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DISCIPLINA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Construção do Conhecimento em Psicossomática:


Reflexão Crítica.
Neurociência (NEC 5763).

INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA USP

DOCENTE: PROF. DR. AVELINO LUIZ RODRIGUES

O que a palavra “Psicossomática” realmente significa? Uma indagação histórica e


semântica.

Introdução

Estudantes, colegas e leigos têm me perguntado muitas vezes: “O que é a medicina


psicossomática? O que a palavra psicossomática realmente significa?” Para tentar e
responder a estas questões com razoável clareza tenho examinado a literatura e concedido ao
assunto muita consideração. A literatura, porém, revela uma falta de consenso quanto ao
significado destes termos, e raramente fala a respeito da questão em si. Jornais e sociedades
chamam a si mesmos de “psicossomáticos” e existem em vários países, e, é razoável supor
que o âmbito de seu interesse é discriminado, preciso e claramente delimitado. As
discussões com colegas interessados revelam, porém, que a ambigüidade e a controvérsia
persistem, e que alguns indivíduos enterrariam alegremente a palavra “psicossomática” por
completo, substituindo-a por alguma outra, que se espera seja menos ambígua, como por
exemplo, “biopsicossocial”. Contudo, como diz um historiador da medicina psicossomática,
ainda que a palavra “psicossomática” seja insatisfatória, ela está “tão profundamente
arraigada na literatura que nunca será erradicada” (1, p. 402). Na verdade, ela resiste a todos
os esforços para eliminá-la, tanto que, como indicado pelo fato que este periódico e a
sociedade da qual ele é um órgão informativo, continuará a ser chamado de
“psicossomática”. Sendo assim, é exigido outro esforço para delinear as origens e para
definir os termos em questão, assim como para proporcionar uma base para maiores
discussões.
Tendo apresentado uma definição de medicina psicossomática no passado (2,3) eu fui
desafiado a voltar a este assunto em função de uma recente publicação sobre a história deste

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campo, recentemente escrito, por um historiador médico, Ackerkenecht (4). Ele argumenta
que se alguém define a medicina psicossomática tendo como conteúdo os termos que
exprimem o “reconhecimento parcial, ou às vezes total, “psychogenesis of disease”
(psicogênese da doença), então suas origens voltam-se à Grécia antiga. Ackerkenecht
finaliza seu artigo com uma conclusão de que “o elemento básico da medicina
psicossomática representa um diálogo entre o médico e o paciente, sua cooperação... o
psicossomaticista parece ser acima de tudo o médico que se especializa em ouvir o paciente
e nós podemos ficar felizes por conservar (ainda termos) um especialista deste tipo”
(4,p.23).
Assim, aos olhos do historiador citado a pouco, a medicina psicossomática constitui uma
área mal definida, unicamente preocupada em demonstrar a psicogênese das doenças, e uma
especialidade caracterizada por ouvir aos pacientes. Se este ponto de vista do campo estiver
correto, então os atuais conteúdos das publicações em psicossomática, por exemplo, são em
grande parte irrelevantes a esta área de atividade. Se não for, então se exige uma réplica e
um esclarecimento para colocar o assunto de forma objetiva, com o intuito de evitar a
divulgação de conceitos conflitantes e desorientadores. Parece que existe um choque entre o
conceito do historiador a respeito da medicina psicossomática e a interpretação apoiada pela
maioria dos profissionais que são ativos neste campo e que se identificam com ele. Esta
discrepância pode ter surgido em decorrência ao desenvolvimento histórico do conceito de
psicossomática e a coexistência de várias conotações da palavra “psicossomática” na
literatura. Na tentativa de esclarecer esta questão eu proponho revisar algumas das
definições representativas no dicionário, assim como, o desenvolvimento histórico e as
origens dos termos “psicossomática” e “medicina psicossomática”. Eu irei, também,
formular um conjunto de definições que, espero, sejam aceitáveis para a maior parte dos
profissionais desta disciplina.

Significado de “psicossomática” no dicionário

A Oxford English Dictionary registra a palavra “psicossomática” pela primeira vez num
suplemento publicado em 1982 e oferece um conjunto de suas definições. Ele define o
adjetivo “psicossomática” como algo “que envolve ou relacionado à mente e corpo como
entidades interdependentes” (5, p.888). O termo tem sido usado para atribuir ao seguinte:
1) as desordens físicas causadas ou agravadas por fatores psicológicos, e menos freqüente, à
desordens mentais causadas ou agravadas por fatores físicos; 2) o ramo da medicina

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concernente às relações corpo-mente; e 3) o campo de estudo, por vezes denominado de
“psicossomática”, pertinente ao relacionamento entre corpo e mente.
É notável que as definições acima realcem duas conotações distintas da palavra
“psicossomática”, referem-se ao relacionamento corpo-mente e a psicogênese dos
transtornos físicos. Por enfatizar a questão corpo-mente o dicionário dá ao termo
“psicossomática” um forte cunho filosófico, mas profissionais que trabalham na medicina
psicossomática têm procurado ficar distante deste referencial filosófico, como irei mostrar
mais adiante. Além disso, para falar de mente e corpo como “entidades” implica em
dualismo e, portanto, provoca-se controvérsia. Autores em psicossomática vêm,
tradicionalmente, de forma lógica e consistente, afirmando suas posturas antidualistas e
arbitrariamente tendem a optar por alguma forma de monismo, sustentando que a mente e o
corpo são dimensões diferentes de uma pessoa, ou do organismo como um todo. Contudo,
tal conotação da palavra “psicossomática”, pode ser aplicada como algo holístico, no sentido
que ela pressupõe a inseparabilidade da mente e corpo assim como sua dependência mútua.
Mas dizer, como faz o dicionário, que o interesse principal, de estudo da medicina
psicossomática é o relacionamento entre mente e corpo me desagrada como uma afirmação
inadequada, porque ela é muito abstrata e distante daquilo que os profissionais neste campo
tentam realmente realizar. Desse modo, as definições do dicionário realçam e compõem a
ambiguidade da palavra “psicossomática”.
Um dicionário psiquiátrico oferece uma definição mais equilibrada e satisfatória da
palavra “psicossomática” (6). Ele diz que esta pode ser usada somente num sentido
“metodológico”, pois se refere a “um tipo de postura no estudo e tratamento de certos
distúrbios da função do corpo” (6, p.613). Além disso, ele lamenta a tendência de usar a
palavra “psicossomática” para referir-se a uma classe de transtornos cuja causa aplica-se a
fatores emocionais, e, portanto, envolve um dualismo que na realidade não existe; visto que
nenhuma doença está livre da influência de fatores psicológicos. Semelhante crítica desta
conotação em particular, e o uso do termo, tem sido expresso por muitos autores (2). The
Expert Committee of the World Health Organization (Organização Mundial de Saúde –
comitê de especialistas), por exemplo, tem lamentado o uso do termo “transtorno
psicossomáticos” como reafirmação da dicotomia mente e corpo e da ruptura da concepção
holística para a prática da medicina (7). O Comitê recomendou prudentemente que devem
ser feitos esforços para elaborar termos e definições normalmente aceitáveis, que seriam
úteis para o ensino e a pesquisa. O presente artigo representa tal esforço.

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Alguém pode concluir que as definições representativas do dicionário dos termos,
“psicossomática” e “medicina psicossomática” são insatisfatórias, sendo que elas falham em
refletir adequadamente às conotações destas palavras contidas na própria literatura em
psicossomática. As origens desta confusão semântica podem tornar-se mais claras quando
alguém segue o desenvolvimento histórico destes termos.

História da palavra psicossomática

Margetts (1,8) é, no meu conhecimento, o único escritor a fazer um sério esforço para
seguir o desenvolvimento histórico do termo “psicossomática”. Ele afirma que foi usado
primeiramente em 1818, pelo psiquiatra alemão Heinroth, em uma sentença bastante
enigmática, “como uma regra geral, a origem da insônia é psicossomática, mas é impossível
que toda fase da vida possa por si mesma proporcionar razão completa para a insônia (l,
p.403). Margetts aponta que Heinroth considerou o corpo e a alma como um todo, mas a
passagem citada dá uma pequena indicação das aplicações de seu uso do termo
“psicossomática”. Esta palavra composta parece refletir uma moda comum na literatura
alemã do início do século 19, como o uso de termos como: psicofísico ou somato-psiquico
(1). Aquela tendência foi adotada por alguns escritores ingleses, assim como o psiquiatra
ilustre Bucknill (9), que em 1857 alegou que alguém poderia distinguir 3 teorias de
insanidade, que é a somática, a psíquica, e a somato-psíquica. Bucknill foi adiante em dizer
que “os psicosomaticistas encontraram na responsabilidade no aparelho cerebral uma base
razoável para a irresponsabilidade do insano para com a doença” (9, p. 15). Gray (10), editor
do American Journal of Insanity, citou erroneamente Bucknill para dizer que uma das três
teorias propostas, por este autor, foi a “psico-somática”. Esta pode ter sido a primeira vez
que este termo apareceu na América”. No mesmo artigo, Gray afirma que “A influência
recíproca de corpo e mente é invariavelmente um fato que antecede ao médico” (p.155).
Um dos primeiros exemplos curiosos do uso da palavra "psicossomática" aparece
inesperadamente na novela "Hard Cash", escrito em 1863 por um escritor Inglês, Charles
Reade (11). O tema principal desta novela é o abuso da autoridade psiquiátrica na Inglaterra
com o propósito de livrar-se de parentes socialmente indesejados. O médico de um asilo
tenta persuadir um pai a entregar seu filho elogiando as virtudes do asilo sob seu comando, e
promete fornecer “assistência diurna e noturna de um médico psicossomático, o qual
conhecia a relação psicossomática do corpo e da mente...”.

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A parte dos exemplos isolados citados acima, a palavra “psicossomática” foi usada sem
muita freqüência na literatura do século 19 e antes dos anos 30 (8). Ela está ausente no raro e
compreensivo Dictionary of Psichological Medicine, editado por Tuke (12), que somente
relaciona o termo “psicossomatria”, definindo-o como “uma medicina para corpo e mente”
(p. 1034). Ela nem aparece na clássica compilação de palavras onde Tuke ilustra a influência
da mente sobre o corpo, publicado pela primeira vez em 1872, na qual ela usa ternos como
“fenômeno psicofísico” e “psico-fisiologia” (13, p.455).
Felix Deutsch, em 1992 foi provavelmente o primeiro autor a introduzir o termo
“medicina psicossomática” (14). A década de 1920 é usualmente vistas como um período a
qual o terreno foi preparado para o surgimento da medicina psicossomática na década
seguinte
Em 1925, foi publicado um livro em Viena apresentando argumentos filosóficos, assim
como observações clínicas de diversas áreas da medicina, sustentando a noção de que a
medicina havia negligenciado em considerar o papel dos fatores psicológicos na etiologia da
doença e no tratamento dos pacientes (15). Alguns colaboradores, incluindo Paul Schilder,
citaram o trabalho, dos psicólogos da Gestalt, de Freud, Pavlov, e Cannon para reforçar seus
argumentos de que o próprio tema da medicina deveria ser o organismo como uma unidade
estrutural e funcional, algo que incluísse a psiquismo. A publicação daquele amplo tratado
abriu o caminho para uma compilação enciclopédica que surgiu 10 anos depois (16).
“O auge do termo ‘psicossomática’ e o verdadeiro início da medicina psicossomática foi o
lançamento da publicação, de Dunbar, em 1935, Emotions and Bodily Changes: A Survey of
Literature on Psychosomatic Interrelationships (1910-1933)” (16) Dunbar parecia ter
algumas dúvidas sobre sua escolha do termo ‘inter-relações psicossomáticas’, que, ela
observa, foi ‘inadequada para expressar a convicção de que a psique e somas são... dois
aspectos de uma unidade fundamental” (16, p.427). Ela não pode pensar em um termo
melhor, assim, a sua herança, para melhor ou pior, ainda hoje permanece conosco.
Entretanto, alguém pode lamentar a escolha de Dunbar, da palavra “psicossomática”, que
ela ajudou a popularizar; o lançamento de seu livro marcou o aparecimento da medicina
psicossomática como um campo organizado de investigação científica e um movimento
dirigido a propagar uma aproximação holística para a prática médica. Até então as
concepções (ideias) psicossomáticas tinham sido mais sustentadas pela convicção e anedotas
clínicas, e não com base em observações sistemáticas aplicando metodologia científica para
demonstrar a sua validade empírica.

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Um evento de singular importância para o desenvolvimento das ideias psicossomáticas e
medicina foi o aparecimento, em 1939, da primeira edição do Periódico Psychosomatic
Medicine. Em sua edição inaugural foi publicado um Introductory Statement (17), no qual
seus editores tentaram lidar com a definição do novo campo e ofereceram o seguinte: “Seu
intuito é estudar na sua inter-relação, os aspectos psicológicos de todas as funções físicas
normais e anormais e deste modo integrar a terapia somática e a psicoterapia” (17, p.3). Os
editores tiveram o cuidado de enunciar o que a medicina psicossomática não era: 1)
equivalente à psiquiatria, 2) restrita a qualquer área específica da patologia, 3) uma
especialidade médica, 4) preocupada com a metafísica do problema corpo-mente. Pelo lado
positivo, eles enfatizaram os novos atributos do campo: 1) interesse na aproximação da
psicologia com a medicina geral e todas as suas especialidades; 2) interesse nas inter-
relações da vida emocional e todos os processos físicos; 3) baseada na premissa de que não
há “distinção lógica” entre mente e corpo; 4) envolvendo pesquisa na correlação da
psicologia e processos fisiológicos no homem; e 5) ambos, um campo especial e uma parte
integral de toda a especialidade médica.
Na medida em que, o Statement representa os pontos de vista dos primeiros líderes da
medicina psicossomática, ele tem um sentido oficial, e desde que, pelo meu conhecimento,
ela nunca foi revogada formalmente e presumivelmente expressa a posição oficial deste
periódico. Só por estas razões ele merece um exame crítico minucioso. A definição proposta
do campo aborda tanto o aspecto científico como o clínico. Os editores definem a extensão
da medicina psicossomática e conseqüentemente o objeto de seus interesses científicos,
como a inter-relação da psicologia e os aspectos fisiológicos do corpo, ao invés da pessoa.
Além disso, ao enfatizar que a medicina psicossomática é distinta da psiquiatria, que, como
eles dizem, está preocupado com a "mente doente", eles parecem afirmar involuntariamente
um dualismo corpo-mente, uma posição que explicitamente negam. Ao enfatizar a distinção
entre as duas disciplinas, os editores transmitem a impressão de que as concepções
psicossomáticas não se aplicam a psiquiatria. Esta é uma dedução infeliz, algo que contradiz
o ponto de vista holístico e aprofunda a lacuna deplorável entre a medicina e a psiquiatria.
Se os editores procuraram, em sua definição, o dual aspecto
da pessoa, ao invés do corpo, eles deveriam ter reafirmado sua postura de outro modo. Outra
falha importante do Statement é a ausência de qualquer menção do ambiente, e
especialmente dos fatores sociais. Portanto, a impressão apresentada é que a medicina
psicossomática está relacionada exclusivamente com ocorrência do fenômeno
psicofisiológico, em si, num vazio social. Esta é uma omissão séria que pode ser resultado

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de uma orientação psicoanalítica, e sua conseqüente preocupação com as questões
intrapessoais, mais do que interpessoais. Em vista daquela tendência, é notável que o
Statement não faça referência direta ao conceito de psicogênese, aquele que desempenha um
papel eminente nas obras de tais pioneiros e editores de psicossomática, como Alexander
(18) *. Tal conceito tem atraído críticas consideráveis durante os anos e este fato não pode
ser ignorado.
Os editores enfaticamente se dissociam de posturas filosóficas ("metafísica"), no entanto,
ao afirmar a falta de distinção lógica entre mente e corpo, traem sua particular visão
monista, pois isto é um viés metafísico.
Não pode ser negado que muitos autores em psicossomática referem-se a si mesmos,
explicitamente ou não, como relacionados ao problema mente-corpo e assumem uma
posição francamente antidualista (18). Negar este fato seria intelectualmente desonesto.
Alguém pode, entretanto, entender a relutância dos pesquisadores e médicos em definirem
suas áreas de interesses em termos de conceitos filosóficos tão abstratos e controversos. Mas
estes últimos se escondem na base de muitas afirmações teóricas e se encontram, muitas
vezes, implícitos neles.
Esta pode ser a razão fundamental das definições citadas anteriormente no Oxford
English Dictionary, que dão ênfase justamente ao problema mente-corpo como a principal
preocupação da medicina psicossomática. As origens históricas dos conceitos
psicossomáticos, a serem discutidos mais adiante, podem ajudar a esclarecer esta questão
controversa.
Pelo lado clínico o Statement salienta que a medicina psicossomática designa um método
de aproximação das questões etiológicas e terapêuticas, e aplicáveis a todas as
especialidades médicas, mas falha em especificar o que isto implicaria na prática. Eles
somente fazem alusão, vagamente, ao entendimento da “componente psique no processo da
doença”, e buscam integração da terapia somática e psicoterapia sem dizer como isto pode
ser feito e fazem menção da relação médico-paciente. Igualmente vagas são as referências às
“tensões” e “vida” emocional, que parecem refletir a ênfase sobre as emoções como fatores
psicológicos principais, influenciando e correlacionando-os às alterações fisiológicas
(15,18).
Portanto, o Introductory Statement representa um marco histórico importante no
desenvolvimento dos conceitos psicossomáticos e da medicina. Isto pode ser visto como
uma referência e um ponto inicial para as mais recentes tentativas em definir-se o campo.
Visto de uma perspectiva de mais de 40 anos, foi um esforço ousado para dar início e

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mesmo delimitar a extensão de um novo campo, mas com antecedentes ancestrais. O
Statement dos editores pode ser criticado por seus erros de omissão mencionados acima, e
devem ser reformulados de modo a refletir os desenvolvimentos recentes no campo e para
servir como um ponto de referência para historiadores, professores e investigadores.
Não seria nem possível, nem proveitoso, rever todas as variantes da definição da
medicina psicossomática que apareceram na literatura desde 1939. Deve ser suficiente dizer
que os autores que se deram ao trabalho de definir o campo no todo têm, em geral,
tendências a dar ênfase às suas conotações biopsicossociais ou holísticas. (2, 18,19). Alguns
autores insistem que o termo “psicossomática” deve ser usado somente para designar um
método de aproximação para os trabalhos, clínico e de pesquisa, o único que visa o uso
integrado e simultâneo, em termos de conceitos e linguagens, dos métodos biológicos e
psicossociais, (18,19).
Mantendo esta última versão, outros autores fazem objeção à noção de que a medicina
psicossomática seja considerada uma disciplina científica distinta com um objeto de estudo
definido.
Há um problema inerente com a ligação das palavras “psicossomática” e “medicina”,
desde que elas se relacionam, pelo menos em parte, a dois níveis distintos de abstração e
discurso. A medicina está preocupada com questões de saúde e doença. “Psicossomática”,
porém, possui uma conotação mais ampla e mais abstrata, aquela que toca no problema de
mente e corpo e, consequentemente, diz respeito a aspectos sobre a natureza do homem.
Quando, por capricho de alguém uniu estas duas palavras, o resultado foi confusão e
ambiguidade, e que nos intriga até hoje. O que passou a ser designado como “medicina
psicossomática” constitui uma fase recente na longa história de esforços para aplicar-se um
conjunto de premissas e preceitos, que podem ser chamados de “psicossomáticos”, para as
questões de saúde e doença e para o cuidado de pacientes. Ao mesmo tempo, porém, a
palavra “psicossomática” pode ser usada para referir-se a certos conceitos filosóficos que
fazem parte da história intelectual do Ocidente, em um âmbito mais vasto que a história da
medicina Ocidental e, de fato, o inclui. Eu tentarei desenvolver esta tese mais adiante com
um breve resumo da história dos conceitos psicossomáticos.
Minha discussão não deve ser vista como uma tentativa abortada (no sentido de mal
sucedido) de apresentar uma história abrangente do assunto, uma tarefa para a qual não
possuo nem competência nem o espaço necessário; essa é a tarefa de um historiador. Tal
história não foi publicada e nem tão pouco foi necessária a sua publicação. O que se segue é
simplesmente um esboço histórico seletivo relacionado à minha tese.

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Ideias psicossomáticas: perspectiva histórica

Os historiadores nos dizem que o que nós chamamos de “medicina psicossomática”


representa, em parte, uma roupagem moderna de ideias, cujas origens situam-se no início do
pensamento e medicina Ocidental (1, 4, 16, 20,21). Em outras palavras, tais ideias precedem
a invenção da palavra “psicossomática” e o surgimento da medicina psicossomática como
uma disciplina, por mais de 2.000 anos. Uma breve revisão destes antecedentes históricos
pode nos ajudar a compreender não somente a notável continuidade das ideias em discussão,
mas também as raízes das conotações contemporâneas da palavra “psicossomática” e sua
intrigante ambiguidade. Sugiro que o sentido moderno do termo incorpora duas concepções
antigas, ou seja, a holística ea psicogênica, que normalmente não são claramente
discriminados e, assim, contribuem para a sua ambiguidade. Vou tentar apoiar esta
afirmação tendo como referência citações históricas selecionadas.
Eu coloco que o significado moderno do termo incorpora duas velhas ideias, chamadas de
holística e a psicogênica, que não são normalmente, claramente distintas e, portanto,
contribuem para a sua ambiguidade. Eu tentarei sustentar esta opinião com referências e
citações históricas selecionadas.

A ideia holística

A palavra “holística” é derivada do grego holos, ou whole (todo), e foi introduzida na


literatura por Smuts (22) em 1925. Ainda que recente, este termo pode ser aplicado a
postulados sobre a natureza do homem e aos preceitos sobre cuidados médicos que já são
encontrados nas obras de filósofos gregos, tais como Platão e Aristóteles. O centro do
postulado, do ponto de vista holístico, é que as noções de mente e corpo se referem a
aspectos inseparáveis e mutuamente dependentes do homem. Como Drabkin observa, “Um
sentido de inseparabilidade da vida psíquica e somática nasce da experiência humana básica,
e a literatura antiga, médica e não médica, contém inúmeros exemplos sobre efeitos
somáticos das mudanças emocionais e dos efeitos emocionais de alterações somáticas” (20,
p.227). Aplicado à prática da medicina, a concepção holística afirma a necessidade dos
médicos de levar em consideração ambos os aspectos mentais ou psicológicos e o físico ou
fisiológico no estudo da doença e no tratamento de pacientes. Na sua muito citada passagem
no diálogo chamado Charmides, Platão (23) argumenta: “A cura de muitas doenças é

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desconhecida para os médicos de Hellas, porque eles desprezam o todo, que deve também
ser estudado, porque a parte nunca pode estar bem, a menos que o todo esteja bem”. Platão
parece querer dizer que, a atenção à pessoa como um todo, um complexo mente-corpo, é o
melhor caminho que um médico pode adotar no tratamento dos pacientes.
A observação de Platão sugere que a atitude holística, não foi de modo algum
predominante na medicina de seu tempo, e se ela dominou alguma vez o cenário médico é
uma questão em aberto. A medicina Ocidental de Hipócrates tende a ser resolutamente
naturalística e somática, ou fisiológica, embora isto não tenha impedido muitos escritores
médicos, salientarem a necessidade de se tratar a pessoa no seu todo. Independente das
visões filosóficas, da questão mente-corpo, o médico pode aplicar uma abordagem holística
no trabalho clínico. Muitos autores médicos dos tempos Romanos, e em diante, têm
defendido implícita ou explicitamente tal tendência. Até mesmo a formulação de um
dualismo radical por Descartes no seu Discurso do Método em 1637, não resultou no
desaparecimento das ideias holísticas da literatura médica. Isto é especialmente
exemplificado pelo trabalho do médico holandês Gaub do século 18, que escreveu que “a
razão pela qual um corpo são fica doente, ou um corpo doente recupera-se, muitas vezes
reside na mente. De modo contrário, o corpo pode frequentemente gerar ambos as coisas,
tanto as doenças mentais como também curar sua descendência” (21,p.71). E argumenta
Gaub, “se o médico dedicar todos os seus esforços ao corpo, e não levar em conta a mente,
seu empenho curativo será menos afortunado e seu propósito, no todo ou em parte, será
negligenciado” (21,p.70). Como Rather (21), o tradutor dos ensaios notáveis de Gaub,
publicado em 1747 e 1763, comenta que os pontos vista do escritor holandês não foram nem
originais nem isolados, pois já tinham sido expressos por muitos autores médicos antes dele.
Por esta razão, Gaub, argumenta Rather, não pode ser citado como um verdadeiro precursor
da medicina psicossomática. Com o advento da patologia celular, fundada por Virchow nos
anos de 1850, a tradicional atenção à relação mente-corpo foi “aniquilada”. Por
consequência, quando a medicina psicossomática aparece, para muitos, emerge como um
novo movimento pensamento médico e quase sem precedentes, (21, p.15).
Outro escritor médico do século 18, Benjamin Rush (1745-1813), o mais notável médico
americano de seu tempo e o homem oficialmente declarado como o pai da psiquiatria
americana, expressou ideias holísticas não menos claramente do que Gaub (24). Como
professor de medicina do colégio da Philadelphia e mais tarde na Universidade da
Pensilvânia, Rush salientou a importância da visão do paciente como um todo e mostrava
estar preocupado com as relações psicossomáticas (25). Em uma de suas aulas, por exemplo,

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ele expôs sua abordagem holística na medicina nestas moráveis palavras: “O homem é um
ser composto de corpo e alma. Contudo esta linguagem pode ser apropriada na religião,
nem tanto na medicina. O homem, na visão de um médico é um ser indivisível e único, pois
tão intimamente unidos estão sua alma e seu corpo, que um não pode ser movido sem o
outro.” (26). Isto justificou a opinião de Rush como verdadeiro precursor da medicina
psicossomática americana, como Binger (27), seu biógrafo havia sugerido.
No século 19, as ideias holísticas na medicina sofreram um declínio considerável, mas
não desapareceram (28). Exemplos notáveis de sua sobrevivência são fornecidos pelas obras
de Henry Holland (29), Physician Extraordinary to Queen Victoria, e de Daniel Hack Tuke
(13), que em 1872 publicou uma compilação extraordinária de evidências clínicas, de cunho
anedótico ilustrando a influência dos fatores psicológicos nas funções físicas. Tuke, contudo,
não foi apenas um compilador. Ele tentou formar uma estrutura teórica para suas ilustrações
pitorescas baseadas nos princípios fisiológicos, para oferecer aos médicos uma justificativa
empírica para usar “psico-terapeutas”, de uma maneira metódica e deliberada no tratamento
de doenças físicas. No final do século 19, Sir William Osler revisou as considerações
holísticas de Platão de uma perspectiva da prática médica, e num pressentimento afirmou
que “na medicina do futuro a interdependência da mente e corpo seria mais inteiramente
reconhecida e que a influência de um sobre o outro poderia ser operada de uma maneira que
não é considerada possível no momento” (30).
Osler fez a predição acima numa palestra dada em 1893. Dentro de apenas um ano
apareceu um artigo escrito por Hughes no qual ele expõe não somente a ideia holística com
clareza, mas também ofereceu um corolário notável à opinião de Osler. Hughes, editor do
Periódico Alienist and Neurologist, anteviu, apesar de muito otimistamente, que “estamos
nos aproximando de uma época em que todo o paciente será tratado, não mais uma parte ou
órgão”. (31.p.902). Ele afirmou que “ao estimar os concomitantes causais e a sequência das
doenças, nós consideraremos o homem como um todo em suas relações psico-neuro-físicas.”
Hughes propôs que todas as funções físicas são influenciadas pelas emoções, na saúde e na
doença, através da mediação dos sistemas nervosos vegetativo e central. Por exemplo, ele
afirmou que através de um “comprometimento no sistema nervoso central quando as
resistências ficam amplamente reduzidas, torna possível e precede todos os casos de câncer”
(31, p.901). Ele alega que se a mente tem condições de, através da ação dos mecanismos
neurais, exercer uma influência generalizada sobre os processos físicos, este ato fornece
“bases psicológicas de todas as formas de psicoterapia” e, a última, deve ser empregada
pelos médicos como um instrumento terapêutico eficaz. O artigo de Hughes pode ser

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considerado um marco no desenvolvimento do caminho holístico para a medicina, ainda que
seja poucas vezes citado (24).
Nos primeiros 30 anos deste século, as ideias holísticas passaram a ser elaboradas e
propagadas pela escola psicobiológica de psiquiatria, notadamente por Meyer e White
(24,32). A premissa básica dos psicobiologistas era que a mente e o corpo não são
entidades separadas atuando uma sobre a outra, mas apenas dois aspectos distintos do
organismo humano, uma unidade psicobiológica interagindo com o ambiente. A doença
deve ser vista como um produto desta interação, e sempre engloba ambos os aspectos,
somáticos e psicológicos. Powell (32), em um dos poucos trabalhos eruditos na recente
história da medicina psicossomática, aponta que as ideias holísticas dos psicobiologistas
foram adotadas por Dunbar, e através de suas obras este referencial se tornou um dos três
pilares teóricos principais na medicina psicossomática. Os outros dois pilares foram
psicoanalítico e psicofisiológico (32). O caminho holístico foi também representado
notadamente por Goldstein (33) em seu livro The Organism publicado em 1939, e por
muitos outros autores, não necessariamente identificados com a medicina psicossomática.
Na visão deste escritor, a ideia holística foi mais concisamente estabelecida por Woodger
(34), um biólogo inglês e filósofo da ciência, em seu livro Biology and Language ”as
noções do corpo e mentes são atingidas pela abstração de algo mais concreto. Para estes
propósitos mais concretos nós temos uma palavra mais conveniente e familiar: pessoas.
Mas mesmo a noção de pessoa é abstrata no sentido de que toda pessoa é membro de
alguma comunidade de pessoas, esta determina de que espécie esta pessoa será, e até
mesmo sua existência depende dela” (a comunidade).
Esta declaração pode ser atribuída como uma expressão de uma abordagem metodológica
e linguística do problema corpo-mente melhor que o metafísico, e consequentemente
parecem ser mais apropriados para a medicina psicossomática e para o trabalho clínico. Para
Woodger, a pessoa, membro de um grupo social, são o ponto inicial e uma unidade
indivisível, do qual as noções de mente e corpo são abstraídas através de uma estratégica
metodológica, com o propósito de estudá-las. Estas duas abstrações requerem linguagens
separadas com as quais se podem formular declarações teóricas e descritivas sobre o
funcionamento e comportamento de pessoas, tanto na saúde como na doença. Este tipo de
formulação esboça o conceito de mente e corpo como entidades, cuja relação mútua é objeto
de especulação filosófica e são expressas em termos de pontos de vista metafísicos
concorrentes, sendo eles dualismo ou monismo.

12
Minha tentativa foi de apresentar nesta seção alguns dos antecedentes históricos, assim
como o significado da palavra “psicossomática” que eu proponho chamar de “holística”.
Este significado consiste naquilo que muitos autores se referido como o “caminho
psicossomático” para questões de saúde e doença, e ao tratamento de pacientes. Como
Dubos o declara (35), “o entendimento e o controle da doença requer que o complexo corpo-
mente seja estudado nas suas relações com o ambiente externo”. Ele expõe, contudo, que o
caminho holístico (ou psicossomático) refere-se a um ideal abstrato, que pode não ter sido
completamente conseguido na verdadeira prática, e que não se presta à aquisição de um
conhecimento exato. Outras críticas têm afirmado que a adoção do caminho holístico não é
uma condição necessária para o cuidado do paciente humano (36). Seja como for, não é o
propósito deste artigo defender os méritos das ideias holísticas ou seu acesso, mas
meramente para elucidar sua relação semântica e histórica para a palavra “psicossomática”.
Na próxima seção eu proponho discutir a segunda maior conotação daquele termo, que é a
psicogênica.

A concepção psicogênica

A segunda conotação do termo “psicossomática” pode ser referida como equivalente a


“psicogênica”, no sentido que ela envolve uma hipótese etiológica sobre o papel dos fatores
psicológicos na doença humana. Em outras palavras, a ideia psicogênica afirma que certos
atributos ou funções do organismo, aqueles que são chamados “psicológicos” ou “mentais”,
podem constituir-se uma classe de agentes mórbidos. Vou procurar ilustrar esta ideia através
de exemplos selecionados, que tem uma linhagem tão velha quanto a holística.
De acordo com Lewis (37) a palavra “psicogênica” foi introduzida em 1894 na psiquiatria
por um psiquiatra alemão para referir-se à histeria. O termo tem sido definido de diferentes
formas e aplicado deste então. Originariamente, os autores usaram-no somente com
referência a certas desordens mentais de origem psicológica (37). Nos anos 20, porém, as
palavras “psicogênica” e “psicogênese” passaram a ser aplicadas por muitos autores às
desordens físicas nas quais fatores psicológicos foram creditados a representar um papel
principal na etiologia (15). Lewis (37) concluiu sua crítica ao termo “psicogênica” com a
ponderação de que esta palavra vaga, e tocou questões não resolvidas sobre causalidade e
dualismo, e seria melhor que fosse sepultada. Na discussão adiante eu irei usar o termo
“psicogênico” com o significado de etiologia psicológica.

13
De Hipócrates em diante incontáveis autores médicos postularam que as emoções
influenciam as funções do corpo e podem causar doença. Ele mesmo diz: “medo, vergonha,
prazer, paixão... para cada destes uma parte do corpo responde às suas ações. São exemplos
suores, palpitações do coração...” (38). Um depoimento similar pode ser encontrado no
trabalho de Aristóteles “On the Soul” (16). Por séculos depois de Hipócrates, emoções, ou
melhor, “paixões” como eram então chamadas (16, 39,40) foram vistas não somente como
tendo um efeito nas funções do corpo, mas, também, como causas, fatores patogênicos.
Galeno (41), um dos autores médicos mais influentes de todos os tempos, incluiu as paixões
entre as causas da doença física. Ele referiu-se à dor (mágoa), raiva, luxúria e medo como
“doenças da alma” para serem diagnosticadas e curadas. Rather (21) afirma que, como
resultado da influência de Galeno na medicina européia antes do século 19, os médicos
devotaram grande atenção a etiologia psicológica da doença, e especialmente ao papel das
emoções como fatores etiológicos numa grande variedade de doenças, incluindo algumas
como as contagiosas e epidêmicas. Uma ilustração típica deste depoimento é fornecida pela
passagem do Every Man His Own Doctor de Archer, publicado em 1673 (42). “A
observação que tenho feito na prática da clínica nestes vários anos, confirma a opinião de
que a origem ou causa de muitas doenças em homens e mulheres, enfermidades e morte são,
primeiro, algum grande descontentamento, que traz um hábito de tristeza (melancolia) da
mente...” como Ackerkenecht (4) comenta “não está claro porque nunca foi inteiramente
percebido que, nos idos de 1700, a existência na tradição contínua, da psicossomática sob o
rótulo de” paixões” (4, p.18).
Em 1637 um livro apareceu que teve uma profunda influência no pensamento ocidental,
que é o Discourse on Method de Descartes, no qual o problema da antítese de mente e corpo
foi formulado mais explicitamente e radicalmente do que nunca antes (21 43,44). Descartes
separou a mente (res cogitans), a entidade pensante, da (rex extensa) não pensante e
extensão da res pensante, corpo-feito-máquina. Este foi um ponto decisivo no
desenvolvimento da medicina moderna e no debate antigo sobre a questão mente-corpo.
Enquanto o dualismo Cartesiano deu um sopro às ideias holísticas na medicina, ele não
provou que paradoxalmente foi prejudicial às ideias psicogênicas. Pelo contrário, este último
floresceu nos séculos 17 e 18. O próprio Descarte considerava as paixões como fenômeno
corporal que poderiam influenciar outras funções somáticas, e até mesmo ter um efeito
patogênico.
Apesar da difusão da abordagem mecânica à medicina do século 17, os maiores médicos
daquela época e os verdadeiros fundadores da medicina moderna, Harvey, Wellis e

14
Sydenham, prestaram uma considerável atenção aos fatores emocionais na doença. Em
relação à preocupação do papel de fatores psicológicos no desenvolvimento e curso do
câncer foi feita a seguinte observação por um médico alemão, Pechlin, em 1691 e citado por
Rather (45) “na verdade eu não vi o um câncer do seio tão perfeitamente removido, mesmo
depois da sua extração, que não seriam em conseqüência do medo e da tristeza, de repente,
mais uma vez, lentamente recrudescer e, após longas dificuldades, pôr fim à vida”.

No século 18, uma revisão sistemática da influência das emoções na função física e na
doença, pode se encontrado no Ensaio de Gaub de 1763 (21). Ele fala dos efeitos nocivos
sobre o corpo, da raiva suprimida, mágoa, terror, amor não correspondido e prazer (alegria)
excessivos. Seus comentários possuem um elo notadamente moderno, assim como ele falou,
por exemplo, da mágoa, que quando não é “descarregada na lamentação e pranto, mas que
em vez disso permanece encravado firmemente por dentro e é por um longo período de
tempo reprimido e alimentado, o corpo não menos do que a mente, é consumido e
destruído” (21.p.140).
Outros autores médicos do século 18, notadamente Stahl, desenvolveram ideias
psicogênicas elaboradas e filosoficamente sustentadas (21,46). Dois trabalhos que
apareceram no final daquele século oferecem uma apresentação sistemática da visão
contemporânea da influência da mente sobre o corpo (47,48). Na sua monografia, Corp
discute ambos os efeitos, patogênicos e benéficos, das faculdades mentais, incluindo
pensamentos, atenção e emoções tais como necessidade, prazer (alegria), mágoa e ansiedade
e aponta “a dependência da mente e do corpo, um sobre o outro”. Falando de raiva, por
exemplo, Corp relaciona dentre seus efeitos prejudiciais em potencial: “a paralisia,
apoplexia, e morte súbita” (47, p.56). Ele afirma que a ansiedade prolongada pode lesar o
cérebro, resultando nas falhas de memória. A respeito da mágoa, ele diz que ela pode levar a
qualquer desordem física. Pessoas que são atormentadas com o medo ou horror à doença,
afirma Corp, são conhecidas como as primeiras vítimas durante uma epidemia. A esperança,
pelo contrário, pode ajudar a proteger-se contra a praga, e geralmente tem energias curativas,
que os médicos devem promover.
Os exemplos selecionados acima, aos quais muitos outros poderiam ser facialmente
acrescentados, bastam como ilustrações do interesse generalizado dos autores médicos, a
respeito da influência das emoções sobre as funções físicas e a ocorrência de doença entre os
séculos 17 e 18. Friedreich (49), um historiador de psiquiatria, escreveu que um dos temas
dominantes na literatura médica do século 18 foi a relação recíproca entre corpo e alma,

15
incluindo-se a influência das paixões e seus efeitos sobre o primeiro. Ele cita numerosos
autores que trataram daquele assunto. Na América, Rush (26) escreveu, por fim, sobre quão
úteis é o conhecimento das ações da mente sobre o corpo para os médicos, visto que estas
ações “influenciam muitas das funções do corpo na saúde. Elas são as causas de muitas
doenças; e se direcionadas apropriadamente, elas podem facilmente ser produzidas de modo
a proporcionarem muitos remédios úteis”. (26, p.256).
É notável que tais concepções psicogênicas não fossem apoiadas por dissidentes, mas,
pelo contrário, foram apresentadas como um problema de fato pelos líderes da profissão
médica e pelos autores médicos mais influentes dos séculos 17 e 18. Além do mais, tais
pontos de vista foram expressos por autores que mantinham opiniões opostas sobre a
natureza da mente e sua relação com o corpo. Dualistas e monistas, materialistas e idealistas
todos pareciam encontrarem tais perspectiva satisfatória independentemente das suas
próprias posições filosóficas. Esta tendência declinou, até certo ponto, durante o século 19
nem tanto por causa de uma mudança significativa nos aspectos filosóficos, mas porque a
medicina passou a ser mais tecnológica especializada e focalizada no corpo, com a exclusão
de fatores mentais. A teoria de Virchow sobre a patologia celular, seguida pelos
descobrimentos de Pasteur e Roch na bacteriologia, impulsionou a medicina na direção da
abordagem mecânica cartesiana sobre o corpo, e voltada à doutrina de que para toda a
doença existe uma causa única e específica (50). Tal tendência provocou certamente neste
século, a ascensão de uma contra- reforma que veio a ser identificada como "medicina
psicossomática”.
Durante o século 19, as ideias psicogênicas continuaram a ser representadas na literatura
médica, embora numa escala menor que anteriormente (28). Um acontecimento de especial
importância foi o aparecimento, em 1833, do estudo de Beaumont sobre um homem com a
mucosa gástrica exposta (51). Tal trabalho foi um marco, pois ele relatou as primeiras
observações extensa e sistemática da influência dos estados emocionais nas funções de um
órgão interno. O estudo das relações psicológicas foram tornando-se científicas nas mãos de
Beaumont, um “psicólogo rústico” como Osler (52) o chamou. Quase um século inteiro se
passou antes de tais estudos tomarem impulso através dos trabalhos de Pavlov (53) e
Cannon (54), que passaram a ser nos anos de 1930 um componente integral da medicina
psicossomática (32).
Os estudos psicofisiológicos tem se concentrado sobre os mecanismos mediadores entre
as variáveis psicológicas de um lado, e de outro as funções normais e patológicas do corpo.
Tanto que, eles se preocupam com processos e co-relações mais do que com as questões de

16
etiologia da doença, que são sugeridas pela palavra “psicogênese”. A psicofisiologia pode
ser vista como resultado de um interesse antigo sobre o impacto das emoções no
funcionamento do corpo, e que tem sido consistentemente mais “científica” na sua
proximidade àquela matéria, no sentido de confiar-se no método experimental e abster-se de
generalizações radicais. Hoje, a pesquisa psicofisiológica continua a ser uma das divisões
mais vitais e indispensáveis dos estudos psicossomáticos (3), mas poderia ser incorreto
igualar toda a medicina psicossomática com a psicofisiologia; uma parte não se identifica
com o todo. (vide produção SuCor – ocitocina por ex., por outro lado não igualamos a
psicossomática com a psicanálise)
Uma abordagem muito diferente no estudo da influência das emoções sobre o corpo, com
uma preocupação sobre a sua natureza particular e papel na etiologia da doença, teve sua
inspiração a partir da psicanálise (55). A técnica de Freud de livre associação proporcionou
acesso aos processos mentais inconscientes, enquanto suas ideias de conflitos inconscientes,
repressão e conversão, forneceram instrumentos conceituais que poderiam ser aplicados
como hipóteses às relações psicossomáticas. Para Freud, sintomas histéricos apareciam
quando o afeto está associado a uma ideia altamente conflitante com o ego, e
consequentemente reprimido, passa a ser descarregado na inervação e sintomas somáticos.
Freud usava o termo “conversão” para referir-se ao processo através do qual a excitação era
transmutada em sintomas somáticos, mas ele confinou esta hipótese à histeria e não estendeu
à doença orgânica.
NOTA:

É interessante lembrar que a palavra neurose, na época, designava um distúrbio somático do

sistema nervoso e a preocupação de Freud consistia em demonstrar a natureza psicológica,

causal, desse distúrbio. Cometemos frequentemente o equívoco de transportar nosso

esquema conceitual atual para o passado, quando nele apenas se esboçava, com muita

dificuldade, o panorama psicológico das múltiplas queixas somáticas dessas neuroses. A

rigor, a descoberta da Psicanálise foi uma descoberta psicossomática. Descobria-se o

território da dinâmica mental, abrindo-se a porta das múltiplas manifestações somáticas das

neuroses.

17
Pelo contrário, outros seguidores de Freud, como Groddeck, Deutsch, e Jellife,
promoveram proposições sobre a etiologia da doença orgânica, moldadas nas suas
formulações sobre a origem dos sintomas histéricos (55). Groddeck (56), por exemplo,
afirmou que toda doença serve ao propósito de representar simbolicamente um conflito
interno e dirige-se a resolvê-lo, reprimindo-o, ou prevenir o que já foi reprimido de se tornar
consciente. (56). Foi a mais radical formulação da psicogênese a aparecer, como um produto
da teoria psicanalítica, e atraiu críticas agudas de alguns de seus colegas psicanalistas, assim
como Alexander, que desenvolveu a sua própria, e mais moderada, ideia de psicogênese.
Alexander (18,55), um dos pioneiros da medicina psicossomática, enveredou em 1932
numa série de estudos designados a elucidar a suposta causa do papel dos fatores emocionais
em varias doenças crônicas de etiologia desconhecida. A seu esforço foi aplicar a técnica
psicanalítica e seus conceitos às antigas ideias sobre a psicogênese (18). Ele diferenciou de
forma precisa os sintomas de conversão, como expressões simbólicas das questões
psicológicas na forma de sintomas somáticos de um lado, e de outro lado às doenças
orgânicas, que ele entendia como respostas vegetativas aos estados emocionais crônicos e,
consequentemente, destituído de qualquer significado simbólico. Ele denominou às últimas
de transtornos “vegetativos” ou neuroses “de órgão” e referiu-se a elas como transtornos
orgânicos psicogênicos. Alexander pressupôs que todo estado emocional tinha sua própria
síndrome fisiológica, e ambos poderiam ser induzidos por um estímulo emocional
apropriado. Ele afirmou que medo, agressão, culpa e desejos frustrados, se reprimidos,
resultariam em “tensões emocionais” crônicas e conseqüente disfunção dos órgãos do corpo
(18). A representação dos desejos e emoções ocorreria se eles dessem vazão aos conflitos
internos. Tais conflitos julgou Alexander, manifestaram uma predileção para perturbar a
função de órgãos internos específicos, pela analogia à afinidade de certos organismos por
partes específicas do corpo (18). Ele qualificou sua hipótese “teoria da especificidade”
sustentando que uma “constelação dinâmica” específica, consistindo de um conflito nuclear,
as defesas contra ele, e as emoções engendradas por ele, tendiam a se correlacionar com uma
resposta “vegetativa” específica. Alexander aplicou estas ideias a diversas doenças como
hipertensão essencial, artrite reumatóide, tireotoxicoses, e úlcera péptica, entre outras, e
formulou hipóteses psicogênicas complexas para justificar sua ocorrência. *(p.10) Alexander
teve o cuidado para precisar que sua teoria psicogenética implicava em processos
fisiológicos cerebrais que poderiam ser estudados através dos métodos psicológicos,
porque, eles eram subjetivamente experimentados, como as emoções, ideias ou desejos, e
poderiam em alguns casos, constituir as primeiras ligações numa corrente causal,

18
conduzindo, inicialmente, à perturbação da função e por último à doença orgânica estrutural.
A psicogênese não poderia, entretanto, dar conta completamente do desenvolvimento de
qualquer doença, visto que a evidência disponível sobre o todo apontou para a multi-
casualidade de todas as doenças. Foi somente a coexistência de fatores somáticos e
emocionais que poderia resultar em doenças tais como a úlcera péptica, por exemplo.
Alexander negou explicitamente a ideia de “doença psicossomática” por ser incompatível
com a doutrina de etiologia multifatorial (18, p.52), mas, contudo, ele fala em “transtorno
orgânico psicogênico” (18, p.44) como uma ideia aceitável.
A hipótese de Alexander representa a formulação mais elaborada da psicogênese sobre a
doença orgânica jamais colocada. Eles estabelecem, entretanto, um marco importante na
história do desenvolvimento daquela ideia, e geralmente da medicina psicossomática. Seus
aspectos exerceram, para melhor ou pior, uma extensa influência por uns 25 anos, entre mais
ou menos 1935 e 1960, e foram manifestamente muito mais moderadas do que o pan-
psicologismo extremo de Groddeck. Apesar de sua moderação, sua teoria da especificidade,
psicogenética, em relação a determinadas doenças, denominadas por muitos autores como
“psicossomáticas”, encontrou crítica crescente e sofreu um eclipse gradual (2,57-59,61).
A própria noção de psicogênese está sob ataque, por implicar, ou sugere afirmar que a
medicina psicossomática está relacionada com o papel da psique como um “agente
mórbido”, e promove uma noção simplista de cadeia causal linear, que se direciona das
emoções à doença (59). Tal casualidade linear é considerada como inadequada para explicar
o desenvolvimento da multiplicidade da morbidade humana.
A hipótese de Alexander pode ser vista como uma reformulação moderna e sofisticada da
ideia expressa de forma rudimentar por Galeno (errado, em Alexander não havia esta relação
– corpo e mente como unidade, duas faces da mesma moeda) no segundo século A.D., que
as paixões podem ter efeito prejudicial sobre o corpo e podem causar doença. Ao longo dos
séculos, as paixões ou emoções foram, por diversos motivos, apontadas, dentre o repertório
das variáveis psicológicas, como agentes etiológicos em potencial. A mais recente variação
deste tema é representada pelo conceito de alexitimia, proposto em 1972 para denominar
pessoas que tem dificuldade em descrever suas emoções e exibem uma vida de fantasia
limitada (60). Este constructo mal definido foi inadequadamente empregado por alguns
autores como um conceito explicativo em hipóteses sobre a etiologia dos chamados
transtornos psicossomáticos.
A premissa de que as emoções “causam” doença é vista amplamente hoje como arbitrária
e inválida. Pelo contrário, elas são consideradas como sendo variáveis intervenientes,

19
interpostas entre o significado da informação para o indivíduo interferindo sobre a pessoa de
um lado, e as respostas somáticas que se seguem, de outro lado (61). Na verdade, a noção
integral de psicogênese, é incompatível com a doutrina de multicausualidade da doença,
predominante no momento, não é muito válida, consequentemente, a conotação psicogênica
da palavra “psicossomática” deve ser descartada explicitamente. Como colocado por um
autor suscintamente, “comparar psicossomática com psicogênese é na verdade insensato e
obsoleto (62). A palavra “psicossomática” não deve ser usada para implicar causalidade em
nenhum sentido ou contexto, mas somente para referir-se às relações recíprocas entre fatos
biológicos e psicossociais na saúde e na doença (63). (ENGEL)
A preocupação com a natureza e o papel da interação desses fatores no desenvolvimento,
curso e desenvolvimento de todas as doenças continua a ser um dos temas principais na
medicina psicossomática, mas ela pode ser adequadamente incluída nas conotações holística
ou biopsicossocial da palavra “psicossomática” (64). Proponho que esta última conotação
como sendo a única aceitável hoje (3,65).

Definições apresentadas

O artigo de Ackerknecht (4) assim como a definição do Oxford English Dictionary da


palavra “psicossomática” discutidas anteriormente neste texto atesta a necessidade de se
definir mais uma vez o âmago dos termos relevantes à medicina psicossomática para melhor
delinear este campo. Um comentário recente feito por um psicólogo enfatiza esta
necessidade. “O campo da medicina psicossomática sofre pelas definições e conceitos que
emergiram, ao longo do tempo, sem a adequada prudência e estrutura para remover a
ambigüidade e garantir que o campo seja devidamente delineado” (66). A ambiguidade a
qual este autor faz alusão parece ter duas origens principais: 1) a dupla conotação do termo
“psicossomática”, que enfatizei neste artigo através de uma perspectiva histórica; e 2) o fato
de que a medicina psicossomática tem se concentrado ao estudo das relações entre
fenômenos que atravessam vários ramos da ciência e que torna difícil um delineamento mais
preciso do campo, se não indesejável.(vide Engel) O problema das relações complexas entre
aspectos psicológicos, sociais e biológicos, de saúde e de doença tem intrigado observadores
interessados por mais de 2.000 anos e continua um enigma. Não é de se admirar que, uma
disciplina científica recentemente organizada preocupando-se com um nó emaranhado, tem
sido assolada por confusão semântica, falsos princípios e ambigüidade. Estes obstáculos
relacionados ao objeto da medicina psicossomática não devem, entretanto, desencorajar

20
esforços periódicos para defini-lo com certa clareza. Tendo tentado faze-lo várias vezes nos
últimos 15 anos (2,3,60) e proponho tentar, mais uma vez, na esperança de que meu esforço
estimule a discussão e facilite o ensino.
“Psicossomática” é um termo que está relacionado à inseparabilidade e interdependência
dos aspectos psicossociais e biológicos (psicológico, somático) do ser humano. (Esta
conotação pode ser chamada “holística”, pois ela implica numa dimensão do ser humano
como um todo, um complexo mente-corpo embutido num ambiente social).
“Medicina psicossomática” (psicossomática) refere-se à disciplina preocupada com: a) o
estudo de correlações de fenômenos psicológicos e sociais com funções fisiológicas,
normais ou patológicas, e a interação dos fatores biológicos e psicossociais no
desenvolvimento, curso e desenvolvimento da doença; e b) defesa de uma abordagem
holística (ou biopsicossocial) para o cuidado do paciente e aplicação dos métodos derivados
de ciências comportamentais para prevenção e tratamento da morbidade humana. (Este
aspecto do campo é normalmente representado pela psiquiatria de ligação e medicina
comportamental).
Como um campo de estudo, ou disciplina científica, a medicina psicossomática está
interessada na observação e descrição dos fenômenos que são seus objetos de interesse, e
com a formulação de hipóteses prováveis e teorias sobre relações biopsicossociais, ambos,
na saúde e na doença. Enquanto toda esta atividade pode ser considerada como altamente
relevante ao debate sobre o problema corpo-mente, este último não pode ser visto como o
problema ou assunto da medicina psicossomática, visto ser ela uma disciplina empírica e não
filosófica.
Como uma abordagem operacional, mente e corpo podem ser considerados como
abstrações, para os propósitos metodológicos, no estudo de pessoas. A “mente” neste
aspecto refere-se a aqueles aspectos do homem que são mais convenientemente estudados
utilizando-se os métodos de ciências comportamentais descritas na linguagem da psicologia.
O “corpo”, em contraste, é aquele aspecto ao qual são aplicados os métodos investigativos,
conceitos e linguagem da biologia.
Como defesa para uma aproximação holística nos cuidados da saúde, a medicina
psicossomática propaga as seguintes premissas e preceitos:
1) O homem é um organismo biopsicossocial, aquele que recebe, armazena, processa,
cria e transmite informações, e atribui significado a elas, as quais, por sua vez,
suscitam respostas emocionais. As últimas, em virtude de seus concomitantes
fisiológicos, podem afetar todas as funções do corpo, tanto na saúde como na doença.

21
2) A saúde e a doença são estados arbitrariamente definidos do organismo e co-
determinados por fatores biológicos, psicológicos e sociais, e sempre possuem
aspectos biopsicossociais.
3) O estudo, a prevenção, diagnóstico e tratamento da doença devem levar em
consideração as diferentes contribuições de todas as 3 classes de variáveis acima.
4) A etiologia obedece a uma regra multifatorial. O peso relativo de cada classe de
fatores causais, entretanto, varia de doença para doença e de caso a caso; algumas são
necessárias e algumas são apenas contribuem.
5) O cuidado ideal do paciente requer que os pressupostos acima sejam aplicados na
prática da medicina atual.

“Transtorno/Desordem psicossomática” (ou doença, ou sintoma) é um termo que


permanece a ser usado, infelizmente, por alguns autores para referir-se a qualquer doença
somática ou disfunção sobre a qual os fatores psicológicos são postulados a desempenhar
um papel causal suficiente ou necessário. Este termo tem causado polêmicas insensatas e
enganosas, se uma dada doença ou transtorno é ou não elegível para inclusão na categoria
“psicossomática”. O uso contínuo deste termo deve ser desencorajado, pois ele tende a
perpetuar a noção obsoleta de psicogênese, que é incompatível com a doutrina da
multicausualidade, e que constitui uma suposição central da medicina psicossomática. Como
muitos outros autores, este autor tem insistido que este termo seja descartado (2,60).
Resumo e conclusões

As semânticas e a história da medicina psicossomática não são tópicos populares hoje em


dia, se é que eles o foram alguma vez, contudo ambos constituem facetas indispensáveis de
qualquer disciplina que reclama uma identidade separada, como o faz à psicossomática.
Por ser um campo incipiente e complexo de estudo, que lhe é inerente, se faz necessários
esforços repetidos para esclarecer seus significados-chave, para delinear seu campo de ação
e para projetar seu desenvolvimento além do tempo. Tais esforços devem ser premiados em
ensino aperfeiçoado desta matéria e na comunicação mais eficaz (efetiva) com trabalhadores
de outras disciplinas e com o público em geral.
Eu tentei neste relatório esboçar o desenvolvimento histórico das ideias psicossomáticas e
de algumas questões semânticas apropriadas. Parece que no início deste século, as
convergências de duas ideias antigas, a holística e a psicogênica, prepararam a base para o
surgimento nos anos de 1930 da medicina psicossomática como uma disciplina científica

22
organizada e uma contra-reforma em oposição a abordagem mecanicista do homem e da
medicina. Aquelas duas ideias vieram a ser representadas pela palavra “psicossomática” e
assim contribuíram para suas duas conotações distintas. A última não tem sido normalmente
bem discriminada; por isso a ambigüidade do termo. Eu tenho argumentado que somente a
conotação holística deve ser conservada, pois ela exprime propriamente o ponto de vista
contemporâneo.
É pena que a palavra “holística” tenha sido apropriada recentemente por um movimento
de saúde holístico “anti-científico e anti-intelectual” (67), tendo como resultado, o aumento
na confusão semântica e, aos olhos de muitos, perda de credibilidade pelo uso deste termo
de forma inapropriada. No entanto, ele tem os seus méritos: curto, simples e derivado do
Grego – como foram as muitas ideias com as quais ele veio a dar sentido. Além disso,
“holística” tem feito parte de um vocabulário básico da medicina psicossomática desde o
começo e exprime suas premissas principais e corresponde fielmente aos propósitos. Como
um historiador colocou oportunamente: a função histórica do movimento psicossomático
tem sido de “vitalizar a toda a medicina, a psiquiatria não menos... com o ponto de vista
ecológico e holístico” (59, p.9).
Eric Wittkower (68), um dos precursores psicossomáticos, e meu primeiro professor,
falecido recentemente, prognosticava, em 1960, que no futuro, a medicina psicossomática
provavelmente seguiria uma das 3 direções:
1) Tornar-se-ia uma especialidade restrita e dominada pelos psicanalistas;
2) Confinar a si mesma na pesquisa psicofisiológica;
3) Desenvolver-se dentro de um caminho holístico pertinente a problemas médicos.

Olhando para trás, nas últimas duas décadas, eu diria que o campo tornou-se uma
combinação inseparável da psicofisiologia e da abordagem holística (61,65).

Autor: Z. J. Lipowski, MD
Nota: as referencias numéricas se encontram no final do texto em inglês.

Psychosomatic Medicine Vol. 46, No. 2 (March/April 1984) 153


Copyright © 1984 by the American Psychosomatic Society, Published by Elsevier Science
Publishing Co, Inc.

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