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NOME: Icaro Gama de Freitas

DATA DE NASCIMENTO: 28/11/2020


SEXO: Masculino
MÃE: Mariana Gama de Freitas

Data de avaliação: 18/08/2023

A família de Ícaro procurou atendimento preocupada com o desenvolvimento da


criança. Ícaro ainda não fala e está fazendo fono há 3 meses.
De acordo com a mãe, não procura outras crianças para brincar. Foi sempre muito
independente e procurava resolver tudo sozinho. Há algum tempo, a mãe se preocupou com
a fala, procurou a pediatra que a validou e encaminhou para fonoterapia. Fonoaudióloga não
deu o suporte esperado.
A mãe decidiu, então, procurar por neuropediatra e nutróloga. Ambas sugeriram
sinais de risco pra TEA, mas não fecharam diagnóstico. Também sugeriram a possibilidade de
um transtorno de fala.

Avaliação comportamental: Durante a brincadeira, Ícaro triangula o olhar e confere


a reação do interlocutor com alguma frequência. Busca interagir bastante durante as
brincadeiras, aponta para pedir (mãe refere que essa habilidade foi adquirida com treino nas
terapias). Em casa, ao assistir TV, busca os adultos para interagirem com ele e os desenhos.
Observamos estereotipia vocal em alguns momentos.

Fala: Ícaro produz alguns sons, quase sempre inconsistentes. Os mais frequentes são
não, pai, mãe, cocô e alguns sons de animais. Não foram observados sons com intenção
comunicativa durante a avaliação.
Comportamento: durante a avaliação, Ícaro demonstrou-se cooperativo e atento,
além de muito tranquilo. A mãe refere episódios de rigidez. Teve períodos de
persistência/fixação em alguns objetos/brinquedos.

Alimentação: Houve um período de muita recusa alimentar. Hoje só come na frente


da TV.

Aspectos sensoriais: Sem grandes queixas sensoriais. Não gosta de


“meleca/molhados”.

Terapias: Atualmente faz intervenção aplicada por assistente terapêutica 4h/semana.

Quanto ao desenvolvimento global, Ícaro foi avaliado por meio do teste IDADI1
(anexo). O teste evidencia atraso no desenvolvimento em várias áreas, especialmente em
habilidades de cognição, socioemocionais e de comunicação, conforme evidenciado pelos
excertos abaixo.
Ícaro também foi avaliado por meio do check list de desenvolvimento do ESDM4. De
acordo com as observações realizadas, Ícaro apresenta lacunas em habilidades de
comunicação receptiva (orientação social), comunicação expressiva (habilidades
comunicativas não orais) e habilidades sociais.
De acordo com a literatura científica mais atual, sabemos que as intervenções
ecléticas têm pouca ou nenhuma eficácia no tratamento do autismo16, 17 e que a intensidade
da intervenção é um fator determinante do seu sucesso.
Ícaro ainda não fala e as habilidades pré-requisitos fundamentais para aquisição da
fala encontram-se em aquisição. Visando um melhor prognóstico em relação ao
aprimoramento da comunicação e estimulação do desenvolvimento das habilidades de
linguagem, sugerimos a implementação da Comunicação Alternativa e Aumentativa
(CAA). Segundo a American Speech-Language-Hearing Association (ASHA, 1991)5 a
Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) é uma área da prática clínica, educacional e de
pesquisa, que se destina a compensar e facilitar, temporária ou permanentemente, os
prejuízos e incapacidades em sujeitos com distúrbios da compreensão e da comunicação
expressiva.
Em um estudo recente8 foi possível observar aumento na produção de atos
comunicativos nos sujeitos da pesquisa com a utilização da CAA. Os autores concluíram que
o uso da Comunicação Aumentativa e Alternativa na clínica fonoaudiológica mostra-se
promissora e eficaz no que se refere à promoção do desenvolvimento das habilidades
comunicacionais do indivíduo com Transtorno no Espectro do Autismo – TEA.

Um dado alarmante é que entre 25 e 30% dos indivíduos com TEA sem
intervenção permanecerão minimamente verbais até a idade escolar11. Por isso, destacam-se
estudos que trazem evidências de melhoras com intervenções estruturadas.

Um recente estudo clínico randomizado9 demonstrou que as crianças que têm


dificuldades de fala moderadas a graves, apresentam melhora significativa com a intervenção
motora estruturada no programa PROMPT. Ele sugere que a intervenção PROMPT foi
associada a melhorias notáveis no controle motor da fala, articulação da fala e inteligibilidade
da fala no nível da palavra. Apesar da melhora, elas precisarão de terapias prolongadas para
mostrar mudanças relacionadas ao seu funcionamento em casa e em outros lugares de
convivência. Outro estudo10 demonstrou que um grupo de crianças que recebeu intervenção
mais intensiva durante 08 semanas de uma abordagem fonológica de oposições múltiplas
apresentou resultados melhores do que um grupo de crianças que recebeu intervenção uma
vez por semana durante 24 semanas. Essa última condição apresentou o mesmo resultado de
crianças que não receberam intervenção alguma. Da mesma forma que o estudo citado
anteriormente, apesar da melhora significativa, essas crianças ainda precisariam continuar o
tratamento para além das 8 semanas, pois apenas uma manutenção periódica obteve o
mesmo resultado que a não intervenção, sem avanços em termos de inteligibilidade na fala.

Outro estudo de Namasivayam et al. (2015)13 indicou que apenas o tratamento


de intensidade mais alta levou a resultados significativamente melhores para a articulação e
comunicação funcional em comparação com a intervenção de 1x/semana (intensidade mais
baixa) e Fiori et al. (2021)14 referem modificações na estrutura do cérebro a partir de
intervenções motoras (PROMPT), com melhora dos padrões de fala.

O PROMPT é um modelo multidimensional e cientificamente comprovado, sendo


indicado para os transtornos motores de fala, que envolve não apenas os aspectos físico-
sensoriais do controle motor, mas também os aspectos cognitivo-linguísticos e sócio-
emocionais. A literatura existente sobre o tratamento de transtornos motores, também
recomenda tratamento intensivo usando uma abordagem motora, com algumas das
melhores evidências apoiando o uso de dicas dinâmicas temporais e táteis (DTTC)15.
Não obstante o foco no desenvolvimento da comunicação, entendemos que a fala
funcional é fruto do desenvolvimento global e que, sem isso, é bastante improvável que essa
comunicação plena seja adquirida. Daí a necessidade de intervenções comportamentais e
intensivas, que são – segundo estudos robustos – as abordagens com maiores garantias de
resultado16, 17.
Na linha dos estudos randomizados e controlados, Rogers et al. em 201021
conduziram um estudo nesse perfil e depois o ampliaram e replicaram em 2019. No primeiro
estudo foram avaliadas 48 crianças com diagnostico de TEA (com idades entre 18 e 30 meses)
e distribuídas aleatoriamente em dois grupos que receberam intervenção ESDM ou
intervenção comportamental da comunidade. As melhoras em desempenho cognitivo e
comportamento adaptativo foram maiores nas crianças do grupo ESDM. Na replicação deste
estudo em 2019, fez-se um estudo simples-cego, randomizado, multicêntrico projetado para
replicar e estender o ensaio anterior, de 2010. Ele foi realizado em 3 universidades, e contou
com 118 crianças (14 a 24 meses de idade), divididas aleatoriamente nos mesmos dois grupos
do estudo anterior. Dessas, 81 completaram o estudo (que durou 27 meses). O resultado final
de evidenciou ganhos para a linguagem e interação social e desenvolvimento global, maiores
no grupo ESDM, o que confirmou os resultados do primeiro estudo.
Contudo, para além da intervenção comportamental, entendemos que as
intervenções sensório-motoras também são essenciais para a aquisição e desenvolvimento
da linguagem. Diversos estudos têm demonstrado a correlação entre déficits motores,
sensoriais, cognitivos e de linguagem18, 19, 20
. Diante disso, sugerimos também avaliação
fisioterapêutica e de terapia ocupacional.
Conclusão:

Ícaro apresenta sinais de risco para transtorno do espectro autista. Seu perfil de
desenvolvimento corrobora esses achados – os atrasos observados não se justificam por um
transtorno exclusivo da fala (há falhas em habilidades comunicativas não orais). A criança vem
recebendo intervenção de baixa intensidade com respostas perceptíveis. Contudo, ainda
apresenta atrasos mensuráveis no desenvolvimento. Diante disso, sugerimos então:
Avaliação médica para conclusão diagnóstica
Intervenção fonoaudiológica intensiva domiciliar com utilização de PROMPT e
implementação de CAA
Avaliação fisioterapêutica
Avaliação e intervenção de integração sensorial
Intervenção comportamental intensiva baseada no modelo de Denver (ESDM) com
supervisor experiente.

Edinizis Belusi
CRFa. 3-17.344
Fonoaudióloga – USP
Mestre em Linguística – UnB
Formação para diagnóstico de TEA (ADOS-II) e
para intervenção precoce (ESDM – Modelo de Denver)
Referências:

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4. Rogers, S. J.; Dawson, G. Intervenção precoce em crianças com autismo: modelo
Denver para a promoção da linguagem, da aprendizagem e da socialização. Lisboa:
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