Você está na página 1de 10

REFLETINDO AS ESTRUTURAS SOCIAIS DA GRÉCIA ANTIGA: O RETORNO

DE ODISSEU ABRE NOVAS PERCEPÇÕES.

Larissa de Jesus Cruz1


Luana Grace Guerrieri Araújo Damm2
Jacquelyne Taís Farias Queiroz3

Resumo: A Ilíada e a Odisseia, poemas que foram compostos no século VIII a.C e vem a muitos
séculos encantando gerações com narrativas que envolvem homens, poder, batalhas, códigos
de conduta e deuses. O objetivo desse trabalho é compartilhar a experiência que tivemos ao
utilizar os poemas homéricos como fonte para melhor compreendermos os diversos aspectos da
sociedade grega antiga. Analisando a Odisseia à luz dos estudos modernos acerca da
antiguidade, pudemos observar as estruturas sociais, políticas e religiosas que compõe a
sociedade da Grécia Arcaica como: os oikos, o papel da mulher, a escravidão, como eram vistos
os heróis, as relações de hospitalidade, a importância dos reis e a interferência constante dos
deuses sob ações e decisões dos homens. Através dessa atividade conseguimos perceber a
importância e a influência da cultura grega antiga sobre nossa sociedade contemporânea e como
desenvolver o exercício da análise das fontes para a realização de um trabalho acadêmico.

Palavras-chaves: Odisseia. Sociedade grega. Fontes históricas.

Esse trabalho é resultado de uma atividade que foi sugerida como parte dos créditos que
compõe a disciplina Grécia e Roma: Aspectos da Antiguidade, estudada no segundo semestre
do curso de licenciatura em história. A princípio nos causou estranheza, pelo fato de termos
tido muito pouco contato com matérias curriculares em nosso ensino fundamental e médio que
desenvolvessem e os temas sobre as civilizações antigas. Tendo como fonte de analise o livro
Odisseia, na versão em prosa de Menelaos Stephanes (2011), ficamos surpreendidas com a
maneira como este nos apresenta aspectos da cultura grega antiga de forma poética. O manuseio

1
Graduanda do terceiro semestre do curso de Licenciatura em História da Uneb – Campus XVIII-
Eunápolis/Ba.Email: laariissacruz@gmail.com
2
Graduanda do terceiro semestre do curso de Licenciatura em História da Uneb – Campus XVIII-Eunápolis /Ba.
Email:luana.guerrieri@hotmail.com
3
Professora auxiliar da Universidade do Estado da Bahia – Campus XVIII- Eunápolis/Ba.
.jacquelynequeiroz@gmail.com
com as fontes históricas e estudos modernos nos permitiu a assimilação de conhecimentos que
não tínhamos contato por estamos ainda no inicio de nosso curso, mas que nos ajudou a
compreender os passos para a realização de uma pesquisa academia.
Conforme aborda em seu capítulo O estudioso de História Antiga e suas fontes, Finley
(1994, p. 12-13) considera que os historiadores antigos não dedicavam atenção à distinção entre
fontes primárias e derivadas. As fontes históricas são o objeto em si, de onde tiramos a
informação, já as fontes derivadas ou secundárias são as análises ou interpretações da fonte
original. Segundo Finley (1994, p. 12-13) Heródoto e Tucídides usavam como fonte primária,
o testemunho ocular. Eles escreviam a partir de suas observações, dando prioridade ao
testemunho ocular em detrimento aos testemunhos posteriores, pois não conseguiram elaborar
técnicas críticas ou formas convenientes de lidar com as outras fontes que não fossem a ocular.
O autor ainda salienta que na Grécia Antiga havia pouca preocupação com as fontes
escritas como registro. Isso porque a escrita não comunente utilizada. Ela só vai ser reutilizada
com maior assiduidade a partir do século V a.C . A tradição oral era a base da transmissão da
cultura e da educação dos gregos, porém a partir do século V a.C. o registro de informações
passou a ganhar força.
Os poemas homéricos exercem grande fascínio e curiosidade aos que gostam de poesia
e muito mais ainda àqueles que se interessam pela cultura grega. A sua importância vai além
da sua representação literária. Segundo Finley (1988, p.17) os poemas homéricos foram
desenvolvidos no período da Idade das Trevas e tanto a Ilíada quanto a Odisseia são
considerados pelos gregos antigos como uma obra composta por um único poeta: Homero.
Porém, entre os estudiosos modernos existe uma discussão e sugere que os poemas
homéricos podem ter sido compostos por várias pessoas Por trás dos poemas há uma forte
tradição oral, recitada e transmitida por cantores profissionais (aedos), que eram inspirados
pelas Musas. Esses poemas foram compostos no século VIII a.C. e registrados no século V a.C.
Durante 700 anos foram conservados pela transmissão oral, sem auxilio da escrita.
De acordo com Finley (1988, p.17) para os gregos os temas retratados na Ilíada e na
Odisseia referem-se a um passado heroico e são considerados autênticos, pois fazem parte de
sua história. Entre os temas épicos, o mais importante é o que se refere à guerra de Tróia, sua
destruição e o regresso de seus heróis para seus lares. Para arqueologia, Tróia de fato, existiu.
Finley (1988, p.18) menciona Homero e Hesíodo como os primeiros que mostraram a origem
dos deuses para os gregos. Hesíodo produziu a Teogonia: a genealogia, títulos, funções, honras,
enfim, definiu as imagens dos deuses. Já Homero produziu a teomorfização, ou seja, introduziu
a presença dos deuses entre os homens, depois do século V a.C.
Sendo utilizados como fontes históricas , suas narrativas retratam a sociedade grega
arcaica e os seus costumes. Para Finley (1994, p.30) os estudiosos de História Antiga
concordam que as fontes literárias devem ser aceitas e que a arqueologia nos fornece muitas
informações para além do que foi escrito, sendo uma a complementação da outra. Ela pode
concordar ou desmentir a fonte escrita.
A Odisseia, recontada escrita por Menelaos Stephanides (2011) nos trás, em uma versão
em prosa, a história do retorno de Odisseu, para seu lar. A narrativa começa descrevendo uma
reunião dos deuses onde esses decidem ajudar a Odisseu a voltar para casa. Atena, deusa da
sabedoria, filha de Zeus pede ao pai que envie Hermes para avisar a ninfa Calipso que deixe
Odisseu seguir viagem e assim o retornar a Ítaca. Em seguida, Atena vai ao encontro de
Telêmaco, o filho de Odisseu.
Telêmaco vive com a casa cheia de pretendentes, onde estes estão a consumir as riquezas
de seu pai e disputar a mão de sua mãe. Influenciado por Atena, ele convoca “No outro dia,
[...] os arautos convocaram o povo para uma assembleia, à qual compareceu muita gente.”
(STEPHANIDES, 2011, p. 18). Diante da assembléia comunica sua decisão de partir para Pilos
de Nestor e Esparta de Menelau em busca de notícias de seu pai. Caso se confirme a morte de
Odisseu, Telêmaco começará os preparativos para o casamento de sua mãe com um dos
pretendentes. Mas nem Nestor e nem Menelau puderam dar noticias de Odisseu.
Odisseu se encontra na ilha da ninfa Calipso, que não o deixa seguir viagem. Porém,
após perceber que ele não estava feliz longe de casa, resolveu ajuda-lo, então lhe diz as
seguintes palavras: “− Não chore mais, Odisseu, pois chegou a hora de voltar para os seus!
Pegue um machado e corte madeira bem grossa para construir uma jangada.” (STEPHANIDES,
2011, p. 46). Mas ao iniciar seu regresso, Poseidon o deus do mar, ao perceber que Odisseu se
aproximava da ilha dos Feácios, provoca uma grande tempestade, destruindo sua jangada.
Odisseu escapa da morte ajudado por uma divindade chamada Leucotéia.
Ainda ajudado por Atena, chega à ilha dos Feácios, lá é encontrado por Nausícaa, filha
do rei Alcinoo dono da ilha. Odisseu é muito bem acolhido pelo rei e sua esposa Arete, e acaba
por revelar sua identidade. O rei Alcinoo oferece uma festa em sua homenagem e a pedido dos
nobres que foram convidados começa a narrar todas as suas desventuras até chegar à ilha dos
Feácios. O encontro com os Cícones e os Lotófagos, a terra dos ciclopes, a ilha de Éolo, na terra
dos Lestrigóes, na ilha de Circe, sua viagem ao Hades, o encontro com as sereias, entre Cila e
Caribdes, e os bois de Hélios.
Com a ajuda dos barqueiros Feácios, Odisseu finalmente consegue voltar para Ítaca,
mas este não reconhece sua terra natal. Atena se disfarça de um jovem pastor que Odisseu se
alegra em ver e lhe pergunta ansioso que lugar é aquele. Este lhe responde: “É um lugar
pedregoso, sem estradas para carros ou carroças, mas não é nada pobre. Trigo e cevada crescem
em abundância. Está agora, estrangeiro, na famosa Ítaca!” (STEPHANIDES, 2011, p. 114).
Porém as suas desventuras não acabaram ainda. Ao chegar a sua tão querida ilha, precisa se
livrar dos pretendentes que ocupam a sua casa e gastam sua fortuna com festas. Com a ajuda de
seu filho Telêmaco, e dos servos Eumeu e Filécio, Odisseu mata os pretendentes e assume o
seu lugar como senhor da ilha, esposo de Penélope e filho de Laerte.
A Ilíada e a Odisseia apresenta um conjunto de valores e costumes da sociedade grega
antiga. Sua estrutura social era composta por uma aristocracia que tinha a guerra como seu
principal objetivo, e, portanto valorizava a participação dos homens nos combates. Para Mossé
(1984, p. 46) encontramos nos poemas descrições da importância na participação nos combates
pelos homens considerando assim “[...] a Ilíada e a Odisseia, aos olhos dos gregos [...] um
sistema de virtudes essenciais são aqueles que possam revelar-se em combate, [...]”. Na
Odisseia, reconhecemos o princípio dessa aristocracia quandoTelêmaco se refere ao constante
desgosto que carrega por não saber o real fim de seu pai, que ao partir para a batalha de Tróia,
lutando nesse combate por dez anos e após conseguir a vitória não consegue retornar para casa,
deixando aflitos toda a sua família e amigos. Reunida então a assembleia, o egípcio, ancião
combatente disse :“Diga-me somente, porém, o motivo da assembleia. Não nos reunimos desde
que Odisseu partiu. Estará vindo de Tróia o nosso exército? [...] − Quisera eu ter alguma notícia
do exército para lhe dar.” (STEPHANIDES, 2011, p. 18).
Essa característica guerreira permeia os valores e costumes que formam a vida da
população do oikos. Propriedades fundiárias, com desenvolvimento econômico pastoril e
agrário. Finley (1988, p. 19-20) refere-se a essa estrutura como sendo “[...] formados por reis e
nobres, possuindo muitas terras, muitos rebanhos e levando uma vida de esplendor e de guerras.
A casa senhorial era centro das atividades e do poder. O rei era juiz, legislador e comandante.”
Claude Mossé (1989, p. 57) faz um estudo acerca do mundo dos oikos, e considera que
a Odisseia narra melhor essa estrutura social, pois “O poeta ora nos apresenta como grandiosos
palácios repletos de ouro, ora pelo contrário, como simples casas rústicas em que, à volta do
Senhor e da Senhora da casa, se organiza uma vida essencialmente rural e pastoril.”
Podemos observar o que Mossé (1989) nos apresenta na Odisseia quando Telêmaco e
Pisístrato viajam para Esparta ao encontro de Menelau para saber notícias de Odisseu
desaparecido há dez anos e são convidados a adentrar no palácio e, “Ficaram deslumbrados ao
vê-lo e, desconcertados, admiravam seu brilho e riqueza. Logo as escravas os conduziram a
uma marmórea sala de banhos.” (STEPHANIDES, 2011, p.28-29). Também encontramos a
descrição da casa como uma simples choupanas, demonstrando a vida essencialmente voltada
para o campo e suas atividades agropastoril, como observamos “A casa de Laerte era uma
choupana rural onde o pobre velho vivia uma vida de privações, a trabalhar no campo, [...].
Encontrou-o a podar uma arvorezinha em um pomar muito bem tratado. [...]” (STEPHANIDES,
2011, p.177).
Para os gregos, os heróis são aqueles que possuem características extraordinárias. Ao
contrario dos deuses, são mortais. As virtudes guerreiras são as mais admiráveis e a morte em
combate é considerada uma glória. Mossé (1989, p. 47) descreve que “Para estes heróis
sucumbir em combate representa a honra suprema. Esta bela morte [...] há de procurá-la na flor
da idade, [...]”. Para o herói grego a morte gloriosa em combate também esta ligada aos ritos
fúnebres que são destinados ao seu corpo. A mutilação ou ultraje de seu cadáver é a maior
afronta que se pode desferir ao inimigo.
Na Odisseia, podemos observar a tristeza de Odisseu quando percebe a possibilidade
de morte, e se desespera ao imaginar não ter um sepulcro e nem recebem os ritos fúnebres
necessários. Ele lamenta sua sorte e expressa sua dor dizendo: “Não tenho salvação... Ah, como
tiveram mais sorte aqueles que agora jazem em Troia, [...]. Agora estaria sob um alto sepulcro
e minha glória seria eterna! [...]”(STEPHANIDES, 2011, p. 50).
Segundo Mossé (1989, p.48) a beleza física dos heróis também era muito valorizada
entre os gregos. Eles se cuidavam sempre com óleos e unguentos especiais. Faziam desse
costume um ritual de cultura guerreira. Os aqueus eram os de porte mais imponentes.Segundo
Homero na Odisseia, a beleza de Odisseu merece destaque, mesmo depois de dez longos anos
a vagar pelo mar, ainda encanta Nausícaa quando esta o encontra na ilha, e pode perceber sua
beleza realçada depois de “Então, limpo e bem vestido, nem parecia à mesma pessoa, pois
Odisseu era um homem belo e de aparência distinta”. (STEPHANIDES, 2011, p. 57).
Os heróis que não morreram em combate, e que ao longo dos seus anos de vida, tornam-
se anciãos desempenhando o papel de conselheiros, dispondo sua sabedoria em prol da
comunidade. (MOSSÉ, 1989, p.49). Quando Telêmaco se encaminha para Pilos encontra-se
com o Velho e sábio Nestor, herói que não morreu em combate e agora ancião serve de
conselheiro. Intimidado com sua sabedoria, Telêmaco se pergunta: “Como irei encarar o sábio
Nestor e fazer perguntas um rei que governou três gerações de homens? (STEPHANIDES,
2011, p. 27).
Apesar de possuírem qualidades extraordinárias, os heróis “[...] só agem por vontade
dos deuses: são estes, enquanto autênticos senhores do destino dos homens, que puxam
realmente todos os cordelinhos da ação”. (MOSSÉ, 1989 p. 51-52). Por isso, os deuses são
mencionados na Odisseia, de forma a compreender a sua natureza diferenciadora dos homens,
sendo eles possuidores da imortalidade e poderes específicos.
Encontramos nesse poema homérico a descrição da assembleia dos deuses no Olimpo,
onde demonstram sua superioridade e como interferem na vida dos seres humanos. Esses
tomam partido dos seus heróis, ajudando-os de diversas formas, livrando-os ou protegendo-os
dos muitos perigos, embora reconheçam que muitos dos perigos e mazelas enfrentados por eles
sejam consequências de suas decisões. Para ajudar Odisseu em seu regresso, Atena se manifesta
em diversas formas: rei de Tafos, Mentor, uma rapariga na ilha dos Feacios, e já em sua terra,
a deusa se disfarça de um jovem pastor para continuar a ajudá-lo.
Mossé (1989, p.59-60) ressalta ainda que em cada oiko possuía o seu senhor, que tinha
domínio desse território. Esse senhor detém o título de rei, que se baseava na vontade geral do
povo e o aspecto da hereditariedade. Eles eram responsáveis pelo bem estar de seu povo,
realizavam os sacríficos aos deuses, e procuravam fazer valer a justiça. Esses valores são a base
do poder desses reis, retratados nos poemas homéricos.
As assembleias, reuniões que eram realizadas na ágora, ou seja, praça demonstrava que
as decisões desse rei dependiam de um consenso geral entre os habitantes da comunidade.
Odisseu era rei de Ítaca, e como tal zelava pelo seu povo. Reconhecemos isso nas palavras de
Telêmaco ao se referir ao pai na assembleia: “A menos que meu pai tenha sido injusto com o
povo e agora eu deva pagar por isso... mas ele era bom e sensato, e isso todos sabem.”
(STEPHANIDES, 2011, p. 19).
Apesar dessas características do rei, Mossé (1989, p.80-81) aborda que havia também
questionamentos quanto à hereditariedade dessa posição. Esses partiam da afirmação que tudo
era da vontade dos deuses, e que só ela é que deveria prevalecer como requisito parase manter
o direito ao trono. Os pretendentes desejavam matar Telêmaco para apoderar-se do seu lugar
como futuro rei de Ítaca em lugar de seu pai Odisseu, justificando assim o seu ato como se
fosse aprovado pelos deuses. Anfínomo um dos pretendentes fala para os demais que não
tivessem pressa em executar tal intento pois temia a ira da deusa Dique:
− Eu não matarei Telêmaco antes de saber se essa é a vontade divina. Se os
deuses nos derem sinais de que estamos livres para fazê-lo, então eu serei o
primeiro a encerrar minha espada cortante no corpo dele! (STEPHANIDES,
2011, p. 131).
Entre os gregos a hospitalidade era algo muito praticado. Zeus é o deus da hospitalidade
e conforme salienta Claude Mossé (1989, p.70) a prática de troca de oferendas faz parte das
relações sociais e segundo os costumes gregos devesse receber primeiro o estrangeiro ou
desconhecido, alimenta-lo, oferecer-lhe descanso, para só depois lhe perguntar quem é, e de
onde veio e para onde vai. A autora menciona que poderiam ser utilizados como presentes: o
ouro, o ferro, além de roupas tecidas pelas mulheres no seio de suas casas.
Na Odisseia, torna-se visível a prática da hospitalidade entre os gregos. Diante de tantos
exemplos encontrados, podemos destacar a hospitalidade do rei Alcinoo para com Odisseu,
quando este lhe conta a sua história e pede para que o ajude a retornar para casa. O rei Alcinoo
assim que ver sua esposa pede para ela acolha o estrangeiro: “− Minha querida, traga aqui para
o estrangeiro a nossa mais bela arca, meu melhor anto e minha melhor túnica. Eu lhe darei ainda
esta taça de ouro maciço, para ele libar aos deuses e lembrar-se de mim enquanto viver.”
(STEPHANIDES, 2011, p. 69).
As mulheres são comparadas as deusas, destacando-se pela sua beleza e sua
generosidade. “[...] a divinal Helena [...]. Parecia à própria Ártemis, tanto pelo porte quando
pela beleza.” (STEPHANIDES, 2011, p.30). Percebemos que as mulheres dos reis também são
bondosas, como Areté rainha da ilha dos Feácios. Nausicaa e Atena aconselha a Odisseu
primeiro pedir ajuda a rainha se quiser voltar logo para os seus. Por meio do sonho que a deusa
Atena inspira Nausícaa, compreendemos que as jovens mulheres tinham uma idade para se
casar e um padrão de vestimenta para encantar os pretendentes. É o que podemos perceber no
sonho, na fala de sua mais querida amiga, a filha de Dimas, que lhe diz:. “−Já está na idade de
se casar [...] Por isso, você deve estar sempre muito bem vestida e ter belos tecidos para o seu
casamento”. (STEPHANIDES, 2011, p. 54)
Segundo Mossé (1989, p.61), o casamento não era institucionalizado. Mas a tradição
exigia que os pretendentes devessem oferecer presentes ao pai da mulher que desejassem, e
normalmente a filha era entregue aquele que oferecesse os presentes de maior valor. Os hedna,
era uma das práticas de trocas de oferendas, e desta maneira teoricamente não ocorria a venda
da filha, mas uma aliança com um homem poderoso. Mossé (1989, p.62) ainda ressalta a
situação de Penélope, que se destaca em dois aspectos: a dúvida em relação a morte de seu
esposo Odisseu e seu filho com Odisseu, Telêmaco já havia alcançado a idade adulta e poderia
decidir sobre o destino de sua mãe e assim reivindicar sua sucessão ao trono em lugar de seu
pai.
Observamos na Odisseia diversos aspectos da função familiar da mulher no contexto
em que viviam os aqueus. Um dos exemplos que podemos observar é no momento que Penélope
desce as escadas para censurar o cantor que interpreta a canção da volta dos aqueus de Tróia, e
Telêmaco reage advertindo a mãe para retornar as suas funções. Essa atitude, porém alegrou o
coração de Penélope por ver que o filho ao tomar essa atitude, assumia sua condição de aner,
um homem adulto.
A autoridade era exercida pelos homens, eles é que davam as ordens. Pois mesmo
Telêmaco sendo filho de Penélope, ele por seu homem a repreende na frente dos demais
pretendentes : “[...] Vá para cima cuidar dos seus afazeres e de suas criadas. Com o resto, deixe
que se preocupem os homens, [...]” (STEPHANIDES, 2011, p.17).
Mossé (1989, p.60-61) descreve a relação da mulher quanto senhora da casa, do tesouro,
das provisões alimentares. Suas atividades cotidianas eram fia e tecer além dos cuidados com a
casa e acolher os visitantes ao lado de suas servas.
Era comum possuírem servos. Esse termo tanto era utilizado para designar trabalhadores
livres que dependiam do oikos e trabalhavam para o senhor, como para aqueles que eram
considerados sua posse. Mossé (1989, p.65-66) aborda as diferentes origens da escravidão e
situações que a caracteriza: mulheres cativas de guerra, que são as mulheres de origem nobre
que se tornavam posse dos heróis que ganhavam a guerra, as mais belas se tornavam suas
concubinas tendo assim um destino menos cruel. Porém outras cativas de guerra auxiliam a
senhora nos serviços domésticos, sendo um trabalho muito árduo. Dentre as que realizam esses
trabalhos, há as que se destacam por sua lealdade, como é o exemplo na Odisséia, o de Euricléia.
Podemos visualizar essa relação de confiança e fidelidade em vários momentos descritos
na Odisseia, tais como quando Euricleia ajuda Telêmaco com os mantimentos para a viagem
em busca de noticias de seu pai Odisseu; quando consola Penélope em seus momentos de
angustias ocasionados pela falta de Odisseu e quando contribui para a ação de vingança de
Odisseu, além de guardar o segredo de que este estava vivo e ainda denuncia as servas infiéis
o traíram com os pretendentes de Penélope, pois Euricléia fala a Odisseu: “Doze cederam a um
comportamento descarado, praticando indecências com os pretendentes, sem respeitar Penélope
ou as anciãs.” (STEPHANIDES, 2011, p.172).
Na Odisseia também é mencionada outras formas de aquisição de escravos, como a que
era realizada em forma de comércio, onde os escravos eram avaliados e trocados. Euricléia a
ama que cuidava de Telêmaco foi adquirida por troca. Seu avô Laerte, “ [...] a tomou, ainda
garota, do pai, dando vinte bois em troca.” (STEPHANIDES, 2011, p.24).
Conforme a análise de Ciro Flamarion Cardoso (2003, p. 49) em seu livro o trabalho
compulsório na Antiguidade, a questão da escravidão-mercadoria na Grécia é compreendida
como uma escravidão que funcionava como a principal relação de produção. Os escravos não
eram maioria na população grega e eram poucas as atividades exercidas exclusivamente por
eles no mundo grego, sendo essas atividades o serviço doméstico, a atividade nas minas era
considerado naquela época uma dos trabalhos mais pesados.
Para o homem livre, era reservado o exército, as atividades políticas e jurídicas, sendo
assim o trabalho escravo e livre coexistiam na sociedade grega em setores diferentes. Segundo
Vermant (2008, p. 325) o grego antigo não conhece uma palavra correspondente a trabalho. A
palavra ponos que significa punição, dor é a utilizada para representar o trabalho como forma
de castigo, por isso era destinado ao escravo as atividades braçais, pesadas. O escravo era um
considerado dolos, ou seja, uma ferramenta como outra qualquer utilizada para facilitar o seu
serviço.
Já Cardoso (2003, p. 51) nos mostra que os trabalhadores livres eram mais numerosos
entre as atividades de auto subsistência, na pequena produção rural e urbana e no comércio
varejista, isto porque o grego tinha a tecné, ou seja, dominava o conhecimento do serviço. Já os
escravos forneciam a mão-de-obra para a produção mercantil nos setores rurais e urbanos.
Sendo assim não somente a Aristocracia possuía escravos, com isso qualquer pessoa que
desenvolvia um serviço tinha escravos.
Os escravos também serviam no campo, cuidavam dos animais. Emeu o porqueiro, um
dos servos fiéis de Odisseu, foi adquirido por Laerte dessa forma. “[...] certa vez vieram ímpios
saqueadores [...] com navio cheio de mercadorias. [...] pararam nesta ilha para me vender a
quem oferecesse mais. Tive sorte, pois foi Laerte quem me comprou.” (STEPHANIDES, 2011,
p. 125).
Por fim, Mossé (1984, p. 93) considera que encontramos nas narrativas de Odisseia a
retratação da realidade da sociedade grega sobre a forma de poesia, Pois, “[...] de forma mais
ou menos direta, eles dão-nos ainda testemunhos das transformações que principiam a afetar o
mundo grego no dealbar dos tempos históricos.” Encontramos mais do que simples versos que
narram histórias de guerras e seus heróis, eles representam a sociedade guerreira grega e seus
conjuntos de valores e costumes, que embora tão distante de nos exercem muita influência sobre
o nosso cotidiano.
Através dessa pesquisa foi possível desenvolver uma análise das fontes históricas dos
estudos modernos, nos dando assim uma noção de como iniciar uma pesquisa cientifica e
compreender o manuseio e a importância de se trabalhar com as fontes para a compreensão de
uma sociedade em determinado tempo.

REFERÊNCIAS:

CARDOSO, Ciro Flamarion. O mundo grego. In: ______.Trabalho Compulsório na


Antiguidade. Rio de Janeiro: Graal, 2003, p. 49-67.

FINLEY, M. I. O estudioso da História Antiga e suas fontes. In: _______. História Antiga:
Modelos e testemunhos. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 11-35.

FINLEY. M. I. Quem eram os gregos? In: ______. Os gregos antigos. Lisboa: 70, 1989, p.
13-24.

MOSSÉ, Claude. A Grécia Arcaica de Homero a Ésquilo. Lisboa: 70, 1989.

STEPHANES, Menelaos. A Odisseia. SãoPaulo: Odysseus, 2011.

VERNANT, Jean-Pierre. Trabalho e natureza na Grécia Antiga. In: _______. Mito e


Pensamento entre os Gregos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 325-356.

Você também pode gostar