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SER PROFESSOR: FORMAÇÃO DOCENTE, TEORIA E PRÁTICA

BE TEACHER: TEACHING TRAINING, THEORY AND PRACTICE


SER PROFESOR: FORMACIÓN DOCENTE, TEORÍA Y PRÁCTICA

RESUMO
O presente artigo pretende compreender a relação entre o saber teórico e o saber prático na
ação docente. Estes saberes são continuamente retomados nos estudos sobre formação de
professores por sua relevância para uma prática significativa e contribui para o professor
repensar, sistematicamente, suas ações à medida que surgem os desafios próprios de sua
atuação. Partimos do pressuposto no qual, o entendimento do processo de construção do
ser professor acontece mesmo antes dele iniciar a sua vida acadêmica, estendendo-se ao
longo de sua trajetória de vida pessoal e profissional. Consideramos, assim, que o ser
professor e a sua prática docente constituem-se de diferentes saberes: científico,
pedagógico, experiências de vida, disciplinares, dentre outros. O nosso referencial teórico
envolve autores como, Freire (1996) e Tardif (2002) que abordam a temática. Para
complementar nossa pesquisa, faremos um diálogo reflexivo e uma entrevista
semiestruturada com dois professores do primeiro ano do Ensino Fundamental.

Palavras-Chave: Educador. Formação Docente. Teoria e Prática

ABSTRACT
The present article intends to understand the relation between theoretical knowledge and
practical knowledge in the teaching action. These knowledges are continually taken up in
teacher training studies because of their relevance to a consistent practice and contribute to
the teacher systematically rethinking their actions as the challenges arise. The process of
construction of being a teacher happens even before he begins his academic life, extending
throughout his personal and professional life trajectory. We consider, therefore, that being a
teacher and his teaching practice are constituted by different knowledge: scientific,
pedagogical, life experiences, disciplinary, among others. Our theoretical framework involves
authors such as Freire (1996) and Tardif (2002) who approach the theme. To complement
our research, we will conduct a reflexive dialogue and a semi-structured interview with two
first grade teachers of elementary school.

Keywords: Educator. Teacher Training. Theory and practice

RESUMEN
El presente artículo pretende comprender la relación entre el saber teórico y el saber
práctico en la acción docente. Estos saberes son continuamente retomados en los estudios
sobre formación de profesores por su relevancia para una práctica consistente y contribuye
al profesor repensar sistemáticamente sus acciones a medida que surgen los desafíos
propios de su actuación. El proceso de construcción del ser maestro ocurre incluso antes de
iniciar su vida académica, extendiéndose a lo largo de su trayectoria de vida personal y
profesional. Consideramos, así, que el ser profesor y su práctica docente se constituyen de
diferentes saberes: científico, pedagógico, experiencias de vida, disciplinares, entre otros.
Nuestro referencial teórico involucra a autores como Freire (1996) y Tardif (2002) que
abordan la temática. Para complementar nuestra investigación, haremos un diálogo reflexivo
y una entrevista semiestructurada con dos profesores del primer año de la Enseñanza
Fundamental.

Palabras clave: Educador. Formación docente. Teoría y Práctica


1. INTRODUÇÃO

A pretensão deste artigo é compreender a relação entre o saber teórico e o


saber da prática na formação docente e, assim, levar o leitor a uma reflexão sobre
esta relação e enfatizar a importância desses saberes nos processos formativos de
professores e sua relação na constituição do ser professor.
Organizamos, didaticamente, este artigo em três seções que constituem o
referencial teórico. Na primeira seção discorreremos sobre a relação teoria e prática
no trabalho docente, na segunda seção, conceituaremos formação docente na
perspectiva do modelo da racionalidade prática que considera teoria e prática o
núcleo norteador da formação de professores, na medida em que teoria e prática
são indissociáveis. E, na terceira seção, discutiremos acerca dos saberes que
constituem o ser professor e a importância de trabalhar esses saberes na formação
docente.
O referencial teórico selecionado, partiu da premissa de que os seguintes
autores podem subsidiar esta pesquisa, como: Freire (1996), Franco (2012), Nóvoa
(1999), Pimenta (2012), Therrien (2017), Tardif (2014), dentre outros. Este
referencial teórico será iluminado por meio de um diálogo reflexivo de questões
relacionadas às categorias da pesquisa e da pergunta que norteia toda a pesquisa:
Como acontece o saber teórico e o saber da prática na formação docente pelo viés
do trabalho do professor formador?
A elaboração e o desenvolvimento do trabalho concretizaram-se por uma
investigação empírica, caracterizada por uma abordagem qualitativa, por trabalhar
com o universo de significados e a proximidade com os participantes da pesquisa. A
técnica para a coleta de dados foi a entrevista semiestruturada, enriquecida por um
diálogo com escuta atenta e fundamentada nos teóricos citados e outros que
abordam sobre as categorias da temática. Nesta perspectiva, acreditamos que o
saber teórico ilumina o saber prático, contribuindo para uma análise precisa dos
questionamentos que norteiam essa pesquisa. Os referidos autores fundamentam
esta temática porque o ser professor é considerado pelos mesmos, como uma
pessoa que exerce uma profissão, num dado contexto e elabora, no decorrer de sua
vida pessoal e profissional, um saber plural (TARDIF, 2014), enfatizando o saber
teórico e o saber prático, tanto daquele que ensina como daquele que aprende
(FREIRE, 1996). Sendo assim, o professor é um ser que se constitui pelos saberes,
construídos individualmente e coletivamente.
O lócus da pesquisa foi a escola, espaço privilegiado de produção e partilha
de saberes. Essa escola é municipal, pertencente ao Distrito de Educação 3,
localizada no bairro Henrique Jorge. Os sujeitos da pesquisa foram dois professores
do 1º ano do Ensino Fundamental que aceitaram participar dessa pesquisa, e que,
para efeito de análise dos dados, serão tratados como P1 e P2.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

A principal referência teórica deste trabalho está intrinsecamente relacionada


aos estudos sobre os saberes teóricos e práticos utilizados pelos professores em
contexto de formação de professores. Estes saberes são construídos e
reconstruídos tanto pelo docente como pelo discente por meio da racionalidade
dialógica e crítica defendida pelos autores como Freire (1996) e Pimenta (2012). A
literatura trabalhada contribuiu, para a reflexão sobre a temática e para novos
conhecimentos acerca do assunto abordado.

2. 1. Teoria e prática: algumas considerações

Comungamos com as ideias de Paulo Freire na qual, a prática é inseparável


de um conhecimento teórico, que possibilita ao professor pensá-la de forma
sistemática à luz de teorias de ensino e de aprendizagem. Dessa forma, sua prática
pode ser transformada, tendo, assim, a práxis pedagógica, com o objetivo de
ressignificar conceitos como o de aprendizagem, de ensino, de aluno e de aula.
Neste contexto, Freire (1996), afirma que:

A teoria sem a prática vira verbalismo, assim como a prática


sem a teoria, vira ativismo. No entanto, quando se une a
prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e
modificadora da realidade.

Este pensamento de Paulo Freire nos faz refletir sobre a dicotomia que ainda
perdura em algumas formações de professores, ou seja, a teoria é trabalhada
desvinculada da prática, desconsiderando que toda proposta de formação precisa e
deve exigir uma forma de aproximação com a prática. Essa aproximação pode se dá
por meio do compartilhamento de experiências entre os professores envolvidos na
formação e pela mediação e intervenção do professor formador que, também,
partilha as suas experiências. Como a escola é o lócus privilegiado de formação, é
importante que o formador conheça o cotidiano da sala de aula, como acontece a
prática docente e coopere com o trabalho dos professores, incentivando-os a
desenvolverem práticas formativas entre eles, trabalhando tanto o saber teórico
(pesquisa, leitura e discussão de textos) como o saber da prática (reflexões em
grupo sobre as práticas e troca de experiências embasadas em teorias da
educação).
A prática docente, por se constituir de diferentes saberes, é considerada uma
atividade intencional que exige, além desses saberes, o estabelecimento de
objetivos, planejamento, intervenção e avaliação para atingir a sua finalidade: a
aprendizagem dos estudantes e a primazia do ensino. Por esta razão, deve guiar-se
pela teoria de forma sistemática e não de forma casual, um dos motivos que leva o
professor a ser um pesquisador de sua própria prática e um incessante aprendiz.
O exercício da docência, enquanto ação transformadora que se renova tanto
na teoria quanto na prática, requer o desenvolvimento de uma consciência crítica
dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e de aprendizagem. E, nesse sentido,
podemos dizer que o exercício da ação docente requer preparo, requer a elaboração
e reelaboração de saberes diversos. Segundo Freire, “saber que ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção” (1996, p. 47)
Refletindo sobre essa afirmação de Freire, relacionamos com os discursos
dos dois professores entrevistados nesta pesquisa ao indagarmos acerca de como
acontece, na sala de aula, os saberes teóricos e práticos. O primeiro professor a
falar (denominamos de P1), relatou que

O saber teórico são os conhecimentos que precisamos ter das disciplinas e


dos conteúdos a serem dados e o saber prático são saberes relacionados à
maneira como damos a aula, com materiais, para não ser uma aula apenas
expositiva

Neste discurso, percebemos que P1 acredita que o saber teórico é restrito ao


saber disciplinar e dos conteúdos e não o relaciona ao saber prático, que, segundo
P1 é a ação, o como fazer. De acordo com as ideias de Tardif (2014) sobre os
saberes docentes, há ainda, outros saberes que constituem a prática docente como
o saber teórico vinculado à didática, aos conceitos de aprendizagem, ensino,
organização do trabalho docente, interação, dialogicidade, dentre outros conceitos
que transitam entre a teoria e a prática, cabendo ao professor articular esses
saberes. Nessa lógica, não há uma percepção por parte do P1 acerca da relação
teoria e prática e dos demais saberes que constituem a prática. Consequentemente,
não conseguimos perceber se há reflexão sobre a sua prática, se os conhecimentos
de vida e de experiências dos alunos são levados em consideração e se, ao
ministrar conteúdos das diferentes disciplinas, são utilizadas estratégias
diferenciadas de acordo com a disciplina e conteúdo ministrado, ou seja, o
conhecimento da didática, por exemplo, já que para este professor, o saber prático é
relacionado apenas ao fazer, dar aula.
Os saberes docentes que constituem a prática do professor são saberes que
se relacionam para se ter um melhor entendimento do processo de ensino e
aprendizagem. São, ao mesmo tempo, saberes teóricos e saberes práticos, pois,
estes saberes são indissociáveis, como: disciplinares, pedagógicos, curriculares,
experienciais que dialogam entre si mediatizados pelo professor. Para tanto é
importante que o professor seja um pesquisador de sua prática diária e reflita sobre
ela, articulando-a aos diferentes saberes que a constitui, com o intento de
transformá-la quando necessária.
No decorrer de seu processo formativo, o professor adquire capacidade de
dominar, integrar e mobilizar tais saberes enquanto condição para a sua prática
(TARDIF, 2014, p. 39), isso se dá quando há um trabalho pedagógico coletivo, onde
há compartilhamento de experiências, discussões sobre assuntos pertinentes ao
cotidiano escolar e a sala de aula e a busca de soluções para as diversas demandas
que surgem no contexto educativo. Neste sentido, é oportuno expor uma das falas
do professor 2, que denominamos “P2”,

[...] tenho 13 anos de magistério e, no início, a gente se preocupa em saber


os conteúdos para dar uma boa aula. Com o tempo, percebi que preciso
ouvir meus alunos para ver o que eles sabem, se compreenderam a matéria
e isso ajuda no meu planejamento.

Percebemos, na fala do P2 como a experiência é importante para o professor


que apresenta uma reflexão sobre o percurso de sua prática e a lacuna do início de
se preocupar, apenas, em conhecer os conteúdos a serem ministrados e,
atualmente, há uma preocupação com os saberes que os alunos trazem para a
escola, seu entendimento da matéria e a importância dessa prática cotidiana para a
elaboração e reelaboração do planejamento. Nas entrelinhas, percebemos que as
aulas do P2 é pautada no diálogo e reflexão.
De acordo com Therrien (1997), o discurso expressa a concepção do docente
em relação à sua prática, uma prática refletida e transformadora, o que afeta o seu
fazer educativo vinculado à dimensão social caracterizada por uma racionalidade
que articula saberes e conhecimentos não apenas escolares, mas, aqueles
vivenciados pelos alunos nos diferentes contextos que convivem. Cabe a instituição
escolar desenvolver ações formativas que favoreçam o estabelecimento de relações
entre os diversos saberes que permeiam a prática docente, envolvendo todos
aqueles que fazem a escola.
Quando a prática docente constitui-se pelo diálogo, pela reflexão, pela partilha
e produção de conhecimentos, estamos diante de uma racionalidade pedagógica
fundante da epistemologia da prática, que, segundo Therrien (2006) é um conjunto
de saberes oriundos tanto de teorias científicas do campo da educação, como da
experiência profissional situada, com reflexividade crítica, dialógica e ética de
sujeitos comprometidos no trabalho pedagógico.
O trabalho docente imbuído de saberes teóricos (temáticas sobre educação) e
práticos (experiências), elaborados individualmente e coletivamente, se constitui
uma modalidade de formação contínua com amplas possibilidades transformadoras
e emancipatórias. Dessa forma, é importante mobilizar os saberes da experiência,
os saberes pedagógicos e os saberes científicos, como constitutivos da docência
nos processos de construção do ser professor.
Concordamos com Franco (2012) ao afirma que, quando o professor tem uma
intenção e pensa constantemente sobre os elementos que caracterizam a
complexidade de sua prática docente, é porque este professor “(…) acredita que seu
trabalho significa algo na vida dos alunos, esse professor tem uma prática docente
pedagogicamente fundamentada” (2012, p. 160) Para essa autora, a prática docente
nem sempre é uma prática pedagógica como alguns profissionais da educação
pensam, e, nos diz que, “a prática docente é prática pedagógica quando esta se
insere na intencionalidade prevista para a sua ação” (2012, p. 160).
Sendo assim, a prática docente torna-se, também, prática pedagógica quando
o professor apresenta uma responsabilidade não somente com o seu trabalho na
sala de aula, mas, uma responsabilidade social, relacionando os conteúdos
trabalhados nas diferentes disciplinas com as experiências de vida e as experiências
escolares de seus alunos e como esses conhecimentos serão utilizados socialmente
por eles, numa atitude de práxis. Para tanto, é importante que o professor tenha uma
postura crítica e reflexiva sobre as temáticas estudadas na sala de aula e consiga,
da melhor forma possível, relacioná-las com as questões sociais nas quais todos
nós estamos inseridos. Isso requer pesquisas, discussões coletivas, estudos, ou
seja, uma formação contínua de professores.
Neste seguimento, percebemos que as atividades do professor com os seus
alunos contribuem para a construção e desenvolvimento de saberes pedagógicos,
enriquecendo o trabalho da escola como prática social. E, comungando com a ideia
de Franco (2012), são os saberes teóricos e práticos que instigam o professor a
pensar e produzir novos saberes vinculados tanto aos aspectos da docência como
os aspectos pedagógicos e sociais, levando-os a transformação de uma realidade,
ou melhor, a práxis pedagógica.

2. 2. Formação Docente

Iniciaremos esta seção com o seguinte questionamento: por que há


necessidade de formar professores continuamente? Perspectivar teoricamente e,
também, por meio da prática docente, este questionamento, é compreender que ser
professor é constituir-se de um “saber plural, formado de diversos saberes
provenientes das instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e
da prática cotidiana”(TARDIF, 2014, p. 52), acompanhando as transformações
sociais, políticas, culturais e educacionais que ocorrem em um tempo–espaço
histórico.
Estes saberes são elaborados a partir das diferentes ações formativas que o
professor vivencia. Há diferentes tipos de formação, ou seja, aquelas que são
institucionalizadas por organizações especializadas como a formação inicial na
universidade, como as licenciaturas, a formação continuada de responsabilidade das
políticas de formação das esferas municipal, estadual e federal como o Pacto
nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) que acontece pelo compromisso
firmado dessas três esferas políticas. Outras são consideradas informais, baseadas
na troca de conhecimentos entre os pares advindos da experiência prática, tanto da
história de vida de cada professor, como de sua experiência profissional e escolar.
Nos estudos realizados acerca da formação continuada de professores, como
os estudos de Pacheco e Flores (1999), esse tipo de formação precisa atender a
três dimensões: pessoal, profissional e organizacional. A dimensão pessoal vai ao
encontro da necessidade peculiar de cada professor, já que os saberes são diversos
e apropriados de maneiras diferentes por cada docente e as realidades e condições
de trabalho são díspares. A dimensão profissional atende as demandas tanto
individuais como as de grupos referentes às necessidades pedagógicas, escolares e
a dimensão organizacional, que são as demandas institucionais para além do
contexto escolar, as demandas sociais que estão relacionadas à escola, como os
novos conhecimentos tecnológicos, a diversidade cultural e etc.
Sendo assim, a formação continuada deve ser orientada pelas três dimensões
descritas e partir da prática docente, do contexto da sala de aula porque é neste
espaço que acontece a troca de saberes entre docentes e discentes, as
necessidades formativas, os interesses e experiências que se estendem para o
contexto escolar e social. As ações de formação de cunho colaborativo são
fundamentais para um bom desempenho do professor.
Uma formação docente que flui da racionalidade prática que se caracteriza
pelo modo como todo sujeito munido de razão identifica e articula seus saberes para
tomar decisões de ação, tendo assim condições de justificar os motivos que o levam
a agir (THERRIEN, 2014), é uma formação onde o professor apresenta um certo
grau de autonomia para decidir e transformar sua prática com o intento de melhorá-
la e, consequentemente, melhorar a qualidade do ensinar e do aprender.
Esse modelo de formação tem uma preocupação com a experiência vivida
pelos professores em seu ambiente de trabalho, a escola e com ações formativas
que ocorrem neste ambiente. Essas ações precisam partir de uma perspectiva de
formação interativa e reflexiva, comprometida em proporcionar ao professor a
reflexão constante sobre a sua prática, a resolução de problemas através de um
processo colaborativo que incide na partilha de saberes entre os docentes,
discussão sobre diferentes formas de solucionar os problemas que surgem na
escola, na sala de aula e decidir, coletivamente, a melhor solução.
Relacionando esse modelo de formação à nossa entrevista/conversa com os
dois professores que participaram da pesquisa, podemos dizer que o P1, não se
percebe como um professor reflexivo, uma reflexão acerca dos seus saberes como
de sua prática. Ao perguntar sobre a importância da formação para sua profissão,
ele disse que não gostava das formações porque lia muito, muito teórica e os
formadores não davam sugestões de práticas. Diante desta afirmação, percebemos
que este professor preocupa-se com o ativismo e ver a prática como algo
instrumental, técnico e não como um conjunto de saberes (experiências pessoal e
escolar, disciplinares, curriculares) fundamentais para exercer a atividade docente
(TARDIF, 2014) e, esses saberes precisam ser articulados, pensados e
transformados de acordo com a realidade e necessidades docente e discente.
O professor 2 (P2), já demonstra uma preocupação com a sua prática ao nos
dizer que, apesar de muito tempo no magistério, ele está sempre buscando novas
leituras e partilhando suas experiências com seus colegas de trabalho. Dessa forma,
vemos um professor reflexivo e que se autoforma e se forma com o outro. Esse
movimento docente é, para nós, uma de suas ações mais preciosas porque, ao
refletir, ao buscar conhecimentos, ao interagir, ele realiza uma práxis pedagógica,
que, segundo Pimenta (2012, p. 99):

O termo práxis, na perspectiva marxista, é a atitude (teórico-prática)


humana de transformação da natureza e da sociedade. Não basta conhecer
e interpretar o mundo (teórico), é preciso transformá-lo (práxis).

A relação teoria-prática é para essa autora como para outros estudiosos sobre
essa temática, como Freire, é que a teoria e a prática são indissociáveis porque a
teoria guia a prática e possibilita ao homem refletir sobre suas ações para que
possa, conscientemente, transformar o mundo natural e social. Estendendo essa
compreensão para a formação de professores, vimos, no discurso do P2 que sua
prática é embasada nas leituras que realiza e nas discussões que tem com seus
colegas de trabalho, onde discorre e troca experiências sobre o fazer pedagógico.
São nas ações formativas de professores que há a possibilidade de conhecer
e analisar as experiências, as realidades, as necessidades formativas tanto dos
professores como dos alunos e da instituição escolar e, assim, ressignificar essas
ações para que a formação docente esteja intrinsecamente relacionada ao contexto
de trabalho. No entanto, se a formação caracterizar-se por um modelo técnico-
instrumental, onde o professor é um mero executor de planos elaborados por
especialistas que não conhecem o cotidiano do trabalho docente e discente, essa
formação não contribui de forma satisfatória para o aprimoramento da prática
docente. Geralmente, esse modelo de formação, é padronizado e prescritivo para
um grupo de professores que têm necessidades e realidades diferentes em um
contexto educacional diversificado.
É preciso uma reflexão crítica sobre as práticas de formação continuada que
desconsideram as expectativas e anseios dos professores, pois acreditamos que os
interesses, necessidades e a prática docente devem ser consideradas em quaisquer
programas ou ações de formação. Tais reflexões críticas enfatizam a ideia de que a
formação continuada precisa ser contextualizada ao cotidiano do trabalho do
professor com o objetivo de motivá-lo a participar das formações e saber da
importância do processo formativo para a sua prática.
Uma formação que atenda as demandas e interesses dos professores, das
instituições formadoras e da sociedade simultaneamente, não é tarefa fácil, mas é
possível quando o trabalho é feito de forma cooperativa, onde haja a participação
efetiva dos profissionais que lutam por uma educação de qualidade. Quando a
formação vai ao encontro das necessidades dos professores será tanto mais efetiva,
mobilizando sua atenção e empenho em articular a teoria e a prática para o
aprimoramento do fazer docente e discente e pensar em soluções de problemas
relativos ao ensino e à aprendizagem, refletindo na melhoria da qualidade do
processo educativo.
Nas últimas décadas, estudiosos na área de formação de professores como
Freire e Pimenta dentre outros, discorreram sobre uma formação crítico-reflexiva
com o objetivo de incentivar e concretizar propostas contra o modelo de formação
preestabelecido, considerando a complexidade dos contextos de prática e
envolvendo os saberes docentes, como os teóricos e práticos. Para tanto, é
importante que o professor tenha autonomia para desenvolver sua prática e, dessa
forma, construir novos saberes, analisar criticamente a realidade e transformá-la.
Nesta perspectiva, a prática docente precisa condicionar as práticas de formação, ou
seja, as temáticas, as metodologias, os recursos didáticos, os teóricos precisam ser
selecionados com os professores e de acordo com as suas necessidades
formativas, sendo assim, é de suma importância que o professor participe da
construção do plano de formação.
A participação do professor na construção do plano de formação é
imprescindível na perspectiva da racionalidade prática porque ele é o profissional da
educação que convive diariamente com os seus alunos e tem ciência de suas
necessidades e realidade. Necessidades estas, gestadas a partir dos problemas,
desafios e condição de trabalho que surgem em sua prática, em seu fazer
pedagógico juntamente aos seus pares. Para isso, enfatizamos o que discorremos
anteriormente sobre a importância de discutir, refletir e articular os saberes
docentes, especialmente, os saberes teóricos e os saberes práticos.

2. 3. Ser Professor: saber; saber-fazer; saber-ser

O ser professor está relacionado à identidade docente e se constitui mesmo


antes de iniciar a formação universitária, porque sua construção se dá pelos saberes
que elabora no decorrer de sua vida pessoal e profissional. Os saberes referentes à
sua vida pessoal são seus valores, atitudes, sentimentos e a forma como se
relaciona com o outro. Já os seus saberes profissionais estão relacionados às suas
experiências escolares, saberes disciplinares, curriculares, teóricos e práticos. Estes
saberes contribuem para que o professor, na sua sala de aula, com seus alunos,
elaborem e reelaborem novos saberes com base em suas experiências.
A identidade docente existe através de características, valores e
peculiaridades práticas, sociais e educacionais determinadas (IMBERNÓN, 2010).
No entanto, essas determinações precisam estar em consonância com a realidade e
anseios de cada professor, sendo necessário uma formação que atenda a todos os
professores e não uma formação prescritiva que se preocupa apenas com a
demanda das instituições formadoras e da política de formação. Há possibilidades
de atender aos professores em suas necessidades formativas que lhe são
peculiares, quando se tem uma formação de cunho dialógico e reflexivo. Neste tipo
de formação, o professor vai construindo sua identidade individual e coletivamente
ao participar das ações formativas adquirindo, elaborando e reelaborando seus
saberes. É nesse movimento que se constrói a identidade docente, onde o professor
não é apenas objeto, mas sujeito ativo da formação.
Vivemos em uma sociedade de transformações constantes nas dimensões
sociais, culturais, políticas e educacionais, um dos motivos do conceito de identidade
profissional ser mutante, pois ele muda de acordo com o contexto histórico e essas
dimensões. Neste sentido, a construção da identidade do professor é um processo
lento e complexo que implica não só a revisão de posturas e ideias, dada sua
instabilidade, como também, apresenta considerações acerca do ser professor na
dimensão individual e na dimensão social, ou melhor, o ser professor precisa
constituir-se do conhecimento e participação nos acontecimentos sociais, culturais,
políticos e, sobretudo, educacionais, que perpassa por todos estes aspectos.
Referente a esta questão, Pimenta (2012, p. 19) afirma:

Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação social


da profissão, da revisão constante dos significados sociais da profissão: da
revisão de tradições. Mas também da reafirmação de práticas consagradas
culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem a
inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da
realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas da análise sistemática,
à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias. Constrói-se,
também, pelo significado de cada professor, enquanto ator e autor, confere
à atividade docente no seu cotidiano a partir de valores, de seu modo de
situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de
seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentimento que tem em sua
vida o ser professor.

O ser professor é exercer a docência correlacionando os seus saberes com


os desafios da prática educativa na contemporaneidade. Para tanto, é impossível
articular esses saberes se não são trabalhados na formação docente caracterizada
pela racionalidade prática que dialoga criticamente com o professor, provocando,
orientando, instigando e mediando os processos de ensino e aprendizagem, e não
uma formação meramente instrutiva e técnica. Neste contexto, teremos um professor
autônomo, capaz de agir de forma reflexiva e crítica e produtor de saberes.
Há três dimensões que precisam articular-se para constituir o ser professor,
são elas: o saber; o saber-fazer e o saber-ser. Essas dimensões atribuem
significações a práticas, teorias, desejos, crenças, valores com as quais o docente
constrói a si e o seu fazer pedagógico. Estes saberes são elaborados na vida
pessoal e profissional do professor, constituindo parte do seu ser.
Ser professor é construir novos saberes a partir do saber, do fazer e do ser,
caracterizando a postura pedagógica, fazendo sentir-se bem ou mal com esta ou
aquela maneira e trabalhar na sala de aula. Isso ocorre quando o docente relaciona
estes saberes e reflete sobre eles com relação às suas necessidades e realidade em
um contexto situado, a sala de aula, lócus de produção e partilha de conhecimentos.
Como mencionamos, o professor é um sujeito que produz saberes e se forma
ao integrar diferentes saberes e interagir com os seus pares com o intento de
analisá-los criticamente e reelaborá-los quando necessário, de acordo com a
realidade de cada docente. Sendo assim, há uma ressignificação das práticas e
identidades docentes por meio de reflexões referentes à cada saber de acordo com
a experiência do professor. Ensinar e aprender com e pela experiência é ser capaz
de resolver problemas utilizando o saber, o saber-fazer e o saber-ser.
Com relação a estas três dimensões, na entrevista/diálogo reflexivo, o
professor 1 (P1) discorreu apenas sobre o saber-fazer relacionando com o como se
ministrar aulas, não teceu comentários acerca do saber (teoria) e do saber-ser,
mesmo quando indagamos sobre a relação dele com os alunos, com o
conhecimento e suas leituras. Neste momento, ele disse que ser professor era dar
uma boa aula, entender bem os conteúdos. Diante deste discurso percebemos que o
ser professor para o P1 é aquele que executa o plano, um técnico.
O professor P2 (P2) apresenta uma compreensão sobre as três dimensões
reflexivas, sabe que com as transformações sociais e educacionais, o docente
precisa rever e avaliar seus conceitos e saberes. Ao conversarmos sobre o ser
professor, disse que é ser paciente e saber ouvir os alunos para entender suas
dificuldades e, assim, pensar em atividades que os ajudem a saná-las. Em seu
discurso, percebemos que consegue articular o saber, o saber-fazer e o saber-ser
em sua prática docente e pedagógica.
A partir da articulação entre os saberes docentes e entre as três dimensões
do saber, o professor fundamenta e organiza suas maneiras de ser e de estar na
docência, baseado, inclusive em suas experiências de vida, crenças e concepções.
É no saber prático que toma a ação como referência, vinculado ao saber-fazer, mas,
sempre iluminado pelo saber teórico que guia a prática, as ideias do professor
(teoria), bem como uma atitude reflexiva sobre ser professor. Dando seguimento,
temos um professor que olha e reflete para além da sala de aula, para os
acontecimentos sociais e suas ações da docência como contribuição para uma
sociedade emancipatória, ou seja, uma sociedade justa, fundada na liberdade e na
igualdade de oportunidades para todos.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo procurou compreender, pela atitude reflexiva, a relação entre o


saber teórico e o saber prático, a priori, e outros saberes que constituem a prática
docente e o ser professor como os saberes da experiência pessoal e profissional,
disciplinares e curriculares.
Vimos nas entrevistas realizadas com dois professores do primeiro ano, suas
concepções acerca dos saberes docentes, especialmente, o saber teórico e o saber
prático. Em nossa análise dos discursos dos professores, à luz de teorias que
abordam a temática da pesquisa, percebemos concepções, crenças, valores
peculiares e bem distintos entre esses professores. O que nos faz refletir sobre os
tipos de formação que temos e como esses professores participam das ações
formativas.
Inicialmente percebemos que a formação docente, precisa ser consistente,
crítica e reflexiva, pautada em um racionalidade prática, em que a prática docente
deve ser o ponto de partida e de chegada da formação, pois é na sala de aula, na
escola, que o professor elabora e reelabora seus saberes, juntamente com os seus
alunos. Outro aspecto a considerar é que a formação precisa ser diversificada para
atender às diferentes necessidades e realidade de cada professor. Para tanto,
precisa ter caráter dialógico e priorizar a discussão, a pesquisa e a partilha de
experiências entre os docentes e o professor formador.
Em seguida encontramos ações formativas de caráter técnico instrumental,
onde o professor torna-se um mero executor de planos, contribui para que ele não
reflita sobre a sua prática e não se sinta capaz de elaborar um plano que atenda as
necessidades dos seus alunos. Diante desta situação, é pertinente pensarmos que o
profissional da educação que mais conhece os alunos é o professor, então, por que
lhe tirar a autonomia de pensar e construir um plano? Que contribuições têm uma
formação desse tipo?
Essas questões reflexivas estão intimamente relacionadas às três dimensões
do saber: saber; saber-fazer e saber-ser. Dimensões que precisam constituir a
formação docente para que o professor possa articular esses saberes e utilizá-los
em sua prática cotidiana. É função da formação, incentivar o professor a refletir
sobre a sua prática, relacionando a teoria com a prática para transformar a
realidade, dessa forma, teremos uma prática docente e uma prática pedagógica
vinculada a uma prática social, ocorrendo a práxis pedagógica que almejamos.
Destas reflexões , tendemos a afirmar que uma formação orientada pelas
três dimensões do saber, imbuída de reflexão e criticidade, poderá formar
professores com autonomia para construir uma prática a partir de seus diferentes
saberes elaborados sistematicamente, na sua trajetória de vida pessoal e
profissional.
Nesta direção defendemos que a práxis deverá ser o horizonte de formação
para os professores porque ela se constitui de uma prática pedagógica social,
produzida no cotidiano da sala de aula à luz de teorias sobre os processos de ensino
e de aprendizagem e mediada pela relação professor-aluno-conhecimento. Isso
possibilita ao professor refletir criticamente sobre a sua atividade docente, a produzir
saberes não somente escolares mas, sobretudo, saberes sociais para que possam
compreender e intervir no mundo o qual está inserido e transformá-lo.
Pela presente pesquisa, ousamos afirmar que ser professor é constituir-se de
ações docente, de constantes reflexões sobre elas e de “ousar saber” em uma
sociedade que está permanentemente em transformação, compreendendo que o
contexto escolar está imerso nesta sociedade. Para isso, o professor necessitará de
uma formação permanente que aconteça no espaço onde ele desenvolve seu fazer
pedagógico, a escola e, essa formação seja realizada com todos os professores e a
gestão, sendo o compartilhamento das práticas docentes e a reflexão sobre elas, o
momento de maior relevância da formação, pois estes momentos contribuem para a
produção de saberes e transformação da realidade, caminhando, assim, para uma
práxis criadora, visando à formação humana do docente.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional.


Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: formação do professor
alfabetizador: caderno de apresentação. Brasília. MEC, SEB, 2012.

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São Paulo: Cortez, 2012 (Coleção Docência em Formação: Saberes pedagógicos /
coordenação Selma Garrido Pimenta)

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


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PACHECO, J. A. ; FLORES, M. A. Formação e avaliação de professores. Porto,


Portugal: Porto Editora, 1999.

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Ed. – São Paulo: Cortez, 2012.

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