Você está na página 1de 1

ANGÚSTIAS CITADINAS1

Ah! um ruído sadio.


A roupa magoando-se nas pedras,
3 penetrando no rio, corando ao sol depois,
muito corada e nua.

(Deve ser cultural este desejo:


6 saudade de um passado que não tive
mas que ouvi de uma avó na masculina
construção mental: a mulher de joelhos
9 e a roupa no rio)

Um ruído saudoso. Ah!


um ruído sadio e de suores.
12 Sem massagens modernas do amaciador pó,
programas controlados por botões,
sem o pudor do vidro,
15 a roupa alienada de centrifugação
insatisfeita. Ah!

um ruído saudoso,
18 um ruído sadio. Do rio ao sol,
do sol ao rio, e ela afugentada
depois de fresco e doloroso abraço
21 Ah! um barulho de rio e de
mistério.

Ana Luísa Amaral, Inversos – Poesia 1990-2010, Alfragide: Publicações Dom Quixote, 1.ª edição, março
2010, pp. 53-54.

1
Poema originalmente publicado na obra Minha senhora de quê (1990).

Você também pode gostar