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RISCO NUTRICIONAL E IMPACTO NO PÓS-OPERATÓRIO E DESFECHO

CLÍNICO DE PACIENTES CIRÚRGICOS:


UMA REVISÃO DA LITERATURA

Dayana da Silva Dantas Menezes ¹, Lílian Caroline de Souza e Silva²

RESUMO

A desnutrição pode ser definida como resultado da deficiência de nutrientes que levam a
alterações na composição corporal, na funcionalidade física e no estado mental do
indivíduo. Pacientes submetidos à procedimentos cirúrgicos apresentam maior risco de
desnutrição e a Triagem Nutricional é um instrumento importante para rastrear indivíduos
em risco. Nesse contexto, objetivou-se avaliar o risco nutricional e impacto no pós-
operatório e desfecho clínico de pacientes cirúrgicos através de uma revisão de literatura
do tipo integrativa. Foram utilizados os seguintes descritores: “avaliação nutricional”,
“desnutrição”, “pós-operatório”, e em inglês: “nutritional assessment”,“malnutrition”,
“postoperative”, nas bases de dados Pubmed, Medline, e Scielo, no período de 2016 a
2021. Participaram da revisão 11 artigos, os quais sugerem que em pacientes cirúrgicos,
independente da ferramenta de triagem utilizada, a presença de risco nutricional e/ou
desnutrição tem funcionado como preditor de pior desfecho clínico, alta prevalência de
complicações pós-operatórias, maior tempo de internação e mortalidade. Assim,
visualiza-se a importância da detecção e intervenção nutricional precoce nesse público.
Palavras-chave: Avaliação nutricional. Desnutrição. Pós-operatório.

ABSTRACT

Malnutrition can be defined as a result of the deficiency of nutrients that lead to changes
in body composition, physical functionality and mental state of the individual. Patients
undergoing surgical procedures are at increased risk of malnutrition and Nutritional
Screening is an important tool for tracking individuals at risk. In this context, the objective
was to assess nutritional risk and impact in the postoperative period and clinical outcome
of surgical patients through an integrative literature review. The following descriptors
were used in Portuguese: “avaliação nutricional”, “desnutrição”, “pós-operatório”, and in
English: “nutritional assessment”, “malnutrition”, “postoperative”, in the databases
Pubmed, Medline, and Scielo, in period from 2016 to 2021. 11 articles participated in the
review, which suggest that in surgical patients, regardless of the screening tool used, the
presence of nutritional risk and / or malnutrition has worked as a predictor of worse
clinical outcome, high prevalence of post-operative complications, longer hospital stay
and mortality. Thus, it is possible to visualize the importance of early nutritional detection
and intervention in this plublic.

Keywords: Nutritional assessment. Malnutrition. Postoperative.

¹Nutricionista. Pós-graduanda em Nutrição Clínica e Hospitalar pela Faculdade


Frassinette do Recife (FAFIRE). E-mail: dayana.dantas.18@hotmail.com
²Nutricionista. Especialista em Nutrição Clínica. Mestre em Nutrição pela Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: lilian_carolinne@hotmail.com
INTRODUÇÃO

A desnutrição pode ser definida como resultado da deficiência de nutrientes que


levam a alterações na composição corporal, à diminuição da funcionalidade física e do
estado mental do indivíduo podendo ser causada por fatores isolados ou associados como:
privação alimentar, doença e envelhecimento (ESPEN, 2017). Embora o processo de
transição nutricional seja uma realidade, com predomínio de excesso de peso em todas as
camadas da população brasileira (BATISTA-FILHO, RISSIN, 2003), no que se refere ao
âmbito hospitalar, a desnutrição ainda é uma condição frequente, considerando sua alta
prevalência (TEIXEIRA et al., 2016).
Pesquisas como Estudo Latino-Americano de Nutrição (ELAN) e o Inquérito
Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (IBRANUTRI), desenvolvidas na
América Latina e no Brasil têm revelado que metade dos indivíduos hospitalizados
possui algum grau de desnutrição (NUNES et al., 2015; HENRICHSEN, et al., 2017). O
IBRANUTRI avaliou 4 mil pacientes internados na rede pública hospitalar em
diferentes estados e encontrou prevalência da desnutrição em 48,1% dos pacientes, já no
ELAN foram avaliados 9.348 pacientes em 13 países e desnutrição estava presente em
50,2% (IBRANUTRI, 2001; ELAN, 2003).
No que se refere às complicações associadas a essa condição, constata-se: pior
resposta imunológica, atraso no processo de cicatrização, risco elevado de
complicações cirúrgicas e infecciosas, maior probabilidade de desenvolvimento de
lesões por pressão, maior tempo de internação e consequentemente aumento da
morbidade e mortalidade, e logo, maiores custos para o serviço de saúde (AMARO et
al. 2016; ESPEN, 2017; DO NASCIMENTO et al. 2017).
Dessa forma, torna-se imprescindível a detecção do risco nutricional de forma
precoce, de modo a favorecer a intervenção nutricional o mais breve possível, e para
tanto, destacam-se as ferramentas de triagem nutricional. A triagem nutricional é um
instrumento com capacidade de rastrear indivíduos com desnutrição ou em risco
nutricional, devendo ser realizada nas primeiras 24 - 48 horas após admissão hospitalar,
e deve ser repetida semanalmente em pacientes que não apresentaram risco, mas que
seguem internados (ESPEN, 2017).
Existem diversos instrumentos de triagem, e a European Society for Parenteral
and Enteral Nutrition (ESPEN) recomenda o uso de alguns validados, entre eles a
Nutrition Risk Screening-2002 (NRS-2002) (CALAZANS et al., 2015). Essa triagem foi
desenvolvida para utilização em ambiente hospitalar podendo ser aplicada a pacientes
adultos, independentemente da doença, idade e procedimentos clínicos (RASLAN et al,
2008)
Pacientes idosos, críticos ou aqueles submetidos a procedimentos cirúrgicos são
destacados como em maior risco de desnutrição (TOLEDO et al., 2018). Quanto aos
pacientes cirúrgicos, estes geralmente apresentam um amplo espectro de doenças,
respostas metabólicas e tratamentos, nos quais a desnutrição pode ser preexistente, surgir
durante a internação ou se desenvolver como consequência do estadohipercatabólico e
hipermetabólico em reposta ao trauma cirúrgico (DOS SANTOS et al, 2017).
Assim, a identificação precoce da desnutrição e o manejo por meio de ferra-
mentas validadas, sobretudo nesse grupo de pacientes, possibilita estabelecer a conduta
nutricional mais apropriada para evitar a piora do quadro, com vistas a recuperação do
estado nutricional e ainda, minimização de complicações pós-operatórias (TOLEDO et
al., 2018).
Nesse contexto, esse trabalho visa avaliar, por meio de revisão de literatura, o risco
nutricional e impacto no pós-operatório e no desfecho clínico de pacientes cirúrgicos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura baseada em artigos originais


publicados no período de 2016 a 2021. Foram utilizados artigos publicados em revistas
indexadas nas bases de dados PubMed, Medical Literature Analysis and RetrievalSystem
Online (Medline), e na biblioteca virtual Scientific Electronic Library Online (Scielo),
com os seguintes descritores: “avaliação nutricional”, “desnutrição”, “pós- operatório”, e
em inglês: “nutritional assessment”, “malnutrition”, “postoperative”. A seleção foi
baseada nos títulos, resumos e descritores, sendo utilizados os seguintes critérios de
inclusão: artigos originais, publicados entre 2016 a 2021 e cuja populaçãode estudo
fosse composta por indivíduos com idade igual ou superior 19 anos. Já como critérios de
exclusão, adotou-se: artigos de revisão, artigos originais com amostras envolvendo
crianças e/ou adolescentes, artigos não indexados em revistas científicas, editoriais, anais,
resumo de congresso, comentários, artigos de reflexão, relato de experiência, teses,
dissertações ou artigos que não apresentassem dados referentes aos métodos de triagem e
desfecho clínico.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Com base na estratégia de busca aplicada foram obtidos 130 artigos. Destes, 90
foram excluídos após a leitura de títulos e 22 após a leitura de resumos por se tratarem de
artigos não atendiam aos critérios de inclusão. Ao todo foram incluídos 18 artigos para
leitura integral, e após essa etapa, apenas 11 permaneceram no presente estudo (figura 1).
O quadro 1 representa as especificações de cada um dos artigos.

Figura 1. Fluxograma de seleção de artigos para compor a revisão da literatura.

PUBMED MEDLINE SCIELO


Identificação

59 resultados 66 resultados 05 resultados

130 artigos encontrados


Seleção

90 excluídos após leitura de títulos

40 artigos

22 excluídos após leitura de resumos


Elegibilidade

01 artigo duplicado
18 artigos

Artigos excluídos (06)


17 artigos selecionados para leitura - Não apresenta desfecho clínico
(01)
integral do texto
- Validação da aplicabilidade de um
instrumento (02)
- Comparação do estado nutricional
Inclusão

pré e pós-operatório (01)


- Comparação de técnicas cirúrgicas
(01)
- Short Communication (01)

11 artigos incluídos na revisão


Quadro 1. Estudos de risco nutricional e desnutrição em pacientes cirúrgicos, 2016-2021.

Método de avaliação
Autor
Amostra e local de estudo de risco/estado Principais resultados
(ano)
nutricional
99 pacientes idosos de média
39,4% apresentaram risco de desnutrição e
de idade de 74,3 (± 5,2) anos, Mini Avaliação
desnutrição moderada segundo a MAN e a
Jagielak et com estenose aórtica grave Nutricional (MAN)
ASG, respectivamente; 37,4% apresentaram
al. (2016) com indicação de substituição completa e Avaliação
complicações operatórias, as quais foram
válvula aórtica. Subjetiva Global (ASG)
associadas à maior pontuação da ASG
Polônia.
352 pacientes de média de 66 41,8% desnutridos;
(± 9,2) anos de idade com Desnutrição moderada ou grave como fator
Yoshida et Controlling nutritional
câncer de esôfago, submetidos de risco independente para qualquer
al. (2016) status (CONUT)
à esofagectomia eletiva com morbidade, infecção de sítio cirúrgico e
linfadenectomia - Japão. maior tempo de permanência hospitalar.
Prevalência de desnutrição de 28,3% segundo
60 pacientes oncológicos Avaliação Subjetiva ASG, e prevalência de sarcopenia de 18,6%;
Härter et al. cirúrgicos, com idade igual ou Global produzida pelo Maior escore da ASG foi significativamente
(2017) superior a 18 anos. Pelotas-RS, próprio paciente (ASG- associado a complicações pós-operatórias
Brasil. PPP) graves e maior tempo de permanência
hospitalar.
84 pacientes com média de 52,4% foram classificados como moderado
Avaliação Subjetiva
61,6 (± 13,1) anos de idade, ou severamente desnutridos segundo ASG-
Maurício et Global produzida pelo
câncer de cólon ou reto PPP, se associando à maiores complicações
al. (2017) próprio paciente (ASG-
submetidos à cirurgia. pós-operatórias, assim como a baixa massa
PPP)
Minas Gerais, Brasil. muscular em combinação com baixa força.
40 pacientes cirúrgicos 42,5% de frequência de desnutrição;
Nishiyama eletivos de média de 59.4 Desnutrição associada de forma independente
Avaliação Subjetiva
et al. (±12.3) de idade com doença a complicações pós-operatórias severas
Global (ASG)
(2018) colorretal. Hospital como: Disfunção orgânica e necessidade de
universitário - Brasil. terapia intensiva e morte.
54% dos pacientes em desnutrição;
92 pacientes cirúrgicos de Índice de Risco 41% tiveram complicações no pós-
Caburet et operatório, das quais infecção e cicatrização
carcinoma espinocelular de Nutricional (IRN)
al. (2019) retardada foram as mais frequentes. A
cabeça e pescoço. França.
permanência hospitalar foi significativamente
mais longa em 50% dos desnutridos.
34,3% foram classificados em risco
nutricional. Pacientes com idade ≥ 65 anos
201 adultos com câncer
apresentaram maior frequência de risco. O
Dou et al. gastrointestinal e média de Nutritional Risk
tempo de hospitalização e a incidência de
(2019) 64.7 ± 10.5 anos de idade. Screening (NRS-2002)
complicações pós-operatórias foram maiores
China.
no grupo com NRS ≥ 3 pontos, quando em
comparação ao grupo sem risco.
25 pacientes adultos
Alta prevalência de desnutrição grave (28%),
submetidos à laparotomia, com Avaliação Subjetiva
Katundu et sendo associada a maior tempo de internação
mediana de 38 (28.5-49) anos Global (ASG)
al. (2019) e aumento da taxa de complicações pós-
de idade.
operatórias.
Blantyre, Malawi.
Quadro 1 – Continuação: Estudos de risco nutricional e desnutrição em pacientes cirúrgicos, 2016-2021.

Avaliação Subjetiva
Global produzida pelo A prevalência de desnutrição variou
85 pacientes oncológicos próprio paciente (ASG- de 13,3% a 45,8% nos diferentes métodos de
ortopédicos cirúrgicos, com PPP); Ferramenta de avaliação nutricional.
Eu et al.
idade de 20 a 81 anos. triagem de desnutrição Pacientes classificados como desnutridos
(2019)
Kuala Lumpur, Malaysia. (Malnutrition Screening foram significativamente associados a
Tool - MST) e triagem complicações pós-operatórias infecciosas e
nutricional de 3 minutos não infecciosas.
(3MinNS)
102 pacientes submetidos à 33% classificados como desnutridos segundo
cirurgia citorredutora e hiper- ASG; A desnutrição foi significativamente
Reece et al. quimioterapia intraperitoneal Avaliação subjetiva associada a complicações infecciosas e
(2019) térmica, com média de global (ASG) aumento do tempo de internação; para cada
55 (±12,8) anos de idade. grau de agravamento da desnutrição o tempo
Austrália. de internação aumentou em média 7,65 dias.
22,5% sendo classificados em desnutrição.
213 pacientes adultos de média Valores PNI foram inversamente associados
de 69,46 anos de idade, com: doença em estágio avançado, gravidade
Seretis et submetidos à ressecção eletiva de complicações no pós-operatório e
Prognostic Nutritional
al. (2019) por câncer colorretal em admissão em unidade de terapia intensiva não
Index (PNI)
período de 24 meses. planejada; Desnutrição pré-operatória foi
Reino Unido. associada a maior morbidade pós-operatória
e maior tempo de internação hospitalar.

A avaliação do estado nutricional ou do risco de desnutrição de pacientes


cirúrgicos no período pré-operatório é de grande relevância nas unidades hospitalares,
uma vez que o procedimento cirúrgico por si só já tem grande impacto no estado
nutricional e desencadeia uma sequência de eventos inflamatórios relacionados a uma
resposta metabólica ao trauma. Consequentemente, a desnutrição pré-existente associada
a esses eventos negativos decorrentes do trauma na evolução pós-operatória, predispõe
os pacientes a maiores taxas de morbimortalidade (NISHIYAMA et al.,2018).
Para esse rastreio inicial, existem diversas ferramentas de triagem nutricional.
Protocolos brasileiros para pacientes cirúrgicos, como o ACERTO - Acelerando a
recuperação total pós-operatória (DE-AGUILAR-NASCIMENTO, 2017) tem
recomendado a Nutritional Risk Screening (NRS-2002) como a preferencial para tal,
considerando sua simplicidade de aplicação, boa adesão pelo paciente e forte
operacionalidade clínica (DOU et al., 2019). A NRS (2002) classifica o estado nutricional
de acordo com o IMC, avalia variáveis como perda de peso não intencional nos últimos
três meses, mudanças na ingestão alimentar na última semana e se distinguede outras
ferramentas por considerar a idade e gravidade da doença, aplicando-se
também a pacientes idosos. Além disso, se mostra eficiente também em identificar e
classificar o paciente em risco nutricional quando este obtiver um score ≥ 3 (DOU et al,
2019; BARBOSA et al, 2019).
Na presente busca realizada, apenas o estudo de Dou et al. (2019) fez uso desta
ferramenta, na qual dos 201 pacientes com câncer gastrointestinal incluídos no estudo,
34,3% (69 casos) foram classificados em risco nutricional, sendo importante ressaltar que
os pacientes com idade ≥ 65 anos apresentaram maior frequência de risco nutricional.
Ainda, o risco nutricional (NRS ≥ 3 pontos) no período pré-operatório demonstrou
associação com maior incidência de complicações pós-operatórias e um maior tempo de
hospitalização, quando em comparação ao grupo sem risco. Apesar da pequena amostra,
os resultados obtidos foram consistentes e condizentes quando comparados com estudos
de grande amostra, consolidando que esta ferramenta é útil no que se refere ser um índice
preditivo no pós-operatório.
Em contrapartida, a ASG foi a ferramenta mais frequentemente encontrada nos
estudos selecionados. Isso pode ser explicado devido a sua boa reprodutibilidade, fácil
execução e alta correlação com parâmetros antropométricos e bioquímicos. A ASG inclui
como variáreis: mudanças de peso nos últimos seis meses, capacidade funcional, sintomas
gastrointestinais e sinais clínicos de desnutrição avaliados por exame físico. A partir
desses dados, os pacientes podem ser classificados como bem nutrido,
moderadamente desnutrido e gravemente desnutrido (NISHIYAMA et al., 2018). No
estudo de Jagielak et al. (2016) que utilizou a ASG, 39,4% dos pacientes avaliados foram
classificados em desnutrição moderada e ainda apresentaram complicações operatórias,
as quais foram associadas à maior pontuação da ASG, numa amostra de 99 pacientes
idosos com média de idade de 74,3 (± 5,2) anos, diagnosticados com estenose aórtica
grave com indicação de substituição de válvula.
Nishiyama et al. (2018) por sua vez, em investigação envolvendo 40 pacientes
cirúrgicos eletivos de média de 59.4 (±12.3) de idade com doença colorretal, encontrou
42,5% de frequência de desnutrição, a qual foi associada de forma independente a
complicações pós-operatórias severas como disfunção orgânica e necessidade de terapia
intensiva e morte. Katundu et al. (2019) também verificou alta prevalência de desnutrição
grave (28%), correlacionada ao maior tempo de internação e ao aumento da taxa de
complicações pós-operatórias dentre 25 pacientes adultos submetidos à laparotomia. A
ASG também foi capaz de identificar e classificar como desnutridos 33% dos 102
pacientes submetidos à cirurgia citorredutora e hiper-quimioterapia
intraperitoneal térmica, no estudo de Reece et al. (2019). Neste mesmo delineamento,
além de se relacionar a complicações infecciosas, contatou-se também que para cada grau
de agravamento da desnutrição, o tempo de internação aumentou em média 7,65 dias.
Assim, observou-se que nos grupos em que a ASG foi o instrumento de escolha, o risco
de desnutrição se mostrou frequente, visualizando-se ainda que quanto maior o escore,
maior o tempo de internação hospitalar e maior o risco de desenvolvimento de
complicações pós-operatórias que podem culminar em mortalidade.
Uma variação da ASG é a ASG-PPP (Avaliação Subjetiva Global Produzida pelo
Próprio Paciente), considerada pelo INCA (Instituto Nacional do Câncer) como padrão
ouro para avaliação nutricional do paciente oncológico, por apresentar sensibilidade de
98% e especificidade de 82% para determinar a desnutrição em pacientes com câncer. O
paciente cirúrgico oncológico no pós-operatório evolui com uma resposta metabólica
devido ao trauma, o que pode levar à piora do estado nutricional, contribuir para a
ocorrência de complicações clínicas e infecciosas e aumentar o tempo de internação e a
mortalidade, por isso a importância de se realizar uma avaliação nutricional efetiva para
detecção precoce do risco nutricional ou desnutrição (INCA, 2015).
A ASG-PPP se diferencia da ferramenta original por incluir itens especificamente
desenvolvidos para atender às características dos pacientes com câncer,além de classificar
o estado nutricional do paciente em três categorias (A = bem nutrido,B = desnutrição
moderada e C = desnutrição grave). Também gera um escore numérico,que através de
uma periodicidade permite a identificação de possíveis modificações no estado
nutricional, melhor norteando a intervenção nutricional nesse público, sendo possível
avaliar se houve melhora ou regressão, impedindo que a desnutrição se instale novamente,
o que pode impactar numa melhor adesão ao tratamento (DA SILVA MOTA;
MONTEIRO; MENEZES, 2019).
Härter et al. (2017) em pesquisa com 60 pacientes oncológicos cirúrgicos, com
idade igual ou superior a 18 anos, avaliados a partir da ASG-PPP, constatou prevalência
de 28,3% de desnutrição, além de 18,6% de sarcopenia, identificada por bioimpedância.
Durante o estudo, a maior parte dos pacientes (53,3%) apresentaram ao menos uma
complicação pós-operatória e 4 pacientes vieram a óbito. O maior escore da ASG foi
significativamente associado a complicações pós-operatórias graves e maior tempo de
permanência hospitalar. Maurício et al. (2017) também utilizou a ASG-PPP para avaliar
o estado nutricional de 84 pacientes com câncer de cólon ou reto submetidos à cirurgia,
com média de 61,6 (± 13,1) anos de idade, no qual foi possível encontrar 52,4% de
pacientes classificados como moderado ou severamente desnutridos, demonstrando
associação com maiores complicações pós-operatórias e baixa massa muscular em
combinação com baixa força. Assim, ambos os autores, a partir do uso da ASG-PPP,
reforçaram os resultados demonstrados em estudos anteriores.
Além dos portadores de câncer, o grupo dos idosos também merece destaque
quanto ao maior risco associado ao pior desfecho clínico no pós-operatório. No
delineamento de Jagielak et al. (2016) desenvolvido exclusivamente com essa faixa etária,
observou-se a utilização da Mini Avaliação Nutricional (MAN) numa população de 99
pacientes de média de idade de 74,3 (± 5,2) anos, com estenose aórtica grave e com
indicação de substituição de válvula aórtica, dos quais 39,4% apresentaram risco de
desnutrição.
A MAN é uma ferramenta de avaliação do estado nutricional exclusiva para a
população geriátrica, capaz de rastrear o risco de desenvolver desnutrição ou detectá-la
em estágio inicial. Trata-se de um questionário dividido em duas partes, triagem e
avaliação global, composto de 18 perguntas distribuídas em quatro categorias: avaliação
antropométrica (peso, altura, circunferência do braço e circunferência da panturrilha),
avaliação do estilo de vida, uso de medicação, mobilidade, avaliação dietética e a auto
avaliação (percepção da saúde). O escore final é obtido por meio da soma dos pontos, que
permite a classificação do idoso em: estado nutricional normal, quando acima de 23,5,
risco de desnutrição se apresentar pontuação entre 17 a 23,5, e desnutrido semenor
que 17 pontos (BUENO et al., 2019; ARAÚJO et al. 2020).
Paralelamente, um resultado importante encontrado ainda na pesquisa de Jagielak
et al. (2016) e que merece evidência é referente ao “paradoxo da obesidade”, pois apesar
da inflamação e complicações perioperatórias inerentes ao excesso ponderal,nesse grupo,
os maiores valores de IMC foram sugeridos como fator de proteção,inclusive de
melhor sobrevida, visto que o idoso é mais susceptível a perda ponderal involuntária
quando em comparação a outras faixas etárias, destacando assim, o quanto essa população
é peculiar e por isso a importância do uso de uma triagem específica como a MAN.
Além das já mencionadas, outras ferramentas de avaliação do estado nutricional
puderam ter sua utilização observada nos estudos selecionados, entre eles o CONUT –
Control Nutricional, sugerido por Ulíbarri em 2005 como um método de triagem
nutricional automatizado, gerado a partir de um banco de dados disponível em uma rede
hospitalar. Através desse programa é possível selecionar dados como: sexo, idade,
diagnóstico, causa de internação e tipo de tratamento, além de se utilizar de alguns
parâmetros bioquímicos de rotina como: albumina, colesterol e linfócitos totais, sendo
possível a identificação do risco de desnutrição através desses dados. No estudo de
Yoshida et al. (2016) foram avaliados 352 pacientes diagnosticados com câncer de
esôfago, submetidos à esofagectomia eletiva com linfadenectomia, dos quais 41,8%
foram classificados como desnutridos segundo CONUT. Também foi possível concluir
que a desnutrição moderada ou grave corresponde a um fator de risco independente para
qualquer morbidade, infecção de sítio cirúrgico e maior tempo de permanência hospitalar.
Semelhantemente, o Índice de Risco Nutricional (INR) é um outro método
desenvolvido com o mesmo objetivo, proposto por Buzby (1988) e que se baseia na
concentração sérica de albumina e na relação entre o peso atual e o peso habitual. Foi a
ferramenta utilizada no delineamento de Caburet et al. (2019), envolvendo 92 pacientes
cirúrgicos de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço, o qual classificou 54% dos
avaliados em desnutridos e demonstrou que 41% tiveram complicações no pós-
operatório, das quais infecção e cicatrização retardada foram as mais frequentes. Outro
dado importante observado é que a permanência hospitalar foi significativamente mais
longa em 50% dos desnutridos.
O Prognostic Nutritional Index (PNI) também apresentou relevância em seus
resultados. Este método é apontado por vários autores como um fator de prognóstico
confiável de sobrevida, obtido a partir do cálculo de concentração de albumina e
contagem de linfócitos da seguinte forma: 10 x albumina (g/dL) + 0,005 x número
absoluto de linfócitos (por mm3). Em pesquisa realizada por Seretis et al. (2019), dos 213
pacientes adultos, submetidos à ressecção eletiva por câncer colorretal, 22,5%foram
classificados em desnutrição segundo o PNI. No que se refere aos fatores associados é
importante ressaltar que os valores de PNI foram inversamente associados com doença
em estágio avançado, gravidade de complicações no pós-operatório e admissão em
unidade de terapia intensiva não planejada. Além disso, assim como nas demais
ferramentas estudadas, a desnutrição pré-operatória também se relacionou à maior
morbidade pós-operatória e ao maior tempo de internação hospitalar.
Por fim, a MST (Malnutrition Screening Tool - Instrumento de Triagem de
Desnutrição) e a Triagem nutricional de 3 minutos (3MinNS) são outros instrumentos
apresentados no estudo de Eu et al. (2019). A MST inclui questões acerca da perda de
peso, queda na ingestão alimentar e apetite, não necessitando de medidas
antropométricas. Já a Triagem Nutricional de 3 minutos (3MinNS) estruturalmente é
composta por três parâmetros nutricionais: perda ponderal indesejada nos últimos seis
meses, ingestão alimentar na última semana e depleção muscular, cujo o escore final
maior que três caracteriza o paciente em risco nutricional. Ambos os instrumentos foram
capazes de detectar prevalência de desnutrição nos pacientes estudados e relacioná-las
com pior prognóstico perioperatório.
De um modo geral, considera-se que esse reconhecimento precoce do estado
nutricional do paciente cirúrgico resulta em impactos diretos e indiretos no indivíduo
hospitalizado e no serviço de saúde. Para o primeiro, minimiza o risco de complicações
pós-operatórias, possibilita um melhor prognóstico e diminui permanência de
hospitalização, e consequentemente, para o serviço de saúde, os benefícios estão
relacionados à economia, pois tratam-se de ferramentas que não adicionam nenhum custo
extra para a investigação e ainda são capazes de reduzir despesas hospitalares associadas,
tendo em vista que a literatura científica aponta que indivíduos desnutridos apresentam
dispêndio em média de 38% mais alto, quando em comparação à pacientes bem nutridos
(KATUNDU et al., 2019).
Assim, fica evidente a importância da Nutrição, do acompanhamento nutricional
e da intervenção precoce frente à minimização de tais agravos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados apresentados nesta revisão integrativa sugerem que em pacientes


cirúrgicos, independente da ferramenta de triagem utilizada, a presença de risco
nutricional e/ou desnutrição tem funcionado como preditor de pior desfecho clínico, com
destaque para as complicações pós-operatórias infecciosas e não infecciosas, maiorao
tempo de internação e mortalidade.

Portanto, destaca-se a importância do uso da triagem nutricional para detecção


de risco no momento da admissão hospitalar, de modo a favorecer uma intervenção
nutricional precoce e assim, minimizar as consequências negativas da desnutrição nesse
público.
REFERÊNCIAS

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CABURET, C. et al. Impact of nutritional status at the outset of assessment on


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