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REVISTA

Edição 08 - Outono|2024

Dicionário de
Filosofia Clínica
REVISTA

Expediente

Márcia Ribeiro Baroni


Diretora da Casa da Filosofia Clínica

Carina Dalsoto
Diagramação e Edição

Hélio Strassburger
Conselho Editorial

Miguel Angelo Caruzo


Conselho Editorial

Fernando Fontoura
Conselho Editorial

Dionéia Gaiardo
Conselho Editorial

Publicação da Casa da Filosofia Clínica


Contato: revista@casadafilosofiaclinica.com
Rua dos Andradas, n. 777/152 - Centro Histórico
Porto Alegre/RS - CEP: 90020-003

casadafilosofiaclinica.blogspot.com

Edição 08 - Outono/24

O uso do novo acordo ortográfico fica a critério de cada autor.

Imagem da capa: Márcia Ribeiro Baroni


Ilustrações: Márcia Ribeiro Baroni
Sumário
6 Apresentação - Hélio Strassburger
8 Sobre Exames Categoriais - Dionéia Gaiardo
10 Estrutura de Pensamento - Fernando Fontoura
12 Sobre os Submodos - Miguel Angelo Caruzo
14 Dicionário de Filosofia Clínica
Dionéia Gaiardo | Fernando Fontoura | Hélio Strassburger | Miguel Angelo Caruzo
32 Bibliografia
Índice de termos
Abstrato 15 Em Direção às Ideias Papel Existencial 26
Ação 15 Complexas 20 Partilhante 26
Acolhimento15 Em Direção às Sensações 21 Percepcionar 26
Adição 15 Emoções 21 Planejamento Clínico 26
Agendamento 15 Enraizamento 21 Plasticidade 26
Agendamento Máximo 15 Epistemologia 21 Ponto Cego 27
Agendamento Mínimo 15 Espacialidade Intelectiva 21 Pré-juízos 27
Análise de Estrutura 15 Esquema Resolutivo 21 Princípios de Verdade 27
Análise Indireta 15 Esteticidade Bruta 22 Procedimentos Clínicos 27
Aptidão Submodal 15 Esteticidade Seletiva 22 Procedimentos Emergenciais 27
Argumentação Derivada 16 Estrutura de Pensamento (EP) 22 Raciocínio 27
Armadilha Conceitual 16 Evolução do Assunto Imediato 22 Recíproca de Inversão 27
Assunto Imediato 16 Exames Categoriais 22 Reconstrução 27
Assunto Último 16 Experimentação 22 Redução Fenomenológica 28
Atalho 16 Expressividade 22 Relação 28
Autogenia 16 Filosofia Clínica 23 Representação de Mundo 28
Axiologia 17 Filósofo/Filósofa Clínica 23 Retroação 28
Bem-estar Subjetivo 17 Hermenêutica Compreensiva 23 Roteirizar 28
Borogodó 17 Hipótese 23 Semiose 28
Busca 17 Historicidade 23 Sensorial 28
Categorias 17 Informação Dirigida 23 Significado 28
Circunstância 18 Intencionalidade Dirigida 24 Singularidade 28
Como o Mundo Parece 18 Interseção 24 Somaticidade 29
Comportamento e Função 18 Interseção Confusa ou Submodos 29
Construção Compartilhada 18 Indeterminada 24 Tempo 29
Dado Atualizado 18 Interseção Mista 24
Termos Agendados no Intelecto
Dado Literal 18 Interseção Negativa 24 (agendamento) 29
Dado Padrão 18 Interseção Positiva 24 Termos Unívoco e Equívoco 29
Interseção Tópica 24
Dados da Matemática Termos Universal, Particular,
Simbólica 19 Interseção Submodal 24 Singular 29
Deslocamento Curto 19 Interseção de Estrutura de Tópico 30
Deslocamento Longo 19 Pensamento 25 Tópico de Singularidade
Intuição 25 Existencial 30
Discurso Completo e
Incompleto 19 Inversão 25 Tradução 30
Discurso Existencial 20 Lugar 25 Vice-conceito 30
Divisão/Dados Divisórios 20 Malha Intelectiva 25
Em Direção ao Desfecho 20 O que Acha de si Mesmo 25
Padrão 26
Em Direção ao Termo ou
Conceito Universal 20 Padrão Autogênico 26
Em Direção ao Termo Singular 20 Paixão Dominante 26

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Ilustração: Márcia Ribeiro Baroni
Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24

Apresentação

Ao se ter a proposta de um vocabulário na terapêutica.


área da Filosofia Clínica, inicialmente, se faz O projeto atual do dicionário, teve seu
preciso dizer da imprecisão, fugacidade, início com o filósofo clínico Fernando Fontoura
incompletude, de um desafio dessa natureza, (hoje radicado em Málaga/Espanha), e seus
ou seja, como catalogar numa só publicação, apontamentos para os glossários da revista da
os termos agendados no intelecto de filósofos Casa da Filosofia Clínica - publicação
clínicos, especialistas, partilhantes, escritores, disponível no blog - destacando a manu-
pesquisadores, sem cair no uso comum das tenção e o aperfeiçoamento dos termos na
palavras, as quais, no novo paradigma, pos- área. Com o avanço das atividades
suem um sentido próprio. teórico-práticas da nova abordagem, é
Por volta do ano de 1999, na linda cidade necessária uma atualização dos seus termos,
de Fortaleza/CE, as filósofas clínicas Rochelle como resultante dos atendimentos, estudos,
Garcia Nunes e Rosemary Pedrosa, oferece- publicações.
ram uma obra preliminar - dicionário/voca- A capa e os esboços desta edição de
bulário técnico - para auxiliar o entendimento outono são da artista visual Márcia Baroni. A
dos termos em Filosofia Clínica. publicação ainda oferece artigos sobre as prin-
Nos dias de hoje, um grupo de profissio- cipais etapas do método. Os textos oferecem
nais da área, compartilha uma atualização uma percepção dos momentos da clínica
dessa pesquisa, desde as expressões dos filosófica. Dionéia Gaiardo descreve os exames
primeiros textos de Lúcio Packter - pensador categoriais, Fernando Fontoura a estrutura de
da Filosofia Clínica - nos cadernos didáti- pensamento (EP) e Miguel Angelo Caruzo os
cos, e na obra: “Filosofia Clínica – submodos (procedimentos clínicos).
propedêutica”, bem assim as publicações Em um processo existencial comprometido
posteriores das novas gerações de filósofos com a vida e seus desdobramentos, a Filosofia
clínicos - como a festejada: “Introdução à Clínica evidencia um discurso afinado consigo
Filosofia Clínica” de Miguel Angelo Caruzo - mesma sendo outra. Assim se reapresenta na
incrementando as referências iniciais do hora-sessão, de acordo com as possibilidades
novo paradigma. de cada interseção. Acolhe e interage - pela
A ideia para um projeto de dicionário, via do papel existencial e expressividade -
como obra aberta, se inscreve como aliada a com a estranheza de um absurdo que vai che-
pesquisa e práticas do novo paradigma - gando, em múltiplas formas, linguagens,
aberto, inquieto, vivo - permitindo o acolhi- ensaios, crises de ressignificação. O fe-
mento dos novos dialetos, idioletos, num nômeno da singularidade em vias de viver e
cotidiano sem rotina da nova abordagem conviver.

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Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24

Apresentação

A tradução do vocabulário dos autores na mais nos desdobramentos de consultório, onde


revista e demais publicações na área, serviram a metodologia requer um borogodó diferencia-
como base para essa atualização. Com o do. Aqui se tem um aliado para compreender
cuidado de manter o que existe e acrescentar mais e melhor as atividades com o fenômeno
novas expressões, sem, no entanto, desvirtuar da singularidade, os escritos, as reflexões, o
a essência do novo método. Esse trabalho papel existencial cuidador.
deverá servir como ponto de apoio aos profis-
sionais da área, estudantes, curiosos, pessoas
interessadas no assunto. Essa publicação se
associa à proposta de qualificar o novo para-
digma, que permanece aberto e cheio de vida, Aquele abraço!
como ensina Thomas Kuhn na sua “Estrutura Hélio Strassburger
das revoluções científicas”. Depois, quando se heliostrassburger@casadafilosofiaclinica.com
transformar em cristal acadêmico, peça de
retórica de alguma igreja ou partido político,
com suas definições e rituais estanques será
outra coisa, talvez ciência normal, ou nem isso.
Um dicionário deve ser um ponto de apoio,
uma referência aos profissionais da área, que
terão de conviver com as inseguranças de
quem se aproxima do novo método, ao mesmo
tempo, compreender e entrar em sintonia com
o sentido das palavras, além da literalidade do
dicionário comum da língua portuguesa. Essa
publicação busca ser uma companhia aos
estudantes, pesquisadores, profissionais, para
esclarecer o significado dos termos agenda-
dos, os quais se inserem no contexto da espe-
cialização.
Nesse sentido, a partilha de um voca-
bulário filosófico clínico, se associa ao viés do
novo paradigma, o qual reivindica um processo
de ensino-aprendizagem continuado, seja nas
leituras, publicações, pesquisas teóricas, ainda

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Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24

Sobre exames categoriais


Dionéia Gaiardo
dioneiagaiardo@gmail.com

Talvez seja importante dizer que em Filosofia cunstância; lugar; tempo e relação. As categorias
Clínica partimos de um não saber, causa de incômo- foram inspiradas em Aristóteles e Kant e englobam
do porque os princípios de verdade que regem as questões objetivas e subjetivas, como nos ensina
epistemologias vigentes e aceitas em nossa socie- Miguel Angelo Caruzo no livro “Introdução à Filoso-
dade estão relacionados ao saber-poder, mas isso fia Clínica”. Então, “a terapia começa com aquele
fica como provocação e assunto para um próximo que parece o motivo pelo qual a pessoa procurou o
texto. Agora, partindo de um não saber, recebemos filósofo clínico”, trata-se da queixa inicial ou assunto
a pessoa em clínica e com isso passamos a constru- imediato.
ir juntas os conhecimentos singulares àquela O assunto imediato pode durar algumas
existência, a aprender, ela e eu, sobre ela. Antropo- sessões até que este se esgote e o clínico consiga
logia e alquimia acontecem no decorrer dos encon- solicitar ao partilhante o relato de sua historicidade,
tros. entrando na categoria circunstância, onde a pessoa
Uma das primeiras coisas que Lúcio Packter vai contar a história de vida na perspectiva dela. Em
relata em seus estudos sua movimentação epis-
no “Caderno A” é que, a temológica, o filósofo
partir dos exames cate- clínico estará cuidando
goriais, o filósofo clínico “Filósofo clínico vislumbra para trabalhar com a-
vislumbra “uma repre- gendamento mínimo e
sentação para si uma representação dado literal, o que exige
mesmo da repre-
sentação do outro”.
para si mesmo da uma postura fenome-
nológica descritiva com
Motivo pelo qual em representação do outro. suspensão dos pré-juí-
Filosofia Clínica tra- zos para que o discurso
balhamos com aproxi- partilhante flua. O as-
mações, ou seja, pode- sunto último vai apare-
mos conhecer a pessoa cendo no decorrer das
de modo aproximado. Também é fundamental o sessões, com ajuda da coleta da historicidade, mon-
acolhimento de quem nos procura e um zelo pela tagem da estrutura de pensamento (EP) e identifi-
interseção entre filósofo clínico e partilhante. cação dos submodos informais e demarca a
Os exames categoriais compõem a primeira autogenia da pessoa, suas questões em conflito,
etapa do método e têm o objetivo de localizar exis- possíveis causas do sofrimento.
tencialmente a pessoa, quem ela é, onde habita, o Já trabalhei com um caso onde a pessoa não
que faz, quais suas relações. Ocorrem a partir da abriu nos nossos encontros um dos conteúdos que
escuta atenta e observação de cinco categorias, são lhe causou sofrimentos e conflitos. Meses depois,
elas: assunto imediato e assunto último; cir- solicitou uma sessão para contar algo que eu

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Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24

suspeitava e sabia que, pela montagem de sua (EP) formar e agora com 23 e empregada, posso me
se viesse a relatar seria delicado. Além do mais, dedicar e pagar para fazer”. Temos aí uma busca
notei que isso não nos impedia de trabalhar em prol envolta na categoria tempo e circunstâncias que a
de sua autogenia e bem-estar subjetivo. O impor- levam ao desfecho de nos procurar.
tante nesses casos é perceber que, mesmo o fato
Especialmente nesta fase inicial, é natural
estando à margem, aparecem os tópicos determi-
alguma pessoa solicitar respostas prontas sobre
nantes, a somaticidade e a esteticidade vivenciadas
quem ela é, o que deve fazer, etc. Ao filósofo clínico
pela pessoa. Agindo assim, respeitamos a categoria
cabe expressões como “vamos trabalhar para
tempo da partilhante que abriu informações quando
entender” ou “precisamos de mais dados para
sentiu-se preparada.
saber”... e seguir trabalhando com o máximo de
Bem, então sabemos que na prática as infor- respeito pela existência que se apresenta, sem
mações se entrelaçam, formando um conjunto, ou interpretações. O foco nos exames categoriais
seja, as três etapas do nesses primeiros con-
método: exames catego- tatos com a pessoa é
riais, (EP) e submodos essencial para ir per-
aparecem entrelaçados, cebendo seus assuntos
no decorrer do discurso
da pessoa que se
“Sabemos que na imediatos até que o
assunto último apa-
revela. É esse conjunto, prática as informações reça, para entender a
com suas conexões circunstância vivenciada
entre categorias, tópicos se entrelaçam, pela pessoa, para a-
e submodos, que
descortina a singulari-
formando um conjunto.” prender sobre suas re-
lações com o tempo
dade do sujeito em sua objetivo, cronológico, e
autogenia. A obser- seu tempo subjetivo,
vação das categorias sobre o lugar onde
acontece com ênfase no início dos trabalhos e habita desde sua cidade, seu trabalho até o lugar
também ao longo do processo clínico. interno, seus sentimentos, suas ideias, buscas e
Seguindo, tanto no momento em que a pessoa também para aprender com quem se relaciona e
chega à clínica com seu assunto imediato quanto na qual a qualidade dessas interseções, consigo
fase em que passamos a trabalhar a circunstância mesma, com o mundo, bichos, plantas, livros,
ou historicidade do ponto de vista dela, o funciona- vida...
mento e importância das categorias lugar, tempo e
relação vão aparecendo. A partilhante pode chegar
ao consultório relatando que: “desde os 15 anos
penso em fazer terapia, mas antes eu precisava me

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Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24

Estrutura de Pensamento (EP)


Fernando Fontoura
fcdafontoura@gmail.com

Como escreveu Mário Luiz Pardal em seu livro eixo fundamental é a EP, pois é ela que propicia a
“Filosofia como Terapia”: “Para a Filosofia Clínica identificação da singularidade, daquilo que é único e
estes altos e baixos da existência decorrem da mo- irrepetível em cada pessoa.
vimentação tópica na Estrutura de Pensamento, Como filósofo clínico, já ouvi algumas vezes
considerada como sendo o “eixo das experiências
frases como “Não mudou nada, mas mudou tudo”!
possíveis”. Portanto, qualquer modificação da
ou “Tudo está exatamente igual, mas ao mesmo
existência implica em agir no modo como experien-
tempo, está tudo diferente”! Como posso com-
ciamos os tópicos da nossa Estrutura de Pensamen-
to” (PARDAL, 2001, p. 17). Ou seja, tudo passa, preender isso à luz da EP?
começa ou termina na estrutura de pensamento Uma pessoa pode efetivar seus modos de ser
(EP). É neste horizonte que as alterações terapêuti- exatamente iguais como efetivava, pode trabalhar,
cas acontecem. É quando muda, altera ou movimen- cuidar dos filhos, sair com amigos e manter toda a
ta a estrutura interna de cada um que realmente há rotina ou práticas existen- ciais no mundo da vida
alterações terapêuti- como antes. Mas se
cas que poderão ser algo alterou em sua
efetivadas em dife- EP, mesmo que nada
rentes modos de ser. “Tudo passa, tenha mudado em
Essas mu- danças são
chamadas de au-
começa ou termina suas práticas de vida
ou modos de ser,
togenia em filosofia na estrutura “tudo” pode mudar.
clínica. É por isso que Onde “nada” mudou?
neste método a EP é o de pensamento.” No nível das práticas
eixo fundamental da no mundo, diárias e
terapêutica, pois é lá rotineiras. Mas, por
que, no final, aconte- alguma razão, como
cerá – ou não – as mudanças significativas que efeti- uma grande emoção, um insight, ou um novo juízo
varão novos modos de ser tanto externos quanto sobre alguma coisa, a estrutura interna fez uma
internos. revolução, uma alteração significativa e, a partir
A singularidade é a base conceitual da filosofia disso, “tudo” mudou. A vida se torna mais leve, mais
clínica, pois temos que partir dela para desenvolver- clara, mais “colorida”, mais significativa etc - ou tudo
mos todo o processo terapêutico. Se a metodologia ao inverso. Mesmo que “nada” tenha mudado na
for aplicada sem a noção de singularidade, se perde rotina das práticas diárias, “tudo” mudou.
a filosofia clínica como um todo. E o eixo fundamen- O contrário também acontece. Às vezes, por
tal da metodologia é a EP. Embora o método tenha força da pressão da vida, das coisas “externas”,
três eixos – exames categoriais, EP e submodos – o alguém tem que efetivar mudanças em seu modo de

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Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24

ser, em suas práticas do dia-a-dia e, quem vê essa e as possibilidades de movimento entre esses
pessoa de fora, pensa que ela “mudou” muito, que tópicos para formar novas “frases” - na metáfora do
se “adaptou” às mudanças impostas pela vida. alfabeto - ou reconhecer antigos caminhos e movi-
Porém, essa pessoa, em sua EP, não realizou as mentos que se perderam no tempo da vida.
alterações que acomodam essas mudanças que Sem a compreensão da EP a metodologia da
efetivou na vida. E ainda sofre, se angustia com “as filosofia clínica não serve para nada, pois somente
mesmas coisas”, embora ela tenha mudado na com exames categoriais e submodos não se pode
prática. Mas se não mudou na EP, “nada” mudou. efetivar uma terapia séria, responsável e que defen-
Algumas vezes, só pessoas próximas dela saberão da a singularidade. Neste sentido, podemos dizer
que ainda está sofrendo e não alterou suas que a filosofia clínica é uma terapia fundamental-
emoções, perspectivas de mundo, o que acha de si mente estruturalista, que traz em sua metodologia a
mesma etc. Às vezes, somente seu terapeuta busca do singular, sua “defesa” todo o tempo - do
poderá saber disso. início ao final do proces-
Pois ele tem a perspec- so terapêutico - e a
tiva de sua estrutura
interna. “Sem a compreensão da compreensão
singularidade através
desta

E o que muda na estrutura de pensamento de uma noção de


EP? A relação entre os conjunto, tanto dos
tópicos que perfazem
a metodologia da tópicos que aparecem
essa estrutura interna filosofia clínica na narrativa do parti-
de cada um. Na filosofia lhante quanto na com-
clínica, temos 30 não serve para nada.” posição desta EP com
tópicos que funcionam seu mundo, outras
como as letras de um pessoas e consigo
alfabeto. Cada tópico isolado não tem um “peso” ou mesmo.
importância mais do que outro, e somente se fazem
“importantes” na medida que são “usados” pela
pessoa e perfazem uma malha, uma noção de
conjunto que é exatamente a EP de cada um. A
partir do reconhecimento de quais são esses tópicos
que aparecem na EP da pessoa, e a compreensão
de seu funcionamento em conjunto, como um siste-
ma ativo e flexível, o filósofo clínico compreende
quais são os caminhos, os descaminhos, os limites

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Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24

Sobre os submodos
Miguel Angelo Caruzo
miguelcaruzo@gmail.com

O método da filosofia clínica constitui-se de três quanto as suas utilizações – estão presentes em
bases fundamentais: os exames categoriais, a toda a trajetória da clínica.
estrutura de pensamento (EP) e os submodos. Com O primeiro momento no qual os submodos
a primeira, compreendemos o mundo do partilhan- aparecem ou são utilizados ocorrem no acolhimento
te, onde existencialmente ele está inserido, infor- do partilhante. Para qualificar a interseção, o filóso-
mado a partir da sua experiência. Em seguida, fo clínico utiliza sua semiose: um sorriso, um aperto
identificamos a constituição do indivíduo, carac- de mão, palavras acolhedoras etc. Também identifi-
terísticas próprias de cada singularidade. Por fim, ca os dados de semiose de quem acolhe: o choro,
os modos como o sujeito viabiliza quem é em seu as palavras ou a ausência delas, entre outras. Na
devir tanto interno quanto interagindo com seu impossibilidade de haver qualquer tipo de neutrali-
mundo. Trataremos deste dade, o cuidador busca o
terceiro pilar da clínica agendamento mínimo.
filosófica.
Ao iniciar a sessão,
Os submodos podem “Os submodos podem abre-se a possibilidade de
ser identificados como escuta do assunto imediato.
aqueles usados pelo parti- ser identificados como Quais dados de semiose
lhante em seu cotidiano.
São denominados de
aqueles usados surgem. Nesse momento, a
pessoa pode desabafar com
submodos informais. Mas,
ao longo das sessões, os
pelo partilhante em esteticidades brutas como
gritos ou choros. Também
submodos também são seu cotidiano.” pode trazer elementos de
utilizados nos procedimen- esteticidade seletiva como
tos clínicos a fim de lidar anotações, letras de música
com os assuntos imediatos etc. Chegar à clínica em
e últimos. Para isso, o filósofo clínico pode aproveit- alguns casos é fruto de longa ponderação, esque-
ar os submodos informais ou sugerir novos submo- mas resolutivos ou análises indiretas até que se
dos cabíveis após a identificação autogênica. tenha chegado em direção ao desfecho.
Diante disso, refletiremos sobre a identificação É importante ressaltar que há situações com
e o uso dos submodos ao longo da clínica. É demandas imediatas. São casos nos quais o filóso-
possível utilizá-los no início do atendimento, como fo clínico precisa realizar os procedimentos emer-
acolhimento, em ocasiões nas quais os procedi- genciais. Nestes casos, se ocorre antes mesmo da
mentos emergenciais são solicitados, como recurso colheita da historicidade, as informações mínimas
para obter dados do assunto imediato, dos dados precisam ser aproveitadas para o uso a favor da
atualizados e da historicidade e, por fim, elaborar pessoa em desajuste de seu próprio eixo.
caminhos para o uso no assunto último. Em outras Trabalhar em deslocamento longo, dialogar com
palavras, os submodos – tanto a identificação alguém em direção às ideias complexas repletas de

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Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24

adições, realizar movimentos de em direção às Toda a escuta clínica encaminha o filósofo


sensações, de deslocamento curto, construir algum clínico para compreender o partilhante em sua
roteirizar ou qualquer movimento submodal requer complexa singularidade. Sua busca é a identifi-
extremo cuidado quanto menos informações tiver cação do assunto último que pode ser pontual ou
sobre o partilhante. Nestes casos, a experiência de um conjunto de questões a serem trabalhadas. A
consultório e a aptidão submodal do cuidador são essa altura, o terapeuta constrói seu planejamento
fundamentais. clínico atualizado a cada sessão ou durante uma
Há inúmeros modos de colher a história de vida mesma sessão para auxiliar quem procurou pelos
do partilhante. Às vezes, vem mesclada no relato seus préstimos. O tempo subjetivo é quem dita
do assunto imediato. Em outras situações, cada clínica. Alcançar o bem-estar subjetivo do
obedece uma divisão partilhante requer uma
própria quando iniciada no postura aprendiz de quem
relato imediatamente após precisa compreender até o
o término da escuta da que isto significa para cada
queixa inicial. Esse é o “A experiência de indivíduo atendido. Concluí-
momento de permitir que a do o trabalho, o partilhante
pessoa vá em deslocamen- consultório e a aptidão segue sua caminhada exis-
to longo e relembre de sua
historicidade. Os submo-
submodal do cuidador tencial.
Entre o início e o ocaso
dos utilizados neste são fundamentais.” do trabalho do filósofo clíni-
momento buscam preen- co realizado com cada parti-
cher as lacunas por meio lhante há uma variedade
dos dados divisórios e inesgotável de situações. A
aprofundar em aspectos ou descrição didaticamente
relatos com os enraizamentos. apresentada permite uma noção limitada do que a
Os encontros semanais seguindo os critérios experiência de quem vivencia o “chão de fábrica”
de identificação da evolução do assunto imediato, do consultório encontra. Com isso, buscamos
do dado padrão, do dado literal e do dado atualiza- ilustrar a presença dos submodos em todas as
do permitem ao filósofo clínico realizar sua etapas do método da filosofia clínica. Algo tão
hermenêutica compreensiva do partilhante. Diante presente na clínica que demanda do cuidador um
das autogenias promovidas a cada encontro, a domínio desses procedimentos cultivados diaria-
(EP) é identificada em sua plasticidade. Para lidar mente. Afinal, ser filósofo clínico é uma vocação de
com termos equívocos, recursos como a tradução contínuo aprendizado.
podem ser utilizados. Os submodos, portanto, são
tanto identificados quanto utilizados nesse proces-
so de construção compar- tilhada.

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Dicionário de
Filosofia Clínica
Dionéia Gaiardo | Fernando Fontoura | Hélio Strassburger | Miguel Angelo Caruzo

Ilustração: Márcia Ribeiro Baroni


Revista Casa da Filosofia Clínica - Outubro/24
Dicionário

Abstrato – faz parte do tópico 3 da estrutura de Agendamento Máximo - é a influência ou inter-


pensamento (EP) que se chama sensorial e abstra- venção máxima do filósofo clínico em direção ao
to. O abstrato é quando o indivíduo expressa suas bem-estar do partilhante. Por exemplo, na etapa
representações, prioritariamente, através de dos submodos. O que seria isso? Uma alteração
conceitos, ideias sobre as coisas, contrariamente considerável em relação ao padrão autogênico do
ao sensorial. partilhante.

Ação – é o tópico 23 da estrutura de pensamento Agendamento Mínimo – é a atitude do filósofo


(EP) e refere-se à descrição da associação dos clínico à qual ele influencia minimamente no
conceitos na EP. É o funcionamento conceitual de discurso existencial do partilhante, deixando-o livre
um problema ou questão. Os caminhos do pensa- para fazer sua narrativa. São intervenções para
mento em termos de tópicos. facilitar as narrativas do partilhante para que
continue sua história.
Acolhimento – trata-se de uma interseção afetiva,
com atenção, aconchego, ouvindo sem julgamen- Análise de Estrutura – é o tópico 27 da estrutura
tos. Oferecer uma escuta que ampara, com- de pensamento (EP) e refere-se à possibilidade do
preende, sem uma intervenção julgadora, tipológi- filósofo clínico realizar uma análise da totalidade
ca, aconselhadora. dos tópicos predominantes da EP do partilhante que
apareceram até o momento. Trata sobre o funciona-
Adição – é o submodo 15 da tabela. Refere-se ao mento existencial da pessoa. Envolve aspectos
movimento intelectivo, conceitual, sensorial, de subjetivos e objetivos, tópicos determinantes da EP
consideração das coisas e eventos de uma pessoa subjetiva (malha intelectiva) e objetiva (dados
através de uma soma ou acréscimo de dados, corpóreos).
informações, atitudes.
• Adição básica: acrescenta-se conceitos, Análise Indireta: função – ação – hipótese –
termos, atitudes, para determinado objetivo; experimentação – é o submodo 30 da tabela. O
“método científico” está neste submodo. Ação é o
• Adição negativa: acrescenta-se dados funcionamento de um problema; Hipótese são as
conceituais, termos, atitudes negativas; alternativas que desenvolve para vencer o proble-
• Adição positiva: acrescenta-se dados concei- ma; Experimentação é a verificação do funciona-
tuais, atitudes positivas. mento ou não das hipóteses. Tudo isso realizado
tanto no pensamento quanto no mundo empírico. A
Agendamento - as influências que transitam a função é o que estrutura uma ação, ou seja, o
estrutura de pensamento (EP) da pessoa. Trata-se funcionamento de uma problemática. Experimen-
de percepções ou acréscimo de ideias, gestos, tação são tentativas de verificação das hipóteses.
pensamentos, através de um convívio com outras
pessoas, lugares, leituras. Influência de uma Aptidão Submodal – é a capacidade de efetivar
pessoa ou de uma realidade sobre outra pessoa. modos de ser relativos aos tópicos relevantes da
Pode ser qualquer coisa como música, persona- estrutura de pensamento (EP) do indivíduo em
gens, frases, relacionamentos, situações etc. qualquer papel existencial ou circunstância. É a
Quando as influências têm força presente na EP da aptidão da pessoa em aplicar e desenvolver
pessoa, dizemos que elas agendam. atitudes, pensamentos, ideias que atuem como

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Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24
Dicionário

facilitadores de seu discurso existencial. é o assunto que tem uma questão mais ampla ou
mais relevante na estrutura de pensamento (EP).
Argumentação Derivada – é o submodo 10 da Esse é um dos sentidos do termo autogenia, ou
tabela. Refere-se ao movimento intelectivo que seja, quando o filósofo clínico consegue identificar
procura evidenciar as razões próximas associadas a qualidade da interseção dos tópicos determi-
a um comportamento. Busca as causas, as origens nantes de uma (EP).
ou os “por quês”. É um submodo que propõe
encontrar as causas de uma problemática. Via de Atalho – é o submodo 11 da tabela e refere-se ao
regra pode ser encontrado na estrutura de pensa- movimento do pensamento do indivíduo quando
mento (EP) do partilhante. necessita ultrapassar eventuais problemas cuja
solução exigiria tempo e esforços desnecessários
Armadilha Conceitual – faz parte do tópico 17 da
e dispendiosos. Consiste no manuseio do que se
estrutura de pensamento (EP). O tópico é padrão e
encontra entre o conhecimento e o não-saber.
armadilha conceitual. Armadilha conceitual é
“Doxa”, é uma opinião, um “achismo”. Ex: “Eu acho
quando o indivíduo se enreda em conceitos ou
que...” é um submodo que abre a questão, cami-
pensamentos que podem produzir pontos cegos
nhos. Talvez, quem sabe etc. Serve para desblo-
dos quais não consegue compreender e, por isso,
quear um “beco sem saída” conceitual ou episte-
não consegue se desvencilhar, como uma armadi-
mológico, quando não se tem ideia do que pode ter
lha. Nem toda armadilha conceitual é negativa,
acontecido ou do que pode fazer, quando dá um
pode haver algumas que levam o indivíduo a bons
“branco”. Pode exigir a criatividade do filósofo clíni-
resultados existenciais. Pode ser identificada pelo
co em identificar possibilidades de outros cami-
critério do dado padrão, ou seja, a tendência que a
nhos para qualificar o funcionamento existencial
pessoa apresenta em ser existencialmente repetiti-
va. Pode não bastar o entendimento de um proble- do partilhante. Pode ser encontrado na narrativa
ma ou dar-se conta do mesmo. Tem de se encon- da historicidade do partilhante ou ser adicionado à
trar, pela via da construção compartilhada, saídas sua estrutura subjetiva, numa conformação didáti-
viáveis para sua desconstrução. O dado padrão ca de parte do filósofo clínico. Algo que se acres-
que nos ajuda a identificar as armadilhas conceitu- centa ao “modus operandi” do partilhante como
ais ocorre tanto pelos pensamentos quanto por alternativa criativa, inventiva. Também pode
comportamentos. funcionar como a habilidade de uma pessoa sair
de situações de forma mais “prática”. Penso que
Assunto Imediato – é uma das categorias dos um exemplo seria aquele personagem de uma
exames categoriais. Refere-se à questão inicial série antiga o Magaiver onde com um clipe de
que leva o partilhante à terapia. Pode ser uma metal e um chiclete desarma uma bomba atômica.
queixa, um sofrimento, uma mudança próxima, um
objetivo profissional, um relacionamento amoroso Autogenia – tópico 30 da tabela da estrutura de
ou qualquer outro assunto que tenha força para pensamento (EP) e submodo 27 da tabela. Tem
levar a pessoa à terapia. três significações dentro da filosofia clínica e todas
coincidem com a noção de movimento ou
Assunto Último – é a questão “fundamental” a ser mudança. Em um sentido, é como se processa ou
tratada em terapia. Pode coincidir com o assunto como se desenvolvem as interseções, as relações,
imediato ou pode ser diferente dele. Normalmente a configuração, a associação, a inter-relação entre

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os tópicos determinantes da EP. Enquanto tópico demandas e dos fins alcançados ao longo da clíni-
ou submodo refere-se à movimentação existencial, ca.
com alterações sutis ou mudanças maiores na vida
da pessoa. A configuração singular dos tópicos da Borogodó - aquilo que caracteriza a essência do
EP de cada indivíduo pode ser chamada também filósofo clínico e que não pode ser aprendido
de padrão autogênico. Padrão no sentido de ser adequadamente em sua formação, uma espécie de
para aquele indivíduo enquanto sua própria singularidade cuidadora. Algo que não se conse-
história e estruturação, ou seja, não é padronizado gue descrever adequadamente, mas se pode
ou medido por nada externo a ele mesmo, e sentir na prática de consultório. Também pode se
autogênico porque pode ser passível de mudanças referir ao partilhante que encontra a filosofia clínica
ou alte- rações pelo próprio indivíduo. Pode ser
e, com ela, elabora construções compartilhadas
considerado como a sintonia existencial onde a
pessoa se encontra. Pode ter uma durabilidade que tenham a ver consigo em busca de melhores
maior ou menor, de acordo com o contexto de vida, dias.
as circunstâncias da pessoa. Esta autogenia não
se refere a alguma classificação ou tipologia, como Busca – é o tópico 11 na estrutura de pensamento
melhor ou pior, agradável ou desagradável, (EP) e também o submodo 12 na tabela. Ele
horizontal, vertical, transcendental. Trata-se de remete a objetivos, projetos, ambições, metas.
uma sustentação da forma de vida ou modificação Para onde se dirige o pensamento ou a pessoa.
desta mesma forma de vida, dentro ou fora do Para onde a pessoa se dirige existencialmente.
processo da clínica. Nem sempre coincide com o que ela refere querer,
mas para onde efetivamente se direciona na vida.
Axiologia – é o tópico 18 da estrutura de pensa- Podem se apresentar na forma de planos, projetos,
mento (EP) e também o submodo 26 na tabela. Ele sonhos, que podem ser realizados ou o contrário
lida com a questão dos valores ou importâncias disso. Por exemplo, resoluções de ano-novo.
(relevância), preferências. Preferir X a Y ou pala-
“Quero melhorar minha saúde”; “Quero aprender a
vras e conceitos que expressem bom/mau,
dar importância à minha família”, “Pretendo
certo/errado, justo/injusto, melhor/pior. Aspecto
que se relaciona com as preferências do partilhan- começar a me exercitar mais daqui a dois meses”
te. Pode se apresentar na forma de julgamentos etc. Como submodo refere-se ao movimento exis-
sobre melhor ou pior, certo e errado. Como submo- tencial de iniciar projetos ou ir em direção ao
do refere-se ao movimento existencial da pessoa desfecho executando projetos a realizar na vida.
que se relaciona consigo, com os outros ou com o
mundo através daquilo que considera um valor Categorias – faz parte dos exames categoriais.
para ela. Dentro dos exames categoriais tem-se 5 catego-
rias, sendo assunto imediato/último, circunstân-
Bem-estar Subjetivo - trata-se da identificação do cia/historicidade, lugar, tempo e relação. É o
que constitui um bem para cada partilhante. primeiro eixo da metodologia terapêutica da filoso-
Também pode ser a finalidade do filósofo clínico fia clínica e tem por objetivo geral compreender o
quando trabalha no assunto último. Ao afirmarmos horizonte existencial do partilhante, sempre refe-
a subjetividade desse bem-estar no sentido do rente ao assunto imediato/assunto último trazido
partilhante, resguardamos a singularidade das por ele. É a localização existencial da pessoa, a

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partir de seu próprio relato da história de vida. tante da hora-sessão. Se refere à qualidade dos
agendamentos recíprocos na terapia. Qualidade da
Circunstância – uma das categorias dos exames interseção entre os participantes de uma atividade
categoriais. Refere-se aos eventos ou aconteci- clínica. Cumplicidade em direção ao bem estar
mentos que se passam na historicidade do parti- subjetivo do partilhante. Buscas por encontrar um
lhante quando ele narra sua própria história. É a
lugar de melhor acomodação subjetiva para a
história de vida do partilhante em relato próprio, de
pessoa, como consequência de um trabalho
preferência sem a influência de intermediários. É o
terapêutico. É uma relação horizontal no sentido de
ponto de vista do partilhante.
não ter um saber-poder do filósofo clínico em
Como o Mundo Parece – tópico 1 da estrutura de direção ao partilhante. Ambos partilham do mesmo
pensamento (EP). Refere-se literalmente ao que o nível de compreensão e diálogo, pois é o filósofo
partilhante relata com roteiro histórico: cidade, clínico que precisa encontrar a sintonia com seu
país, metafísica, universo, ética, temporalidade, partilhante em nível de compreensão e entendi-
crenças, social etc. Como o mundo se apresenta mento.
nos relatos da historicidade, quando for determi-
nante. O sistema métrico pelo qual ela mede o Dado Atualizado - Um dos critérios utilizados pelo
mundo, a si mesma e aos outros. Pode usar frases filósofo clínico no consultório para compreender o
ou palavras como vida, mundo, pessoas, socie- partilhante, consiste em identificar as mudanças
dade. Por exemplo, “A sociedade hoje em dia é ocorridas ao longo das sessões e até mesmo
podre”. durante uma sessão. Essas mudanças podem
ocorrer diante de movimentos autogênicos do
Comportamento e Função – é o tópico 13 da próprio partilhante, por influência das vivências do
estrutura de pensamento (EP). Refere-se a rituais, espaço entre os atendimentos como desdobramen-
hábitos. Fazer alguma coisa em função de outra, tos dos procedimentos clínicos.
por exemplo, correr para ficar calmo. Função como
causa e comportamento como consequência. Entre Dado Literal - Critério utilizado pelo filósofo clínico
diversas situações possíveis de serem encontra- para colher informações do partilhante. Pode-se
das no consultório, mencionemos algumas. Pode compreender essa colheita a partir da fenomenolo-
haver um comportamento cumprindo uma função: gia e da hermenêutica compreensiva. Com a
correr diariamente para emagrecer. Um comporta- primeira, as informações são recebidas tal como
mento para mais de uma função: correr para aparece na fala, nos gestos, nas expressões etc.
emagrecer, melhorar a saúde e ficar apto para Neste sentido, não se interpreta, subentende ou
correr a São Silvestre no fim do ano. Vários com- supõe nada. As informações são compreendidas a
portamentos para uma função: correr diariamente, partir do próprio partilhante. É ele quem se traduz
seguir uma dieta e fazer terapia para ser alguém ao longo da clínica.
mais saudável.
Dado Padrão – Trata-se da identificação das
Construção Compartilhada – é a maneira pela formas – categorias, tópicos e submodos – e dos
qual se realiza a interseção entre filósofo clínico e conteúdos – historicidade – que se repetem no
partilhante durante o processo terapêutico. Resul- partilhante. A partir desses dados, o filósofo clínico

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identifica a constituição do partilhante, seus tópicos rumo a objetos ao alcance dos sentidos –
determinantes, seu padrão autogênico entre outras presença real e atual.
informações a fim de auxiliá-lo em seu assunto
último. Deslocamento Longo - faz parte do tópico 14 da
tabela da estrutura de pensamento (EP) e é o
Dados da Matemática Simbólica – É o tópico 29 submodo 14 da tabela. Este tópico se chama
da estrutura de pensamento (EP). Refere-se à espacialidade intelectiva e é composto de 2
noção estrutural da EP da pessoa e/ou da EP onde pares ou 4 elementos, sendo inversão e recípro-
ela se encontra vivenciando sua condição existen- ca de inversão; deslocamento curto e desloca-
cial, onde o filósofo clínico tem a noção do conjunto mento longo. Deslocamento longo refere-se à
das categorias + tópicos + submodos. Nas primei- atenção do pensamento ao que está no passado
ras edições dos cadernos didáticos, se referia ao ou no futuro, portanto longe do alcance dos senti-
conjunto da obra. Pode incluir a situação da dos (olfato, audição, paladar, visão, tato etc.), ou
pessoa com ela mesma, seu ambiente, os sons, seja, da presença real e atual. Como voltar-se
imagens, cheiros, suspeitas, interseções, modifi- para algo fora do alcance dos sentidos, por
cações exis- tenciais em acordo ou desacordo exemplo, pensar na minha casa enquanto estou
consigo mesma em ação. Uma consequência dos em outro lugar. Co mo submodo refere-se à manei-
exames catego- riais e EP, sem os quais seria uma ra de viver a partir das coisas distantes da
continuação do que já existe (tipologias, classifi- presença real e atual, portanto em movimentos do
cação “a priori”). O processo do “ser terapeuta”, em pensamento para o passado ou para o futuro.
conformidade ao método, leva naturalmente à Quase nenhum movimento existencial se dá sem a
matemática simbólica. pessoa se deslocar intelectivamente para esses
espaços mais abstratos. Refere-se às lembranças,
Deslocamento Curto – faz parte do tópico 14 da
sonhos e memórias. Tudo aquilo que se apresenta
tabela da estrutura de pensamento (EP). Este
nos relatos da historicidade como vivências,
tópico se chama espacialidade intelectiva e é com-
posto de 2 pares ou 4 elementos, sendo inversão e relações, lugares onde viveu, sensações experien-
recíproca de inversão; deslocamento curto e deslo- ciadas naquele lugar do passado. Também inclui as
camento longo. Deslocamento curto refere-se aos ideias, propostas de futuro, buscas, imaginação do
sentidos onde percebe-se o mundo ou as coisas que poderá acontecer amanhã.
nele através de estímulos corporais, olfato, tato, Discurso Completo e Incompleto – é o tópico 9
visão, paladar, audição. Refere-se à percepção de da estrutura de pensamento (EP). Originalmente
algo aqui-agora, ao dado senso-rial. Pode ser referia-se exclusivamente à linguagem, em como o
utilizado como base para submodos como o partilhante expressava seus pensamentos. Neste
percepcionar ou em direção às sensações. Assim, sentido, discurso incompleto é aquele fragmenta-
a ênfase estaria mais no que é percebido do que do, confuso, não tem início, meio e fim, não é orde-
no órgão que percebe. Também faz parte da nado logicamente, induz a entendimentos dúbios,
tabela dos submodos como submodo 13. Neste vem fragmentado, com espaços em branco,
sentido, é a maneira de viver nas coisas próxi- reticências. Discurso completo é aquele que tem
mas à própria subjetividade. O indivíduo vai início, meio e fim definidos, é ordenado e sistemáti-

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co, é unívoco. Aquele que é compreensível objeti- Em Direção ao Desfecho – é o submodo 6 da


vamente, sem maiores esforços. Nem um nem tabela. Refere-se ao movimento do pensamento no
outro podem ser classificados como anomalia, prosseguimento a uma argumentação até que ela
doença, patologia, caso contrário, não seria filoso- se esgote por si mesma. A condução de um raciocí-
fia clínica. Os desdobramentos da filosofia clínica nio ou de uma tarefa, de uma vivência, de um
mostraram que há outras lógicas além da aristotéli- desenvolvimento pessoal qualquer até um fecho,
ca nas EP sendo, portanto, necessário identificar a um fim. Portanto pode ser também um movimento
completude ou incompletude segundo cada singu- existencial no mundo. Submodo que se apresenta
laridade. E o caminho para isso pode ser o dos como atitude imediata. Objetividade de ação,
jogos de linguagem estabelecidos na construção envolvimento posterior a uma resolução, que pode
compartilhada da clínica. Hoje, os discursos com- ser mediata ou imediata.
pleto e incompleto também são usados como
Em Direção ao Termo ou Conceito Universal – é
discursos existenciais no sentido de comportamen-
o submodo 2 da tabela. Refere-se ao movimento
tos ou atitudes. Um discurso existencial incompleto
narrativo do indivíduo que usa de termos universais
é aquele em que a pessoa faz coisas pela metade
para esgotar o assunto em toda sua extensão ou
ou abandona ou não termina ações (seja no pensa-
universalização. É a tendência à generalização de
mento, abandonando uma ideia, por exemplo, seja
eventos envolvendo pessoas, lugares, relações.
na ação física no mundo). E discurso existencial
Possibilidade de uso para desconstrução de
completo aquele em que a pessoa termina, vai até
enraizamentos da história de vida onde o partilhan-
o final de suas ideias ou ações.
te fixou sua ideia como uma verdade cristalizada,
Discurso Existencial - aquele que oferece por exemplo.
subsídios ao filósofo clínico para compreender a
Em Direção ao Termo Singular – é o submodo 1
interseção entre o que a pessoa diz e o que efetiva-
da tabela. Refere-se a um movimento conceitual
mente faz. Desdobramentos da atividade clínica. A
em direção a dados específicos para dar objetivi-
pessoa pode ter um discurso existencial quando
dade às ideias apresentadas. A identificação objeti-
chega ao consultório do filósofo clínico e outro após
va de um dado determinado quanto a uma pessoa,
o processo da terapia, como consequência de seu
evento, lugar, relação. Pode desconstruir o discur-
padrão autogênico diferenciado.
so ou narrativa universal ou equívoca.
Divisão / Dados Divisórios – é o submodo 9 da
Em Direção às Ideias Complexas – é o submodo
tabela. Refere-se ao processo mental de divisões
4 da tabela. Refere-se ao movimento em imagens
em informações mais minuciosas, tanto de even-
ou verbos mentais que se seguem a alguma vivên-
tos, quanto de qualquer parte da historicidade do
cia relacionada aos sentidos e/ou sejam simultâne-
partilhante. Por isso, é utilizado também para obter
os a estes. Deriva-se juízos ou pensamentos ou
os dados divisórios nas etapas iniciais da clínica.
ideias uma das outras, ampliando a rede de pensa-
Também pode ser considerado em ações de orga-
mentos que a cada instante se afasta mais dos
nização das coisas como separar livros por cores
ou uma cozinha organizada com cada coisa em sua dados básicos sensoriais oriundos da experiência.
gaveta ou lugar diferenciado. Ideias derivando de ideias e mais ideias, costumam

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formar um emaranhado intelectivo que pode saber (das coisas). Como submodo, refere-se à
causar eventos como: freio existencial. Pode maneira como a pessoa aprende, conhece, anali-
significar imaginação, criatividade, capacidade de sa. É a racionalidade. Capacidade de entendimen-
qualificar roteiros existenciais. to, compreensão. Precisa saber das coisas, even-
tos, de si mesmo. Busca conhecer, identificar.
Em Direção às Sensações – é o submodo 3 da Muitas vezes, essa própria identificação já atua
tabela. Refere-se ao movimento intelectivo ou num processo de desconstrução.
corporal em direção às coisas pelos sentidos, no
real e imediato. Cheirar uma flor, olhar uma pai- Espacialidade Intelectiva – é o tópico 14 da estru-
sagem, sentir o frio no rosto, por exemplo. Quente, tura de pensamento (EP). Refere-se ao movimento
frio. Agradável, desagradável. Refere-se aos dados intelectivo ou mental da pessoa. Em qual espaço
sensoriais. Vivências objetivas da pessoa com seu ou lugar está focada sua atenção naquele momen-
ambiente de trabalho, residência, passeio. Esse to. Há dois pares de espacialidade intelectiva,
dado pode aparecer em meio a um deslocamento sendo 1. Inversão/Recíproca de Inversão e, 2.
longo, como consequência de rememorações Deslocamento curto/deslocamento longo. O que os
determinantes a pessoa em alguma época de sua une, a todos eles, é o “foco da atenção” da mente
vida. ou do pensamento. Inversão é quando a pessoa
está com a atenção voltada a si mesma, em seus
Emoções – é o tópico 4 da tabela da estutura de
pensamentos; recíproca de inversão é quando a
pensamento (EP). Refere-se às emoções ou senti-
atenção está voltada para o outro, para os pensa-
mentos quando o indivíduo expressa palavras
mentos ou história ou roteiro de outra pessoa. Este
como tristeza, alegria, medo, amor, ódio, paixão
par de espacialidade refere-se somente a pessoas;
etc, ou seja, dados afetivos. Sentimentos idealiza-
no outro par, deslocamento curto é quando a
dos ou não. Resultante de vivências, imaginação.
atenção está voltada aos sentidos no real e imedia-
Enraizamento – é o procedimento terapêutico que to; deslocamento longo é quando a atenção do
o filósofo clínico utiliza para dar ênfase a um pensamento viaja ao que está no passado ou no
aspecto ou circunstância ou evento ou momento da futuro e não no aqui/agora. Também são os deslo-
historicidade do partilhante quando este está camentos intelectivos do filósofo clínico e do parti-
contando sua história. Aprofundamento de um lhante. Ao filósofo clínico compete manejar
tema qualquer. Busca esclarecer, melhorar a com- adequadamente esse trânsito de sua espaciali-
preensão. Raramente é usado nas fases iniciais da dade, para interagir com a espacialidade do parti-
clínica, pelo risco que apresenta de se destacar lhante. É comum o filósofo clínico trabalhar na
algo que poderia passar como não determinante à perspectiva partilhante, ao encontrar seu lugar de
pessoa. Serve para conseguir mais informações preferência quanto à espacialidade, por exemplo: o
específicas sobre algo que seja importante segun- deslocamento longo.
do o assunto imediato ou último.
Esquema Resolutivo – é o submodo 5 da tabela.
Epistemologia – é o tópico 20 da estrutura de Refere-se ao movimento do pensamento a um
pensamento (EP) e o submodo 28 na tabela. esquema mental que a pessoa usa com objetivos
Refere-se à racionalidade, análise, conhecimento, de resolução entre aspectos positivos e negativos

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para uma decisão ou desfecho mental ou para localizar os tópicos significativos da pessoa e sua
manter o pensamento em atividade. Refere-se à relação subjetiva, com desdobramentos objetivos.
tomada de decisões. Uma tendência que a pessoa
apresenta de fazer escolhas, pesar prós e contras. Evolução do Assunto Imediato - como o assunto
Elencar aspectos positivos e negativos e tomar imediato, relatado no(s) primeiro(s) atendimento(s)
uma decisão a partir desses dados. vem modificando ao longo das sessões. Via de
regra, aquele que vai desaparecendo, no curso da
Esteticidade Bruta – é o submodo 18 da tabela. clínica, dando espaço para um acesso aprofunda-
Refere-se ao movimento que se chama de desafo- do dos estudos da estrutura de pensamento (EP)
go ou “vômito” existencial, como o choro, o grito, a do partilhante. Raras vezes se confunde com o
violência física ou verbal. Trata-se de uma expres- assunto último. Refere um movimento entre o
sividade em estado crítico, por onde a pessoa início da clínica e seu desenvolvimento.
necessita um desafogo, um caminho emergencial
para traduzir sua dor. Pode, por exemplo: gritar, Exames Categoriais – é a investigação inicial na
quebrar uma janela, agredir uma pessoa, socar filosofia clínica enquanto o partilhante narra seu
uma parede, machucar-se. assunto imediato. São cinco as categorias: Assun-
to Imediato/Último, Circunstância, Lugar, Tempo e
Esteticidade Seletiva – é o submodo 19 na tabela. Relação. É a localização existencial do partilhante.
Refere-se ao movimento existencial de mudança Onde viveu e vive seus dias. As coisas que acredi-
na expressão daquilo que a pessoa tinha em sua ta, seus medos, alegrias e tudo mais que for apare-
estrutura de pensamento (EP). Uma raiva ou dor cendo fenomenologicamente. Etapa fundamental
pode ser expressa em forma de arte ou poesia. É a do novo paradigma da filosofia clínica, de onde se
expressão artística por excelência. Nos espaços retira a matéria-prima para as etapas posteriores.
asilares (hospícios) é comum o desenho, a pintura,
a escultura, a dança, atuarem como coadjuvantes Experimentação – é o tópico 25 da estrutura de
nos tratamentos psiquiátricos. Talvez pudessem pensamento (EP) e refere-se ao experimento men-
ser emancipados à categoria de atores principais, tal/conceitual das hipóteses levantadas. Algo que
sob a batuta de um filósofo clínico. Diálogos inter e pode ocorrer como consequência da formulação
transdisciplinares. de hipóteses. Esse dado, quando significativo,
aparece na etapa da historicidade relatada pelo
Estrutura de Pensamento (EP) – é o eixo funda- partilhante. As possibilidades de ter em sua EP,
mental na terapêutica da filosofia clínica. A tabela esse dado como determinante, o qual poderá ser
da estrutura de pensamento (EP) contém 30 usado pelo filósofo clínico na etapa dos submodos.
tópicos. Resumidamente, é a maneira como estão
associados os sentimentos, os entendimentos, Expressividade – é o tópico 21 da estrutura de
dados éticos, epistemológicos, religiosos, etc, do pensamento (EP) e o submodo 31 na tabela. É o
indivíduo. É o modo como está existencialmente a quanto de si mesmo vai em direção ao outro, ou
pessoa. O mapa da mina. O chão de onde o filósofo seja, o quanto a pessoa mantém de si mesma na
clínico terá acesso a trama existencial da vida da interseção com os outros, a sociedade, consigo
pessoa. Um lugar de excelência que surge como mesma. Autenticidade. Refere-se à relação da
consequência dos exames categoriais. Ponto para pessoa com ela mesma e com o outro. Enquanto

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submodo é o movimento existencial da pessoa em de um filósofo clínico. Após formado, o aluno


direção a outras pessoas, grupos, mídias ou outras recebe o Certificado A, tornando-se um filósofo
formas de exteriorizar aquilo que está em sua EP. clínico habilitado para atendimentos.
Nunca se refere somente a si mesma, tendo que
ser uma forma de “publicizar” o que está nela (em Hermenêutica Compreensiva – faz parte da
sua EP). postura do “ser terapeuta” e refere-se à não inter-
pretação da narrativa do partilhante, mas sim ao
Filosofia Clínica – Abordagem terapêutica acolhimento compreensivo daquilo que aparece
baseada na filosofia. Foi pensada por Lúcio Pack- exatamente como aparece. É uma postura de aber-
ter (1962 -) no final dos anos de 1980 e que tura ao outro enquanto outro. Sua inspiração vem
começou a ser ensinada no Instituto Packter em do filósofo Hans-Georg Gadamer. É uma
meados dos anos 1990. Trata-se de um novo para- hermenêutica do acolhimento. Abordagem em
digma no mundo das terapias por enfatizar a singu- recíproca de inversão, predominantemente. Pres-
laridade como pressuposto fundamental para supõe a qualidade da interseção e uma escuta não
atender cada indivíduo. A fundamentação teórica tipológica de parte do filósofo clínico.
reside na filosofia. E a fundamentação prática nas
atividades de consultório. Dentre as diversas Hipótese – é o tópico 24 da estrutura de pensa-
influências filosóficas estão as ideias do “mundo mento (EP) e refere-se às hipóteses levantadas a
como representação” (Arthur Schopenhauer), do partir da questão ou problemáticas descrita no
“estruturalismo” (Claude Lévi-Strauss), dos “jogos tópico Ação. É a capacidade que o partilhante tem
de linguagem” (Ludwig Wittgenstein), da “crítica à (ou não) em sua EP. Aptidão para elencar alternati-
ideia de normalidade” (Michel Foucault), da “her- vas a uma determinada problemática ou um
menêutica compreensiva” (Hans-Georg Gadamer), conjunto de desafios em sua vida.
da “fenomenologia” (Edmund Husserl), entre Historicidade (história de vida) – uma das cate-
outros. As bases metodológicas da filosofia clínica gorias dos exames categoriais. Refere-se à narrati-
são os exames categoriais, a estrutura de pensa- va da história de vida do partilhante contada por ele
mento (EP) e os submodos. mesmo. Fonte por excelência de matéria-prima ao
fazer filosófico clínico. Chão de onde se retiram -
Filósofo/Filósofa Clínica – Pessoa que fez a
via de regra - subsídios para a EP e submodos.
formação em filosofia clínica e está habilitada a
Reivindica uma versão singular, expressa pela
atender. A formação em filosofia clínica possui
própria pessoa, com agendamentos mínimos de
duas etapas. Na primeira, chamada de formação
parte do filósofo clínico.
teórica, a pessoa aprende as bases e o funciona-
mento da clínica filosófica. Após concluir o curso, Informação Dirigida – é o submodo 22 da tabela.
recebe o Certificado B, tornando-se um especia- Refere-se às indicações de informações que o
lista habilitado para a pesquisa teórica e consulto- partilhante dá em sua narrativa, como filmes, livros,
rias. Na etapa seguinte, a pessoa passa por um lugares, preferências etc. Essas informações
pré-estágio ou clínica didática, no qual faz sua podem ser dirigidas ao próprio partilhante pelo
clínica pessoal com um filósofo clínico, e o estágio filósofo clínico para algum sentido ou procedimento
supervisionado, no qual atende com a supervisão terapêutico. Pode ser um agendamento sensível e

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de acordo com as necessidades da terapia. É um Interseção Mista - é uma das qualidades da


fundamento saber-se da possibilidade de alcance interseção de estrutura de pensamento (EP).
na malha intelectiva do partilhante desse procedi- Aquela que pode oscilar entre uma e outra. Positiva
mento clínico, ou seja, se cabe na estrutura de e negativa, negativa e positiva, mista e positiva e
pensamento (EP) e qual a possibilidade da men- negativa e mista. Pode ocorrer tanto na interseção
sagem que se deseja destacar encontrar eco no tópica quanto no uso dos submodos.
partilhante. Exemplo: filme, teatro, literatura,
poesia. Interseção Negativa – é uma das qualidades da
interseção de estrutura de pensamento (EP).
Intencionalidade Dirigida (filtro) – é o submodo Quando a relação é difícil, truncada, mal resolvida,
25 na tabela. Refere-se ao movimento do pensa- gerando sensações de desconformidade, tristeza,
mento com atenção “filtrada” em alguma única mal estar.
questão, ideia ou ação. É quando a mente fica
focada em um assunto por horas mesmo após o Interseção Positiva – é uma das qualidades da
assunto já ter acabado. Ou o foco mental em um interseção de estrutura de pensamento (EP).
projeto até que ele termine ou se efetive. Um Quando tudo vai bem ou a maior parte do tempo as
caminho que se apresenta para veicular dados, coisas funcionam em clínica ou fora dela.
informações, memórias, agendamentos e auto Interseção tópica que viabiliza a vida do partilhante
agendamentos, reescrita da própria historicidade e o uso dos submodos de maneira leve e agradá-
através de recordações filtradas em meio ao turbi- vel. Uma festa num pedacinho de paraíso.
lhão de ideias complexas, por exemplo. Pode
Interseção Tópica – dentro da metodologia da
resultar a partir de um agendamento, via enraiza-
filosofia clínica, interseções quer dizer relações.
mento, do filósofo clínico ou da própria pessoa.
Portanto, interseção tópica é a relação que existe
Interseção - é a palavra para “relacionamento” entre os tópicos predominantes da estrutura de
com outras pessoas em filosofia clínica. Também pensamento (EP) da pessoa. Essas interseções
se relaciona a lugares, coisas, tempo. Aquilo que a dão a ideia de estrutura ou sistema e por isso é
pessoa mantém em relação a sua subjetividade e o necessário compreender a EP através de uma
mundo ao redor. Pode referir-se também ao contex- noção de conjunto e não isoladamente cada tópico.
to social onde a pessoa esteja inserida (conforto ou São os diálogos, ruídos, estremecimentos, super-
desconforto). Quatro possibilidades plásticas ou ação, imposição, entre tópicos da EP. Costuma
não: positiva, negativa, mista, confusa/indetermina- apresentar os quatro movimentos quanto a quali-
da. dade: positiva, negativa, mista e confusa/indetermi-
nada.
Interseção Confusa ou Indeterminada – é uma
das qualidades da interseção de estrutura de Interseção Submodal – dentro da metodologia da
pensamento (EP). Quando não há possibilidade de filosofia clínica, interseções quer dizer relações.
tradução do que ocorre na relação. Invisibilidade Portanto, a interseção submodal é a relação que
relacional. Proximidade excessiva que impede a existe entre os submodos predominantes que
visão. aparecem como modos de ser da pessoa. Essas
interseções dão a ideia de conjunto ou sistema

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junto à estrutura de pensamento (EP) e por isso é algo mais que a epistemologia para se traduzir ou
necessário compreender esse todo que aparece revelar.
através de uma noção de conjunto e não isolada-
mente cada submodo ou os submodos separados Inversão – faz parte do tópico 14 da estrutura de
dos tópicos predominantes da EP da pessoa. pensamento (EP) (espacialidade intelectiva) e é o
Também como associação de submodos em busca submodo 7 da tabela. Refere-se ao movimento
de desconstrução, reconstrução, bem estar ao intelectivo e/ou de modo de ser que tem como foco
partilhante. Nem sempre somente favorável ao da atenção, de ações ou práticas voltadas para si
partilhante, algumas vezes pode ser necessário mesmo, em direção aos próprios tópicos ou inter-
alguma provocação, através de agendamentos esses ou pensamentos. Enquanto submodo
como informação dirigida, roteiro, busca despro- refere-se ao movimento existencial de estar focado
positada em meio ao que a pessoa acha que vai em ações ou práticas, primeiramente a partir de e
acontecer e não para onde está existencialmente para si mesmo. Movimento intelectivo que indica
se dirigindo. uma espécie de ensimesmar-se, voltar-se predo-
minantemente para si em relação ao outro, ao
Interseção de Estrutura de Pensamento – é o mundo. Fundamento para análise, reflexão,
tópico 28 da estrutura de pensamento (EP). programação, organização do filósofo clínico em
Também é a forma técnica que a filosofia clínica relação ao seu planejamento clínico, muitas vezes
usa para se referir às relações entre pessoas. na vertigem da hora-sessão. Não é necessaria-
Portanto, interseção de estrutura de pensamento é mente o individualismo ou o egoísmo de forma
a relação entre pessoas. Ela, fundamentalmente, pejorativa, mas a ação de estar “ensimesmado”
se dá entre o filósofo clínico e o partilhante. Há seja em uma atividade criadora, laboral, do pensa-
quatro tipos de qualidades de interseção na filoso- mento, etc.
fia clínica: a positiva, a negativa, a confusa e a
indeterminada. Pode ser entre pessoas, bairros, Lugar – é uma das categorias dos exames catego-
ruas, cidades, cultura. Também é possível identifi- riais. Refere-se à descrição dada pelo partilhante
car os tópicos na EP que viabilizam a proximidade de como se relaciona com os lugares externos ou
ou o distanciamento. como seu lugar interno é afetado ou não pelos
lugares externos que frequenta e interage. Como a
Intuição – é o submodo 23 da tabela. Refere-se, pessoa se sente onde se encontra. Pode ser em
originalmente, ao movimento do pensamento como relação a uma casa, trabalho, contexto social,
uma varredura instantânea da mente. Pode-se consigo mesma.
referir também aos dados fora do raciocínio
consciente ou lógico que alguns indivíduos Malha Intelectiva – é outro nome informal dado à
chamam de sexto sentido ou coisas do gênero. estrutura de pensamento (EP). Sinônimo de EP.
Como delimitar um conceito de intuição? Talvez Originalmente pensada por Lúcio Packter a partir
aproximações, indícios, rascunhos, suspeitas e, da rede de pescadores no sul de Santa Catarina.
ainda assim, teremos fragmentos instantâneos que
O que Acha de si Mesmo – é o tópico 2 da estru-
aparecem e desaparecem. Algo que escapa
tura de pensamento (EP). É uma expressão qualifi-
quando aparece num instante fugaz. Reivindica
cada ou adjetivada de si mesmo. Por exemplo, “Eu

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Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24 Dicionário

sou muito lento”, “Me acho muito esperto” etc. É um criança e não se considerar mãe, mesmo, social-
indicativo de auto referência. Quando determinante, mente ela tendo esse “papel”. Possibilidade de
reivindica uma leitura autogênica de seu funciona- uma pessoa ser mais de uma e isso não ser um
mento em relação aos demais tópicos principais. crime. Desenvoltura com que alguém exercita
diferentes papéis, às vezes num único dia. Exemp-
Padrão – faz parte do tópico 17 da estrutura de lo: pai, mãe, professor, amante, marido, esposa,
pensamento (EP) (padrão e armadilha conceitual) e motorista.
refere-se à tendência do sujeito ser existencial ou
conceitualmente repetitivo quando em relação a um Partilhante – é o nome que a filosofia clínica dá a
determinado contexto. quem faz terapia com um filósofo clínico. É aquele
que partilha sua história, que compartilha um
Padrão Autogênico – é a noção de conjunto que o espaço de clínica.
filósofo clínico tem da totalidade do que aparece de
predominante no processo terapêutico do partilhan- Percepcionar – é o submodo 17 da tabela. É o
te: exames categoriais + tópicos da estrutura de movimento da atenção do pensamento quando a
pensamento EP + submodos. É o movimento inter- pessoa percebe os detalhes de algo presente
no da EP, indicativo de adição de eventos na vida através da visão. Dar um foco intenso em algo bem
da pessoa. Possui ao menos dois sentidos: específico. Pode ser com fotos, imagens ou dados
interseção tópica da EP e a resultante dos eventos presenciais, uma flor, por exemplo. Também pode
da hora-sessão. Sem tipologias ou referências de ser nos outros sentidos como o paladar, a audição,
melhor ou pior. Respeito radical ao fenômeno da o tato ou o olfato. Refere-se ao dado sensorial, de
singularidade. onde retira subsídios para compor uma interseção
com a estrutura de pensamento EP do partilhante.
Paixão Dominante – é o tópico 12 da tabela da Utiliza de todos os meios ao seu alcance, tendo
estrutura de pensamento (EP). Refere-se à como referência a singularidade partilhante. Exem-
frequência com que uma ideia, um conceito, um plo: visão, tato, audição, paladar.
pensamento age na malha intelectiva. Tem a ver
com regularidade em um espaço de tempo e não Planejamento Clínico - Atividade realizada pelo
com intensidade. Paixão, neste tópico, não tem filósofo clínico durante as sessões, como aliado de
nada a ver com emoções, que é outro tópico. Tem a suas intervenções clínicas. O planejamento deve
ver com a qualidade de “afetar” a malha intelectiva. ser dinâmico, vivo, plástico, de acordo com a reali-
Também pode se referir à frequência de ações dade dos atendimentos de cada pessoa. Também
como ir à praia aos fins de semana, praticar a atividade organizativa antes das próximas
esportes às segundas, quartas e sextas etc. sessões a fim de pensar os próximos passos de
sua clínica, como a realização de dados divisórios,
Papel Existencial – é o tópico 22 da estrutura de de enraizamentos ou outras aplicações de submo-
pensamento (EP). Refere-se a um “personagem” dos de acordo com as demandas do partilhante.
em certo contexto. É o que a própria pessoa nomeia
a si mesma em certo papel existencial. É diferente Plasticidade – a noção de que a estrutura de
do “papel social”, ou seja, atribuído pelo contexto pensamento (EP) é maleável ou flexível e que os
social. Por exemplo, uma mulher pode gerar uma indivíduos podem, em potência, a partir de sua

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Dicionário Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24

própria EP, modificarem seus modos de ser inter- dados divisórios e dos enraizamentos – quanto
nos e/ou externos. É a capacidade clínica funda- para trabalhar as demandas do partilhante como
mental ao filósofo clínico, para exercer a filosofia ajudá-lo em seu assunto último.
clínica. Quanto ao partilhante, se refere à possibili-
dade de trânsito entre os tópicos da sua EP, bem Procedimentos Emergenciais – quando o filósofo
assim a utilização dinâmica ou não de seus submo- clínico faz uso de submodos para lidar com
dos. Mobilidade. Flexibilidade. questões ou situações imediatas do partilhante. É
utilizado em casos de perda de controle, de soma-
Ponto Cego – é a limitação de compreensão sobre tizações, de possível perigo para a integridade da
algum assunto ou sobre si mesmo, no sentido de pessoa ou de quem está próximo dela.
que há circunstâncias ou relações que impedem a
percepção total ou abrangente delas. Como algo Raciocínio – é o tópico 10 da estrutura de pensa-
que impede a visão, audição, percepção, por ser mento (EP). Refere-se à ação mental expressa
um evento que ocorre com base na própria capaci- naquele momento. Coerência e objetividade são
dade (epistemológica) de enxergar ou sentir algo. suas características principais. Aqui pensamento e
discurso tem íntima relação. Facilita o entendimen-
Pré-juízos – é o tópico 5 da estrutura de pensa- to do que o partilhante diz e faz. Estrutura de forma
mento (EP). Refere-se às verdades subjetivas que coerente no discurso (estruturado) ou à ação
habitam os pensamentos da pessoa e que anteci- mental dispersa ou confusa (desestruturada).
pam a experiência. Isso é assim para ela, antes
mesmo de saber mais a respeito ou de vivenciar. Recíproca de Inversão – está dentro do tópico 14
São afirmações tais como “Quem lê mais, escreve da estrutura de pensamento (EP), fazendo par com
melhor”, “A vida é uma viagem onde entramos no a inversão. É também o submodo 8 da tabela.
meio do caminho” etc. Refere-se a pessoas e é o movimento da atenção
em direção ao outro, seja no pensamento seja na
Princípios de Verdade – é o tópico 26 da estrutura ação. Enquanto submodo refere-se ao movimento
de pensamento (EP) e o submodo 32 da tabela. existencial que passa a conjecturar as coisas do
São as verdades compartilhadas por um grupo ou ponto de existência da outra pessoa e age a partir
sociedade (2 já é “grupo”). Regras, práticas, disso. Pessoas que realizam ajudas comunitárias
rotinas, ideias, buscas comuns dentro de clubes, ou humanitárias, por exemplo. É o pressuposto
associações, famílias, clãs, grupos etc. Como fundamental ao ser filósofo clínico, ou seja, boro-
submodo, refere-se ao movimento existencial de godó para acolher, ouvir sem julgar, compreender,
associar-se ou procurar pessoas ou grupos que desdobrar-se em relação aos desdobramentos
partilhem as mesmas verdades subjetivas sejam existenciais do outro em terapia. Visitas ao mundo
emoções, como o mundo parece, pré-juízos, axio- como vontade e representação do outro.
logias etc.
Reconstrução – é o submodo 29 da tabela.
Procedimentos Clínicos – ações realizadas pelo Refere-se ao movimento intelectivo ou conceitual
filósofo clínico a partir do uso dos submodos. Os de resgatar lembranças que se perderam, refazer
procedimentos clínicos podem ser utilizados tanto caminhos tortuosos, para cicatrizar “feridas” ou
para obter mais informações – como no caso dos refazer agendamentos. Capacidade para refazer,

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Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24 Dicionário

seja desconstruindo ou reconstruindo, em etapas à recíproca de inversão. Por exemplo, "Era uma
do mesmo processo clínico. A reconstrução se dá vez...". Pode ser uma narrativa inventada, uma
em um âmbito maior do quebra-cabeça, não referência histórica, exemplos de outras pessoas
apenas em algumas peças. Pode ser fruto de um etc.
enraizamento.
Semiose (Dado de Semiose) – O signo ou sinal
Redução Fenomenológica (epoché) – faz parte que a pessoa utiliza para comunicar. É o que a
da fenomenologia enquanto postura do filósofo pessoa utiliza para dar sentido ao que quer comu-
clínico em relação ao partilhante. É o movimento nicar. Canal ou veículo por onde a pessoa se
interno do filósofo clínico de não deixar que seus expressa existencialmente. Por exemplo: beijo,
pensamentos, juízos, valores, visão de mundo, flores, carinho tátil íntimo, passeio, conversa, riso,
dogmas etc. interfiram na narrativa do partilhante estar junto etc. Está em íntima ligação com a
sobre suas representações de mundo. Faz parte da expressividade e significado.
postura de acolhimento que o filósofo clínico tem
que exercitar. Sensorial – faz parte do tópico 3 da estrutura de
pensamento (EP) que se chama sensorial e abstra-
Relação – é uma das categorias dos exames cate- to. Refere-se por onde o indivíduo mostra suas
goriais. Refere-se a toda interação ou relação que o representações, neste caso, prioritariamente
partilhante expresse em sua narrativa. Pode ser através de conceitos ou ideias que se referem aos
com coisas, pessoas, instituições, animais, lugares, dados dos sentidos como olfato, paladar, visão, tato
etc., ou, inclusive, consigo mesma. e audição. É a capacidade prioritária de sentir o
vento no rosto, a temperatura da água, de um café
Representação de Mundo – é a totalidade literal recém passado, o calor ou a frieza de um abraço.
do que parece pela narrativa do partilhante refe- Não é o que a pessoa diz, mas o que a pessoa sente
rente ao seu mundo existencial: lugar, tempo, efetivamente, tendo como referência sua vivência
relação, pessoas, etc. Não lida com “dados obje- efetiva, objetivada pela recordação ou no próprio
tivos da realidade” tal como ele é, mas como ele evento.
representa para si os fatos, acontecimentos, even-
tos, etc. Significado – é o tópico 16 da estrutura de pensam-
ento (EP). Refere-se às interpretações que o outro
Retroação – é o submodo 24 da tabela. Refere-se dá ao que ele vivencia. Também refere-se ao signifi-
ao movimento intelectivo de andar para trás. Refaz cado que a pessoa quer dar quando expressa algo.
o roteiro em marcha ré para reestruturar o raciocí- Como uma pessoa significa a vida, as relações, os
nio. Pode ser uma adição para trás. Tem uma força eventos ao seu redor ou remotos.
organizativa muito grande. Por exemplo, “Um pouco
antes de você chegar aqui, onde estava ou o que Singularidade (singular) – é o caráter que identifica
estava fazendo”? cada pessoa como irrepetível e única em toda sua
complexidade estrutural, modos de ser e circunstân-
Roteirizar – é o submodo 16 da tabela. Refere-se cias históricas. O indivíduo singular não pode ser
ao movimento narrativo, onde a pessoa conta as comparado ou medido por nenhum padrão externo a
coisas como uma história onde pode trazer o outro ele mesmo, por isso a filosofia clínica não usa

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Dicionário Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24

tipologias, conceitos universais ou particulares para malha intelectiva do indivíduo e às quais ele
se referir ou compreender o outro. expressa por palavras, ações ou qualquer outra
expressividade. Pode ser uma ideia, imagem ou
Somaticidade - É uma intervenção clínica que verbo mental que a pessoa vivencia conceitual-
trabalha pela via sensorial (toques) os desloca- mente quando se expressa (palavra, som, desen-
mentos intelectivos como inversão e recíproca de ho, gesto, movimento, cheiro, etc.). É o voca-
inversão. Esse recurso permite explorar alternati- bulário com que o partilhante se utiliza para
vas de desconstrução de choques intelectivos e traduzir sua versão das coisas, eventos, historici-
outras possibilidades de reconstrução, através da dade. Tem intimidade com o contexto social onde a
estrutura de pensamento (EP) do corpo, utilizando pessoa vive seus dias e noites.
os submodos necessários para cada caso. Na
somaticidade básica os toques são oferecidos pelo Termos Unívoco e Equívoco – é o tópico 8 da
filósofo clínico em sintonia dialogada com o parti- estrutura de pensamento (EP). Acompanha o
lhante. Na avançada, são toques interativos, sob a conteúdo dos outros tópicos no sentido de evocar
orientação do filósofo clínico. Busca trabalhar a um significado ou sentido determinado da palavra
autogenia da EP intelectiva através da EP somáti- ou frase, portanto unívoco, ou seja, com um só
ca. sentido, o que facilita o entendimento de uma
expressão; ou de não evocar um significado ou
Submodos – a tabela tem 32 submodos. Em sentido determinado da palavra ou frase , portanto
conjunto, eles designam a maneira como informal- equívoco, ou seja, com vários sentidos possíveis,
mente a pessoa exercita ou efetiva aquilo que está o que pode dificultar o entendimento de uma
em sua estrutura de pensamento (EP). Em outro expressão. A univocidade ou equivocidade de um
sentido, os submodos também são procedimentos termo pode se dar além dos sentidos propostos
clínicos do filósofo clínico em direção à EP do por dicionários, pois podem ocorrer segundo os
partilhante, via construção compartilhada. São os jogos de linguagem, isto é, os contextos, a cultura
“remédios existenciais”. Podem, via de regra, ser ou as relações podem determinar a univocidade
encontrados na “farmácia” subjetiva do partilhante. de alguns termos. A palavra equívoco aqui não
Outras vezes, quando necessário, são elaborados sugere “erro”, mas pluralidade de sentidos ou
pelo filósofo clínico, de acordo com as necessi- significados, pois o partilhante pode usar mais de
dades da terapia. um sentido/significado para um mesmo termo ou
conceito. Por exemplo, quando um partilhante
Tempo – é uma das categorias dos exames cate- relata que vive em um “relacionamento tóxico”,
goriais. Refere-se à relação temporal que a pessoa nesta frase pode haver mais de um sentido ou
tem ou percebe, seja com o tempo externo do significado, portanto é importante saber qual é o
relógio, dos compromissos, dos anos (objetivo) significado ou significados e sentidos que o parti-
etc., seja com seu próprio tempo interno (subjetivo) lhante quer dizer com ela. O termo equívoco pode
em relação ao tempo externo. também ser a semiose da qual o partilhante
Termos Agendados no Intelecto (agendamento) normalmente expressa sua narrativa.
– agendamento é aquilo que ficou de influências na Termos Universal, Particular, Singular – é o

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Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24 Dicionário

tópico 7 da estrutura de pensamento (EP). em relação à percepção do sujeito singular. As


Refere-se à linguagem do partilhante quando ele habilidades (consideradas extraordinárias) que
expressa sua narrativa. possam surgir, estão relacionadas à própria singu-
• Termos universais podem ser “todo”, laridade, podendo ser localizadas em tópicos
“tudo”, “nunca”, “sempre”, “jamais”. como: expressividade, papel existencial, busca
• Termos particulares podem ser “algum”, etc., pela via da interseção clínica.
“nem todos”, “às vezes”, “a gente”, “parte
Tradução – é o submodo 20 da tabela. Refere-se
de”, “porção”.
ao movimento do pensamento que procura
• Termos singulares podem ser “João”, esclarecimento ou dá esclarecimento àquilo que
“Maria”, “Pedro” etc. narra ou conta. Propõe o entendimento, a busca de
Muitas vezes esses termos dão ênfase à narrativa melhor compreensão das expressões, gestos,
ou parte dela, por exemplo “Eu sempre faço bestei- atitudes, decisões. Submodo, por excelência, da
ra”. diplomacia. Pode usar palavras como “isso quer
dizer...”, “ou seja...”, “explicando melhor...”, “isto
Tópico – a estrutura de pensamento (EP) tem 30
é...”. Também é um procedimento terapêutico que
tópicos. Cada tópico mostra por onde se expressa
pode ser usado pelo filósofo clínico para com-
o partilhante. No entanto, a validade dos tópicos
preender melhor o que o partilhante está falando,
está em sua relação um com os outros, ou seja, a
principalmente quando fica um termo equívoco
noção de conjunto que a EP expressa. Os tópicos
para o filósofo clínico.
da EP são os ingredientes que compõem a malha
intelectiva de uma pessoa. Tem tópicos determi- Vice-conceito – é o submodo 22 da tabela. É o
nantes, periféricos, fracos, fortes, escondidos, uso de metáforas na narrativa da pessoa. Por
transparentes. Constituem um mapa intelectivo exemplo, “A vida está leve como uma folha ao cair
onde o filósofo clínico irá exercer seu papel exis- da árvore”. Uso de simbologia, tanto nas
tencial cuidador. expressões faladas, escritas, silenciadas, como
nos gestos, atitudes, formas de vestir ou comer.
Tópico de Singularidade Existencial – é o tópico
Algo próximo da metáfora, metonímia, mas ainda
19 da estrutura de pensamento (EP) e refere-se às
distante, pois tem o componente da singularidade,
habilidades extraordinárias, não convencionais tais
ou seja, não temos como saber “a priori” do que se
como paranormalidades, mediunidade, conversas
tratam determinadas expressões, sem a tradução
com seres supranaturais etc. As características
de seu titular. Linguagem simbólica, no caso dos
consideradas por outras áreas como “fora do
hospícios, esse submodo costuma se radicalizar.
normal” mantém seu caráter de singularidade na
Também nas estratégias de guerra, na literatura,
filosofia clínica do mesmo modo como são consi-
poesia, música, etc.
deradas todas as demais manifestações. Nessas
“habilidades extraordinárias” o foco do filósofo
clínico está nas categorias, tópicos e submodos
envolvidos. Esse tópico, pela especificidade do
próprio método - a singularidade - foi desconside-
rado nos dias de hoje, por facilitar a equivocidade

30
Ilustração: Márcia Ribeiro Baroni
Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono/24

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Revista da Casa da Filosofia Clínica. Edição 04.
Porto Alegre: Outono, 2023.

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