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Artigo Original Potencial Cognitivo Auditivo - P300 como indicador de

Original Article evolução terapêutica em escolares com Dislexia do


Desenvolvimento
Kátia de Freitas Alvarenga1
Eliene Silva Araújo1
Érika Ferraz1 P300 auditory cognitive evoked potential as an indicator of
Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte1
therapeutical evolution in students with developmental dyslexia

Descritores RESUMO

Potenciais evocados auditivos Objetivo: Verificar a eficácia do Potencial Evocado Auditivo Cognitivo-P300 (PEAC-P300) para
Audição monitoramento da evolução terapêutica de escolares com Dislexia do Desenvolvimento. Métodos: Participaram
Potencial evocado P300 20 escolares, com diagnóstico de Dislexia do Desenvolvimento, de ambos os gêneros, com faixa etária entre 8 e
Dislexia 14 anos, divididos em dois grupos randomizados, um deles submetido a um programa de remediação fonológica
Leitura associado à leitura e escrita (GI) e o outro representando um grupo controle (GII). Os grupos foram pareados e
Aprendizagem os indivíduos foram submetidos a duas avaliações do PEAC-P300, mantendo o mesmo intervalo para ambos.
Utilizou-se o teste t de Student pareado, a análise de variância ANOVA e o coeficiente de correlação de Pearson,
adotando nível de significância de 5%. Resultados: A comparação estatística das avaliações pré e pós de
cada um dos grupos demonstrou diferença na Prova de Consciência Fonológica (p=0,000) e na latência do
P300 (p=0,005) apenas para o GI. Conclusão: A utilização do PEAC-P300 para o monitoramento objetivo da
evolução terapêutica de crianças com Dislexia de Desenvolvimento é possível e representa uma opção viável
para os programas de intervenção.

Keywords ABSTRACT

Evoked potentials, auditory Purpose: To verify the effectiveness of the Cognitive Auditory Evoked Potential-P300 (CAEP-P300) for
Hearing monitoring the therapeutical evolution of students with developmental dyslexia. Methods: Twenty students
Event-related potentials, P300 diagnosed with developmental dyslexia, of both genders, aged between 8 and 14 years, divided into two
Dyslexia randomized groups, one of them submitted to a phonological remediation program associated with reading and
Reading writing (GI), and the other one representing the control group (GII), participated in the study. The groups were
Learning paired up, and the individuals were submitted to two evaluations of the CAEP-P300 and the same interval was
kept for both. Paired Student’s t-test, ANOVA test, and Pearson’s correlation coefficient were used, adopting
5% significance level. Results: The statistical comparison of the pre and post evaluations of each group
demonstrated difference in the Phonological Awareness Test (p=0.000) and in the P300 latency (p=0.005) only
for GI. Conclusion: CAEP-P300 use for monitoring the therapeutical evolution of children with developmental
dyslexia is possible and represents a viable option for intervention programs.

Endereço para correspondência: Trabalho Realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade
Kátia de Freitas Alvarenga de São Paulo – USP – Bauru (SP), Brasil.
Departamento de Fonoaudiologia (1) Universidade de São Paulo – USP – Bauru (SP), Brasil.
Al. Octávio Pinheiro Brisola, 9-75, Bauru Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo
(SP), Brasil, CEP: 17012-901. no 2009/11114-1.
E-mail: katialv@fob.usp.br Conflito de interesses: nada a declarar.

Recebido em: 12/09/2012

Aceito em: 12/11/2013


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P300 em escolares com Dislexia 501

INTRODUÇÃO Durante os anos de 2008 a 2010, foram encaminhadas à


Clinica de Fonoaudiologia da FOB-USP 350 crianças com
A Dislexia do Desenvolvimento consiste em um conjunto queixas de dificuldades de aprendizagem. Destas, somente
de sintomas específicos que implica em disfunções sub-cor- 20 crianças tiveram o diagnóstico confirmado de Dislexia
ticais e corticais, frequentemente de origem constitucional, do Desenvolvimento, constituindo a casuística do presente
afetando a aprendizagem da leitura e escrita(1). Para o enten- estudo. O diagnóstico foi realizado por equipe interdisciplinar
dimento das manifestações da Dislexia, a literatura enfoca a na Clínica de Fonoaudiologia da FOB-USP, seguindo os cri-
hipótese do déficit fonológico(2), entretanto, não existe con- térios do DSM-IV (2002) e CID-10. Como parte do protocolo
senso. Uma das hipóteses é que o déficit fonológico ocorra da Clínica de Diagnóstico Fonoaudiológico da instituição,
em decorrência de alterações no processamento auditivo, ou foram realizadas as avaliações neuropsicológica, neurológica,
seja, a criança com Dislexia apresenta habilidade de discrimi- psicopedagógica e fonoaudiológica. Além disso, foi realizado
nação dos sons alterada e, por este motivo, a fusão rápida de também contato com a escola com a finalidade de se obter
estímulos encontra-se comprometida, resultando em alteração dados relevantes para o diagnóstico final.
do processamento temporal(3,4). A faixa etária destas crianças variou de 8 a 14 anos,
Considerando esta hipótese, programas de intervenção de ambos os gêneros e encontravam-se regularmente
têm focado a maximização das habilidades fonológicas, com matriculadas em escolas de ensino público e particular.
resultados satisfatórios(5-8). Entretanto, a verificação da eficácia Independentemente da idade, todas as crianças apresentavam
destes programas, bem como o monitoramento da evolução o mesmo nível de dificuldade na leitura, comprovada pela
terapêutica, tem se restringido às medidas comportamentais, avaliação diagnóstica prévia.
havendo limitada quantidade de estudos na literatura nacional Foram considerados fatores de inclusão a ausência de
e internacional que utilizem métodos objetivos para este fim. queixas atuais ou anteriores de acuidade visual e auditiva, de-
Neste contexto, destacam-se os potenciais evocados au- sempenho cognitivo normal e ausência de síndromes genéticas
ditivos, já que mudanças neurofisiológicas tendem a ocorrer ou neurológicas. A casuística foi dividida de forma randomi-
previamente às mudanças comportamentais(9). O Potencial zada em dois grupos: o grupo I (GI) incluiu dez escolares que
Evocado Auditivo Cognitivo-P300 (PEAC-P300) tem sido foram submetidos a um programa de remediação fonológica
utilizado para medir e monitorar as modificações neurofisioló- associado à leitura e escrita e o grupo II (GII) foi composto por
gicas do sistema nervoso auditivo central(10-12). O PEAC-P300, dez escolares que inicialmente não receberam nenhuma inter-
também conhecido como potencial relacionado a eventos, é venção, sendo grupo controle do estudo a fim de demonstrar a
um potencial endógeno, eliciado pela discriminação auditiva, variação teste-reteste.
no momento em que o indivíduo responde a estímulos raros O programa realizado neste estudo foi baseado em
apresentados de forma aleatória entre estímulos frequentes Salgado (2010) (16), estruturado em três etapas distintas,
(paradigma Oddball)(13,14). com 24 sessões, cumulativas, duas vezes por semana, com
O componente P300 ocorre quando o indivíduo reconhece duração média de 45 minutos cada. O programa original
conscientemente a presença de uma mudança no estímulo proposto por Salgado (2010)(16) é constituído por 20 sessões,
auditivo, sendo que os exatos geradores são desconhecidos, no entanto, a este estudo foram acrescentadas quatro sessões,
mas envolve a formação reticular, lemnisco, colículo inferior, para um melhor desenvolvimento das habilidades trabalha-
tálamo, córtex primário, córtex frontal, córtex centroparietal, das. As sessões foram divididas em três etapas distintas, com
córtex temporal e o hipocampo(13,15). O componente N200, por oito sessões cada, sendo elas:
sua vez, está relacionado com a percepção, discriminação, 1. Fonológica (oito sessões), envolvendo Discriminação audi-
reconhecimento e classificação de um estímulo auditivo e tiva; Adição e subtração de fonemas e sílabas; Manipulação
possui múltiplos geradores, dentre os quais está o córtex su- silábica e fonêmica; Rima e Aliteração.
pratemporal(13,15). Assim, sua utilização pode ser investigada 2. Fonológica e Leitura (oito sessões), envolvendo
em escolares com Dislexia do Desenvolvimento, uma vez que Discriminação auditiva; Adição e subtração de fonemas e
os mesmos apresentam alteração nas habilidades fonológicas. sílabas; Manipulação silábica e fonêmica; Rima; Aliteração;
Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi verificar Identificação de letras e fonemas; Nomeação rápida: le-
a eficácia do PEAC-P300 para monitoramento da evolução te- tras–dígitos; Discriminação visual; Leitura silenciosa de
rapêutica de escolares com Dislexia do Desenvolvimento, sub- histórias–compreensão oral e Leitura oral de histórias–com-
metidos à remediação fonológica, associado à leitura e escrita. preensão oral.
3. Fonológica, Leitura e escrita (oito sessões), envolvendo
MÉTODOS Discriminação auditiva; Adição e subtração de fone-
mas e sílabas; Manipulação silábica e fonêmica; Rima;
O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa Aliteração; Identificação de letras e fonemas; Nomeação
em Seres Humanos da Faculdade de Odontologia de Bauru da rápida: letras–dígitos; Discriminação visual; Leitura si-
Universidade de São Paulo (FOB-USP), processo nº 008/2011. lenciosa de histórias–compreensão oral; Leitura oral de
Todos os participantes e responsáveis estavam cientes dos histórias–compreensão oral; Ditado de silabas, de palavras
procedimentos, recebendo a Carta de Informação e assinando reais e de pseudopalavras; Ditado de frases; Ditado de
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. textos e Contagem e recontagem escrita de histórias.

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De acordo com o objetivo de cada etapa, foram desenvol- de variância (ANOVA) e coeficiente de correlação de Pearson.
vidas atividades lúdicas pertinentes. A família foi envolvida no Foi adotado o nível de significância de 5% (0,05).
decorrer do programa, com orientações de atividades similares
a serem realizadas nas tarefas diárias dos escolares. RESULTADOS
Para este estudo foi realizada a avaliação objetiva da
Consciência Fonológica (CF) por meio do Instrumento de Na Prova de Consciência Fonológica, GI apresentou me-
Avaliação Sequencial (CONFIAS)(17), que tem por objetivo ve- lhora no desempenho no momento pós-remediação fonológica
rificar o nível de CF da criança, a nível silábico e fonêmico, por associado à leitura e escrita, com maiores valores de médias em
meio de provas específicas. Esta prova é composta de duas partes, todos os itens do teste, sendo mais expressivo esse aumento no
sendo a primeira correspondente à consciência silábica, compos- subteste fonêmico. No GII, praticamente não houve mudança
ta por nove itens: síntese, segmentação, identificação de sílaba nas médias dos escores, em nenhum dos subtestes, com ausên-
inicial, identificação de rima, produção de palavra com a sílaba cia de diferença (Tabelas 1 e 2).
dada, identificação de sílaba medial, produção de rima, exclusão A Tabela 3 apresenta a análise estatística descritiva do
e transposição. A segunda parte corresponde à consciência de PEAC-P300, de ambos os grupos, quanto às latências absolutas
fonemas, composta por sete itens: produção de palavra que inicia dos componentes N200 e P300, em ms, e a amplitude do P300,
com o som dado, identificação de fonema inicial, identificação em mV, nos dois momentos de avaliação (pré e pós).
de fonema final, exclusão, síntese, segmentação e transposição. Na Tabela 4 consta a comparação estatística das duas avalia-
A pontuação da prova é realizada em protocolo específico, as ções (pré e pós) de cada um dos grupos, por meio do teste t de
respostas corretas valem um ponto e as incorretas valem zero. Na Student pareado e da ANOVA, quanto às latências absolutas dos
parte da sílaba, o máximo de pontuação é 40 e na parte do fonema componentes N200 e P300, em ms, e a amplitude do P300, em
30, totalizando 70 pontos, o que corresponde a 100% de acertos. mV. A ausência de diferença no GI, ao analisar as medidas de
A pesquisa do PEAC-P300 foi realizada em dois momento latência e amplitude dos componentes considerados, demonstra
para os dois grupos avaliados. Para o GI, as avaliações ocorre- a confiabilidade teste-reteste do procedimento. Nesta tabela
ram pré e pós o programa de remediação fonológica associado também encontra-se a comparação dos grupos em relação aos
à leitura e escrita, com um intervalo de 12 semanas, e para o componentes N200 e P300 nos momentos pré e pós-remediação
grupo controle (GII), embora não tenha ocorrido interven- fonológica associados à leitura e escrita.
ção, manteve-se o mesmo intervalo entre as duas avaliações. As medidas de correlação do PEAC-P300 e da prova de
Determinou-se o mesmo dia da semana e horário para a ava- Consciência Fonológica nos dois momentos de avaliação estão
liação pré e pós-programa dos escolares do GI, uma vez que apresentadas na Tabela 5.
o estado da criança no momento do teste pode influenciar nos
resultados. Neste mesmo raciocínio, os horários de avaliação DISCUSSÃO
do GII foram determinados pelo seu par no grupo experimental.
O exame do PEAC-P300 para estímulo de fala foi realizado A CF, ou seja, a capacidade metalinguística que per-
utilizando o equipamento Biologic’s Evoked Potential System mite analisar e refletir de forma consciente a estrutura
(EP), em sala silenciosa, com o escolar deitado confortavelmente
em uma maca, o qual foi instruído a permanecer em estado de
alerta, atento ao estímulo raro, apresentado de forma aleatória Tabela 1. Escores médios pré e pós testagem na prova de Consciência
ao estímulo frequente (paradigma Oddball), e a levantar o dedo Fonológica
indicador mediante cada estímulo raro discriminado. Os parâme- Sílaba Fonema Total
tros de teste e posicionamento dos eletrodos estão descritos no Média DP Média DP Média DP
Quadro 1. Foram analisadas a latência dos componentes N200 GI – Pré 30,1 6,47 12,6 5,44 42,7 11,75
e P300 (ms) e a amplitude do P300 (ΩV), registrados em Cz. GI – Pós 34,4 6,47 20,8 7,36 55,2 12,96
Os dados foram submetidos à análise estatística descritiva GII – Pré 29,9 6,14 12,9 4,87 42,8 10,37
e inferencial, por meio do teste t de Student pareado, análise GII – Pós 30,5 5,61 13,3 5,31 43,8 10,33
Legenda: DP = desvio padrão; GI = submetido a um programa de remediação
fonológica associado à leitura e escrita; GII = grupo controle

Quadro 1. Parâmetros utilizados para a pesquisa do Potencial Evocado


Auditivo Cognitivo-P300
Tabela 2. Comparação do desempenho na prova de Consciência
Parâmetros para Potencial Evocado Auditivo Cognitivo-P300 Fonológica nos dois momentos de avaliação
Tipo de estímulo Fala (20% raro e 80% frequente)
CONFIAS
Sílabas de estímulo /da/ (raro); /ba/ (frequente)
Sílaba Fonema Total
Intensidade do estímulo 80 dBNA
GI – Pré x Pós 0,000* 0,000* 0,000*
Taxa de estimulação 1 estímulo por segundo
GII – Pré x Pós 0,278 0,269 0,158
Posicionamento dos eletrodos fz e cz (ativos); m1 e m2 (referência)
*p≤0,05 – estatisticamente significante. Teste t de Student pareado.
Impedância ≤5 kΩ (individual); ≤2 kΩ (entre eletrodos)
Legenda: CONFIAS = Instrumento de Avaliação Sequencial; GI = submetido
Filtro passa banda 1 a 30 Hz
a um programa de remediação fonológica associado à leitura e escrita; GII =
Transdutor Fones de inserção 3a, estimulação biaural grupo controle

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Tabela 3. Análise estatística descritiva do Potencial Evocado Auditivo Cognitivo -P300


Potencial Evocado Auditivo Cognitivo-P300 (ms/ΩV)
Pré Pós
Média DP Mínimo Máximo Média DP Mínimo Máximo
Lat. N200 GI 271,53 43,30 221,98 348,98 257,581 37,84 211,57 324
Lat. P300 GI 431,22 29,69 392,7 490,56 387,71 31,18 338,57 446,84
Amp. P300 GI 7,85 2,77 3,26 11,99 8,48 2,08 5,26 12,03
Lat. N200 GII 267,57 44,13 211,57 334,41 257,37 52,01 190,75 338,57
Lat. P300 GII 398,33 48,22 303,18 471,82 385,21 46,37 303,18 461,41
Amp. P300 GII 7,25 4,94 1,99 14,65 7,74 3,32 3,71 15,39
Legenda: DP = desvio padrão; Lat. = latência; GI = submetido a um programa de remediação fonológica associado à leitura e escrita; Amp. = amplitude; GII = grupo controle

Tabela 4. Comparação do Potencial Evocado Auditivo Cognitivo-P300 nos dois momentos de avaliação para cada um dos grupos e comparação
entre os grupos
Potencial Evocado Auditivo Cognitivo-P300
Lat. N200 Lat. P300 Amp. P300 Teste estatístico
GI – Pré x Pós p=0,487 p=0,005* p=0,335 Teste t pareado
p=0,453 p=0,005* p=0,569 ANOVA
GII – Pré x Pós p=0,480 p=0,321 p=0,660 Teste t pareado
p=0,642 p=0,543 p=0,799 ANOVA
Pré – GI x GII p=0,842 p=0,083 p=0,744 Teste t pareado
Pós – GI x GII p=0,992 p=0,889 p=0,556 Teste t pareado
*p≤0,05 – estatisticamente significante
Legenda: Lat. = latência; Amp. = amplitude; GI = submetido a um programa de remediação fonológica associado à leitura e escrita; GII = grupo controle; ANOVA =
análise de variância

Tabela 5. Medidas de correlação do Potencial Evocado Auditivo Cognitivo-P300 e da prova de Consciência Fonológica nos dois momentos de avaliação
Silaba Fonema Total
Pré Pós Pré Pós Pré Pós
Lat N200 r=-0,703 r=-0,824 r=-0,735 r=-0,845 r=-0,564 r=-0,769
Negativa moderada Negativa forte Negativa moderada Negativa forte Negativa fraca Negativa forte
Lat P300 r=-0,934 r=-0,844 r=-0,949 r=-0,872 r=-0,934 r=-0,582
Negativa forte Negativa forte Negativa forte Negativa forte Negativa forte Negativa fraca
r=0,962 r=0,954 r=0,982 r=0,956 r=0,962 r=0,734
Amp. P300
Positiva forte Positiva forte Positiva forte Positiva forte Positiva forte Positiva moderada
Legenda: Lat. = latência; Amp. = amplitude

fonológica da linguagem oral, configura-se como um pre- A maioria das pesquisas em leitura e escrita tem demonstrado
cursora crucial para o desenvolvimento das competências a relação entre a CF e o progresso na aprendizagem da leitura e da
de leitura e escrita(18,19), sendo, assim, o foco dos programas escrita, associada aos diferentes fatores que promovem o aprendi-
de remediação fonológica. zado de padrões ortográficos associados com a pronúncia baseada
Os escolares do GI, submetidos ao programa de remediação nos aspectos fonológicos. Assim, com o aprendizado contínuo e
fonológica associado à leitura e escrita, demonstraram melhor progressivo, o escolar alcança a etapa ortográfica durante a qual
desempenho no teste de CF, tanto na prova de sílabas, como o reconhecimento e leitura das palavras ocorrem por via direta
em fonemas. O aumento das médias de acertos em ambas as de acesso lexical e semântico a partir de certas características
provas foi similar, contudo, nota-se que na prova de fonemas os gráficas da palavra, armazenadas ortograficamente(20).
escolares alcançaram resultados mais próximos da pontuação A eficiência no processo de decodificação das palavras
máxima do teste (Tabelas 1 e 2). Além disso, subjetivamente, promove o aumento na velocidade de leitura que, por sua vez,
foi possível observar esta melhora de forma qualitativa, evi- gera influências positivas na compreensão de leitura. O aumento
denciada pelo aumento na capacidade do escolar em lidar com na velocidade e capacidade de leitura está diretamente associa-
jogos envolvendo a CF. do com as habilidades de CF, acesso ao léxico e memória de
Os resultados obtidos no momento pós-teste revelam que trabalho. Portanto, à medida que o programa de remediação
as dificuldades em CF foram superadas, pois mesmo que sejam associado à leitura e escrita proporcionou melhora nas habili-
considerados os desvios padrão, os escolares do GI alcançaram dades do processamento fonológico, tornaram-se perceptíveis
os valores de normalidade. os impactos na velocidade de leitura.

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As crianças com Dislexia do Desenvolvimento, por apre- Por outro lado, quando comparado à média dos valores de latên-
sentarem alterações de fluxo sanguíneo em regiões do córtex cia do componente P300, nos dois momentos de avaliação no grupo
temporal, podem apresentar falhas no processamento neuro- submetido à remediação fonológica associada à leitura e escrita
lógico da informação, acarretando dificuldade na percepção (GI), verificou-se diminuição na latência, com diferença significante
auditiva das informações fonológicas relacionadas com a (Tabela 4). Não foi encontrada diferença significativa tanto no GI
aprendizagem da leitura em um sistema de escrita com base quanto no GII, para amplitude do P300 e para a latência do N200.
alfabética. Estudos realizados no Brasil evidenciaram estas Assim, a diminuição da latência do componente P300 para o GI
alterações no funcionamento neurológico de crianças com este demonstra que o trabalho com as habilidades fonológicas induziu
diagnóstico(21,22) . às mudanças no sistema nervoso auditivo central, as quais pude-
Os resultados do estudo de Kujala et al.(23) indicaram que o ram ser monitoradas por meio do PEAC-P300. Estas mudanças
treinamento acarreta mudança da plasticidade auditiva cortical, fisiológicas observadas no PEAC-P300 refletiram no desempenho
resultante do aumento de atividades neurofisiológicas e do tem- comportamental da criança, pois a mesma diferença foi observada
po de reação às mudanças de sons, acompanhadas pela melhora na prova de CF, na qual melhor desempenho foi constatado após a
no desempenho de leitura. Estudo posterior demonstrou que intervenção. Estes achados demonstraram a evolução terapêutica
há mudanças na ativação cerebral na região posterior do giro de escolares com Dislexia de Desenvolvimento submetidos a te-
temporal mediano observadas na magnetoencefalografia após rapias com enfoque na maximização das habilidades fonológicas,
a intervenção por meio da remediação da leitura(24). condizente com estudos anteriores(5-8).
O PEAC-P300 reflete a atividade elétrica de áreas cerebrais Diante do exposto, nota-se que o P300 pode fornecer informa-
que ocorre frente a uma tarefa específica que envolva habili- ções que auxiliam no direcionamento do processo de intervenção
dades como atenção, discriminação, integração e memória, de escolares com Dislexia de Desenvolvimento, uma vez que a
que estão envolvidas também no processamento fonológico ausência de mudanças na latência do P300 pode ser visto como
da informação. um sinalizador da necessidade de reavaliar a abordagem terapêu-
Nesse sentido, a funcionalidade normal das estruturas tica utilizada e a necessidade ou não de adequações.
auditivas centrais é fundamental para que as habilidades per-
ceptuais sejam adquiridas no padrão esperado. De acordo com CONCLUSÃO
a literatura da área, mudanças neurofisiológicas refletem-se nos
potenciais evocados auditivos, seja na latência ou amplitude A utilização do PEAC-P300 para o monitoramento ob-
dos mesmos, sendo possível, portanto, determinar a relação jetivo da evolução terapêutica de crianças com Dislexia de
existente entre essas mudanças e as habilidades auditivas Desenvolvimento é possível e representa uma opção viável
comportamentais. para os programas de intervenção.
Tendo em vista que as crianças com Dislexia do
Desenvolvimento apresentam alterações nas habilidades
*KFA foi responsável pelo delineamento do estudo, supervisionou a coleta
fonológicas(3,4), a investigação do PEAC-P300 nos processos e tabulação dos dados, colaborou com a análise dos dados e elaboração
terapêuticos enfocando estas habilidades pode fornecer infor- do manuscrito; ESA foi responsável pela coleta e tabulação dos dados
mações adicionais à observação comportamental. e colaborou para análise dos dados e elaboração do manuscrito; EF foi
Na literatura da área, a utilização do PEAC-P300 para responsável pela coleta e tabulação dos dados e colaborou para análise dos
avaliar as mudanças neurofisiológicas ocorridas após treina- dados e elaboração do manuscrito; PAPC foi responsável pelo delineamento
do estudo, supervisionou a coleta e tabulação dos dados, colaborou com a
mento auditivo foi observada em pacientes com transtorno de análise dos dados e elaboração do manuscrito.
processamento auditivo(10), em casos de Disfluência(12), assim
como um preditor dos resultados do tratamento de dependência
química(11). REFERÊNCIAS
No presente estudo, o PEAC-P300 foi analisado em dois
momentos, pré e pós-remediação fonológica, associado à leitura 1. American Psychiatric Association. DSM IV: Manual de Diagnóstico e
Estatística das Perturbações Mentais. Lisboa: Climepsi Editores; 1996.
e escrita. Inicialmente, constatou-se forte correlação entre as
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características do PEAC-P300, latência e amplitude, com o 3. Rey V, De Martino S, Espesser R, Habib M. Temporal processing and
desempenho nas provas de CF (Tabela 5), o que demonstra a phonological impairment in dyslexia: effect of phoneme lengthening on
pertinência do uso do PEAC-P300 para monitorar a evolução order judgment of two consonants. Brain Lang. 2002;80(3):576-91.
terapêutica em um programa de remediação fonológica asso- 4. Germano GD, Pinheiro FH, Capellini SA. Desempenho de escolares
com dislexia do desenvolvimento em tarefas fonológicas e silábicas. Rev
ciado à leitura e escrita.
CEFAC. 2009;11(2):213-20.
Neste sentido, outro dado importante é que não houve di- 5. Capellini SA, Padula NA, Ciasca SM. Desempenho de escolares com
ferença na latência e amplitude do componente P300 quando distúrbio específico de leitura em programa de remediação. Pró-Fono R
comparados os dois momentos de avaliação de GII (Tabela 4), Atual Cient. 2004;16(3):261-74.
o que demonstra a confiabilidade teste-reteste do procedimen- 6. Salgado CA, Capellini SA. Programa de remediação fonológica em
escolares com dislexia do desenvolvimento. Pró-Fono R Atual Cient.
to(13). Além disso, a inexistência de diferença entre os grupos em
2008;20(1):31-7.
relação à latência dos componentes N200 e P300 e à amplitude 7. Snowling MJ, Hulme C. Evidence-based interventions for reading and
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