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Tradução publicada mediante acordo com Del Rey, um selo da Random House, divisão da
STRANGER THINGS™ é uma marca registrada da Netflix CPX, LLC e NETFLIX CPX
título original
preparação
Lara Berruezo
revisão
Marcela Ramos
Giu Alonso
arte de capa
Tracie Ching
design de capa
Scott Biel
adaptação de capa
Lázaro Mendes
produção de e-book
e-isbn
978-85-510-0918-5
Rio de Janeiro – RJ
www.intrinseca.com.br
intrinseca.com.br
@intrinseca
editoraintrinseca
@intrinseca
@editoraintrinseca
intrinsecaeditora
Sumário
Capa
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Dedicatória
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Catorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um
Agradecimentos
Sobre a autora
Para todas as ovelhas perdidas.
— É. Você tá morto.
cheio.
Gareth murmura alguma coisa que não consigo entender, mas tenho
os seus pulmões.
voz.
longe, na costa. O que significa que não há ninguém para salvar você, e o
arregalados de admiração.
Gareth.
— Você não é especial, beleza? Ele estava tentando matar todos nós!
Stan, que está no terceiro ano, chegou um ano depois, embora sua
deles vai cair nas chamas da danação eterna. Stan se esforça para estar
Mas, mesmo assim, ele acaba perdendo uma a cada três sessões.
Jeff, do segundo ano, já faz parte do Hellfire Club há dois anos, mas
parece que está com a gente bem mais tempo. Ele jogava com os irmãos
Corroded Coffin, e ele toca de uma maneira que nem Ronnie, Dougie e
eu conseguiríamos.
fazendo isso?
Nunca encontrei uma resposta. Mas continuo aqui, toda semana. Não
importante.
Volto a sentir o olhar de Ronnie sobre mim. Ela está girando uma
caneta entre os dedos, tão rápido que a imagem chega a ficar difusa. Não
Gareth bufa.
Dá para ver que está angustiado, mas isso não é algo com que eu
— Bem, pessoal, acho melhor encerrar nossa sessão de hoje por aqui
— digo, me endireitando.
tremer.
Por um segundo, pensei que ele não fosse parar. Mas Gareth se vira
então… Sim.
ponta da sua camisa acaba prendendo na alça, e revela uma mancha roxa
— E daí? — pergunto.
possibilidade.
— É?
— Você acha que vou deixar alguém doido o suficiente para enfrentar
Ele assente com uma intensidade que deixa evidente que, seja qual
repente hesita.
mesmo voltar?
palavras.
escola.
empurrãozinho no ombro.
isso aqui.
Reviro os olhos.
Ela me segue até o estacionamento, e nós dois sabemos que não vai
ser a última vez. Mas esse roteiro é a base da nossa amizade. Ela me
pede vários pequenos favores; eu finjo que sou responsável; os dois saem
ganhando. Tem sido assim desde quando eu meio que herdei a van do
meu pai no começo do ano passado. Tem sido assim desde que nos
conhecemos.
Mesmo aos oito anos, Ronnie era mais alta que eu, e surgia atrás de
telefonema de um antigo amigo com um convite para beber fez meu pai
Foi a primeira vez que ele sumiu da face da Terra; algo que passaria a
acontecer muitas outras vezes. Mas eu não sabia disso ainda. Então
fiquei apenas vagando pela casa vazia durante dois dias, vivendo à base
meu tio Wayne se deu conta do que estava acontecendo e veio me buscar
para morar com ele em seu trailer “até que o Al coloque a cabeça no
lugar e dê o ar da graça”.
mais porque estar naquele lugar significava que meu pai não saberia
trailers. Ela estava morando com a avó porque, após a morte do pai, sua
viam juntos. Contei que estava cavando um buraco para chegar ao outro
mesmo depois que meu pai apareceu e me levou para casa enquanto
contava histórias sobre algum cara babaca no Kentucky que lhe devia
lareira de casa. Então é muito reconfortante ter alguém por perto que
Dou partida na van. Ronnie é tão alta que sua cabeça quase encosta
centímetros restantes.
— Casa? — pergunto.
treze anos, por um segundo cheguei a pensar que talvez nossa relação
fosse quase um namoro — afinal, ter uma amiga que me conhecia tão
conter essa novidade por uma semana ansiosa, decidi que a única opção
Não estava preparado para o grito que ela deu ao se afastar de mim
menos que aquilo era o fim do mundo, Ronnie me explicou que não era
— É sério? — indago.
— Não quero pisar nas coisas do Stan. E não é minha culpa sua van
enormes.
começou Ronnie.
Ronnie continua:
— Não!
— Sim.
Ronnie sorri.
— Ontem à noite.
— Ei, você sabe que estou feliz por você, não sabe? — pergunto.
— Sei.
Não é culpa dela. É óbvio que não. Ronnie sempre teve talento para
estudar, aprender, essa chatice toda. Mas eu nunca entendi bem qual o
objetivo disso tudo. Para mim, a Hawkins High é apenas o lugar onde
gasto oito horas por dia antes de escapar por algumas horas num grid de
sobrenome…
— Munson.
polícia parou logo atrás de mim. Agora tem um policial do lado de fora,
desaprovação.
— Logo vi que era você, Munson. Quantas vezes vamos precisar ter
essa conversa?
— Não.
ajudar.
realmente importante, ele avisaria à equipe que está ocupado, mas como
não é…
cotovelo.
O policial bufa.
— Pode rir agora, mas nem o seu pai fazia gracinhas dentro de uma
cela. E é na cadeia onde todos vocês, Munson, vão parar, uma hora ou
outra.
pena investir.
como esse, o tipo de bar a que as pessoas vão quando não querem ver a
luz do sol. As janelas são fechadas com tijolos desde sempre, porque é
mais difícil atirar alguém para fora quando se tem uma parede sólida em
ecossistema próprio.
— Júnior! Cerveja!
desde que “o vagabundo” de seu marido (nas palavras dela) morreu sob
barato.
única garrafa de cerveja que seus trocados puderam comprar. Jeff lança
olhares tensos para Bev, como se ela fosse começar a se importar com o
avisa ela.
— Está bem. Vai lá. Mas vê se não demora muito dessa vez.
passo, e com certeza um dia vai ceder e eu vou parar embaixo desse
preciso ralar atrás daquele balcão quatro noites por semana). E isso
basta.
Ronnie tinha chegado mais cedo para tirar a bateria da minha van e
baixo nos amplificadores surrados que Bev não tirava do lugar. Vou para
no ombro.
Jeff dá de ombros.
— O Sam Bebum ainda está acordado. Já é alguma coisa.
público e…
Tem essa coisa que surge às vezes, quando a Corroded Coffin toca.
esse poder avassalador não nos domina. Pelo contrário, nos carrega, nos
conduz, e nós navegamos com ele até que a última nota se desfaça no
perco por um instante. Ronnie está atrás de mim, mantendo o ritmo que
que deve ter um gosto terrível. Está sentada numa banqueta, e mesmo
que eu não consiga visualizar bem seu rosto por causa da luz baixa dá
hora até a gente dar o fora daqui. Mas essa garota… ela está escutando.
meus dedos. Sob o olhar dessa garota, parece que estou derretendo, e,
mercúrio. A música está terminando, e então faço algo que nunca fiz
O show não pode durar para sempre. Afinal, Bev está me encarando,
dando batidinhas no relógio. Mas não quero que tudo termine, ainda
com certeza não vão dar a mínima para nossa música autoral.
Eu o ignoro.
— Ronnie? — chamo.
Mas o olhar dela não está em mim. Ela está observando a garota.
brincalhão. Ronnie sabe muito bem o que estou pensando, e acha isso
Dougie não tem tempo para reclamar, porque Ronnie faz a contagem
mas no fim das contas é tudo perfeito, sim, é perfeito pra caramba. E
congelo quando vejo Bev. Ela está do lado do palco, furiosa, segurando o
cabo do amplificador.
O jeito com que ela indica a garota do bar com a cabeça não é nada
— Ronnie…
Bev vai para os fundos, reclamando baixinho que está com dor de
cabeça, como sempre faz depois dos nossos shows, e pega um maço de
Já a garota ainda está aqui, sentada ao bar como se fosse uma cliente
balcão, pelo tilintar do gelo que derrete em seu copo. Pelo olhar
quando coloco cinco copos sujos no balcão ao seu lado. Respiro fundo.
Devo ficar quieto? Devo dizer alguma coisa? O que eu digo? “O que
achou do show?” “Você foi a única pessoa que realmente quis nos
— Nada mau.
É ela quem acaba falando primeiro. Sua voz é baixa, um pouco rouca
e piscando.
Ela ri. É um som tão agradável que, quando me dou conta, estou
encarando, admirado.
A garota enfim olha para mim, e pela primeira vez vejo seu rosto por
completo.
palavra solta, sem nenhum sentido. Mas isso não é culpa minha, porque
Eu me esforço para não fazer uma careta. Game over. Acabou para
mim. Ela sabe quem sou eu, o que significa que não existe a menor
Mas Paige apenas sorri, de uma maneira tão alegre que baixa minha
queridos ao satanismo.
Quem quer que seja essa garota, ela testemunhou aquele desastre.
Sinto que deveria me esforçar para reconhecê-la, mas decido que não.
em 1982.
— Warner…
beisebol.
fazendo.
mais ou menos cinco minutos até que Bev volte da pausa para se
grite comigo por fazer tudo errado, então preciso aproveitar cada
segundo.
— Forte ou fraco?
resposta. Você já saiu deste buraco, agora está de volta por… sabe-se lá
quanto tempo. E por alguma razão decidiu vir tomar um drinque aqui,
mesmo havendo vários lugares na cidade em que não acabaria com
Eu continuo:
— Antes que seu ego comece a inflar, não. Foi só uma feliz
coincidência mesmo.
— Feliz, é?
morreu faz pouco tempo, e a casa dela está uma zona de guerra. Ela era
arrumar tudo. Mas é coisa demais. Nós encontramos, sei lá… três gatos
mortos.
— Com certeza. Talvez seja por causa desse massacre felino, mas
surfe e sol.
por você ter sido arrastada de volta pra cá. Mas ter que sair da Califórnia
é ainda pior…
O jeito com que ela me olha me deixa tonto, e finalmente entendo por
quê. É tão estranho. No geral, quando alguém olha para Eddie Munson,
beijar Ronnie cinco anos atrás. Teve a Nicole Summers no segundo ano,
e — incrivelmente — Cass Finnigan alguns meses atrás. Mas dava para
ver que as duas estavam apenas… se desafiando. Elas não queriam ter
algo comigo de fato. Só queriam contar aos amigos como era ficar com o
esquisito.
Não que isso seja terrível. Não partiu meu coração. Eu não queria
para chegar no meu chefe é ficar comigo. Não que isso fosse ajudar
contratação, o que significa que estou presa em um beco sem saída até
— diz ela, tocando no gelo dentro do copo com a unha pintada de preto.
— Não sei quanto tempo vou conseguir continuar dando com a cara
— Júnior!
— Avisei para você repor a cerveja já tem dez anos, e o barril ainda
Ela desvia do Sam Bebum e sai. Quando vou para os fundos fazer o
desviar o olhar.
românticas.
Caras como você. Não é bem essa a frase completa, mas é o que
Mas não é tão fácil quanto parece, porque quando abro a porta da van
e piso no gramado, vejo algo que faz meu coração afundar. Percebo que
a luz da cozinha está acesa, escapando fraca por uma fresta entre as
cortinas, mas sei que ela devia estar apagada. Só que não é isso que me
antigo, mas está impecável, alinhado junto à parede com uma precisão
cuidadosa. O outro está cheio de lama, jogado, um dos pés caído para o
lado.
É este último par que está me dando nos nervos. Conheço essas
minha vida.
não vou me apressar; não quero dar às botas essa satisfação. Então levo
jogado numa delas e apoiando os pés com meias na outra. Na mesa à sua
alumínio está virada para o lado como uma pétala afiada, protegendo o
mercado está caída no chão a seu lado. Não é uma cena incomum; meu
Wayne apenas acena com a cabeça, sem tirar os olhos do meu pai.
Meu tio nunca foi muito de sorrir, mas agora está com a carranca
— Veio de Joliet?
dele. Deveria sair, pegar a van e dirigir noite adentro. Mas essa história
Aceito o abraço.
Wayne?
Tio Wayne só olha do meu pai para mim.
com ele. Para ser sincero, é difícil resistir, mas engulo o impulso e me
forço a estudar seu rosto. Meu pai não ia aparecer aqui se não tivesse um
bom motivo, e seus “motivos” no geral são uma bomba. Quanto mais
— Você tem passado tanto tempo com seu tio que está falando que
Pelo menos está sendo honesto. Eu teria chutado ele porta afora se
geladeira.
que o cheiro de cerveja derramada fica entranhado nos meus poros, mas
— Eddie, vo…
geladeira.
verdadeira magia que o envolve é que é muito difícil odiá-lo. Ele pode
Hopper dar uma risadinha. Todo mundo que conheceu Al Munson sabe
exato momento, Al Munson parece pequeno. Dá para ver que seu sorriso
vitorioso está vacilante, sua magia está tremendo. Ele não para de
Tio Wayne também notou. Lança um olhar de aviso para mim, como
se soubesse o que está por vir. Porque é óbvio que sabe. Ele já viu essa
— Está ficando tarde, Wayne — diz meu pai. — Acho que você
Wayne trinca a mandíbula com tanta força que parece que vai quebrá-
la. O movimento dura alguns segundos, mas ele enfim alivia a pressão
Balanço a cabeça.
— Não precisa.
— Hum… — Wayne ajeita seu boné e vai até a porta. — Vejo você
comenta.
Mas não me distraio tão facilmente, não quando vejo no rosto do meu
— O que aconteceu?
Aí está. O motivo.
— Envolve a polícia?
— Que dinheiro?
em seu olhar. — Que dei tudo para uma viúva faminta e seus três filhos?
— Acho que não, né. Tudo bem. É uma dívida de jogo. Acabei de
me buscaram, e nós fomos dar uma relaxada num cassino. — Ele sorri
— Quanto?
— Dez mil.
será que Wayne pode ser um alvo também? E Ronnie? Será que existe
— Me escuta.
toque firme e seguro, de uma maneira que seu sorriso amarelo não era.
ele.
— Por acaso você tem dez mil dólares guardados por aí que eu não
esteja sabendo?
Meu pai pega a cerveja do balcão antes que eu possa reclamar, mas
não bebe. Enfia a garrafa na minha mão e envolve o vidro gelado com
meus dedos.
pés. Ele senta bem à minha frente para manter contato visual.
observo.
bastante para quitar a dívida. Pensa assim: com uma torta tão grande,
— Acho… acho que nada que eu disser vai fazer muita diferença.
— Não, garoto, você não entendeu. Eu não dou conta dessa missão
Sinto uma dormência se espalhar pelo meu corpo e sei que não é
porque está tarde ou por causa da cerveja barata no meu sangue. É por
isso que senti meu coração sair pela boca só de ver as botas dele. Pensei
Tudo de bandeja para nós. Foi o que ele disse. Não basta Al Munson
tudo sair do jeito que meu pai quer, eu não vou ser apenas um dano
— Ah, não vai me dizer que um dinheiro assim não mudaria sua
vida.
— Por quê?
Ele fica sentado em silêncio, olhando para mim com aquele sorriso
Hopper, e decido que não posso mais ficar aqui. Eu me levanto, termino
— O sofá está no mesmo lugar onde você deixou. Acho que lá tem
um cobertor.
— Isso vai acontecer de qualquer jeito, garoto — solta meu pai, tão
baixo que quase não escuto. — Se vai ser mais cedo ou mais tarde, só
depende de você.
Capítulo Cinco
achar que essa é sua expressão normal, e quem sou eu para julgar. Se
minutos atrás, e até agora seu humor não melhorou muito. Estamos com
as luzes apagadas porque não tive tempo de puxar o saco do sr. Vick
portas antigas, mas odeio fazer isso. Primeiro porque são altas as
Deixei meu pai roncando até chacoalhar a casa, jogado no sofá. Ele
vezes ele sai da cadeia e precisa de um lugar para dormir. Às vezes ele
trabalho honesto (“Dessa vez é pra valer”). Essas são as que duram
menos.
Mas ele nunca volta por mim. E mesmo que não esteja tentando
recuperar nossa relação, agora voltou porque quer minha ajuda. Poderia
ter procurado qualquer um de seus amigos, mas veio me procurar.
Eu não deveria ficar feliz por isso, certo? Não, com certeza não.
Mas…
Percebo também que ele evita usar o braço esquerdo. Não falei nada
sobre isso ainda — afinal, não quero tomar o lugar de seu bloco de papel
— Jeff fez Illian. Disse que eu não poderia entrar no Hellfire Club
sem um personagem, e ele não queria esperar um bilhão de anos até que
— … Certo.
Gareth assente.
pensar.
— Não perguntei o que Illian era, eu sei o que ele era. Ele era do Jeff.
— Maravilha. Posso?
pergunto.
no fundo. Ordeiro, caótico. Bom, mau. Então, por exemplo, se você for
jogar com um anão, o livro de regras diz que você está mais para
ordeiro, embora a solução do enigma anão bom versus mau fique a seu
tipo de… não sei. Código moral, eu acho? E aí vai tomar decisões de
— Você não tem que ser nada. Isso é uma mera sugestão. É o que a
coisas. Anão caótico-mau? Vamos nessa! Não se limite por causa do que
pensam que você deveria ser, nunca vale a pena. Faça o que acha que vai
— Caótico — declara Gareth assim que paro de falar, tão rápido que
Caótico… bom.
contagiante, e dá para ver que Illian nunca foi dele para início de
conversa: Gareth jamais esteve tão imerso numa sessão do Hellfire Club
como está neste momento, debruçado sobre o bloco de papel, dando à
— Aham.
Ele baixa sua cabeça cacheada e sai correndo. Dou uma olhada ao
porta.
como sempre. Quando me vê, guarda o livro que estava lendo, alguma
bobeira que não vou me dar ao trabalho de ler para a aula de inglês, e se
levanta.
— Foi contornada.
— Ufa — diz ela, fingindo secar suor da testa. — Não dá para deixar
as ovelhas soltas.
braço por cima dos meus ombros. — Pensei que tivesse ido se divertir
— É por isso que sua avó e eu nos damos tão bem. Não me diverti
— Estou vendo que você não está armando uma situação favorável
Ela ri.
— Última vez?
Reviro os olhos.
— Últi…
Dou de ombros.
Outra pancada, desta vez seguida por um baque metálico. Era o som
Quero dar de ombros outra vez e ir logo até a van para contar a
Ronnie sobre Paige, sobre meu pai, sobre todas as doideiras que
— Merda — murmuro.
manga da camisa.
— Mas…
professores.
barulho da confusão.
olhar vacilar.
Não que isso faça algum efeito nos três garotos de jaqueta do
minimamente por esportes para ter certeza, e isso nunca vai acontecer.
— Por que você não fecha negócio com outro idiota? — rebate ele.
seu rosto de algum lugar, mas não consigo, de jeito nenhum, me lembrar
de onde.
Nada em particular.
— Olha, acho que ouvi sua mãe estacionar ali na frente. Você não
interrompe.
estrada antes.
mundo com um mínimo de inteligência sabe que é uma das garotas mais
populares da Hawkins High. Eu achava que ela era apenas uma líder de
que todo aluno do ensino fundamental tinha que participar pelo menos
apresentações e por pais que foram arrastados para a plateia. Mas, com o
continuou sendo realizado ano após ano, e, ano após ano, mais uma
Mas eu não ia cair naquela cilada sem levar meus amigos junto. Então
em falso e ele teria voltado para casa com os salgadinhos que eu tinha
admirando o Um Anel.
“Você sabe que sou um espírito livre, garoto”, disse ele, apertando
já que o teatro não tinha um camarim muito grande. Mas se você fosse
esperto (e ninguém estivesse a fim de te procurar), havia uma pequena
na plateia.
Era isso que eu estava fazendo quando alguém surgiu ao meu lado.
Eu não tinha muita certeza do que responder. Pelos meus cálculos, ela
não era o tipo de garota que deveria estar falando comigo. Não era
Mas depois de um longo silêncio, ficou evidente que ela não tinha
Soltei um pigarro.
Dei de ombros. Ficara ali naquela passagem por quase uma hora e o
máximo que pude encontrar foi tio Wayne plantado no lado esquerdo do
acreditado.
chegando ao fim. Eu tinha me encolhido para dar lugar a ela, e fiz uma
“Eddie.”
“Eddie. Se seu pai não conseguir chegar, eu vou torcer por você.”
Estremeci assim que a frase saiu da minha boca. Mas ela deixou
com ela, mas eu não consegui escutar. Pelos gestos, dava para ver que a
Vislumbrei um pequeno sorriso quando a mãe, notando que ela não lhe
deve uma…
coleira, sendo que bate nos calouros só para manter seus amiguinhos de
quatro.
Mandei mal. Sei que mandei mal assim que abro a boca. Meu único
objetivo era salvar o Gareth e cair fora daqui, mas agora Tommy está
de cara feia.
Que maravilha.
— Corre.
Por sorte, Gareth consegue se mover depressa, porque vejo seus All
aproximando.
Quando recupera o equilíbrio, ele puxa a mão e fica por cima de mim.
reconheço a voz:
Que babaca.
Reviro os olhos.
— Mas…
— Vejo você mais tarde — diz, tentando tirar de mim uma promessa.
— Mais tarde — respondo. Prometo.
conversinha.
Capítulo Seis
entrada. Como sempre, sua devoção fanática à cor roxa está estampada
em cada centímetro das roupas dela. Por trás dos óculos fundo de
— Está surpresa?
faz meu ombro doer, ainda está latejando por causa do Tommy H, mas
que eu não existo. — Creio que todos temos o arquivo dele gravado na
memória.
Janice.
Ela não fala com todas as letras, mas não precisa. O que Janice quer
expulsar, já teria feito isso. Mas notas ruins não são suficientes para tirar
um aluno da escola. Não vendo drogas, não xingo professores. E em toda
— Venha.
odiar, e já perdi a conta das vezes que sugeri a Higgins que o tirasse dali.
— Pare de gracinha.
tapa falando isso, o senhor não se importa que o time de basquete esteja
rachando…
— Ah, nossa! Vivendo no limite. Nunca fiz isso antes, como deve
ser?
homem.
— Hum…
— Eu me pergunto se você já pensou seriamente sobre seu futuro.
nunca teria considerado incluir isso. Nunca, nos meus quatro anos nesta
bendita escola, esse homem falou comigo num tom que não fosse de
— Algo me diz que você já faz isso por nós dois — retruco.
Ele bufa.
— Pela primeira vez seu único instinto está funcionando bem, então
— declara.
continua:
uma pergunta e quero que pense bem antes de responder. Está pronto?
segunda vez na mesma conversa que ele me deixa sem palavras. Olho
para ele, sem saber o que dizer. O diretor balança a cabeça, e a pena
— Mas isso é realmente algo relevante para você? Dá para ver que
não liga para as aulas, já que suas notas foram pelo ralo. Não tem como
professores. Você tem dezoito anos. Pode ir para qualquer lugar, fazer
Tenho uma resposta. Que é a seguinte: para onde mais eu poderia ir?
Mas não há nada no mundo que me faça admitir isso. Prefiro morrer a
Não que ele precise. Pelo lampejo presunçoso em seus olhos azuis, dá
Forço um sorriso.
— Você acha que é fofo — diz Higgins. — Mas vou lhe dizer o que
realmente é: uma maçã podre. E cabe a mim zelar para que o restante da
minha escola não seja contaminado. Mas, antes de tomar uma atitude
— Pois é. Mas quero que seja honesto: você acha que aquele garoto
Você é louco, é o que quero dizer, e então você admite que deixou
uma vez por semana, desde que ganhou do Jeff, em setembro. Desde
que o estado é laico e tal. Mas, nossa, dá para ver que a palavra está na
ponta da língua. — … com essa fantasia sem sentido que você promove,
— Você é um Munson.
— Seu pai não saiu daqui formado — diz Higgins. — Nem seu tio.
High em cinquenta anos, e não vejo como você pode ser o primeiro.
Então faça um favor a nós dois. Pare de contaminar todas as boas maçãs.
— Já terminamos? — pergunto.
— Ótimo.
Em silêncio, abro a porta com força e passo rápido por Janice (que
grande peso que toma meus ouvidos, meus olhos, meu cérebro, até que
tudo em que posso pensar é apenas um som estático, feito ruído branco.
Não é a pior coisa que já escutei. Mas por que estou me sentindo tão
em que ele me vê. Chrissy sendo puxada pelo namorado para longe de
mim. Fico no corredor como uma estátua idiota. Essas imagens giram
Uma maçã podre, sussurra Higgins no meu ouvido. Mas tudo que
digo é:
— Aham.
Porque Ronnie e eu podemos compartilhar as mesmas raízes, ter
— O mesmo de sempre.
— Eddie…
Seria legal ter uma recepção calorosa de Bev, mas, quando me vê, ela só
diz:
aumento nos lucros que Bev não quer a Corroded Coffin no palco
assustando os clientes.
Mas não tem problema. Não é por isso que estou aqui.
— Ela foi uma das únicas pessoas na história deste bar que não
— Hum…
Mas Bev não está me olhando. Seu olhar está fixo em um ponto atrás
qualquer momento ela fosse decidir que não está curtindo todo o caos e
não estou com tempo para pensar nisso agora. Tenho uma missão.
tocar hoje?
Balanço a cabeça.
— Ah, é?
silenciosa.
cascalho áspero do que para asfalto liso, mas pelo menos é calmo. Nossa
única companhia são dois homens com barba por fazer, falando
que mal percebem o barulho dos nossos passos sob o luar, então posso
mais rápida do que eu, puxou um isqueiro e acendeu meu cigarro apenas
— Hoje foi o dia das caixas de pizza — diz ela, soltando o ar. —
Acho que ela pedia pizza, tipo, duas vezes por semana, e nunca jogou
— Mas e o trabalho?
— Davey mal percebe quando estou lá. Com certeza não vai reparar
se eu ficar aqui por mais tempo. É por isso que você queria me
— Não.
Por que não consigo simplesmente dizer o que quero? Deveria ser
fácil. Foi só no que consegui pensar dirigindo até aqui, ainda com as
palavras a saírem.
— Aham.
— O quê?
sou idiota… Você só quer chegar até o Davey, exatamente como todo
mundo…
— Não… Não é isso que estou dizendo. Não é só isso, pelo menos…
— Então o que é?
— digo, baixando as mãos. — Olha pra mim, Paige. Não sou nenhum
Indiana. Não tenho merda nenhuma: dinheiro, nada. Nada disso aqui
está na moda. Minha calça jeans é rasgada porque rasgou mesmo. Pareço
não ter dinheiro porque de fato não tenho. — Tomo fôlego, e minha
da minha música.
mas parece que o lampejo raivoso dela está se dissipando aos poucos.
— Não vem me dizer que as pessoas não fazem isso o tempo todo em
Los Angeles.
Paige bufa. Então, tocando com a unha um dos dentes, ela me lança
um olhar que me analisa por inteiro. Sinto seus olhos conforme eles
— Aham.
— Eu gostei.
— Acha que pode fazer alguma coisa pela banda? Por mim?
Paige assente.
— Vou te dar uma chance. Só uma. E eu vou te dizer como isso tudo
vai funcionar.
disso. Quando eu chegar lá falando de vocês, Davey vai achar que estou
dando uma força para amigos da minha cidade. Isso significa que a
primeira coisa que precisam fazer é provar que ele está errado.
longe daqui, vocês vão ter que gravar uma demo. E não serve uma
— Entendi.
— Mas eu acho… acho que você está certo — declara Paige, quase
surpresa por admitir. — Acho que você, e a Corroded Coffin, vocês têm
uma essência que as pessoas vão curtir. Acho que podemos conseguir
algo.
Ela respira fundo, e eu percebo que tudo isso pode ser um risco tão
deslocamento. Não tenho esse dinheiro. Não tenho nada nem perto
Esconderijo, Bev nunca vai me pagar o suficiente para uma viagem para
a Califórnia.
A montanha de panquecas que está na frente do meu pai é tão alta que
garçonete. — Servi todas para você antes que fossem para o lixo…
Ela está com alguns bobes na parte da frente do cabelo, mas fica
Ele olha para os seios dela como se estivesse procurando pelo crachá
com seu nome. Mas ninguém pode ter uma visão tão ruim assim àquela
— Prazer, Dot. Agora me diga… você tem mel em algum lugar desse
Quando ela se afasta, meu prato com ovos e bacon, já quase no fim,
está frio. Continuo comendo assim mesmo, esperançoso de que uma boa
— Este lugar é uma merda — diz meu pai, com a boca cheia de
— Fechou.
— Minha nossa…
Mas ela não dá seu sorriso charmoso para mim. Dot apenas me olha
e se retira depressa, e meu pai esconde uma risada por trás do monte
Everest de panquecas.
— Ah, eu me viro.
— Pai!
— Isso é um sim.
— Por acaso eu te trouxe aqui para falar sobre minha vida amorosa?
— pergunto.
a borda da caneca de café. Ele sabe que tem alguma coisa acontecendo.
Já sacou tudo.
E está certo. A gente não toma café da manhã juntos; não somos esse
tudo menos pessoal e mais protocolar. E é por isso que estou cutucando
panquecas.
trabalho.
— Aham.
— Cinco mil.
Joguei o valor para cima. Achei que meu pai fosse querer barganhar,
mas ele apenas assente. Talvez seja minha imaginação, mas acho que ele
— Combinado.
o alívio doloroso que se espalha pelo rosto dele. — Não topei ainda.
— Sempre soube que você era um garoto inteligente. Então está bem.
lado.
— pergunta ele.
Balanço a cabeça.
ele mesmo não consegue produzir, ele importa. Fica a maior parte do
todos eles.
Baltimore.
Ele assente.
semanas e um dia.
tipo?
Charlie usasse a linha ferroviária. Mas parece que ele prefere ter um
caminhão.
— Legal.
refrigerados, usados pela equipe para fazer esse transporte. Eles mantêm
É
saem das montanhas, seguem para as estradas locais. É mais fácil
não funcionar…
Meu pai faz um gesto de arma, apontando o dedo sujo de mel para
mim.
parar até que chegue a seu destino. E se parar é melhor ter um bom
motivo. É por isso que ele sempre coloca duas pessoas em cada
— E atirarem em policiais.
demais.
— Só quando necessário.
De vez.
Tranquilíssimo.
me avalia.
Bem, ele está errado. Não é algo que eu consiga fazer. A coisa mais
laboratório do sr. Vick. Tão fácil criar o alinhamento. O que você tem
em mente? Simples. Mas aqui, agora, tudo em que consigo pensar é que
desta cidade pense. Não posso fazer isso. É demais para mim. Não
posso…
poucos metros de distância. Mas, para mim, é fácil lembrar. Acho que
seu rosto acende uma chama em meu peito, algo em que tento não
pensar muito.
nenhuma.
Capítulo Nove
Dougie mora no final de uma rua sem saída do lado chique da cidade.
Não sei como ele convenceu a família a nos deixar ensaiar lá, mas, pelos
olhares cortantes da sra. Teague que vejo pela janela toda vez que paro
Hoje, porém, quando saio da van, a sra. Teague não me fuzila com o
em pé ao lado dela.
— É a sra. Teague.
rompante de irritação.
garagem.
chegou. O que é ótimo, porque significa que não vou precisar tentar
Ronnie está sentada atrás da bateria, girando uma baqueta nos dedos.
Dougie pegou a outra para tentar puxar uma extensão de uma prateleira
franzida.
— Tá atrasado, cara — comenta Dougie. — Minha mãe só vai deixar
a gente ensaiar por uma hora, aí depois ela vai desligar o disjuntor da
lamentação.
Percebo que preciso intervir antes que minha banda faça Paige pensar
Dou um passo à frente. Com sorte, eles vão recuperar parte da função
Eddie em mingau.
— Mingau, é?
Eddie.
— Paige.
alguns países.
Paige, antes que Dougie solte alguma coisa que estrague a situação por
enrolando por mais tempo, meus colegas de banda vão botar tudo a
perder. — Ela quer que a gente grave uma demo. Para mandar para o
esforçar para não soltar a novidade para Ronnie primeiro, mas agora,
olhando para as expressões chocadas, fico orgulhoso por não ter dado
Fitzroy. E Eddie está certo. Acho que ele vai gostar de conhecer a
Corroded Coffin.
Com certeza!
— Eles querem que a gente grave uma demo — explico. — Paige vai
mandar essa demo para o chefe dela. Se ele gostar… nós vamos até Los
nós dos dedos brancos. Ela está inexpressiva, olhando para o espaço
rock?
Paige.
de quando ela achou que Paige era minha quase nova namorada, e sim
algo mais feroz, mais direto.
ritmado.
Reviro os olhos.
— Porque… — começo.
simplesmente: gostei do que vi. Acho que vocês têm algo especial, algo
mais vejo é um monte de bandas formadas por riquinhos que tratam seus
ninguém quer torcer por isso, ou por eles. Mas por uma banda formada
por heróis de uma cidade pequena que lutaram pela oportunidade única
— Então você está dizendo que está interessada em nós, não na nossa
funciona.
gente assim?
— sugere ela.
com ela.
Paige segura meu braço para avisar que não é necessário. Mesmo por
pele.
— Não sei… — comenta Jeff, mordendo o lábio com tanta força que
formar? Por que você está preocupado em se formar quando alguém está
— Não é assim tão fácil — retruca Jeff. — E por acaso seus pais vão
ficar animados quando você contar para eles que esse é o seu plano?
van da empresa dele. Seria Teague & Filho até a aposentadoria. Sem
— A escola vai ser sempre uma opção, cara — digo, olhando para
você pode voltar para a escola, pegar seu diploma, ir para a faculdade e
viver uma vidinha batendo ponto. Mas essa chance com a gravadora tem
vinte anos, quando olhar para seu anel de formatura da turma e se der
para narrar esse futuro sinistro, e talvez Jeff tenha sido condicionado
pelos últimos dois anos a acreditar em tudo que essa voz diz, mas não
— Mesmo?
Ele ri, e uma fagulha de animação se espalha por seu rosto como o
clarão de um raio.
— Tudo bem.
completo babaca.
— Eu acho…
Então entendo cada pensamento vulnerável que está passando por sua
cabeça.
— Quero muito que isso seja verdade. Acho que quero viver em um
mundo em que coisas assim acontecem. Mas não vivo, Eddie. Nenhum
de nós vive. Olha ao redor. Mas olha mesmo, tipo, com os olhos bem
abertos.
tagarelar.
não sabe. Também não acho que ela saiba. Mas o que quer que seja é…
é, tipo um molde. Um pacote que ela acha que pode vender. Não é?
Sua relutância me irrita.
quero que a gente se vire do avesso para se tornar algo que alguém quer
Ou seja, não quero que você se vire do avesso para se tornar algo
que alguém quer que você seja. Sei que foi isso que ela quis dizer. Essa
— Não temos que provar nada para ninguém, Eddie. Para ninguém
ácido.
tudo.
— É só isso?
vulnerável.
— Prometo.
— Tudo bem — concorda ela, tão baixo que quase não consigo ouvir.
Mas a nuvem que escapa quando a porta se abre com um ruído alto
maconha mais espessa que já vi, tão densa que parece quase sólida.
homem alto com uma barba cheia e uma bermuda cargo tão largada
quanto a casa.
— Esse aqui é meu filho. Garoto, quero que você conheça Reefer
Rick.
mais legal, uma atividade que envolvesse mapas, esquemas, ou talvez até
menos interessante.
“Vai ficar mais legal”, garantiu meu pai, sentado no banco do carona,
operação com essas coisas. Não faz sentido fazer o trabalho se não tiver
um comprador interessado.”
Não sei o que eu esperava com a palavra “comprador”, mas não era
nada parecido com esse sujeito com um rosto radiante e simpático que
estou encarando agora. Reefer Rick é um cara bem grande, com olhos
residência Reefer!
Não sei por que, talvez por conta da cortesia exagerada de Rick, mas
piso.
borrão alaranjado. Dá para ver que não é uma casa organizada, mas
sujos não parecem ter mais de dois dias. Para os meus padrões, como
militar de limpeza.
A cama de Rick, ainda por fazer, fica diante de uma ampla janela na
mesa de sinuca. É para lá que Rick está indo, arrastando os chinelos até
Dou de ombros.
— Um pouco.
É
— É isso aí.
Ele estende um taco para mim e pega outro de algum lugar embaixo
Rick com certeza não tem mais do que trinta e cinco anos, mas eu
assinto.
— Pode deixar.
mesa. Elas batem umas nas outras, conforme ele as alinha na posição
Será que é possível que esta conversa perca ainda mais o rumo do que
já estava perdida?
Então é isso que eu faço. Levo dois segundos para alinhar minha
comenta Rick. — Sumiu por dois anos… Não pude evitar pensar o pior.
de circulação.
Tum. Encaçapo outra bola. Quando levanto a cabeça, Rick está
observando meu pai com seus olhos vermelhos, confuso. Por sua vez,
Rick.
— Hum.
do Oregon.
mesa.
— Acho que você quer que eu compre isso de você — diz ele,
acertando a bola branca, que dá um salto improvável por cima das bolas
— Quinze mil.
Rick solta um assovio baixo, mas ainda não tira os olhos da mesa. — É
antes?
Rick enfim olha para ele, e seu olhar diz que a resposta não é das
— Meu pai estava preso — solto, sem querer. Por algum motivo, só
consigo pensar que essa reuniãozinha não parece estar indo muito bem, e
se meu pai não vai se explicar, então eu preciso arriscar. — Caso você
esteja se perguntando por que ele sumiu, é porque ele foi preso. No
Colorado.
todo o trabalho, você recebe o produto. Pode enriquecer com esses nove
depois?
— Eu não…
vierem atrás do prejuízo. Um dia vou estar aqui, levando minha vida,
— Se você diz, cara — continua Rick, num tom que parece tranquilo,
— … dos nossos benfeitores misteriosos… Eles não vão dar falta até
que seja tarde demais. Não vão saber quem somos, ou onde a maconha
sumiu. Talvez eles nem saibam o peso da carga completa para começo
falar de você.
Meu pai não dá uma tacada, então o jogo está parado. Rick brinca
com seu taco, estudando a disposição das bolas na mesa. Ainda não
parece comprar a ideia. E ele nunca vai comprar mesmo, não do meu pai
de forma tão vívida que é como se ela tivesse caminhado até mim e me
ficou vermelho. Depois disso, ele não se importou mais com a dívida.
— Não vai ter rastro até você — garanto, usando as palavras do meu
difusa do sol.
que isso vai ser direcionado para o meu pai, para mim. Podem vir atrás
querer recuperar é o orgulho. Você não faz parte disso, você é só, tipo,
Pego o taco que está com meu pai e alinho uma jogada. Torço para
encaçapar desta vez, porque esse discurso vai parecer bem menos
rir. O riso alto e bobo parece vir das profundezas de seu peito.
enganou.
Meu pai me dá um tapinha nas costas. Pela camisa, consigo sentir que
— Vou te dizer uma coisa, Júnior. Quando o trabalho com seu velho
cair por terra, você vem trabalhar comigo. Vou te treinar bem.
ainda rindo.
mim e eu resolvo.
Sou tomado por um grande alívio. Talvez ainda não precise desistir
A negociação ainda está na minha cabeça dois dias depois, quando Paige
sentado no estacionamento.
Dougie? — pergunto.
Olhar com O maiúsculo que diz, sem precisar dizer: “Não seja covarde”
e também “Se você quisesse desistir, tinha que ter feito isso antes de me
numa tarde e…
me faz querer mudar de ideia. Nos últimos dois dias, catei cada centavo
tímida convicção, uma esperança de que talvez essa quantia pudesse ser
continua:
— Se você está nervoso, saiba que não precisa ficar. O dono desse
lugar não deve ser pior do que os caras com quem preciso negociar em
Los Angeles. Deixa que eu converso com ele. Vou conseguir um bom
Nessa última parte, olho para ela. Paige ainda está se olhando no
chama Nate Caputo. É uma espécie hippie das antigas, com cabelo
agendar a visita antes da gravação das nove da manhã, e dá para ver que
— Mais baixo.
Baixo minha voz e tento de novo, mas ele apenas solta um gemido e
porta e, minha nossa, piso num estúdio de gravação pela primeira vez.
um isolamento acústico perfeito. Para testar, bato com a unha nos pratos
— Que buraco.
vidro, na sala de controle. Está escuro do outro lado, mas a luz amena do
meu lado do estúdio ilumina seu rosto, fazendo sua pele reluzir como se
Isso é o máximo que consigo dizer sem admitir que, por dentro, estou
surtando. Este lugar pode ser mesmo um buraco, tudo bem. Se fosse a
como um verdadeiro astro do rock. Será que Munson Júnior alguma vez
— O quê? — pergunto.
Ela gesticula e cobre de novo as orelhas, e olho para onde ela está
Paige revira os olhos, mas dá para ver que está segurando o sorriso.
— Exuberante.
— Ele está meio esquisito. Não vou nem tentar conversar muito até
Não sei se consigo responder, não sem minha voz falhar. Então
Maiden.
É uma pergunta tão abrangente que preciso pausar o Iron Maiden por
inclinando a cabeça, fazendo seu cabelo ondular para o lado. — Tá, tudo
cantinho do estúdio.
Por que música? Por que rock? Brinco com a palheta nos dedos e
Por incrível que pareça, nunca me fizeram essas perguntas. Para mim,
fazer xixi… fazer música. Ouvir, tocar, falar sobre música. É a vida.
Não sei muito bem o que quero dizer com isso. As palavras meio que
— Foi meu pai quem me ensinou a tocar guitarra, mas minha mãe,
conheceu meu pai. Cresceu lá, dezenove anos cercada por música em
todo lugar que ia. Country, bluegrass, rock… mas seu gênero favorito
completo, sabe?
— Aham.
Hawkins, e ela e meu pai passaram todo esse tempo espremidos num
carro pequeno com vinte caixas repletas de discos. E, quando nasci, ela
Toco algumas notas na guitarra surrada, mas não é mais Iron Maiden.
empilhados perto da TV. Minha mãe dizia que eram como passagens de
entendia quando era criança. Tudo que ouvia nesses discos eram pessoas
cantando sobre tristeza, sobre como a vida era uma merda. E então,
hum… Ela ficou doente e… morreu. Quando eu tinha, tipo, seis anos.
Aí eu entendi.
metade metal, e pode ser minha imaginação, mas acho que vejo a
o tipo de música que leva as pessoas numa aventura para outro mundo,
agora posso ver seu rosto. Não está sorrindo, não mesmo. Mas há um
brilho em seus olhos, um lampejo que nada tem a ver com a iluminação
suave do estúdio.
luz. No mesmo instante, vejo cada detalhe do lugar, cada fio solto
revelando o estofamento…
E Nate, que tomou café e está pronto para interagir. Vejo que ele fala
Faz apenas um segundo que minha voz foi filtrada pelos alto-falantes
parecia que éramos só nós dois no mundo todo. E Nate… Não quero ser
rude com o cara, mas ele não está na mesma vibe no momento.
no meio de uma sala vazia, segurando uma guitarra que não é minha e
com um fone de ouvido tão grande que chega a escorregar das minhas
orelhas. Ah, caramba. Entreguei meu coração para a Paige feito uma
várias vezes, sem parar quieto, cutucando um pedaço de couro falso que
está se soltando do sofá. Paige, por outro lado, está imóvel como uma
encarando-o como se ele fosse uma formiga, e ela própria, uma lente,
Não fico surpreso ao ver que Nate cede primeiro, jogando as mãos
para o alto. Não consigo ouvir, mas minha habilidade amadora de leitura
labial me diz que pode ser tanto “feito” quanto “foda-se”. Depois ele sai
da sala de controle.
imperceptível. Sem saber o que fazer, dou uma batidinha no vidro para
chamar sua atenção. Ela olha em minha direção, e seu rosto está
impenetrável.
de controle.
Não posso evitar o grito que emerge de dentro de mim, alto demais
— Eles podem.
— Quanto?
— Por hora.
— Ah…
O que vai dar trezentos dólares. Esse valor fica muito além do meu
— Eu sei.
pesaroso.
hamster numa rodinha, levo um segundo para processar o que ela diz.
Eddie Munson.
— Já fiz o depósito.
Mas… mas…
— Por quê?
— É algo verdadeiro?
A notícia de que tínhamos uma data marcada para gravar a demo atingiu
bastante para Paige querer nos contratar —, mas agora estamos bons e
para casa, com as baquetas nas mãos, ela toca “Fire Shroud”, nossa
— Achei que o Jeff fosse mandar mal na ponte, mas parece que ele
andou treinando.
— Pois é.
— Mas “raiva” e “queimava” meio que rimam. Acho que vou alterar
perguntar para a Paige. Ela entende disso, então provavelmente pode dar
umas dicas.
ver.
— Não use minhas próprias palavras contra mim, pensei que a gente
fosse amigo.
pergunta ela.
dois minutos. Sem desculpas, Munson. Já te ouvi falar por meia hora
— O que você não entende é que, como alto rei em Lindon, Gil-galad
e Lothlórien…
— Aham, já chega.
setenta anos, ela continua tão alta quanto Ronnie, e ainda é bem forte.
Sei disso por experiência própria, já que em geral era ela quem tomava
conta de mim quando eu corria solto na infância. Ainda estremeço toda
— Saia desse carro e entre para o jantar — ordena ela, com um tom
comprar alguns suprimentos, mas não tenho como dizer isso sem revelar
meu segredo.
Vovó Ecker solta um grunhido que diz tudo o que pensa de Bev, do
me quebre em pedacinhos sob seu olhar gélido, ela se vira para pegar
papel-alumínio.
bastante cuidado.
— Não seja bobo — fala ela. — É para o seu tio. Meu melhor
O trailer do meu tio Wayne não é muito distante, mas o sol já está
anoitecer.
Mas sabemos que ele precisa se alimentar bem, senão vai ficar só pele e
Ronnie bate a porta de casa antes que eu possa infligir mais dano
Sempre que questiono, ele diz que não tem nada que alguém queira
infarto!
Mas, a julgar pela caixa de cereal vazia caída ao seu lado, não sei se é
— Não sou eu quem vai fazer isso. Não posso passar a vida inteira de
— Aham.
Wayne me observa.
— Então tá…
em casa?
— Aham.
Wayne não para de mexer na tigela. Tac, tac. O tilintar da colher vai
Tac, tac.
— Ele te falou por que está de volta desta vez? — pergunta ele.
mexer a colher.
colher na pia. O talher bate na bacia e ecoa alto dentro do trailer. — Era
— Não.
— É mesmo?
aparecer.
— Só isso? — pergunto.
— Eddie…
Reviro os olhos.
sabe.
Mas a provocação não funciona com Wayne, pelo menos não agora.
— Não estou criticando — diz ele —, mas você não pode me culpar
— Al volta para a cidade. Você não quer me dizer por que e ele,
muito menos. Mas não sou idiota. Sei quando meu irmão está metido
em problemas. Aí, poucos dias depois, você está jogando sinuca com
Reefer Rick.
importa, digo a mim mesmo. Ele pode achar ruim e se preocupar, mas
— E qual é o problema?
quando tem um esquema. Ele vai fazer e acontecer, mas vai dar no pé
bem. Não vale a pena colocar a mão no fogo por seu pai. A não ser que
queira se queimar.
percebo que a barba está mais grisalha do que meses atrás. Há mais
fora, indo até minha van como se o chão tivesse feito algo para me tirar
do sério.
Se vai tacar, taca logo, disse meu pai naquele dia, quando eu estava
— Porque vocês ainda não estão prontos. Estão sem energia, parecem
ensaiadinhos demais.
— diz Paige. — Então vamos botar fogo nisso aí. Mais uma vez, do
início…
Mike. Pisquei forte por causa do sol, e Jeff e Dougie saíram da picape de
perguntou Dougie.
“Já estamos aqui. Tem certeza de que quer dar meia-volta e ir embora
agora?”
Ele fez uma careta insegura, e eu dei um tapinha nas costas dele.
Virei para ajudar Ronnie a tirar a bateria da van e percebi Paige, que me
Dei língua para ela. E esse foi o último momento divertido do dia.
da câmera que Paige apontou para nós do outro lado do vidro. Talvez
esgotando.
não importa o motivo, porque assim que a Corroded Coffin está pronta
no estúdio…
fizemos isso quando Paige nos viu no Esconderijo, caramba! Mas, aqui
Esta gravação de “Fire Shroud” não vai ficar melhor do que as outras.
Mal chegamos ao primeiro terço da música, mas desta vez sou eu quem
interrompe:
— Gente, gente…
de ouvido.
Vocês poderiam…
Não completo com “nos dar licença”, não em voz alta, porque não sei
Paige entende o que quero dizer. Pelo vidro, vejo que ela faz uma
direção à porta.
— Obrigado — digo.
Respiro fundo. Olho para a banda e tento não reagir com uma careta
Quero rebater, dizer “é óbvio que somos bons o suficiente para este
lugar, é óbvio que não somos só ‘uma banda de garagem’”. Mas com o
difícil acreditar.
veio aqui para tocar. Temos que parar de nos sabotar e mandar ver.
Se essa é a minha história, então nunca será apenas “só quero fazer
está acabando com a gente. Tantos ensaios, toda essa pressão, tudo…
pouquinho de prática pode nos deixar afiados. Mas se alguém afiar uma
cega. E foi isso o que aconteceu com a gente. Mas, gente… Não
Corroded Coffin faz de melhor e arrebentar. Jeff, quero ver o garoto que
apareceu para ensaiar dois anos atrás e se recusou a ir embora até que
Dougie bufa.
E então…
— Ronnie…
— … quero ver a garota que ficou na mira dos policiais por tocar
Daniel Cirelli no braço quando ele assobiou para ela. A garota que
a…
— Pessoal?
foi substituído por um raio de energia que corre de um jeito elétrico por
sorriso.
canto do olho, vejo que Nate se virou de olhos arregalados. Até mesmo
instinto. Num piscar de olhos, Jeff entra na melodia, seu baixo vibrando
Para escutar.
mantê-la.
abrindo caminho pelos meus ouvidos até minha alma e fazendo meu pé
agora…
Desta vez, porém, não fico rouco. Minha voz não falha. As palavras
homem estava prestes a nos mandar embora dois minutos atrás, mas
agora não consegue desviar o olhar. A luz do estúdio brilha sobre mim, e
cada vez mais para o fim da música. Sem esforço, executo o solo,
que Ronnie me dá; na maneira com que Dougie está se deixando levar
pela melodia, movendo os lábios a cada nota que tira de sua guitarra;
pela forma como a cabeça de Jeff balança como se ele fosse uma
marionete.
que eu disse a Paige sobre como me sentia, e isso nunca foi tão
Não é difícil encontrar. Seus olhos são como dois faróis, fixos em
mim. Encaro-a de volta conforme o baixo de Jeff nos leva até o fim da
Só falta o último refrão, o baixo de Jeff nos conduz até o verso final,
canto para ela. Canto até achar que vou perder a voz, e continuo
cantando, e então…
A música termina.
Meus braços relaxam, sem forças, a paleta oscila entre meus dedos
isso aí!
Mas mal sinto o impacto. Meus olhos ainda estão fixos na sala de
controle, onde Nate está fazendo todo tipo de ajuste no painel de áudio,
de Nate.
— O que achou?
Paige se inclina para o microfone, mas Nate chega antes dela e aperta
nos olhos. Não sei como consegue enxergar, já que uma das lentes está
É algo estranho de se dizer, ainda mais porque o sol está a pino, tão
quente que sinto o suor escorrer na nuca. Estamos sentados na van desde
cobrem o gramado.
pedaços dos arredores. Essa parte do estado está repleta delas, terras
desmanches são feitos à noite. O que significa que neste exato momento,
A resposta sincera seria “não, não estou nem um pouco pronto para
— Aham — digo.
estrada.
Quando ele mencionou este plano pela primeira vez, pensei que fosse
uma piada. Estou começando a reparar que essa é a minha reação a tudo
que meu pai me conta. Mas a menos que haja um padre, um rabino ou
Pensei que aquilo significava que faríamos outra visita ao Reefer Rick
ou a algum outro… colega do meu pai. Como ele conhece todo tipo de
Como eu sou idiota, penso agora, atrás do meu pai. Minha ideia de
espetacular quando ele disse que, para essa missão, teríamos que cruzar
as fronteiras do estado.
De acordo com ele, o único problema era que caminhões reboque são
Outros ladrões.
procurando.”
Agora, saímos do meio das árvores que cercam o lugar. Meu pai está
fecharam a porta, mas já dá para ouvir os roncos pelas frestas das janelas
portas do armazém.
Meu pai pega dois longos arames do bolso da jaqueta de couro. Não
outro.
— Isso é mentira.
É difícil abrir as portas, mesmo juntando nossas forças. Meu pai está
Meu pai, no entanto, exala o frescor de uma margarida. Ele está com
uma trilha de mais ou menos dois metros de largura, que vai da entrada
caminhão passar.
Eu poderia discutir, mas não sinto que seja o lugar ideal para isso.
As rodas estão sem pneus. Mas meu pai apenas suspira e pega uma
minutos antes.
no banco do motorista.
Usando uma chave de fenda, meu pai abre o painel de plástico abaixo
É óbvio que me lembro. Foi o presente que meu pai me deu quando
fiz dez anos: aulas de como roubar carros. Não precisei perguntar para
meus amigos da escola para ter certeza de que essa não era uma tradição
“Um dia você vai precisar de um carro”, disse meu pai, solene.
pessoa.
— Não estou brincando, Eddie. Não trabalho com caras que não
colaboram. Se você quer receber sua parte nesse acordo, precisa ajudar.
Esses aqui vão acionar a bateria. Ouço essa frase na voz do meu pai,
— Muito bem.
que tudo dentro de mim está retorcido, como os fios em minhas mãos.
De repente, percebo que essa emoção que está surgindo é nojo. Estou
com nojo de mim, de como me lembrei disso com tanta facilidade e do
quanto me lembro dessa merda toda, de forma tão clara. Existe uma
razão para eu não ter feito isso desde então. Vinha dizendo a mim
mesmo que eu não era como meu pai, de nenhuma maneira, que se
Mas aqui estou eu. Não sou mais o Eddie, não dentro deste caminhão
prestes a ser roubado. Sou o Júnior, o garoto que tem o mesmo sorriso
de Al Munson.
acelerar o motor algumas vezes, lembro, mas desta vez ouço traços da
minha própria voz junto a do meu pai. Sinto um enjoo, mas estou quase
lá…
tijolo.
estufado enquanto sigo para a porta do armazém. Mas nós dois sabemos
Você concordou com isso, penso, em uma voz muito parecida com a
Não tenho uma resposta, não uma que seja boa. Deve ser o Um dia
você vai precisar de um carro. Deve ser o Não trabalho com caras que
que veria a próxima vez que olhasse no espelho. Seria ele todo.
Pelo jeito, tudo isso é o bastante para me fazer correr. Então, sim, eu
moveu mais do que imaginei, porque não consigo mais vê-lo. Franzindo
tijolo, onde quer que ele tenha ido parar, e trazê-lo de volta…
rebelde.
Sammy?
mullet ensebado que causaria inveja no Bob Seger. Seus olhos estão
— Olá — digo.
mulher, cutucando meu peito com a arma. — Tem mais alguém aqui
com você?
um grande idiota.
Não esqueci mesmo, pode acreditar. Mas espero que o som fraco que
determinação.
Não estou imaginando. O som fica mais alto. Sammy franze o cenho,
preocupado.
Tenho certeza de que são mecânicos muito talentosos, mas limpeza não
Ele não vai me esperar. Não está nem mesmo desacelerando. Meu pai
Não vale a pena colocar as mãos no fogo por seu pai. Foi o que o
cabeça. Nesse ângulo, tenho uma ótima visão do nariz dela. E também
— Escuta… — começo, mas percebo que não tenho mais nada para
dizer.
teria sido interrompida. Eu já teria sido levado até a sala do diretor para
Mas agora estou sozinho. Ninguém vai me ajudar. Vou morrer aqui, e
pior… vão desaparecer com o meu corpo. E duvido que alguém sequer
vá me procurar.
mulher.
qualquer coisa.
consigo lembrar.
ele. E com sua família toda. E com todo mundo com quem você já
Porque aquele som está de volta. O ronco de motor fica cada vez mais
alto.
— Bom trabalho!
Olho para cima e vejo, de cabeça para baixo, meu pai na janela do
caminhão.
— Não.
nem mesmo fechar a porta antes de meu pai pisar no acelerador com
— O quê?
Se eu tivesse bom senso, diria que não, com certeza não. Mas a
adrenalina percorre minhas veias. Além disso, apesar de jurar que tudo
Desta vez não me sinto mal ao sorrir de volta com o mesmo sorriso
— É hipnotizante — comenta.
mullet.
funcionou assim.
mochila.
sugiro.
um Observador?
Gareth se empertiga tão depressa que achei que ele fosse levar um
tombo.
— Não! — exclama.
porta aberta, é muito provável que não volte mais, e se eu tiver que ir
Parte de mim protesta, como sempre. Mas agora também ressoa a voz
Droga.
muralha.
De repente lembro que era Jason, o garoto que levou Chrissy embora
passando por aqui e lembrei… você e eu, ainda não estamos acertados.
— Por mim está tudo certo. Mas para você, que é careta, não sei —
retruco.
talvez-Connor.
Queria muito chutá-lo, mas, como não dá, Ronnie faz isso por mim.
Club e a muralha.
Começo a correr.
focado em mim, que a minha fuga vai fazer ele e seus comparsas virem
atrás de mim sem pensar duas vezes. Talvez isso dê a Ronnie, Dougie e
rápidos.
educação física nos últimos quatro anos. Mas não posso diminuir o
ritmo, muito menos fazer uma pausa, porque tem quatro atletas
picadinho.
Faço uma curva, e o brilho distante da luz do sol atinge meus olhos.
Terry. Se eu conseguir sair, pelo menos não vou estar nesse funil mortal
fazendo-a latejar. Meus joelhos acabam cedendo apenas por uma fração
— Agarrem ele!
de novo.
Não consigo ver, mas ouço quando ele gesticula para os outros.
Gareth já sabe que apanhar dói, mas aposto que agora está descobrindo
Percebo que Ronnie também está aqui, batendo nas costas de Gareth
barriga de Tommy H.
Talvez o basquete seja bom para alguma coisa, afinal, porque o cara
não tem dificuldade alguma para revidar. Com apenas uma das mãos,
Tommy H o encara.
— Então seu Rei dos Esquisitos pensa que eu devo fazer o que ele
Ele dá um passo para trás, e, desesperado, limpa o rosto com uma das
arrastado junto.
— Seu merdinha.
— Eu vou te matar.
daqui vivo.”
Droga.
joelho de Tommy atinge o peito do calouro num golpe que o faz cair no
chão. Quero acreditar que vai parar por aí, de que toda essa cena caótica
está chegando ao fim, que Tommy e seus comparsas vão embora. Mas
— Não…
para trás e bate nos armários com um estrondo, mas meu estômago
Tommy H não vê nada disso. Ele parece um touro, que não vê nada
demônio vingador.
Mas Tommy se abaixa, segura o garoto pelo colarinho mais uma vez
e o levanta. Posso ver o rosto de Gareth pálido feito papel, e seu pulso
está torcido num ângulo fora do comum. Ele solta um suspiro com o
Tommy…
— Ei!
são ruins demais para recuar de último segundo; ou talvez ele quisesse
o lado.
Club junto —, Ronnie jamais foi atingida. Ela sempre esteve alheia a
infectada. Ela é uma pessoa Boa com B maiúsculo, o que significava que
— Já chega.
têmpora diga mais do que qualquer outra coisa. Mas, apesar da situação
com uma careta e lábios franzidos, oferece uma bolsa de gelo a Ronnie,
olhar raivoso para qualquer um que ouse cruzar seu campo de visão.
cesta de lixo. Os outros fazem uma algazarra porque ele erra o alvo, e até
— Sente-se.
Ele está em pé, com as mãos apoiadas na mesa. Parece que vai
pergunto a ele. — Três vezes o valor atual? Quatro? Talvez você precise
de um carro novo. Ouvi dizer que ele tem um grande estoque de Volvos
novinhos.
Higgins me encara.
nervoso.
— Fique à vontade.
ao ataque…
— Isso é mentira.
de nós! — exclamo.
Por fim, ele se senta e abre a primeira gaveta. Vejo algo azul
— O que é?
— Leia. Use o cérebro pelo menos uma vez na vida. Talvez você
encontre a resposta.
Caro diretor Higgins, e tudo vai ladeira abaixo a partir disso. É uma
impressionáveis.
— Ela não pode fazer isso — murmuro. — Não pode tirar o Stan da
Club. Que fique bem claro, Munson — continua ele —, o que aconteceu
com Stanley foi culpa sua. Assim como os ferimentos dos estudantes
disseram que foi uma fratura oblíqua desviada. E que, por sorte, não
atingiu o nervo. Não sei exatamente o que isso quer dizer, mas sei que
ele vai precisar passar pelo menos dois meses sem usar o braço.
— Não, não — digo, mas é um protesto fraco até para mim. — Você
benéfica.
tira do eixo.
— O quê? — pergunto.
É
Higgins junta as mãos. É a imagem do diretor sensato. Eu queria
— Ela tem a ver com você. O que quer dizer que tem a ver com isso
Higgins não tem outra carta apavorante, mas não é necessário. Ele
Sinto um arrepio, um frio que vai da ponta dos meus dedos até o
coração.
tentando me ajudar…
ele.
semanas, até meses. Sempre está lá, visível pelo canto do olho, mas
— Como? — pergunto.
— Vá embora.
ocorrido.
ser o pária que esta cidade julga que eu sou. Quer que eu recue. E, como
recompensa…
Encaro Higgins.
— Faça.
escola. Nesta cidade. E sendo sincero… Não sei como cheguei nisso.
Esperava que você soubesse, já que tem tanta certeza do que eu deveria
chocado, e percebo que talvez seja a primeira vez que ele realmente
você.
Munson. Tudo isso grita cada vez mais alto na minha mente, sem
parar…
Espera…
… e herói do rock.
ridícula me julga assim, não quer dizer que preciso concordar. Não
preciso ser nada disso. Talvez eu seja o cara para quem uma garota
Posso dar um jeito nisso. Posso fazer tudo dar certo. Posso proteger o
futuro de Gareth, Ronnie e talvez ainda trazer Stan de volta. E assim que
da Hawkins High.
Capítulo Dezoito
bebida.
— Que nojo.
sabe-se lá o quê.
acontecer.
garoto!
três horas lavando copos e esfregando o chão sujo de cerveja não ajudou
muito a melhorar meu humor. Então meu pai chegou do nada, com
— Legal.
— Abandonei a escola.
— Hoje?
— É.
um raio.
Meu pai apoia os braços no balcão, então Bev tem uma visão
privilegiada do poder de sua piscadela. Sob aquela luz fraca, não dá para
— Bem… — diz ela. — Acho que posso servir uma jarra de cerveja
Eu, por outro lado, fico em silêncio. Na verdade, tenho certeza de que
nunca mais vou falar uma palavra sequer. Trabalho aqui há um ano e
Esconderijo.
beleza? Não sei… Não sei quando vou contar para todo mundo.
— Se ele esquentar com isso, só diga para ele falar comigo — sugere
meu pai.
Bev coloca a jarra de cerveja bem diante dele, que abre um sorriso
seu futuro.
— Nada.
— Diz logo.
nem olhar para o rosto da pessoa para saber que é Paige. Ela hesita,
Paige olha para mim, e seu rosto se ilumina por completo. Sinto uma
diz meu pai. — Continuar juntos, você e eu. Ser um time, sabe? Munson
Mas Paige, de alguma forma… não faz ideia disso. Para ela, eu sou
ela não está falando com ele, c) ela está falando comigo, e d) isso
ruído estrangulado.
possibilidade de reparo. Depois disso, ela não vai enxergar nada além da
tempo.
— A banda dele, hein? Não sabia que valia a pena trabalhar com a
Corroded Coffin.
— Ei!
— Ele sempre foi assim. Devia ver como Eddie era com as histórias
Parecia um esquilinho.
história.
— Um esquilinho!
casa. Mas Paige dá uma risada alegre demais para um pé-sujo desses,
Faço qualquer coisa para acabar com essa interação o mais rápido
possível.
tarde…
que essa Paige está falando sobre uma demo e a Corroded Coffin? —
Paige sorri.
— Caramba, sério?
— E eu enchi o saco dela até ela dar uma chance para a Corroded
Coffin…
Paige me cutuca.
dos filhos. É algo tão banal que eu nunca pensei que fosse viver algo
Paige vá embora o mais rápido possível, ainda mais quando ela pega
Meu pai não hesita, não se incomoda com a mudança de assunto nem
toma a fotografia das mãos dela. Ele apenas estica o pescoço para
me falar a real.
— Obrigado, querida.
olha para mim. Seja o que for, se esconde por trás daquele sorriso.
Então nada de Munson & Munson? É isso que ele está perguntando
pensando nos discos da mamãe perto da TV. Aqueles que ele trouxe do
Tennessee.
Quando uma moça bonita pergunta quando seu turno termina, seu turno
já terminou.
Meu pai pega o pano de prato no meu ombro. A agitação irritada que
estava sentindo fica mais suave; é mais como uma exasperação gentil.
— Pai — murmuro.
espalhar por meu peito, e estou saindo de trás do balcão sem nem
perceber.
— Não vá dizer que nunca fiz nada por você — declara meu pai.
Já estou acompanhando Paige até a saída. Ele não fez uma pergunta,
não é nada que exija uma resposta, mas, quando abro a porta e o ar
— Pode deixar.
Capítulo Dezenove
que percebo o que estou fazendo. Mas Paige apenas se apoia em mim, e
— Obrigada.
— Aham.
Ela recosta no banco e suspira. Paige está olhando para algum ponto
sozinhos, ainda é cedo, mas não há muitos carros por aí. Desço o vidro
— Hum.
Trinco os dentes.
— Aham.
— Alan.
Tento pensar em uma maneira de explicar que não seja “Não queria
— Eu… não queria que ele criasse expectativas. Não antes de receber
Nunca uma frase resumiu tão bem minha relação com Al Munson.
— Isso.
deveria estar incomodado com isso, deveria reclamar como faço com
— O maior.
Ela ri.
floresta.
Ela olha para mim de um jeito que me faz esquecer o que eu estava
esforço para não bater com a van até que a gente chegue seja lá aonde
importasse com a pintura. A estrada vai ficando cada vez mais estreita
três vans uma ao lado da outra. Ela aponta, e paro bem no meio,
silenciando o motor.
sábado à noite). A lua está bem alta, acima de nós. É uma visão perfeita
dela que faz com que a adrenalina percorra meu corpo, e não consigo
desviar os olhos do seu rosto, que, por sua vez, ainda está voltado para a
lua.
— Sim.
Paige se vira para mim com um sorriso enorme. Ela está radiante.
Pisco, hesitante.
— Ele…
demo… ele gostou que fosse ruim. É verdadeiro, foi o que ele disse.
Você é verdadeiro.
É
Não consigo respirar. É impossível parar de olhar para ela. Se fizer
isso, vou perder este momento. Terei que seguir com a minha vida, o que
seria terrível, porque, agora, alguém acha que eu valho alguma coisa.
Alguém em Los Angeles me viu, com minha calça jeans surrada e uma
que estou segurando a mão de Paige desde quando ela segurou meu
Ela continua:
— Ele quer que você vá até Los Angeles fazer um teste para o pessoal
um incômodo. Cada vez que a Bev gritou comigo e cada expressão triste
do tio Wayne. Tudo isso me trouxe até aqui. Tudo isso me tornou
verdadeiro ou algo assim. E vou deixar tudo isso para trás quando for
embora.
Paige aperta meu braço, só uma vez, mas é o suficiente para me tirar
que noto é que ela não se afasta quando deslizo meus dedos pelo seu
rosto, pelos seus cabelos. Ela pestaneja, e isso é algo que eu não pensei
Não preciso esperar por nada. Não há nada além de uma longa
cem, de zero a mil, tudo de uma só vez. Caramba. Parece que estou
pelos ombros.
— A banda…
— Eddie.
Paige tapa minha boca com a mão. Seu batom está borrado,
do meu rosto.
— Mas ele só falou de você. Ele acha que o restante da banda é… Sei
lá.
— De garagem.
Ainda posso ouvir a voz de Ronnie naquele dia em que ela apresentou
— Então você está dizendo que ele quer que eu vá para o teste…
— Ele só quer você. Davey acha que você pode ser uma estrela,
— Não?
Não? Ela pergunta como se fosse óbvio. Não pode ir sozinho? Não
— Preciso de…
Abro a porta da van e salto para a grama. O ar fresco de maio atinge
— Eu entendo que é muita coisa para absorver — diz Paige, que saiu
Pelo jeito tem muitas pessoas por aí que pensam que sabem mais
dela. Fiquei tão envolvido com a história da banda que nem me dei conta
disso.
pareço patético.
mas… você tem alguma coisa especial. Percebi isso aquela noite do
as pessoas sentem isso também. Acho que é isso que faz algumas
pessoas…
— Me odiarem?
venha.
pode ser um herói, mas esta cidade nunca vai permitir isso.
Júnior, mais um Munson que deu errado. Todo mundo à minha volta
está fazendo contagem regressiva até que eu esteja numa cela de prisão
ou morto em uma vala. E, quando isso acontecer, todos vão falar que
— Vamos.
Estou voando.
decolagem e agora estou em meio ao vasto céu azul, e não há nada mais
Charlie Greene, que vai atravessar Indiana domingo que vem, é como se
cada parte da minha vida estivesse num precipício. Tudo agora é questão
coisa mais complicada do que o que vou comer no almoço. Mas em vez
disso…
Agora que não estou mais preso na Hawkins High, passo os dias com
quantidade de tempo que já passei com ele desde sempre, e está sendo…
sussurrando.
“Acho que ir para minha casa é uma opção ainda pior”, respondi.
“Talvez seja melhor ficar aqui mesmo”, disse ela, por fim.
duas da manhã, e meu pai me acorda por volta das sete para planejarmos
O segundo é que não tive tempo de dar a notícia — nem para Ronnie,
Parece que você está evitando isso, sussurra uma voz na minha
cabeça, que silencio rapidamente. Terei tempo para falar com todo
* * *
— Hã?
já deve ter anoitecido, por quanto tempo eu dormi? Sei que é um aroma
familiar… Mas não neste contexto, não na minha casa terrível e nesta
rua horrorosa.
— Isso é… cebola?
Meu pai está diante do fogão velho. Ele me bate com a espátula
mão.
que esta? Não podemos sair para a batalha com a barriga cheia de
de que nunca tive uma dessas. Mas o utensílio misterioso vem em minha
— Já vou!
cobrindo uma delas com três almôndegas. Quando ele está colocando a
almôndegas). Sento em uma das cadeiras, mas meu pai continua em pé.
Mas fico em silêncio quando meu pai coloca uma garrafa de vinho na
qualquer lugar.
— Está falando sério? — questiono.
de março de 1966.
mesmo através do plástico fosco. Estendo um dos copos para meu pai.
Ele estuda a bebida, como se encarar aquele líquido escuro por tempo
— Sim.
Aquele olhar pensativo do meu pai só ficou mais intenso desde que
ele se sentou, e agora se espalha pelo rosto todo. Ele levanta o copo, e
— Obrigado — resmungo.
goles de vinho. A bebida faz arder o céu da boca, é mais amarga que
— O quê?
Munson.
— Pai…
— O quê? Não… Não, não, não, não é bem assim… — Ele se afasta
amanhã, você vai sair desta cidade, vai para a Califórnia. E, com sorte,
mim pro meu pai, para que depois ele desapareça e leve uma parte
minha.
prenda aqui. Seus avós já se foram, sua mãe… Bem… E Wayne ficaria
feliz se nunca mais tivesse que olhar na minha cara. Então… E se eu for
com você?
— Aham.
— Eu…
Para ser sincero, não sei o que dizer. Jamais pensei que Al Munson
mudaria o rumo de sua vida por qualquer coisa que não fosse dinheiro, e
— Sei que você não quer seu velho te rondando, e tudo bem por mim
que não. É que tem muito trabalho em Los Angeles, até para alguém
como eu, então… O que você diz? — pergunta ele, tocando a borda do
espaguete?
— Sim — respondo antes que ele termine de falar, por cima de suas
últimas palavras. — Quer dizer, sim. Seria… legal. Se você quiser vir.
— Mesmo?
O sorriso que ele abre agora é ainda maior do que o sorriso mágico
— Mas está falando sério sobre não morar juntos, né? — indago.
Sinto que estou ficando vermelho e não tenho certeza de que é por
interromper a gargalhada…
… alguém bate na porta.
Outra batida.
— Bem, diz pra ele entrar e se servir ou dar o fora. Temos um grande
falar comigo?
Capítulo Vinte e Um
Eu não deveria ficar tão nervoso por ver minha melhor amiga, mas
também não deveria ter passado a última semana a evitando, então aqui
estamos. Abro um sorriso amarelo, como se isso fosse aliviar sua cara
cabeça para analisar cada centímetro do meu rosto amassado pelo sono.
Ele está nos dando espaço. Mas, diante de seja lá que raios esta
Hellfire Club.
— Você nunca falta ao Hellfire Club. Dougie pensou que você tivesse
buscas.
Dou de ombros.
você?
— Eu abandonei a escola.
— Você o quê?
mim.
— Higgins me disse.
— Não quer dizer que ele esteja errado. De qualquer forma, não tem
— Por que raios você abandonaria a escola se não fosse por causa das
notas?
O acordo que fiz com Higgins faz meu corpo inteiro pinicar. (Quando
cabeça.
— Você acha que minha presença faz bem para alguém naquela
escola? — pergunto.
— Estou falando… das surras que Gareth levava todo dia de Tommy
esquisito que eu carrego. Sem mim por perto, sem o Hellfire Club…
Você é o que ele tem contra mim. Você é meu ponto fraco. Você é o
Ronnie vai tirar essa história a limpo com Higgins. Vai colocar em risco
segredo pra ninguém. O que significa que tudo o que preciso fazer é dar
farol. Mas Ronnie nunca admitiu em voz alta, e é por isso que preciso
vê como uma Cinderela, indo dos trapos à realeza, abrindo caminho para
— Eu sei. Mas isso não importa para o resto das pessoas. Já criaram
uma narrativa para você, e é uma boa história, mas eu não faço parte
— E se eu me importar?
pensei que você era a única pessoa no mundo que tinha algo bom a dizer
futuro?
pergunta Ronnie.
Ela parece exausta, como se tivesse desabado inteira. Mas se ela não
— Você vai passar o resto da sua vida… esperando seu pai voltar
para casa, ou trabalhando num emprego horrível numa fábrica, que nem
o seu tio? É sério que você vai me dizer que vai ficar feliz vivendo
assim?
parece absorver a informação como uma esponja. Ela congela feito uma
— Aham.
— O chefe dela gostou da… da minha energia, sei lá. Sou exatamente
tudo correr bem, eles vão ter que descobrir, tipo… como me vender.
Dou uma risada, porque parece que alguém deveria rir disso, mas
continuo. — Quem diria que tem algo em mim que vale a pena, hein?
Ronnie continua sem dizer uma palavra. A conversa fiada já está
ficando chata.
vizinhos.
— Parabéns.
Caramba…
forma, Dougie já tem um emprego garantido com o pai, e Jeff ainda tem
— Aham.
— Eu sei.
— Eu…
eu não ficaria?
mim…
para ela.
— Eu disse que sentia muito pela Corroded Coffin. Mas preciso fazer
isso. Achei que fôssemos amigos o suficiente para que você não ficasse
nos olhos. — Você está abandonando o Hellfire Club. Está deixando que
única opção.
— Não traz, não! — grita Ronnie. — Sim, pois é, Tommy H ferrou
estivesse com a camisa, você acha que ele só ia andar de skate por aí,
intacto? Ele é esquisito, quer esteja com você ou não. E a única coisa
boa na vida dele é o fato de existir um lugar para ficar com outros
esquisitos.
Onde é que esses garotos vão parar? Quem é que vai cuidar deles?
mim. De mim. Eles acham que sou verdadeiro, e acham que isso é bom.
você. E você gosta dessa história também. É por isso que está doido para
escorraçado desta cidade, já sei minha decisão. Que droga, Ronnie, é por
isso que eu não queria te contar nada. Sabia que você não entenderia.
— Não dá. — Estou furioso. Nunca fiquei irritado com Ronnie antes,
nem quando ela me deu um fora. — Não dá para explicar como… como
é ser tratado por anos que nem lixo por todo mundo. E é ainda mais
difícil ouvir você me dizer que preciso permitir que continuem fazendo
isso.
— É isso, sim.
novo e ela tentasse impor sua vontade. — Estou dizendo que você está
pulmão.
— Você não acredita que eu vou conseguir. Acha que vou para a
fazer de capacho para todo mundo que quiser limpar as botas em mim?
descobri. No fim das contas, todos vamos precisar fazer isso, cedo ou
Já está fora daqui e não vai precisar nunca mais pensar nós, os ratos
falantes.
magoada.
me vendo pela primeira vez. Como se tivesse sido ferida pelo que
acabou de encontrar.
Mas tudo que eu disse sobre acabar com o Hellfire Club é verdade.
Assinto.
— Aham.
contar a novidade para o pessoal. Pode deixar que eu mesma faço isso.
— Garoto.
Ouço a voz do meu pai e reparo que não sei quanto tempo fiquei
parado nos degraus da entrada olhando na direção que Ronnie foi. Ele
Quanto será que ele ouviu? As paredes dessa casa parecem de papel.
— Você está bem? — diz ele, mas não parece uma pergunta. Parece
uma afirmação.
bem. Tudo para o que meu pai e eu nos preparamos, tudo que
mas não quero ligar o rádio para não me distrair e acabar perdendo
alguma coisa.
desistir.
Mas não estou cogitando virar caminhoneiro. Estou tentando roubar
ouvido.
esforçando para manter o ritmo lento, sigo pela via lateral, contornando
última hora de tensão está perdendo o efeito — o que não faz sentido.
ainda pior que as outras. Porque não importava o quão protegido fosse o
armados percebessem.
pneus…”, disse meu pai naquele dia, ticando os itens com os dedos, um
por um, como se fizesse uma lista de mercado. “Esses são truques fáceis,
no acostamento.”
Sentados à mesa da cozinha, havia um caderno aberto entre nós. Eu
Ele continuou:
só o suficiente para que eles parem e procurem ajuda… Mas sem dar
perda total.”
anel no alumínio.
Meu pai ficou sério. Dava para ver que não estava brincando. Ele
fácil sob a luz amarela da cozinha. Mas agora, suando de nervoso, acho
que eu gostaria de encontrar o Eddie que teve essa ideia e dar um soco
Mas tomei minha decisão semanas atrás, quando joguei sinuca com
E não preciso de sinal para saber qual seria a resposta do meu pai,
Havia dois carros na frente do caminhão das Fazendas Farris na fila para
mas preciso das mãos livres para carregar o garrafão de água de vinte
Fazendas Farris — tão perto que até eu, mesmo com a minha pouca
batem as portas.
Fico surpreso com a altura desses caras. Fiquei fantasiando com esse
Está frio, então não culpo o motorista por estar tremendo e puxando
o gorro de tricô até as orelhas. Não consigo ouvir o que ele resmunga
com o outro homem, mas o cara aponta com o polegar para a loja de
conveniência, então acho que quer entrar para pagar pelo combustível e
calças.
ele voltar para a cabine do caminhão por qualquer motivo, estou ferrado
lado de fora…
apesar das plaquinhas de proibição por toda parte, ele põe um cigarro na
boca e… acende.
disse:
“Há mais ou menos dez meses tivemos duas semanas de chuva forte.
Hawkins, logo abaixo da estrada, foi a parte mais atingida. Ouvi dizer
Street. Mas, assim que a chuva parou, tudo voltou ao normal, certo?”
“Certo.”
quase todo mundo que foi naquele posto acabou parado no acostamento
parar nos nossos carros. Tive que pagar um reboque até o mecânico, lá
centímetros…
lado, e é por um triz que consigo me segurar e evitar cair no chão. Por
outro lado, não consigo abafar o baque do meu ombro contra a bomba,
e…
Crrrr.
digo a mim mesmo. Então para de enrolar e faz logo o que precisa
fazer.
combustível aberto.
meu pai e eu fizemos juntos. Posto em Pine Village, quatro litros. Mas
litros. Fico ofegante vendo a água cair. Treinei esta parte servindo
— Hã?
caminhoneiros vão notar alguma coisa, alguma coisa errada, voltar com
o caminhão e meter uma bala bem no meio da minha testa. Mas o motor
garrafão com água entornando. Tento não pensar nos germes que podem
— Eddie?
dele.
— Estou, estou.
— Consegui — declaro.
— Eles te viram?
viram.
de sangue.
estava preocupado comigo. Sinto conforto nisso, mas uma parte de mim
Mágica ou não, foi nesse lugar que o telefone deve ter tocado alguns
“Depois que me ligar”, disse meu pai, ofegante por cavar mais uma
escolheu a pá sem nem mesmo tentar empurrar isso para mim, e como
eu não estava a fim de contrariar, coloquei luvas e peguei os estrepes
sem questionar.
estrepe na estrada.
estrada, cada posto de gasolina e poste. Era uma garantia extra. Mas,
Não que meu pai se deixasse desencorajar por isso. Ele fez um gesto
“E se tudo isso der certo? Quem vai atender o telefone sou eu. O que
significa que, se você não estiver ao alcance do sinal, vai ter que tirar
“A gente não sabe onde eles vão parar para abastecer”, protestei,
estado.”
Desde que brigamos, as palavras dela ecoam na minha mente nos piores
momentos possíveis. Astro do rock, escorraçado pela cidade. São todas
estática.
One-and-two-and-one…
Minha mãe ria, dançando comigo pelo carpete gasto. Eu ficava sobre
os pés dela, que me girava cada vez mais rápido, e eu dava risada
Mas Elizabeth Munson não está aqui agora, neste caminhão. Talvez
Gosto de rock porque fala sobre tristeza e sobre como a vida é uma
microfone do estúdio.
outra.
Até onde sei, as pessoas são definidas pelas histórias que contam
sobre si. E eu vou escolher uma história que não me coloca à margem de
Hawkins.
mim mesmo.
Eu foco o presente.
vez mais próximas toda vez que olho pelo retrovisor, e os nós dos meus
vermelho-azul-vermelho.
Então é isso, penso, confuso de pânico e distante. Sei como isso vai
acabar. Já estive nessa com o policial Moore muitas vezes. Ainda que
marcado. O policial vai acender a lanterna nos meus olhos, pedir meus
documentos e disparar várias perguntas sem sentido até que decida que
precisa revistar o veículo, e vai demorar bastante para fazer isso. Vou
ideia dura apenas uma fração de segundo. Por um lado, eu nunca seria
capaz de despistá-lo, não com esse caminhão gigantesco. Por outro, qual
Tudo o que resta a fazer é cerrar os dentes, ouvir a sirene aumentar cada
E continuo esperando.
Fico atônito por trinta segundos, observando, até que eles fazem uma
roubado.
É óbvio que aqueles policiais não deram a mínima para mim. Eles
não sabem que sou um Munson. Para eles, sou apenas um cara que
Hoje não tem espaço para Ronnie, Hellfire Club e nem mesmo Paige. Só
estrada.
pequena, mas se meu mapa estiver certo é onde consigo sinal para o
— Pai? Pai!
para me fazer pensar que algo horrível pode ter acontecido com ele.
tomar conta do lugar e pegou meu pai tentando entrar escondido. Talvez
os mecânicos não tenham saído. Talvez alguém tenha visto meu pai
Automotivos Topp 24h (para ajudar meu pai a lutar contra um exército
— Eddie…
— Pai!
É mesmo meu pai, sem dúvida. Mas a voz dele fica oscilando, com
ondas de interferência.
Isso me deixa de boca aberta, confuso. Não é meu pai. Não tenho a
— Hã?
palavra.
— … ligue…
Mas então o homem volta a falar, por cima do que meu pai estava
tentando dizer:
máximo.
faço uma curva e entendo. Mais à frente, tem uma equipe de obras
vejo luzes vermelhas e azuis de uma viatura da polícia. Foi por isso que
aquele policial passou correndo por mim: uma árvore caída derrubou
um cabo de energia.
transmissão.
— Vai ser uma noite longa — diz o policial. — Pode pedir a Jessie
para mandar…
interferência.
eles também podem nos ouvir. Vou precisar ser esperto. Pigarreio e
aperto o botão.
faróis de volta. Obrigado, policial. Esses não são os droides que vocês
asfaltado.
da janela.
de um reboque.
Capítulo Vinte e Sete
— Ainda bem que vocês deram sorte de enguiçar tão perto da oficina
— comento.
Sinto alguma coisa rígida que com certeza é uma arma enfiada no cós
arma contra mim forte o bastante para deixar um hematoma. Acho que
mas seu parceiro, Toby, fala pelos cotovelos. O homem é tagarela para
acho que ele não parou para respirar mais de duas vezes.
— … por isso que você nunca deve contar sua rota para sua
Só entendo por que ele não para de falar quando nos aproximamos do
letreiro gasto serviços automotivos topp 24h. Ele está tentando evitar
Tudo bem por mim, cara. Não quero saber mais nada sobre esses dois
como CJ está bem perto, dá pra ver que ele desaprova o estabelecimento.
graxa e óleo até os pulsos. Com o boné baixo na altura dos olhos, é fácil
Não passa nada muito interessante a essa hora, mas pelo menos deve ter
café quentinho.
monólogo.
Meu pai observa a cena. Ele ainda está no fundo da oficina, então não
dá para ver seu rosto, mas o jeito como passa a estopa na mão me diz
tudo que preciso saber. Ele está ansioso. Queria ter eu mesmo uma
ele não se moveu um centímetro sequer. Ainda está sorrindo para mim, e
não é que eu possa ver seus dentes no escuro, é que eles são a única
Não é que eu tenha tomado uma decisão, exatamente. Ela foi imposta
a mim.
— Legal — resmungo.
inspeção.
canto. Mas escuto um barulho, e algo me diz que ele já está lá embaixo.
— Parece que vão ter que abrir uma exceção — declara Toby.
Sinto algo bater no bico da minha bota. Baixo a cabeça e vejo meu
um sussurro.
— Dá um jeito.
— Então você vai ter que pensar em alguma coisa. A gente não se
Ele está certo. Sei que sim. Mas isso não significa que não queira
meus braços. Ainda bem que estou usando esse macacão idiota.
— Jerome disse que pode ser um problema com o cano de
caminhão.
parece não ter fim, uma eterna e inquebrável placa de aço. Não dá para
entrar no baú, a não ser pelas portas reforçadas que Toby e CJ estão
Mas ele não pode enrolar para sempre, e Toby e CJ não são idiotas. Uma
dando a volta. Vejo o fazendeiro das Fazendas Farris sorrindo para mim.
como não reparei nisto antes; está tão perto da parte maior da unidade
então não consigo entender. Mas, pelo jeito como CJ assente com
Fico surpreso. Acho que essa foi a maior quantidade de palavras que
tudo certo. Afinal, vocês não vão querer fazer mais paradas antes de…
Automotivos Topp 24h são fãs de jazz. Não seria minha primeira opção
confiar.
Capítulo Vinte e Oito
quando penso melhor. Cuidado, Júnior, digo a mim mesmo. Não estraga
cometer erros.
quer que seja por ainda não estar vazia. Confiando no poder de Grover
abrir.
rangido do metal. Mas, nos segundos que fazem meu coração disparar,
não ouço nada além do murmúrio contínuo da conversa entre Toby e CJ.
uma lona azul brilhante e amarrados com tiras de náilon, todos presos às
Antes que eu possa entrar em pânico por não saber onde fica o
— Obrigado.
Cenouras.
cheiro de terra. Mas, quando enfio a mão no caixote o mais fundo que
consigo, não sinto apenas a textura áspera e firme dos legumes frescos.
O que está na minha mão parece uma cenoura, mas qualquer olhar
Rick em sua casa bizarra, no que parece ter sido muito tempo atrás.
Nove quilos por quinze mil dólares. Fico olhando para o pacote na
minha mão. Quanto de maconha tem numa cenoura falsa? Quanto seria
— Estão dizendo que não muito, chefe. — Ele segura o telefone entre
Acho que podemos ganhar meia hora se pegarmos a I-70 por Ohio em
CJ faz um comentário que não consigo escutar, mas não posso perder
Pego mais duas cenouras, depois mais três. O estoque da minha bolsa
quando tento pegar mais uma, minha mão volta vazia. Não há mais delas
Olho para a bolsa de ferramentas. Será que aqui tem nove quilos?
… e passos.
olhar quem é, não quando ainda há uma sirene berrando bem debaixo do
qualquer evidência…
com o peso.
Será que ele viu alguma coisa? Não sei, e não é ele quem vai me dizer.
Pensei que não me incomodaria com um homem que fala tão pouco,
mas percebo que talvez isso se aplique apenas ao tio Wayne. CJ tem um
forma.
— Espera.
Não quero me virar. Há tantas coisas que posso ter deixado passar
abertura exposta? Será que minha terrível tentativa de fechar a lona fez
lado de fora. Como não sei onde meu pai está, eu mesmo desacoplo o
reboque.
como se nada tivesse acontecido, como se esta não tivesse sido a noite
embaixo mesmo?
as mãos sujas de graxa numa estopa. Ficamos lado a lado por um longo
momento, em silêncio, apenas observando a estrada até que o caminhão
silenciosa.
outro.
— Abracadabra — digo.
mais dinheiro do que jamais achei que veria. E está aqui dentro de uma
sacola de papel no chão da van entre mim e meu pai, balançando a cada
a resposta, por incrível que pareça, seria: não. Faz dois dias desde aquela
Meu pai apontou para o pulso para que Rick o observasse e, depois
“Tique-taque…”
Acho que nunca vou enjoar de ver dinheiro na minha frente. Por isso
fico me distraindo enquanto dirijo, e por isso meu pai enfim resolve
la fechada.
Não há dúvidas quanto ao destino da minha parte do pagamento.
Assim que deixo meu pai em casa, vou direto para o amigo mecânico do
Topp 24h.
barato ou caro.
eu apenas assinto, entrego uma pilha de notas de vinte e deixo que Greg
Esconderijo.
— Aham — digo. — Você, hã… não precisa mais fazer isso. Não é
necessário.
— Aham.
porta dos fundos. — Isso tem a ver com seu pai? Ou com aquela garota
dos brincos?
Dou de ombros.
— Tem.
— Obrigado, Bev.
Pensei que empacotar tudo fosse ser mais fácil do que pedir
demissão. Na verdade, pensei que fazer as malas fosse ser a parte mais
mudar para o outro lado do país… para sempre, talvez? A primeira coisa
que aprendi foi que sacos de lixo não servem direito para isso. Nunca me
brincando:
pilha de potes Tupperware falsificados que nem sabia que estavam aqui,
perguntando.
— … com você?
não estou dizendo para, tipo, a gente morar junto. Isso seria loucura.
Com uma travessa nas mãos, viro o objeto de um lado para outro,
olhando para ele inexpressivo, como se aquilo fosse uma bola de cristal.
esvai.
— Certo.
mudando de posição.
— Hum… Então — fala ela. — Meus pais vão fazer, tipo, um jantar
— Aham.
mais volta. Por dezoito anos, vivi como um eterno fracassado. Mas
agora vou deixar tudo isso para trás. Este é o nascimento de um novo
Eddie Munson — o cara que tem um futuro, o cara por quem as pessoas
Sempre imaginei uma mansão toda vez que Paige falava sobre sua
família ou sua casa, e não sei o que isso diz sobre mim. Mas, quando me
muito cara na outra. Começa agora. Nunca mais Júnior. Nunca mais
maçã podre. Paige quer um herói do rock, e é isso que ela vai ter.
— Desculpe.
— Hã?
Ela abre mais a porta, então vejo que não está sozinha. E que o
sorriso iluminado me atinge com tudo. Ela está radiante perto de Paige,
estampa de tartaruga.
O marido está atrás dela. Logo que a porta se abre, dá para ver que
Assim como a esposa, o sr. Warner não é um homem alto, com muita
boa vontade eu diria que tem um metro e setenta, mas é robusto e está
usando blusão surrado e calça jeans. Algo nele faz soar um alerta
Quase caio de alívio. Então isso que é tão familiar nele — ele é o
exato tipo de cara que eu via com o tio Wayne, bebendo em algumas
noites de sexta.
— Sim, senhor.
Paige arregala os olhos para mim. Socorro. Não faço a mesma coisa
porque, ainda que seja só o início, tem alguma coisa legal rolando entre
mim e os pais dela, e vou me esforçar para não colocar tudo a perder.
Ela toma o buquê das minhas mãos com tanto entusiasmo que eu fico
surpreso.
— Narcisos!
— Mamãe ama narcisos — explica Paige, revirando os olhos, mas
— Na despensa.
A sra. Warner solta um suspiro irritado e vai para o que, a julgar pelo
aroma de frango assado que vem de lá, deve ser a cozinha. Ela não larga
Ele assente. Tem os mesmos olhos escuros de Paige, e talvez por isso
algumas viagens curtas para trazer a comida do fogão até a mesa — uma
preparando para uma luta, para que as coisas tomassem o pior rumo
possível. Mas não foi assim. Imaginei que Paige e sua família morassem
numa mansão da Maple Street, me preparei para ter que me provar, para
me defender a cada segundo. Mas eles estão servindo vagem no meu
prato, enchendo meu copo com o mesmo refrigerante genérico que o tio
Pensei que as coisas nunca fossem ser fáceis. Mas agora que deixei o
suave.
Mark suspira.
— Não era para você estar aqui agora, pirralho — retruca Paige.
armários da cozinha.
acreditar em mim. Mas eu não faria isso. Ela estava superirritada hoje.
mesmo jogo das outras que estamos usando. Ele continua falando, mas
Abro um sorriso.
para perto da mesa — que vão fazer uma reunião na Primeira Igreja
novembro.
porque sei muito bem qual o rumo dessa conversa. Engasgo com um
pedaço de batata.
— Deixa de ser idiota — diz Paige para o irmão. — Não tem culto
nenhum em Hawkins.
— Como você sabe? — replica Mark. — Você não mora mais aqui,
— Eu não sou…
estava contando… e que deixou a mãe dele irritada. Eles se reúnem toda
semana e tal.
Hellfire Club foi quando Stan arremessou uma bola de elástico tão forte
para Jeff que quase fez o garoto bater as botas. Que o mais perto de
feitiços. E o Hellfire Club foi uma grande parte da minha vida desde que
Mas aquele era o antigo Eddie. O garoto que não tinha futuro na
escola, que espalhava sua podridão para quem quer que chegasse perto.
Mais uma vez, Paige está olhando para mim, confusa. E, mais uma
vez, não consigo retribuir o olhar. Em vez disso, observo a sra. Warner
para a sobremesa?
Capítulo Trinta e Um
Mal tenho tempo de buscar a van com Greg na manhã seguinte antes de
pelas rodas que estremecem bem menos desde que busquei a van na
— Que bom.
malas de mão. Afino minha guitarra e ensaio até meu pai dizer que vou
resolver…
Um dia virou dois, que viraram quatro, que viraram “droga, eu vou
ritmada. Bato duas vezes e então enfio as mãos nos bolsos do casaco,
olhando para o céu, para o chão, para qualquer coisa que não a porta.
Por fim, a porta se abre. Com uma bandana amarela amarrada nos
— Sr. Munson — diz ela por trás da porta, suas palavras frias como
gelo.
— Oi, vovó.
Ela não fez nenhum movimento de abrir a porta de tela, então decido
— A Ronnie está?
porta.
— Vovó… — começo.
E a menos que eu saia entrando e passe pela vovó e sua colher de pau
Murmuro alguma coisa educada que não dá para ouvir e saio. Passo
Munson de 1984.
Agora que acabei de estrear como criminoso, sinto que talvez deva
conversar com ele sobre isso. Levá-lo para uma loja e comprar uma
— Oi.
— Oi, Eddie.
Ele larga a revista que estava folheando, e eu vejo uma foto de flores
— Não, hum…
que o problema não era ter essa conversa por telefone — a verdade é que
— Eu queria… Hã…
uma vez. — Eu queria te agradecer. Por tudo que você já fez por mim.
— Me agradecer?
Sua expressão fica ainda mais preocupada.
— Por, você sabe… Cuidar de mim quando meu pai não estava por
— Bem, imagina…
— Falei que estava passando para dar um oi. Mas, na verdade, eu vim
dizer adeus.
— Vai viajar?
— Estou… de mudança.
— Isso.
mas ele nem tenta pegar de volta. Sua mandíbula está tensa, e dá para
— Califórnia…
— Aham.
Vou com meu pai. A frase está na ponta da língua, mas eu não ouso
falar. Sabe-se lá que tipo de reação essa informação poderia causar. Mas
mesmo com minha tática de mentir por omissão, dá para ver algo mais
— Ah, obrigado.
não quer.
juntar a mim, a rir de todos nós. Apenas uma família de gente ferrada,
— Então você usou o tempo livre para fazer turnos extras no bar? —
resposta, mas pelo menos não é uma mentira. — Tenho dezoito anos.
garganta segura minhas palavras, que morrem ali. Abro e fecho a boca
várias vezes, como um peixe sufocado. De repente, seu olhar fica mais
O que foi que ele disse da última vez que estive neste trailer, ouvindo
o eco de cada vez que ele fez a mesma pergunta — não para mim, mas
E agora ele está perguntando para o Júnior também. O que você fez?
Jogo as mãos para cima. Esta conversa não vai a lugar algum.
deixar tudo bem entre a gente. Mas se você quer mesmo ficar me
interrogando…
— Essa é uma escolha importante. Só quero que tenha certeza de que
— Eddie…
comprar.
— Tomara que sim — diz ele. E mais uma vez dá para ver que ele
policial Moore me visse, pela primeira vez teria motivos para fazer
alguma coisa além de vasculhar minha van numa busca sem sentido.
irritação, e quando paro diante de casa aperto o volante com tanta força
Ninguém pediu para ele se preocupar. Ninguém pediu para ele fazer
nada. Se quer ficar chateado, problema dele. Isso significa que vai se
Davey Fitzroy.
Ainda estou tentando conter a raiva quando saio da van, tão irritado
que minha visão turva. Deve ser por isso que só percebo os dois sujeitos
Abro a boca, mas não sei se é para gritar, avisar meu pai ou pedir
camisa. De repente, o pouco de voz que pensei que ainda tivesse some.
— Pai! — grito, como se isso fosse lhe dar tempo suficiente para
Desta vez, Toby e CJ não tentam me calar. Para eles, é suficiente que
eu saiba: eles estão no controle. E, não importa o que eu tente, nada vai
mudar.
esse gesto não quer dizer nada... vejo no seu rosto que meu pai está se
— Pode — replica CJ. — Pode nos dizer onde está a maconha que
vocês roubaram.
maconha rápido, talvez a gente até deixe um de vocês vivo quando tudo
isso terminar.
pânico. Gostaria de ser como os heróis dos filmes de ação a que Ronnie
Mas não tem nada de útil passando pela minha cabeça agora. Não
quando sei que CJ está armado, quando vejo meu pai apavorado. Na
verdade, a única coisa que consigo pensar no momento é que esta casa é
do meu cérebro, que estou histérico, mas isso não me impede de ficar
fora? Como é possível negociar com esses caras do lado de uma pia
Meu pai levanta as mãos, alto o suficiente para mostrar que estão
vazias.
CJ nem se mexe. Para não dizer que não fez nada, apertou ainda mais
o meu colarinho.
Munson.
— Vou começar com as más. Meu velho sempre dizia que é melhor
virem.
— Mas vocês ainda não me deixaram dar a boa notícia! Estão vendo?
É por isso que a gente deixa o doce pro final. Para tirar o gosto amargo
da boca.
Talvez tenham perguntado por aí. Talvez seja por isso que
CJ praticamente rosna.
Mas meu pai continua encarando Toby, e então percebo que ele está
está pensando. E essa é a última coisa no mundo que ele quer agora.
— Olha só… — diz meu pai, baixo e rápido, como se suas palavras
fossem apenas para Toby. — Não precisa ser assim. Que tal se eu te der
— Seu velho chamou você para esse trabalho e nem te disse por quê?
atrás dele.
— Tsc, tsc, tsc — diz Toby. — Bem, agora isso com certeza é
num mundo injusto. Não importa a história que ele te contou, não era
Não quero acreditar nisso, mas faz sentido demais para ser mentira.
mostrasse o rosto, mesmo ele sendo mais experiente. Tudo que ele sabia,
Talvez houvesse algum segredo, alguma razão altruísta para ele ter me
— Chega — diz.
altura do ombro do meu pai, e vejo que ele congelou no meio de uma
Entendido?
daria melhor arrumando tudo sozinho. E achou que fosse conseguir isso
estivesse ajudando meu pai a sair de uma enrascada. Achei que estivesse
Agora entendo que foi tudo um golpe. Uma estratégia para conseguir
esse tempo, ele não me viu como filho. Não fui nem mesmo um
usou, assim como usa todo mundo que é idiota o suficiente para confiar
nele.
Tem que ser você, Eddie. Foi o que ele disse na primeira noite em que
deu as caras e voltou para minha vida de repente. Pensei que isso
trabalho. Mas agora entendo que eu era a única pessoa que tinha sobrado
Toby acena, e CJ desaparece, indo para a sala. Meu pai não diz nada
repente a casa parece bem maior do que antes. Talvez haja espaço
Eu bufo.
— Ah, é? Quando?
Mas eu a ignoro.
Toby bufa.
Quer saber? Acho que você não disse uma só verdade desde que voltou.
Talvez nunca tenha sido sincero comigo, em toda a minha vida.
Estico o pescoço.
conseguir me sentir confiante para responder com uma voz que não seja
— Achei.
olhar de mim. — Deve ter mais ou menos oito mil aí. Vai ser mais do
que suficiente para me cobrir com o Charlie. Ou para encher seus bolsos
minha casa.
Isso, mais do que a fumaça no ar, é o que faz meu pai juntar as peças.
— Seu psicopata…
contas.
custaram respeito. Sabe quanto tempo vai levar para Charlie confiar na
Talvez meu pai tenha gritado alguma coisa, mas eu já estou passando
eu seria para ele? A esta altura, é evidente que estou mais para um peão
Incendiado.
Mal sinto o calor. A temperatura deve ter subido aos poucos enquanto
Meu primeiro instinto é fazer alguma coisa para deter o fogo que já
escuras crescerem e penso “minha casa, minha casa, minha casa”, como
Senti falta deles assim que entrei aqui. Transtornado, dei uma olhada
nos discos espalhados que CJ deve ter jogado no tapete antes de golpear
chamas, cada disco que minha mãe trouxe do Tennessee para Indiana,
cada música que ela ouvia comigo até tarde enquanto esperávamos meu
talvez dê para apagar o fogo, talvez… talvez seja possível evitar tudo
isso…
barato da parede, que cai todo de uma vez só, e uma onda de chamas
Preciso admitir que ele tem razão. A casa não tem salvação, e o fogo
Mas não é a mão do meu pai que aperta meu ombro e me empurra
inferno flamejante que era minha casa, vejo que meu pai também foi
empurrado por Toby. Nós dois somos jogados para o lado de fora.
— Achei que tinham acabado — reclama meu pai, virado para trás,
Mas Toby fica em silêncio. Sua mandíbula está tensa, e ele parece
estressado. Fico sem saber por que até que meu pai e eu somos
estou surpreso?
Capítulo Trinta e Três
— Boa noite, policial — diz meu pai, sorrindo como se isso pudesse
Toby e CJ.
Balanço a cabeça.
Dá para ver que Moore está pensando. O filho da mãe realmente está
ouvido, mas ao menos ele não está oferecendo nossa cabeça de bandeja.
Agora com certeza sinto o calor das chamas. O fogo vem em nossa
Mal posso ouvi-lo em meio ao rugir do fogo, mas fico arrepiado com
no meu cabelo e torcendo para não ver o que acho que estou prestes a
ver.
Moore está mesmo de pé, uma das mãos no teto da viatura e a outra
na cabeça. Chocado, ele observa a casa pegando fogo, a luz trêmula das
onde está, porque continua imóvel. Nem mesmo recuou. Estou prestes a
Não é a primeira vez que ouço uma arma ser disparada, nem mesmo
a primeira vez hoje. Mas é a primeira vez que vejo uma bala atingir
fogo ardente. Moore gira, cambaleia e cai, e o grito dele soa mais como
estar sentindo.
— Vamos.
olhos.
— Apenas agradeça por não ter sido o seu pai, garoto — diz CJ. —
Ou você.
respiração dele está ficando irregular. Seus olhos estão abertos, virados
Pânico? Choque? Vai saber. Esse não é o tipo de coisa que ensinam na
escola.
— Eddie — chama meu pai. — Não seja idiota. Temos que dar o fora
daqui.
— Munson?
Ele puxa meu braço forte o bastante para me fazer levantar. Ele não
— Pode, sim.
— Ele levou um tiro porque CJ atirou nele, só isso. O que você acha
chegarem?
típico.
vou ter como explicar a situação para Paige. Esse saco de bosta que foi
Ele já está recuando. Vejo algo brilhando em sua mão, e percebo que
são as chaves da van. Ele deve ter pegado quando me puxou para longe
cadeados... Deve ser a mesma coisa para roubos. Se sabe fazer um, com
meu pai.
Tento dar um sorriso digno dos Munson também, mas alguma coisa
faz meus olhos arderem, então o efeito não é o mesmo. Digo a mim
A luz das chamas ilumina o rosto do meu pai, fazendo com que ele
— É você quem está mudando os planos, Eddie — diz meu pai, por
vez.
como em todas as vezes em que ele saiu da minha vida, sou deixado
para trás e vou ter que catar os pequenos cacos que restaram.
Capítulo Trinta e quatro
Deveria estar surpreso por ter levado dezoito anos para acabar preso pela
primeira vez. Isso com certeza choca todo mundo. Porém, encarando a
“Policial atingido…”
“Ambulância a caminho…”
jardim. Não sei quantos policiais estavam por lá — poderia ser qualquer
coisas que passavam pela minha cabeça era que eu precisava continuar
afastando.
mim. “Acho que acertaram na altura do estômago dele… Será que ele
vai ficar…”
acontecer. Meu pai sabia que isso ia acontecer. Mas eu decidi ficar
policial Moore ainda está debaixo das minhas unhas e na minha calça
jeans. E como Hawkins não é grande o bastante para ter mais de uma
cela na delegacia, não há pia ou vaso sanitário na cela. Os bêbados que
acabam parando aqui precisam ficar na sujeira que eles mesmos fazem.
é arrancar meu rosto fora. Se um novo rosto nascer no lugar, talvez isso
faça de mim uma pessoa diferente. Uma pessoa que não seja
completamente ferrada.
— Oi, Júnior.
das grades. Pela primeira vez, não sinto a necessidade de corrigi-lo por
me chamar assim.
inalei.
instante para entender por quê, meus olhos lutando para enxergar em
— Achei que fosse precisar — diz ele. — Pega, meu braço está
cansando.
Vou até ele e pego o copo. Um gole desce pela minha garganta seca e
órgão vital. A perda de sangue não foi muito grave. Ele vai sair do
hospital mancando e com uma cicatriz, nada além disso. Ele está bem,
garoto. — Hopper faz uma pausa, como se buscasse pelas próximas
mais fundo.
alguém que não ficou no local. Um homem que se parecia muito com
você.
meter.
não tivesse nada a ver com a outra, mas ambos sabemos a verdade. —
Ele era alguns anos mais novo, mas eu o conheci. Todo mundo o
Não preciso de outro lembrete de como fui idiota por confiar no meu
— Já posso ir embora?
— Não sem pagar fiança — diz ele. — Sua casa foi incendiada,
esqueceu dos dois caras que atiraram em um dos seus policiais? Não
Mas, tão depressa quanto se dissipa, a névoa volta. Tudo o que posso
fazer é escutar.
você a ficar em Hawkins, não vou nem tentar. Mas devo dizer que, se
sumir, vai criar muitos problemas para si mesmo. Só vai fazer o que seu
pai teria feito. — O que ele fez. — E você não está preso. Por enquanto.
Talvez Hopper realmente tenha pena de mim, porque ele não me leva
aperto os olhos por causa da luz que entra pelas janelas. Em algum
— Não tente roubar nada, eu vou perceber — diz ele, abrindo a porta
para mim.
— Sim, senhor.
— Sim, senhor.
conferi.
Vou até a mesa. Não preciso olhar para saber que ele ainda está ali,
com a porta aberta. De olho em mim. Por que não estaria, afinal?
— Alô?
lista de merdas que já fiz. Em Los Angeles são três horas mais cedo,
— Não, eu…
— Minha nossa, são quatro da manhã. Por que está me ligando essa
culpa.
porta, trouxeram Júnior com eles. Não havia como escapar dessa sombra
agora, nem mesmo na Costa Oeste. Se eu tivesse fugido com meu pai,
nunca teria sido capaz de parar. Teria que passar o resto da vida me
esquivando da lei como meu pai faz. Como todo mundo nesta cidade já
mau gos…
— Caramba, Eddie!
de Paige.
— Não dá para simplesmente remarcar esse tipo de coisa. Você sabe
— Eu sei — repito.
Paige. — Isso faria com que conseguíssemos juntos. Você e eu. Uma
— Eu sei.
— Então onde você está? O que é mais importante do que vir para
Los Angeles?
Trinco os dentes.
— Importa?
— Importa porque não foi esta a história que você vendeu para Davey
Fitzroy.
— Não é is…
preso?
Mas é tarde demais. Já estou sendo babaca. Venho sendo babaca esse
— Vai se ferrar.
Droga. Esqueci que ele estava aqui ouvindo todo esse desastre.
Não tenho ideia de quanto tempo passo odiando a mim mesmo. Por
Desta vez não é Hopper. Da porta aberta, outro policial franze a testa.
É o Powell, eu acho. Quase certeza de que ele já prendeu meu pai pelo
Sem dúvida, essa é a última coisa que eu esperava ouvir, então fico
movendo.
— Mas…
aqui, não é? Estraguei tudo. E pessoas que fazem merda vão para a
— Obrigado — sussurro.
virou cinzas, meu pai está sabe-se lá onde. Não tenho dinheiro, não
tenho trabalho, não tenho para onde ir. Talvez dê para morar na minha
van por alguns meses, mas primeiro preciso descobrir onde meu pai a
largou…
— Oi.
— Oi — digo.
A picape do meu tio está nas últimas há mais de dez anos. Wayne sai
painel. Não quero arriscar olhar para fora, porque isso pode significar ter
assento, olhando para a caçamba. Em parte cobertas por uma lona, vejo
nada.
Não sobrou nada. Todas as músicas da minha mãe, que eram suas
É
Wayne me olha de soslaio. É um olhar triste, mas não de pena. Eu me
endireito.
— Não.
sente assim. Uma mágoa pelo irmão, uma dor mais antiga que a minha.
— Não estou dizendo que você tem que ficar aqui — começa ele. —
Não quero que pense que estou… te forçando a fazer isso. Mas… — Ele
— Ele foi ferido porque Al é idiota demais para saber quando seu
me limpar.
de aquele sonho ser incinerado, assim como a minha casa. Assim como
eu estava lá. É tudo que precisam saber: Eddie Munson estava lá. Mas é
enxergassem, para que vissem meu valor. Mas, não importa o que eu
espera pelos meus erros. E elas estão certas. Eu estrago todas as chances
que tenho. E no fim sou igualzinho ao meu pai. Na verdade, sou pior do
Preciso calar a boca para ouvi-lo, e talvez esse seja o objetivo dele.
vou discutir isso. É por isso que ele não ficou para limpar a bagunça que
ele mesmo fez. Por isso que ele nunca fica. Mas você, não, Eddie. Você
está aqui. Você fez a coisa certa. Isso não é coisa de fracassado.
a gente não foi feito para caber nessas caixinhas, não até que a gente
— O fogo não pegou nela. Achei que você ia querer ficar com a
guitarra.
— Obrigado — sussurro.
ziguezagueando por cada canto do meu cérebro. Não sei o que fazer com
— Sobre o quê?
cheguei lá.
Califórnia.
Com certeza importa, ainda mais quando é preciso saber o valor para
cobrir a fiança.
— Parece que nem todo mundo acha que você é culpado — observa
sobrenome Munson.
Capítulo Trinta e Seis
seja rigoroso — desde que eu trouxe minhas coisas para cá, ele não
impôs nenhuma regra de convivência. Mas ter alguém por perto o tempo
a poder fazer o que quisesse a hora que quisesse. E não era muito
Munson nunca me viu como filho. Ele me via mais como colega. E não
verduras. Mas desistiu disso bem rápido, ainda mais depois que as
ensaio com a Corroded Coffin. Mas agora não tenho nada para fazer.
O delegado Hopper veio aqui duas vezes, uma com o policial Powell
sair.
estrelas. Tento afastar sua voz da minha mente. Ela não retornou nenhum
encontrar.
É em uma dessas noites insones que decido fazer alguma coisa. Tive
Espiando por ali, vejo meu tio debruçado na mesa. Há alguma coisa
acolheu. É o único que está do meu lado. Não posso ficar aqui perdendo
tempo enquanto ele vai à falência. E, mesmo que ninguém nesta cidade
uma caneca com algum líquido quente que exala vapor em seu rosto.
minuto?
limpa, mas quem tem tempo para se preocupar com uma besteira dessas?
— O que te traz aqui? Ouvi dizer que você saiu da cidade com seu
pai.
perdeu a orelha.
É
— Não, não — digo. — Continuo em Hawkins. É por isso que estou
aqui, na verdade.
Fico surpreso.
dinheiro.
panelas jogados, mas Rick parece saber onde procurar. Ele puxa uma
— Como funciona?
e trago para cá. Então você compra de mim o que achar que consegue
distribuir, e daí pode vender pelo preço que quiser. Não fica me devendo
— Bem, sim. Isso aqui não é uma pizzaria delivery. Não vou te pagar
Rick levanta a cabeça, e vejo seus olhos vermelhos. Talvez ele tenha
negócios.
de comprimidos com que meu pai ficou brincando quando vim aqui pela
primeira vez.
— Expandir tipo…
— Com certeza, cara — diz ele. — Esses têm muita saída também.
Muita gente nesta cidade gosta de ter esses camaradas por perto.
Mais uma pequena peça do quebra-cabeça se encaixa, ainda que eu
não saiba o que fazer com ela. Mas até que eu descubra…
Sorrio.
segundo para levantar o rosto, deixando que a luz aqueça minha pele. Eu
rio… Há uma casa de barcos mais à frente; dá para ver por entre as
Algum disco antigo do Ray Charles está tocando, alto o bastante para
abafar o som dos meus tênis no carpete rumo aos fundos da loja.
racional sabe disso. Já deveria ter alcançado a saída desse buraco escuro
em que eu mesmo me joguei. Afinal, tenho onde morar. Logo vou ter
dinheiro entrando e vou poder ajudar meu tio. Estou dando pequenos
passos. Mas a tempestade ainda paira sobre mim, tão intensa que mesmo
o porquê.
Posso estar dando pequenos passos, mas não sei em que direção. Não
San Quentin como meu pai. Não serei um astro do rock bronzeado pelo
sol da Califórnia. Então onde Eddie Munson vai parar? Vai ser um
traficante de cidade pequena para sempre? Isso também não me parece
bom.
Se permita ser você mesmo, disse tio Wayne. Mas como vou saber
quem eu sou?
Ouço o sino da porta soar e dou uma olhada em quem está entrando.
Se for alguém que vai me trazer problemas, é melhor eu sair antes que
escola. Jonathan Byers. Ele estava procurando pelo irmão mais novo que
olhos pela loja, o garoto cruza o olhar com o meu por um instante. Seu
irmão.
— Sr. Byers — diz Jerry quando os garotos vão até ele. — Esperei
Desculpa.
— Obrigado.
loja, perto de onde estou. Volto o olhar para os discos na minha frente,
cortinas.
Will vai até os discos no canto da loja, passando sem prestar atenção
porta tilinta mais uma vez, mais alto do que quando os Byers entraram.
mais rápido.
Will pensa a mesma coisa, porque vejo seus ombros ficando tensos.
Will está bem na entrada. O que significa que ele é o primeiro na mira
zumbizinho?
Club ser arremessado numa lata de lixo. Ele está se preparando para
— Talvez de larvas.
outro garoto. Ele tem algo na mão, que joga para cima e para baixo. Uma
— Merda — murmuro.
do Muddy Waters, que nunca mais vou perder de vista. Saio dos fundos
— Eu sabia que atletas eram idiotas — digo num tom gentil, como se
eles fossem burros —, mas pensei que pelo menos sabiam identificar um
Os atletas ainda estão perto de Will, mas é para mim que eles olham
— Vou dar algumas dicas para vocês, está bem? Pensem em… céu.
galhos.
loja. Eles que se danem. Pela primeira vez, sinto a frase tomar conta de
em mim, então.
pontada em algum lugar por trás de toda essa coragem. Esses garotos são
saber desse embate mais cedo ou mais tarde, e se contar para Paige o
Mas estou agitado, um fogo infernal ainda corre nas minhas veias, então
raiva.
— Seu esquisito!
— Ei!
Não ouvi o barulho da cortina de miçanga, mas vejo Jerry parado nos
fundos da loja, a cortina ruidosa atrás dele. Jonathan está do lado, com
um disco do The Smiths na mão. Parece prestes a sair correndo pela loja
estiverem fora daqui quando eu chegar lá, vou ligar para a polícia.
Sem aviso, ele vai até a mesa, mas não é necessário. Os dois garotos
— Dane-se — murmura.
Então ele se vira, abrindo a porta com força o suficiente para tremer a
parede. O amigo vai junto. Um olhar cortante para mim é seu único
adeus.
Não sei se fui incluído na ameaça de Jerry, mas fico na loja. Estou
ombros, os braços.
— Estou bem.
— Mesmo?
— Obrigado — diz.
finalmente.
— Aqueles caras são uns babacas — comento. — Não liga para eles.
dizer isso há muito tempo. — É todo mundo! Todo mundo olha para
se danem.
— Mas…
não te define. Na verdade, isso só diz muito sobre eles. Afinal, só você
ouvi.
minhas palavras. E vai continuar assim por mais um tempo — esse não é
— Ah, é?
nem hora para começar meu negócio: — Ah, Jonathan! Espera aí.
Ele fica chocado demais para alguém com aquele corte de cabelo.
sabe quem é.
E, pela primeira vez, acho que tenho uma ideia de quem essa pessoa
deve ser.
Capítulo Trinta e Sete
corredores da escola.
consegui suportar.
— Hum.
rematrícula?
Ela não responde, mas dá uma olhada para o lado onde fica, para a
— Maravilha.
Dou a volta na mesa dela, indo até a porta fechada da sala do diretor.
meu corpo.
— Tenho certeza de que ele tem tempo para mim — declaro, sem
hesitar. — Afinal, seria rude da minha parte visitar e não dizer oi.
seu diretor camarada diz o cartaz colado na porta que eu odiei com
meio.
qualidade duvidosa.
escapar um palavrão.
— Munson.
— Não sei se você está ciente, mas egressos não podem circular pelo
— Não.
Devagar, vou até ele e paro ao lado da sua mesa para que tenha que
me encarar.
— Quantas vezes vou ter que te dizer? Não sou criminoso. Pode
nunca.
Ele se levanta, e por um segundo eu penso que vai vir para cima de
mim.
o preocupe e ainda assim você queira seguir com seu clubinho, não há
acabou.
Hawkins High.
Como você disse? Apelar para o seu caráter? Mas dá para ver que você
tirou a carta da mãe do Stan dali semanas atrás, um frasco azul brilhante
estou pedindo que você mexa nas minhas notas, nada disso. Só que seja
responsável pelo Hellfire Club. E fique sabendo que, se não aceitar essa
e nas igrejas da cidade vão saber disso. E aí sua reputação vai acabar.
Não sei para você, mas isso não me parece muito divertido, né?
fecho. — Você perguntou por que eu quero voltar para a escola, senhor.
Quero voltar porque você acha que eu não consigo. — Dou um aceno.
quando eu chego, mas nem é preciso ter uma audição aguçada para
Abro a porta.
jogaria-uma-bomba-bem-onde-você-está (Gareth).
olhos.
Pigarreio.
— Vocês não vão se livrar de mim assim tão fácil. Não mesmo —
— Você vai liderar o Hellfire Club ano que vem? — pergunta Jeff.
mas…
— Eu… acho que isso está nas mãos de vocês — declaro. E me forço
estimula a continuar:
Fico confuso.
Gareth, com um tom seguro. Ele não olha para mim, está concentrado
É a primeira coisa que Ronnie diz desde que entrei na sala, e suas
— Higgins disse que vai fechar o clube ano que vem — comenta
Gareth.
agitado que pensou que sua vida acabaria junto com a de Illian, o
Invencível.
um pouco.
Mas sei que o orgulho não vai me fazer cruzar a linha de chegada.
uma coisa. Nunca, nunca mais vou abandonar este grupo nem ninguém
que faça parte dele, nunca mais. — Respiro fundo, trêmulo, e me esforço
para me conter. — Então, o que vocês dizem? Tem espaço para mais
um?
— Você nem vai estar aqui ano que vem, Dougie — replica Jeff. —
cruzados.
— Calouro? Gareth?
Ele volta a olhar para a mesa, para o anão desenhado em seu caderno.
É um tempo bem curto para uma sessão do Hellfire Club. Acho que
Dougie não limpou o quadro de giz tão bem. Mas como acabamos de
nos entender e foi uma situação delicada, não falo isso em voz alta. Só
Assinto.
Balanço a cabeça.
desculpe.
— Eu sei — admito.
diretor Higgins… Mas agora tudo que quero é sair correndo e sumir.
esqueci que tinha, sim, alguém comigo. Você viu valor em mim, em
quem eu sou. Eddie Munson. Não achou que eu era um… herói do rock
idiota por demorar tanto para juntar essas peças, mas agora entendo
muito bem…
— Ai, minha nossa, não vai dizer que está apaixonado por mim…
— Eu ia dizer que… que sei como você é importante para mim. Você
— Mas eu não posso mais fazer isso, Eddie. Você deixou bem claro
formar uma hora ou outra. E até lá, vou continuar por aqui. — Mexo na
bainha da jaqueta. — Não vou deixar que ele esteja certo sobre mim.
Não vou deixar isso acontecer. Não importa quanto tempo isso leve.
Ronnie assente.
— É isso.
abrir um sorriso.
Ronnie não sorri de volta. Ela fica pensando por um longo momento,
— Eu…
— Ei, esquisito!
Viro o rosto para olhar. Vem do corredor, e vou até a porta antes de
me dar conta do que estou fazendo. Quando entrei na sala da sra. Debbs,
verão. Mas agora há poucas pessoas, que estão limpando o fundo de seus
cabelo ensebado usando uma calça jeans com a barra bem curta.
mim.
— Eu sei.
— Aham.
Ronnie pigarreia.
— Ei, Eddie… Você não precisa ser exatamente o Clark Kent para
olhares raivosos.
fininho. Depois de passar por mim, ouço o som dos seus tênis quando
“Mas será que não vai ser mais doloroso se você fizer isso aqui…?”
trabalhado com vocês nisso. Matt e Ross: muito obrigada novamente por
fazer o que faço e a razão de eu poder fazer o que faço. Amo vocês.
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