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Olhos de Inferno

1º tratamento

Roteiro: Kênnia Fuch

Contato: 83 998679959

Email: kenniafuch@gmail.com

Desenvolvimento de Roteiro: Yorrana Bizai


Direção Geral: KênniaFuch

Direção de Arte: Yorrana Bizai

Produção Executiva: Chyevyna

Preparação de Elenco: Flávio Guilherme

Sonoplastia: Arthur Velázquez

Elenco: Wizley Alexandre, Arthur Velázquez, YorranaBizai.

OLHOS DE INFERNO

Texto Teatral Adulto, acerca de uma paixão desesperadora.

Elenco por ordem de entrada de cena

Tião – Wizley Alexandre

Cassandra – YorranaBizai

Netinho –Arthur Velázquez

Seu Jorge –

Aluska–
Personagens

Tião

Cassandra

Netinho

Seu Jorge

Aluska

1º ATO

PRIMEIRO ATO

(Música)

(Bodega de interior, com algumas cadeiras e um balcão. Tião está sentado bebendo cana
e levanta para pedir outra dose, no mesmo momento Cassandra se dirige até o balcão,
passando vagarosamente por ele, enquanto os seus olhares se cruzam em profundidade.
Movimentos lentos e fluídos, pausa dramática, mudança de luz).

Cassandra– (Voz calma e sedutora) Neto! Neto! Venha aqui. (Pausa) É a tua flor quem
chama... Chega...chega que teu bem chegou! (Neto aparece com um pano no ombro, um
pouco desconcertado ao vislumbrar Cassandra).

Netinho– (Apaixonado) És tu, minha flor de laranjeira! (Dá um cheiro no pescoço de


Cassandra).

Cassandra – (Olha dissimuladamente para Tião e fala para Netinho) Deixe disso! Olha
o seu cliente aí pertinho, constranja o homem não! (Ri de maneira sútil e ingênua,
etérea, a moça olha para Netinho e para o céu ao mesmo tempo). Vá mever mais tarde,
depois da gira!

Netinho – (Fala próximo de Cassandra, em seu ouvido) Oxe! Besteira essa, amorzinho!
Cassandra – Deixe de me chamar assim, João Neto! Já lhe falei... é de Cassandra que
gosto, flor, e olhe lá... Agora eu vô indo, (sorridente) tenho de buscar o agrado da moça
lá em Zezé das flores.

Aluska– (Entra em silêncio)

(Cassandra sai sem olhar para trás, passa por Tião que respira profundamente o perfume
que a moça exala,black-out).

2º ATO

SEGUNDO ATO

(Praça de cidadezinha de interior. Tião se senta no banco da praça, garrafa de conhaque


debaixo do braço, trêmulo, retira um cigarro do bolso, tenta fumar e o apaga. Pega a
bebida do bolso, toma um gole e começa a falar em direção ao público).

Tião– Conheci o diabo aos trinta e sete anos. Estava eu, ‘caba’ velho, encostado na
barreira engordurada de uma bodega para alcoólatras, totalmente alheio ao mundo à
minha volta, cheirando a conhaque vagabundo, quando meu senso olfativo fora
ameaçado por uma essência apelativa de dama-da-noite, com uma saída floral de
almíscar; que maldita aquela Cassandra! Moleca feiticeira dos demônios! (Ênfase)
Entrou como uma tempestade de névoas, miúda entre os cabelos de Medusa, (pausa)
pele alva ao mesmo modo que poderia ser oliva... Um tom de pele interessante, aquele
diabo tinha.

(Mudança em foco de luz para o cenário que se revela Cassandra, em aspecto de


fantasia criada pela ótica de Tião à medida que ele fala a cena acontece em tons de
rubro suave. Cassandra se arruma, passa maquiagem, prende um colar no pescoço,
bagunça os cabelos robustos, a luz em Cassandra oscila durante a fala de Tião,
apagando-se por completo em algumas passagens de cena).

Tião – Era Bonita a danada! Saia de cigana, vermelha demais para aquele horário, mas
sou eu quem está numa bodega de alcóolatra e quenga às doze da matina. Não digo isso
porque acho que Cassandra seja uma delas, nunca seria, mas porque seguida de sua
aparição, uma meninota meio mulata com os cabelos tingidos de Borgonha entrara sem
perfume nenhum. Um homem que é homem difere uma mulher de uma quenga pelo
cheiro. (Pausa) Só de lembrar que Netinho deu-lhe um cheiro no cangote, embriagado
daquele perfume de mulher... isso deixou meu pau latejando de raiva, tive ciúme, um
ciúme brabo ‘mermo! E tive inveja... Inveja também! (Pausa derivada de lembrança, luz
sombreada em Cassandra que dança com adornos e objetos brilhosos) Cassandra tinha
aquele cheiro, cheiro de quem tem o céu no segredo entre as pernas. Que diabo aquela
menina! Miúda, não deve ser nem metade de mim. Cigana, tinha jeito de cigana, pedras
no corpo todo, roupas rodadas, cabelos negros, olhos de buraco negro. Pintada como
Índia. Quando aquela danada abriu um sorriso, mostrando duas profundidades nas
bochechas cheias que tinha. Aquelas Barrocas lindas!(Anda enquanto fala raivoso)
Aquele matuto falou no ouvido dela. Cagão... não queria que vissem que era um rendido
pelos caprichos da miúda. Ela era metida a braba... Mística, o próprio diabo. Pedra
negra pendurada no pescoço, toda cheia de balancê naquele quadril apetitoso. (Coloca
outro cigarro na boca e se encosta no poste) Miúdinha, dava gosto de pegar!(Faz gesto
com as mãos) Quis fumar um cigarro depois que avistei aquela danada. Fumei foi
dezoito, (Guarda o cigarro no bolso, rindo embriagado, voz enrouquecida) bebi até
fechar a bodega! Saí que nem malandro perdido nos ladrilhos mal postos da Rua José
Pinheiros de Esmeraldinha. Fiquei bebo cego! Piola de cigarro caiu na minha barba, até
na fivela de minha botina tinha essas pestes!

(Pausa dramática enquanto Tião se senta novamente no banco, a luz vai se apagando e
ascende com foco no cenário de Cassandra em sua casa, criada na lembrança imaginária
de Tião).

Tião – Às vezes imagino Cassandra em sua casa, local miúdo feito ela, cheio de
cortinas vermelhas com miçangas barulhentas, daquelas que toda bruxa velha deve ter.
Uma anciã no corpo de menina. Uma serpente dentro da Eva. Dançarilha, movendo-se
pelos azulejos com um musical meio hippie que saía de um som, cheinho de adesivos
com glitter e borboletas. Incenso de canela ou citronela, arranjos de rosas de plástico,
batons vermelhos espalhados num cantinho da raque, ela toda cheirando a amor,
movendo-se tão bonita, tão maldosa.

(Luz do cenário de Cassandra apaga. Luz alta em Tião no Banco da praça).

Tião–Já desci duas vezes essa mesma rua com uma garrafa de conhaque debaixo de
meu braço, e nada de Cassandra parar de me assombrar. O que havia naquele perfume
maldito? Naquela mulher tudo era maldito. Seu olhar era a chama do inferno, negro
como a fossa quente do inferno. Um inferno. O diabo era Cassandra, porque Cassandra
foi a mulher que me fez sentir o relógio paralisar e só ela se movia no mundo. Um
homem só vê o diabo uma vez na vida dele, mulheres como Cassandra são esse diabo
dos infernos. ¹ São elas quem nos faz fumar dezoito cigarros, mesmo que não sejamos
fumantes, só porque o fogo delas arrepia alguma coisa viva em nós que só a fumaça
daquele enrolado de fórmulas cancerígenas diminui o desejo de agarrá-la pelo ventre e
lhe confessar “É tua alma que eu quero!”.² (Tião Caminha em direção ao público e fala)
Lembro-me de encontrar um bordel aberto, entrar, tocar numas putas que tinham o
mesmo cabelo de Cassandra, mas nenhuma exalava almíscar. Paguei por um rum
medíocre, que a cafetina me vendeu depois de me “presentear”, com uma mamada
demorada, não porque ela chupava mal, mas porque com tantas rugas eu não conseguia
fingir que era a boca de Cassandra me devorando naquele lugar abafado. Cheirava a
tabaco e a calcinha, no final é que se sentia um cheiro misturado de alfazema e
cedro.Bebi tão depressa que esqueci que era perigoso dirigir naquele estado como um
louco que acabou de esbarrar no diabo. (Pausa) Fodi com trinta e nove mulheres
naquele ano, nenhuma tinha o efeito de Cassandra em mim. Resolvi voltar naquela
cidade, beber naquela mesma bodega, entrar naquele mesmo horário. Não era mais de
Netinho, era de seu Jorge, que coincidentemente tinha acabado de se casar. Dei-lhe os
parabéns e tomei do seu melhor conhaque, rindo meio rouco, porque da minha última
vez ali, nenhuma bebida valia nada. O coroa era charmoso, dono de uma cabeleira negra
com poucos fios grisalhos, robusto, forte, mãos grandes, um verdadeiro fazendeiro
local. Disse-me as loucuras da esposinha, uma menina muito doce que a conheceu logo
que se mudou. Disse que pôs os olhos nela num dia, noutro já foi oferecer dote ao pai.
Babaquice, pensei logo, cara estranho, pagar por um casamento.

¹ Os trechos marcados terão


musicalização ao fundo.

(Black-out).

3º ATO

TERCEIRO ATO

(Luz em seu Jorge na bodega)

Seu Jorge –Ela gosta que eu lhe leve flores e docinhos da padaria do bairro, é muito
dengosa a danadinha! Quero que você conheça minha moça. Gostei do seu ar de Doutô,
menino! Vá se banhar, eu lhe empresto uma camisa. Minha casa é sua! Fique à vontade!

(Luz em Tião no Banco da praça)

Tião – Ele me confidenciou, todo babão, queria que eu conhecesse a garota. Me


convidou para um jantar nos aposentos dele. Riu sozinho, foi aí que eu percebi que seu
Jorge era um cara muito sozinho e carente de atenção material. Eu me lavei e usei a
camisa emprestada, até que serviu bem, eu estava mais cheio naquele mês, porque andei
malhando para procurar meninas que superassem a beleza de Cassandra. Fui um
estúpido, não era sua aparência, era sua presença! (Pausa) E nenhuma outra tocava no
chão como ela, parecia que o mundo lhe pertencia. Senti-me, de repente, enjoado, mente
turva, estava na sala do fazendeiro, bebericando um café enquanto ele buscava pela
esposa num sei aonde. Fiquei só com as empregadas, todas carnudas, belas, jovens, que
homem metido! (Para plateia) Mas foi, meu coração deu uma palpitada, senti um
pressentimento, de que o mar ficaria bravo. Resolvi passear pela fazenda, andei que só,
parei num lugarzinho muito particular, uma saleta de arte. Era artista, a tal esposa,
pintava pessoas, rostos variados. Meu olhar se atentou numa pintura curiosa, a pintura
de uma silhueta estranha, mas familiar, uma silhueta masculina.

(Luz na saleta de Arte, foco no quadro, Cassandra entra em frente ao quadro).

Cassandra – (voz aveludada falando por detrás de Tião) És tu!

(Luz abre aos poucos revelando Tião estagnado)

Tião – (Em palpitação e taquicardia, voz falhando) Eu?

(Luz alta em Tião enquanto a de Cassandra se apaga)

(Música)

Tião – (De frente para o público) Senti uma agonia no peito, um suor gélido, um
perfume forte, um perfume conhecido.Ela disse tão naturalmente, não parecia que
estava diante de um homem que estava desesperado há um ano para vê-la. Ela disse que
era eu quem estava naquela pintura. Cassandra pensava em mim? Cassandra se
desesperou igual? Eu? Ela não repetiu. Olhou pra mim com aqueles olhos de demônio e
pronto, me fodi... Tu?(Em lateral ao público, percebendo Cassandra) Eu quem disse
agora, vendo o diabo bem na minha frente, vestido bordô, boca pintada de vermelho.
Olhei o diabo, o achei. O diabo cheira à dama-da-noite. (Luz se abrindo nos dois
personagens)

(O olhar de Tião vai percorrendo Cassandra de forma lenta, até que os dois se encaram
calorosamente por alguns segundos enquanto as cortinas se fecham).

FIM.

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