Você está na página 1de 16

Psicologia: Ciência e Profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.20 no.4 Brasília Dec. 2000

http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932000000400008

Psicossomática um estudo histórico e epistemológico

Ednéia Albino Nunes Cerchiari*

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Endereço para correspondência

RESUMO

Artigo originado da Dissertação de Mestrado “ Uma Contribuição ao Estudo da


Relação Câncer de Mama e Alexitimia” 1. Trata-se de um detalhado estudo teórico
sobre o tema, abrangendo a psicossomática desde suas origens às abordagens
atuais. Procura fazer um levantamento de quais doenças que se encontram sob
esta denominação e qual o fator etiológico predominante se biológico ou psíquico.
Analisa também a alexitimia em sua relação com a psicossomática. Sugerir ainda o
termo somatopsicose como o mais indicado para referenciar as doenças designadas
psicossomáticas.

Palavras-chave: Psicossomática, Alexitimia, Somatopsicose.

ABSTRACT

This article originated from the mastership dissertation “ A Contribution to the


study on the relationship of breast cancer and alexithymia” . The detailed study
about this teme shows the deasese psychosomatic from yours origin until now. This
study shows yet which desease are called desease psychosomatic and which factor
etiologic main and if the desease are biologic or psychic. This study analyses the
alexitymia and yours relationship with psychosomatic. The author suggests the
word somatic-psycosis with the best word to indicate deseases called deseases
psychosomatics.
Keywords: Psychosomatic, Alexithymia, Somatic-psycosis.

O termo psicossomático, após séculos de estruturação, surgiu no século passado,


através de Heinroth, com a criação das expressões psicossomática (1918) e
somatopsíquica (1928). (Mello Filho, 1992).

No entanto, o movimento consolidou-se somente em meados deste século, através


das contribuições pioneiras de Franz Alexander e da Escola de Chicago. Contudo, as
dúvidas referentes à relação mente corpo continuam expressas na própria
denominação “ psicossomática” e ainda continua a ser usada por muitos
estudiosos destes fenômenos.

Para Alexander, o termo psicossomático “ deve ser usado apenas para indicar um
método de abordagem, tanto em pesquisa quanto em terapia, ou seja, o uso
simultâneo e coordenado de métodos e conceitos somáticos - de um lado e
métodos e conceitos psicológicos por outro lado” . (Alexander, 1989, p.42).

A. Dias (1992, p.31), refletindo a relação entre sujeito e linguagem, começa por
criticar o termo psicossomático. Afirma que é um termo gasto, pois “ entrou no
domínio do psiquiátrico e da medicina com uma tal amplitude que, se bem que
criando um novo espaço de investigação, também o diluiu noutros espaços afins” .
Propõe ainda que, “ a partir de algumas indicações deixadas por Bion” , há
necessidade de se interrogar quanto à inespecificidade do termo psicossomático e
sua pertinência.

O termo psicossomático, na expressão mais comum, pode reportar-se tanto ao


quesito da origem psicológica de determinadas doenças orgânicas, quanto
às “ repercussões afetivas do estado de doença física no indivíduo, como até
confundir-se com simulação e hipocondria, onde toma um sentido negativo” .
(Cardoso, 1995, p.5).

No sentido mais preciso, o termo circunscreve áreas específicas, sobreponíveis ou


não, quando se refere à medicina psicossomática, doenças psicossomáticas ou
psicossomática.

A denominação de medicina psicossomática, de acordo com seu campo


epistemológico, “ é um estudo das relações mente corpo com ênfase na explicação
da patologia somática, uma proposta de assistência integral e uma transcrição para
a linguagem psicológica dos sintomas corporais” . (Ekstermam, 1992, p.77).

Sami-Ali (1992, p.159) ao refletir sobre a ligação entre o orgânico e o relacional


começa por distinguir medicina psicossomática e psicossomática. Assim, a medicina
psicossomática é “ uma maneira de introduzir variáveis psicológicas num domínio
que se define como orgânico, adicionando variáveis psíquicas às variáveis
orgânicas” .

A Psicossomática proposta por ele, no entanto, é um modelo teórico e uma


metodologia específica, onde o somático é percebido em sua complexidade e não
na falha psíquica. Desta forma, Sami-Ali inspira-se na psicanálise, mas a utiliza
somente como ponto de partida “ para a elaboração de outros conceitos” (Sami-
Ali, loc. cit.), afastando-se, desta forma, dos modelos freudianos.

O conceito de doença psicossomática, sua classificação e diagnóstico, é outra


questão polêmica. Halliday (1943,1945,1946,1948, cit. Alexander, 1989, p.43)
propõe que a úlcera péptica, a artrite reumatóide, a hipertensão, o hipertireodismo
essencial e outras estariam inclusos nas doenças psicossomáticas. O ponto de
partida deste autor firma-se na hipótese de que o fator etiológico proeminente
nestas doenças é o fator psicológico.

No entanto, Alexander2 (1989) diz que, teoricamente, “ cada doença é


psicossomática, uma vez que fatores emocionais influenciam todos os processos do
corpo, através das vias nervosas humorais e que os fenômenos somáticos e
psicológicos ocorrem no mesmo organismo e são apenas dois aspectos do mesmo
processo” .

Portanto, a designação de psicossomática, devido a “ seu esforço de delimitação e


rigor no seu objeto e métodos” , foi distanciado-se cada vez mais da Medicina
Psicossomática. No entanto, “ isso não significa que se caminhe no sentido da
síntese de um modelo psicossomático” , contudo situa-se numa “ perspectiva
específica no modo de encarar os fenômenos de doença” . E tampouco significa que
se tenha resolvido antigas questões do impasse das teorias monistas e dualistas da
relação corpo-espírito (Cardoso, 1995, p.5).

Evolução Histórica do Conceito

Se partirmos do pressuposto da unidade funcional soma-psyche, na qual a


psicossomática se funda, “ ela constitui, mais uma vez, uma resposta à velha
questão da relação corpo espírito” . (Weiss e English, 1952, cit. Cardoso, 1995,
p.7), assunto provavelmente tão antigo quanto à própria humanidade, uma vez que
a relação entre corpo e espírito foi e continua a ser assunto tão controvertido e
fecundo.

Ao fazer referência a insônia e a influência das paixões na tuberculose, epilepsia e


cancro, J. C. Heinroth, psiquiatra alemão, utiliza pela primeira vez, em 1818, o
termo psicossomática. A medicina psicossomática, a partir do século passado, como
reação à tradição dualista cartesiana, surge com a proposta holística na maneira de
olhar a doença. Somente no século posterior, o termo psicossomática é retomado,
influenciado pelo desenvolvimento da psicanálise e do modelo freudiano, iniciando,
desta forma, sua estruturação.

A medicina, conhecedora “ das descobertas e da teorização da psicanálise, das


investigações no campo da reflexiologia por Pavlov (1976), da neurofisiologia por
Cannon (1911) e da conceptualização da noção de stress por Selye
(1956).” (Cardoso, 1995, op. cit.), utiliza destas valiosas contribuições para fazer
uma nova leitura dos fenômenos.

A história da psicossomática, poderia ser dividida em duas grandes correntes: de


um lado, as correntes inspiradas “ nas teorias psicanalíticas e com base no conceito
de doença psicossomática” ; de outro lado, a“ inspiração biológica, alicerçada no
conceito de stress” . (Dantzer, 1989 cit. Cardoso, 1995, op. cit.).
Para Mello Filho (1992), a evolução da psicossomática ocorreu em fases. A
primeira, denominada de fase inicial ou psicanalítica, sob a influência das teorias
psicanalíticas, teve seu interesse voltado para os estudos da origem inconsciente
das doenças, das teorias da regressão e dos ganhos secundários da doença. A
segunda, também chamada de fase intermediária, influenciada pelo modelo
Behaviorista, valorizou as pesquisas tanto em homens como em animais, deixando
assim grande legado aos estudos do stress. A terceira fase, denominada de atual
ou multidisciplinar, valorizou o social, a interação e interconexão entre os
profissionais das várias áreas da saúde.

Precursores Contribuições da Psicanálise

A psicossomática e a psicanálise estão articuladas histórica e praticamente, mesmo


que Freud, em momento algum, tenha se preocupado em criar uma teoria
psicossomática. Devido ao fato de seus conceitos fomentarem grandes discussões e
fundamentarem inúmeros modelos, ele é considerado um dos percursores mais
influentes nesta área (Dejours et al.., 1980; Dejours, 1988, cit. Cardoso, 1995).

Freud (1895), em seus estudos sobre a histeria, “ aborda a componente somática


do sintoma de um ponto de vista econômico e conceptualiza o fenômeno de
conexão, a que atribui o sentido de expressão simbólica do conflito” . (A. Dias 1976
cit. Cardoso, 1995, op. cit.).

Diferentemente de Janet que “ afirmava um valor negativo, fosse para organização


mental subjacente (subconsciente) ou para o sistema neurótico (astenia)” , Freud
propõe um valor positivo à “ descompensação neurótica, via o estudo do fenômeno
histérico” (A. Dias, 1992, op. cit.), delimitando, assim, o pensamento psicanalítico
do pensamento psicológico da época.

A noção de complacência somática3 é introduzida por Freud, constituindo objeto de


controvérsia, ainda hoje, por aqueles que defendem “ o assimbolismo ou estupidez
do sintoma e da escolha do órgão, contra os que acreditam no seu valor
simbólico” . (Cardoso, 1995). Ao tentar “ articular o somático e o psíquico” , Freud
faz a distinção entre as psiconeuroses e as neuroses atuais, contribuindo
sobremaneira a algumas teorias psicossomática (Sami-Ali, 1992, op. cit.).

Freud introduziu a expressão complacência somática para se referir à “ escolha da


neurose histérica e a escolha do órgão ou do aparelho corporal sobre o qual se dá a
conversão” . (Laplanche e Pontalis, 1995, p.69), onde o corpo ou um órgão
específico facilitaria a expressão simbólica do conflito inconsciente. Ao questionar a
determinação do sintoma, no caso Dora, Freud (1905) levanta a polêmica questão
referente à origem dos sintomas histéricos, ou seja, se seriam de origem psíquica
ou somática. Para ele, no entanto, a questão da origem dos sintomas histéricos,
não está em escolher entre a origem psíquica e a somática, uma vez que “ todo
sintoma histérico requer a participação de ambos. Não pode ocorrer sem a
presença de uma certa complacência somática fornecida por algum processo
normal ou patológico no interior de um órgão do corpo ou com ele relacionado” .
(Freud, 1905, Vol. VII, p. 47-48). Portanto, para Freud, é esta complacência
somática que “ proporciona aos processos psíquicos inconscientes uma saída no
corporal” (Freud, 1905, loc. cit.).

Nas psiconeuroses os sintomas provêm do recalcado num processo de insucesso do


recalcamento e de retorno do recalcado. Ou seja, o “ conflito intrapsíquico e as
tentativas para sua elaboração tomariam o lugar central, com existência de
fantasma e neurose de transfert” (Cardoso, 1995, p.9). Enquanto que nas
neuroses atuais (neurastenia, neurose de angustia e hipocondria) não há mediação
psíquica e a patologia reflete, diretamente, uma economia sexual perturbada,
conseqüência de um excesso ou insuficiência de descarga, “ seria a realidade a
tomar maior importância, ficando o conflito fora do acesso do sujeito” (Sami-Ali,
cit. Cardoso, 1995, p.9).

Vemos que, os contributos da psicanálise para a teoria psicossomática são valiosos,


uma vez que, “ qualquer que seja o momento de sua elaboração, a teoria
psicossomática permanece estreitamente ligada à psicopatologia e mais
especialmente à noção de psiconeurose, o que continua sendo a norma mesmo
quando dela nos afastamos deliberadamente” (Sami-Ali, 1993, p.86).

Escola Psicossomática Americana

Na América, o interesse pela psicossomática surge por volta dos anos 30,
consolidando-se em meados deste século com Alexander e Dunbar da Escola de
Chicago. Estes autores consideram que os transtornos psicossomáticos
seriam “ conseqüência de estados de tensão crônica, relativa à expressão
inadequada de determinadas vivências, que seriam derivadas para o corpo” .
(Cardoso, 1995, p.10). Defendem ainda a questão da especificidade da doença
psicossomática numa visão psicogenética. De acordo com a hipótese da
especificidade, “ as diferentes doenças psicossomáticas corresponderiam diferentes
‘ factores psicológicos’ , que para Dunbar seriam os tipos de personalidade e para
Alexander os conflitos ou ‘ situações de vida significantes’ ” (Cardoso, 1995, loc.
cit.)

A. Dias (1992), criticando os dois grandes ramos da psicossomática (Escola


Americana e Escola de Paris), diz que o modelo de Alexander e os que dele derivam
é um modelo médico “ que, entreabindo as portas à ‘ neurose de órgão’ , lhes
fechara imediatamente pela imposição do anatômico que ‘ exigia’ uma explicação
do localisacional fisiológico” . ( A.Dias, 1992, p.39). Este autor ainda salienta que
existe “ insuficiência epistemológica crucial” no modelo de Alexander, quando este
defende a questão da especificidade, ao tentar acoplar ao órgão e sua doença
diferentes personalidades, onde a cada vivência emocional corresponderia uma
síndrome específica de alterações físicas.

Alexander (1989, p.37), analisando o conceito Freudiano de histeria conversiva em


psicossomática faz uma distinção entre sintoma conversivo e neurose vegetativa.
Para ele, o sintoma conversivo é “ uma expressão simbólica de um conteúdo
psicológico emocionalmente definido” , cuja finalidade é “ expressar e aliviar
tensões emocionais” , através dos sistemas neuromuscular voluntário ou
perceptivo. Enquanto a neurose vegetativa é uma resposta fisiológica dos órgãos
vegetativos a estados que podem ser ou não constantes.

Para este autor, apenas no campo das inervações voluntárias pode haver a
expressão simbólica do conteúdo psicológico, enquanto que é pouco provável que
nos órgãos internos haja expressão simbólica. Para explicar este funcionamento,
Alexander cria a noção de “ neurose orgânica” , que abrange todos os “ distúrbios
funcionais” dos órgãos vegetativos, causados por impulsos nervosos, originados
por processos emocionais “ que ocorrem em algum lugar nas áreas cortical e
subcortical do cérebro” (Alexander, 1989, p.37).
Portanto, segundo este autor, a tensão emocional proveniente de conflitos
vivenciados ou afetos específicos reprimidos estimulariam a função de órgãos
específicos, verificando-se, a partir daí, “ uma espécie de ‘ estase anormal de
energia’ , pelo aumento ou persistência da produção dos concomitantes fisiológicos
das emoções, perturbadora do seu funcionamento normal” , isto é, o que em um
primeiro momento “ se traduziria por uma alteração da função” posteriormente se
constituiria em “ uma transformação orgânica” , ou seja, “ passaria de sintoma
funcional a sintoma orgânico” (Cardoso, 1995, p.11).

Do ponto de vista psicodinâmico, Alexander (1989, p.11), divide os distúrbios


emocionais das funções vegetativas em duas categorias, sendo que correspondem
a duas atitudes emocionais específicas. A primeira categoria se refere às atitudes
emocionais de “ preparação para luta ou fuga” e a segunda à “ retirada da
atividade” dirigida para o exterior. E, do ponto de vista fisiológico, as atitudes
emocionais, da primeira categoria, estão sob o comando do sistema nervoso
simpático; e, a segunda categoria, sob o sistema nervoso parassimpático. Partindo
deste princípio, distingue as doenças relacionadas ao sistema nervoso simpático
como respostas ativas, e as doenças relacionadas ao sistema nervoso
parassimpático como respostas passivas. “ O primeiro grupo incluíria doenças como
a hipertensão arterial, a diabetes, a epilepsia, etc... enquanto do segundo grupo
fariam parte afecções como asma, as colites, a úlcera duodenal, etc...” (Cardoso,
1995, p.11).

A teoria da especificidade4 norteia todos os pontos de vista de Alexander. Para ele,


a especificidade orgânica seria responsável pela fragilidade de determinados
órgãos. “ Está aliada a constelações emocionais ou psicodinâmicas dos sujeitos e
que a par de conflitos inconscientes específicos organizaria modos de defesa
também específicas, poderia levar ao aparecimento de determinadas doenças,
servindo a situação exterior de desencadeante” (Cardoso, 1995, loc. cit.).

O conceito de que há uma predisposição para determinadas doenças conforme o


tipo de personalidade é muito antigo e ainda presente no pensamento médico.
Dunbar, a partir da aplicação de “ métodos modernos de diagnóstico
psicodinâmico” (Alexander, 1989, p.59) explora este campo fértil e “ desenvolve a
noção de perfil de personalidade, enquanto factor pré-mórbido determinante no
aparecimento de certas doenças psicossomáticas” (Cardoso, 1995, op. cit.).

Em seu estudo de perfis, esta autora procura “ associar a um perfil psicológico uma
patologia orgânica precisa” (Sami-Ali, 1993, p.86), chegando, inclusive, a um
impressionante perfil do paciente coronariano, dos pacientes fraturados e
propensos a acidentes, dos pacientes diabéticos etc.... Nestes estudos de perfis,
Dunbar (1943, cit. Alexander, 1989) descreve determinadas “ correlações
estatísticas entre a doença e o tipo de personalidade” . (Alexander, 1989, p.59). O
perfil do paciente coronariano parece ser o mais precioso de seus perfis. Para ela,
este paciente demonstra ser uma pessoa constantemente batalhadora. Apresenta
ter um elevado grau de controle e persistência e, também, uma aparência distinta,
tendo como objetivo primordial o sucesso e a realização e, para atingir estes
objetivos, o mesmo planeja a longo prazo.

Outro perfil estudado por ela se refere ao paciente fraturado. Ao contrário dos
pacientes coronarianos, estes“ Tendem a agir sob impulso repentino e,
freqüentemente, manifestam hostilidade mal controlada contra pessoas em posição
de autoridade; ao mesmo tempo, seu comportamento é motivado por sentimentos
de culpa e mostra uma tendência a auto-punição” (Alexander, 1989, p.59)
Através destes estudos de perfis, Dunbar, conclui que determinados tipos de
personalidades tenderiam a assumir ou não ocupações de responsabilidade.

Alvarez (1930, cit. Alexander, 1989), clínico e estudioso de perfis, tem aperfeiçoado
o “ conceito de personalidade própria do portador de úlcera péptica” (Alexander,
1989, p.58), concluindo que estas pessoas demonstram características do tipo
empreendedor, enérgico e agressivo. No entanto, Draper (1924, cit. Alexander,
1989) diz que um grande número de pacientes com úlcera péptica demonstram que
sob a aparência de empreendedor, enérgico e agressivo há característica de
dependência e, “ conforme ele as expressou, femininas” (Alexander, 1989, loc.
cit.).

As doenças endócrinas é outro terreno fecundo para a “ correlação de traços de


personalidades com quadros de doença” (Alexander, 1989, p.58). O paciente com
hipertireoidismo demonstra ser “ extremamente tenso, irritável e sensível” ,
(Alexander, 1989, op. cit.), enquanto que o paciente com hipotireoidismo
demonstra ser uma pessoa“ embotada, fleumática e lenta” (Alexander, 1989, op.
cit.).

Alexander, criticando estes perfis psicológicos de Dunbar, afirma que os


mesmos “ revelam, primariamente, a defesa do paciente e não os conflitos que
podem estar relacionados especificamente à gênese da doença” (Alexander, 1989,
op. cit.) e que os estudos psicodinâmicos têm revelado que determinados
“ distúrbios das funções vegetativas podem ser correlacionadas diretamente com
estados emocionais específicos e não com configurações de personalidades
superficiais, como descritas nos perfis de personalidade” (Alexander, 1989, op.
cit.).

Na mesma perspectiva de Dunbar, Friedman e Rosenman, (1959, cit. Léon, 1993),


na década de 50, ao investigarem seus pacientes com doenças coronarianas,
concluem que determinados indivíduos que apresentam uma acentuada urgência de
tempo associada a uma intensa hostilidade, grande fluência verbal, atividade
psicomotora intensa, ambição e competição estariam mais suscetíveis às doenças
coronarianas. A este tipo de padrão de conduta que predispõe o indivíduo a
doenças coronarianas, estes autores denominaram de Padrão de Conduta tipo A, ou
personalidade tipo A .

Apesar da aceitação e da popularidade desta teoria nos anos 70, alguns autores
(Price, 1982; De Flores e Valdes, 1986; cit. Léon, 1993, op. cit.) questionam o peso
destas características nas doenças coronarianas.“ Parece que somente certas
características da personalidade do tipo A, tais como a agressividade e a cólera,
poderiam ser ligadas à aparição de doenças coronárias. Um outro problema ameaça
a validade do tipo A, é o fato de ele não predizer os riscos coronários em
mulheres” (Paulhan, et al. , 1994, p. 34, tradução nossa).

Escola Psicossomática de Paris

Em uma reversão de perspectiva das escolas americanas, no final dos anos 50, a
França, a partir de nomes com o P. Marty, M de M’ Uzan, M. Fain e C. David, inicia
uma investigação em psicossomática.

Para A. Dias (1992), esses autores, ao utilizarem uma “ escuta analítica” destes
sujeitos, ao invés de escutar “ o sujeito via órgão” , diferenciaram-se
substancialmente da escola psicossomática americana. Ao realizarem esta forma de
escuta, “ Marty e seus colegas” se surpreenderam, pois descobriram que estes
sujeitos “ não estavam falando de nada” . No entanto, este nada “ possibilitou aos
investigadores franceses a formulação de uma gigantesca negatividade simbólica,
aonde o pensamento operatório, a precariedade onírica e a ausência de fantasia se
impunham como esfinges aos decifradores do enigma psicossomático” (A Dias,
1992, p.40).

Para estes autores, o termo “ psicossomática” se refere à designação de


uma “ abordagem de pacientes, de uma técnica psicoterápica e de uma teoria” ,
(Rocha, 1989, p.104) cujo interesse é a compreensão do que ocorre na mente dos
sujeitos que respondem aos conflitos e aos acontecimentos somatizando. Esta
forma peculiar de organização mental apresenta as seguintes
características: “ dificuldade de fantasiar livremente, pobreza de associações
subjetivas, dificuldade de estabelecer uma transferência, pobreza de investimentos
libidinais e ausência de reações afetivas diante de perdas e outros acontecimentos
traumáticos” , (Rocha, 1989, loc. cit.). A este grupo de características, nomearam
de “ relação branca” , “ vida operatória” .

Marty e M’ Uzan (1983, cit. Silva e Caldeira, 1992, p.113),. a partir dos estudos
realizados por Fain e David, sobre a vida onírica e aplicados à seus pacientes,
perceberam que estes tinham uma forma peculiar de pensar e de lidar com suas
emoções. A esta forma de pensamento, estes autores denominaram
de “ pensamento operatório” . Portanto, o conceito de “ pensamento
operatório” surgiu nos últimos anos como conseqüência do desenvolvimento da
escola francesa e americana, para designar a forma de pensar e de lidar com
emoções de pacientes definidos como psicossomáticos.

Esta forma peculiar de pensamento seria para eles um pensamento consciente que
se organizaria por causa da“ falha do pré-consciente” , acarretando assim
impossibilidade de comunicação entre o consciente e o inconsciente.
Conseqüentemente , os sujeitos que apresentam esse estilo peculiar de
pensamento teriam uma pobreza fantasmática e uma precária vida onírica.
Portanto, a capacidade simbólica e o valor de sublimação seriam quase inexistentes
acarretando um prejuízo considerável da capacidade de produção, quer científica
quer artística, desses sujeitos.

Essa estrutura de pensamento apresenta duas características fundamentais: a


primeira se refere a um pensamento consciente que se manifesta sem vínculo
algum com o orgânico e sem atividade fantasmática de considerável valor; e a
segunda diz respeito ao fato do pensamento reproduzir simplesmente uma ação, ou
seja, não há significado para o ato, mas apenas a palavra ilustrando a ação. Nesse
sentido, a palavra seria apenas para descarregar uma tensão. Ela é vazia,
desprovida de qualquer elaboração e sem nenhuma ligação“ con una atividaded
fantasmática situado en un grado apreciable5 ” (Martin y M’ Uzan, 1963, p.715); é
apenas uma reprodução do ato, não há distância do significante perante o
significado.

Do ponto de vista funcional, Marty e M’ Uzan (1963) procuram relacionar a


singularidade do pensamento operatório ao processo primário e secundário.

O fato de se encontrar, nesse tipo de pensamento, orientação para a realidade


sensível, preocupação com o lógico, com a continuidade e com a casualidade nos
remeteria a uma modalidade do processo secundário, no entanto a atividade deste
estilo de pensamento se fixa, principalmente, às coisas e não às expressões
simbólicas e à imaginação. Quanto à noção de cronologia, esta se utiliza do
processo secundário, no entanto, ocorre, em uma unidade de tempo limitado.

Para esses autores, em um primeiro momento parece que não há nenhuma relação
entre o pensamento operatório e o processo primário. No entanto, determinadas
manifestações verbais perversas ou agressivas, que surgem de repente
desconectadas do contexto, denunciam uma certa ligação com o inconsciente.
Apesar da existência dessa ligação, o contato estabelecido entre eles ocorre “ en el
nível mas boyo, el menos elaborado, mas acá de las primeiras elaboraciones
integradoras de la vida pulsional6 ” . (Marty y M’ Uzan, 1963, p.719).

Escola de Boston e Conceito de Alexitimia

Jonhn Nemiah e Peter Sifneos, dois analistas americanos, nos anos 70, que se
propuseram a realizar pesquisas sobre a forma peculiar de se comunicar dos
pacientes psicossomáticos, constataram, por meio do estudo minucioso de
entrevistas psiquiátricas, gravadas com pacientes que apresentavam alguma
doença psicossomática clássica, que dezesseis desses pacientes demonstraram uma
impressionante dificuldade de expressar ou descrever suas emoções através da
palavra, assim como uma acentuada diminuição dos pensamentos fantasmáticos.

Posteriormente, após repetidas observações, estes autores concluíram que os


pacientes com doenças psicossomáticas clássicas, ao contrário dos pacientes
psiconeuróticos, apresentavam freqüentemente uma desordem específica nas suas
funções afetivas e simbólicas, acarretando uma forma de se comunicar confusa e
improdutiva (Taylor, 1990).

A esta maneira peculiar de se comunicar desses pacientes, Sifneos(1972)


denominou de alexitimia, sendo que a etimiologia da palavra alexitimia é de origem
grega (a = falta de, lexis = palavra, thymos = emoção), significando falta de
palavras para as emoções (Taylor, 1990)

A alexitimia, apesar de inicialmente ter sido relacionada a perturbações


psicossomáticas clássicas, atualmente, pode ser encontrada em um grande número
de sujeitos que padecem de diversas perturbações físicas e psicopatológicas, quer
como um estilo peculiar do funcionamento mental, quer como resposta do sujeito
às“ situações vividas como ameaçadoras pela difícil contenção psíquica das
emoções dolorosas” (Teixeira e col., p.381).

Apesar desses estudos atuais demonstrarem que essa maneira peculiar de se


comunicar não é específica dos pacientes com doenças psicossomáticas clássicas, a
contribuição de Nemiah e Sifneos é de importância fundamental, pois chamaram a
atenção para um aspecto do funcionamento psíquico relevante tanto para a
medicina psicossomática quanto para a psicanálise. Apontaram, principalmente
para a psicanálise atual, uma direção a tomar sobre a exploração da vida intra-
psíquica via estudo da comunicação entre paciente e analista.

Embora sejam várias as investigações no sentido de encontrar uma única


explicação etiológica para a alexitimia, Nemiah (1977, cit. Taylor 1990) acredita na
hipótese de que haja múltiplos fatores exercendo influências no desenvolvimento
deste fenômeno tão complexo. Taylor (1988), concorda com esta hipótese e
ressalta que a maneira de se comunicar é influenciada, não somente por fatores
genéticos, neuropsicológicos e intra-psíquicos, mas também por fatores sócio-
culturais, pelo nível intelectual e pelos modelos dos discursos familiares.

De acordo com Mc Dougall (1974, cit. Taylor 1990), ao contrário do que acontece
na histeria de conversão, onde o corpo se rende à dramatização simbólica do
conflito intra-psíquico, no fenômeno alexitímico o corpo segrega seus próprios
pensamentos. Sendo este corpo sentido como se pertencesse a alguém (mãe) ou a
alguma coisa (mundo externo). Para essa autora, o fenômeno alexitímico acontece
em decorrência de perturbações da relação mãe-filho, sendo esse fenômeno uma
patologia pré-neurótica extremamente precoce dominada pelos mecanismos de
defesa de clivagem e de identificação projetiva (Mc Dougall, 1980, 1982 cit. Taylor,
1990). Essas perturbações correspondem à fase do desenvolvimento simbiótico,
onde as representações de si e as representações do objeto não são nitidamente
diferenciadas e também os símbolos não são utilizados de forma concreta.
Portanto, do ponto de vista de Mc Dougall (1982), a alexitimia é uma “ dèfense
singulièrement forte contre la douleur psychique et les anxiétés psychotiques
associées aux objtes internes archaiques7 ” (Taylor, 1990, p. 778).

Krystal (1973, cit. Silva e Caldeira, 1992) realizou estudos em toxicômanos, vítimas
de holocaustos e indivíduos psicossomáticos, e concluiu que a alexitimia é mais que
uma defesa, como postulou Mc Dougall, é uma parada do desenvolvimento afetivo
decorrente de um traumatismo infantil, ou uma regressão da “ fonction affetictive-
cognitive après un traumatisme catastrophique à l’ agê adulte8 ” (Krystal,
1979,1982-1983 cit. Taylor, 1990, p. 778). Portanto, a concepção de alexitimia de
Krystal se aproxima da noção de Bion (1977) de “ d’ une fonction alpha
déficente9 ” e também da concepção Kleiniana de “ fixation ou de régression par
rapport à la position paranóide-schizóide10” (Taylor, 1990, p. 779).

De acordo com o exposto anteriormente, a alexitimia é um constructo derivado da


clínica baseado em observações e minuciosos estudos das entrevistas de consultas
psiquiátricas em pacientes com doenças psicossomáticas clássicas.

Nemiah e Sifneos (1970, cit. Taylor, 1990) perceberam, através desses estudos
que havia uma nítida diferença na maneira como se queixavam os pacientes
alexitímicos dos pacientes neuróticos. Enquanto os pacientes neuróticos se
queixavam de sintomas emocionais e dificuldades psicológicas, os pacientes
alexitímicos se queixavam de sintomas somáticos, onde na maioria das vezes não
havia qualquer ligação entre os sintomas e qualquer doença física que pudessem
ter. A maneira como esses pacientes se comunicavam se caracterizava por um
pensamento simbólico em que as pulsões, os sentimentos e os desejos não
apareciam. Sendo esse um pensamento vulgar, particular, preocupado com
detalhes e acontecimentos externos, ou seja, voltado para o mundo exterior em
detrimento do mundo interior.

Outra característica, apontada por esses autores, se refere a uma extraordinária


dificuldade desses sujeitos em reconhecer e descrever seus próprios sentimentos,
assim como, em diferenciar as sensações corporais dos estados emocionais.
(Nemiah, Freyberger e Sifneos, 1976, cit. Taylor, 1990). Ainda, nessa concepção,
esses sujeitos demonstraram ser hiperadaptados e com elevado grau de
“ conformismo social” , aparentando ser às vezes um neurótico com “ une
personnalité hystérique ou un caractére obsessionnel 11 ” (Taylor, 1990, p. 771).
No entanto, Nemiah (1973) faz uma distinção, dizendo que as personalidades
alexitímicas apresentam uma ausência de pensamento fantasmático associados ao
conflito psicológico (Taylor, 1990).
A Explicação Biológica e Neurofisiológica em Psicossomática

Chrousos e Gold (1993) definem estresse “ como um estado de desarmonia ou de


homeostase ameaçada” . (Chrousos e Gold, 1993, p. 479). Para estes autores,
Heracleitus foi o primeiro a sugerir que um “ estado estático, sem alteração, não
era condição natural” (Chrousos e Gold, 1993, op. cit.) dos organismos vivos, mas
sim a capacidade, de se submeterem a alterações constantes. Empédocles, logo
após esta idéia, propõe que a condição necessária para a sobrevivência dos seres
vivos consiste no equilíbrio e harmonia dos elementos em oposição dinâmica.

Partindo desta concepção, Hipócrates, cem anos depois, define saúde como sendo
um equilíbrio harmonioso dos“ elementos e das qualidades de vida” (Chrousos e
Gold, 1993, p.480) e doença como “ desarmonia sistemática destes elementos” .
(Chrousos e Gold, 1993, loc. cit.). Hipócrates sugere ainda que as forças que
provocam a desarmonia - a doença - têm sua origem nas “ fontes naturais e não
de fontes sobrenaturais e que as forças de contra equilíbrio ou adaptativas eram
também de origem natural” (Chrousos e Gold, 1993, loc. cit.).

Thomas Sydenham, no período da Renascença, amplia o conceito de doença de


Hipócrates quando a define como “ uma desarmonia sistemática trazida à tona
devido às forças perturbadoras” (Chrousos e Gold, 1993, loc. cit.), sugerindo que
uma resposta adaptativa a estas forças poderia acarretar alterações patológicas.

No século XIX, ao tornar mais ampla a noção de harmonia ou de estado de


estabilidade, Claude Bernard, introduz o conceito do “ milieu interieu, ou o princípio
de um equilíbrio fisiológico interno dinâmico” (Chrousos e Gold, 1993, loc. cit.).

Posteriomente, Walter Cannon, fisiologista notável criou o termo homeostase,


ampliando-o tanto a parâmetros emocionais quanto a físicos. Através de suas
pesquisas com animais percebeu que, quando estes eram submetidos a estímulos
desequilibradores de sua homeostase, se preparavam para “ a luta ou fuga” ,
apresentando alterações somáticas12 e que estas alterações eram
desencadeadas “ por descargas adrenérgicas da medula da supra-renal e de
noradrenalina em fibras pós-ganglionares” (Rodrigues e Gasparini, 1992, p.99).

Partindo destas descobertas, Cannon “ teorizou em 1934 a relação entre emoções


e alterações fisiológicas e hormonais, enquanto função adaptativa do organismo às
solicitações ou agressões externas” (Luban-Plozza, 1979, cit. Cardoso, 1995,
p.15).

Na década de 30, Hans Selye, endocrinologista, radicado no Canadá, “ pegou


emprestado o termo ‘ estresse’ da física e o utilizou para significar as ações
mútuas de forças que têm lugar através de qualquer seção do corpo” . (Chrousos e
Gold, 1993, p.480). Através de seus estudos, demonstrou que um organismo,
quando exposto a um esforço provocado por um estímulo que ameace sua
homeostase, reage com o corpo todo e de “ forma uniforme e inespecífica”
(Rodrigues e Gasparini, 1992, loc. cit.). A esta forma de reagir, Selye denominou
de Síndrome Geral de Adaptação, “ chegando assim a noção de stress” (Cardoso,
1995, loc. cit.). Portanto, “ stress” , para ele, é uma resposta inespecífica que o
organismo “ desenvolve ao ser submetido a uma situação que exige esforço para a
adaptação” (Rodrigues e Gasparini, 1992, op. cit.).

Esta síndrome, de acordo com este autor, consiste em três fases: a de alarme, a de
resistência e a fase de exaustão, sucessivamente. No entanto, para que haja o
stress, não é necessário que a fase se desenvolva até o final e, se a “ reação ao
agressor for muito intensa ou se o agente do estresse for muito potente e/ou
prolongado, poderá haver, como conseqüência, doença ou maior predisposição ao
desenvolvimento da doença” (Rodrigues e Gasparini, 1992, p.99).

Holmes et Rahe, (1967, cit. Cardoso, 1995), partindo da noção de stress e


interessados em investigá-los, elaboraram um instrumento para medí-lo.
Desenvolveram, desta forma, uma Escala onde os “ life events” são pontuados em
função do esforço adaptativo que exigem (Life Change Units ou LCU) (Cardoso,
1995, op. cit.),“ onde haveria limites a partir dos quais se constituiriam níveis de
risco para o aparecimento de doenças, dado que o esforço de adaptação em causa
teria um efeito cumulativo nos sujeitos, em relação a sua capacidade de resposta.
Daí que a pontuação obtida constituiria um bom indicador preditivo de um adoecer
psicossomático” (Villemain, 1989, cit Cardoso, op. cit.).

Convém acrescentar que o stress é uma resposta radicalmente inespecífica e


apenas descreve o nível orgânico da coisa. Não ajuda compreender
psicologicamente o adoecer psicossomático.

Outras Concepções e Modelos em Psicossomática

Os princípios psicossomáticos, segundo Dejours (1988), teriam suas hipóteses


alicerçadas na inter-relação entre o corpo fisiológico e o corpo erótico. Para ele,
através da subversão libidinal, o corpo erótico surge do corpo biológico, mantendo
constantemente uma relação de dependência, influenciando e intervindo “ ao nível
da relação orgão-junção” (Cardoso, 1995, p.22).

Dejours (1988 cit Cardoso, 1995) utilizou esta designação “ subversão


libidinal” para se referir à aquisição de algo que, além de não ser definitivo, não se
completaria jamais, acarretando assim um “ confronto constante entre corpo
erótico e corpo biológico” (Cardoso, 1995, op. cit.). De acordo com essa
concepção, não faz sentido algum separar doença orgânica e doença mental uma
vez que as somatizações, nas duas, correspondem a uma somatização cerebral,
designada “ habitualmente por psicose” . Portanto, a escolha do órgão, nessa
concepção,“ dependeria das vicissitudes da subversão libidinal e da construção do
corpo erótico, ancorado nas funções bio-endócrinas como nas motoras e
cognitivas” (Cardoso, 1995, op. cit.).

Sami-Ali (1987, op. cit.), através da investigação clínica e teórica, desenvolvida há


30 anos, enuncia, em seu livro “ Pensar o somático” , um projeto paradoxal, uma
vez que, segundo ele, “ pensar o somático e o pensar psíquico são dois caminhos
radicalmente diferentes” .

Ao pensar o somático, Sami-Ali, partindo de uma análise crítica do modelo


psicanalítico, propõe um modelo multidimensional em psicossomática. Para ele,
o “ ponto mais fraco da psicanálise de Freud e dos autores que se seguiram é a
extensão, é a extrapolação teórica e especulativa, sem limites, dos modelos da
psicopatologia aos fenômenos orgânicos, biológicos, históricos, sociais,
etc...” (Sami-Ali, 1987, p.158). Diz ainda que é uma ilusão, pensar que seja
possível chegar a uma compreensão de todos os “ funcionamentos individuais,
grupais, biológicos e históricos” , partindo de um só e único modelo - a patologia
freudiana. E que para chegarmos a uma compreensão dos fenômenos
psicossomáticos é necessário que nos livremos dessa ilusão.
A patologia orgânica, conforme a perspectiva desse autor, “ não pode ser integrada
num modelo histórico, nem no modelo da neurose atual e nem no modelo da
psicose” , uma vez que tudo é relacional, isto é, o problema da patologia orgânica
deve ser visto “ globalmente a um funcionamento regido em primeiro lugar pelos
ritmos biológicos” , sendo que nesses ritmos há sempre “ alternância entre dois
estados fundamentais, o sonho e a vigília, que são regidos por qualquer coisa que
se encontre além ou aquém do psíquico” (Sami-Ali, 1987, op. cit.). A partir dessa
perspectiva Sami-Ali coloca que toda a questão psicossomática deve ser
considerada na relação onde não haja “ dum lado o psíquico e do outro do
orgânico” . O que realmente existe é “ qualquer coisa que reenvia a uma relação
original, existente antes do nascimento e depois do nascimento. Está-se em relação
desde a concepção” (Sami-Ali, 1987, op. cit.).

Desta forma, Sami-Ali contesta Fairbaim, quando este tenta assentar a relação
precoce à procura do objeto, e também Anzieu ou Bowlby, quando estes procuram
relacionar essa relação aos laços de vinculação, uma vez que, para ele, a vida
psíquica começa muito antes da fase narcísica ou auto-erótica.

Outro aspecto relevante à psicossomática, conforme esse autor, diz respeito à


maneira como vê o sonho. Para ele, o sonho é uma criação da realidade e não uma
realização do desejo como é visto por Freud, sendo que está ligado aos ritmos
biológicos. Paralelamente a esses ritmos, Sami-Ali considera o espaço e o tempo
como “ duas dimensões fundamentais na compreensão da realidade
humana” (Sami-Ali, 1987, op. cit.), pois a organização desse espaço e tempo é
parâmetro para “ a análise e para a compreensão dos fenômenos
psicossomáticos” (Sami-Ali, 1987, op. cit.).

Quando Sami-Ali articula a questão tempo e espaço, não a reduz a formas


simbólicas. Fala de um tempo e espaço ideais e da transposição de “ espaço em
tempo e deste tempo em espaço de representação, em relação com a
projeção” (Sami-Ali, 1987, op. cit.). É no sonho que ocorre a objetivação de um
mundo e na criação de um mundo objetivo, que se torna subjetivo, uma vez que
a “ projeção é a alucinação, é o facto de criar um mundo que sou eu, e todos criam
esse mundo” (Sami-Ali, 1987, op. cit.).

Para ele, o esquecimento do sonho é específico da espécie humana e o que existe é


a lembrança do sonho e não o sonho em si, sendo que o recalcamento ocorre na
passagem do sonho à memória dos sonhos. Esse recalcamento ocorre de tal
maneira que a atividade onírica, em certas pessoas, desaparece completamente.
Quando ocorre o desaparecimento total da atividade onírica, é que Sami-Ali fala de
uma possível ligação entre organização da atividade do sonho e a doença orgânica.
A atividade onírica determina o funcionamento psíquico e, quando há ausência
desse funcionamento, aparece a patologia da adaptação. Desta forma, o que
estaria recalcado não são os conteúdos e sim toda uma função, “ algo que apaga o
traço das emoções, tanto na expressão onírica como na expressão do
afecto” (Cardoso, 1995, p.25).

Na concepção de A. Dias (1992), o termo psicossomática, devido a sua


inespecificidade, deve ser substituído pela designação “ somatopsicose” , utilizada
tanto por Bion (III volume de A memoir of the Future cit. A. Dias, 1992, p.31)
quanto por Meltzer (Metapsicologia Ampliada, cit. A. Dias, 1992, p.31). O termo
somatopsicose enuncia um contexto teórico claro, onde o “ adoecer psicossomático
é encarado na sua relação com fenômenos psíquicos determinados” . (Cardoso,
1995, p.35).
A. Dias (1992), ao investigar sobre a somatopsicose, parte de pressupostos de Bion
e coloca como paradigma somatopsicótico a mentira originária, sendo que o
conceito de mentira originária, para ele, é muito mais amplo que o recalcamento
originário de Klein e o falso self de Winnicott e mais até que a “ questão da
hipermaturação” . (A. Dias, 1992, p.34). Refere-se, portanto, a uma hiper-
adaptação ao outro, ao meio humano, decorrente da afirmação omnipresente do
outro, onde o sujeito se desanima, não havendo um único espaço para a
identificação projectiva, mas somente “ uma forma particular de identificação
adesiva em que o sujeito se condena a uma reduplicação do outro e do pensamento
do outro” (Cardoso, 1995, p.35).

No decorrer deste estudo é perceptível que, apesar de toda a complexidade e


diversidade das principais concepções, houve grandes avanços nas investigações
referentes às doenças psicossomáticas.

Síntese e Reflexão a Partir dos Diversos Modelos

O maior legado de Freud (1894) para as investigações psicossomáticas se deve ao


conceito de conversão13individual. Esse termo- “ conversão” - foi utilizado por
Freud para explicar a “ transposição de um conflito psíquico na tentativa de
resolvê-lo em termos de sintomas somáticos, motores ou sensitivos” . (Laplanche e
Pontalis, 1995, p.103). No fim do século XIX, essa idéia, amplia o desenvolvimento
das investigações psicossomáticas, reinaugurando “ o campo da psicossomática,
que se veio a estender por dois grandes ramos de investigação” (Cardoso, 1995,
p.37).

O primeiro ramo da história da psicossomática se refere à Escola Americana,


representada por Franz Alexander e Dunbar, cuja via de investigação tem como
ponto de partida o modelo médico, onde estes procuram correlacionar
determinados tipos de personalidades com doenças orgânicas específicas. Nessa
mesma perspectiva, outra área de investigação, que também se desenvolveu muito
nos anos 30 e que muito contribuiu para os avanços nas investigações
psicossomáticas, se refere às “ investigações experimentais acerca das variáveis
fisiológicas das emoções, em torno das descobertas de Walter Cannon e Hans
Selye” (Dantzer, 1989, cit. Cardoso, 1995, op. cit.).

Nesse período, esses dois movimentos se aproximam, mas as investigações não


ultrapassam os dados estatísticos e discordantes em relação “ a descrição das
diferentes personalidades acopladas ao órgão e sua doença” . (A. Dias, 1992, op.
cit.). Em decorrência da não extrapolação dos dados estatísticos e da não
valorização da história pessoal do indivíduo e da gênese inconsciente das doenças,
essa concepção esgotou em“ seu próprio processo descritivo” . (Cardoso, 1995,
op. cit.). No entanto, as contribuições da Escola Psicossomática Americana,
especificamente Alexander e Dunbar, e as de Cannon e Selye foram fundamentais
para a consolidação do movimento psicossomático, assim como para a influência
sobre uma medicina integral e humanista. Contudo, ao sair em busca do
entendimento holístico dos fenômenos, essa concepção “ também se
descaracterizou e o que ganhou em extensão parece ter perdido em
profundidade” (Cardoso, 1995, loc. cit.).

O segundo grande ramo das investigações psicossomáticas diz respeito àqueles


que “ tentaram e em grande parte conseguiram - unificar o discurso e o modo de
relação de objecto subjacentes à doença psicossomática” (A. Dias, 1992, p. 39).
Trata-se da Escola Psicossomática de Paris, que propõe uma nova forma de escutar
o indivíduo, viabilizando uma nova leitura do sintoma e do sofrimento emocional ao
atribuir um valor positivo ao fenômenos, “ mesmo se a natureza própria dos
fenômenos assenta numa negatividade simbólica e sintomática” ( A. Dias, 1992,
cit., Cardoso, 1995, op. cit.).

Seguindo essa mesma concepção, outros autores trouxeram sua valiosa


contribuição para o movimento psicossomático. Contudo, essas contribuições não
propiciaram resolução quanto à fundamentação epistemológica da psicossomática.
Nesse sentido, A. Dias (1994, cit. Cardoso, 1995, op. cit.), de posse das
contribuições epistemológicas de Bion, coloca o adoecer psicossomático no contexto
da relação entre pensamento, emoção e aparelho de pensar o pensamento, onde o
fenômeno alexitímico deve ser visto como manifestação da separação entre o
pensamento e aparelho de pensar o pensamento.

Ao realizar a pesquisa de dissertação de mestrado “ Uma contribuição ao estudo


da relação câncer mama e alexitimia” , com 41 mulheres portadoras de câncer de
mama confirmado e com 51 mulheres que até o momento da pesquisa ( fevereiro a
julho de 1997) não apresentavam qualquer indício de doença psicossomática,
verificamos que os resultados obtidos na amostra de mulheres com câncer de
mama, através da análise comparativa dos resultados relativos aos escores dos
fatores 1,2,3, da Toronto Alexithymia Scale –TAS 20 -, de acordo com as
concepções de Marty & Muzan, Bion e A. Dias, evidenciam que para além da
dificuldade em discriminar sentimentos e expressa-los aos outros o que realmente
ocorre com as mulheres portadoras de câncer de mama é a existência de um
pensamento muito próximo do pensamento psicótico.

Desta forma, os resultados encontrados sugerem que o conceito de somatopsicose,


parece mais adequado do que os outros conceitos anteriores, devendo portanto se
fazer novas pesquisas nesse sentido.

Referências bibliográficas

A. Dias C.(1981) Psicossomática e Reumatologia. Separata do “ Jornal do Médico” .


CV (1921): 215-221, Fev. [ Links ]

A. Dias C.(1992). Aventuras de Ali-Babá nos Túmulos de Ur. Ensaio Psicanalítico


sobre somatopsicose. Fenda Edições Ltda. [ Links ]

Alexander, Franz (1989). Medicina Psicossomática. Artes Médicas. Porto Alegre,


1989.

Cardoso, Natalia Maria Pitarma.(1995) Doença Oncológica e Alexitimia. Contributo


Pessoal. Dissertação de Mestrado. Universidade de Coimbra. [ Links ]

Chrousos, G. P. MD e Gold, P. W. MD. (1993) Os Conceitos e Distúrbios do Sistema


de Estresse. SuplementoJAMA, Jan, Fev, Vol III nº. 1: 479-491. [ Links ]

Dejours, Christophe. (1988). O corpo entre a biologia e psicanálise. Artes Médicas.


Porto Alegre. [ Links ]

Eksterman, Abram (1992). Psicossomática: o diálogo entre a Psicanálise e a


medicina. IN: Psicossomática Hoje. Mello Filho, J. de, Artes Médicas. Porto Alegre,
1992. [ Links ]
Freud, S. (1905 [1901]) Fragmento da Análise de um caso de Histeria. Caso Dora.
IN: Estudos sobre a Histeria (1893-1895). Edição Standart Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago Editora Ltda, Rio de Janeiro,
1987, Volume VII: 15-108. [ Links ]

Laplanche, J. e Pontalis, J. B. (1995). Vocabulário da Psicanálise. Martins Fontes.


São Paulo. [ Links ]

Léon, A. Garcia. (1993) Patrón de Conducta Tipo A: Descripción e Intervenciones


Terapêuticas. Revista de Psicol. Gral. y Aplic. 46 (3), 307 - 317. [ Links ]

Marty, Pierre e M’ UZAN, Michel de (1963). El pensamiento operátorio. Revista de


Psicanalisis. Editada por La Associacion Psicoanalítica Argentina. Tomo nº. 4: 711-
721. [ Links ]

Mello Filho, Júlio de (1992). Psicossomática Hoje. Artes Médicas. Porto


Alegre. [ Links ]

Paulahan, I; Veradoux, M. L.; Bourgeois e Bruchon-Schweitzer, M. (1994) Les


styles de vie à risques: type A, type C. Ann. Med. Psychol. 1 (152): 33-37

Rocha, Fernando.(1989) Introduzindo o tema: A linguagem do corpo. Reflexões


2. Revista IDE, nº . 19: 102-108. [ Links ]

Rodrigues, L. A.; Gasparini, A. C. L. F. (1992). Uma perspectiva psicossocial em


Psicossomática: via estresse e trabalho. IN: Psicossomática Hoje. Mello Filho, J. de
(1992). Artes Médicas, Porto Alegre: 93-107. [ Links ]

Sami-Ali. (1992) Pensar o Somático. Imaginário e Patologia. Guide-Artes Gráficas


Ltda. [ Links ]

Sami-Ali. (1993) Corpo Real. Corpo Imaginário. Artes Médicas. Porto Alegre,
1993. [ Links ]

Silva, A. F. R. E Caldeira, G.(1992) Alexitimia e Pensamento Operatório. A questão


do afeto em Psicossomática. IN: Psicossomática Hoje. Melo Filho, J. de. Artes
médicas. Porto Alegre: 113-118. [ Links ]

Taylor, G. J.(1990) La pensé opératorie et le concept d’ alexithymie. Document.


International Universitues Press, Madison, Conencticut, 1988. Rev. Franç.
Psychanal, 3/1990. [ Links ]

Teixeira, J. A. C. (1991). Psico-Imunologia: Alguns Pontos de Vista Psicológicos e


Psicopatológicos. Análise Psicológica, nº. 2 - (IX) - Abril-Junho 1991, 239-
242. [ Links ]

Teixeira, J. A. C. e col.(1996) Alexitimia, saúde e doença. Estudo exploratório da


alexitimia em sujeitos com doença crônica. Revista Análise Psicológica, 1996, 2.3
(XIV) : 305-312. [ Links ]

Teixeira, J. A. C. e col. (1996). Alexitimia, saúde e doença. Estudo da alexitimia em


sujeitos obesos. Notas de Investigação: 381-386. [ Links ]

Você também pode gostar