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NEURO PSICANÁLISE
Módulo 6- Neuropsicanálise l
Questões de método
Assim como na própria biologia é um desafio comparar distintos planos de
análise tipo o molecular e histológico ou dos órgãos e sistemas com o das
populações e ecossistemas, mais desafiador ainda é a comparação entre a
análise neurobiológica e a mente ou instâncias psíquicas tal como vistas e
estudadas na psicanálise. O que é reforçado pela retórica das oposições
“humanismo versus cientificismo”, ou então “especulações teóricas versus
conhecimento científico”.
Segundo Mantilla, 2017 (acima citado) são contrapostos diferentes modelos de
compreensão do sofrimento mental (biológico ou subjetivo) e diferentes
conceitualizações sobre a doença mental (relacionada a condições físicas ou a
condições do espírito) e sobre a sua terapêutica (a escuta analítica versus a
intervenção psiquiátrica baseada em evidência científica).
Esta controvérsia, de certo modo, se insere nas perspectivas de estudo da
relação mente – corpo desenvolvida pela medicina psicossomática e mais
recentemente pela psicologia da saúde ou medicina comportamental e mesmo
pelos estudos iniciais da psicologia da consciência de Wilhelm Wundt (1832-
1920) e William James (1842–1910) sobre o fluxo do pensamento e percepção
fundamentados na introspecção. O mérito de Sigmund Freud, nessa mesma
época, foi a proposição de estudo do inconsciente e da relação mente – corpo,
descrita por ele como estabelecida pela relação entre o aparelho psíquico (ego,
superego e id) e o sistema nervoso, de certo modo opondo-se às definições da
psicologia como estudo da consciência e percepção por Wundt e James.[13][14]
De acordo com Medeiros [15] Freud nunca deixou de considerar a intervenção de
variáveis biológicas e identificou na sua primeira concepção do aparelho uma
psíquico 3 instâncias que o constituem: a topográfica (quanto a localização dos
eventos psíquicos (Pcpt - Cs/ Id); a dinâmica (de transformação dos mesmos); e
a econômica (de intensidade ou força dos eventos psíquicos), inclusive nesse
último aspecto utiliza termos neurológicos "descarga neuronal" e "catexe" ou
"energia associada" a um determinado símbolo ou "representação", atualmente
entendido mais como metáfora ou modelo analógico do que como um
mecanismo fisiológico de um circuito neuronal . Para Medeiros a neurociência e
psicanálise não se opõem e não se conflitam, elas apenas divergem na escolha
de seus objetos de estudo, as subestruturas do tecido nervoso e seus centros,
para a primeira, e o sentido particular do simbólico para o sujeito, sua apreensão
da realidade e história afetiva, para a segunda.
Para Grae apesar da diferença de métodos que exploram a subjetividade, no
caso da psicanálise e observação sistemática e teste de hipóteses via
experimentação (neurociência), alguns conceitos e construtos teóricos comuns
podem e estão sendo examinados, a exemplo dos estudos psicanalíticos da
ansiedade que distinguem ansiedade neurótica (crônica) do ataque de
ansiedade, validados farmacologicamente por Donald Klein, 1960 e atualmente
denominados "transtornos de ansiedade generalizada" e "ataques de pânico".
Por outro lado, no seu ponto de vista a teoria da “canalização” da libido (pulsão
sexual) não tem tido ressonância na análise neurobiológica.
Um pesquisador que não pode ser esquecido nessa tentativa de aproximar a
psicanálise da metodologia experimental é John Bowlby (1907-1990) na sua
tentativa de aproximação da teoria dos instintos de sistema motivacionais,
investigando também: a relação entre períodos críticos do desenvolvimento e
estrutura da personalidade (trauma); a teoria da estampagem (imprinting), e
especialmente, a relação de perda do objeto amado e a depressão e tristeza,
hipótese esboça da no texto de Freud “Luto e melancolia”, 1917, abordada na
perspectiva da etologia, teoria do controle (reconhecidamente influenciado pela
re-leitura do "Projeto" de Freud por Priban & Gil) e modelos estatísticos de
análise.
Ainda sobre o método vale lembrar o pioneirismo de Freud na história da
psicofarmacologia, considerada por alguns autores como tendo início no registro
da efetiva ação de alguns fármacos sobre transtornos psiquiátricos na década
de 1950 principalmente o Lítio, 1949; clorpromazina, 1952; meprobamato, 1954;
iproniazida, 1957 e clordiazepóxido 1960.[18] Segundo Robert Byck [19] que
reuniu e re-editou os escritos de Freud sobre cocaína (1884-1885 - setenta anos
antes), a ideia de que uma substancia sedativa pudesse ser útil no tratamento
da doença mental é bastante antiga, a revisão feita por Freud incluía diversos
trabalhos anteriores ao seu tais como os de Morselli e Buccola com uso da
cocaína no emprego da melancolia além de uma descrição "etnográfica" sobre a
planta e sua utilização na América do Sul e a história de sua difusão na Europa
ocidental.
Sua maior contribuição nessa área segundo Byck (o.c.) foi o método de registro
sistemático de suas experiências em si mesmo, com os mais sofisticados
instrumento de medição, de sua época, correlacionado com as alterações
cuidadosamente descritas de humor e percepção ocorridas durante a ação da
droga no tempo - uma relação crucial para experimentação em populações
humanas, assinala. Observa ainda que o ensaio de Freud praticamente
estabeleceu uma tradição para descrição de substancia com propriedades
psicoativas, incluindo as realizadas com LSD, mescalina e outros
compostos psicodélicos citando como exemplo as publicações de Albert
Hofmann (1906-2008), em 1943 sobre os efeitos da dietilamida do ácido
lisérgico, ao qual nós podemos acrescentar o clássico estudo de Aldous
Huxley (1894-1963) sobre a mescalina "As Portas da Percepção" publicado em
1954.
Psicologia analítica
Teste em polígrafo modelo associado à análise de fotografia de expressões
faciais (Rússia).
É sabido que divergências entre as proposições da teoria psicanalítica
freudianas conduziram Carl Gustav Jung (1875-1961) às novas proposições do
que se denomina atualmente como psicologia analítica contudo não se pode
desconhecer a íntima relação desta com a psicanálise dita "freudiana", inclusive
é descrito pelo próprio Jung [20] a importância das contribuições de Freud para
suas pesquisas e atividade psiquiátrica, onde destacou os estudos
sobre histeria, hipnose e sonho.
Apesar do relativo consenso de que Jung abandonou as pesquisas e método da
abordagem experimental em psiquiatria, iniciada na clínica psiquiátrica de
Burghölzli (1904-1909) em especial suas pesquisas sobre associação de
palavras, utilizando simultaneamente medidas das vivências emocionais
mesurando-se o reflexo psicogalvânico. [Nota 1] Experiências estas que lhe
renderam o título de doutor honoris causa juntamente com S. Freud na Clark
University em 1909.
Atualmente o teste de associação de palavras é pouco utilizado, embora seja
ensinado em alguns programas de treinamento junguianos e alguns analistas o
utilizam como uma técnica para melhorar o processo terapêutico [21] Sendo
também relevante sua contribuição à concepção do polígrafo (detector de
mentiras) ainda hoje utilizado em processos judiciais alguns estados dos EUA e
outros países. [22]
Além das contribuições da psicologia analítica à psicopatologia e psicoterapia,
que não necessariamente nos remetem ás pesquisas e proposições da
neuropsicanálise, não podemos dizer o mesmo das contribuições de Jung ao
fenômeno do déjà vu ou criptomnésia [23] e especialmente ao destaque dado às
proposições do controvertido psiquiatra Otto Gross (1877 - 1919). Na clássica
obra "Tipos Psicológicos" Jung, [24] além do “problema dos tipos em
psicopatologia", analisa e concilia teoria de Gross como expresso no Die
Sekundärfunktion zerebrale (1902) e Über psychopathische
Minderwertigkeit (1903) numa possível relação entre insanidade maníaca com
uma “consciência” similar a extroversão, e as manifestações paranoicas
possuindo uma identidade com a introversão.
Jung também lhe atribui o crédito por ser o primeiro a criar uma hipótese simples
para a "função secundária" enquanto um processo de padrões de atividade das
células cerebrais que tem início assim que ocorre a "função primária". Segundo
ele a “função secundária” corresponderia ao verdadeiro trabalho da célula, ou
seja, à produção de uma atividade psíquica positiva, de uma representação, por
exemplo. A função secundária seria uma restituição ou reconstituição - um
estado de alteração - comparado com o estado anterior. A ação equivaleria
portanto a um processo energético oposto - o desfecho de uma tensão química,
ou seja, uma desintegração química. Observe-se que tal concepção é
notavelmente semelhante às modernas concepções de
comunicação sináptica através da liberação e “destruição” de
neurotransmissores e/ou da consciência enquanto atividade de módulos ou
grupos neuronais organizados na denominada "rede do modo padrão" (DMN,
sigla da expressão em inglês default mode network) de atividade cerebral. [25]
O interesse de neurocientistas, especialmente psicofarmacologistas, tem se
voltado para as concepções de Jung sobre os sonhos, e sua proposta de
interpretação terapêutica da imaginação mitopoética na avaliação de
experiências psicodélicas induzidas por psilocibina, mescalina e outras
substancias psicodislépticas, apesar de se constar que, possivelmente, houve
declarações de Jung questionando o valor dos psicodélicos para o crescimento
pessoal, e oposição à sua aplicação terapêutica. Stanislav Grof, (1931) um dos
mais antigos e proeminentes pesquisadores da aplicação terapêutica de tais
substâncias já havia sinalizado tal aplicação da concepção de aparelho psíquico
junguiano na pesquisa com psicodélicos e mais recentemente (2013) o psicólogo
Scott J. Hill , Ph.D. publicou o livro "Confronto com o Inconsciente: Psicologia
Junguiana profunda e experiência psicodélica" onde resgata os depoimentos de
C. G Jung sobre psicodélicos e discute os diversos modelos (psicolíticos e
psicodélicos) das diversas escolas de psicoterapia psicodélica, seu valor
terapêutico e comparando-os aos conceitos e princípios junguianos básicos.