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http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932000000400008
RESUMO
ABSTRACT
Para Alexander, o termo psicossomático “ deve ser usado apenas para indicar um
método de abordagem, tanto em pesquisa quanto em terapia, ou seja, o uso
simultâneo e coordenado de métodos e conceitos somáticos - de um lado e
métodos e conceitos psicológicos por outro lado” . (Alexander, 1989, p.42).
A. Dias (1992, p.31), refletindo a relação entre sujeito e linguagem, começa por
criticar o termo psicossomático. Afirma que é um termo gasto, pois “ entrou no
domínio do psiquiátrico e da medicina com uma tal amplitude que, se bem que
criando um novo espaço de investigação, também o diluiu noutros espaços afins” .
Propõe ainda que, “ a partir de algumas indicações deixadas por Bion” , há
necessidade de se interrogar quanto à inespecificidade do termo psicossomático e
sua pertinência.
Na América, o interesse pela psicossomática surge por volta dos anos 30,
consolidando-se em meados deste século com Alexander e Dunbar da Escola de
Chicago. Estes autores consideram que os transtornos psicossomáticos
seriam “ conseqüência de estados de tensão crônica, relativa à expressão
inadequada de determinadas vivências, que seriam derivadas para o corpo” .
(Cardoso, 1995, p.10). Defendem ainda a questão da especificidade da doença
psicossomática numa visão psicogenética. De acordo com a hipótese da
especificidade, “ as diferentes doenças psicossomáticas corresponderiam diferentes
‘ factores psicológicos’ , que para Dunbar seriam os tipos de personalidade e para
Alexander os conflitos ou ‘ situações de vida significantes’ ” (Cardoso, 1995, loc.
cit.)
Para este autor, apenas no campo das inervações voluntárias pode haver a
expressão simbólica do conteúdo psicológico, enquanto que é pouco provável que
nos órgãos internos haja expressão simbólica. Para explicar este funcionamento,
Alexander cria a noção de “ neurose orgânica” , que abrange todos os “ distúrbios
funcionais” dos órgãos vegetativos, causados por impulsos nervosos, originados
por processos emocionais “ que ocorrem em algum lugar nas áreas cortical e
subcortical do cérebro” (Alexander, 1989, p.37).
Portanto, segundo este autor, a tensão emocional proveniente de conflitos
vivenciados ou afetos específicos reprimidos estimulariam a função de órgãos
específicos, verificando-se, a partir daí, “ uma espécie de ‘ estase anormal de
energia’ , pelo aumento ou persistência da produção dos concomitantes fisiológicos
das emoções, perturbadora do seu funcionamento normal” , isto é, o que em um
primeiro momento “ se traduziria por uma alteração da função” posteriormente se
constituiria em “ uma transformação orgânica” , ou seja, “ passaria de sintoma
funcional a sintoma orgânico” (Cardoso, 1995, p.11).
Em seu estudo de perfis, esta autora procura “ associar a um perfil psicológico uma
patologia orgânica precisa” (Sami-Ali, 1993, p.86), chegando, inclusive, a um
impressionante perfil do paciente coronariano, dos pacientes fraturados e
propensos a acidentes, dos pacientes diabéticos etc.... Nestes estudos de perfis,
Dunbar (1943, cit. Alexander, 1989) descreve determinadas “ correlações
estatísticas entre a doença e o tipo de personalidade” . (Alexander, 1989, p.59). O
perfil do paciente coronariano parece ser o mais precioso de seus perfis. Para ela,
este paciente demonstra ser uma pessoa constantemente batalhadora. Apresenta
ter um elevado grau de controle e persistência e, também, uma aparência distinta,
tendo como objetivo primordial o sucesso e a realização e, para atingir estes
objetivos, o mesmo planeja a longo prazo.
Outro perfil estudado por ela se refere ao paciente fraturado. Ao contrário dos
pacientes coronarianos, estes“ Tendem a agir sob impulso repentino e,
freqüentemente, manifestam hostilidade mal controlada contra pessoas em posição
de autoridade; ao mesmo tempo, seu comportamento é motivado por sentimentos
de culpa e mostra uma tendência a auto-punição” (Alexander, 1989, p.59)
Através destes estudos de perfis, Dunbar, conclui que determinados tipos de
personalidades tenderiam a assumir ou não ocupações de responsabilidade.
Alvarez (1930, cit. Alexander, 1989), clínico e estudioso de perfis, tem aperfeiçoado
o “ conceito de personalidade própria do portador de úlcera péptica” (Alexander,
1989, p.58), concluindo que estas pessoas demonstram características do tipo
empreendedor, enérgico e agressivo. No entanto, Draper (1924, cit. Alexander,
1989) diz que um grande número de pacientes com úlcera péptica demonstram que
sob a aparência de empreendedor, enérgico e agressivo há característica de
dependência e, “ conforme ele as expressou, femininas” (Alexander, 1989, loc.
cit.).
Apesar da aceitação e da popularidade desta teoria nos anos 70, alguns autores
(Price, 1982; De Flores e Valdes, 1986; cit. Léon, 1993, op. cit.) questionam o peso
destas características nas doenças coronarianas.“ Parece que somente certas
características da personalidade do tipo A, tais como a agressividade e a cólera,
poderiam ser ligadas à aparição de doenças coronárias. Um outro problema ameaça
a validade do tipo A, é o fato de ele não predizer os riscos coronários em
mulheres” (Paulhan, et al. , 1994, p. 34, tradução nossa).
Em uma reversão de perspectiva das escolas americanas, no final dos anos 50, a
França, a partir de nomes com o P. Marty, M de M’ Uzan, M. Fain e C. David, inicia
uma investigação em psicossomática.
Para A. Dias (1992), esses autores, ao utilizarem uma “ escuta analítica” destes
sujeitos, ao invés de escutar “ o sujeito via órgão” , diferenciaram-se
substancialmente da escola psicossomática americana. Ao realizarem esta forma de
escuta, “ Marty e seus colegas” se surpreenderam, pois descobriram que estes
sujeitos “ não estavam falando de nada” . No entanto, este nada “ possibilitou aos
investigadores franceses a formulação de uma gigantesca negatividade simbólica,
aonde o pensamento operatório, a precariedade onírica e a ausência de fantasia se
impunham como esfinges aos decifradores do enigma psicossomático” (A Dias,
1992, p.40).
Marty e M’ Uzan (1983, cit. Silva e Caldeira, 1992, p.113),. a partir dos estudos
realizados por Fain e David, sobre a vida onírica e aplicados à seus pacientes,
perceberam que estes tinham uma forma peculiar de pensar e de lidar com suas
emoções. A esta forma de pensamento, estes autores denominaram
de “ pensamento operatório” . Portanto, o conceito de “ pensamento
operatório” surgiu nos últimos anos como conseqüência do desenvolvimento da
escola francesa e americana, para designar a forma de pensar e de lidar com
emoções de pacientes definidos como psicossomáticos.
Esta forma peculiar de pensamento seria para eles um pensamento consciente que
se organizaria por causa da“ falha do pré-consciente” , acarretando assim
impossibilidade de comunicação entre o consciente e o inconsciente.
Conseqüentemente , os sujeitos que apresentam esse estilo peculiar de
pensamento teriam uma pobreza fantasmática e uma precária vida onírica.
Portanto, a capacidade simbólica e o valor de sublimação seriam quase inexistentes
acarretando um prejuízo considerável da capacidade de produção, quer científica
quer artística, desses sujeitos.
Para esses autores, em um primeiro momento parece que não há nenhuma relação
entre o pensamento operatório e o processo primário. No entanto, determinadas
manifestações verbais perversas ou agressivas, que surgem de repente
desconectadas do contexto, denunciam uma certa ligação com o inconsciente.
Apesar da existência dessa ligação, o contato estabelecido entre eles ocorre “ en el
nível mas boyo, el menos elaborado, mas acá de las primeiras elaboraciones
integradoras de la vida pulsional6 ” . (Marty y M’ Uzan, 1963, p.719).
Jonhn Nemiah e Peter Sifneos, dois analistas americanos, nos anos 70, que se
propuseram a realizar pesquisas sobre a forma peculiar de se comunicar dos
pacientes psicossomáticos, constataram, por meio do estudo minucioso de
entrevistas psiquiátricas, gravadas com pacientes que apresentavam alguma
doença psicossomática clássica, que dezesseis desses pacientes demonstraram uma
impressionante dificuldade de expressar ou descrever suas emoções através da
palavra, assim como uma acentuada diminuição dos pensamentos fantasmáticos.
De acordo com Mc Dougall (1974, cit. Taylor 1990), ao contrário do que acontece
na histeria de conversão, onde o corpo se rende à dramatização simbólica do
conflito intra-psíquico, no fenômeno alexitímico o corpo segrega seus próprios
pensamentos. Sendo este corpo sentido como se pertencesse a alguém (mãe) ou a
alguma coisa (mundo externo). Para essa autora, o fenômeno alexitímico acontece
em decorrência de perturbações da relação mãe-filho, sendo esse fenômeno uma
patologia pré-neurótica extremamente precoce dominada pelos mecanismos de
defesa de clivagem e de identificação projetiva (Mc Dougall, 1980, 1982 cit. Taylor,
1990). Essas perturbações correspondem à fase do desenvolvimento simbiótico,
onde as representações de si e as representações do objeto não são nitidamente
diferenciadas e também os símbolos não são utilizados de forma concreta.
Portanto, do ponto de vista de Mc Dougall (1982), a alexitimia é uma “ dèfense
singulièrement forte contre la douleur psychique et les anxiétés psychotiques
associées aux objtes internes archaiques7 ” (Taylor, 1990, p. 778).
Krystal (1973, cit. Silva e Caldeira, 1992) realizou estudos em toxicômanos, vítimas
de holocaustos e indivíduos psicossomáticos, e concluiu que a alexitimia é mais que
uma defesa, como postulou Mc Dougall, é uma parada do desenvolvimento afetivo
decorrente de um traumatismo infantil, ou uma regressão da “ fonction affetictive-
cognitive après un traumatisme catastrophique à l’ agê adulte8 ” (Krystal,
1979,1982-1983 cit. Taylor, 1990, p. 778). Portanto, a concepção de alexitimia de
Krystal se aproxima da noção de Bion (1977) de “ d’ une fonction alpha
déficente9 ” e também da concepção Kleiniana de “ fixation ou de régression par
rapport à la position paranóide-schizóide10” (Taylor, 1990, p. 779).
Nemiah e Sifneos (1970, cit. Taylor, 1990) perceberam, através desses estudos
que havia uma nítida diferença na maneira como se queixavam os pacientes
alexitímicos dos pacientes neuróticos. Enquanto os pacientes neuróticos se
queixavam de sintomas emocionais e dificuldades psicológicas, os pacientes
alexitímicos se queixavam de sintomas somáticos, onde na maioria das vezes não
havia qualquer ligação entre os sintomas e qualquer doença física que pudessem
ter. A maneira como esses pacientes se comunicavam se caracterizava por um
pensamento simbólico em que as pulsões, os sentimentos e os desejos não
apareciam. Sendo esse um pensamento vulgar, particular, preocupado com
detalhes e acontecimentos externos, ou seja, voltado para o mundo exterior em
detrimento do mundo interior.
Partindo desta concepção, Hipócrates, cem anos depois, define saúde como sendo
um equilíbrio harmonioso dos“ elementos e das qualidades de vida” (Chrousos e
Gold, 1993, p.480) e doença como “ desarmonia sistemática destes elementos” .
(Chrousos e Gold, 1993, loc. cit.). Hipócrates sugere ainda que as forças que
provocam a desarmonia - a doença - têm sua origem nas “ fontes naturais e não
de fontes sobrenaturais e que as forças de contra equilíbrio ou adaptativas eram
também de origem natural” (Chrousos e Gold, 1993, loc. cit.).
Esta síndrome, de acordo com este autor, consiste em três fases: a de alarme, a de
resistência e a fase de exaustão, sucessivamente. No entanto, para que haja o
stress, não é necessário que a fase se desenvolva até o final e, se a “ reação ao
agressor for muito intensa ou se o agente do estresse for muito potente e/ou
prolongado, poderá haver, como conseqüência, doença ou maior predisposição ao
desenvolvimento da doença” (Rodrigues e Gasparini, 1992, p.99).
Desta forma, Sami-Ali contesta Fairbaim, quando este tenta assentar a relação
precoce à procura do objeto, e também Anzieu ou Bowlby, quando estes procuram
relacionar essa relação aos laços de vinculação, uma vez que, para ele, a vida
psíquica começa muito antes da fase narcísica ou auto-erótica.
Referências bibliográficas
Sami-Ali. (1993) Corpo Real. Corpo Imaginário. Artes Médicas. Porto Alegre,
1993. [ Links ]