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Associação de práticas projetuais e construtivas

no ensino de arquitetura
Dimensión pública y
experimentación y tecnología

Sofia Araújo Lima Bessa (1) Este trabalho pretendeu discutir os processos peda- aulas experimentais, os alunos produziram blocos
sofiabessa@ufmg.br gógicos voltados para aproximação entre a prática de terra comprimida e adobes utilizando resíduos de
Marcela Silviano Brandão Lopes (2) construtiva e a prática projetual, tendo o bloco construção e rejeitos de minério de ferro em subs-
marcelasbl.arq@gmail.com maciço produzido com terra crua como elemento tituição à areia. A opção por se trabalhar com auto-
Rejane Magiag Loura (3) articulador. Esse componente foi o ponto inicial construção agregou responsabilidade social à prática
rejaneml@gmail.com para elaboração de um projeto arquitetônico em projetual, além do desafio de desenvolver uma
uma ocupação urbana autoconstruída. Esse con- representação arquitetônica que permita que os
texto levou para a sala de aula a discussão sobre desenhos possam ser compreendidos e executados
a autoconstrução, a transferência de tecnologia e de maneira mais interativa e dialógica. Os resultados
(1) Departamento de Tecnologia do Design, os desafios para melhoria dessa prática. Por meio desse esforço apontaram para a necessidade de se
da Arquitetura e do Urbanismo, Escola de desta abordagem, foi possível tratar da redução do articular, nos currículos dos cursos de arquitetura e
Arquitetura, Universidade Federal de Minas desperdício no canteiro a partir dos pressupostos da urbanismo, disciplinas que integrem aspectos técni-
Gerais; BH, MG, Brasil. coordenação modular. As disciplinas foram desen- cos ao desenvolvimento dos projetos arquitetônicos,
(2) Departamento de Projetos, Escola de volvidas com alternância de aulas experimentais em sem perder de vista suas implicações sobre a apro-
Arquitetura,Universidade Federal de Minas canteiro e aulas em sala para desenvolvimento pro- priação sócio-ambiental dos territórios no Brasil.
Gerais; BH, MG, Brasil. jetual. Além dos conhecimentos técnicos relativos
(3) Departamento de Tecnologia do Design, às propriedades da terra como material de constru-
da Arquitetura e do Urbanismo, Escola de ção, também foram discutidos aspectos relativos 1. Introdução e justificativas
Arquitetura,Universidade Federal de Minas à estanqueidade, ao conforto termo-acústico e ao
Gerais; BH, MG, Brasil. reaproveitamento dos resíduos na construção. Nas Tradicionalmente, a formação dos arquitetos e ur-

Palabras clave
ALVENARIA, COORDENAÇÃO MODULAR, TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA, AUTOCONSTRUÇÃO

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banistas na Escola de Arquitetura da Universidade Para romper as distâncias entre disciplinas, bus- seus países, credenciadas basicamente pelos ideais
Federal de Minas Gerais – EA/UFMG – vem sendo cam-se soluções diversas, como ateliês de projeto de eficiência e progresso associados a elas, sem
pautada, nas últimas três décadas, por uma rela- com a participação conjunta de professores de nenhum questionamento sobre a sua adequação
ção de ensino-aprendizagem baseada quase que especialidades diferentes. Não resta dúvida de ambiental ou cultural, e que acabam contribuindo
exclusivamente na transferência de informação. benefícios nessas dinâmicas de ateliê, mas o que para o desaparecimento de importantes saberes
Além disso, existe uma clara separação curricular se percebe é que, em grande parte, há também aí e materiais tradicionais nesses lugares. Esse foi o
e pedagógica entre as informações abordadas nas uma reprodução das soluções mais aceitas e usa- caso de Hassan Fathy, no Egito de 1940. Entretanto,
disciplinas de desenvolvimento de projeto, tanto das pelo mercado e pela ciência, a partir de um rol pouco dessas investigações foram incorporadas ao
arquitetônico como em escala urbana, das disci- tecnológico ainda muito marcado pela primazia ensino da arquitetura no Brasil.
plinas de ementas voltadas à materialidade ou à do concreto armado e tijolo furado, com pouca, ou
construtibilidade do objeto. Outro fato importante nenhuma, interlocução com o canteiro de obras. Com relação à aproximação do projeto e o canteiro
é que as disciplinas de caráter técnico estão pau- de obras, vale destacar a presença de canteiros
tadas em abordagens eminentemente teóricas ao Entende-se que, para que ocorram, de fato, con- experimentais em algumas escolas de arquitetu-
longo de todo currículo. vergências de saberes entre o projeto e a constru- ra, cuja importância não se restringe à aplicação
ção, é importante que se estabeleça outro jogo, e dos conhecimentos adquiridos em sala de aula,
A falta de conexão e integração entre as estraté- não apenas que haja um simples ajuste nas regras mas também na possibilidade soluções inventivas
gias de ensino-aprendizagem das disciplinas vol- em voga. Esta discussão não é nova. Práticas alter- emergirem a partir do próprio ato construtivo,
tadas ao desenvolvimento de projetos e à materia- nativas aos processos convencionais hegemônicos no saber-fazer, na conjunção de experiências, si-
lidade das soluções propostas torna a vivência de estão sendo debatidas e experimentadas desde a multaneamente, científicas e táteis, cerebrais e
aprendizagem dos alunos carente de experiências. década de 1940, em função justamente das críticas corporais. O que se constata é que a separação da
Bondía (2002) esclarece que o conhecimento não feitas à produção em massa e à geração de cida- mão e do cérebro no fazer é uma falácia criada pela
ocorre sob a forma de informação e aprender não des pautadas pela segregação e exclusão (LOPES, modernidade. O saber-fazer é pensante e trans-
pode ser entendido como capacidade de adquirir e 2015). formador (SENNETT, 2008), e a primazia do saber
processar informações. No mesmo texto, o autor discursivo pode ser vista apenas como mais um
acrescenta que informação não é experiência e que Tais críticas desencadearam diversas investigações dispositivo de poder e opressão.
o excesso de informação não abre espaço para que no que se refere às decisões de projeto e à condu-
a experiência ocorra. Em outras palavras, a infor- ção do processo construtivo, geradas a partir da Foi a partir dessa percepção, que foi oferecida, no
mação não deve ser entendida como sinônimo de preocupação de alguns arquitetos a respeito da in- primeiro semestre de 2018, na Escola de Arquitetu-
conhecimento. vasão de tecnologias construtivas estrangeiras em ra da UFMG, a experiência didático-pedagógica que

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será relatada nesse artigo. A proposta consistiu grande parte das cidades coloniais brasileiras foi Um dado importante a ser considerado se refere à
na articulação entre duas disciplinas inseridas em erguida através de seu uso. No Brasil, as técnicas grande porcentagem de moradias autoconstruídas
departamentos diferentes: o departamento de vernáculas predominantes foram baseadas em no contexto brasileiro, que, segundo a   Associação
projeto e o departamento de tecnologia. construções com terra, como adobes e taipa de Brasileira da Indústria de Materiais de Construção
pilão, principalmente (MENDES et al., 2008). Diante (ABRAMAT), representam aproximadamente 77% do
Visando a superação da falta de conexão e integra- deste histórico, é necessário trabalhar dentro dos total da produção ou reforma das unidades habita-
ção entre disciplinas voltadas às técnicas constru- cursos de arquitetura e urbanismo brasileiros uma cionais no país (MORADO NASCIMENTO, 2011).
tivas e as disciplinas de projeto, essa experiência estratégia pedagógica para aproximar o desen-
fez a opção por um processo de aprendizagem que volvimento projetual com a prática de construção A realidade das ocupações urbanas autoconstruí-
não estava baseado em conhecimentos teóricos com terra. das é ainda muito distante da prática profissional
apresentados a priori, por meio de aulas expo- dos arquitetos, o que é muito preocupante, se
sitivas. O seu elemento articulador foi o bloco Com o avanço da tecnologia construtiva entre os considerarmos a realidade atual das cidades brasi-
produzido a partir de resíduos sólidos e rejeitos de séculos XVIII e XIX, aliado à revolução industrial, o leiras. Acredita-se que a incorporação, no cotidiano
mineração, que, além de ser fabricado e testado aumento da utilização de recursos naturais cresceu da sala de aula, de projetos de extensão articulados
ao longo do processo, foi também o material a ser de forma desordenada e predatória. Os sistemas entre universidade e comunidades carentes é de
considerado para a elaboração do projeto arquite- construtivos adotados atualmente se mostram suma importância, em uma tentativa de romper
tônico da sede de uma rádio comunitária de uma insustentáveis e incapazes de sanar o déficit habi- a barreira existente entre a erudição científica
ocupação urbana autoconstruída. A escolha do tacional e de infraestrutura (GHATTAS, 2016). universitária e a vida cotidiana, com seus saberes
bloco de terra comprimida (BTC) como elemento não-institucionais, reforçando a articulação exten-
articulador teve como base dois aspectos princi- sionista anunciada nos projetos pedagógicos pau-
pais: infraestrutura disponível para realização das 1.1. Ocupações urbanas autoconstruídas tados pelo tripé ensino-pesquisa-extensão (SOUSA
atividades construtivas e os aspectos históricos, SANTOS, 2005).
sociais e ambientais do elemento. Antes de discorrer sobre a experiência pedagógica
propriamente dita, é preciso falar sobre a impor- Do mesmo modo que o BTC foi o elemento arti-
A terra é considerada um dos mais antigos ma- tância da incorporação do contexto das ocupações culador dessa experiência didático-pedagógica,
teriais construtivos, tendo deixado vestígios em urbanas autoconstruídas nessa experiência, cujo a introdução do contexto das ocupações urbanas
inúmeras regiões e civilizações. Estima-se que um papel foi importante para problematizar a relação autoconstruídas funcionou como elemento proble-
terço da população mundial habita ou trabalha em entre projeto e a técnica, considerando-se o terri- matizador, como se verá adiante.
edificações construídas com terra (MINKE, 2015) e tório no qual essa relação acontece.

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2. Proposta metodológica Disciplina Aula Assunto Local


Apresentação da disciplina e conceitos básicos dos sistemas
MT+MP 01 EA
A proposta de disciplina consistiu na aproximação construtivos
Preparação de elementos construtivos: coleta do solo, preparação dos
de dois tipos de conhecimentos relacionados aos MT+MP 02 NPMS
materiais.
saberes necessários para a construção do ambien- Desenvolvimento de propostas arquitetônicas com o uso dos elementos
MP 03 EA
te, sendo organizada em dois módulos ministrados produzidos a partir dos resíduos de minérios
MT 03 Preparação de elementos construtivos: moldagem e cura NPMS
concomitantes: módulo tecnológico (MT) e módulo Desenvolvimento de propostas arquitetônicas com o uso dos elementos
MP 04 EA
projetual (MP). produzidos
MP 04 Preparação de elementos construtivos: moldagem e cura NPMS
Desenvolvimento de propostas arquitetônicas com o uso dos elementos
Os módulos foram ministrados por professoras de MP 05 EA
produzidos
departamentos distintos, o departamento de pro- MT 05 Construção dos protótipos NPMS
jetos (PRJ) e o departamento de tecnologia do de- Desenvolvimento de propostas arquitetônicas com o uso dos elementos
MP 06 EA
produzidos
sign, da arquitetura e do urbanismo (TAU), ambos MT 06 Construção dos protótipos NPMS
ligados ao curso de Arquitetura e Urbanismo da MT+MP 07 Avaliação geral EA
Universidade Federal de Minas Gerais. Por razões
Tabela 1. Organização das atividades didáticas – adobes e BTCs
burocráticas, foi necessário que cada módulo fosse
registrado no sistema de matrícula como uma dis-
Nesta primeira experiência didática, foi possível a priorizar as atividades práticas, projetuais e
ciplina separada ligado ao respectivo departamen-
receber 15 alunos. A limitação de vagas esteve construtivas, como pode-se observar na Tabela 1.
to, cujos códigos foram PRJ052 e TAU025.
relacionada à infraestrutura laboratorial e à falta Portanto, todo o conteúdo teórico foi transmitido
de apoio logístico para o deslocamento entre a durante as atividades.
Os alunos tiveram que se matricular ao mesmo
EA/UFMG e o NPMS/UFMG. As atividades do MP
tempo em ambas as disciplinas, que contaram com
foram realizadas em equipes de 3 alunos. Já o MT
15 vagas cada. Cada disciplina dispôs de 30h de aula
não manteve uma conformação fixa de equipes de 2.1. No canteiro: em busca de um fazer-pensante
cada e foram desenvolvidas nas salas de aulas da
trabalho, pois algumas atividades foram desenvol-
EAUFMG (MP/ PRJ052) e no Núcleo de Pesquisas em
vidas por todos os alunos da sala simultaneamente O programa do módulo tecnológico foi dividido em
Materiais Sustentáveis – NPMS (MT/ TAU025), labo-
e outras divididas em equipes. três unidades temáticas. A primeira composta por
ratório de ensino e pesquisa ligado ao TAU e situado
um encontro para apresentação conjunta dos mó-
na Fazenda Modelo da UFMG, em Pedro Leopoldo
O programa da disciplina foi construído de modo dulos TAU025 e PRJ052, além das informações so-
(40 km distante do centro de Belo Horizonte).

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bre o programa arquitetônico, dos principais con- Materiais Adobe-A Adobe-B BTC-A BTC-B
ceitos sobre o sistema construtivo a ser abordado. Solo 75% 75% 45% 45%
Areia média lavada 25% - 45% -
A unidade II foi composta por dois encontros no
RCD - 25% - -
NPMS para a produção dos elementos constru-
RMF - - - 45%
tivos: adobes e BTCs. A unidade III foi composta
por três encontros no NPMS para a produção de Cimento CP IV - - 10% 10%
pequenos protótipos utilizando os elementos pro-
Tabela 2. Proporção dos materiais – adobes e BTCs
duzidos na unidade anterior (escala 1:1) - arcos e
cruzamentos de alvenarias.

De modo geral, tem-se que o MT teve como prin- sentar a solução tradicional de composição dos (Brachiaria decumbens) seco naturalmente e corta-
cípio norteador proporcionar aos alunos atividades BTCs, além de outras proporções inovadores, que do em pedaços de até 10 cm.
práticas, tendo como ponto de partida o desen- estão ainda em fase de avaliação de desempenho.
volvimento de componente construtivo (BTC) e de Na primeira aula, os alunos foram orientados so-
elementos de vedação. Na abordagem tradicional, utilizou-se areia nos bre as características da produção de BTC e adobe,
adobes e BTCs. Na abordagem inovadora, conside- enquanto analisavam o solo e realizavam testes
Durante as atividades do MT, os alunos puderam rando que a areia é um insumo que causa importan- rápidos dos para caracterização dos mesmos. Na
vivenciar e desenvolver todas as etapas necessá- te impacto ambiental em sua extração e que encon- segunda aula, os alunos trabalharam na produção
rias para uma construção com terra, desde a sele- tra-se cada vez mais escassa, optou-se por substi- dos BTCs. Para tanto, foi utilizada uma prensa hi-
ção e extração do solo até à produção de elemen- tuir a areia por resíduos de construção e demolição dráulica, modelo PH4C 40x40 T (Hidral-Mac). Todos
tos de alvenaria com encaixes e amarrações. Essas (RCD), no adobe, e por rejeito de minério de ferro os materiais secos foram mensurados em balança
atividades foram muito relevantes para colocar (RMF), no BTC. Desta forma, foi possível incorporar a com resolução 10 g e homogeneizados em uma ar-
em perspectiva e trazer para o ambiente didático a discussão acerca da escassez da areia (Tabela 2). gamassadeira industrial com capacidade para 60 kg
produção da arquitetura vernácula no Brasil. de mistura. O percentual de água utilizado variou
Para a estabilização do BTC, utilizou-se o cimento em torno de 10% do total da massa seca.
Durante as atividades didáticas, os alunos traba- CP IV por ser o de maior disponibilidade na RMBH
lharam na composição dos materiais usados para [1]. Para produzir os adobes, ainda foi adicionado Na terceira aula, enquanto os BTCs curavam, os
a produção dos componentes. Foi possível apre- um teor de 10% (em volume) de capim braquiária adobes foram produzidos. Os alunos foram respon-

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sáveis por realizar a homogeneização do material


com os pés. A quantidade de água deste compo-
nente variou em função da trabalhabilidade da
mistura, observada in loco. Na Figura 1, são apre-
sentadas algumas etapas da produção dos adobes.

As duas diferentes estratégias de produção (adobe


e BTC) permitiram demonstrar aos alunos nova-
mente duas abordagens: um processo de produção
artesanal e outro industrializado.

Figura 1. Etapas da produção dos adobes. Crédito: Sofia Bessa


Logo na segunda aula, quando os alunos precisa-
ram retirar o solo, peneirar e fazer testes expeditos
(teste do vidro), foi perceptível o impacto que as
atividades surtiram no processo de entendimento
do espaço construído. O tempo despendido, o es-
forço físico, a análise tátil e visual do solo levou aos
alunos uma nova compreensão da arquitetura de
terra como tecnologia possível e tangível.

Na produção dos adobes, os alunos puderam vi-


venciar a produção de adobes em sua forma mais
artesanal e, da mesma forma, analisar a consis-
tência do solo, avaliar a quantidade de materiais
adicionados, a moldagem dos elementos e realizar
o acabamento final.

Figura 2. Produção e aspecto dos BTCs. Crédito: Sofia Bessa Durante a moldagem e a produção dos BTCs, os
alunos puderam perceber que a quantidade de

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água adicionada e a proporção terra:areia alterou a 2) pressupostos da coordenação modular, horizon- as elevações eram necessárias, afinal as decisões
consistência da mistura dos adobes para os blocos tal e vertical e das amarrações das paredes em T , relativas às amarrações em T ou L precisavam ser
compactados, que necessitam de menos água e de L e cruz; feitas desde o início do desenho arquitetônico.
uma mistura mais seca. Ao contrário dos adobes, Tratava-se de um raciocínio em três dimensões, no
os BTCs puderam ser transportados ao local de 3) possibilidades formais para as aberturas e co- qual o processo construtivo deveria ser pensado
armazenamento (cura em ambiente de laboratório, berturas (arcos, abóbodas, etc); juntamente com o projetual, e isso era novo para os
protegidos de incidência direta do sol) onde fica- alunos, acostumados a fragmentar o processo de
ram por 15 dias. Além disso, foi possível explorar a 4) elementos estruturais para as aberturas (cintas, projeto e dissociá-lo da sua execução. Os grupos,
utilização de estabilizantes com RDC e com RMF. vergas e contra-vergas); então, decidiram abandonar o croqui no papel e o
A utilização desses materiais, trouxe alternativas desenho no autocad e migraram para o sketch-up
para a discussão da escassez de areia. E foi possível 5) cuidados com as instalações prediais; , e um dos grupos optou por construir módulos de
perceber que há inclusive impacto estético (tonali- isopor com as medidas do bloco e testar manual-
dade e textura) nos componentes, como percebe- 6) desafios de se incorporar na representação do mente as amarrações pretendidas.
-se na Figura 2. projeto arquitetônico e seu processo construtivo.
Outro desafio encontrado pelos alunos se deu em
Após a secagem dos BTCs e dos adobes, os alunos O projeto a ser desenvolvido era de uma rádio e relação à cobertura da edificação e às suas aber-
puderam trabalhar outros conceitos, como prumo, uma biblioteca comunitária, em um terreno bas- turas. A incorporação de soluções formais mais
modulação e estabilidade, essenciais na constru- tante pequeno (8m x 8m), com uma desnível suave adequadas ao funcionamento do tijolo não foi
ção de vedações. em relação à rua, e para isso a turma foi dividida adotada de imediato. A opção por janelas e portas
em grupos de 3 alunos. retangulares foi a mais recorrente, e, com relação
à cobertura, muitos grupos tendiam pela laje plana
2.2 Em sala: em busca de um projeto construtivo
Apesar da apresentação sobre coordenação modu- impermeabilizada, em uma clara intenção de tentar
lar, alguns grupos optaram por iniciar seus projetos simplificar essa etapa. Entretanto, os alunos tive-
Para dar início ao módulo projetual, foi feita uma
sem considerar o uso do BTC, o que os levou ao ram que se ater com o caminho das águas pluviais
apresentação com os tópicos principais a serem
redesenho tão logo perceberam que as medi- e o posicionamento da caixa d'água. Além disso,
abordados.
das dos espaços projetados não poderiam estar como o terreno possui dimensões muito pequenas,
dissociadas do tamanho do bloco. Rapidamente, a ventilação precisou ser pensada juntamente com
1) indissociabilidade entre espaço projetado e am-
também se deram conta que o projeto não poderia os telhados, e desníveis e zenitais foram sendo aos
biente construído;
ser desenvolvido por meio de plantas apenas e que poucos incorporadas ao projeto.

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2.3. Em busca de uma via de mão dupla

Várias das dúvidas que surgiram durante o desenvol-


vimento do módulo projetual foram levadas para o
módulo tecnológico, no intuito de serem resolvidas
no canteiro, como por exemplo aquela relativa aos
tipos de amarrações entre as alvenarias. Na prática
construtiva no NPMS, e, com os blocos já produzidos,
os alunos puderam construir na escala 1:1 algumas
fiadas e novas amarrações entre as alvenarias. Para
tal, os alunos produziram uma argamassa de assen- Figura 3. Preparo da argamassa e produção dos encaixes em alvenaria. Crédito: Sofia Bessa

tamento com cal hidratada (CH-I), terra e areia com


a mesma proporção de terra:areia (3:1) utilizada nos
adobes, mas com 10% de cal, o que resultou num
traço 1:2,25:6,75 (cal:areia:terra) (Figura 3). Essa ati-
vidade trouxe para o módulo projetual um entendi-
mento mais direto sobre o funcionamento do bloco e
novas possibilidades de arranjos entre eles. Figura 4. Montagens dos arcos na horizontal Crédito: Sofia Bessa

Outra questão que surgiu durante o desenvolvimen-


to do projeto foi relativa às aberturas nos painéis de
alvenaria, para a instalação de portas e janelas. Pre-
tendia-se que o reforço estrutural necessário nes-
sas aberturas não fosse resolvido apenas por meio
da inserção de vergas e contra-vergas, mas também
pela forma arquitetônica, como por exemplo o uso
dos arcos para o desvio das cargas ou algum tipo de

Figura 5. Produção do arco em escala real Crédito: Sofia Bessa

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reforço dos blocos para o aumento da resistência possíveis, contando com blocos e meio blocos. 3. A academia vai às ocupações
em pontos que a tração poderia aparecer. Logo perceberam como seria importante que os
BTCs também tivessem um bloco especial (1 bloco e O universo da autoconstrução compareceu ao
Desse modo, na última sessão prática do MT, os meio) para melhor travamento de encontros em T. longo do módulo projetual a partir do desafio de
alunos trabalharam a construção de arcos (arco se pensar formas de representação do projeto que
pleno, ogival e abatido), que, inicialmente, foram Ficou evidente que não basta produzir elementos permitissem o entendimento fácil de quem fosse
desenhados na horizontal para depois serem mon- em terra crua pensando na sustentabilidade das executá-lo. A linguagem a ser explorada não pode-
tados verticalmente (Figura 4). construções. É muito importante ter uma família ria ser a do desenho técnico, visto que para muitos
de componentes construtivos que permita mais autoconstrutores (e mesmo para alguns pedreiros
A intenção foi transpor as relações geométricas flexibilidade para que na etapa de projeto seja da construção civil) trata-se de uma linguagem
presentes em cada um desses arcos para a escala possível planejar a paginação das alvenarias visan- cifrada de difícil entendimento. O desenho preci-
real. A segunda atividade foi a construção de um do a redução de desperdícios oriundos de cortes sava ser tridimensional, e as etapas da construção
arco abatido usando uma forma, previamente pre- nos blocos. deveriam ser explicitadas, como em um manual ou
parada, em condições reais (Figura 5). guia, em um esquema tipo passo-a-passo.
Com relação aos avanços percebidos ao longo
Partindo-se do pressuposto que somente se con- do módulo projetual, a incorporação do BTC no Essa mudança na representação do projeto foi im-
cebe uma boa solução quando se entende como o desenvolvimento das propostas provocou um portante não só para o autoconstrutor, mas para os
espaço será construído, é de fundamental impor- raciocínio projetual mais complexo e amplo, no próprios alunos, que, ao desenharem as etapas da
tância que os alunos de arquitetura e urbanismo qual os ditos detalhes construtivos passaram construção, tiveram que aprender sobre detalhes
tenham acesso a conteúdos eminentemente práti- a ser pensados e resolvidos desde o início do construtivos, muitas vezes invisíveis em outros
cos associados às disciplinas projetuais. A interação processo. Quem, como e quais são as etapas de sistemas construtivos e quase sempre esquecidos
dos alunos com as questões projetuais rebatidas uma construção foram sendo percebidas como no desenvolvimento dos projetos nas disciplinas
em atividades práticas representou um ganho de sendo parte integrante do projeto arquitetô- curriculares.
entendimento e apreensão construtiva significa- nico. O projeto arquitetônico, além de traduzir
tivo no desenvolver das atividades dos módulos boas ideias espaciais, precisa ser executivo e,
tecnológico e projetual. consequentemente, atento ao meio ambiente já 4. Considerações finais
construído e em transformação. Espera-se que
Alguns alunos tiveram dificuldades técnicas ini- esse entendimento seja levado sempre para as A aproximação das atividades tecnológicas com
ciais, principalmente em relação às amarrações disciplinas de projeto. as atividades de projeto no curso de Arquitetura e

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Urbanismo é cada vez mais importante e urgente vem sendo feito esforços por parte das professoras LOPES, M. S. B. (2015) Artesanias Construtivas e Urbanas: por
para dar mais materialidade a assuntos tratados, envolvidas, da coordenação do curso de graduação uma tessitura de saberes. 276 f. Tese de Doutorado em Arquite-
em via de regra, de forma abstrata. Normalmente e da direção da escola de Arquitetura para superar tura e Urbanismo. Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG,
desenvolvidas de forma dissociada incorrem num as dificuldades logísticas de deslocamentos dos Belo Horizonte. Disponível em http://www.bibliotecadigital.
alto risco de não produzir aprendizado de fato para alunos até o NPMS, bem como a limitada infraes- ufmg.br/dspace/handle/1843/BUBD-9WRGLR.
os alunos. trutura atual que permitiu atender a um reduzido
número de estudantes. GHATTAS, M. H. (2016) Sensibilização e capacitação: dois lados
Percebe-se que ao final do processo, os alunos se de uma mesma moeda. Anais do VI Congresso De Arquitetura e
tornaram tecnicamente capazes de integrar de- Além dos avanços institucionais, as disciplinas Construção com Terra no Brasil,
cisões projetuais a decisões construtivas para o têm a intenção de aumentar a articulação com
sistema construtivo trabalhado. A aproximação ao as atividades de extensão ligadas às ocupações e MENDES, C.; VERÍSSIMO, C.; BITTAR, W. (2008) Arquitetura no
fazer da obra permitiu desconstruir mitos sobre comunidades vulneráveis da região metropolitana Brasil - de Cabral a Dom João VI. Rio de Janeiro : Imperial Novo
o uso da terra para construção civil. Abriu-se um de Belo Horizonte. Para tal, organizar-se-á ofici- Milênio. 176 p.
espectro de complexidade relacionado à produção nas de capacitação das comunidades para alguns
arquitetônico em terra, evidenciando desafios téc- sistemas construtivos em terra. As professoras MINKE, G. (2015) Manual de construção com terra: uma arquite-
nicos e tecnológicos, bem como, ampliando cam- estarão na coordenação e supervisão do trabalho tura sustentável. São Paulo: B4 Editores. 246 p.
pos de interesse em pesquisa e/ou negócios. dos alunos como oficineiros. Acredita-se que assim
será possível oferecer aos alunos oportunidades MORADO NASCIMENTO, D. (2011) A autoconstrução na produção
Além dos ganhos técnicos, a experiência possibi- de aplicar em situações reais os conhecimentos do espaço urbano. In: Jupira Gomes de Mendonça; Heloísa Soares
litou aos alunos uma incipiente, porém muito rica, apreendidos e às comunidades mais autonomia de Moura Costa. (Org.). Estado e capital imobiliário: convergên-
articulação com a realidade das ocupações urba- e conhecimento técnico para produção dos seus cias atuais na produção do espaço urbano brasileiro. 1ed. Belo
nas autoconstruídas. O fortalecimento da interlo- espaços de moradia. Horizonte: C/Arte, p. 217-230.
cução da academia com a população mais pobre do
país é fundamental e urgente. SENNETT, R. (2008) O artíficie. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008.
Referências bibliográficas
Diante do satisfatório resultado alcançado, pre- SANTOS, B. S. (2005) A universidade no século XXI: para uma re-
tende-se dar perenidade para a abordagem inte- BONDÍA, J.L. (2002) Notes on experience and the knowledge of forma democrática e emancipatória da universidade. Educação,
grada dessas disciplinas com oferta anual. Para a experience. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, 2002, Sociedade & Culturas, 23, 137-202, Disponível em http://www.
próxima oferta, no primeiro semestre de 2019, já n.19, p 20-28. ces.uc.pt/bss/documentos/auniversidadedosecXXI.pdf.

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