mentirosa, então seu argumento sobre gorjetas é inútil.

D. Você deveria ter calado sua boca, Bob, porque dar voz às suas opiniões sobre gorjetas poderia levar a
consequências ruins.

E. Helen, seu argumento de que gorjetas causam constrangimento deveria ser rejeitado, pois eu preciso de
gorjetas para fazer dinheiro suficiente para pagar minhas taxas de matrícula. Se eu não obter essas
gorjetas, eu vou passar fome e minha diabetes vai explodir.

TRÊS Relevância em Reuniões e Debates

Em adição a modelos abstratos de diálogo, como a discussão crítica, também se faz necessário, em alguns casos, ter
em conta o chamado evento de fala, ou ambiente institucional ou cultural específico do diálogo. Tomemos o
exemplo da argumentação em um tribunal. No direito anglo-americano, existem regras processuais que regem
[govern] a argumentação, e há mesmo regras legais especiais de relevância que se aplicam em uma dada jurisdição.
Ou em um debate parlamentar, regras de ordem e processo serão usadas para se determinar, ao menos
parcialmente, quando uma proposição é relevante ou não. Mesmo em uma reunião administrativa, do tipo que é
tão frequentemente realizada em universidades, por exemplo, o presidente [chairman] é limitado [bound] por um
cronograma, definido [set] antes da reunião e distribuído [circulated] a todos os participantes. O presidente também
se encontra restringido por regras da universidade, e procedimentos geralmente aceitos, para esse tipo de reunião.
A reunião pode ser uma deliberação, e seu propósito seria chegar a uma decisão sobre o que fazer sobre algum
problema ou questão que surgiu. Além disso, em tais reuniões, geralmente há um voto em cima da questão, uma
vez que os argumentos em ambos os lados de uma proposta foram discutidos. A argumentação na reunião também
é delimitada por restrições [constraints] práticas, isto é, a duração do tempo destinado à reunião pode ser limitado
pelas circunstâncias. Desta forma, o que é ou não julgado relevante em um caso específico será parcialmente
determinado por essas circunstâncias especiais no evento de fala.

Assim como em todos os casos nos quais a relevância é considerada, muito depende da etapa que o diálogo
conseguiu atingir. Em casos típicos de problemas de relevância com os quais é preciso lidar em reuniões, a cadeia
de argumentação pode ainda não estar completa ou mesmo muito avançada. Mesmo assim, em um tal caso, alguma
avaliação sobre a relevância ou irrelevância de um dado argumento precisa ser feita. Considere o seguinte caso:

A comissão da biblioteca universitária convocou uma reunião, e um dos itens no cronograma é a questão
de por quanto tempo a biblioteca deveria ficar aberta nos domingos. Durante a reunião, um aluno inicia
uma longa discussão sobre o problema de falta de fundos dos alunos, e propõe que os custos de matrícula
deveriam ser reduzidos. A presidente do comitê bibliotecário interrompe para dizer que ela simpatiza
com essas ideias, mas que o comitê possui somente uma hora para discutir vários itens no cronograma
que precisam ser votados. Ela pede mais argumentos sobre a sugestão do horário de fechamento aos
domingos.

Neste caso, os argumentos do aluno sobre a falta de investimentos poderia ser relevante, pois alguns estudantes
não podem se dar ao luxo de ter instalações [facilities] de estudo adequadas, e devem contar com poder trabalhar
na biblioteca. Porém, geralmente, o comitê bibliotecário pode fazer pouco ou nada sobre problemas de
financiamento estudantil. E há outros itens no cronograma que realmente exigem decisões baseadas em discussão
e consenso. Por isso, por razões práticas, a presidente pode se justificar ao julgar a argumentação do aluno
dialeticamente irrelevante, quando ele inicia uma longa digressão sobre questões de escassez de financiamento
estudantil. Esse exemplo mostra que o evento de fala é vitalmente importante em alguns casos. Uma reunião do
comitê da biblioteca da universidade é um evento de fala que tem um objetivo prático específico dentro de uma
instituição, e ela possui um árbitro ou presidente, que deve impor as assim chamadas regras de ordem na reunião.
Todos deveriam ter a chance de falar, mas não se deve permitir que eles insistam [dwell] muito em argumentos que
não sejam dialeticamente relevantes em tal evento de fala.
188

No exemplo da seção 1 acima, o discurso do legislador de que moradia para todos é algo desejável foi
enunciado em algum tipo de assembleia legislativa. Esta reunião indubitavelmente havia regras processuais, talvez
até uma regra específica de que um moderador intervenha em casos nos quais um argumento é irrelevante. Para
avaliar um tal caso mais detalhadamente, é necessário se ter mais informações sobre o evento de fala, as quais
formam o contexto do diálogo. Em certos quadros institucionalizados de argumentação, a relevância pode ser
extremamente importante para limitar debates improdutivos que poderiam ser bem demorados e custosos. Regras
de relevância podem ser codificadas em um manual de regras processuais, e um funcionário [official] designado
pode ser responsável por verificar se essas regras estão sendo seguidas pelos participantes. Por exemplo, existe uma
regra que requer que os participantes nos debates na Câmara dos Comuns do Canadá não usem argumentos
irrelevantes. O presidente da Câmara tem que decidir se um argumento é relevante ou não, com base no assunto
de um debate, o tipo de discussão envolvida, e a etapa na qual a discussão está. A tática mais dramática de
irrelevância é a obstrução [filibuster], a técnica de preencher o tempo alocado [alotted] com palavreado puramente
irrelevante, para impedir que o outro diga qualquer coisa que seja. Por exemplo, um representante de Nova York
uma vez falou continuamente por vinte e quatro horas para bloquear um projeto de lei na Câmara dos
Representantes dos EUA. Na Câmara dos Comuns do Canadá, as chamadas regras de guilhotina permitem que o líder
da Câmara do governo corte (ou decepe) o tempo alocado para o debate sobre um projeto de lei. Contudo, para se
lidar com casos nos quais um argumentador persistente insiste em argumentos que de certa forma são, porém não
materialmente, relevantes para um projeto de lei, o presidente da Câmara deveria intervir e impor [enforce]
relevância.

No caso a seguir, extraído de um debate na Câmara dos Comuns do Canadá, 58 o assunto do debate era um
projeto de lei para alterar [amend] a Lei de Empréstimos para Pequenas Empresas, uma lei para se lidar com
problemas enfrentados [faced] por pequenos negócios. No meio [midst] desse debate, um membro fez um
comentário que apresentou uma mensagem de aniversário por fax ao Primeiro-Ministro, enviada por um dos seus
eleitores, recomendando que o regulamento contra manifestações a menos de cinquenta metros dos edifícios do
Parlamento fosse ampliado para manter a capital livre de manifestantes de todos os tipos. Esse argumento era
irrelevante para o projeto de lei sobre pequenos negócios sendo discutido. O argumentador não foi castigado
[chastened] pela rejeição de seu comentário como "irrelevante" pelo orador, no entanto. Ele continuou [went on]
tentando provar que era relevante, alegando que o remetente da mensagem é um "pequeno empresário", que
também tem algumas coisas a dizer sobre gastos desnecessários do governo que impõem regulamentos incômodos
[nuisance] a pequenas empresas. Mesmo que ele estivesse certo que o remetente da mensagem de aniversário
enviada por fax fosse um "pequeno empresário", o argumento sobre manifestações na capital fracassou em fornecer
a alguém no debate uma boa razão para se votar a favor ou contra qualquer das emendas à lei que foram propostas.

EXERCÍCIO 7.3

1. Suponha que você seja presidente de uma reunião no caso que se segue. Como você responderia?

Sua empresa está tendo uma reunião de negócios com duração de uma hora, na qual o único item da
agenda é a decisão de avançar ou não com a comercialização de um novo produto que a empresa
desenvolveu: um novo sistema de alarme contra roubo. Durante a reunião, um dos engenheiros do projeto
começa a argumentar extensamente que a empresa precisa ter novas diretrizes sobre assédio sexual. Com o
tempo cada vez mais curto, o presidente intervém para perguntar se poderia ser marcada outra reunião
para discutir a questão do assédio, porque o que é relevante agora é a decisão de comercializar ou não esse
novo sistema. O engenheiro responde que a questão do assédio é relevante porque é muito importante
para o bem-estar psicológico dos funcionários, e esse fator, por sua vez, é vital para o sucesso da
comercialização do produto. Ele acrescenta que esta questão é tão importante que deve ser resolvida
agora.

2. Avalie qualquer falha de relevância neste caso e comente sobre se, na sua opinião, o comentário do Orador
Interino [Acting Speaker] é justificado.

Em setembro de 1985, foi relatado pela mídia que quase um milhão de latas de atum armazenadas haviam
sido rejeitadas pelo Serviço de Pesca Canadense como "contaminadas e impróprias para consumo
humano", mas as latas tinham sido ordenadas pelo governo para serem lançadas no mercado. Nunca foi
provado que o atum supostamente rançoso era impróprio para consumo humano, mas o Escândalo do
Atum Contaminado foi alvo de muitos ataques ao governo pelos partidos da oposição. Durante um debate

58
Hansard (Canadá: Debates da Câmara dos Comuns, 20 de março de 1990), pp. 9553-9556.
189

na Câmara dos Comuns do Canadá, sobre um projeto de lei para alterar a Lei de Subsídios Familiares, uma
ministra interveio para atacar o escândalo do atum.59 Ela argumentou: "Estamos falando de um milhão de
latas de atum podre que o Governo se recusa a tirar das prateleiras". O orador interino interveio, dizendo:
"Ordem, por favor. A Sra. Deputada sabe que estamos debatendo sobre uma alteração da lei sobre os
abonos de família. Não sei por que razão estamos debatendo sobre atum. Espero que o Sra. Deputada volte
à discussão". A deputada respondeu: "Minha menção ao atum está relacionada à saúde e ao bem-estar dos
canadenses, que também está sofrendo um golpe fatal como resultado dessa legislação específica sobre
abonos de família".

QUATRO Relevância na Argumentação Legal

Tribunais de justiça também possuem regras de relevância que são aplicáveis, por exemplo, em um processo
criminal, no qual o juiz é responsável por cuidar que os advogados não usem argumentos considerados irrelevantes,
pelo tribunal, para o processo. Um advogado, por exemplo, poderia contestar que o argumento do outro advogado
é irrelevante, e o juiz então tomará uma decisão. Relevância é centralmente importante para o direito de evidência,
o ramo do direito que estabelece as regras processuais que regem a argumentação nos julgamentos. A relevância é
definida nas Regras Federais Americanas de Evidência (RFE - ou FRE, na sigla em inglês), com base nas análises sobre
evidência fornecidas pelo famoso e influente teórico de evidências John Henry Wigmore. 60 A regra 401 das RFE
oferece um critério para evidências relevantes que é amplamente aplicável no direito americano.

Critérios Legais de Evidência Relevante

“Evidência relevante" é a evidência que tem qualquer tendência a tornar a existência de qualquer fato, que seja
decorrente da determinação da ação, mais provável ou menos provável do que seria sem a evidência.

Os termos "mais provável" e "menos provável" se referem ao que é denominado como peso probatório no direito.
Isso se refere à confiança [reliance] que se deposita no caráter de evidência legal de uma declaração. Dizer que uma
afirmação possui peso de prova quer dizer que razões podem ser dadas para a sustentar como uma conclusão tirada
das premissas, que são aceitas como factuais em um caso. A "ação" é o que também é denominado no direito como
o último probandum no caso dado. É a declaração a ser provada, refutada, ou posta em dúvida pela argumentação
utilizada. Colocando essas duas noções juntas, a relevância, conforme definida pela definição legal de evidência
relevante, poderia ser expressa em termos de argumentação crítica, como se segue. Um argumento considerado
como evidência em um caso é relevante se fornece mais peso probatório, ou menos peso probatório, ao probandum
definitivo do caso. Assim, evidência relevante no direito, julgada pelo critério acima, é muito similar à noção de
relevância probatória de um argumento, que foi descrita na seção 1 acima. Um argumento é considerado [held]
relevante, no sentido legal e no senso comum, se pode ser encadeado para aumentar [boost up] ou diminuir o peso
probatório do probandum final em um caso.

O critério legal acima afirma que evidências relevantes são geralmente admitidas em um julgamento, e que
evidências irrelevantes são inadmissíveis. Isso significa que o direito tem um limiar [threshold] baixo para relevância.
Qualquer coisa é considerada relevante, é admissível como evidência em um julgamento, se possui a capacidade de
alterar o peso probatório da alegação ou do probandum definitivo no caso sendo julgado. Entretanto, há também
importantes regras de exclusão nas RFE. Uma outra regra (403) admite a possibilidade de excluir evidências que
sejam, diferentemente, consideradas relevantes, de acordo com os critérios legais de evidência relevante.

A Regra de Exclusão Primária

Apesar de relevante, uma evidência pode ser descartada se seu valor probatório é superado [outweighed]
substancialmente pelo perigo de preconceito injusto, confusão dos assuntos, ou engar o júri, ou por considerações
de atraso indevido [undue], perda de tempo, ou apresentação desnecessária de evidências cumulativas.

De acordo com a regra de exclusão primária, algo que poderia ser inicialmente tomado como relevante sob
o critério geral de relevância, poderia ter que ser descartado sob a regra de exclusão. Um exemplo seria uma
evidência de condenações [convictions] anteriores, que poderia ser descartada por ser inadmissível, pois poderia
tender a prejudicar o júri em face do réu. Esta regra geralmente exclui apelos à emoção, do tipo que poderia ser

59
Hansard (Canadá: Debates da Câmara dos Comuns, 18 de setembro de 1985), pp. 6742-6743.
60
A noção de relevância jurídica de Wigmore foi, por sua vez, baseada nas teorias do raciocínio de Locke e Bentham,
como mostra um livro muito útil que traça a história do assunto de William Twining, Theories of Evidence: Bentham
and Wigmore (London: Weidenfeld and Nicolson, 1985).
190

poderosamente atraente [compelling] para um júri, mesmo que o apelo tenha pouco ou nenhum peso probatório
sobre a questão sendo julgada. Por exemplo, apelos à dó ou medo podem ter um impacto emocional poderoso em
um júri, mas poderiam não ser relevantes como evidência.

Em adição à regra de exclusão primária, há outra regra importante que também pode ser usada para
desconsiderar evidências que poderiam, em outra situação, ser consideradas relevantes. De acordo com a regra de
exclusão de caráter, evidência de caráter não é relevante para se provar uma conduta. Isso dividida significa que
você não pode alegar, "Ele é uma má pessoa, logo ele deve ter cometido este crime". No entanto, há algumas
exceções a esta regra expressas nas RFE.

Evidências de outros crimes, erros [wrongs], ou atos não são admissíveis para provar o caráter de uma pessoa, a
fim de mostrar a atitude em conformidade com ele [therewith]. Pode, contudo, ser admissível com relação a
outros propósitos, como prova de motivo, oportunidade, intenção, plano preparatório, conhecimento, identidade
ou ausência de erro ou acidente, desde que [provided that], a pedido [upon request] do acusado, a acusação
[prosecution], em um processo criminal, forneça um aviso [notice] razoável antes do julgamento, ou durante o
julgamento se o tribunal dispensar o aviso prévio por justa causa demonstrada, da natureza geral das provas que
se pretende apresentar no julgamento.

Do mesmo modo, a credibilidade de uma testemunha pode ser atacada ou sustentada por evidências na forma de
reputação de caráter falso.

A regra de exclusão se caráter concerne argumentos ad hominem que poderiam ser utilizados para
desacreditar um réu ou o relato de uma testemunha. As RFE, reconhecendo que tais argumentos podem ter um
impacto persuasivo poderoso em um júri, mesmo se irrelevantes, tentam contê-los. Por outro lado, o caráter pode
ser relevante à questão em alguns casos. Por exemplo, em um processo [case] civil no qual o assunto é contratação
negligente, o caráter da pessoa poderia ser relevante à questão de se o réu foi negligente em contratar e confiar
propriedade a ela.61 Outra exceção à regra de exclusão de caráter é que um réu, em um processo criminal, pode
trazer evidências de seu próprio bom caráter. Mas uma vez que essas comportas [floodgates] foram abertas pela
defesa, a acusação pode introduzir evidências do mau caráter do réu, e isso é considerado relevante. A razão
[rationale] para se excluir evidência de caráter no direito anglo-americano tem uma história. Foi descoberto que
esse tipo de ataque só caráter era tão bem-sucedido em influenciar júris que juízes, em julgamentos ao longo de
centenas de anos, foram continuamente forçados a tentar restringir seu uso em tribunais.62

Existe outra regra nas RFE que é bem importante para se compreender como a relevância é definida no
direito. A regra de relevância condicional permite que a relevância possa ser "condicionada ao fato". Esta cláusula
adicional estende o escopo da relevância para além daquele definido pela seção principal dos critérios legais de
evidência relevante citados acima. A regra de relevância condicional admite a relevância de uma evidência se essa
evidência, considerada junto com afirmações adicionais ainda não comprovados como fatos, atender aos critérios
legais para evidência relevante.

A Regra de Relevância Condicional

Quando a relevância da prova ou evidência depender da condição do cumprimento do fato, o tribunal deve admiti-
la mediante, ou sob reserva de, a apresentação de prova suficiente para se fundamentar a constatação [finding] do
cumprimento da condição.

Um argumento é condicionalmente relevante se sua relevância é baseada em premissas adicionais que ainda não
foram comprovadas como evidências, mas que podem ser provadas à medida que novas evidências são introduzidas.
Esta noção de relevância condicional provou ser extremamente controversa no direito, pois parece ser bem liberal
ao admitir a relevância de uma evidência sobre uma base condicional, mesmo que ainda não tenha sido provado
que tenha peso probatório por si só. Conforme as notas do Comitê Consultivo, a regra 104(b) expressa a noção de
relevância condicional. O exemplo famoso a seguir ilustra uma decisão [ruling] sobre relevância condicional.63

61
James Landon, "Character Evidence: Getting to the Root of the Problem through Comparison", American Journal
of Criminal Law 24 (1997): 581-615 (referência à p. 584).
62
Ibid., p. 684.
63
Vaughn C. Ball, "The Myth of Conditional Relevancy", Georgia Law Review 14 (1980): 435-469 (referência à p. 437).
191

Se uma carta que pretende ser de Y é invocada [relied upon] para estabelecer uma admissão dele, não
tem valor probatório, a menos que Y a tenha escrito ou autorizado.

Neste exemplo, uma carta supostamente de Y poderia ser usada como evidência relevante para provar uma
admissão feita supostamente por Y na carta. Mas tal carta é condicionalmente relevante, o que significa que sua
relevância está condicionada à prova de que Y escreveu ou autorizou a carta. A relevância condicional abre espaço
para que uma declaração não seja relevante somente considerada por si só, mas que possa ser relevante se, em
conjunto com outra declaração que possa ser provada posteriormente, possui peso probatório. Este tipo de
relevância é condicional no sentido de que depende do encadeamento da argumentação, e é condicionada por
argumentos posteriores que possam ser provados e usados como premissas naquela cadeia.

É possível ver acima que a relevância, da maneira como é definida pelo direito, é muito similar à noção de
relevância geralmente aplicável à argumentação crítica. É um tipo de relevância que depende, ao menos
parcialmente, de como a argumentação em um caso pode ser encadeada e direcionada à tese, ou probandum
definitivo, do diálogo. No caso da relevância legal, como é definida pelas RFE, o diálogo é o julgamento. Por outro
lado, a relevância legal é diversa da relevância nos argumentos do dia a dia, do tipo extrajurídico que abordamos
anteriormente neste livro. Um julgamento é coordenado por todo tipo de regras processuais relativamente precisas
que estabelece aqueles que podem falar, quando cada participante pode falar, que argumentos podem ser usados,
e como esses argumentos podem ser julgados. Poderíamos dizer que uma distinção precisa ser traçada entre a
relevância lógica e a legal. Estivemos mais preocupados com a relevância lógica, do tipo geral que se aplica a toda
argumentação crítica. A relevância legal é parcialmente baseada na relevância lógica, mas também se baseia em
regras processuais que são específicas ao tribunal como instituição legal. Julgamentos são muito caros e, portanto,
há motivos especiais pelos quais é necessário impedir que as partes continuem e gastem tempo com argumentos
irrelevantes, que podem ser inúteis como prova ou podem até ter um impacto negativo, ao gerar confusão e
preconceito.

Wigmore traçou uma distinção cuidadosa entre a relevância legal é a relevância lógica, encaixando a última
dentro da lógica geral, ou ciência da prova, como ele a chamava. Trabalhando na suposição de que há uma ciência
das provas na qual a relevância lógica pode ser definida, Wigmore esclareceu o relacionamento entre relevância
lógica e as regras utilizadas para se julgar relevância no tribunal. William Twining sintetizou [summarized] os pontos
principais da abordagem de Wigmore deste relacionamento complexo.64 Wigmore sustentou [held] que as regras do
julgamento de relevância são, em termos gerais, baseadas na noção de relevância lógica, mas que as condições
práticas dos julgamentos colocam em cena certas considerações especiais. Assim, as regras de julgamento não são
o mesmo que as regras de relevância que se aplicam na argumentação cotidiana, fora do Direito. Por isso, as regras
lógicas de relevância não substituem as regras do tribunal, mas elas justificam, em certos quesitos, as regras de
julgamento, ou fornecem uma base para criticá-las.

A noção lógica de relevância é uma noção geral que pode ser aplicada a diálogos, como a discussão crítica,
e outros tipos de diálogo referidos no capítulo 5. Este modelo geral pode ser aplicado a outros contextos especiais
de argumentação, por exemplo, em um tribunal ou em um debate legislativo, em que regras processuais específicas
para o evento de fala controlam o diálogo. Nesses contextos especiais, é dever do juiz ou "orador" verificar se essas
regras específicas que regem o diálogo estão sendo seguidas. A distinção é entre a argumentação usada em um
modelo abstrato normativo abstrato de diálogo, como aquele tratado no capítulo 6, é a argumentação utilizada em
um evento de fala que representa uma situação – social ou institucional – especial, tal qual um julgamento ou
discussão legislativa. O contexto social ou institucional é chamado de evento de fala porque vincula [ties] a
argumentação a regras processuais específicas, determinadas por uma instituição específica. Tais regras,
obviamente, variam de país para país, ou de uma jurisdição a outra. É importante reconhecer que elas existem e que
precisam ser consideradas, quando qualquer tentativa é feita para se analisar ou avaliar criticamente a relevância
de argumentos usados nesses contextos especiais.

EXERCÍCIO 7.4

Em um tribunal de justiça, na tentativa de provar que o acusado é culpado de assassinato, a acusação sustenta
apaixonadamente que assassinato é um crime horrível, e até logra êxito em provar tal conclusão. Que deficiência

64
Twining, Theories of Evidence, p. 156.
192

crítica se mostra evidente neste caso, e como pode ser demonstrado que o argumento da acusação é deficiente
nesse quesito?

CINCO Argumentos de Apelo ao Medo

Apelar ao medo pode ser uma tática poderosa de distração na argumentação. É um tipo de argumento com o qual
é preciso se tomar cuidado, visto que pode ser poderosamente eficaz, mesmo quando não é relevante. Em alguns
casos, porém, tais argumentos são razoáveis e relevantes. Assim, o problema é determinar quando eles são
relevantes e quando não são. O lugar a se começar é identificar as características especiais deste tipo de argumento.
O argumento de apelo ao medo é uma subespécie do argumento de consequências negativas, no qual o argumento
negativo é retratado dessa maneira pelo proponente como um apelo ao medo do respondente. Argumentos de
apelo ao medo são comumente usados por agências governamentais que promovem questões de saúde e segurança
em anúncios de mídia. Aqui estão dois exemplos.

Em um anúncio de televisão canadense contra dirigir bêbado, é mostrado um adolescente, entrando no


seu carro, com sua namorada após uma festa. Depois, o carro aparece colidindo, uma ambulância chega,
e a garota morta é levada para longe. Em seguida, surge a figura do adolescente confrontando a situação
de avisar os pais da garota. Ele parece perturbado [distraught].

Em um anúncio de televisão australiano, é mostrado um jovem de aparência triste com um olho que é
escuro e cego [sightless]. Ele descreve todas as dificuldades que ele vivencia com suas deficiências. Então
há um flashback para uma cena do jovem em um acidente de carro, e olhando para suas mãos cobertas
de sangue. Novamente é mostrado o homem com seu rosto desfigurado e olho, que diz: "Eu não consigo
entender por que estou sendo punido, só porque eu soltei o cinto de segurança por alguns segundos".

Numerosos anúncios de televisão feitos por agências governamentais de saúde usam argumentos de apelo ao medo
para tentar fazer com que adolescentes parem de fumar (ou que nem comecem). Um anúncio alerta sobre os perigos
do fumo passivo mostrando fumaça adentrando um quarto, em direção a um bebê em um berço (enquanto música
estranha [eerie] toca ao fundo. Ao retratar consequências negativas de um modo dramático, o qual,
presumivelmente, o público-alvo acharia muito amedrontador, o propósito do anúncio é comover o público, de
modo que siga um curso de ação designado.

O argumento de apelo ao medo é baseado na utilização de raciocínio disjuntivo. Há duas alternativas


envolvidas. Por exemplo, no tipo de caso do anúncio sobre fumo, há a opção de fumar ou a opção de não fumar. Se
o respondente fuma, há um prazer de curto prazo. Mas, em um balanço contrário, existem as conhecidas
consequências negativas de longo prazo do fumo. A tática do argumento de apelo ao medo é retratar o perigo dessas
consequências negativas com um tal impacto dramático no respondente, que o valor das consequências positivas
de curto prazo é superado, e de modo que essa opção é descartada pelo respondente. Para ter sucesso, pois, um
argumento de apelo ao medo precisa ter um "soco" forte o suficiente para derrubar [unseat] a opção positiva.

Por conta de seu uso de apelo emocional, pode parecer fácil, a princípio, dispensar argumentos de apelo
ao medo como sendo ilógicos ou falaciosos. Contudo, se você olhar para eles como argumentos baseados em
raciocínio prático, usados para tentar persuadir um respondente para realizar uma determinada linha de ação, tais
argumentos podem ser julgados como sendo razoáveis o suficiente. Por exemplo, parece ser bem legítimo usar
anúncios de apelo ao medo para tentar fazer com que as pessoas apertem o cinto ou parem de fumar, se essas ações
são realmente prudentes. Entretanto, como foi mencionado na seção sobre argumentos bola de neve no capítulo 4,
argumentos de apelo ao medo são pouco convincentes se o público sente que o perigo está sendo sensacionalista
[hyped] ou exagerado.

Um argumento de apelo ao medo possui duas premissas. Na primeira premissa, uma situação que é
(presumivelmente) muito amedrontadora para o respondente é esboçada. A segunda premissa alerta o respondente
de que, se ele realiza uma certa ação específica, então as consequências retratadas na situação acontecerão com
ele. A conclusão, pois, é a mensagem ao respondente de que ele não deveria realizar essa acaso específico. Na forma
de inferência abaixo, o respondente é designado pelo uso do pronome "você".
193

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTO DE APELO AO MEDO

PREMISSA DE SITUAÇÃO AMEDRONTADORA: Aqui está uma situação que é amedrontadora para você.

PREMISSA CONDICIONAL: Se você realizar A, então as consequências negativas retratadas nessa situação
amedrontadora acontecerão com você.

CONCLUSÃO: Você não deveria realizar A.

Pode-se facilmente ver, a partir dessa forma de inferência, que o argumento do tipo apelo ao medo é baseado no
argumento de consequências negativas. As questões críticas apropriadas ao argumento de apelo ao medo são as
seguintes.

1. A situação representada deveria ser realmente amedrontadora para mim, ou é um medo irracional que é
apelado?

2. Se eu não realizar A, isso impedirá que as consequências negativas aconteçam?

3. Se eu realizar A, qual a probabilidade de que as consequências negativas aconteçam?

Outro problema ao se avaliar argumentos de apelo ao medo é se eles são relevantes ou não. Conforme mencionado
acima, há uma tendência de ver argumentos de apelo ao medo como irrelevantes em raciocínios lógicos
desapaixonados [dispassionate], nos quais "evidências fortes" são tudo o que deveria valer. Mas, ao se julgar
relevância, o que é importante é como um argumento foi utilizado para algum propósito. Se o propósito é promover
metas de saúde e segurança, por exemplo, para fazer com que respondentes realizem ou desistam de ações que
sejam prejudiciais à saúde ou segurança, então o uso de um argumento de apelo ao medo, como uma espécie de
argumento de apelo de consequências negativas, poderia ser relevante. Portanto, não seria justificável rejeitar
argumentos de apelação de medo como sendo inerentemente irrelevantes em qualquer tipo de raciocínio lógico
genuíno. Todavia, conforme veremos na próxima seção, alguns argumentos de apelo ao medo não deveriam ser
tratados como dialeticamente relevantes.

EXERCÍCIO 7.5

Mostre a estrutura dos seguintes argumentos de apelo ao medo, e estabeleça perguntas críticas apropriadas.

A. Em um comercial de televisão, duas adolescentes são mostradas se arrumando em frente a um espelho.


Uma comenta com a outra que não é justo que ela tenha uma tez [complexion] tão bonita, enquanto que
sua própria pele tem uma aparência manchado [blotchy]. A outra garota responde, "Se você não fumasse,
a sua pareceria muito mais saudável". A primeira garota confidencia que seu namorado anda pensando
em deixá-la, porque sua aparência decaiu tanto.

B. Um anúncio de televisão australiano mostra um grupo de homens em um local de trabalho externo, todos
bebendo cerveja. Um dos homens drena o restante de sua garrafa de cerveja e pede para seu jovem filho
entrar em seu veículo utilitário. Todos os outros homens ainda estavam bebendo cerveja, e um deles,
entre goles [swigs], comenta que dirigir nunca foi um problema após beber algumas cervejas. Ele diz, "Eu
dirijo até em casa há muito tempo, companheiro, e nada me aconteceu ainda". A próxima cena mostra o
homem e seu filho dirigindo por um cruzamento, depois de não conseguirem parar, e de repente seu
veículo utilitário é esmagado e completamente destruído por um enorme trator-reboque que se
aproxima. A próxima cena mostra um dos homens no local de trabalho atendendo o telefone. Ele
responde, "Mas ele estava aqui um minuto atrás".

SEIS Ameaças como Argumentos


194

Um tipo bem familiar de argumento, que é bem próximo do argumento de apelo ao medo, é o uso de ameaça como
argumento. A diferença entre um argumento de apelo ao medo e o uso de ameaça em uma argumentação é que,
neste último caso, a proponente estabelece um compromisso com o respondente, de que ela assegura que
consequências negativas irão se desenrolar, a menos que ele tome o curso de ação defendido por ela. O uso de
ameaças como um argumento possui a forma a seguir. Tradicionalmente, na lógica, um tal argumento é denominado
argumentum ad baculum, ou "argumento para o bastão (vara, porrete)". Aqui, o pronome "eu" representa o
proponente e o pronome "você" representa o respondente.

ESQUEMA ARGUMENTATIVO PARA O ARGUMENTUM AD BACULUM

PREMISSA CONDICIONAL: Se você não fazer A, então a consequência B irá ocorrer.

PREMISSA DE COMPROMISSO: Eu me comprometo a assegurar que a consequência B irá se realizar.

CONCLUSÃO: Você deveria fazer A.

Diz-se que uma ameaça desse calibre é verossímil ao respondente se o proponente se encontra em posição de
ocasionar B, e se o respondente sabe disso. Uma ameaça crível é um tipo poderoso de argumento, não apenas do
ponto de vista prático, pois representa consequências negativas para os interesses e segurança do respondente,
mas também porque pode gerar um efeito de apelo ao medo persistente.

Existem dois tipos de ameaças usadas como argumentos, o direto e o indireto. Uma ameaça direta é um
argumento que possui a forma acima, na qual a proponente vai direto ao ponto [comes right out] e diz,
explicitamente, que ela desencadeará as consequências negativas mencionadas. Em uma ameaça indireta, a
segunda premissa não é declarada explicitamente, de modo que, abertamente, o argumento possui a forma de um
aviso. O aviso é um evento de fala que difere da ameaça, pois o proponente somente afirma o que equivale
[amounts] à primeira premissa do argumento que possui a forma de ameaça. Isto é, ao se fazer um aviso, o
proponente diz ao respondente que más consequências irão (ou poderiam, ou poderão) ocorrer se o respondente
deixar de fazer (ou se ele fazer) algo específico. Ameaças indiretas são bem recorrentes em todo tipo de argumento,
como pode ser facilmente reconhecido neste exemplo:

"Shakey Trembler" (um trocadilho que pode ser traduzido como "Tremedor"), o dono de uma pizzaria, é
informado por Brutus Gunner ("Gunner" pode ser traduzido como "Artilheiro"), uma notória figura do
mundo das gangues, que se ele não assinar a Agência de Proteção Gunner, todos os tipos de coisas ruins
poderiam acontecer com ele. Brutus diz, "Veja o dono da Cafeteria Cão e Pato que fica nesta rua. Ele não
se juntou a nós, e sua loja foi bombardeada".

Pode ser que Gunner só esteja avisando Tremedor e lhe dando algum conselho prático. Porém, considerando a
reputação de Artilheiro no mundo das gangues e seu passado conhecido de violência em gangues, é aconselhável
que Tremedor trate a mensagem de Artilheiro como uma ameaça. Há muitas vantagens práticas em se fazer uma
ameaça indireta ao invés de [as opposed to] uma direta. Uma é que, contanto não haja uma segunda premissa
abertamente expressa, não há evidência definitiva, reproduzível, de que uma ameaça foi feita. Assim, o proponente
pode negá-la posteriormente: "Eu não ameacei ninguém. Tudo o que fiz foi te dar um conselho amigável". Outra
vantagem é que uma ameaça indireta é muitas vezes mais ameaçadora, e contém uma incerteza persistente sobre
si que pode ser preocupante a um respondente.

As quatro questões críticas apropriadas para o argumento utilizado como ameaça são as seguintes:

1. O quão ruins são as consequências?

2. Qual a probabilidade de as consequências ocorrerem?

3. A ameaça é plausível?

4. A ameaça é relevante?
195

Em relação à primeira questão crítica, o respondente deve pesar o fator negativo das más consequências contra o
fator negativo de se fazer A (presumivelmente, no tipo de caso em que há o uso de ameaças, A é algo que o
respondente é contra ou não quer realizar). Com relação à segunda questão crítica, assim como no caso de qualquer
argumento de apelo ao medo, deve ser bastante certo ou provável que o resultado ruim mencionado realmente
aconteça se a ação recomendada não for tomada. Para uma ameaça ser verossímil, conforme definido acima, deve
parecer ao respondente que o proponente está, de fato, em posição de realizar as consequências ruins mencionadas.
Mais do que isso, para fazer com que a ameaça seja bem crível, o proponente também deve convencer o
respondente de que ele não é apenas capaz, como disposto a acarretar a ação em questão.

A quarta questão crítica, aquela de relevância, é mais contextual do que pode parecer inicialmente. Em
alguns contextos de conversa, ameaças são definitivamente irrelevantes. Por exemplo, considere o seguinte caso:

Em um seminário de física, dois professores estão tendo uma discussão sobre de quem é a teoria de
ressonância magnética nuclear mais bem sustentada por resultados experimentais. No meio da discussão,
um professor diz ao outro, "Se você não aceitar minha teoria, 'Brutus Gangland' (aquele cara grande logo
aí fora) vai te arrebentar!".

Neste caso, a ameaça pode ser considerada não só ultrajante, como também muitíssimo inapropriada como tipo de
argumento para carregar o peso da discussão. Em uma palavra, seria irrelevante. Aliás, em qualquer tipo de
discussão crítica, é melhor que o uso de ameaças como "É melhor você calar a boca se sabe o que é bom para você"
não permita que sejam consideradas argumentos relevantes.

Entretanto, em alguns casos nos quais duas partes estão tendo uma discussão, ameaças podem ser
relevantes. Por exemplo, na argumentação que ocorre durante negociações, ameaças (especialmente as do tipo
indireto) são frequentemente usadas, além de serem parte normal da argumentação.

Autoridades sindicais e administrativas estão engajadas em uma rodada [round] de negociações [talks]
sobre o tema do acordo anual de salários e benefícios. Um funcionário do sindicato argumenta: "Bem, se
isso é o melhor que você pode fazer, os membros entrarão em greve amanhã!". O dirigente responde: “Se
houver greve, haverá um impacto financeiro negativo, que exigirá [will necessitate] cortes de empregos e
reduções salariais”.

Neste caso, as ameaças são argumentos relevantes utilizados no processo de negociação. É claro que, em muitas
situações, o uso de ameaças pode ser contraproducente ou mesmo obstrutivo em negociações. Mas às vezes, como
no caso acima, elas são relevantes. A ameaça ser relevante ou não depende do propósito da troca conversacional
no caso dado.

EXERCÍCIO 7.6

Avalie os seguintes argumentos e mostre a estrutura de cada argumento.

A. Gerente de pessoal para funcionários: "Sei que alguns de vocês se opõem à nomeação de Beavis Climber
como o novo gerente de vendas. Se pensarem melhor nisso, no entanto, estou confiante de que vocês
mudarão de ideia. Se Climber não for nomeado, pode ser necessário fazer cortes severos de pessoal em
seus departamentos".

B. Assistente para executivo: "Tenho certeza de que você vai querer aumentar meu salário para o próximo
ano. Afinal, você não gostaria que sua esposa descobrisse rumores de que você me assedia sexualmente".

C. De acordo com R. Grunberger, autor de Uma História Social do Terceiro Reich, publicado na Grã-Bretanha,
os nazistas costumavam enviar o seguinte aviso aos leitores alemães que deixavam suas assinaturas
expirarem: "Nosso jornal [paper] certamente merece o apoio de todos os alemães. Continuaremos a
enviar cópias dele para você, e esperamos que você não queira se expor a consequências infelizes no caso
de cancelamento da assinatura".
196

D. Um professor diz a dois alunos perturbadores que falam alto durante a palestra: "Os outros não
conseguem ouvir, então, se vocês continuarem assim, irei impedi-los de assistir às palestras".

E. Um professor de filosofia argumenta em sala de aula que o aborto não deve ser pago por fundos de saúde
do governo, arrecadados pelos contribuintes. Uma pessoa em sua aula diz: "Acho seu ponto de vista
ofensivo, pois as mulheres estão morrendo porque não podem abortar. É melhor você não continuar a
expressar esse argumento, ou vou denunciá-lo por fazer um comentário que considero pessoalmente
ofensivo".

SETE Apelo à Piedade

O apelo à dó é outro desses argumentos que não são inerentemente falaciosos, mas é frequentemente suspeito,
pois é usado às vezes como uma distração poderosa que é emocionalmente atraente [compelling], mesmo quando
não é relevante para o assunto sob consideração. Entretanto, em alguns casos, o apelo á dó é materialmente
relevante como argumento. Aqui está um exemplo.

Um apelo por contribuições para ajudar crianças famintas que se encontram em um cenário desastroso
de fome, feito por uma agência de socorro, apresenta uma imagem impressionante de uma criança
pateticamente faminta com uma barriga distendida. O nome dessa criança é dado, e os detalhes de sua
situação são descritos graficamente. A declaração é feita de que, se essa criança não receber ajuda logo,
ela irá morrer. Se encontra anexado um formulário que o destinatário da carta pode usar para enviar
dinheiro.

O argumento transmitido nessa carta tem a forma de uma sequência de raciocínio prático. Aqui está uma situação
ruim, e se você realizar [bring about] a ação designada, você pode ajudar a aliviar a situação ruim. Como tal, não
queremos dizer que esse apelo à dó é um argumento falacioso, mesmo que fosse prudente fazer algumas perguntas
críticas sobre a habilidade da agência de socorro [relief agency] de usar o dinheiro enviado para realmente enviar
comida às vítimas de desastre famintas. Contudo, neste caso, o apelo à dó é relevante, porque é uma forma legítima
de evocar uma resposta emocional forte o suficiente de modo que os respondentes realmente entendam o escopo
e a natureza da situação ruim e, com isso, façam uma contribuição para aliviá-la. Ainda assim, um doador em
potencial deveria perguntar algumas questões críticas sobre se o dinheiro realmente chegaria à criança necessitada.
O quanto disso, por exemplo, seria tomado para custos administrativos das organizações de caridade?

Em outros casos, entretanto, uma base menor pode ser encontrada para julgar o apelo à dó como relevante.

Uma aluna deixou de fazer uma prova regular e implora ao seu professor para que possa ser autorizada a
fazer uma prova substitutiva. A sua desculpa é que, se ela não realizar uma prova substitutiva, ela não
conseguirá tirar A no curso, e assim não será capaz de entrar na faculdade de direito, e seria tudo culpa
do professor. Ela chora e suplica que essa falha arruinaria sua vida, e também as vidas de suas duas
crianças pequenas, que possuem ambas a Doença de Crohn.

O apelo à dó é relevante nesse caso? Uma coisa a se dizer é que, se a suplicante tem uma desculpa legítima, uma
doença séria como essa que pode ser provada por uma nota de um médico, então ela tem o direito de fazer uma
prova substitutiva. Mas se ela não tem nenhuma desculpa que não outra que a história apresentada, então (de
acordo com as regras na maioria das universidades), ela não possui uma base adequada para um exame substitutivo.
Mas a coisa a se notar é que, ao fazer um tal apelo emocional dramático, ela coloca o professor na defensiva ao fazer
parecer que, de alguma forma, ele é o culpado pelos seus problemas. Sendo que seu trabalho é avaliar justamente
o trabalho de todos os alunos, pelo mérito de cada um. Seria contra a própria realização do seu trabalho se ele desse
a um estudante uma vantagem injusta sobre todos os outros estudantes que fizeram o teste, ou que tinham
desculpas legítimas, ao deixá-la fazer um exame substitutivo mesmo se ela pudesse ter feito o exame original e não
tivesse nenhuma boa razão para não fazê-lo. O que ela está fazendo, então, é usar uma distração poderosamente
dramática para tentar intimidá-lo [browbeat] visando distorcer a base adequada da decisão, para que ele chegue a
uma conclusão sobre a base errada. Nesse caso, então, o apelo à dó é irrelevante. É emocionalmente poderosa e
197

psicologicamente relevante. Mas não é dialeticamente relevante, no sentido de prover uma linha de raciocínio que
possa ser usada para se determinar o resultado das decisões do professor, de um jeito ou de outro.

Em processos judiciais [court cases], advogados frequentemente tentam retratar uma pessoa acusada de
ser uma vítima indefesa de suas circunstâncias. Porém, se esse tipo de apelo à dó é relevante ou não depende de
como é usado em um dado caso e em que etapa o processo se encontra. Se o advogado se prolonga, durante o
processo, sobre as circunstâncias patéticas do réu, o juiz pode determinar que o argumento é irrelevante, por
motivos de que nada faz no que diz respeito a provar se o réu é culpado pelo crime do qual é acusado ou não. Mas
se um apelo à dó é usado em uma etapa mais tardia do processo, na sentença – uma vez que o processo já provou
que o réu é culpado – é relevante para o advogado de defesa apelar para a dó e então pedir para o tribunal mostrar
misericórdia ou compaixão. Apelos à dó, assim, não são necessariamente falaciosos ou irrelevantes. Contudo, por
eles serem emocionalmente poderosos, eles podem, com frequência, ser usados para distrair o público para longe
do ponto principal a ser provado.

EXERCÍCIO 7.7

Avalie os seguintes argumentos.

A. Um homem se candidatando a um emprego como operador de guindaste em um trabalho de renovação


urbana é qualificado, exceto que ele tem uma propensão a desmaios. Ele alega que não foi capaz de
conseguir trabalho para sustentar suas seis crianças, e que sua esposa ficou cega recentemente em um
acidente de carro.

B. William Makepeace Thackeray, editor da Revista Cornhill nos anos 1850, cita uma carta que recebeu, em
um envelope contendo alguns poemas (em seu ensaio, "Espinhos na Almofada", impresso na revista em
1860.

Camberwell, 4 de junho.

"Senhor, – Posso esperar, posso suplicar [entreat], que você vai me favorecer examinando as linhas
fechadas, e que elas podem ser consideradas dignas de inserção na Revista Cornhill. Já conhecemos dias
melhores, senhor. Eu tenho uma mãe doente e viúva para manter, e irmãozinhos e irmãzinhas que olham
para mim. Eu faço o meu melhor como governanta para apoiá-los. Labuto à noite quando eles descansam, e
minha própria mão e cérebro estão igualmente cansados. Se eu pudesse acrescentar um pouco aos nossos
meios pela minha caneta, muitas das necessidades da minha pobre inválida podem ser supridas, e eu
poderia obter para ela confortos para os quais ela agora é uma estranha. O céu sabe que não é por falta de
vontade ou por falta de energia da minha parte, que ela esteja agora com problemas de saúde, e nossa
pequena casa quase sem pão. Faça -lance um olhar gentil sobre o meu poema, e se você puder nos ajudar, a
viúva, os órfãos te abençoarão! Eu permaneço, senhor, na expectativa ansiosa.

Seu servo fiel,

S. S. S.

C. Durante o julgamento de dois irmãos, Erik e Lyle Menendez, que mataram ambos os pais com quinze
disparos de espingarda em 1989, Leslie Abramson, a advogada de defesa deles, argumentou que os
irmãos Menendez "não pode ser submetidos aos frios padrões de responsabilização de um sistema legal
que fica atrás das teorias sociais e psicológicas do comportamento", conforme citado em um relatório do
New York Times.65 Abramson argumentou, "Esses meninos não foram responsáveis pelo que se
tornaram".

65
Seth Mydans, "In Brothers Lurid Trial, One Woman Dominates". New York Times, 20 de dezembro de 1993, p. D9.
198

OITO Alterações e Relevância

Alguém poderia imaginar como as pessoas são enganadas [deceived] por argumentos irrelevantes como o apelo à
pena [pity], argumentos ad hominem, ou argumentos que usam ameaças. Afinal, se esses argumentos são
irrelevantes, todo mundo não veria que eles são irrelevantes? Na maioria das vezes elas não veem isso,
principalmente por duas razões. Uma é que muitas conversas cotidianas começam de um jeito natural, e ninguém
deixa claro qual é o assunto de fato ou qual tipo de diálogo a conversa deveria ser. Neste tipo de caso, nós não temos
informação para determinar se um argumento é relevante ou não. A outra razão é que durante uma sequência de
argumentação, pode haver um desvio dialético, uma mudança [changeover] de um tipo de diálogo para outro. Se
um participante não percebe o desvio, então o argumento pode parecer-lhe relevante quando na realidade não o é.
O fator subjacente [underlying] aqui é que o mesmo argumento pode ser relevante em um contexto de diálogo mas
irrelevante em outro contexto de diálogo. Se todos sempre deixassem claro o tipo de argumento de que deveriam
estar participando quando apresentam um argumento, problemas de irrelevância não seriam tão complicados. Mas
muitas vezes pode haver um desvio sutil ou não claramente destacado no mesmo argumento, de um tipo de diálogo
para outro. Quando um desvio como esse ocorre, um argumento pode parecer ser relevante, porqur teria sido
perfeitamente relevante antes do desvio, no contexto previo de uso.

Ameaças usadas como argumento, por exemplo, são claramente e mesmo escandalosamente
[outrageously] inapropriados em uma discussão crítica. Se estivermos tendo um seminário de filosofia sobre a
natureza do conhecimento e um participante ameaça chamar alguém para surrá-lo por um estudante grande na
classe se ele não aceitar suas visões sobre as questões da natureza do conhecimento, todos considerariam este
argumento ad baculum como claramente inapropriado e irrelevante. Mas um tipo de negociação de diálogo,
ameaças, especialmente ameaças indiretas que levam a cabo sanções se a outra parte não concorda com condições,
são tratadas como táticas normais a serem usadas em argumentos. Uma ameaça em um diálogo de negociação é
tratada como perigosa de certa maneira, porque representa [poses] um ultimato que pode ser difícil retroceder de
se afastar sem aparentar ser fraco ou vacilante. Mas negociação é barganha baseada em interesses, e como tal a
outorga [granting] de concessões e a imposição sanções ou penalidades ao outro lado se este não replicar ou fazer
concessões pode ser uma parte normal e adequada da argumentação usada.

Entretanto, em um caso particular onde duas partes estão argumentando, e não está claro o tipo de diálogo
no qual elas deveriam estar engajadas, o desvio de discussão crítica para negociação ou vice-versa pode facilmente
ficar escondida ou pode ser difícil de fixar [pin down] exatamente. Por exemplo, em um debate político, um diálogo
pode supostamente ser uma discussão crítica sobre algum assunto. Neste contexto, um argumento que faz uso de
ameaça poderia ser irrelevante. Mas dado que há política envolvida, pode não ser possível eliminar [rule out] a
barganha com base em interesse como o que o diálogo deveria incluir, também. Em um tal contexto de diálogo de
negociação, uma ameaça poderia ser um argumento relevante.

Alguns desvios dialéticos são lícitos e outros são ilícitos. Por exemplo, quando Bob e Helen estavam
discutindo sobre gorjetas, Helen poderia usar o argumento de que dar gorjetas é ruim porque leva para uma
economia informal [underground economy]. Bob poderia então levantar questões sobre se nós já temos uma
economia informal e quais são os seus efeitos na economia. Para responder a essas questões, algumas fontes de
informação, como um livro ou relatório sobre economia informal, poderiam ser usados. Em um tal caso, houve um
desvio do diálogo de persuasão para um diálogo em busca de informação [information-seeking]. Mas neste caso, o
desvio é lícito, porque a informação sobre economia informal, se exata [accurate], irá contribuir para a discussão
sobre gorjetas ao torná-la mais informada. A relevância, em um caso como esse, é transferida de proposições de um
tipo de diálogo para proposições de outro.

Todavia, um desvio dialético é ilícito se o raciocínio no primeiro tipo features de diálogo não contribuir para
o alvo do segundo tipo de diálogo. Por exemplo, a ameaça pode ter um lugar apropriado em um diálogo de
negociação, mas se haver um desvio para um diálogo de persuasão, a ameaça poderia ser irrelevante como um
argumento naquele contexto. Quando um desvio dialético ocorre durante a sequência de raciocínio em um
argumento, a avaliação de se o desvio é lícito ou ilícito precisa ser feita olhando para trás para determinar em que
tipo de diálogo os participantes deveriam estar participando originalmente. Então o argumento deveria ser avaliado
com respeito a se ou não contribui para o objetivo daquele método de diálogo.

Argumentos ad hominem usados em debates políticos são melhor avaliados por relevância em uma base
caso a caso. Mas em debates eleitorais, argumentos ad hominem são geralmente relevantes ou ao menos podem
199

ser, em princípio, porque o caráter de um candidato é um assunto relevante. O ato de votar é baseado em
deliberação, mas eleitores [voters] não tem como saber todos os fatos, então eles frequentemente decidem a favor
ou contra um candidato em suas qualidades de liderança ou no quão bem ele representa o longo de vista do eleitor.
Saber algo sobre o caráter do candidato pode ser relevante para esta deliberação. Por outro lado, um uso excessivo
de anúncios de ataque pessoal pode obscurecer as questões reais, por tomar muito do debate com alegações
desprezível [sleazy] baseadas em insinuações mas não provadas. Abusos destes ataques ad hominem irrelevantes
têm, infelizmente, se tornado muito familiares na política contemporânea.

EXERCÍCIO 7.8

Identifique o tipo de argumento em cada um dos casos seguintes e discuta se um desvio dialético está envolvido.

A. Dois membros do Senado dos EUA estão discutindo um projeto de lei [bill] específico que está para ser
votado na próxima sessão. Um apresenta vários argumentos contra o projeto de lei. O outro, que por
acaso é o gerente do partido responsável pela disciplina, responde: "Eu não votaria contra aquele projeto
de lei se eu fosse você. Você poderia descobrir que ser um dissidente [maverick], significa que você não
será nomeado [appointed] para um certo comitê chave que é muito importante para determinar seu
sucesso futuro."

B. Durante o decorrer de sua discussão crítica em matéria de gorjetas, Bom diz silenciosamente a Helen: "Eu
tomaria muito cuidado ao argumentar contra gorjetas na frente do grupo neste jantar se eu fosse você.
Aquele grande estudante com os bíceps e tatuagens bem ali é um barman [bartender] no Bar dos Ciclistas
nos fins de semana. As gorjetas são de onde ele tira sua renda, e eu ouvi dizer que ele é um tipo de
indivíduo instável que poderia se tornar violento em um instante se você algo que ele achar perturbador
ou ofensivo. Lembre-se, estou apenas te dando um conselho, mas se você diminuir um pouco o tom de
seus argumentos sobre gorjetas, eu não indicarei a ele como o seu ponto de vista ofende suas
sensibilidades no assunto."

NOVE Resumo

A falácia de conclusões irrelevantes (ignoratio elenchi) é cometida quando um argumento, que supostamente
deveria provar uma proposição como sua conclusão, é direcionado a uma conclusão diferente. Mas como se
determinar, em um caso específico, se essa falácia foi cometida ou não? Esse é, em poucas palavras [in a nutshell],
o problema da relevância. Uma distinção importante é aquela entre relevância probatória e relevância tópica. Duas
proposições são relevantes uma à outra se elas compartilham assuntos. Duas proposições são probatoriamente
relevantes se uma pode ser usada em uma sequência de argumentação para provar a outra. Uma discussão é um
tipo específico de diálogo de persuasão, em que o objetivo é resolver um conflito de opiniões. As quatro etapas da
discussão crítica são a etapa de abertura, a etapa de confrontação, a etapa de argumentação e a etapa de
encerramento.

Relevância dialética é o tipo de relevância que se refere ao uso de uma sequência de raciocínio em uma
cadeia argumentativa, que deveria contribuir para o cumprimento de um objetivo conversacional que duas partes
estão colaborando para atingir. Com frequência, analisar relevância também é parcialmente uma questão do evento
de fala, ou estrutura institucional ou cultural específica de um argumento. Por exemplo, em uma reunião de comitê
em um ambiente organizacional, pode-se esperar que um presidente [chairman] ou moderador lide com irrelevância
dialética, aplicando regras de relevância como parte das regras processuais (regras de ordem) apropriadas ao
encontro. Em debates políticos em assembleias legislativas, regras de relevância são aplicadas pelo Presidente da
Câmara [Speaker of the House], que deveria ser justo e neutro e usar o bom senso [good judgment] para manter a
linha de argumentação no caminho certo [on track]. Políticos, no entanto, frequentemente tentam usar argumentos
irrelevantes para marcar pontos contra a oposição, e conseguir atenção da mídia ao aparentarem ser poderosos
retóricos [rhetoricians], "agitadores e motores" ["shakers and movers"]. Muito frequentemente, essas táticas de
desvio [diversion] funciona muito bem em um público não crítico, subvertendo assim o verdadeiro sentido de uma
democracia, que é dar uma discussão aprofundada de um assunto, que revele todos os argumentos relevantes mais
fortes em ambos os lados do debate. Essa meta é derrotada pelo uso de argumentos irrelevantes mas divertidos
[entertaining], que são o material e a substância do jornalismo de tabloides.
200

O argumento de apelo ao medo possui a seguinte forma:

PREMISSA DE SITUAÇÃO AMEDRONTADORA: Aqui está uma situação que é amedrontadora para você.

PREMISSA CONDICIONAL: Se você realizar A, então as consequências negativas retratadas nessa situação
amedrontadora acontecerão com você.

CONCLUSÃO: Você não deveria realizar A.

Pode-se ver facilmente, a partir dessa forma de inferência, que o argumento do tipo apelo ao medo representa uma
sequência de raciocínio prático baseada no argumento de consequências negativas.

Existem três questões críticas correspondentes para o argumento de apelo ao medo:

1. A situação representada deveria ser realmente amedrontadora para mim, ou é um medo irracional que é
apelado?

2. Se eu não realizar A, isso impedirá que as consequências negativas aconteçam?

3. Se eu realizar A, qual a probabilidade de que as consequências negativas aconteçam?

Argumentos de apelo ao medo podem ser bem razoáveis em muitas situações, apesar da reputação de serem
falaciosas.

O uso de ameaças como argumentos (argumentum ad baculum) tem a seguinte forma:

PREMISSA CONDICIONAL: Se você não trazer A à tona, então a consequência B irá ocorrer.

PREMISSA DE COMPROMISSO: Comprometo-me a fazer com que B venha a acontecer nessa situação.

CONCLUSÃO: Você não deveria trazer A à tona.

Existem quatro questões críticas correspondentes ao uso de ameaça como argumento:

1. O quão ruim são as consequências?

2. Qual a probabilidade de que as consequências aconteçam?

3. A ameaça é crível?

4. A ameaça é relevante?

O tipo de argumento ad baculum ser relevante ou não, em um caso específico, depende do contexto de diálogo no
qual foi usado. Ameaças podem ser relevantes em negociações, mas elas são irrelevantes no tipo de diálogo
conhecido como discussão crítica.

Apelo à dó é outro tipo de argumento que desperta fortes emoções, e pode ser usado com efeitos
poderosos para distrair um público do verdadeiro ponto que supostamente deveria ser a questão. Entretanto, alguns
apelos à dó, como em casos de apelos caridosos, podem ser relevantes ao assunto que está sendo discutido. O que
é bem importante, ao se determinar se algum desses apelos emocionais é relevante ou não em um determinado
caso, é o contexto de diálogo nesse caso. De fato, o que muitas vezes engana as pessoas em pensar que um desses
argumentos seja relevante, quando realmente não é, é o desvio dialético de um contexto a outro durante a
201

sequência de argumentação. Analisar a relevância ou irrelevância de argumentos, assim, é uma questão altamente
contextual. Depende de como um argumento está situado em um caso, em um contexto de diálogo para o caso. É
preciso fazer uma análise global de para onde o argumento está indo, se ele está levando em direção à tese a ser
provada no diálogo ou não, até onde esse assunto pode ser julgado a partir das informações dadas no caso.
OITO Raciocínio Prático em uma Estrutura Ideológica

As estruturas argumentativas analisadas neste capítulo são bem típicas dos tipos de raciocínio comumente usados
em deliberações do dia a dia. Essas estruturas de inferência também são usadas em todos os aspectos da tecnologia,
especialmente em campos tais como engenharia e medicina, onde os objetivos são essencialmente práticos por
natureza, apesar do raciocínio ser baseado em conhecimento científico. Mas seus usos raiz e sua aparência mais
familiar a nós na vida cotidiana está no raciocínio que nós comumente usamos para decidir o curso de ação a se
tomar, especialmente quando escolhas pessoais sobre como conduzir o cotidiano são feitas e empregadas em
situações reais. Como argumentos, inferências práticas são tipicamente usadas no tipo de diálogo chamado, no
capítulo 6, de deliberação. A deliberação é caracterizada pela necessidade de se chegar a uma decisão sobre o que
fazer, em um conjunto de circunstâncias que não é conhecido por completo de um agente, e que é responsável
[liable] por mudar de maneiras que são impossíveis de se predizer com certeza. Assim, o raciocínio prático tende a
usar esquemas argumentativos que não são dedutivos nem indutivos por natureza.

Começamos com casos bastante simples de inferências práticas, e então, ao final do capítulo, analisamos
as chamadas situações do mundo real, nas quais fatores adicionais precisam ser levados em consideração. Tais
inferências práticas são bem familiares e são amplamente usadas por todos. Então este livro não as introduz a elas
– não no sentido de introduzir a algo no qual você já não seja bem habilidoso em usar de uma maneira prática. Mas
ao se tornar ciente da estrutura lógica desses tipos de inferência, e estudar como elas se encaixam juntas em
sequências de raciocínio usadas em argumentos em uma deliberação, suas habilidades críticas de lidar com
deliberações arrazoadas podem ser melhoradas. Tais habilidades podem permitir que você "pense duas vezes" em
alguns casos, e adote uma perspectiva crítica mais equilibrada sobre conclusões questionáveis que você, em outra
ocasião, teria subestimado.

UM Inferências Práticas

Muito do raciocínio usado em argumentos cotidianos não é nem indutivo nem dedutivo por natureza e, em vez
disso, é de um tipo usado para selecionar de um conjunto de cursos de ação alternativos, possíveis, cuja linha de
ação é a mais prática em uma dada situação, relacionada ao objetivo de um agente. Uma inferência prática é baseada
em uma premissa que declara um objetivo, e uma premissa que declara os meios para se realizar o objetivo, e possui
uma conclusão que recomenda uma ação. Raciocínio prático é um encadeamento de uma sequência de informações
práticas, em que a sequência leva em direção a um objetivo último, e conclui em uma diretriz prática recomendando
um curso de ação a se tomar em uma dada situação inicial, como um agente vê a situação. 66 O raciocínio prático é
"prático" porque infere uma conclusão, que representa uma ação que é a coisa mais prática ou prudente a se fazer,
em um determinado conjunto de circunstâncias.

O tipo mais simples de inferência prática pode ser representado como se segue, sendo que o pronome de
primeira pessoa "eu" representa um agente, uma entidade capaz de possuir metas, de ter ciência de suas
circunstâncias, e de agir sobre essas circunstâncias e mudá-las.

Eu tenho um objetivo, O.

Levar a cabo esta ação é o meio para se realizar O.

Portanto, eu deveria (praticamente falando) realizar esta ação.

Por exemplo, suponha que meu objetivo seja fechar a porta, e o meio para se fechar a porta seja girar a maçaneta e
empurrar a porta. Assim, os componentes básicos de uma inferência prática são três em número. Uma premissa

66
O conceito de raciocínio prático foi originalmente descrito por Aristóteles (384-322 a.C.), que mostrou como esse
tipo de raciocínio é um encadeamento de inferências práticas, de um tipo às vezes chamado de "silogismos
práticos". No entanto, essa terminologia pode ser enganosa, porque uma inferência prática não é um silogismo e é
bem diferente de uma inferência silogística dedutiva.
203

descreve ou postula um objetivo. A segunda premissa descreve uma ação que é um meio ou caminho para se atingir
o objetivo. E a conclusão recomenda realizar essa ação.

A estrutura da inferência prática pode ser apresentada se uma maneira mais útil se representarmos os
resultados das ações como proposições, A, B, C, …, de modo que realizar uma ação possa ser descrito como fazer
uma proposição acontecer, ou "torná-la verdade". Utilizando essa maneira de falar, a estrutura da inferência prática
pode ser representada pelo esquema a seguir.

Meu objetivo é fazer A acontecer.

Fazer B acontecer é o caminho para se fazer A acontecer.

Portanto, eu deveria fazer B acontecer.

Há dois caminhos mais específicos de representar inferências práticas, dependendo do que se quer dizer, mais
exatamente, por "o caminho" (ou "os meios") para se fazer algo acontecer. Tipicamente, o que é referido é uma
condição necessária para se fazer algo acontecer, mas en alguns casos o que é referido é uma condição suficiente
para se fazer algo acontecer. Por exemplo, pagar mensalidade é um meio para se graduar, no sentido dec que é uma
condição necessária, mas não suficiente, para se graduar. Eu matar esta mosca é condição suficiente para que esta
mosca esteja morta. Mas não é uma condição necessária, pois a mosca pode ter morrido de outra forma. Os
conceitos de uma condição necessária e suficiente são definidos na seção 2.

O raciocínio prático envolve uma sequência de inferências práticas encadeadas, na qual algumas das
inferências na cadeia representam condições necessárias, enquanto outras representam condições suficientes. Por
exemplo, para chegar na estação de trem às 3 da tarde, eu pegar o ônibus número 9 que sai às 2 e 30 pode ser
suficiente. Mas, para pegar o ônibus número 9 que sai às 2 e 30, pode ser necessário que eu deixe minha casa às 2
e 15. Pode ser necessário, também, que eu tenha um bilhete de ônibus. Para obter a passagem, pode ser necessário
entrar na loja e fazer outras coisas também. Assim, é provável que haja uma longa sequência de ações que eu tenha
que realizar para chegar na estação de trem às três em ponto. Muitas condições necessárias seriam parte da
sequência, e se ela for suficientemente longa e detalhada, toda a sequência seria um modo suficiente para eu chegar
à estação de trem às 3 da tarde.

O raciocínio prático é geralmente um tipo derrotável de raciocínio, sujeito a qualificações, expressas em


várias questões. Ao julgar uma inferência prática, cinco questões críticas se fazem apropriadas.

(Q1) Há outros meios alternativos além de B?

(Q2) A é uma meta possível (realista)?

(Q3) Há outras metas que talvez entrem em conflito com A?

(Q4) Há consequências negativas de fazer B acontecer que deveriam ser consideradas?

(Q5) Seria B a melhor (ou mais aceitável) das alternativas?

Três questões críticas adicionais para casos mais complexos de raciocínio prático são adicionadas na seção 8. Mas,
para os tipos simples de casos considerados até o momento, essas quatro perguntas são o suficiente. Um exemplo
de (Q1) seria que eu poderia pedalar minha bicicleta até a estação de trem, em vez de pegar o ônibus, e ainda assim
chegar lá às 3 em ponto. Já um exemplo de (Q2) seria que eu estivesse tão longe da estação de trem, no tempo
presente, que nenhum meio de transporte disponível faria com que eu chegasse lá até as 3 em ponto. Como uma
ilustração de (Q3), considere o caso em que eu começo a me sentir bem mal, e a preocupação com meu bem estar
(outra meta) sugere que seria mais sábio ir ao hospital em vez de ir à estação de trem. Como um exemplo de (Q4),
considere o caso em que eu sou uma estrela do rock, e descubro que há uma grande multidão [crowd] de meus fãs
amontoados no trem, que ainda estarão lá às 3 horas, de modo que se eu for lá a essa hora, eles irão me reconhecer
e a multidão vai começar uma rebelião. Essas consequências negativas deveriam me fazer reconsiderar. Como um
exemplo de (Q5), eu poderia descobrir que tomar um avião seria mais rápido que tomar o trem.
204

O raciocínio prático é normalmente avaliado ou pesado sobre uma balança de considerações. A importância
de um objetivo precisa ser pesada contra as consequências positivas ou negativas de realizar os meios até os
objetivos, na medida em que essas consequências possam ser razoavelmente previstas. Entretanto, considerando
que o futuro nunca é sabido com plena certeza e, mais tipicamente, nem mesmo sabido com algum grau preciso de
probabilidade, o raciocínio prático, caracteristicamente, é provisório e presuntivo por natureza. Uma conclusão
prática plausível, mesmo uma que esteja fortemente indicada, deveria, geralmente, ser vista como aberta à revisão,
caso informações novas, relevantes surjam.

Alguns objetivos são bem específicos. Por exemplo, estar na estação de trem às 3 em ponto é uma meta
bem específica. Mas alguns objetivos são bem gerais e abstratos. Por exemplo, se minha meta é ser saudável, este
é um objetivo de longo prazo de um tipo geral, pois poderia haver todos os tipos de maneiras diferentes e meios de
contribuir para isso, a depender das minhas circunstâncias em períodos diferentes. Eu poderia obter todos os tipos
de conselho sobre que tipos de alimentos e exercícios, e que tipos de coisas fazer ou não, são os meios mais
praticamente sábios de colaborar com essa meta. É por essa razão que o raciocínio prático que tem a ver com
objetivos gerais é frequentemente presuntivo por natureza, e composto de inferências plausíveis que são relativas
a condições mutáveis. Um objetivo geral guia o raciocínio, de modo a direcionar a inferência para uma conclusão
plausível, para ser aceita provisoriamente como presunção, com base no que é atualmente conhecido ou aceito
como representando as condições vigentes.

EXERCÍCIO 8.1

Avalie os seguintes casos de raciocínio prático, mostrando a estrutura das inferências práticas envolvidas e citando
questões críticas apropriadas que deveriam ser perguntadas.

A. Eu preciso chegar à faculdade até as 10 da manhã, mas há uma nevasca, e meu carro não liga. A melhor
opção é começar a andar.

B. É necessário que nossos colegas estudem chinês, porque o comércio com a China é um fator econômico
cada vez mais importante na nossa economia. Para negociar efetivamente com a China, precisamos de
pessoas que possam interagir culturalmente com os chineses. Porém, interagir culturalmente com a China
requer aprender a língua deles. Portanto, precisamos aprender chinês.

C. Rita cogita ficar acordada a noite toda para estudar para seu exame de cálculo. Na noite antes da prova,
Bruce a diz, "Você ficará muito cansada e confusa durante a prova para pensar direito".

D. Para se lidar com o crime efetivamente, precisamos de sentenças mais rígidas. É difícil manter vidas
produtivas e tranquilas com tanto crime. O crime precisa ser reduzido, então precisamos lidar com ele
efetivamente. Portanto, precisamos ter penas mais rígidas.

E. Para garantir a segurança do trabalho, é necessário que o sindicato entre em greve, pois, se não
entrarmos em greve, a empresa pode decidir promover cortes. Além disso, a não ser que entremos em
greve, a empresa não irá concordar com novas cláusulas no contrato, que tornariam mais difícil despedir
trabalhadores. Logo, o sindicato precisa entrar em greve.

F. A única maneira para eu entrar na faculdade de medicina é tendo um bom desempenho no MCAT
(Medical College Admission Test). Mas a única maneira para eu me dar bem no MCAT é prestar um curso
de pensamento crítico. Portanto, eu deveria prestar um curso de pensamento crítico.

DOIS Condições Necessárias e Suficientes

Se uma porta específica é a única saída desse cômodo, e essa porta está fechada, seria verdade dizer que o único
jeito que eu posso sair do cômodo é abrir a porta. Colocando a mesma ideia na linguagem das condições, poderíamos
dizer que abrir a porta é uma condição necessária para sair do cômodo. Ou, para colocar de outra forma: Sem abrir
a porta, não há saída do cômodo. Outro conceito na linguagem das condições é aquele de condição suficiente. Se
205

Abraham Lincoln foi assassinado por John Wilkes Booth, então Abraham Lincoln está morto. Essa declaração
condicional expressa a ideia de que Lincoln ser assassinado por Booth é uma condição suficiente para Lincoln estar
morto. Como vemos nesse caso, a condicional, ou "se-então", é normalmente o caminho para se expressar a ideia
de que uma coisa é suficiente para outra. Todavia, nesse caso, pode-se também ver que os conceitos de condição
necessária e suficiente diferem um do outro. Apesar de ser assassinado por John Wilkes Booth ser condição
suficiente para Abraham Lincoln estar morto, não é uma condição necessária. Lincoln poderia, possivelmente, ter
sido assassinado por outro, como poderia ser defendido por um cético ou teórico da conspiração. Similarmente, no
caso da minha saída deste cômodo, abrir a porta não seria (por si só) condição suficiente para minha saída do
cômodo. Eu também teria que passar pela porta, ou encontrar algum outro jeito de escapar, uma vez que abri a
porta. Então, uma condição não é, em geral, a mesma coisa que uma condição suficiente.

Mas os dois conceitos estão relacionados. Se algo é condição necessária para alguma coisa, então a
inocorrência da primeira coisa é suficiente para a inocorrência da segunda. Considere a afirmação de que é
necessário haver combustível no tanque para que esse carro ande. Se segue disso que não haver combustível no
tanque é suficiente para que o carro não ande. O mesmo princípio funciona também no sentido inverso. Se algo é
condição suficiente para outro, então a inocorrência da primeira coisa é necessária para a inocorrência da segunda.
Por exemplo, suponha que seja suficiente para a morte de Bob que ele engula um ou mais miligramas de cianeto
[cyanyde]. Então é necessário para Bob permanecer vivo que ele não engula um ou mais miligramas de cianeto.

Esses princípios que dizem respeito ao relacionamento entre afirmações necessárias e suficientes pode ser
expressado, de forma geral, como se segue, usando a negação, ou símbolo de "não" (~), indicando que ~A tem o
valor de verdade oposto de A, isto é, se A é verdadeiro, então ~A é falso, e vice-versa.

(T1) Se A é condição necessária de B, então ~A é condição suficiente de não-B.

(T2) Se A é condição suficiente de B, então ~A é condição necessária de não-B.

Dois outros princípios gerais também podem ser elencados. Esses princípios expressam a ideia de que os
relacionamentos entre condições necessárias e suficientes são conversões uns dos outros, como indicado por (T3) e
(T4) abaixo.

(T3) Se A é condição necessária para B, então B é condição suficiente para A.

(T4) Se A é condição suficiente para B, então B é condição necessária para A.

Um exemplo já usado pode ser utilizado novamente para ilustrar esses dois princípios. Pagar mensalidades é uma
condição necessária para se graduar. Por (T3) se segue que ter se graduado é condição suficiente para se ter pago
mensalidade. Para ilustrar (T4), considere o seguinte exemplo. Queimar uma vela é condição suficiente para a
presença de oxigênio na atmosfera que envolve a vela. Dessa forma, oxigênio na atmosfera é uma condição
necessária para que a vela queime.

Você poderia usar (T3) e (T4) para definir o conceito de condição necessária em termos do conceito de
condição suficiente, ou vice-versa. Então precisamos, na verdade, definir apenas um dos conceitos, e então
poderemos definir o outro em termos daquele. E já vimos que o conceito de condição suficiente pode ser definido
em termos do conceito de uma condicional. Então, de certa forma, nós não estamos introduzindo duas novas ideias
aqui. Mesmo assim, é bem importante ter um bom entendimento das ideias de condição necessária e suficiente
para se poder entender como o raciocínio funciona. Considere como um exemplo de (T1) a afirmação "É necessário
que precise haver combustível no tanque para que o carro ande". Por (T1), se segue que não haver combustível no
tanque é condição suficiente para que o carro não ande. Considere como exemplo de (T2) a afirmação "É suficiente
para a morte de Bob que seu cérebro fique privado de oxigênio por uma hora". Por (T2), se segue que é necessário
para que Bob não morra, ou seja, para que permaneça vivo, que seu cérebro não fique privado de oxigênio por uma
hora.

O raciocínio crítico tipicamente envolve uma sequência de inferências práticas encadeadas. Por exemplo,
para se poder chegar até a estação de trem às 3 da tarde, eu teria que pegar o ônibus das 2 horas. Todavia, para se
pegar o ônibus das 2 horas, eu teria que andar até o ponto de ônibus. E para fazer isso, tenho que movimentar meus
pés. Além disso, uma vez que eu chego na parada de ônibus, eu terei que realizar outras ações, como entrar no
ônibus e pagar a passagem de ônibus. A cada inferência prática na sequência de raciocínio, há uma premissa-objetivo
e uma premissa-meio. Geralmente, a premissa-meio afirma uma condição necessária à realização do objetivo, e daí
206

toda a sequência de raciocínio, considerada como uma coisa só, representa uma condição suficiente para a
realização do objetivo. Porém, em alguns casos de inferências práticas, a premissa-meio pode declarar uma condição
suficiente para a realização do objetivo. O raciocínio prático é, geralmente, o encadeamento de uma sequência
conectada de condições necessárias e suficientes para a concretização [bringing about] do objetivo.

EXERCÍCIO 8.2

Reexpresse cada uma das afirmações seguintes, como uma relação de condições necessárias e suficientes entre as
duas proposições (ou eventos, ou ações). Então as re-expresse em termos das outras relações. Quer dizer, se é uma
relação de condição necessária, expresse-a por uma relação equivalente de condição suficiente, ou vice-versa.

A. Se o sindicato entrar em greve, o novo contrato do motor a jato não será concluído no prazo.

B. Se Bob ganhar o torneio de xadrez, Ed perderá.

C. Para passar neste exame de geometria, Norman precisa acordar quatro horas mais cedo e memorizar oito
teoremas.

D. Se Herman não conseguir uma alta pontuação no LSAT (Law School Admission Test), ele não será admitido
na faculdade de direito.

E. A não ser que Lola molhe esta planta de hibisco, ela não irá produzir flores.

F. Estudar argumentação crítica te dá uma visão crítica sobre seus próprios preconceitos e pontos de vista
que você, em outro contexto, não teria se nunca estudasse o assunto.

TRÊS Raciocínio Disjuntivo

Uma das questões críticas para avaliar a utilização de raciocínio prático em um caso específico foi a questão de meios
alternativos.

(Q1) Há meios alternativos de realizar o objetivo em questão?

Normalmente, o caso é que há mais de um meio para se realizar um objetivo, e então o problema seria escolher o
"melhor" meio, ou pelo menos o que é melhor (de um ponto de vista prático) do que os outros. O primeiro passo
em um tal caso envolve levar em consideração um número de alternativas. Nesse tipo de raciocínio prático, todas
as alternativas, exceto uma, são eliminadas, e então a última restante é selecionada. Esse tipo de raciocínio é o
raciocínio disjuntivo, ou o raciocínio de escolher uma entre um conjunto de alternativas, ao reduzi-las (otimamente
ao eliminar todas exceto uma).

O tipo mais simples de raciocínio disjuntivo é o tipo de duas alternativas a seguir, tradicionalmente
chamado de silogismo disjuntivo na lógica.

(SD) Ou A ou B

Não A

Portanto B

O padrão é eliminar uma das disjunções e então selecionar a outra como a conclusão a ser inferida. A ordem da
disjunção não importa. A seguinte forma é igualmente válida: ou A ou B; não B; logo A. Um exemplo de uma
inferência do tipo silogismo disjuntivo seria o caso a seguir.
207

Ou a raposa foi para a colina ou para o buraco.

A raposa não subiu a colina.

Portanto, a raposa entrou no buraco.

Nesse padrão de raciocínio, uma vez que é eliminada a disjunção de que a raposa foi para a colina (presumidamente,
a partir da observação da colina), então se conclui que a raposa deve ter entrado no buraco (mesmo que sua entrada
não tenha sido observada).

O raciocínio disjuntivo não se restringe a duas alternativas. Pode haver em qualquer número. Geralmente,
o raciocínio disjuntivo tem a seguinte forma:

(RD) Ou A0 ou A1 ou A2 ou… An-1 ou An

Não (Ou A0 ou A1 ou A2 ou… ou An-1)

Logo não An

Para fazer com que uma inferência da forma (RD) seja válida (ou forte ou plausível, dependendo de se o raciocínio
é dedutivo, indutivo ou presuntivo), dois requisitos gerais precisam ser atendidos: (1) A lista na primeira premissa
deve representar todas as alternativas disponíveis, isto é, ela precisa ser abrangente; e (2) todas as alternativas,
exceto aquela designada como conclusão, devem ser eliminadas.

Conforme a questão foi expressa até agora, argumentos da forma (RD) dizem respeito à verdade e falsidade
de proposições. O (RD) diz essencialmente o seguinte: pelo menos uma das proposições A0, A1, A2, …, An-1, An precisa
ser verdadeira; todas as proposições A0, A1, A2, …, An-1, são falsas; logo, An precisa ser verdade. Contudo, em muitas
situações, o raciocínio disjuntivo também assume a forma de selecionar dentre um conjunto de cursos alternativos
de ação. Em tais casos de raciocínio prático, as variáveis A0, A1, …, An representam proposições contingentes que
descrevem cursos de ação, abertos a um raciocinador prático como estados de coisas potencialmente prudentes ou
praticamente razoáveis para se fazer acontecer. Considere o seguinte exemplo.

Suponha que uma meta importante para mim seja ser saudável, e meu médico me diz que, para ser
saudável, eu precise perder quatro quilos e meio [ten pounds]. Além disso, eu sei que, para perder quatro
quilos e meio, eu preciso comer refeições que tenham menos calorias e, especificamente, menos gordura.
Na sexta-feira, eu me encontro no balcão da delicatesse, onde há uma variedade de sanduíches diferentes
disponíveis: de atum com maionese, frango com maionese, carne com mostarda, o Reuben (sanduíche de
pastrami com chucrute), e carne em conserva com maionese. Suponha que eu saiba que o sanduíche
Reuben tenha um alto teor de gordura, e que todos os sanduíches de maionese tenham elevado teor de
gordura. Por raciocínio disjuntivo, eu posso eliminar todos, menos o sanduíche de carne com mostarda,
como escolhas prudentes. Uma conclusão prudente, por raciocínio prático, seria selecionar o sanduíche
de carne com mostarda.

A inferência prática nesse caso é derrotável, porém. Se eu descobrir, independentemente, que carne com mostarda
também tem um teor elevado de gordura, próximo ou igual ao daquele dos outros sanduíches, essa nova informação
derrotaria a inferência. Ou se eu descobrir que o teor de gordura do que estou comendo não é um fator importante
para a perda de peso, como eu fui levado a crer em algum momento isso poderia influenciar meu raciocínio. Outra
suposição da inferência seria que, no momento do raciocínio, eu não soubesse que o teor de gordura de carne com
mostarda, ou não tivesse razão para acreditar que é tão alto quanto aqueles dos outros sanduíches. Outro fator de
derrota nesse caso seria o custo do sanduíche, ou outras questões críticas que poderiam ser levantadas, em conexão
com outras metas (além da perda de peso) que fossem importantes para mim.

Uma maneira de criticar um silogismo dedutivo é atacar a primeira premissa (disjuntiva), argumentando
que ela não representa todas as alternativas possíveis que deveriam ser consideradas. Considere o seguinte
exemplo:
208

Temos uma escolha entre ceder a uma demanda estudantil e ensinar o que os alunos querem, ou
permanecer impassível e ensinar o que precisa ser ensinado. Ceder à demanda estudantil e ensinar o que
os alunos querem não é um curso de ação aceitável. Portanto, precisamos permanecer impassíveis e
ensinar o que precisa ser ensinado.

Esse argumento possui a forma de um silogismo disjuntivo, e é, por causa disso, uma inferiore estruturalmente
correta. Mas a primeira premissa é aberta a questionamento crítico, por motivos de que a dicotomia estabelece uma
disjunção que é uma bifurcação muito exclusiva das alternativas disponíveis. Pois, em muitas situações, a escolha
não é tão acentuadamente [sharply] dicotômica. Ser sensível à demanda estudantil é bom no ensino, em algum grau,
mas um certo grau de firmeza em se ater ao que um instrutor sente que é material que precisa ser ensinado, também
é bom. Mas a prudência de compromissos possíveis, nesse caso, derrota a premissa disjuntiva simplesmente
dicotômica. Poderia ser que acomodar os interesses dos estudantes é compatível, pelo menos em algumas situações
e até certo ponto, com ensinar o que precisa ser ensinado. A inferência pode ser válida, ou estruturalmente correta
como inferência, mas sua premissa disjuntiva poderia ser criticada por ser falsa ou implausível, dependendo das
especificidades [particulars] do caso.

EXERCÍCIO 8.3

Exiba a estrutura de raciocínio usada nos seguintes argumentos, usando a forma de SD ou a forma de RD, e avalie o
argumento.

A. Ou eu preciso ficar nesse cômodo ou não. Se eu deixar o cômodo, eu não conseguirei terminar de
escrever este capítulo. Mas eu preciso escrever este capítulo. Portanto, eu preciso permanecer neste
cômodo.

B. Ou permitimos que o governo assuma o controle total do campo da medicina, ou devemos permitir que
nossos médicos fiquem livres das restrições governamentais. Permitir que o governo assuma o controle
total do campo da medicina não é um curso de ação prudente. Portanto, devemos permitir que nossos
médicos fiquem livres de restrições governamentais.

C. A seguinte disjunção foi usada por Bertrand Russell em 1948, como parte de seu argumento para justificar
a sabedoria prudencial de realizar um ataque nuclear preventivo [pre-emptive] contra a Rússia: "Ou nós
entramos em guerra contra a Rússia antes que ela desenvolva a bomba atômica, ou teremos que nos
deitar e deixar que eles nos governem".

D. Uma criança implora ao pai que a compre um novo par de tênis de corrida: "Ou você me compra um par
de tênis de corrida Nike Air, ou a minha autoestima irá despencar [plummet] ao nível de aversão
[loathing] pessoal e inferioridade percebida. Reduzir minha autoestima a esse nível seria uma coisa muito
má de você fazer.

QUATRO Levando Consequências em Consideração

Raciocínio prático é sobre o que fazer ao se tomar algum curso de ação no futuro que parece prudente agora, como
uma maneira de se realizar um objetivo. Mas um problema é que nós nunca realmente temos certeza do que vai
acontecer no futuro, especialmente em situações complexas referentes à políticas sociais e econômicas, decisões
políticas, ou planejamento de negócios. É melhor ser flexível, porém, por outro lado, é prático e realista tentar levar
em conta as consequências previsíveis de uma ação, na medida em que se pode supor ou adivinhar o que essas
consequências provavelmente são. De fato, uma das perguntas críticas para a inferência prática (citada na seção 1)
coloca a questão dos efeitos colaterais.

(Q4) Há consequências negativas de se realizar o ato em questão que deveriam ser consideradas?
209

Ao se fazer essa questão, avalia-se o curso de ação sendo proposto como conclusão de uma inferência prática, por
perguntar se há quaisquer consequências previsíveis desta ação que deveriam ser levadas em consideração. Se essas
consequências são negativas – isto é, se elas vão de encontro aos objetivos de alguém, ou tendem a miná-los de
alguma forma –, então essa descoberta providencia uma base para duvidar, ou para se retirar a aceitação da
inferência prática sendo considerada, ou seja, como representando um motivo para se tomar o que supostamente
seria um curso de ação prudente.

Na verdade, essa forma de raciocínio em direção à conclusão de ter reservas (ou seja, desconfiar) sobre a
aceitação de uma inferência prática é tão comum que tem um nome. Conforme foi discutido no capítulo 3, é de
denominado argumentum ad consequentiam, ou argumento de consequências (literalmente, quer dizer "argumento
para consequência"). Como forma de raciocínio, sempre faz uso, como premissa, de consequências supostamente
previsíveis de uma ação proposta, e então infere-se a conclusão de que esse curso de ação é recomendável ou não
recomendável. Esta forma de raciocínio pode ser utilizada de modo positivo ou negativo, como um argumento para
responder à inferência prática que foi apresentada quando duas partes deliberam uma com a outra sobre o melhor
curso de ação. Em um argumento de consequências positivas/negativas, uma política ou curso de ação é sustentado
(ou contrariado) ao se mencionar consequências positivas (ou negativas) de se realizar tal política ou curso de ação.

O argumento de consequências é frequentemente usado em deliberações econômicas e políticas, em que


duas partes (ou grupos) discordam sobre qual o melhor curso de ação a se perseguir. Repetindo o exemplo utilizado
no capítulo 3, seção 5, duas pessoas, Bob e Helen, discordam sobre se dar gorjetas é geralmente um bom costume,
ou uma boa política social que deve ser continuada. Bob usou o seguinte argumento:

Se a prática de dar gorjetas fosse descontinuada, resultaria em desemprego.

Desemprego é algo ruim.

Portanto, não seria uma boa ideia descontinuar a prática de dar gorjetas.

Nesta situação, Bob citou consequências negativas de uma certa política ou curso de ação, para poder argumentar
contra esta política ou curso de ação. Logo, ele usou o tipo de argumentação que diz respeito ao argumento de
consequências negativas do capítulo 3.

O argumento de consequências também pode ser usado de forma positiva, como mostrado pelo exemplo
usado no capítulo 3, seção 5. Helen se utilizou do seguinte argumento:

Se a prática de dar gorjetas fosse descontinuada, provedores de serviço (ou seja, trabalhadores) teriam
maior autoestima.

Ter mais autoestima é algo bom.

Portanto, a prática de dar gorjetas deveria ser descontinuada.

Ela citou consequências positivas de uma certa política ou curso de ação, como motivo para sustentar que essa
política ou curso de ação é uma boa ideia. Logo, ela fez uso de um argumento de consequências positivas.

O argumento de consequências é frequentemente usado em deliberações que pesam os prós e os contras


de um curso de ação sendo contemplado. Por exemplo, em março de 1995, eleitores na província de Quebec tiveram
reuniões da prefeitura para deliberar sobre ter um referendo, que os desse a chance de deixar o Canadá e formar
um país separado, ou permanecer como província no Canadá. Alguns argumentaram que as consequências
econômicas da separação do Canadá seriam bastante negativas para Quebec. Outros argumentaram que ter um
único país francófono separado do Canadá anglófono geraria consequências positivas para a cultura francesa em
Quebec.

Em casos desse tipo de deliberação política, tipicamente o argumento é sobre os resultados ou


possibilidades futuras de algum curso de ação que é único, de modo que as prováveis consequências podem ser
adivinhadas ou previstas. O futuro nunca pode ser conhecido com convicção, e adivinhar pode ser bem especulativo,
considerando que muitas variáveis complexas de uma situação real estão envolvidas. Por isso, o argumento de
consequências, como tipo de raciocínio, é geralmente presuntivo por natureza.
210

Ao se avaliar argumentos que partem de consequências, deve-se ter muito cuidado para estar atento à
questão de qual ação as supostas consequências hipoteticamente decorrem. No caso do debate sobre gorjetas, Bob
e Heken citam as consequências positivas ou negativas das ações, ou práticas, de dar ou não dar gorjetas. Porém,
em alguns casos em que a argumentação por consequência é empregada, o raciocínio muda para citar as
consequências da ação de falar sobre as ações ou práticas em questão. Por exemplo, suponha que Helen dissesse a
Bob: "É melhor que você cale a boca se você sabe o que é melhor para você. O seu argumento a favor de
descontinuar a prática de dar gorjetas poderia resultar em trabalhadores ficando desempregados. E se qualquer um
relatasse esse argumento para o comitê sindical sobre equidade no emprego, você poderia perder seu próprio
emprego!". Aqui, Helen cita as consequências negativas, mas elas são consequências de Bob continuar a discutir
sobre gorjetas, não sobre as consequências do próprio ato de se dar gorjetas.

Para considerar outro exemplo que possa ajudar, suponha que dois políticos, Dave e Eunice, estejam
discutindo criticamente sobre a questão do aborto. Dave sustenta o ponto de vista pró-vida, e Eunice defende o
ponto de vista pró-escolha. Dave acabou de apresentar um argumento para sua tese de que o aborto é uma má
prática que deveria ser descontinuada, por motivos de que o feto é uma pessoa que possui o direito à vida. Eunice
responde: "Se você tomar essa visão, você não será eleito". Como um aviso ou conselho, a menção de consequências
poderia ser bem acertada, e a própria afirmação poderia ser verdadeira. Mas, como um uso de argumento de
consequências, você tem que fazer a pergunta: "O fato de Dave não ser eleito (o que pode ser bastante contrário
aos seus objetivos) está sendo citado como consequência de sua política de aborto, ou está sendo citado como
consequência de Dave falar sobre a questão do aborto, tal como ele faz?". No último caso, o argumento de
consequência não vai de encontro com o raciocínio prático sobre a questão do aborto que Dave utilizou como seu
argumento. Realmente, o argumento de consequência vai contra a prudência de Dave em dizer o que diz (ou até
mesmo dizer qualquer coisa, de jeito algum) sobre o assunto. Em vez disso, o argumento de consequência está sendo
usado como um argumento para silenciar Dave e impedir que ele participe ainda mais na discussão.

Avaliar o uso do argumento de consequências negativas por parte de Eunice, neste caso, traz o conceito de
relevância (estudado no último capítulo). O argumento de consequências de Eunice pode parecer relevante, pois
oferece um aviso ou conselho prático para o político Dave. Mas Eunice e Dave supostamente deveriam estar
engajados em uma discussão sobre o assunto de se o aborto é, em geral, uma boa prática que é moralmente
justificável, ou se não é. No contexto desse diálogo, o argumento de consequências de Eunice não é dialeticamente
relevante, no sentido de contribuir para a resolução do conflito de opiniões que é o assunto da discussão. O fato de
Dave ser ou não eleito não irá resolver a questão de se o aborto é, em geral, uma prática que é moralmente
justificável ou não.

Obviamente, o argumento de consequências de Eunice é relevante para qualquer deliberação em que Dave
esteja em dúvida no que se refere às suas perspectivas de ser eleito. Pode ser, por exemplo, que Dave seja, no
momento presente, um candidato para um cargo político, ou considerando um tal curso de ação. Mas esse
argumento de consequências não é relevante na discussão sobre a questão do aborto. É preciso ter cuidado em um
caso como este, pois o argumento de consequências, de fato, parece ser um modo relevante de se levantar questões
sobre o raciocínio prático defendido por um oponente. Mas não é verdadeiramente relevante, no sentido correto,
pois são as consequências da argumentação daquela pessoa sobre a questão que estão sendo referidas como
negativas, não as consequências da política que ela recomenda.

EXERCÍCIO 8.4

Avalie o uso do argumento de consequências nos seguintes casos.

A. Pierre e Mary estão discutindo sobre a questão de Quebec se separar do resto do Canadá. Pierre sustenta
que a separação seria uma coisa boa, porque preservaria a herança cultural francófona. Mary argumenta
que, se Quebec se separasse, haveria desemprego em massa, especialmente em Quebec, onde há muitos
funcionários do governo federal

B. Bob está prestes a tentar consertar seu rádio pegando um fio energizado [live wire]. Jane o avisa: "Eu não
faria isso. Você pode levar um choque terrível!".
211

C. Ted e Alice estão tendo uma discussão crítica sobre a questão de se o vegetarianismo é saudável ou não.
Ted argumenta: "Apoiar o vegetarianismo levará ao desemprego na indústria da carne, e se você criticar a
indústria da carne, você terá grandes problemas!".

D. Bill e Marcia estão discutindo se os Estados Unidos estavam certos em invadir o Iraque na Operação
Tempestade no Deserto. Bill argumenta: "Até mesmo questionar esta decisão dos EUA simplesmente
encorajará aqueles que adiam a ação contra Saddam Hussein, e levará a mais conflitos internacionais".

E. A integrante do Comitê de Ação Eunice e o professor Dave estão envolvidos em uma discussão de
seminário sobre a questão do aborto. Eunice argumenta: "As mulheres estão morrendo agora porque não
podem ter acesso a instalações de aborto supervisionadas por médicos. Ao argumentar contra o lado pró-
escolha, você está prejudicando as mulheres, e isso é uma forma de abuso que não é mais tolerada nas
universidades".

CINCO O Dilema

Conforme observado na seção 3, o raciocínio prático envolve fazer escolhas entre cursos alternativos de ação, ao se
julgar qual deles representa a melhor maneira de prosseguir. Em alguns casos, é muito difícil se decidir, e pode haver
inferências práticas bem boas para sustentar ambas as alternativas, de modo que a escolha se reduz a dois cursos
de ação. O que fazer? Em alguns casos, a decisão é particularmente dolorosa, pois ambas as opções possuem algo
bem doloroso sobre elas, e você tem motivos bem fortes para achar que cada uma delas possui considerações
práticas que se opõem a ela como curso de ação. Este tipo de situação é um dilema, em que há dois argumentos
opostos representando as duas linhas de ação abertas, e cada uma delas contém considerações práticas robustas,
que vão contra si como uma linha de conduta que irá contribuir para os objetivos do selecionador [chooser].

O dilema é uma espécie de argumento de consequências, usado muito comumente em deliberações, em


que você é confrontado com a necessidade de se fazer uma escolha entre dois cursos alternativos de ação, e ambas
alternativas possuem consequências negativas conhecidas ou mencionadas. O seguinte exemplo representa um
dilema típico.

Se aumentarmos os gastos governamentais, o aumento no déficit irá enfraquecer o dólar.

Se diminuirmos os gastos governamentais, os desabrigados e desempregados vão sofrer.

Precisamos ou aumentar ou diminuir os gastos governamentais.

Logo, ou o aumento do déficit enfraquecerá o dólar, ou os desabrigados e desempregados sofrerão.

O dilema nesse exemplo possui a seguinte forma.

Se A, então B.

Se C, então D.

Ou A, ou C.

Portanto, ou B ou D.

O dilema é uma forma dedutivamente correta de inferência, assim, para contestar [dispute] a conclusão de um
dilema, você precisa questionar as premissas.

Em qualquer dilema, existem duas premissas condicionais e uma premissa disjuntiva. Em alguns casos, é
possível questionar o dilema disjuntivo. Se dúvidas forem levantadas sobre a veracidade da premissa disjuntiva ai se
citar uma terceira alternativa, a estratégia é chamada de "escorregar entre os chifres" do dilema (tradução literal).
Por exemplo, no dilema acima, seria possível redarguir que há uma terceira alternativa: manter os gastos
governamentais no nível atual. Para se proteger [guard] contra esse tipo de ataque, seria possível mudar uma das
premissas condicionais no argumento acima, como se segue:

Se aumentarmos os gastos governamentais, o aumento do déficit vai enfraquecer o dólar.


212

Se não aumentarmos os gastos governamentais, os desabrigados e desempregados irão sofrer.

Ou aumentamos os gastos governamentais ou não.

Logo, ou o aumento no déficit enfraquecerá o dólar, ou os desabrigados e os desempregados sofrerão.

Agora o argumento foi alterado de modo a possuir a seguinte forma:

Se A, então B.

Se não A, então C.

Ou A, ou não A.

Portanto, ou B ou C.

Agora não é mais possível "escorregar entre os chifres", porque não há mais espaço para isso. A premissa disjuntiva
é uma tautologia. Ela é logicamente verdadeira, o que quer dizer que não é logicamente possível que seja falsa.

A proposição "choverá amanhã" é uma proposição contingente, de modo que a proposição ser verdadeira
ou falsa depende do que acontecer no futuro. Em contraste, a proposição "Ou vai chover amanhã ou não" é
logicamente verdadeira (uma tautologia), pois é verdade independentemente do que acontecer amanhã. A
proposição "A caneta está sobre a mesa e s caneta não está sobre a mesa" é logicamente falsa, ou uma contradição
– uma proposição que não pode possivelmente ser verdadeira. Tautologia e contradições não são contingentes por
natureza, de forma que elas não podem ser contestadas da mesma maneira que as proposições contingentes.

No dilema logo acima, então, não podemos mais "escorregar entre os chifres", assim, o modo alternativo
mais direto de atacá-lo é levantando dúvidas sobre o argumento de consequências negativas em uma das premissas
condicionais. A tática de atacar o argumento por uma ou outra das premissas condicionais é chamado de "agarrar
os chifres do dilema" (novamente, tradução literal). Pode-se formular questões sobre a segunda premissa, por
exemplo, ao argumentar que, caso não aumentemos os gastos governamentais, mas mantê-los nos níveis atuais, os
desabrigados e desempregados talvez não sofram, pelo menos não mais do que já sofrem, de qualquer forma.

Considerando que o dilema é uma forma estruturalmente correta de inferência, pode parecer que a única
maneira possível de atacá-lo é atacar uma ou mais das premissas. Contudo, há outro modo para se atacar um dilema,
que é bem esperto mas não é usado com frequência. Este método é construir um contra-dilema: um dilema inverso
que contém uma conclusão inversa àquela do dilema original. Um contra-dilema famoso foi usado por Euathlus, um
aluno do filósofo e advogado Protágoras, que se especialização em pleitear [pleading] perante júris na Grécia do
século V a.C. Era consenso entre eles que Euathlus pagaria sua taxa de matrícula a Protágoras quando Euathlus
ganhou sua primeira causa. Quando Euathlus postergou a prática de casos de alegação [pleading cases], Protágoras
o processou, usando o seguinte dilema como seu argumento no julgamento:

Se Euathlus ganhar nesta causa, então ele vencerá sua primeira causa, e então deverá me pagar, de
acordo com nosso consenso.

Se Euathlus perder esta causa, então ele deve me pagar, em acordo com o julgamento do tribunal.

Euathlus deve perder ou ganhar esta causa.

Portanto, Euathlus deve me pagar.

Euathlus defendeu seu lado apresentando o seguinte contra-dilema:

Se eu perder esta causa, então, pelo nosso acordo, eu não preciso pagar Protágoras ainda.

Se eu ganhar esta causa, então eu não preciso pagar Protágoras, de acordo com o julgamento do tribunal.

Devo perder ou ganhar esta causa.


213

Logo, eu não preciso pagar Protágoras.

Nenhuma decisão foi registrada sobre quem ganhou a causa.

Apresentar um contra-dilema é um jeito esperto de atacar um dilema, mas não é frequentemente utilizado,
pois requer ingenuidade e preparação consideráveis. Os métodos muito mais usuais e prontamente disponíveis são
aqueles de "escorregar por entre os chifres" ou "se agarrar aos chifres". Geralmente, então, o dilema é uma espécie
de raciocínio que combina raciocínio disjuntivo com o argumento de consequências. É típico do raciocínio cotidiano,
nas deliberações em que, no decorrer da condução das nossas vidas, nos deparamos com situações em que todas
as opções disponíveis têm consequências negativas. Apesar de sermos dilacerados [torn] nesses casos, muitas vezes
somos forçados, pela estrutura de dilema do raciocínio, a fazer uma escolha, de um jeito ou de outro.

EXERCÍCIO 8.5

Avalie criticamente cada um dos dilemas a seguir, usando ou a estratégia de "escorregar entre os chifres" ou a
estratégia de "pegar um dos chifres". Selecione um exemplo e monte um contra-dilema em oposição ao dilema
original.

A. Se o instrutor pretende agradar os alunos mais capazes, alguns alunos ficarão frustrados e alegarão que
sua apresentação não é clara. Se o instrutor visa agradar os alunos menos capazes, alguns alunos ficarão
entediados e alegarão que o curso é "Mickey Mouse". O instrutor deve procurar agradar os alunos menos
capazes ou os alunos mais capazes. Portanto, alguns ficarão frustrados e alegarão que a apresentação do
instrutor não é clara, ou alguns alunos ficarão entediados e afirmarão que o curso é “Mickey Mouse”.

B. Se as clínicas de ensino médio devem conter a onda de gravidez na adolescência, devem dispensar
preservativos; mas se querem desencorajar o sexo ilícito, não devem dispensar preservativos. Uma vez
que as clínicas de ensino médio devem dispensar ou não dispensar preservativos, ou elas não detêm a
onda de gravidez na adolescência ou não desencorajam o sexo ilícito.

C. Se o suicídio assistido por médico for permitido, os médicos violarão seu princípio ético de não matar um
paciente. Se o suicídio assistido por médico não for permitido, alguns pacientes morrerão uma morte
indigna com sofrimento desnecessário. Ou suicídio assistido por médico é permitido ou não é. Portanto,
ou os médicos violarão seu princípio ético de não matar um paciente, ou alguns pacientes morrerão uma
morte indigna com sofrimento desnecessário

D. Se tivermos tarifas e cotações, estaremos constantemente tendo guerras comerciais internacionais. Se


tivermos livre comércio, estaremos constantemente tendo despejos injusto de produtos estrangeiros
subsidiados em nossos mercados domésticos. Temos que escolher. Ou podemos ter tarifas e cotas ou
podemos ter livre comércio. Portanto, estaremos constantemente tendo guerras comerciais
internacionais, ou estaremos constantemente tendo despejos injusto de produtos estrangeiros
subsidiados em nossos mercados domésticos.

E. Se não proibirmos a expressão de argumentos "odiosos" a grupos de pessoas, essas pessoas serão
prejudicadas. Se proibirmos a expressão de argumentos que são "odiosos" a grupos de pessoas,
perdemos liberdade de expressão. Ou banimos tais argumentos ou não. Portanto, ou prejudicamos as
pessoas ou perdemos liberdade de expressão.

F. Se pessoas são contratadas para cargos universitários com base em critérios de ação afirmativa, perde-se
o princípio da contratação exclusivamente por mérito. Se as pessoas não são contratadas para cargos
universitários com base em critérios de ação afirmativa, certos grupos que foram desfavorecidos no
passado não são tratados da mesma forma. Ou as pessoas são contratadas para cargos universitários com
base em critérios de ação afirmativa ou não são. Portanto, ou o princípio da contratação exclusivamente
por mérito se perde ou certos grupos que foram desfavorecidos no passado não são tratados de forma
igual.
214

SEIS A Suposição do Mundo Fechado

Para ilustrar como o raciocínio prático funciona em um tipo simples de caso, projetistas de sistemas robóticos,
construídos para realizar ações autonomamente, gostam de citar certos tipos de problemas. Característica de tais
casos é a suposição do mundo fechado, no qual tudo é considerado constante, exceto os fatos declarados no caso.
Um exemplo é o mundo dos blocos, no qual há vários blocos empilhados em uma superfície plana, como uma mesa,
e um braço robótico pode pegar um bloco de cada vez e colocá-lo em cima de outro bloco. Cada um dos blocos
contém uma letra impressa nele. A situação inicial (dada) é que os blocos estão empilhados [stacked] em uma certa
ordem, em uma ou mais pilhas. O objetivo é empilhá-los em uma ordem diferente. E o meio usado é a função "pegar"
do braço do robô, que pode pegar um bloco e o soltar. No mundo dos blocos, há um objetivo claramente declarado,
um conjunto finito (comumente pequeno) de meios alternativos (passos) que podem ser usados para se bater a
meta, e uma desconsideração de quaisquer fatores intrusivos ou consequências externas, que não sejam a situação
inicial, os meios, e o objetivo, conforme declarado. O robô é o único agente sendo considerado, e nada mais para
além do que o robô faz importa, ou não faz, no mundo dos blocos.

Um exemplo é o seguinte caso simples de um problema do mundo dos blocos, cuja situação inicial está representada
pela figura 8.1. Neste caso, o objetivo é que o braço robótico inverta as duas pilhas de blocos, de modo que a pilha
ABC seja empilhada na posição à direita, e a pilha DEF seja posicionada à esquerda, onde a pilha ABC estava antes.
A única ação permitida ao braço robótico, para se poder atingir a meta, é levantar um bloco de uma pilha e o colocar
sobre uma superfície, S. No entanto, não pode haver mais do que três pilhas, a um mesmo tempo. Então o braço do
robô não pode realizar a ação de, por exemplo, posicionar o bloco A em algum lugar da superfície, é então colocar
o bloco B em algum outro lugar (que não seja sobre A ou D). O objetivo, então, é que o braço do robô inverta as
duas pilhas existentes sem nunca gerar mais do que três pilhas de blocos.

Há apenas duas sequências de ações que podem ser empregadas para se realizar o objetivo. Tire A da pilha da

Figura 8.1 Situação inicial no mundo dos blocos.


esquerda e o coloque sobre S. Coloque B sobre A. Coloque C sobre B. Coloque D sobre C. Coloque E sobre D. Esta
sequência produz a situação mostrada na figura 8.2., com uma nova pilha de blocos localizada entre as duas posições
das duas pilhas anteriores. Depois, o braço do robô deve mover F para a esquerda, para ocupar o lugar sobre S no
qual a pilha ABC estava na figura 8.1. Então o braço do robô deve posicionar E em cima de F, e então posicionar D
em cima de E. O resultado, mostrado na figura 8.3, é a situação inversa à da figura 8.1. O único outro caminho pelo
qual o objetivo pode ser atingido neste caso é realizar a mesma sequência de ações, mas na ordem inversa. Isto é, o
braço robótico deve começar, a partir da situação inicial da figura 8.1, colocando D sobre S, então colocando E sobre
D, e daí em diante.

Figura 8.2 Nova situação no mundo dos blocos. Figura 8.3 Objetivo atingido no mundo dos blocos.
Neste caso do mundo dos blocos, a situação é simplificada por várias suposições. Há uma determinada situação
inicial, e ela somente pode ser modificada ao se fazer um tipo de ação especificado. Uma sequência de tais ações é
possível, de modo a conduzir até uma meta claramente especificada. Mais importante do que isso, é possível aplicar
a suposição de mundo fechado – nenhuma outra ação ou evento externos podem se intrometer, apresentando
algum novo desenvolvimento ou obstruções. O mundo fechado é a suposição de que qualquer fator não especificado
215

em um determinado banco de dados (o conhecimento em posse do agente) pode ser presumido como falso. 67 Em
outras palavras, a suposição é que todas as informações relevantes em uma situação foram especificadas, e qualquer
outra coisa pode ser desconsiderada [disregarded], ou presume-se que não seja aplicável à situação tal como é
conhecida. O seguinte exemplo mostra como a suposição de mundo fechado é usada como base para se traçar uma
inferência:

Uma passageira em um terminal aéreo está examinando o monitor de voo televisionado, para ver se há
um voo de Vancouver para Nova York. Ela verifica todas as conexões de voo listadas no monitor e não
encontra nenhum voo Vancouver-Nova York entre os voos listados. Ela conclui que não há voo entre
Vancouver e Nova York.68

A suposição de mundo fechado é de que todos os voos que podem ser tomados por esse terminal, naquele
momento, estão listados no monitor. Dessa forma, se um voo entre Vancouver e Nova York não está listado, pode-
se inferir que não há tal voo disponível. Se nenhum voo como este está especificado como um dado positivo no
banco de dados, pode-se presumir que a proposição de que existe um tal voo é falsa. Aqui a inferência, baseada na
suposição de mundo fechado, se baseia na premissa de que o banco de dados é completo. Então, se uma proposição
não está expressa, tal lacuna no conhecimento justifica a inferência de que a proposição é (ou pode ser presumida
como sendo) verdadeira.

O mundo real do agir cotidiano e pensar sobre o que fazer não é como o tipo simples de problema
representado no mundo dos blocos. No mundo dos blocos, tudo o que você precisa saber para encontrar a melhor
linha de ação para atingir nosso objetivo é conhecido; as circunstâncias não estão sujeitas a mudanças; e não há
preocupações, no que diz respeito à introdução de novos conhecimentos que possam atrapalhar a situação, ou
indicar um maneira diferente de resolver o problema. Contudo, mesmo apesar das incertezas das situações do
mundo real em que a ação se faz necessária, o raciocínio prático pode ser aplicado baseando-se no pressuposto do
mundo fechado e, assim, permitindo que uma conclusão seja tirada,ao se agir com base no conhecimento que se
tem.

EXERCÍCIO 8.6

Mostre a sequência de raciocínio prático necessária para ir da situação inicial ao objetivo, no caso abaixo, onde a
suposição do mundo fechado é válida. O lado esquerdo da Figura 8.4 (estado inicial) mostra três torres e quatro
discos de tamanhos diferentes empilhados na primeira torre. Como todos os quatro discos podem ser transferidos
para a terceira torre, da forma que é mostrada no lado direito (estado-objetivo), sem nunca colocar um disco
maior em cima de um disco menor?

Figura 8.4 A Torre de Hanoi.

SETE Inferências de Falta de Conhecimento

Nas tomadas de decisão cotidianas, na maioria dos casos não é necessário compilar todo o conhecimento necessário
para se chegar em uma decisão máxima sobre a melhor maneira possível de se fazer algo, ao escolher entre todos

67
Raymond Reiter, "Nonmonotonic Reasoning", Annual Review of Computer Science 2 (1987): 147-186 (referência à p.
158).
68
Este exemplo foi apresentado por Raymond Reiter, "A Logic for Default Reasoning", Artificial Intelligence 13 (1980):
81-132.
216

os meios alternativos. Em muitos casos, compilar toda essa informação, antes de se tomar uma atitude, seria muito
oneroso e demorado. Tanto atraso assim pioraria a situação, ou mesmo impossibilitaria que qualquer ação útil fosse
realizada. Em vez disso, a política mais prática é se contentar com racionalidade limitada, isto é, prosseguir com o
raciocínio prático sobre a base da informação que você já possui; ou com informação suficiente, por razões práticas,
que pode ser coletada, de modo que você pode pegar um curso de ação que é suficientemente bom para se fazer a
tarefa. Em um caso como esse, a suposição de mundo fechado não é apenas um requerimento prático, e em vez
disso você supõe que você sabe o suficiente para prosseguir.

Por esses motivos, é frequentemente melhor traçar uma conclusão presuntiva para dar continuidade ao
raciocínio cotidiano na base de um balanço de considerações, e avançar com uma linha de ação tomada
provisoriamente, mesmo que as razões para uma alternativa, e contra as outras, não sejam conclusivas. É claro, não
se trata de uma recomendação para se agir precipitadamente [rashly] ou impulsivamente, mas frequentemente um
balanceamento de considerações é uma base de argumento forte o suficiente, para se chegar em um ônus de prova
apropriado para que uma deliberação fundamentada possa prosseguir (provisoriamente) e estabelecer uma
conclusão.

Em muitas ocasiões de uso de raciocínio prático em deliberações corriqueiras, traçar uma conclusão sensata
é uma questão de encontrar o equilíbrio certo entre o que se sabe e o que não se sabe. Em alguns casos, é até
possível traçar uma conclusão útil, por meio de uma inferência presuntiva, a partir do que não é conhecido. Este
tipo de inferência, denominada inferência de falta de conhecimento (às vezes também chamada de argumento por
ignorância ou raciocínio a partir de evidência negativa), possui a seguinte forma geral: 69

Não se sabe se a proposição A é verdadeira/falsa.

Se A fosse verdadeira/falsa, saberia-se que fosse verdadeira/falsa.

Portanto, A é falsa/verdadeira..

A inferência de falta de conhecimento é uma subespécie do modus tollens (MT), aquela inferência que emprega
raciocínio baseado em conhecimento. Um exemplo seria o seguinte caso, que se refere a Leona Helmsley, esposa
do ex magnata imobiliário nova-iorquino Harry Helmsley. O caso de sua condenação e prisão foi assunto de interesse
público intenso, e foi amplamente divulgado pela mídia na época. Alguém em busca de notícias recentes sobre essa
história poderia argumentar como se segue;

Eu não tinha ouvido falar que Leona Helmsley tinha sido libertada da prisão.

Se isso fosse verdade, eu saberia (pois Leona Helmsley é de intenso interesse para a mídia).

Logo, Leona Helmsley não foi (presumivelmente) libertada da prisão.

Este exemplo ilustra a natureza presuntiva deste tipo de inferência. A conclusão pode ser inferida na medida em que
a proposição aceita provisoriamente afirma que é bastante plausível (a julgar pelo que se sabe) que Leona Helmsley
não foi libertada da prisão ainda. Entretanto, o argumento neste caso também depende de se a argumentadora
coletou informações da mídia de notícias, tal que ela saberia que Leona foi libertada se a mídia tivesse veiculado
isso.

Outro exemplo irá ilustrar ainda mais como funciona a inferência de falta de conhecimento. Suponha que
alguém tenha acusado o Sr. X de ser espião para um país estrangeiro e que, apesar dessa suspeição, uma investigação
de segurança pelo FBI não encontrou evidências de que o Sr. X fosse um espião estrangeiro. O que pode ser inferido
a partir desse resultado negativo? A seguinte inferência de falta de conhecimento pode ser traçada:

Nenhuma evidência de que o Sr. X seja um espião estrangeiro foi encontrada.

Se houvessem evidências a serem achadas de que o Sr. X fosse um espião estrangeiro, a busca do FBI as
teria encontrado.

69
Douglas Walton, Arguments from Ignorance (University Park: Pennsylvania State University Press, 1995).
217

Portanto, o Sr. X não é um espião estrangeiro.

Seria possível contestar que o Sr. X não é um espião estrangeiro até onde sabemos, mas não seria possível que a
busca do FBI apenas não tivesse encontrado a evidência certa? Não seria possível, por exemplo, que o Sr. X fosse
uma "toupeira" ["mole"], um espião profundamente oculto, de modo que evidências sobre ele são difíceis de serem
encontradas? Se sim, seria a inferência acima aceitável? Bem, certamente tem que ser, admitindo-se que essa
alternativa de "toupeira" é uma possibilidade. Então, podemos traçar a conclusão negativa de que o Sr. X não é um
espião estrangeiro como sendo verdadeira? A resposta é que depende do propósito do diálogo no qual a inferência
acima está sendo usada como parte do argumento, e da etapa que o diálogo atingiu no momento em que o
argumento foi apresentado.

Argumentos de ignorância pressupõem um diálogo que é comumente do tipo de busca por informação ou
de inquérito, em que dados são coletados sobre uma base de conhecimento. O quão forte o argumento é depende
de quantos dados foram coletados, em determinado ponto do diálogo no qual o argumento foi colocado. No caso
acima, a força do argumento depende do quanto de informação que o FBI coletou. Se eles tivessem feito uma
investigação séria e coletado todo conhecimento que poderia ser achado sobre o Sr. X, de forma que eles poderiam
dizer que sabiam muito sobre o Sr. X, então o argumento de ignorância sobre o Sr. X poderia ser bem forte. Assim,
uma questão crítica que corresponde ao argumento de ignorância é a pergunta de profundidade de pesquisa.

CQ1: Quão completa é a busca por conhecimento encontrado na investigação?

Outra questão concerne o ônus da prova.

CQ2: O quão completo o conhecimento precisa ser para sustentar o argumento adequadamente?

Suponha, por exemplo, que o Sr. X tenha um emprego que envolva algum risco à segurança nacional, e que portanto
o Sr. X necessite de um certo nível de certificação [clearance] de segurança. Segue-se disso que uma deliberação
prática precise ser conduzida: o Sr. X deveria ser removido de seu trabalho ou não? O resultado depende de uma
balança de considerações: o risco de segurança (a má consequência de deixar segredos de estado escaparem) deve
ser pesada contra a má consequência de ferir uma pessoa inocente que não é uma espiã.

Em termos práticos, então, a inferência de falta de conhecimento sobre o Sr. X acima deveria ser avaliada
dentre duas alternativas, sobre uma base de balanço de considerações. O quão sério seria um risco de segurança no
trabalho atual do Sr. X, por um lado? E, por outro lado, o quão minuciosa (séria) foi a busca do FBI? Aqui, a suposição
é de que ambas as premissas sejam verdadeiras. Em particular, supõe-se que a segunda premissa seja verdadeira,
pelo motivo de que o FBI é uma agência confiável, profissional e competente, que possui experiência em conduzir
esses tipos de investigações de segurança, e que decerto eles realizaram uma investigação séria sobre esse caso.
Dizer que o FBI fez uma investigação séria requer que eles (agentes do FBI) tenham feito uma busca minuciosa o
suficiente, tal que pode-se dizer que o conhecimento deles é razoavelmente completo. Precisa ser suficientemente
completo, para garantir aquela ação que está sendo tomada. Se essas premissas são aceitáveis, então a inferência
deveria ser julgada sobre uma base de balanço de considerações entre o nível de certificação de segurança
apropriado ao risco no caso do Sr. X, versus a completude da busca. Se a busca fosse completa o suficiente para
preencher os requerimentos do nível de certificação apropriado àquele risco, então deve ser concluído
(presuntivamente) que o Sr. X não é um espião estrangeiro.

Geralmente, um argumento de ignorância é forte (fortemente plausível) se: (1) a inferência possui a forma
de inferência de falta de conhecimento acima; (2) as premissas são, ou podem ser, sustentadas por evidências do
caso; (3) o suporte dado pelas premissas é suficientemente forte para inclinar a balança de considerações para o
lado da conclusão. Poderia-se retrucar em nome de uma "tolerância zero", é dizer que o Sr. X deveria ser demitido
se há, em todo caso, qualquer risco de que ele seja um espião estrangeiro. Mas esta seria uma conclusão
praticamente sábia ou sensata de se traçar? Por paridade de raciocínio, qualquer um que fosse acusado, ou que
fosse suspeito, de ser um espião teria que ser despedido de seu emprego. Traçar esta conclusão significaria que
qualquer um poderia ser demitido, ou que todos poderiam ser demitidos, dos quais se pode afirmar que "Não há
nenhuma evidência de que ele/ela seja um(a) espião/espiã". Isso seria uma inversão no ônus da prova normalmente
considerado apropriado para acusações de má conduta criminal. Mas mais do que isso, não seria uma forma de
avaliar o raciocínio de falta de conhecimento, que fosse uma maneira sensata ou praticamente equilibrada de se
conduzir deliberações de tipos familiares. Assim, no final, nem sempre é praticamente sensato continuar coletando
todo o conhecimento de que você precisaria, para te fornecer a informação absolutamente completa para se chegar
a um raciocínio conclusivo em um caso. Poderia ser mais sábio traçar provisoriamente uma conclusão presuntiva
218

sobre a base de um balanço de considerações, pesando o que você sabe contra o que você não sabe, escolhendo
(no equilíbrio) a alternativa sustentada mais fortemente, se sustentada bem o suficiente para fins práticos.

Em alguns casos, contudo, uma das premissas pode ter pouco ou nenhum suporte real, mas bota-se pressão
no diálogo para tentar fazer com que o respondente do argumento de ignorância salte para a conclusão
acriticamente.

No início dos anos 1950, Joseph R. McCarthy, um senador de Wisconsin, acusou muitas pessoas
inocentes, em um interrogatório de "caça às bruxas", de serem simpatizantes do comunismo. McCarthy
aparecia com uma pasta volumosa em um tribunal, que parecia ser de um julgamento, na televisão,
confrontando um funcionário que havia sido acusado de ser um "risco à lealdade" de seu trabalho. 70 Ele
normalmente levava consigo uma pasta volumosa de aparência impressionante, cheia de arquivos de
provas prejudiciais sobre o acusado, mas na verdade os papéis continham na maior parte insinuações e
calúnias, e nenhuma evidência real. 71 Em um caso, McCarthy declarou: "Eu não tenho muita informação
sobre isso, exceto a declaração geral da agência de que não há nada nos arquivos para refutar suas
conexões comunistas".72

O que torna a inferência de falta de conhecimento um argumento de ignorância falacioso, em um caso como esse,
é a segunda premissa muitíssimo questionável. Neste tipo de caso, a primeira premissa é presumivelmente
verdadeira, a de que nenhuma evidência foi encontrada sobre a pessoa acusada ser comunista. Mas a segunda
premissa é altamente duvidosa. Pois se nenhuma busca real por evidências foi realizada, e a acusação se baseou
simplesmente em fofoca ou calúnia [slander], é questionável se tais evidências seriam encontradas se uma procura
séria por elas fosse feita. Além disso, o conceito de alguém ser um "simpatizante do comunismo" é vago. É uma
proposição difícil de ser comprovada ou refutada. E muitas das assim chamadas evidências que sustentam essa
alegação são frequentemente baseadas em insinuações e calúnias, relatadas a partir dos dizeres [say-so] dos
acusadores que nem foram chamados para testemunhar ou se submeterem a um interrogatório. Há muita dúvida
sobre se os métodos investigativos utilizados pelos tribunais teriam se deparado com evidências de alguém
constituir um "risco de fidelidade", mesmo que existam evidências assim para serem encontradas, em determinado
caso.

EXERCÍCIO 8.7

Identifique as premissas e a conclusão em cada uma das inferências de falta de conhecimento a seguir, e avalie se o
argumento de ignorância é forte ou não.

A. Provavelmente não existe vida em Vênus. Equipes de cientistas realizaram estudos exaustivos da
superfície e da atmosfera do planeta, e nenhum organismo vivo foi encontrado.

B. Pergunta-se à base de conhecimento de um sistema especialista em produtos industriais e agrícolas na


América do Sul, chamada SCHOLAR,73 a questão: "A Guiana é um grande produtor de borracha?" O
SCHOLAR não contém a proposição "Guiana é um grande produtor de borracha" em sua base de
conhecimento, e tudo o que pode encontrar positivamente, após uma pesquisa minuciosa, é que Peru e
Colômbia são grandes produtores de borracha. SCHOLAR responde: "Sei o suficiente para dizer que a
Guiana não é um grande produtor de borracha na América do Sul".

C. Ninguém jamais provou que déficits federais maciços são realmente prejudiciais à economia. Podemos
concluir apenas que tais déficits não representam nenhum perigo real.

70
Allan J. Matusow, Joseph R. McCarthy (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1970).
71
Richard H. Rovere, Senator Joe McCarthy (New York: Harcourt Brace, 1959), pp. 130-133.
72
Ibid., p. 130.
73
Allan Collins, Eleanor H. Warnock, Nelleke Aiello e Mark L. Miller, "Reasoning from Incomplete Knowledge", em
Representation and Understanding: Studies in Cognitive Science, ed. Daniel G. Bobrow e Allan Collins (Nova York:
Academic, 1975), pp. 383-415.
219

D. A percepção extra-sensorial deve ser aceita como um fato, porque ninguém provou que é impossível.

E. Ensaios clínicos randomizados do novo medicamento Thoromalozene não conseguiram provar quaisquer
efeitos colaterais deletérios. É razoável prosseguir com a comercialização do Thoromalozene, agora que
se provou seguro.

OITO Situações do Mundo Real

A explicação [account] anterior [foregoing] do raciocínio prático foi simplificada em respeito a vários aspectos. A
suposição foi a de que um único agente está carregando todo o raciocínio e que este agente tem apenas um objetivo
que é ser levado em consideração. Em qualquer situação do mundo real, porém, um agente terá uma pluralidade
de metas. Em alguns casos, a execução de uma meta por um agente pode até mesmo introduzir um conflito, ao
provocar [bring about] algo que possa interferir na realização de outro objetivo que o agente possui. Em situações
do mundo real, múltiplos objetivos são o tipo normal de estrutura [framework] com a qual um raciocinador prático
terá que trabalhar. Outra complicação é que em qualquer situação do mundo real, vários agentes independentes
são mais propensos a se envolver em uma sequência de raciocínio prático. Um agente talvez tenha metas que sejam
diferentes daquelas de outro agente. De fato [indeed], os seus objetivos podem até mesmo entrar em conflito, e os
dois talvez negociem um com o outro através de concessões e trocas [trade-offs]. Uma terceira complicação é que
o raciocínio prático pode nem sempre ser completado uma vez que um agente levou a cabo [carried out] uma ação.
Se a ação tem consequências que o agente percebe, ele pode decidir mudar seus objetivos – por exemplo, se ele vê
estas consequências como negativas.

Em alguns casos onde o raciocínio prático é usado, a situação é um dilema de vida ou morte, e qualquer
decisão, uma vez implementada, é final. Contudo, em muitos outros casos, uma vez que uma ação é tomada, as
consequências daquela ação podem ser observadas pelo agente, e então na base desta nova informação, o plano
de ação pode ser alterado de acordo. Esta característica do raciocínio prático, retorno [feedback], é o
monitoramento das consequências da ação de um indivíduo, e a modificação de um plano de ação existente,
baseada em novas informações recebidas [incoming]. O retorno permite que um agente melhore o raciocínio
prático, ao avançar tentativamente com uma linha de ação derrotável como uma conclusão, mas então mudar
aquela conclusão de acordo com novas circunstâncias, à medida em que as consequências daquela linha inicial de
ação são observadas. Muito raciocínio prático, em campos tão diversos como a medicina, educação, e engenharia,
é levado a cabo em uma base de julgamento e erro, onde um tratamento ou técnica é gradualmente aperfeiçoado
ao longo do tempo, à medida em que os resultados de sua implementação são conhecidos e estudados. A suposição
é que às vezes é melhor ir em frente e fazer algo, em vez de esperar coletar tanta informação quanto possível antes
mesmo de tentar dar algum passo. O tipo familiar mais simples de máquina que usa retorno é o termostato. Quando
capta a "mensagem" do termômetro de que a temperatura atingiu marco baixo designado, o calor é ativado. Mas
então quando, como consequência de sua ação, o calor no cômodo aumenta, e o termômetro atinge um marco alto
designado, o termostato ativa ointerruptor para desligar o calor. As consequências de sua ação são que o calor que
o calor começará a diminuir. Então o resultado geral é que o termostato toma um curso médio entre entre extremos
de calor e frio, conforme instruído pela "meta" estabelecida pelo ajuste do termostato por um usuário.

O raciocínio prático pode continuar, em muitos casos, mesmo após uma conclusão ser traçada, e uma ação
ser tomada, porque um retorno pode ocorrer. Mas esta possibilidade constitui um problema. Se um raciocínio
prático pode continuar adiante dessa maneira, quando um desfecho é obtido? Quando uma conclusão pode ser
obtida para que um curso de ação seja prático o suficiente para ser derradeira? A resposta é que nenhuma conclusão
traçada por raciocínio prático em matéria de vida cotidiana é realmente derradeira neste sentido. Em vez disso, a
conclusão é traçada como uma inferência derrotável que é inerentemente sujeita a revisão ou aperfeiçoamento
enquanto novas informações surgem. A suposição de mundo fechado pode ser feita, como base para ação, mas
pode, em alguns casos, ser posteriormente desafiada e revertida, se a situação for mudada. A melhor atitude geral
para um raciocinador prático é ter a mente aberta para novas informações, se ela for disponibilizada em um caso.

Outra questão crítica que deveria ser tida em mente em situações do mundo real é aquela de múltiplos
objetivos. Um agente deveria perguntar, antes de avançar em inferir que uma ação é prudente, se esta ação pode
entrar em conflito com outras metas que o agente possui. Em situações do mundo real, agentes possuem muitos
objetivos, e um pode entrar em conflito com outro, em uma situação específica. Por exemplo, meu objetivo pode
ser avançar na carreira, mas levar a cabo esta meta pode entrar em conflito, em algumas situações, com o meu
objetivo de ser um pai responsável. Suponha que meu filho esteja doente em um dia no qual uma reunião
importante para o meu trabalho esteja sendo realizada. O que eu deveria fazer? Qualquer linha de ação para
220

contribuir com um objetivo pode ir na direção oposta da realização da outra meta. Conforme notado na seção 5,
tais conflitos práticos frequentemente tomam a forma de um dilema.

A terceira complicação diz respeito [concerns] ao tipo realista de situação na qual múltiplos agentes estão
envolvidos. Se eu e você temos a mesma meta, nós talvez decidamos colaborar, percebendo que se nós ajudarmos
um ao outro, as perspectivas [prospects] de levar a cabo as ações requeridas para realizar o objetivo serão
melhoradas. Então talvez nós dois nos envolvamos em deliberações juntos, para discutir e buscar maneiras e meios
de realizar esta meta comum. Por outro lado, se o seu objetivo entra em conflito com o meu, pode ser que nós
entremos em negociações um com o outro. Se eu conseguir tomar as partes do meu objetivo que são mais
importantes para mim, e ao mesmo tempo desistir de outras partes que são mais importantes para você, mas menos
importantes para mim, as negociações poderiam dar certo para ambos nós. A negociação foi tratada como um tipo
de diálogo no capítulo 1.

Em um tipo simples de caso, como no do mundo dos blocos, várias complicações podem ser botadas de
lado para poder explicar os elementos básicos do raciocínio prático. Mas em um caso de mundo real de uma pessoa
tomando decisões sobre como agir em negócios, tecnologia, ou relacionamentos [affairs] pessoais, três
complicações, em particular, levantam questões críticas que deveriam ser feitas.

1. Alguma nova informação, particularmente na forma de retorno, fornece boas razões para revisar a
conclusão anterior que havia sido tomada para representar o curso prático de ação?

2. A conclusão que foi tomada para representar o curso de ação mais prático (até então considerado) entra
em conflito com outros objetivos do agente?

3. Há outros agentes envolvidos, e se sim, a relação entre meus objetivos e os deles indica que uma
discussão com eles antes de ir em frente com minha conclusão seria útil de forma prática?

Estas três questões críticas adicionais se aplicam aos tipos mais complexos de raciocínio prático nos quais retorno,
múltiplos objetivos, ou múltiplos agentes estão envolvidos.

EXERCÍCIO 8.8

Avalie os casos seguintes de raciocínio prático fazendo perguntas críticas apropriadas.

A. Eu preciso ir para a faculdade às 10 da manhã, mas há uma tempestade de neve, e meu carro não irá
pegar. A melhor maneira é começar a andar. Porém, após andar alguns passos, eu percebo que a
tempestade está muito intensa, e eu consigo fazer pouco progresso. Eu começo a me preocupar com
minha segurança se eu ir além.

B. É necessário para os nossos colegas estudantes estudar chinês, porque o comércio com a China é um
fator econômico cada vez mais importante na nossa economia. Para negociar mais eficazmente com a
China, nós precisamos de pessoas aue possam interagir culturalmente com os chineses. Mas interagir
culturalmente com os chineses requer aprender sua língua. Assim, deveríamos aprender chinês. Mas
também queremos preservar nossa herança cultural ensinando a língua francesa para tanto dos nossos
jovens quanto possível. Portanto, nós deveríamos ensinar francês bem como inglês nas escolas.

C. Para lidar com crime efetivamente, nós devemos ter sentenças mais duras. É difícil manter vidas
produtivas e pacíficas, com tanto crime. O crime deve ser reduzido, e por isso precisamos lidar com ele
efetivamente. Assim, precisamos ter condenações mais rígidas. Mas nós também queremos equilibrar o
orçamento, e manter uma pessoa aprisionada por um ano é muito custoso. E se nós tivermos penas mais
pesadas, nós teremos prisioneiros na cadeia por um tempo maior do que temos agora.

D. Para que a segurança no trabalho seja garantida, é necessário que o sindicato faça greve, porque se não
entrarmos em greve, a companhia pode decidir fazer cortes. E ao menos que nós façamos uma greve, a
companhia não irá concordar com novas cláusulas no contrato que tornariam mais difícil despedir
trabalhadores. Então o sindicato precisa entrar em greve. Mas se o sindicato entrar em greve a
221

companhia pode ir à falência, o que significaria que não apenas os oficiais da gerência perderiam seus
empregos, mas os membros do sindicato ficariam desempregados também.

NOVE Resumo e Vislumbres à Frente

O raciocínio prático é um tipo de raciocínio baseado em agentes, composto por uma sequência de inferências
práticas da seguinte forma básica.

Meu objetivo é fazer A acontecer.

Fazer B acontecer é o caminho para se fazer A acontecer.

Logo, eu deveria fazer B acontecer.

O "caminho", ou meios, tipicamente se refere a uma condição necessária para se conquistar algo, mas, em algumas
situações, uma condição suficiente é referida. Cinco questões críticas são utilizadas para se avaliar casos nos quais
essa inferência foi traçada.

(Q1) Há outros meios alternativos além de B?

(Q2) A é uma meta possível (realista)?

(Q3) Há outras metas que talvez entrem em conflito com A?

(Q4) Há consequências negativas de fazer B acontecer que deveriam ser consideradas?

(Q5) Seria B a melhor (ou mais aceitável) das alternativas?

Uma inferência prática pode ser praticamente razoável, no sentido de que a aceitação das premissas dá uma boa
razão para se aceitar a recomendação expressa pela conclusão. Mas essa racionalidade prática é colocada em dúvida,
se qualquer umas das cinco questões críticas forem perguntadas e não respondidas.

A premissa-meio em uma inferência prática por vezes expressa uma condição necessária e por vezes uma
condição suficiente de fazer um resultado acontecer. Dizer que uma coisa é necessária para uma segunda coisa é
dizer que, sem que a primeira coisa aconteça, a segunda não irá. Dizer que uma coisa é suficiente para uma segunda
coisa é dizer que, se a primeira coisa é realizada, a segunda coisa também será. Quatro princípios gerais expressam
relacionamentos-chave entre declarações de condições necessárias e suficientes.

(T1) Se A é condição necessária de B, então ~A é condição suficiente de não-B.

(T2) Se A é condição suficiente de B, então ~A é condição necessária de não-B.

(T3) Se A é condição necessária para B, então B é condição suficiente para A.

(T4) Se A é condição suficiente para B, então B é condição necessária para A.

Geralmente, uma sequência de raciocínio prático é feita de inferências práticas, que expressam relacionamentos de
condições necessárias – e suficientes – entre pares de ações.

O raciocínio prático sempre envolve selecionar de um dado conjunto de alternativas, e tentar reduzi-los
eliminando alguns deles como não sendo as melhores maneiras de se conquistar uma meta. Esse tipo de processo
seletivo de inferência é chamado de raciocínio disjuntivo. No tipo mais simples de caso, há apenas duas alternativas,
e uma é rejeitada. Por raciocínio disjuntivo, a outra é aceita. É preciso ter cuidado, contudo, pois em alguns casos,
alternativas insuficientes são representadas, e a premissa disjuntiva deveria ser criticamente questionada.
Argumentum ad consequentiam (argumento de consequências) é a citação de consequências positivas (ou
negativas) como razão para fazer (ou não fazer), com base no raciocínio prático. O argumento de consequências é
222

um dos tipos de raciocínio mais frequentemente usados em deliberações cotidianas, nas deliberações criadoras-de-
diretrizes em negócios e política, e em aplicações de tecnologia científica. O dilema é uma espécie de argumento de
consequências usado para configurar [set up] duas alternativas opostas, cada uma das quais possui consequências
dolorosamente negativas. Em cada dilema, há duas premissas condicionais e uma premissa disjuntiva. Questionar a
premissa disjuntiva é uma maneira de se criticar um dilema, chamada "escorregar entre os chifres". Em alguns casos,
a tática não é prática ou possível, e é necessário agarrar um dos chifres, isto é, atacar uma das condicionais. A terceira
tática é propor um contra-dilema.

Em casos simples de raciocínio prático, como a situação do mundo dos blocos, a suposição do mundo
fechado é facilmente aplicável, pois tudo que é externo ao mundo simples postulado é considerado constante. Em
um caso como aquele da listagem de dados em um banco de dados – como a listagem de voos em um monitor de
voo televisionado em um terminal aéreo – a suposição de mundo fechado funciona como um dispositivo
conveniente para transmitir informações a um usuário. Se um voo não está listado, então o usuário pode supor que
um tal voo não está no banco de dados. O usuário pode então inferir que não há um tal voo disponível (daquele
terminal). Uma inferência desse tipo, chamada inferência de falta de conhecimento, é um tipo comumente usado
de raciocínio. Ao se avaliar inferências de falta de conhecimento, o quão perto do fechamento esteve a busca pelo
banco de dados é uma questão crítica importante. Se nenhuma busca real de banco de dados foi feita, o argumento
de ignorância pode ser usado como um tipo falacioso de inferência em, por exemplo, uma situação de caça às bruxas,
como os julgamentos McMarthy. É preciso ter especial cuidado ao se avaliar esse tipo de inferência, quando uma
acusação é vaga e é difícil refutar (ou provar) por meio de evidências concretas.

Situações complexas, nas quais a suposição de mundo fechado não se aplica (ou não se aplica muito
facilmente), incluem os casos nos quais o retorno [feedback] é usado para revisar uma inferência prática, casos nos
quais múltiplos objetivos de um agente estão envolvidos, e casos nos quais as metas de mais de um agente estão
envolvidas. Ao se avaliar esses casos mais complexos de raciocínio prático, três questões críticas são importantes.

(1) A nova informação, especificamente na forma de retorno, dá boas razões para revisar a conclusão
anterior que foi tomada para representar o curso prático de ação?

(2) A conclusão que foi tomada para representar o curso mais prático de ação (até então considerado) entra
em conflito com outras metas do agente?

(3) Outros agentes estão envolvidos, e se sim, a relação entre os meus objetivos e os deles indicam que
discutir com eles, antes de ir além com minha conclusão, seria útil no sentido prático?

No total, então, sete questões críticas podem ser usadas para se avaliar os tipos de casos mais complexos nos quais
o raciocínio prático foi usado. Quando a suposição do mundo fechado não se aplica, a melhor abordagem é avaliar
o caso na base de balanço-de-considerações, aceitando a inferência prática de forma temporária [tentatively],
porém mantendo uma mente aberta a novas evidências.

Este capítulo ofereceu uma explicação do raciocínio prático, ou raciocínio direcionado a objetivos, do tipo
que se encaixa no tipo de diálogo chamado de deliberação. Casos da vida real de dilemas são frequentemente
encontrados éticas práticas e tomadas de decisão sob condições de incerteza em situações do mundo real. Ao se
confrontar tais dilemas, vários tipos de argumentos em ambos os lados podem ter que ser levados em consideração
e pesados. Alguns dos tipos mais comuns de argumentos desse tipo são representados pelos esquemas
argumentativos para argumento de consequências, argumento de compromisso, e o argumento dos custos
irrecuperáveis [sunk costs]. Esse capítulo sobre raciocínio prático fornece uma introdução [lead-in] ao volume
planejado sobre pessoas e argumentação ética.

Este livro como um todo introduziu o leitor a formas de vários tipos comuns de argumentação presuntiva,
encaixando-se nos tipos de diálogos introduzidos no capítulo 1. Essas formas são chamadas de esquemas
argumentativos. Exemplos de esquemas que estudamos incluem o apelo à opinião popular apelar ao depoimento
de testemunha, apelo à opinião de especialista, argumento de analogia, argumento de correlação à causa, e o
argumento bola de neve. Cada esquema foi apresentado com um conjunto de questões críticas correspondentes.
Apesar de não termos nos aprofundado muito na tarefa de avaliação, poupando isso para volumes futuros, foi
mostrado ao leitor como exemplos de muitos tipos comuns podem ser parcialmente avaliados, ao se perguntar as
questões críticas certas que sondam [probe] suposições ausentes e pontos fracos. Menções foram feitas de tempos
em tempos de que algumas ocorrências de tais argumentos podem ser falaciosas. Contudo, muito pouca discussão
223

foi incluída sobre como exatamente esses argumentos podem ser avaliados como falaciosos, reservando esse
assunto para o volume sobre falácias. O foco da avaliação, até onde este primeiro volume diz respeito, é sobre como
esses argumentos falíveis podem ser usados racionalmente para se desviar o ônus da prova de um diálogo em uma
balança de considerações. O objetivo central deste livro foi fazer com que o estudante fosse capaz de reconhecer os
vários esquemas argumentativos comuns, como representando diferentes tipos de argumentos que ele ou ela irá,
com frequência, encontrar.

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