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DISCIPLINA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Construção do Conhecimento em Psicossomática; Reflexão Crítica.
Neurociência (NEC 5763).

INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA USP

DOCENTE: PROF. DR. AVELINO LUIZ RODRIGUES

Journal of Psychosomatic Research, Vol 11, pp.3 -9.

Pergamon Press, 1967.

Engel, G. L. The Concept of Psychosomatic Illness.

Tradução:

O CONCEITO DE DESORDEM PSICOSSOMÁTICA

George L. Engel

Ser convidado para dar o tom básico deste encontro na presente distinta

Sociedade é sem dúvida uma grande honra pela qual me encontro

profundamente grato. Gostaria de aceitar, no entanto, não em meu nome,

pessoalmente, mas no nome também dos meus colegas de Rochester, cujas

contribuições e idéias desempenham um papel significativo no meu próprio

modo de pensar e de trabalhar.

Ser convidado para discutir o conceito de transtorno psicossomático é

um desafio, o qual duvido que possa alcançar com sucesso. Digo isto não

como uma expressão de modéstia inconveniente, mas mais propriamente

porque nesta fase do desenvolvimento da disciplina medicina psicossomática

ainda não temos bases sobre as quais adquirem conceitualizações seguras e

aceitáveis de maneira geral. Ainda nos encontramos forçados a lidar com


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amplas generalidades, frequentemente clichês ou mais declarações de fé,

sendo que a aceitação de qualquer conceito frequentemente depende mais dos

sentimentos dos seus proponentes do que da certeza da sua base científica.

No momento há quase tantas conceitualizações quantos forem os

conceituadores. Há aqueles que defendem que todas as doenças são

psicossomáticas, aqueles que defendem que apenas algumas o são, e aqueles

que defendem que nenhuma doença é psicossomática. Temos conceitos

ecológicos, sócio-culturais, conceitos de stress, conceitos psicogênicos,

psicanalíticos, conceitos Pavlovianos e conceitos neurogênicos. E até mesmo

dentro de cada uma destas posições encontramos discordância. E assim, para

aderir a esta confusão de línguas e ter a expectativa de conseguir clareza ou

certo consenso, parece-me sem dúvida um exercício de futilidade.

Da mesma forma, minha inclinação é mais propriamente considerar as

origens desta confusão do que tentar resolvê-la. Sob o meu ponto de vista ela

se origina de dois fatores: a imaturidade e a complexidade fundamental de

nossa disciplina.

Que a psicossomática encontra-se ainda na sua mais tenra infância, não

há necessidade de enfatizar. Trata-se de um lactente tentando extrair alimento

de qualquer seio científico disponível. E tal como a criança de peito, sabe

apenas o que está na sua boca, embora quase nada sobre a ciência nutridora.

Faz-se necessário ainda que a psicossomática alcance simplesmente, a sua

própria autonomia. Embora as ideias psicossomáticas possam remontar a mais

remota antiguidade, o primeiro trabalho sério teve início somente após a

Primeira Guerra Mundial, sendo que a data do seu estabelecimento como

disciplina pode ser atribuída à data da formação da American Psychosomatic


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Society (Sociedade de Psicossomática Americana) em 1939. Desta maneira,

há menos de 30 anos que a medicina psicossomática é representada por uma

sociedade científica com um periódico próprio. Existem agora duas sociedades

nos Estado Unidas com alguma sobreposição de membros associados – a

American Psychosomatic Society, que é mais representativa daqueles

engajados em pesquisas, e a Academy of Psychosomatic Medicine que é mais

representativa dos profissionais liberais médicos. Esta sociedade, acredito, é a

maior e mais ativa neste lado do Atlântico, sendo que ainda existem

sociedades no continente europeu, assim como no Japão. Portanto, trata-se

certamente de muito pouco tempo de tal forma que ainda não se realizaram

fóruns para intercâmbio científico, quase uma geração apenas.

O meu próprio engajamento neste campo compreende este período,

uma vez que meus primeiros interesses surgiram em 1939 por Eli Moschcowitz,

um clínico psicossomático pioneiro, quando eu era interno no Mt. Sinai Hospital

na cidade de Nova York. Ainda que não tivesse me alinhado intencional e

deliberadamente no campo por três ou quatro anos, foi um período durante o

qual trabalhei como especialista em doenças internas em uma relação

intelectual estreita e revigorante com uma série de pessoas que

subsequentemente se tornaram destacadas no campo psicossomático. Entre

elas incluiu-se Sidney Margolin, então um residente em neurologia no Mt. Sinai,

com quem publiquei meu primeiro trabalho sobre mudanças no EEG

(eletroencefalograma) em doenças orgânicas e desmaio; Soma Weiss e John

Romano no Peter Bent Brigham Hospital em Boston; e depois Eugene Ferris,

Arthur Mirsky, Charles Aring, Milton Rosenbaum e John Romano em Cincinnati.

Éramos todos jovens, entusiásticos, e nenhum de nós profundamente


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comprometidos, como agora, com uma posição doutrinária ou ao menos com

uma única disciplina. No grupo de Cincinnati cada um de nós, desde o começo,

tínhamos raízes em mais de uma disciplina, incluindo entre nós bioquímica,

fisiologia, medicina interna, neurologia, psiquiatria e psicanálise, sendo que

antes de nos dispersarmos após 1946 obtivemos êxito em adquirir clara

compreensão e respeito pelas maneiras diferentes que os problemas podem

ser abordados. Minha principal orientação e identificação durante aqueles sete

primeiros anos foram em medicina interna, fisiologia e neurologia, sendo que

quando vim para Rochester me estendi também na psiquiatria, psicanálise e

desenvolvimento infantil, o que incluiu cinco anos de associação estreita com o

grupo psicanalítico de Chicago, Alexander, French, Benedek e seus colegas.

Ofereço esta crônica pessoal como introdução para o ponto seguinte, a

saber, a complexidade fundamental deste campo. Eu sustento que elegemos

como objeto de estudo o campo mais complexo de toda a medicina. Não há

qualquer outro campo no qual é necessário incluir sob sua égide todos os

aspectos da vida e do viver, desde os ambientes sócio-cultural e físico, até o

mais puro componente do meio interno. Não é de todo surpreendente que

poucos entram neste campo e menos ainda perseveram nele por muito tempo.

Aqueles que ficam inevitavelmente polarizam em uma ou outra perspectiva

subsidiária em torno da qual procuram conceitualizar. Mas infelizmente

pertence à natureza do animal humano o fato de que cada um, do seu próprio

ponto de vista, tende a olhar antes para aquilo que está errado sob a

perspectiva do outro colega do que para aquilo que poderia alargar e ampliar o

seu próprio ponto de vista. Agora, no momento em que olho para trás sobre

esses 25 anos, torna-se óbvio que há mais complementaridade do que conflito


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entre tais maneiras de ver, alegadamente irreconciliáveis, como os perfis de

personalidade de Dunbar, os conceitos psicossociais de Halliday, os conceitos

de especificidade de Alexander, as teorias de stress de Wolff, Groen, O’Neill e

outros, a hipótese de atitude de Graham, a teoria de campo de Grinker, a

perspectiva ecológica de Hinkle, e os conceitos de abandono do grupo de

Rochester, para mencionar somente alguns. Acontece que, por acaso, cada

grupo escolheu para sua atenção uma faceta diferente deste complexo

sistema. Todos esses enfoques tem mais do que um núcleo de verdade,

especialmente quando alguém toma conhecimento, em cada instância, dos

materiais e métodos empregados, das circunstâncias sob as quais os dados

foram obtidos e em quais conceitos foram baseados. Eles padecem,

principalmente, da tendência de cada trabalhador generalizar prematuramente

e excessivamente para além do seu próprio material, embora seja frequente

que tais excessivas generalizações provenham mais dos seguidores e críticos

do que do próprio pesquisador, que quase sempre é muito mais modesto e

circunscrito em suas reivindicações.

Da forma como pondero a tarefa envolvida na obtenção e validação de

um conceito de doença psicossomática, parece-me que se encontra envolvida

aqui a mesma ordem de complexidade que foi seguida para o desenvolvimento

e validação da teoria da evolução. Certamente precisamos do nosso próprio

Charles Darwin que dará inicio ao equivalente psicossomático da viagem do

Beagle. Tal homem provavelmente não será produto de um programa de

treinamento especial. Quando Darwin embarcou na sua famosa viagem ele mal

poderia ser considerado qualificado em alguma disciplina, mesmo dentro dos

vagos requisitos daqueles tempos. Suas observações se estenderam aos


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conhecimentos sobre geografia, geologia, metereologia, zoologia, botânica,

ecologia, taxonomia, comportamento e antropologia, sendo cada um deles

pertinente aos seus anseios, não como fins em si mesmos. Esta capacidade de

manter uma perspectiva e encontrar inter-relações entre sistemas de referência

tão diferentes é que vem a ser a marca do gênio. Darwin não somente deu o

salto indutivo, mas em seguida também passou décadas construindo o

argumento principal para embasar sua teoria. Antes dele, outros chegaram

perto de formular uma teoria da seleção natural, mas somente Darwin foi capaz

de ordenar as evidências a partir de todas as abordagens disponíveis naquele

momento. Nosso Darwin psicossomático terá que seguir o mesmo percurso.

Na sua juventude terá que circunavegar o globo da saúde e doença, tomando

nota dos fenômenos em termos de epidemiologia, ecologia, antropologia,

sociologia, teoria da informação, etologia, psicologia, neurobiologia, fisiologia,

bioquímica, patologia, genética e assim por diante, mas sem comprometer-se

com alguma disciplina em particular. Terá então que processar espécies de

dados restritos que cada um de nós vem agregando, acrescentar suas

observações originais e assim como seu ilustre predecessor, deduzir uma

teoria unificadora e apresentar os dados que a sustentam. Uma vez que um

inovador científico demonstra a aplicação da sua observação e experimento

para a derivação de uma teoria geral, então novas observações e experimentos

para testar e expandir essa teoria são prontamente gerados. No momento a

falta de alguma tal teoria baseada em fatos bem documentados e

cuidadosamente ordenados mantém nosso campo fragmentado e dividido.

Muitas tentativas de formular uma teoria geral, como as primeiras formulações


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da teoria da seleção natural, foram baseadas em fatos novos e em grande

quantidade de especulação.

Enquanto isso, temos que nos ater ao melhor que pudermos, procurando

iluminar os pequenos cantos obscuros que selecionamos para nós, esperando

que possamos derramar luz suficiente para dar uma olhada sobre alguns

cantos adjacentes. Devemos prestar atenção na linguagem que utilizamos, por

uma questão de escrúpulo, em virtude da necessidade de definir nossos

termos com a esperança de que possamos nos comunicar com nossos colegas

que trabalham em outros cantos. Tomemos por exemplo, a palavra

“psicossomática”. Acredito que esta veio para ficar e precisamos tentar chegar

a um acordo sobre a maneira pela qual estamos fazendo uso dela, em vez de

continuar a dar importância exagerada para sua derivação original. Alguns

reclamam que a palavra separa “psique” de “soma”; alguém poderia dizer da

mesma forma, que ela agrega esses termos! Mas, do mesmo modo que várias

outras palavras em medicina, como histeria, neurose, anemia perniciosa e

lúpus eritematoso, seu significado não precisa manter alguma relação com a

sua derivação original. Permitam-me chamar a atenção para o fato de que a

palavra psicossomática é um adjetivo, o qual, de acordo com o dicionário, é

“uma palavra usada para limitar ou qualificar um nome” (substantivo). Em

relação a qualquer substantivo ao qual seja aplicado, o adjetivo não faz nada

além de identificar o nível ou o locus da organização biológica que está sendo

considerada, a saber, a interface entre os processos psicológico e somático.

O adjetivo psicossomático em si mesmo não implica causalidade ou

mesmo direção, mas sim as várias relações que realmente existem entre

mente e corpo, entre fenômenos e processos observáveis, em termos


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psicológicos, e entre aqueles observáveis em termos físicos, somáticos. Quer

a abordagem básica seja de ordem epidemiológica, sociológica, psicanalítica

ou bioquímica, a inclusão da palavra psicossomática é meramente um modo de

anunciar que o foco de atenção é na sua interface. Então, se usada desta

maneira, as expressões entre “medicina psicossomática”, “pesquisa

psicossomática”, “ensino de psicossomática”, “instituto de psicossomática” e

até mesmo “bioquímica psicossomática” ou “psicologia psicossomática” fazem

sentido. Mas o termo “transtorno psicossomático” (ou doença) é enganoso,

pois implica uma classe especial de desordem de etiologia psicogênica e por

inferência, portanto, a ausência de uma interface psicossomática em outras

doenças. No passado, tal tendência, baseada em conceitos disponíveis, como

a teoria da emergência de Cannon e a teoria da libido de Freud, limitou

seriamente as categorias de transtorno consideradas pertinentes para a

investigação sob a perspectiva psicossomática. [1]. Rigorosamente falando,

não pode existir “doença psicossomática” assim como não podem existir

“doenças bioquímicas” ou “doenças fisiológicas”. Mais propriamente, as

doenças apresentam seus componentes ou aspectos psicossomáticos,

bioquímicos e fisiológicos. E se concordarmos com uma ampla definição de

doença, como referência a uma variedade de deficiências do organismo a

serem ajustadas por períodos curtos ou longos às mudanças do meio ambiente

interno e/ou externo, então a abordagem psicossomática encontra-se

interessada nas maneiras pelas quais os fatores psicológicos e somáticos

interagem no todo da sequência dos eventos que constituem uma experiência

particular de doença [2]. Note-se que fiz uso da palavra relativamente neutra,

“interagem”. Aqui desejo dar ênfase, como Ader tão lucidamente discutiu, tais
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interações podem se dar em ambas as direções: podem sofrer uma influência

favorável tanto quanto desfavorável no ajustamento do organismo, podem

alterar ou somar-se ao fenômeno caracterizando uma doença sem influenciar o

seu andamento [3]. Além do mais, tais interações não tem fim, cada efeito

levando a outro em infindáveis feed-backs positivos e negativos. Como

médicos, é natural que nosso interesse se volte especialmente para as

interações patogênicas embora esta propensão profissional não deva nos

tornar cegos para outras espécies de relações também importantes para a

compreensão da doença. O uso generalizado do termo transtorno

psicossomático (ou doença) é um reflexo desse preconceito.

Para ilustrar esta colocação apresento dois exemplos resumidos de

nosso próprio trabalho. No estudo de Monica, a criança de um ano e meio de

idade com fístula gástrica, demonstramos que a secreção gástrica de ácido

clorídrico estava relacionada com a intensidade de interação com o

pesquisador [4]. Quando Monica estava se relacionando ativamente com

prazer, ou mesmo com raiva, a secreção gástrica aumentava, como acontecia

também quando estava unida com o pesquisador. Por outro lado, quando ela

se encontrava sem fazer nada, inclusive quando dormia, a secreção ácida

baixava, sendo que de maneira mais surpreendentemente, isto ocorria, na

profunda reação de retraimento que apresentava diante de um estranho. Hoje

estas descobertas parecem estar de acordo com o clássico conceito

psicanalítico de oralidade, no qual aquela relação objetal primitiva é modelada

nas primeiras experiências de cuidados e amamentação, sendo que os objetos

externos são tratados como se literalmente tivessem que ser ingeridos. Diante

da veemência destes dados e desta teoria prognosticamos que, com o


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desenvolvimento psíquico indo além do estágio oral, o comportamento e a

secreção gástrica se tornariam dissociados, conforme a atividade psíquica se

torna mais autônoma. Este prognóstico teve origem em um estudo comparativo

de Dóris, de quatro anos e meio, também com fístula gástrica [5]. Com esta

criança descobrimos que quando ela se encontrava interagindo efetivamente

com um pesquisador, a secreção gástrica ácida despencava para os níveis

basais mais baixos, não obstante a ampla faixa de atividade comportamental e

mental apresentada; todavia, sempre que algum esforço era despendido no

sentido de estabelecer, manter ou re-estabelecer um relacionamento, a

secreção gástrica ácida aumentava. Em outras palavras, em contraste com

Monica, a secreção gástrica de Dóris correlacionava-se não com a intensidade

do relacionamento, mas sim com os esforços para assegurar ou manter este

relacionamento. Hoje, apesar da tentação de algumas pessoas em relacionar

tais descobertas com a patogênese da úlcera péptica, eu argumentaria que tal

inferência não é justificada. Não apenas as evidências são inexistentes, como

ainda o aumento da secreção ácida é o fator que precipita a formação de

úlcera, mas também a maior taxa de secreção observada nestas crianças de

forma alguma chegou perto daquelas observadas em pacientes com úlcera.

Por outro lado, a sugestão da existência de uma relação entre secreção

gástrica ácida e as vicissitudes das relações objetais é de fundamental

importância, pois, a teoria das relações objetais constitui uma categoria de

processos psicológicos operando na interface psicossomática. Weiner

demonstrou um relacionamento semelhante entre relação objetal e mudanças

circulatórias [6]. Mas de que modo e em quais condições estas relações

encontram-se na questão da doença, isto ainda permanece em completo


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desconhecimento. Mas, pelo menos, identificamos um ponto para examinar os

relacionamentos.

Como segunda ilustração, cito o relacionamento cronológico no qual se

encontra o nosso grupo entre a doença e o complexo psicológico que estamos

denominando ‘giving up – given up’ (processo de desistir - desistindo), um

assunto que discuti até certo ponto durante minha apresentação na Royal

Society of Medicine [7]. Este complexo comumente precede o estabelecimento

da doença, sendo que não o consideramos condição suficiente para o

desenvolvimento desta, mas antes, uma predisposição ou um fator precipitante

para algumas doenças, desde que outras condições necessárias para a

doença estejam também presentes. Satisfeitos com o fato de que o complexo

(psicológico) e o estabelecimento da doença são comumente associados,

torna-se necessário o estudo do complexo por si mesmo com a finalidade de

caracterizá-lo verdadeiramente em ambos os termos psicológicos e somáticos

e alcançar fidedignidade na sua identificação. Estamos trabalhando nisso

agora, mas os dados que se encontram disponíveis estabelecem o complexo

como outro importante conjunto de fenômenos na interface psicossomática.

Futuros trabalhos demandam uma exploração das relações entre o complexo e

outros processos psicossomáticos, embora sem a assunção a priori de que tais

interações necessariamente envolverão somente mecanismos patogênicos.

Teoricamente, ao menos, é perfeitamente plausível que em relação a outros

fatores necessários e/ou suficientes para o desenvolvimento da doença, o

complexo possa interagir negativamente com alguns deles e vantajosamente

com outros, enquanto não exerce influência no decurso da doença em outros

fatores estacionários. A resolução final para estas questões precisam aguardar


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a elucidação detalhada de todos os sistemas somáticos que operam no

sistema do complexo ‘giving up – given up’ (processo de desistir-desistido) e

em cada processo de doença. A medicina encontra-se muito distante de

alcançar esta situação sendo que nosso trabalho serve tão somente para

identificar o que poderia ser uma área fértil para futuras pesquisas.

Mas estudos tais como estes ainda deixam completamente não

resolvidas as questões científicas sobre o modo pelo qual a pessoa passa a

estabelecer relacionamentos na interface psicossomática. O que tenho

comunicado a respeito de secreção gástrica, atividade de relacionamento,

estabelecimento da doença e o complexo ‘giving in – given up’ constitui-se em

nada mais do que suposições plausíveis. Em minha opinião, ainda não há um

sistema científico disponível por meio do qual os relacionamentos através da

interface psicossomática tenham a possibilidade ser estabelecidos. Pelo lado

somático, lidamos com processos que podem ser identificados e medidos em

termos físicos e os quais usualmente podem ser claramente separados uns dos

outros. A secreção gástrica, por exemplo, pode ser analisada em vários

processos discretos como volume, taxa, concentração e taxa de HCl,

concentração e taxa de pepsina e assim por diante. Em grande parte as inter-

relações entre essas funções são conhecidas e previsíveis. Comportamentos e

atividade mental são também costumeiramente subdivididos em uma variedade

de subcategorias, tais como afetos, relações de objeto, defesas do ego,

funções cognitivas, e assim por diante, dependendo das tendências conceituais

do investigador.

Mas enquanto que razoavelmente bons critérios possam frequentemente

ser estabelecidos para tais categorias, eles não se constituem em funções ou


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entidades discretas e nem mensuráveis no mesmo sentido dos componentes

da secreção gástrica. Antes, são abstrações que representam amplamente

aqueles aspectos de atividade psíquica o qual o observador elege para se

concentrar naquele momento. E cada um deles é, igualmente, uma parte de

outro. Afetos, por exemplo, também sempre envolvem impulsos, atividade de

relação de objeto, self psíquico, objeto psíquico, comunicação, defesas do ego,

funções cognitivas e assim por diante. (A mesma afirmação, claro, aplica-se

indiferentemente qual seja o sistema de referência que seja mais conveniente).

Assim, verificamos que atividade psíquica é uma unidade de configuração

enquanto que atividade somática envolve múltiplas funções unitárias inter-

relacionadas, mais ou menos susceptíveis de mensuração.

Consequentemente, os princípios utilizados para se estabelecer

relacionamentos entre processos dentro do sistema de referência psicológico

são muito diferentes daqueles necessários para se estabelecer

relacionamentos dentro dos sistemas de referência somáticos. A respeito do

sistema psíquico acredito que tais princípios ainda estão para ser

estabelecidos. E certamente, neste momento sabemos muito pouco sobre

como relacionar os fenômenos através dos sistemas de referência. É nesta

esfera que precisamos de um teórico do calibre de Darwin ou Einstein. Minha

convicção é a de que um sistema completamente novo ainda resta para ser

desenvolvido.

Sob as atuais circunstâncias creio que o acesso mais proveitoso à

interface somática é através das descobertas envolvendo simultaneidade ou

sequência de fenômenos psíquicos e somáticos, mesmo inadequadamente

quanto possa parecer. A tarefa mais urgente é estudar com o maior cuidado, e
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nos mais refinados detalhes, as características dos processos psíquicos de

simultaneidade ou sequência, que ocorrem em tais períodos de tempo. Não me

preocupo com o fato de que parecemos não concordar em relação ao que

estamos observando nestes períodos – por exemplo, agressão, complexo

‘giving up – given up’, mudança de defesas, etc., contanto que não fixemos

prematuramente os nossos pontos de vista. Como disse anteriormente,

acredito que muitos dos relatórios são complementares e não contraditórios,

sendo que serão resolvidos conforme tenhamos êxito em executar as

sequências exatas dos eventos psíquicos durante o período de observação

precisa. Provavelmente tais diferenças, até certo ponto refletem meramente

qual aspecto da configuração psíquica cada um de nós elegeu para observar.

Consequentemente, neste momento penso que o refinamento das técnicas

psicológicas seja muito mais importante para nós do que o refinamento das

técnicas fisiológicas. Quanto menor o instrumental colocado entre nós e nossos

pacientes neste momento, melhor será, pois este serve apenas para complicar

o relacionamento e obnubilar as observações psicológicas. A presente avidez,

particularmente entre os pesquisadores americanos, em aplicar uma complexa

tecnologia fisiológica e bioquímica para a solução de problemas

psicossomáticos antes de, ou mesmo sem, identificar os parâmetros

psicológicos relevantes e ainda antes de elaborar métodos psicológicos

apropriados, receio que produzirão resultados enganosos, se não claramente

errados. Acredito, seguramente, que a prioridade mais importante para aqueles

de nós que fazemos pesquisas neste campo é desenvolver e treinar nossa

habilidade para fazer observações psicológicas e daqui para frente desenvolver

novos métodos de teste e análise psicológica, incluindo a aplicação de técnicas


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de informática. Só então estaremos efetivamente na posição de usar as

técnicas físicas que estão se tornando disponíveis para identificar e estudar

simultaneidade ou sequência na interface psicossomática.

Nota da tradutora: as referências numéricas encontram-se no final do texto em

inglês.

Tradução: Maria Adelaide Gallo F. Camargo

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