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FAVELA BAIRRO – 1994

SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
1.1. Problemática das favelas do Rio de Janeiro
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. O que foi o favela-bairro?
2.2. Qual o papel de Jorge Mario Jáuregui no programa?
2.3. O morro do Vidigal
2.4. Favela-Bairro Vidigal
2.5. Análise crítica do potencial desperdiçado do programa
3. CONCLUSÃO

1. INTRODUÇÃO
1.1. Problemática das favelas do Rio de Janeiro

As cidades modernas são centros de poder e concentração de riqueza,


proporcionando oportunidades de trabalho, mas também enfrentando carências
habitacionais. No século XXI, arquitetos enfrentam o desafio de responder não apenas às
mudanças físicas, mas também às questões sociais e econômicas da globalização.

Dessa forma, as mudanças urbanas não beneficiam uniformemente a humanidade,


refletindo desigualdades regionais em distribuição de riqueza, valores socioeconômicos,
culturais etc.

Diante dos problemas atuais das grandes metrópoles, como ocupações irregulares e
falta de padrões mínimos de qualidade de vida, a arquitetura precisa ir além dos padrões
clássicos dos séculos passados e se reinventar, visto que é impossível a existência de um
modelo universal de atuação, dada a complexidade das cidades.
Em um país como o Brasil, os novos conceitos e métodos devem ser adaptados à
realidade local, marcada pela escassez, insalubridade, descontrole das ocupações e baixa
qualidade das moradias, resultado do crescimento descontrolado não acompanhado por
políticas públicas adequadas, como é o caso das favelas do Rio de Janeiro.

Desde a década de 70, foram implementadas diversas políticas e programas para


enfrentar o déficit habitacional no país, inicialmente com investimentos em conjuntos
habitacionais na periferia das cidades. No entanto, essas iniciativas, desarticuladas da
cidade e baseadas em modelos tecnocráticos, resultaram em estruturas que se
deterioraram ao longo do tempo, contribuindo para o surgimento de ocupações urbanas
irregulares, especialmente em favelas e loteamentos clandestinos.
Já na década de 90, avanços democráticos no processo de planejamento urbano
foram impulsionados por conferências internacionais, como a ECO 92 e a Habitat II. Essas
decisões marcaram a afirmação de novos conceitos, influenciando as políticas públicas
habitacionais, mas ainda não foram suficientes para sanar de forma eficaz o problema.

2. DESENVOLVIMENTO
2.1. O que foi o favela-bairro?

Em tempos atuais, em que a política habitacional volta a ser discutida na esfera


federal, é interessante lembrar que o Brasil já teve um programa que atendia esses
objetivos. O programa Favela-Bairro foi uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro que
teve início em 1994. O objetivo foi melhorar a qualidade de vida dos moradores de favelas,
promovendo sua integração com o restante da cidade por meio de intervenções urbanas.

Na realidade, esse discurso alimentava o imaginário dos moradores das favelas, no


sentido de “melhorar de vida”, de “morar num lugar melhor”, com mais facilidades
urbanísticas. Assim, quando o discurso foi anunciado, disparou uma série de vontades e
desejos na população, que passou, então, a ansiar pelo seu fornecimento.

Imagem: Rio Memórias.

Resumidamente, podemos dizer que a política habitacional brasileira, e


especificamente, a carioca, teve alguns momentos distintos ao longo de sua história, e
nela, podemos ver como os espaços de uso comunitário foram considerados pelo poder
público.
O programa Favela-Bairro incluiu a construção, nas favelas já existentes, de
infraestrutura básica, a partir da leitura da estrutura do lugar, da “escuta” das demandas e
do cruzamento interdisciplinar, define-se o “Esquema Urbano”, que constituirá a espinha
dorsal do projeto de urbanização, que inclui sistema viário, infraestrutura (redes de esgoto,
drenagem, água potável e iluminação pública), habitação, equipamentos (escolas, creches,
biblioteca, posto de saúde, centro de geração de trabalho e renda, etc.) e espaços
públicos, segurança cidadã e tratamento do lixo. Os espaços de uso comunitário eram os
verdadeiros condutores da tão almejada e propalada integração, rompendo com a lógica
de remover favelas e transferir os moradores para lugares cada vez mais afastados.

Um dos marcos dessa mudança de mentalidade foi o Plano Diretor Decenal da


cidade do Rio de Janeiro, publicado em 1992, que determinou expressamente a não
remoção das favelas, bem como a sua transformação em bairros ou integração com os
bairros em que se situam. Seguindo as orientações do plano, a Prefeitura do Rio de
Janeiro criou o GEAP – Grupo Executivo de Assentamentos Populares. Esse grupo,
coordenado pelo arquiteto Sérgio Magalhães, seria responsável pela criação do Favela-
Bairro.

Obras entregues no Favela-Bairro Vidigal. (Imagens: Habitare)

O tal concurso, em 1994, selecionou 15 equipes multidisciplinares coordenadas por


arquitetos para atuarem nas 15 primeiras favelas escolhidas pela prefeitura para
receberem a intervenção do Favela-Bairro. Essas favelas foram escolhidas tendo em vista
critérios como nível de urbanização existente e número de moradores. Para esta primeira
fase do programa, o que foi continuado posteriormente, seriam favelas de porte médio, de
500 a 2500 domicílios.

Esses projetos facilitaram o movimento dentro das favelas, criam ligações com o
centro da cidade, abordam questões de saúde e ambientais e, tomados coletivamente,
melhoram a situação sociológica e econômica das favelas.
Através do processo do programa, as escalas tradicionais da casa, do quarteirão e
do bairro redefiniram permanentemente o seu estatuto em relação às áreas informais que
caracterizam a expansão contemporânea e com o processo de reconfiguração das
centralidades. Neste contexto, as relações entre a célula individual, os espaços coletivos, o
público, e o privado; e a criação do “sentimento de pertencimento”, são algo pensado
simultaneamente, uma conexão entre o todo e as partes.

Antes e depois das obras do programa Favela-Bairro. (Imagens: CAU-RJ)

Para viabilizar a primeira fase do programa, que durou até o ano 2000, a Prefeitura
conseguiu recursos do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, que forneceu 180
milhões de dólares. Esse valor foi complementado por recursos da própria Prefeitura, que
investiu 120 milhões de dólares.

Segundo Catherine Osborn, um orçamento idêntico foi destinado à segunda fase do


Favela-Bairro, que foi realizada entre os anos 2000 e 2008. Com isso, o programa foi
ampliado para atender mais de cem favelas.
Antes e durante as obras do programa Favela-Bairro na comunidade Jardim Primavera. (Imagens: Prefeitura
do Rio de Janeiro)

O sucesso do Favela-Bairro foi reconhecido internacionalmente. A ONU passou a


indicar o programa como um exemplo de combate à pobreza, e ele de fato inspirou
programas semelhantes na Argentina, Uruguai, Equador, Bolívia e Colômbia.

Apesar do discurso humanitário do Favela-Bairro em busca de integração social,


espacial e cultural, houve insatisfações, especialmente entre moradores vizinhos às
favelas beneficiadas. Muitos sentiam-se injustiçados por pagar alto IPTU ao lado de uma
favela, enquanto invasores ao seu lado obtinham titularização e melhorias urbanas.
Algumas pessoas acreditavam que o programa premiava invasores, incentivando a
formação de novas favelas.

Um exemplo é a favela Mata Machado, situada em área de preservação ambiental


com encostas íngremes. A legislação limita a construção em altitudes superiores a 100
metros, garantindo baixa densidade ocupacional. Um morador privado, limitado a construir
apenas 10% de sua área, sentiu-se injustiçado ao ver os moradores da favela construindo
mais. A falta de delimitação física de lotes na área da favela complicava a situação.

Favela Mata Machado, onde pode ser vista, à direita, uma grande propriedade de uso privado. Em destaque,
na linha tracejada, a posição do muro de divisa com a floresta, que fica sob as copas das árvores. Notar a
diferença da taxa de ocupação entre a favela e as propriedades privadas. Fonte: Edição sobre imagem do
Google Earth.

2.2. Qual o papel de Jorge Mario Jáuregui no programa?

Jorge Mario Jáuregui é um arquiteto-urbanista argentino, formado pela Universidade


Nacional de Rosário, Argentina, como arquiteto, e pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro como arquiteto-urbanista. Ele pesquisa e trabalha com a divisão socioespacial
entre as favelas do Rio e o resto da cidade desde a década de 1990 e é dono de mais de
20 projetos do programa Favela-Bairro.
O estúdio de Jáuregui localizado no Rio de Janeiro atende clientes públicos e
privados em projetos de interesse público, tanto na área “formal” quanto na “informal” da
cidade. Através da sua prática profissional desenvolveu um pensamento teórico-crítico
sobre questões arquitetônicas e urbanas contemporâneas. Suas ideias foram amplamente
publicadas na mídia com foco arquitetônico e urbano.

Fonte: Site oficial do arquiteto Jorge Mario Jáuregui.

As iniciativas de design de Jáuregui incluem a construção de centros comunitários


que oferecem atividades recreativas e formação profissional, creches, cozinhas
comunitárias e novas ruas e passarelas para pedestres. Jáuregui utilizou a arquitetura
como uma ferramenta poderosa para a reforma social e um meio de integração destas
comunidades informais com o resto da cidade.

“Precisamos produzir cidade, através da habitação, para resolver o déficit


habitacional do país. E, sobretudo, não “casas”, mas núcleos habitacionais compactos
dotados de infraestrutura, serviços, equipamentos e espaços públicos, com tipologias
habitacionais muito variadas para atender a uma grande diversidade de situações
familiares. É necessário redirecionar o incentivo atual à especulação com a terra urbana
através de uma Reforma Urbana.” – Jorge Mario Jáuregui

Jorge Mario Jáuregui propõe avanços em políticas de habitação de interesse


social considerando os seguintes pontos-chave:

1. Contrapor o modelo tradicional de construção de habitações populares de baixa


qualidade, distantes de áreas comerciais, serviços públicos e empregos, sem relação
orgânica com a cidade.

2. Considerar implicações urbanísticas, sociais, arquitetônicas e ambientais


simultaneamente, promovendo uma combinação fluida de pequenos coletivos e obtendo
diferenciação na repetição.

3. Combater a substituição de favelas por edificações que são mais abrigos do que
lugares habitáveis, apresentando exemplos construídos.
4. Oferecer qualidade urbanística, arquitetônica e paisagística por meio de intervenções.

5. Propor habitações flexíveis com plantas baixas de uso misto.

6. Reverter a má reputação dos "conjuntos habitacionais" como sinônimo de habitação


de má qualidade.

7. Oferecer núcleos habitacionais com características urbanas identificáveis pelos


habitantes.

8. Incluir o elemento vegetal como parte estrutural, garantindo uma relação adequada
entre a massa verde e a construída.

9. Materializar polos de desenvolvimento urbano que incluam comércio, locais de


trabalho, serviços culturais etc., visando a sustentabilidade dos empreendimentos.
10. Abordar simultaneamente a "forma urbana" e os "tipos de construção" para estruturar
os processos de transformação urbana.

De uma forma geral, podemos dizer que planejar é como tentar preparar a cidade
para criar possibilidades de “fazer chover”, capturando a “nuvem da globalização”, ou seja,
tentar atrair recursos e investimentos. Ao mesmo tempo, os projetos de escala urbana
procuram a introdução de valores através de intervenções e modificações nas
infraestruturas, na composição de uma paisagem urbana esteticamente elaborada, e pela
introdução de equipamentos de qualidade no espaço público. Estes projetos pretendem
produzir o que poderíamos chamar de “excitação urbana”, evidenciando as qualidades, as
potencialidades e o nível de integração desejado ao espaço urbano.

2.3. O morro do Vidigal

O Morro do Vidigal, situado na Zona Sul do Rio de Janeiro, Brasil, é uma favela
com características distintivas. Sua localização entre os bairros do Leblon e São
Conrado oferece vistas panorâmicas do mar. A topografia íngreme, com ruas sinuosas
que seguem o relevo acidentado, define o cenário para construções informais e uma
densa população residencial, com habitações muitas vezes improvisadas.
A vida na comunidade é marcada pela atividade cultural e comercial, refletida em
pequenos estabelecimentos, bares e restaurantes que exibem a diversidade e vitalidade
da população local. Apesar dos desafios da topografia, meios de transporte como
mototáxis e vans facilitam a mobilidade dos residentes.

Vista do Vidigal desde Ipanema

O Vidigal, devido à sua localização privilegiada e desenvolvimento turístico,


tornou-se um destino alternativo para hospedagens e atividades guiadas. Projetos
sociais e de urbanização visam melhorar a qualidade de vida dos moradores, integrando
a favela à cidade formal, mas o dia a dia dos habitantes ainda é complicado devido a
grande violência gerada pelo tráfico e a falta de suporte governamental, a qual
desencadeia diversos problemas.
Conclui-se que apesar de o IL deste funcionamento não indicar pobreza (0,67), os
moradores do Vidigal ainda sofrem uma série de privações relativas a serviços básicos,
o que nos permite afirmar que há um certo grau de pobreza neste funcionamento.

Um indício relevante é o acúmulo de resíduos pela favela, já que mesmo a


organização responsável (Comlurb) realizando uma coleta diária, com caminhões
compactadores adaptados e caixas coletoras distribuídas pelos níveis das edificações,
muito lixo ainda é descartado de maneira inadequada e muitos dos moradores ainda são
obrigados a levar seu lixo para as caçambas para ser coletado. Para diminuir a poluição
na favela, são realizadas, pelos próprios moradores, iniciativas comunitárias para
reciclagem dos resíduos, gerando assim empregos.

Coleta de lixo municipal. Fundadores do programa “Reciclagem Vidigal”.

2.4. Favela-Bairro Vidigal

Folder para a comunidade.


Folder para a comunidade.

Local: Favela do Vidigal, Rio de Janeiro - Brasil.

Ano: 1996.

Cliente: SMH - Secretaria Municipal de Habitação.

Categoria do Projeto:Urbanismo, Arquitetura, Paisagismo e Design de Móveis.

Prêmio: Escola de Pós-Graduação em Design da Universidade de Harvard Prêmio


Veronica Rudge Green em Design Urbano.
Plano geral
Praça de articulação Favela-Bairro

Mirante

Vista aérea
Centro profissional

Vista da Vila Olímpica

Implantação da vila olímpica


Planta superior

Planta baixa

Volumetria
Seção transversal

2.5. Análise crítica do potencial desperdiçado do programa

Em 2020, o BID publicou um relatório sobre o impacto das intervenções realizadas


nas duas primeiras fases do programa. O relatório aponta que a qualidade de vida da
população melhorou logo após o término das obras, que ampliaram o acesso ao esgoto,
iluminação pública, distribuição de correspondência e fornecimento confiável de água.
Infelizmente, o relatório também aponta que a infraestrutura construída se degradou
rapidamente.

Antes e depois das obras do programa Favela-Bairro na Vila Elza. (Imagens: Prefeitura do Rio de Janeiro)

Dez anos após o término da segunda fase, os pesquisadores relataram que


algumas favelas atendidas pelo programa praticamente reverteram ao seu estágio original.
Ao ser entrevistado em 2020, Sérgio Magalhães reforçou essa afirmação. Segundo o
idealizador do programa, não houve uma política que garantisse a continuidade das ações
e a manutenção da infraestrutura. Para ilustrar a situação, o arquiteto diz o seguinte:

“Vamos admitir fazer um paralelo singelo, paralelo muito simples. Nós temos uma
favela, uma determinada comunidade, onde era raro ter infraestrutura. Nós a implantamos.
Colocamos água, esgoto, drenagem, abrimos ruas, pavimentamos, criamos calçadas,
iluminação pública, creche, escola, estação de tratamento de esgoto. Fizemos tudo isso.
[…]

Então,vamos admitir que feito esses serviços e os dois razoavelmente equilibrados,


o governo só fique na favela e não faça nada em Ipanema. Então, por exemplo, em
Ipanema, o [sistema de] esgoto estragou e o esgoto não vai ser tratado. A lâmpada
queimou e não se refaz a iluminação. Aí começa um cara construindo na calçada e o
governo não faz nada. Mas o governo faz tudo isso na favela. Em quanto tempo a favela
será Ipanema e Ipanema será a favela?”

O Programa Favela-Bairro, ao urbanizar as favelas no Rio de Janeiro, reflete


determinações político-econômicas globais. Orientado por princípios de concorrência
interurbana e gestão liberal, visa atrair investimentos externos e melhorar o equilíbrio fiscal
urbano. No entanto, critica-se que, apesar das melhorias na infraestrutura, o programa
atende mais aos interesses do capital globalizado do que às demandas populares. A
privatização da execução do programa, sem abordagem participativa, favoreceu interesses
privados sobre públicos. Embora tenha havido melhorias infraestruturais, a qualidade do
material utilizado foi questionável, e a manutenção pelos Postos de Orientação Urbanística
e Social (POUSOs) foi precária. Além disso, o impacto esperado na valorização dos
imóveis não se concretizou devido ao aumento do tráfico de drogas. Apesar de críticas, um
estudo indica melhorias na infraestrutura, mas sem impacto significativo na situação
econômica dos moradores.

Entre os outros problemas, o relatório do BID relata a ação do crime organizado,


que muitas vezes destruía o asfalto e a iluminação pública para dificultar o acesso às
comunidades. Sérgio Magalhães também cita a não-continuidade dos POUSO – Posto de
Orientação Urbanística e Social, que agiam como escritórios da Prefeitura dentro das
favelas. Sem esses postos, a Prefeitura deixou de fiscalizar as construções irregulares,
deixou de acompanhar a necessidade de reparos na infraestrutura, e deixou de receber
informações sobre o avanço do crime organizado.
Favela Dois de Maio, no Engenho Novo. Em pouco tempo, o sistema de esgoto construído pelo Favela-
Bairro passou a apresentar problemas. (Imagens: Rio on Watch)

O Favela-Bairro é um caso atípico de sucesso da política habitacional brasileira que,


curiosamente, virtualmente desapareceu do debate público sobre programas habitacionais
para baixa renda. Ao mesmo tempo, surge como referência global na transformação
urbana de favelas a cidade de Medellín, na Colômbia, que tem implementado políticas
similares às vezes chamadas de “urbanismo social”.

No entanto, parece ter caído no esquecimento o fato da cidade do Rio de Janeiro ter
sido a verdadeira pioneira das medidas aplicadas em Medellín, que aprendeu com os
resultados positivos do Favela-Bairro.

Alguns autores criticam, por sua vez, determinados aspectos do programa Favela-
Bairro, embora reconheçam, também, méritos. Davidovich (1997), por exemplo, questiona
a visão da favela assumida por esse programa – definida como uma “entidade homogênea
e sem conflitos” –, o que impossibilitaria a percepção de “importantes diferenciais”
existentes dentro das comunidades faveladas. Esse caráter plural e diversificado das
favelas, revelando a existência de uma grande heterogeneidade interna, tanto em relação
à apropriação da moradia (tipo, local dentro da favela), como no que diz respeito à renda
dos moradores, é, igualmente, apontado por outros autores.
Em 2003, um estudo realizado pelo Instituto Pereira Passos, em conjunto com o
Instituto de Pesquisa e Planejamento da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
comparando dados de sete favelas onde foi implementado o Programa Favela-Bairro e os
de outras cinco, nas quais não foram realizados projetos de urbanização, revelam
resultados diferenciados. Na avaliação desses resultados, afirma Pedro Abramo,
coordenador da pesquisa: “A avaliação sobre a situação da comunidade dez anos depois é
bem melhor onde foi feito o Favela-Bairro. De uma forma geral, os indicadores sociais
melhoraram em todas as comunidades. Mas, nos índices de infraestrutura, a melhora foi
mais significativa onde houve o programa”.
Contudo, a implementação das obras de urbanização não trouxe alterações
significativas no que diz respeito à situação econômica dos moradores das favelas
beneficiadas pelo programa de urbanização implementado pela prefeitura carioca.
Por outro lado, os dados da pesquisa realizada pelo IPP/IPPUR-UFRJ apontam o
crescimento expressivo – mais de 200% – do número de domicílios nas sete favelas onde
o Programa Favela-Bairro atuou, o que significa que as obras de urbanização realizadas
estimularam o crescimento destes assentamentos.

Vila olímpica abandonada (2021)

Atualmente (Pós investimento internacional de um projeto da Bundesliga)


3. CONCLUSÃO
Tomando como referência os elementos de avaliação mencionados durante o
trabalho, podemos sugerir aqui algumas virtudes e alguns problemas identificados pela
análise:
- O programa destaca-se por dar visibilidade à urbanização de favelas, consolidando-a
como a abordagem apropriada para lidar com o problema.
- A publicidade, o apoio do BID e a realização na cidade com histórico de remoção nos
anos 70 acrescentam um significado simbólico à intervenção.
- A iniciativa visa abranger todas as favelas cariocas, apresentando-se como uma
intervenção de grande escala.
- Os números envolvidos indicam um impacto substancial nas condições de vida da
população favelada.
- Destaca-se o papel crucial da regularização urbanística na transformação das condições
de cidadania.
- Conferir o "direito ao endereço" é mencionado como um aspecto fundamental para a
cidadania da população favelada.
Embora contando com essas características positivas, alguns aspectos revelaram-
se contraditórios ou problemáticos, a saber:
- Política habitacional tem peso pequeno na política urbana do Rio de Janeiro e depende
fortemente de financiamentos externos, enquanto outras iniciativas utilizam recursos da
Prefeitura.
- A diversificada política habitacional não inclui iniciativas de ampliação da oferta
habitacional e concentra-se em políticas "corretivas", perpetuando a ocupação de áreas
inadequadas.
- Objetivos do programa (integração) focam apenas no aspecto físico-urbanístico,
negligenciando a integração social. Valorização imobiliária resultante pode causar
"expulsão branca".
- Processo de escolha das favelas atendidas parece ser estratégia de marketing, não
baseada em diagnóstico de necessidades, atendendo aquelas já alvo de intervenções
anteriores.
- Participação popular é limitada, indicando ser mais uma prática de legitimação do que
democratização da política. Experiências em outras cidades mostram que é possível
envolver a população sem comprometer a eficiência das ações.

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