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DOUTORADO

NEURO PSICANÁLISE

Módulo 6- Neuropsicanálise l

Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo.


Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores
Neuropsicanálise é um movimento dentro da neurociência e
da psicanálise para combinar os conhecimentos de ambas as disciplinas para
uma melhor compreensão da mente e do cérebro, [1] considerando sem dúvida,
a revisão de um dos principais e relegados trabalhos do jovem
neurologista Sigmund Freud (1856 — 1939) [2] o seu Projeto de uma psicologia
para neurologistas (Entwurf einer Psychologie), de 1895, somente publicado 12
anos após a sua morte. Supõe-se que rejeitado pelo próprio Freud que de fato
não o publicou e avançou progressivamente em conceitos desconhecidos em
sua época para a psicologia, sem os requisitos da ciência neurológica, que temos
hoje, para os aferir.
Um dos motivos dessa revisão é obviamente o grande avanço da neurociência
nesses últimos tempos. A relevância que assumiu a psicofarmacologia,
estratégia abandonada por ele desde seus experimentos com a cocaína
publicados em 1884, e especialmente as conquistas que o método anatomo-
clínico, de ampla difusão na neurologia de sua época, obteve com a tecnologia
da bioimagem.
Para alguns autores a importância do Entwurf einer Psychologie (Projeto de uma
psicologia para neurologistas) são as suas inter-relações com outros textos de
Freud como justificou na sua publicação no volume I de suas Obras Completas,
o seu editor inglês James Strachey.[5] Gabbi Jr.[6], que retoma essa ideia
destacando a presença de suas proposições nos escritos de Freud sobre sonhos
(capítulos VII de A Interpretação dos Sonhos) e escritos sobre afasia (Sobre a
concepção das afasias de 1891) entre outros voltados à metapsicologia,
diferenciando ainda estas proposições, de outras concepções psicológicas
encontradas na filosofia, por sua originalidade e associação a um efeito clínico
(remissão de sintomas) e regulação dos processos de prazer e dor (concepção
utilitarista).

Algumas áreas do cérebro envolvidas no processamento da linguagem:.Área de


Broca (Azul), Área de Wernicke (Verde), Giro supramarginal (Amarelo), Giro
angular (Laranja) ,Cortex auditivo primário (Rosa)
Observe-se, porém, como ressaltado por muitos autores, que se trata de uma
via de mão dupla, há tanto interesse dos psicólogos e especialistas em ciências
humanas nos processos neurológicos como dos neuropsiquiatras e
psicofarmacologistas nos processos simbólicos e que, sem dúvida, é
essencialmente significativo, aos que lidam com processos reconhecidamente
orgânicos tipo demências, deficiência mental de causa conhecida, afasias, etc.,
o valor dos processos simbólicos e afetivos para explicação dos sintomas e
recuperação dos pacientes e manutenção da saúde mental de seus cuidadores
e familiares de quem dependem.
A neurologia do sono, deve a Freud as explicações do trabalho onírico de
simbolização dos sonhos, o esquecimento seletivo (amnésia especial), as suas
fontes de estímulos e recuperação mnemônica, os processos de excitação,
inibição motora que se dão em relação à associações específicas
(catexia/recalque) como bem demonstrado por Freud. Um trabalho de
investigação (a interpretação dos sonhos) que exigiu considerações especiais
sobre as palavras e símbolos praticamente como uma nova teoria sobre a
organização da linguagem no cérebro paralela e/ou complementar às
proposições de Carl Wernicke (1848 – 1905) e Paul Broca (1824 - 1880).
Eric R. Kandel, da Universidade Columbia, o Prêmio Nobel de 2000 em fisiologia
ou medicina e muitos outros neurocientistas referem-se à psicanálise como
"ainda a visão da mente mais intelectualmente satisfatória e coerente".[7] Um de
seus méritos, sem dúvida é estender-se da patologia, emoções aos processos
cognitivos em um modelo integrado ou relacional.
Observe-se também a importância dada à psicanálise por muitos neurologistas
de nossos dias, levando a psicanálise um pouco mais a sério do que, digamos,
psicólogos experimentais fazem. Como resultado, o grupo de neuro-psicanálise
tem sido capaz de desenhar ideias úteis a partir de um número distinto de
neurocientistas, a exemplo de António Damásio (1944) , Eric
Kandel (1929), Joseph LeDoux (1949), Helen S. Mayberg (1956), Jaak
Panksepp (1943), Vilanayur S. Ramachandran (1951), Oliver Sacks (1933), e
muitos outros. (ver: editorial board of the Journal Neuro-Psychoanalysis).
Não se pode descartar a hipótese porém de que esse interesse seja porque o
próprio Freud começou sua carreira como neurologista. Os neurocientistas
Pribram e Gill [9] assinalam que muitos dos conceitos do que ficou conhecido
como metapsicologia na teoria psicanalítica foram definidos com excepcional
clareza nesse manuscrito de 1895 e se constituem como uma teoria biológica do
controle cognitivo. Apontam para uma possível revisão da psicanálise como uma
disciplina puramente psicológica, usando observações comportamentais e a
análise de relatos verbais como suas técnicas inclusive porque há evidências de
que Freud se baseava em pressupostos neurológicos e biológicos, apesar de
explicitamente não reconhecer ou negar esse fato. Nessa perspectiva muitos dos
estudos voltados à dimensão orgânica como os Escritos sobre Cocaína (Uber
Coca), dependência química ("fuga da realidade") e sobre os mecanismos
neurais da Hipnose também voltam a ter novas possibilidades de leitura e
interpretação.
Michael Harvey da Sociedade internacional de Psicanálise [10] refere-se a
neuropsicanálise como um campo emergente de estudos que neste momento
está envolvida na exploração interdisciplinar da associação entre
a neurologia, neuropsicologia, neuroanatomia, psicanálise tendo como
proposição o método clínico-anatômico observacional utilizada por Freud
quando trabalhava como neurologista (ver: Bibliografia e sinopses dos escritos
científicos do Dr. Sigm. Freud 1877-1897 (1897) [11]) e a neuropsicologia
dinâmica notabilizada por Alexander Luria (1902 — 1977) por volta de 1939
cujos princípios se aproximam aos da psicanálise por aceitar que as funções da
fisiologia cerebral ocorrem na interação dinâmica de diversas áreas espalhadas
pelo cérebro, e não resultante de uma localização num centro.[12].
Pelo fato de Freud ter iniciado sua carreira como neurologista, muitos
neurologistas contemporâneos proeminentes tem significativa consideração pela
psicanálise quando comparados a outros campos da psicologia, como
a Psicologia experimental. Como resultado, o grupo neuropsicanalítico tem sido
capaz de obter informações úteis de um número de neurocientistas distintos, tais
quais: António Damásio, Oliver Sacks, Eric Kandel, Vilayanur S. Ramachandran,
entre outros.

Circuitos neurais envolvendo a amigdala o hipocampo e o sistema


límbico explicam a ansiedade do ponto de vista neurobiológco

Questões de método
Assim como na própria biologia é um desafio comparar distintos planos de
análise tipo o molecular e histológico ou dos órgãos e sistemas com o das
populações e ecossistemas, mais desafiador ainda é a comparação entre a
análise neurobiológica e a mente ou instâncias psíquicas tal como vistas e
estudadas na psicanálise. O que é reforçado pela retórica das oposições
“humanismo versus cientificismo”, ou então “especulações teóricas versus
conhecimento científico”.
Segundo Mantilla, 2017 (acima citado) são contrapostos diferentes modelos de
compreensão do sofrimento mental (biológico ou subjetivo) e diferentes
conceitualizações sobre a doença mental (relacionada a condições físicas ou a
condições do espírito) e sobre a sua terapêutica (a escuta analítica versus a
intervenção psiquiátrica baseada em evidência científica).
Esta controvérsia, de certo modo, se insere nas perspectivas de estudo da
relação mente – corpo desenvolvida pela medicina psicossomática e mais
recentemente pela psicologia da saúde ou medicina comportamental e mesmo
pelos estudos iniciais da psicologia da consciência de Wilhelm Wundt (1832-
1920) e William James (1842–1910) sobre o fluxo do pensamento e percepção
fundamentados na introspecção. O mérito de Sigmund Freud, nessa mesma
época, foi a proposição de estudo do inconsciente e da relação mente – corpo,
descrita por ele como estabelecida pela relação entre o aparelho psíquico (ego,
superego e id) e o sistema nervoso, de certo modo opondo-se às definições da
psicologia como estudo da consciência e percepção por Wundt e James.[13][14]
De acordo com Medeiros [15] Freud nunca deixou de considerar a intervenção de
variáveis biológicas e identificou na sua primeira concepção do aparelho uma
psíquico 3 instâncias que o constituem: a topográfica (quanto a localização dos
eventos psíquicos (Pcpt - Cs/ Id); a dinâmica (de transformação dos mesmos); e
a econômica (de intensidade ou força dos eventos psíquicos), inclusive nesse
último aspecto utiliza termos neurológicos "descarga neuronal" e "catexe" ou
"energia associada" a um determinado símbolo ou "representação", atualmente
entendido mais como metáfora ou modelo analógico do que como um
mecanismo fisiológico de um circuito neuronal . Para Medeiros a neurociência e
psicanálise não se opõem e não se conflitam, elas apenas divergem na escolha
de seus objetos de estudo, as subestruturas do tecido nervoso e seus centros,
para a primeira, e o sentido particular do simbólico para o sujeito, sua apreensão
da realidade e história afetiva, para a segunda.
Para Grae apesar da diferença de métodos que exploram a subjetividade, no
caso da psicanálise e observação sistemática e teste de hipóteses via
experimentação (neurociência), alguns conceitos e construtos teóricos comuns
podem e estão sendo examinados, a exemplo dos estudos psicanalíticos da
ansiedade que distinguem ansiedade neurótica (crônica) do ataque de
ansiedade, validados farmacologicamente por Donald Klein, 1960 e atualmente
denominados "transtornos de ansiedade generalizada" e "ataques de pânico".
Por outro lado, no seu ponto de vista a teoria da “canalização” da libido (pulsão
sexual) não tem tido ressonância na análise neurobiológica.
Um pesquisador que não pode ser esquecido nessa tentativa de aproximar a
psicanálise da metodologia experimental é John Bowlby (1907-1990) na sua
tentativa de aproximação da teoria dos instintos de sistema motivacionais,
investigando também: a relação entre períodos críticos do desenvolvimento e
estrutura da personalidade (trauma); a teoria da estampagem (imprinting), e
especialmente, a relação de perda do objeto amado e a depressão e tristeza,
hipótese esboça da no texto de Freud “Luto e melancolia”, 1917, abordada na
perspectiva da etologia, teoria do controle (reconhecidamente influenciado pela
re-leitura do "Projeto" de Freud por Priban & Gil) e modelos estatísticos de
análise.
Ainda sobre o método vale lembrar o pioneirismo de Freud na história da
psicofarmacologia, considerada por alguns autores como tendo início no registro
da efetiva ação de alguns fármacos sobre transtornos psiquiátricos na década
de 1950 principalmente o Lítio, 1949; clorpromazina, 1952; meprobamato, 1954;
iproniazida, 1957 e clordiazepóxido 1960.[18] Segundo Robert Byck [19] que
reuniu e re-editou os escritos de Freud sobre cocaína (1884-1885 - setenta anos
antes), a ideia de que uma substancia sedativa pudesse ser útil no tratamento
da doença mental é bastante antiga, a revisão feita por Freud incluía diversos
trabalhos anteriores ao seu tais como os de Morselli e Buccola com uso da
cocaína no emprego da melancolia além de uma descrição "etnográfica" sobre a
planta e sua utilização na América do Sul e a história de sua difusão na Europa
ocidental.
Sua maior contribuição nessa área segundo Byck (o.c.) foi o método de registro
sistemático de suas experiências em si mesmo, com os mais sofisticados
instrumento de medição, de sua época, correlacionado com as alterações
cuidadosamente descritas de humor e percepção ocorridas durante a ação da
droga no tempo - uma relação crucial para experimentação em populações
humanas, assinala. Observa ainda que o ensaio de Freud praticamente
estabeleceu uma tradição para descrição de substancia com propriedades
psicoativas, incluindo as realizadas com LSD, mescalina e outros
compostos psicodélicos citando como exemplo as publicações de Albert
Hofmann (1906-2008), em 1943 sobre os efeitos da dietilamida do ácido
lisérgico, ao qual nós podemos acrescentar o clássico estudo de Aldous
Huxley (1894-1963) sobre a mescalina "As Portas da Percepção" publicado em
1954.

Psicologia analítica
Teste em polígrafo modelo associado à análise de fotografia de expressões
faciais (Rússia).
É sabido que divergências entre as proposições da teoria psicanalítica
freudianas conduziram Carl Gustav Jung (1875-1961) às novas proposições do
que se denomina atualmente como psicologia analítica contudo não se pode
desconhecer a íntima relação desta com a psicanálise dita "freudiana", inclusive
é descrito pelo próprio Jung [20] a importância das contribuições de Freud para
suas pesquisas e atividade psiquiátrica, onde destacou os estudos
sobre histeria, hipnose e sonho.
Apesar do relativo consenso de que Jung abandonou as pesquisas e método da
abordagem experimental em psiquiatria, iniciada na clínica psiquiátrica de
Burghölzli (1904-1909) em especial suas pesquisas sobre associação de
palavras, utilizando simultaneamente medidas das vivências emocionais
mesurando-se o reflexo psicogalvânico. [Nota 1] Experiências estas que lhe
renderam o título de doutor honoris causa juntamente com S. Freud na Clark
University em 1909.
Atualmente o teste de associação de palavras é pouco utilizado, embora seja
ensinado em alguns programas de treinamento junguianos e alguns analistas o
utilizam como uma técnica para melhorar o processo terapêutico [21] Sendo
também relevante sua contribuição à concepção do polígrafo (detector de
mentiras) ainda hoje utilizado em processos judiciais alguns estados dos EUA e
outros países. [22]
Além das contribuições da psicologia analítica à psicopatologia e psicoterapia,
que não necessariamente nos remetem ás pesquisas e proposições da
neuropsicanálise, não podemos dizer o mesmo das contribuições de Jung ao
fenômeno do déjà vu ou criptomnésia [23] e especialmente ao destaque dado às
proposições do controvertido psiquiatra Otto Gross (1877 - 1919). Na clássica
obra "Tipos Psicológicos" Jung, [24] além do “problema dos tipos em
psicopatologia", analisa e concilia teoria de Gross como expresso no Die
Sekundärfunktion zerebrale (1902) e Über psychopathische
Minderwertigkeit (1903) numa possível relação entre insanidade maníaca com
uma “consciência” similar a extroversão, e as manifestações paranoicas
possuindo uma identidade com a introversão.
Jung também lhe atribui o crédito por ser o primeiro a criar uma hipótese simples
para a "função secundária" enquanto um processo de padrões de atividade das
células cerebrais que tem início assim que ocorre a "função primária". Segundo
ele a “função secundária” corresponderia ao verdadeiro trabalho da célula, ou
seja, à produção de uma atividade psíquica positiva, de uma representação, por
exemplo. A função secundária seria uma restituição ou reconstituição - um
estado de alteração - comparado com o estado anterior. A ação equivaleria
portanto a um processo energético oposto - o desfecho de uma tensão química,
ou seja, uma desintegração química. Observe-se que tal concepção é
notavelmente semelhante às modernas concepções de
comunicação sináptica através da liberação e “destruição” de
neurotransmissores e/ou da consciência enquanto atividade de módulos ou
grupos neuronais organizados na denominada "rede do modo padrão" (DMN,
sigla da expressão em inglês default mode network) de atividade cerebral. [25]
O interesse de neurocientistas, especialmente psicofarmacologistas, tem se
voltado para as concepções de Jung sobre os sonhos, e sua proposta de
interpretação terapêutica da imaginação mitopoética na avaliação de
experiências psicodélicas induzidas por psilocibina, mescalina e outras
substancias psicodislépticas, apesar de se constar que, possivelmente, houve
declarações de Jung questionando o valor dos psicodélicos para o crescimento
pessoal, e oposição à sua aplicação terapêutica. Stanislav Grof, (1931) um dos
mais antigos e proeminentes pesquisadores da aplicação terapêutica de tais
substâncias já havia sinalizado tal aplicação da concepção de aparelho psíquico
junguiano na pesquisa com psicodélicos e mais recentemente (2013) o psicólogo
Scott J. Hill , Ph.D. publicou o livro "Confronto com o Inconsciente: Psicologia
Junguiana profunda e experiência psicodélica" onde resgata os depoimentos de
C. G Jung sobre psicodélicos e discute os diversos modelos (psicolíticos e
psicodélicos) das diversas escolas de psicoterapia psicodélica, seu valor
terapêutico e comparando-os aos conceitos e princípios junguianos básicos.

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