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1. Evolução histórica
Muito embora o senso comum não hesite em reconhecer a importância dos serviços
de inteligência como instrumento vital para a manutenção de uma sociedade livre e segura,
por vezes, não os compreende, até pelo pouco ou nenhum conhecimento que deles possuem,
isso como resultado do próprio caráter de compartimentação que envolve o trabalho dos
mesmos.
Observa-se que, em alguns países, a real dimensão da importância dos serviços de
inteligência somente é percebida quando os mesmos falham e o pior acontece, caso de alguns
episódios emblemáticos da história, como foi o ataque à base Naval Norte Americana de Pearl
Harbor, durante a Segunda Guerra Mundial, os atentados de 11 de setembro de 2001 nos
Estados Unidos da América (EUA), ou ainda, nas recentes ações terroristas ocorridas em
Israel.
Ao longo da história, a palavra inteligência assumiu vários significados, permeando a
evolução da humanidade, pois, desde o início da organização social, o homem buscou garantir
a sua sobrevivência obtendo alimentos e abrigo, proteção contra as ameaças ou subjugando
seu próximo, esta última para sua segurança ou expansão das condições de subsistência.
Para tanto a obtenção de informações do que se iria enfrentar em relação às
condições geográficas, de clima, de disponibilidade de alimentos e de seus potenciais
inimigos era premente para a adoção das medidas mais adequadas com vistas ao sucesso em
alcançar os objetivos estabelecidos.
Com isso temos que a gênese da atividade de inteligência esta diretamente
relacionada à necessidade de sobrevivência humana.
Conforme Gonçalves (2008) já no antigo Egito encontra-se um dos mais antigos
registros de relatórios de inteligência produzidos:
John Hughes-Wilson lembra que as primeiras evidências escritas do uso da
inteligência remontam aos sumérios e aos egípcios. As informações estavam
relacionadas tanto a assuntos militares quanto a matérias de administração do
Estado. Um dos primeiros registros de relatórios de inteligência produzidos remonta
a 3.000 anos antes de Cristo: trata-se de um documento produzido para o Faraó por
uma patrulha da fronteira sul do Egito, em que é informado que “encontramos o
rastro de 32 homens e 3 jumentos”. (GOANÇALVES, 2008).
De Sun Tzu, General chinês do Século VI a.C. que na sua obra A Arte da Guerra
trata da obtenção de conhecimentos como atividade para assessoramento à decisão, em um
esboço do que hodiernamente se entende como inteligência, passando pela Bíblia Sagrada,
que no Antigo Testamento faz diversas alusões ao uso de espiões para obtenção de
conhecimentos sobre os inimigos, com o propósito de alcançar vantagens estratégicas para
orientar as ações em batalha, muitos são os registros a respeito da atividade de Inteligência, na
sua grande maioria ligados ao contexto das campanhas bélicas que marcaram a história.
Durante o Século XX a Inteligência, enquanto atividade, passou por grande evolução
e alcançou um avançado estágio de desenvolvimento. Além da profissionalização dos seus
quadros e do emprego de sofisticados aparatos tecnológicos, passou ela a integrar a estrutura
da burocracia estatal das principais nações, que implementaram os seus serviços secretos
permanentes, para emprego em tempo de paz ou de guerra.
É no período pós 2ª Guerra Mundial que tais serviços passam a ter uma atuação ainda
mais destacada, dada a complexidade que o contexto geopolítico internacional impunha com a
Guerra Fria em curso, na qual os interesses políticos, econômicos e bélicos pela supremacia
mundial estavam divididos em dois blocos, de um lado capitaneados pela então União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e, do outro, pelos Estados Unidos da América
(EUA).
A Queda do Muro de Berlim em 1989 marca o fim deste ciclo da história, quando
tem início o processo de desconstrução do bloco liderado pela URSS, que terminou em 1991.
A partir de então, inicia-se a fase de reconstrução dos países que o integravam como nações
independentes, com o que o poder financeiro e militar do antigo bloco é esvaziado.
Com esta reconfiguração do cenário geopolítico, da qual os EUA emergem como
potência hegemônica, o foco da Inteligência é deslocado para o fenômeno do terrorismo, em
especial a partir da Guerra do Golfo em 1990/1991, travada pelas Forças de Coalisão contra o
Iraque, objetivando a desocupação do Kuwait.
O atentado contra as Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001 tornou-se um marco
para a potencialização da preocupação mundial com as ações do terrorismo, mormente as
provenientes de grupos radicais. Após tal evento, imperava em escala global uma sensação de
falha em relação aos serviços de Inteligência dos EUA, haja vista que até o órgão central do
sistema de defesa militar norte americano, o Pentágono, havia sido alvo de ataque sem que
nenhum alerta fosse dado.
Tal percepção foi potencializada quando, na sequência aos ataques, foi verificado
que fragmentos de informações a respeito dessa possibilidade já estavam armazenados nas
inúmeras agências de Inteligência americanas, contudo, como elas atuavam de forma
individualizada, não foi possível a construção de um conhecimento amplo, capaz de gerar
alertas sobre a ameaça que aproximava, o que talvez tivesse evitado as ações e poupado vidas
de cidadãos americanos.
Já nas primeiras décadas do século XXI, a formação de novos polos de poder
econômico e militar e o surgimento de blocos econômicos em outras regiões do planeta, em
particular o crescimento da China como potência, estão impondo novas dinâmicas aos
serviços de inteligência, dada à reconfiguração que a ordem mundial assume.
Permeando este cenário, o fenômeno da moderna globalização impôs uma nova
dinâmica. Conflitos regionais antes desconhecidos alcançaram importância internacional, o
crime rompeu barreiras e estruturou-se de forma transnacional e definitivamente atuando em
redes, além do que, as questões de segurança local passaram a ser compartilhadas com todos,
estabelecendo um novo cenário para as agências de Inteligência, pois em nenhum outro
momento da história a necessidade de conhecimento rápido e objetivo foi tão acentuada:
O século XXI, que começa, de fato, em 11 de setembro de 2001, depara-se com uma
realidade internacional marcada pela insegurança, pelas disputas de poder entre os
Estados em campos como o econômico, mas também o militar, e pelas novas
ameaças, como o crime organizado e o terrorismo. Nesse contexto, o mundo está
mais instável e menos previsível. Vive-se a era da informação e o conhecimento
mostra-se como nunca uma ferramenta e um recurso inigualável de poder. Se há
duzentos anos, a terra era o insumo fundamental para a geração de riqueza, em
nossos dias o conhecimento tornou-se tremendamente valioso (GOANÇALVES,
2008).
Justamente por este viés de defesa institucional do Estado é que o termo passou a
definir a atividade dos órgãos responsáveis pelo processo de produção, transmissão, retenção
e proteção do conhecimento dentro da estrutura governamental, isso de forma diversa do que
ocorre em outros países, onde os Serviços de Informações são conhecidos como Agências de
Inteligência há muito, conforme pode ser verificado na leitura do texto acima.
Esta realidade não ocorreu ao acaso uma vez que, no Brasil, o aperfeiçoamento
doutrinário da Atividade de Inteligência começou sua trajetória pelas Instituições Militares, a
partir da década de 1950, época em que começam a ser feitos os primeiros estudos e
elaborados os manuais a respeito do assunto, tema que será melhor tratado na abordagem
sobre a sua evolução no Brasil.
Naquele momento, em pleno cenário da Guerra Fria, muito do material de referência
utilizado neste processo tinha como origem os serviços de Inteligência Norte Americano, uma
vez que, pouco antes, que o Brasil havia participado dos esforços da Segunda Guerra Mundial
compondo as forças aliadas com os EUA.
É justamente nesta fase que são incorporados vários termos técnicos aos nossos
primeiros manuais sobre o assunto, muitos deles resultantes de traduções de livros e manuais
produzidos em outros idiomas, com os consequentes problemas semânticos deste processo.
Ainda no sentido de dirimir eventuais dúvidas em relação à temática, necessário se
faz distinguir também os termos Espionagem e Investigação.
Espionagem esta relacionada à ideia de, secretamente, muitas vezes em ambiente
hostil, obter conhecimento estratégico, subtrair algo valioso, ou mesmo, eliminar fatores
adversos ao propósito da missão, características estas amplamente romanceadas ao longo da
história, da literatura infanto-juvenil ao cinema.
A Investigação esta relacionada à produção de provas para instrução de processo
investigatório, este em sentido amplo, no caso específico da legislação brasileira mais afeto ás
atividades de Polícia Judiciária ou de apuração de infrações administrativas. Ainda que
etimologicamente possamos encontrar o termo investigação relacionado ao termo
Informações, eles não se confundem, visto que este último apresenta um significado mais
restrito, ao se referir especificamente aos atos e ações necessárias para a obtenção de provas
que materializem algo que se busca apurar.
A título de exemplificar, pode ser mencionado o trabalho de Inteligência
desenvolvido pelo Ministério Público (MP) o qual produz elementos que possibilitam
direcionar e orientar a produção de provas que possam subsidiar as prestações jurisdicionais.
Importante evidenciar que a investigação criminal é conduzida pelo modelo de
persecução penal previsto e regulamentada na norma processual própria, visando a produção
de provas, enquanto a atividade de inteligência tem como objetivo a produção de
conhecimento para o assessoramento, conforme características apresentadas no quadro
abaixo:
Há dois usos principais do termo inteligência fora do âmbito das ciências cognitivas.
Uma definição ampla diz que inteligência é toda informação coletada, organizada ou
analisada para atender a demanda de um tomador de decisões. A sofisticação
tecnológica crescente dos sistemas de informação que apoiam a tomada de decisões
tornou corrente o uso do termo inteligência para designar essa função de suporte,
seja na rotina dos governos, no meio empresarial ou mesmo em organizações
sociais. Nesta acepção, inteligência é o mesmo que conhecimento ou informação.
[...] Porém, a inteligência de que trata esse trabalho refere-se a conjuntos mais
delimitados de fluxos informacionais estruturados. Nesse caso, uma definição mais
restrita diz que inteligência é a coleta de informações sem o consentimento, a
cooperação ou mesmo o conhecimento por parte dos alvos da ação. Nesta acepção,
inteligência é o mesmo que segredo ou informação secreta. (CEPIK, 2003).
Analisando os dispositivos legais acima citados, é possível ainda verificar que entre
eles há um aperfeiçoamento pois, muito embora a Lei 9.883/99 e o Decreto Federal nº
4.376/02 apresentem os ramos em que se desdobra a Atividade de Inteligência, acaba não
fazendo uma distinção conceitual entre os mesmos, o que a PNI traz textualmente.
Esta divisão merece atenção especial pois, muito embora por questões práticas e
operacionais do dia a dia o foco maior esteja na produção do conhecimento, esta não existe
dissociada da sua proteção, uma vez que, como visto, a Atividade de Inteligência, em maior
ou menor grau, tem como um dos seus elementos essenciais o trato com o dado negado.
A relação entre a produção do conhecimento (Inteligência) e a sua proteção
(contrainteligência) não pode ser dissociada, relação resumida na figura abaixo.
Nesta acepção clássica, é possível inferir que pode ela ser aplicada aos mais variados
níveis e atividades na estrutura desses entes políticos, os quais, para a consecução dos seus
fins, necessitem coletar e analisar informações e/ou tratar com conhecimentos que mereçam
ser protegidos.
A Inteligência de Estado basicamente se divide em duas categorias, a Inteligência
externa), cujo foco é a Defesa Nacional e a Política externa e a Inteligência interna ou
doméstica, a qual, em linhas gerais, tem como objetivo a produção de informações para a
segurança do Estado e das suas Instituições, bem como da sociedade, no que diz respeito às
ameaças no ambiente interno ao mesmo (interior do território nacional).
Por outro lado, a dinâmica e a conjuntura moderna, seja no aspecto nacional ou
internacional, apresenta um cenário multidisciplinar e amplo de áreas e temas afetos ao papel
de um Estado, os quais podem suscitar a necessidade do uso da Inteligência enquanto
atividade. Surgem então as categorias para a Inteligência de Estado, as quais são variadas
tanto quanto a amplitude de interesses passíveis do seu emprego, bem como de autores que
sobre o tema se debruçam.
Neste trabalho, adotaremos os parâmetros apresentado por Gonçalves (2008, 145)
sobre a Atividade de Inteligência, a qual envolve o conjunto de informações, procedimentos e
organizações voltados à segurança do próprio Estado e, ao mesmo tempo, da sociedade como
um todo, as quais estão ilustradas na figura abaixo:
Seja qual for a definição adotada para a Atividade de Inteligência, temos que o
produto básico da mesma, em qualquer das suas categorias, é o conhecimento que irá
subsidiar o processo decisório. Bem por isso, quanto mais completo e preciso for ele, e ainda,
em sendo difundido ao decisor com oportunidade, maior será o seu valor agregado.
Neste contexto, o conhecimento pode ser entendido como sendo “[...] o resultado do
processamento completo das informações para gerar significado, incluindo a condensação de
experiências, cultura, memória e acúmulo coletivo de habilidades profissionais [...]”. (FERRO
JUNIOR, 2008).
A definição apresentada deixa claro que o conhecimento é resultado de um processo
técnico, com metodologia própria e que é conduzido por profissionais habilitados,
denominado Ciclo da Produção do Conhecimento (CPC), o qual, para Antunes (2002), pode
ser entendido como:
[...] a descrição de um processo no qual as informações coletadas principalmente
pelas agências de inteligência são postas ``a disposição de seus usuários. Na
realidade, ele pode ser definido basicamente em duas grandes etapas: uma de coleta
e outra de análise, que se encontram organizacionalmente estabelecidas, vinculadas
a diferentes órgãos estatais. (ANTUNES, 2002).
O CPC já vem sendo estudado há muito tempo por autores da área. Sherman Kent já
examinava desde o final da década de 1940 a “Atividade de pesquisas em informações”, que
nada mais é do que o CPC, sobre a qual apresenta “[...] pesquisa é um comportamento para
extrair sólido significado das impressões [...]” que tem como objetivo “[...] proporcionar a
verdade ou uma grande aproximação da verdade [...]” (ALCANTARA, 2011).
Por se tratar de um processo, o CPC divide-se em etapas, sobre as quais há diversas
disposições na literatura sobre o tema. Platt (1974), por exemplo, o divide em sete etapas
sequenciais interdependentes, que são: levantamento geral, definição dos termos, coleta de
informes, interpretação dos informes, formulação de hipóteses, conclusões e apresentação.
Cepik (2001) ao discorrer sobre o CPC faz sua divisão em dez estágios:
1º - requerimentos informacional; 2º - planejamento; 3º - gerenciamento dos meios
técnicos; 4º - coleta a partir de fontes singulares; 5º processamento; 6º- análise das
informações obtidas de fontes diversas; 7º produção de relatórios, informes e
estudos; 8º- disseminação dos produtos; 9º consumo pelos usuários e 10º avaliação
(feedback). (CEPIK, 2001).
Em relação à divisão feita por Platt, Cepik inicia o Ciclo com o requerimento da
informação por parte do usuário e o encerra com sua avaliação por parte da Agência que
produziu. Especificamente sobre o requerimento da informação pelo usuário, Gonçalves
(2008, p. 188) chama a atenção para a importância do seu perfil, uma vez que a produção do
conhecimento deve se basear nas peculiaridades do mesmo, ou seja, no seu cargo e funções,
na necessidade de conhecimento, bem como no seu nível como decisor.
Interessante é a conclusão de Pacheco sobre o assunto. Para o autor, ainda que as
terminologias utilizadas sejam diferentes, as fases do CPC seguem as mesmas fases do
trabalho científico: “[...] há a formulação de um problema; o estabelecimento da hipótese; do
objetivo; da justificativa/relevância e da situação do tema/problema; embasamento por meio
de um marco teórico; estabelecimento de métodos/técnicas/instrumentos de pesquisa;
definição da população/amostra; detalhamento do cronograma de trabalho; estudo e conclusão
do problema; e, finalmente, a produção do relatório da pesquisa, que a produção do
conhecimento propriamente dita.” (PACHECO, 2005, apud ALCANTARA, 2011).
Fato é que não há um consenso entre os autores sobre o número de etapas do CPC.
No entanto, para resumi-las, é interessante a abordagem de Gonçalves (2008) no sentido de
que, baseada nas orientações do usuário ou ainda nas necessidades e diretrizes de uma
“política nacional de inteligência”, as agências de inteligências procuram coletar os dados,
após o que realizam o processamento dos mesmos, produzindo então um conhecimento de
inteligência que será difundido.
De uma forma básica, apresenta as seguintes etapas:
ANTUNES, Priscila Carlos Brandão. SNI & ABIN: entre a Teoria e a Prática. Uma leitura
da atuação dos serviços secretos brasileiros ao longo do século XXI. Rio de Janeiro: Ed.
FGV, 2001.