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TELEVISÃO

O vídeo de November Rain marcou uma geração. Fique por dentro de sua produção
incomum.

Por Meredith Blake, para o Los Angeles Times


7 de junho de 2022

Link para matéria original:


https://www.latimes.com/entertainment-arts/tv/story/2022-06-07/novemeber-rain-guns-n-roses-music-
video-making-of-30th-anniversary

Membros do Guns N’ Roses recebe o prêmio Michael Jackson


de vídeos por “November Rain”, no MTV Video Music Awards
em 92 (Crédito: Kevork Djansezian / Associated Press)

Talvez você se lembre do vestido curtíssimo da noiva. Ou então do caixão


espelhado cobrindo metade do rosto de Stephanie, ou do cara cabeludo saltando sobre um
bolo de casamento, ou do solo de Slash em frente uma igreja num lugar remoto. (Sim,
todos lembramos).
Há trinta anos, o vídeo de “November Rain” estreou na MTV – uma ópera rock
barroca de nove minutos que tem como protagonistas o vocalista Axl Rose e sua
namorada na época, a supermodelo Stephanie Seymour - e a história atemporal de um
amor que deu errado. O vídeo, apresentado no Headbangers Ball (programa da MTV
americana) e exibido na noite desta mesma data no canal Fox, levou uma geração a fazer
perguntas que são feitas até hoje. “Como a noiva morreu?”, “Por que aquele cara pulou
no bolo?”, “Ele matou Stephanie?”, “O que Slash está fazendo no deserto?” e “Oh, meu
Deus! Será este o melhor vídeo musical de todos os tempos?”.
Dirigido por Andy Morahan, November Rain rapidamente começou a ser exibido
repetidas vezes semanalmente e ajudou o single – uma balada poderosa com arranjo
luxuoso que muda para um trecho pesado nos últimos dois minutos – a escalar para o
terceiro lugar nas paradas, ficando atrás de outros dois hinos românticos memoráveis,
(“End of the Road” do Boyz II Men e “Baby-Baby-Baby” do TLC).
O segundo de uma trilogia de vídeos dirigidos por Morahan – os outros são
“Don’t cry” (em que Slash faz o carro capotar num penhasco) e “Estranged” (neste, Axl
pula num tanque e nada com golfinhos) – “November Rain” foi baseado no conto “Sem
você” (Without you), escrita por Del James, jornalista, diretor de turnês e braço direito da
banda.
Foram investidos 1,5 milhão de dólares no vídeo, fazendo dele o mais caro de seu
tempo – um marco que foi rapidamente ultrapassado, mas que gerou críticas da mídia por
conta da reputação cada vez mais volátil de Axl. Os fãs podem ter amado o vídeo, mas
ele foi considerado por muitos colunistas da área cultural excessivo e indulgente –
particularmente quando comparado ao econômico e áspero Smells Like Teen Spirit do
Nirvana, lançado uns poucos meses antes.

Para o baterista Dave Grohl, “November Rain” foi um desastre, como ele conta
em “I Want My MTV: The Uncensored Story of the Music Video Revolution,” (trad: “Eu
quero minha MTV - as histórias sem censura da revolução dos vídeos musicais”),
produzido por Craig Marks (agora editor de música pop do jornal inglês The Times) e
Rob Tannenbaum. “Quando um músico começa a usar o termo ‘mini-filme’ para
descrever um vídeo, é hora de parar”.
No Video Music Awards em setembro daquele ano, quando Axl Rose e Kurt
Cobain protagonizaram a famosa briga nos bastidores, o Guns N’ Roses recebeu o
Prêmio Michael Jackson De Vídeos Contemporâneos, uma espécie de Oscar da MTV.
Porém o vídeo ganhou apenas em uma das categorias, cinematografia. Uma mudança
importante estava acontecendo: o hard rock, decadente, dava lugar para o ascendente
grunge. Uma outra mudança significativa: alguns meses antes do lançamento de
“November Rain”, o seriado The Real World passou a ser exibido na MTV americana.
Ao longo da década, os vídeos musicais superproduzidos foram desaparecendo e
surgiram programas simples, gravados praticamente sem roteiro ou planejamento. Deste
modo, “November Rain soava um pouco como o último dos dinossauros antes do meteoro
que foi o grunge e tudo o mais que aconteceu à indústria da música, graças ao
compartilhamento de arquivos na internet”, explicou Mike Southon, um dos dois
cineastas que captaram o vídeo.
O fato é que passados trinta anos, “November Rain” segue reinando. Em 2018, se
tornou o primeiro vídeo produzido antes do surgimento do YouTube a alcançar um bilhão
de visualizações. Em junho de 2022 já tinha sido visto 1.9 bilhões de vezes, mais do que
qualquer outro vídeo dos anos 80 e 90. De acordo com o ranking da MTV, é o terceiro
melhor clipe de todos os tempos.
Os vídeos musicais se tornaram mais acessíveis – basta dar uns cliques em um
smartphone – e menos influentes. Por isso, “November Rain” representa um exemplo
duradouro da época em que este tipo de mídia dominava.
Este vídeo ganhou diversas paródias, inspirou casamentos temáticos, um podcast
sobre o tema e ao menos uma fragrância de vela. Entre os fãs dele estão Sofia Coppola,
que tentou adquirir os storyboards originais de Morahan “porque o clipe é épico e
glamouroso”, contou recentemente à revista Vice (publicada nos EUA e Canadá). Outro
fã é Donald Trump, que quando presidente, fez os funcionários da Casa Branca assistirem
ao vídeo por acreditar ser este o melhor de todos os tempos.
“November Rain” se tornou para os vídeos de música o que Titanic é para os
filmes – um título no topo, talvez até bobo, mas inegavelmente eficiente, um campeão
romântico que continua a ser exibido e a provocar grande especulação mesmo décadas
depois de ter sido lançado.

Nada dura para sempre, exceto, possivelmente, “November Rain”.

Videoclipes precisam ser um pouco obtusos.

Quando a banda entrou em contato com Morahan, ele já era um diretor famoso,
responsável por vídeos de George Michael e Elton John.

pareiaki
O vídeo enigmático da música “Father Figure”, do George Michael, que retrata
um affair entre uma modelo e um motorista de táxi, interpretado pelo próprio, chamou a
atenção de Axl Rose. O cantor procurava por alguém com sensibilidade cinematográfica
para produzir uma trilogia de vídeos para canções ambiciosas que ele compôs,
pertencentes aos álbuns “Use Your Illusion” I e II.
A história que Del James escreveu bem antes de “November Rain” ser lançada é
sobre um rock star extravagante chamado Mayne Mann (evidentemente baseado em Axl)
que fica desnorteado após o suicídio da ex-namorada. “Eu basicamente era aquela
pessoa”, Axl escreveu na introdução do conto para o livro “The Language of Fear” (A
Linguagem do Medo). A história termina com Mayne tocando ao piano “Without you”,
sucesso musical inspirado no fim da relação, enquanto seu apartamento é tomado por
chamas.
Na era análoga de 1992, esta explicação não estava disponível ao telespectador
casual da MTV. Eu, como fã hávido de Guns N’ Roses, não sabia que James era um
escritor ainda não publicado ao tentar encontrar o livro dele na biblioteca da minha
cidade. Além disso, as semelhanças do conto com o vídeo são poucas.
Para os que por algum motivo esqueceram os pontos chave do clipe, aqui vai um
resumo para refrescar a memória: o início se dá num quarto com pouca luz, onde Rose
toma uns comprimidos. A cena seguinte é a de um teatro lotado e a banda tocando ao
vivo, acompanhada por uma orquestra. Numa igreja pitoresca, Stephanie, usando um
vestido curto, se casa com Axl. Eles dão um beijo escancarado e, sob chuva de pétalas,
embarcam em um conversível branco vintage. Um olhar preocupado no rosto da noiva
sugere que nem tudo vai bem no relacionamento.

Slash se ausenta da cerimônia, de alguma maneira saindo de uma outra igreja, e


faz um solo de guitarra sob uma paisagem desértica. Uma recepção animada da festa de
casamento é interrompida por uma chuva inesperada e rápida, o que faz os convidados
correrem para algum lugar coberto com uma curiosa urgência. Um homem pula sobre o
bolo de casamento. Vinho é derramado. A música muda. Stephanie está morta em um
caixão com metade do rosto coberto. Axl chora sobre o caixão enquanto a chuva continua
a cair. Num flashback, Stephanie joga o buquê, e este cai no caixão. As flores mudam de
cor, de vermelhas para brancas.
Na época, Morahan era aluno da escola de cinema e ficou comovido pelo
suspense experimental “Don’t Look Now” (“Não olhe agora”), com Julie Christie e
Donald Sutherland, onde foram usados flashbacks e premonições para contar a história de
um casal em luto. Isto, mais as imagens inspiradas na terapia de regressão de Axl Rose
inspiraram o diretor a criar uma narrativa não-linear.
O vídeo não revela a causa da morte da noiva, ou a razão pela qual o rosto dela
está coberto no caixão, apesar de ela e Axl brigarem com a presença até de uma arma de
fogo nas mãos no videoclipe de “Don’t cry”. “É uma parte da história que as pessoas
teriam de desvendar”, explica Morahan. “ ‘Será que ela teve parte do rosto arrancada?’
Quem sabe? O vídeo foi feito para criar estas intrigas”.

“A qualidade elíptica do clipe é parte da explicação de seu sucesso”, defende


Daniel Pearl, um dos câmeras que trabalharam no projeto. “Diferentemente de filmes e
programas de TV, videoclipes são feitos para se ver mais de uma vez”, explica.
“Precisam ser um pouco enigmáticos, ter acrescentada alguma complexidade a eles,
assim, quando você vê uma terceira, quarta, quinta, sexta vez, percebe mais algum
detalhe”.

“Onde está o bolo?”


Axl Rose se apresenta no MTV Video Music Awards
em Los Angeles
Crédito: Jeff Kravitz / Film Magic, via Getty Images

A banda estava em crise quando o vídeo para “November Rain” foi gravado,
explica Morahan. “Eles só queriam trabalhar à noite. Então mesmo que houvesse no
cronograma gravações para serem feitas durante o dia, havia boa chance deles não
aparecerem antes do sol se pôr”. Por meio de tentativas e erros, o diretor descobriu que a
melhor forma de filmar durante o dia era manter os membros da banda trabalhando a
noite toda e produzir uma certa falta de continuidade – como, por exemplo, o fato de Axl
Rose estar ao lado do caixão, no cemitério, à noite, apesar do funeral ter acontecido
durante o dia.
Southon, que filmou a apresentação da banda ao vivo para o vídeo, contou que
ficava o dia inteiro no teatro equipado com oito câmeras e lotado de figurantes esperando
a banda chegar. “Quando dava umas três da manhã, o assistente de direção vinha e
informava: ‘não vai dar’, e não filmávamos nada”. Eles tiveram que organizar tudo de
novo, em um outro local, e quando colocaram as câmeras para funcionar, deu tudo certo.
“O êxtase que você sente compensa tudo”, explica. Ele também foi o câmera no vídeo de
“Freedom 90” do George Michael.

A energia imprevisível da banda – e a habilidade do diretor em saber lidar com


isso – criaram alguns dos momentos mais marcantes do vídeo.

Um exemplo é o trecho do solo de guitarra de Slash. Enquanto o casamento era


filmado na igreja de St Brendan (São Brandão, o Navegador, santo irlandês) na avenida
Van Ness (situada em São Francisco), o guitarrista fez uma pausa para fumar. As câmeras
continuaram ligadas. Assistindo por um monitor, Morahan percebeu que a cena de Slash
caminhando até a porta e saindo poderia se transformar numa transição perfeita para o
momento do solo. “Tivemos a ideia de Slash chegar no meio do nada”, explica.
O solo foi filmado em um rancho no Novo México, na frente de uma igreja que
também aparece no faroeste “Silverado” de 1985. O rancho, mais tarde, foi comprado por
Tom Ford (designer de moda) e está atualmente à venda. A igreja ainda existe, mas
ganhou nova pintura. Para a captura, foram utilizados uma câmera com telescópio, uma
câmera de mão e um helicóptero que “chegou ridiculamente perto de Slash em dado
momento. E aí paramos”, explica.
Durante as filmagens, Morahan foi visitado por outro diretor, Anton Corbijn
(responsável pela direção de vídeos de Depeche Mode, U2 e longa metragens), que
assistiu a gravação e perguntou “Oh, meu Deus! É o vídeo todo? É incrível!”. E Morahan
explicou: “Não, é um trecho de 30 segundos”. E completou: “Foi uma loucura!”.

De modo parecido, no plano original do diretor não havia um homem pulando


sobre o bolo. Mas explica ele: “Axl e eu queríamos um casamento chique do tipo
‘Poderoso chefão’ que acaba arruinado. Não tinha a intenção de ser realístico, mas sim
diferente”. A festa foi filmada na Villa del Sol d’Oro, uma residência dos anos vinte de
estilo toscano, situada em Sierra Madre, cidade do condado de Los Angeles. Axl veio
com uma ideia: “Por que não fazemos alguém mergulhar no bolo?”.
“Se não tivéssemos um bom coordenador de dublê, provavelmente não teria sido
possível filmar a cena”, explica Morahan. “Mas era nossa última filmagem e pensamos:
‘que mal pode fazer?’”. O diretor achou a gravação ridícula, mas não era possível refazê-
la. Não havia outro bolo disponível. A ideia, concluiu, não funcionou e cena foi cortada.
Foi quando Axl perguntou “onde está o bolo?”, e o diretor voltou atrás.
“Todos amam o vídeo. As pessoas falam dele o tempo todo”, diz Pearl, um dos
câmeras, cujos créditos incluem o filme O Massacre da Serra Elétrica e Billie Jean, vídeo
da música de Michael Jackson. “Mas para mim, ainda está errado”, conclui. Morahan se
incomoda menos com o assunto. “É parte do folclore do rock n’ roll agora”.

Axl Rose à esquerda, e Slash, tocando ao


vivo no Rock In Rio II em 1991 no Brasil
Crédito: Kevin Mazur / WireImage

Ao longo do tempo, a própria produção do vídeo adquiriu um ar de mistério quase


tão intenso quanto a história contada. Ninguém parece lembrar qual cemitério foi usado
para as filmagens e ninguém sabe onde foram parar os impressos com o roteiro de
filmagem. O vestido de noiva, que inspirou vários outros, teve produção atribuída a uma
designer chamada Carmela Sutera, mas o paradeiro do vestido é desconhecido (e parece
que ninguém sabe quem fez as roupas para o vídeo também).
Como qualquer outro trabalho excepcional da cultura pop, “November Rain”
chegou a criar sua própria lenda urbana: por anos, acreditava-se que Riki Rachtman,
apresentador do Headbangers Ball, presente na festa de casamento, tinha sido o cara que
pulou no bolo, mas ele recentemente negou.
Robin Petering e Tara Reader, de Los Angeles, apresentam o podcast “Nothing
Lasts Forever” (“Nada dura para sempre”, uma frase de November Rain) dedicado
inteiramente ao universo desta música e do clipe dela. Eles podem ter resolvido este
mistério: acreditam que o convidado que pulou no bolo foi interpretado pelo músico
Steve (não há certeza sobre seu sobrenome) que frequentava o Rainbow Bar & Grill
(também frequentado pela banda) nos anos 90 e ganhou dinheiro como figurante
“roqueiro” em videoclipes.
A dupla de apresentadores estreou o podcast durante os dias mais difíceis da
pandemia de COVID-19, esperando determinar se o clipe é, como Trump insistia, o
maior vídeo musical de todos os tempos. Depois de dois anos e dezenas de episódios, eles
sabem mais sobre o assunto do que qualquer outra pessoa fora do Guns N’ Roses.
Eles ainda não estão certos se é o melhor vídeo, mas “é parte do patrimônio
coletivo de uma geração”, explica Tara. “Qualquer pessoa nascida entre 1965 e 1985 tem
alguma lembrança especial dele. Foi uma época antes das redes sociais, quando algo
realmente podia prender sua atenção por um bom tempo”.
E o clipe continua a conquistar novos espectadores. Morahan recebe ligações de
pessoas interessadas em transformar imagens do vídeo em NFTs, mas esclarece: “Prefiro
lembrar o tempo em que “November Rain” foi culturalmente importante, ao invés de
transformá-lo em papéis de parede”. E com este pensamento, o diretor ainda se anima
com o fato dos fãs continuarem a buscar pelas respostas – sobre “Steve” e todo o resto.
“Eu acho ótimo o fato de pessoas ainda terem dúvidas”, explica. “E deve continuar assim
por bastante tempo”.

Meredith Blake

Meredith é jornalista da seção de entretenimento, correspondente do Los Angeles Times


em Nova York, e produz matérias principalmente sobre televisão. Nascida em Bethlehem,
Filadélfia, se formou na Universidade de Georgetown e fez mestrado na Universidade de
Nova York.

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