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ADEUS TAMBÉM FOI FEITO PRA SE DIZER – de Raul Franco

Vera se aproxima de Wagner. Ele está arrumando as malas.

VERA - Wagner, que malas são essas? Não vem me dizer que...
WAGNER - Estou saindo de casa.
VERA - (começando a ficar nervosa) Saindo? Saindo pra onde?
WAGNER - (riso cínico) Seria muito cruel se eu lhe dissesse que estou
indo comprar cigarros. Por isso, prefiro dizer que estou indo embora
da sua vida.
VERA - (riso nervoso) Ora, Wagner, que história é essa? Você não está
falando sério, não é? Isso é uma brincadeira, não é, meu amor?
(caminha na direção de Wagner)
WAGNER - Eu sinto dizer, mas estou falando sério. Realmente não existe
mais nada que nos aproxime.
VERA - Existe. É claro que existe (tentando evitar que Wagner saia).
WAGNER - O quê?
VERA - É... (sem sabe o que dizer) Os nossos filhos.
WAGNER - Que filhos? Nós não temos filhos.
VERA - Mas deveríamos ter tido. Este já é um bom motivo para ficarmos
juntos, pelo menos para ter o que ainda não tivemos.
WAGNER - É tarde.
VERA - E o nosso amor? O nosso começo? As tardes em que ouvíamos
Bethânia, coladinhos um no outro? E os jantares românticos? As
noites de segunda em que ficávamos vendo “National Geography”,
gargalhando juntos do mundo animal, você com aquele pijama que
tem um buraco bem no fundo e que você tenta disfarçá-lo, cruzando as
pernas. E a cumplicidade e os sonhos compartilhados? Wagner, eu me
entreguei de corpo e alma pra você.
WAGNER - Eu não pedi tanto.
VERA - Tá bom! Você quer ir, né?
WAGNER - Já era pr’eu ter ido se você não fizesse tanta cena.
VERA - Então, vá e esqueça que você me amou e aproveitou todas as
regalias que eu te dei. Mas vá agora, antes que seja tarde. Antes que
você se arrependa e lembre que eu sou a mulher da sua vida, a boba
que sempre se sacrificou por um homem que não a quer mais. Vá, vá.
WAGNER - Eu até queria ficar numa boa. Mas vejo que não dá. Você é
muito pegajosa. (tenta sair)
VERA - Espera. (voltando a chorar) Por que você está fazendo isso
comigo? Por quê? Eu não acredito que você não me ama mais. Diz
que não me ama!
WAGNER - Eu não te amo.
VERA - Diz que não me quer.
WAGNER - Eu não te quero.
VERA - Diz que eu não significo mais nada pra você.
WAGNER - Você não significa mais nada pra mim.
VERA - Pára de dizer isso.
WAGNER - Mas foi você quem pediu que eu dissesse o que eu estou
dizendo.
VERA - Mas não era pra dizer dessa maneira que você está dizendo.
WAGNER - E, por acaso, você sabe o que está dizendo?
VERA - E você está ouvindo o que eu estou dizendo ou só está dizendo as
coisas por dizer?
WAGNER - É melhor a gente não dizer mais nada.
VERA - É melhor.
WAGNER - Vera, entenda: o amor é como uma pasta de dente, acaba. É
triste quando a gente fica espremendo, fazendo uma força
desnecessária pra ver se ainda sai alguma coisa e não sai. Olha, Vera,
não adianta se iludir. Você já sabe a verdade: eu não agüento mais a
nossa relação. Eu só fiquei com você esse tempo todo... eu só fiquei
com você... (procurando algo para dizer) porque eu só fiquei com você
esse tempo todo.
VERA - Peraí, mas você dizia que me amava...
WAGNER - Eram só palavras, Vera. Era um script que eu decorei e disse
sem saber porque estava dizendo.
VERA – Eu não acredito no que eu tô ouvindo.
WAGNER – Olha, realmente eu sinto muito, mas, infelizmente, eu vou ter
que ir. Tenho um encontro marcado com a Cibele.
VERA - Como? A Cibele? A minha amiga Cibele?
WAGNER - É que a gente vai atrás de um apartamento para alugar. Vamos
morar juntos.
VERA – O quê? Você e a Cibele? A minha amiga Cibele?
WAGNER – Pois é, bem que tentamos disfarçar, mas começamos a nos
apaixonar pela ideia de nos apaixonarmos por alguém tão diferente.
VERA – Você disse que ela era chata.
WAGNER – Um pré-conceito.
VERA – Ela é clássica.
WAGNER – Eu posso ser um brega regenerado.
VERA – Ela gosta de Coltrane!
WAGNER – Sabe que eu também estou começando a gostar?
VERA – Ela não tem nada a ver com você.
WAGNER – Os opostos se atraem.
VERA – Ela é minha amiga, porra!
WAGNER – Ex-amiga. A não ser que você perdoe a traição dela.
VERA – Peraí... Foi você quem me traiu.
WAGNER – Eu fui levado por uma reação mais forte.
VERA – Como você conseguiu fazer isso?
WAGNER - Ah, foi de repente. Eu falava pra ela sobre a solidão a dois
dentro de um relacionamento, a dificuldade de se estar junto e desejar
outra pessoa... Aí, sem mais nem menos, a gente se beijou.
VERA - Como você teve essa audácia de me trair com a minha melhor
amiga?
WAGNER - Na verdade, eu preferia a sua irmã Vânia. Mas ela tem um
grave problema: ela tem dificuldade em atingir o orgasmo. Deve ser
excesso de preocupação com a humanidade ou o não conhecimento do
próprio corpo ou uma educação repressora que gerou esse distúrbio,
essa disfunção sexual.
VERA - Como você sabe disso?
WAGNER - Eu lia o caderno Ela, do Globo.
VERA - Não, como é que você sabe que a minha irmã Vânia tem
dificuldade em atingir o orgasmo?
WAGNER - Eu tive uma relação fugaz com ela. Nada muito sério. Apenas
algumas transas - insatisfatórias - e nada mais.
VERA - Até a minha irmã, Wagner? Você me traía embaixo do meu nariz?
Eu tô boba, completamente boba. Quer saber de uma coisa? Sai daqui.
Agora sou eu que não quero mais viver com você. Sai daqui.
WAGNER - Olha, se telefonarem pra mim, será que você podia dar o
celular da Cibele?
VERA - Cala a boca. Para de me torturar. (para si) Tanto tempo junto e eu
acabo de saber coisas absurdas que eu nunca imaginei que estivessem
acontecendo.
WAGNER - Eu até queria que você soubesse que eu tentei de tudo para
salvar o nosso relacionamento. Mas é que a Cibele é mais segura do
que você.
VERA - Pára, pelo-amor-de-Deus, pára. Você está fazendo de propósito,
né?
WAGNER - Se eu estivesse fazendo de propósito, eu diria que a Cibele é
superior, mais enxuta, mais mulher, mais sexy, mais atraente...
VERA - Pára. Eu não mereço ouvir isso.
WAGNER - Você tem que encarar a realidade, Vera. Amigas são amigas,
não são gêmeas. Às vezes, uma é mais bonita do que a outra, a outra
fica com inveja, querendo se cortar todinha porque tem uma amiga
maravilhosa, com o corpo esbelto, olhos verdes, bumbum arrebitado,
coxas grossas, seios firmes e volumosos...
VERA - (avança em cima de Wagner) Cala a boca! (dá um tapa nele)
WAGNER - Vera! Você... Você nunca fez isso antes...
VERA - É que... é que... eu perdi a cabeça...
WAGNER - Não fala nada... Eu adorei... Eu sempre sonhei levar um tapa
desse jeito. Um tapa que me desarmasse. E você bateu tão forte. Você
mostrou pela primeira vez que é uma mulher de fibra. Estou surpreso.
Esse tapa, essa força, essa energia concentrada nas mãos. O que eu
quero dizer agora, pode parecer confuso. Mas eu acho que... eu te amo
muito.
VERA - O quê? Repete isso, Wagner.
WAGNER - Eu te amo!
VERA - Mas você não disse que ia embora?
WAGNER - Isso foi antes do tapa. Me bate mais uma vez.
VERA - Que loucura, Wagner! Isso é masoquismo.
WAGNER - Não, não é. É só uma forma de acordar o meu amor.
VERA - Já que é assim. (dá um tapa de novo)

Música Besame Mucho, com Beatles.

FIM

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