Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 124

Dom Augusto Álvaro da Silva nasceu em 8 de abril

de 1876 e morreu em 14 de agosto de 1968. Arcebispo


de São Salvador da Bahia, de fé sólida e viva, buscou
defender os direitos da Igreja contra as mudanças que
tencionavam minar a fé dos brasileiros. Estes comen-
tários demonstram não somente a fé, mas também o
amor de um sacerdote que deve ser considerado ainda
hoje como exemplo para todos os brasileiros.
Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Introdução. 6
Primeira Promessa: Eu darei, aos que dedicarem 8
ao meu coração, todas as graças necessárias a seu
estado.
Segunda Promessa: Concederei paz às famílias. 16
Terceira Promessa: Aos devotos do meu coração, 27
eu os consolarei nas suas penas.
Quarta Promessa: Serei seguro refúgio na vida e 34
principalmente na hora da morte.
Quinta Promessa: Derramarei abundantes bênçãos 44
sobre todas as suas empresas.
Sexta Promessa: Os pecadores encontrarão em 55
mim a fonte e o oceano infinito de misericórdia.
Sétima Promessa: As almas tíbias mudá-las-ei em 68
fervorosas.
Oitava Promessa: As almas fervorosas elevar-se- 79
ão rapidamente a grande perfeição.
Nona Promessa: Abençoarei as casas onde estiver 88
exposta e venerada a imagem do meu Coração.
Décima promessa: Darei aos sacerdotes o dom de 98
abrandar os corações mais endurecidos.
Décima Primeira Promessa: As pessoas que 107
propagarem essa devoção terão os seus nomes
escritos no meu coração e dele jamais serão riscados.
Décima Segunda Promessa: Concederei, no 115
excesso de misericórdia do meu amor poderoso, a
graça da perseverança final aos que comungarem nas
primeiras sextas-feiras, em nove meses seguidos.
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Introdução

Dentre as muitas iniciativas tomadas pela


Comissão Central Arquidiocesana das festas
centenárias do Apostolado da Oração figurou a
de mandar-se reimprimir e espalhar, entre o povo,
aquela notável Carta Pastoral do Exmo. E Revmo.
Sr. Arcebispo Primaz, quando Bispo de Floresta, em
torno das doze promessas do Sagrado Coração de
Jesus a Santa Margarida Maria.
Comentário completo, opulento, mesmo
de doutrina, de estilo e de piedade, explicação
ampla e ótima dessas doze misericórdias, espécie
de novo código de Bem-aventuranças para os
homens torturados dos últimos séculos – era bem
que fosse vulgarizado entre nós, na ocasião solene
das comemorações centenárias do Apostolado da
Oração.
Fazemo-lo, não reproduzindo a Pastoral na
íntegra, mas quase isso, uma vez que dela foram

6
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

apenas omitidas as páginas de introdução e as de


conclusão, umas e outras adaptadas a circunstâncias
de lugar, auditório e tempo.
Tempos certeza de que com a reedição, agora
e assim, daquele Documento, indicada de todo em
todo às gratíssimas comemorações que empolgam
a alma da Bahia Católica, damos-lhe a esta valioso
presente.
Se é preciso conhecer para amar, por certo
em todos os tempos, sobretudo nesta hora em que o
ódio desconhece quaisquer barreiras, urge trazer de
todos os modos ao coração do homem continuada
e permanente notícia do maior abismo de amor, o
Coração de Jesus.
E aquelas doze promessas são desse abismo,
culminado na Cruz e no Sacrário, uma continuidade
esplêndida.
Recordemo-las.
A Comissão.

Bahia, 29 de Outubro de 1944.

7
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Primeira Promessa
Eu darei, aos que dedicarem ao meu
coração, todas as graças necessárias

a seu estado.

Essas graças necessárias aos estados


particulares podem reduzir-se a três: conhecer os
deveres do próprio estado, amá-los e empregar os
meios para cumpri-los mais facilmente.
I. A primeira e maior dificuldade, em se tratando dos
deveres de estado, disse alguém, não está em cumpri-los, senão
em conhecê-los.
Infelizmente a presunção, filha da ignorância,
e mãe da temeridade, move de contínuo essas
audácias perigosíssimas e nunca assás lastimáveis,
que terminam sempre pelo reconhecimento tardio
de faltas cometidas no cumprimento dos próprios
deveres.

8
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Todos, geralmente, presumem ter


conhecimento esclarecido dos seus deveres próprios,
todos se julgam capazes de deliberar sobre a
importância e gravidade e oportunidade deles.
Entretanto, sem grande reflexão, podemos
afirmar o contrário.
O pobre pensamento humano, sempre
propenso ao erro, e sempre débil, quantas vezes, tem
levado o homem, presumindo segurança e acerto, aos
maiores e mais tristes desatinos no que diz respeito
ao cumprimento dos próprios deveres!
É certo que a razão é a guiadora dos atos
humanos, por conseguinte é a indicadora dos
deveres de estado, isso, porém, somente quando,
desembaraçada de preconceitos que cegam, ou
impedem seja esclarecida pela suprema e eterna
verdade, de vez que é infalivelmente certo, que foi
Jesus Cristo que iluminou a vida humana.1
Na escolha das vocações, por exemplo,
vocações que trazem consigo tantos e tão diversos

1 2Tm 1, 10.

9
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

deveres, quantas vezes se escuta antes a voz da carne


e do sangue do que a do próprio Deus?
Quantos, a este respeito, quer se trate da
vocação sacerdotal, quer da vocação para o estado
matrimonial, lastimam agora o erro passado, e do
qual não podem mais voltar atrás? E que dizer dos
que abraçaram outros estados particulares, levados
apenas pelos impulsos da fantasia humana sem
consideração de aptidões e meios.
Seria preciso para encarecer o valor dessa
promessa adorável do Coração de Jesus, lembrar aqui
a enorme multidão de arrependidos?
Foi para esses que a ternura inefável do
Coração de Jesus, sorriu primeiro, garantindo-
lhes que tudo não estará perdido; que lhes dará as
graças necessárias ao seu estado: a graça de conhecerem
a tempo o erro a que uma leviandade os conduziu,
revelando, oportunamente àquele que chora e confia
na inesgotável ternura do seu Coração, o segredo
dessa paixão de perdoar que o caracteriza; mostra-
lhe que essa lágrima é a confissão do erro cometido,

10
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

e essa confissão é reconhecer que se tem um erro de menos,


– é conhecer melhor os deveres do próprio estado.
II. Se o Coração de Jesus assim promete a graça
de melhor conhecermos os nossos deveres, ainda mais
nos promete a graça de os amar.
Nas profundezas recônditas do nosso ser existe
um tribunal cujas sentenças, por vezes, nos animam à
prática do bem e fazem amar os mais árduos deveres
com um amor que impele aos grandes heroísmos. Não
importa que muitas dessas vozes sejam fracas demais,
para se fazerem ouvir em meio à grita infrene das
paixões que se desencadeiam no íntimo do ser!
Não é suspeita para nós a voz do paganismo
que confessava pela boca do poeta: conhecer o bem
e adorá-lo, mas praticar o mal2 – sirva-nos porém
de prova mais autorizada a palavra de São Paulo que
deplora a luta secreta de sua alma ansiosa e angustiada.3
E onde ia ele buscar o remédio a essas dores
secretas? Na certeza de uma recompensa que o fazia
amar as dores e tribulações da vida.4
2 Ovídio, Metamorfoses.
3 Rm XXII, 21.
4 Rm III, 16.

11
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Sim. Ninguém pode praticar a penitência sem esperar


a recompensa. É essa recompensa que nos faz amar a
cruz de nossos trabalhos, o jugo de nossos deveres
de estado.
Ora, aquele que se dedica ao Coração de
Jesus tem certeza de que nem uma prece deixa de
ser ouvida, nem um sacrifício fica sem prêmio,
segundo a medida do Evangelho: centuplicadamente.5
O Coração divino, sempre eternamente vigilante,
mesmo em simulado afastamento, ou aparente sono,
tudo vê, tudo reconhece, tudo recompensa segundo
o verdadeiro mérito. Não assim o mundo.
Por que é que tantas almas fogem dele para
Jesus? Não será porque um dia se convenceram de
que o mundo, ou não conhece os méritos da virtude,
ou mesmo conhecendo-os, nem sempre os quer
reconhecer, ou ainda porque, embora os reconheça
e queira, não os pode recompensar?6
Certamente.

5 Lc XXVI, 28.
6 São João Crisóstomo.

12
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Aqui, ao contrário, o próprio Coração de Jesus


nos garante o mérito dos mais insignificantes deveres
e a recompensa das mais simples ações.
Se considerarmos os seus trinta anos passados
no recesso obscuro do lar pobre do carpinteiro
humilde, logo nos convenceremos de que, qualquer
que seja o dever, o seu cumprimento traz consigo o
mérito dos feitos mais admiráveis.
Com sua vida obscura de Nazaré, Ele nos
desengana da falsa noção da impraticabilidade da
virtude em grau heroico, quando se é obrigado a
viver em certas condições humildes da sociedade,
em certos e em determinados estados particulares;
foi isso que inspirou ao Apóstolo esta sapientíssima
lição: servi a Deus na condição em que Ele vos achou ao
chamar-vos.7
Que melhor incentivo para amar os deveres
particulares do nosso estado? Eles são o nosso
mérito, o nosso único mérito.
Que amáveis que são os deveres que nos
preparam a coroa da glória!

7 1Co, 17.

13
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

E esse amor fará vencer todas as dificuldades.


Faz-se mal o que se faz sem amor. Quando se
ama não se sente dificuldade no trabalho, disse-o uma
voz bem autorizada.8
Bem sobremaneira grande, acrescenta o autor da
Imitação, só ele faz leve o que é pesado, só ele afronta sereno
as agruras da vida. Porquanto tira da carga o peso e torna o
amargo doce e saboroso.9
III. À graça de conhecer e amar, acrescenta o
Senhor a graça de agir, o dom da força no cumprimento
do dever. É a graça: energia; é a graça: vigor e coragem;
a graça-resistência e constância.
Com efeito, somente assim se explica a serena
alegria dos mártires nas horas de suplício, a constância
heroica dos confessores nas adversidades rudes da
penitência, o radioso contentamento das almas puras,
e a vida de todos os filhos da Igreja, através das
perturbações e sofrimentos sem número. A energia, a
coragem, a força sobre-humana é a graça sobrenatural,
é o dom que aos seus promete o Coração de Jesus.

8 Santo Agostinho.
9 Imitação, livro III, capítulo V, 3.

14
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Amigos do Coração de Jesus e devotados ao


seu serviço, nós receberemos, pela fidelidade de sua
palavra, essa graça de sermos invencíveis diante dos
obstáculos que se nos apresentem: a veracidade da
palavra de São Paulo, posso tudo naquele que me conforta.10

10 Filipenses.

15
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Segunda Promessa
Concederei paz às famílias.

Dos estados particulares Jesus passa à família


cristã e promete-lhe o bem supremo: a paz.
Segundo Santo Agostinho, a paz consiste na
concórdia bem ordenada. Pax est ordinata concordia.
Concórdia sem ordem e ordem sem concórdia
não produzem a paz. Concórdia sem ordem é
pusilanimidade e fraqueza; ordem sem concórdia,
falseamento e engano. Concórdia eram os desejos
de Pilatos no julgamento de Nosso Senhor; queria
a perfeita concórdia;11 mas porque eram desejos de
concórdia sem ordem, pois preferia a amizade de
César ao amor da justiça – si hunc dimittis non es amicus
Caesaris,12 não encontrou a paz; revelou fraqueza
e pusilanimidade. Da mesma forma os fariseus
acusadores do Salvador, pediam a conservação da
11 Lc XXIII, 22.
12 Jo XIX, 12.

16
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

ordem, mas porque queriam ordem sem concórdia


– et convenientia testemonia non erant,13 não buscavam a
paz: manifestavam hipocrisia e falsidade.
A paz, bem admirável a que o Apóstolo
chama bem que excede todo entendimento, consiste
portanto na união da concórdia com a ordem.
É o que ensina também Jesus no seu evangelho.
Quando ele prometeu aos discípulos o
descanso perfeito, isto é, a paz – invenietis requiem,
firmou-lhes os fundamentos dizendo: discite a me quia
mitis sum et humilis corde.14 Aprendei de mim que sou
manso e humilde de coração.
A mansidão – é a concórdia, a humildade – é
a ordem: e o Coração de Jesus é a união perfeita da
concórdia com a ordem, porque Ele só é a caridade,
laço de toda a perfeição.15
Assim a paz nas famílias resulta da concórdia
e da ordem unidas entre si pela verdadeira caridade

13 Mc XIV, 56.
14 Mt XI, 29.
15 Co III, 14.

17
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

ou, como disse Jesus, da mansidão e da humildade


unidas pelo santo amor do seu coração. Ipse est pax
nostra.16
I. É um fato incontestável, por demais sabido,
a perturbação hodierna da paz no seio das famílias,
mesmo cristãs. Por toda parte se nota, com o
enfraquecimento da fé, a desarmonia e a desordem
do lar. Intrigas de irmãos contra irmãos, desrespeitos
formais à autoridade paterna, violação clamorosa dos
direitos recíprocos, abusos indecorosos de confiança,
que se desculpam e atenuam sob o pretexto de
consanguinidade e afinidade, formam o sombrio
quadro de muitas famílias infelizes.
Em nossos sertões, quantas vezes “as cruzes
nascem à beira das estradas” revelando ao caminheiro
que passa um desses indecifráveis dramas de família!
E quando procuramos a causa, a origem
dessas desgraças, não raro reconhecemo-la numa
impaciência incontida, numa palavra áspera, num
gesto leviano, em suma, num desses pequeninos

16 Ef II, 14.

18
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

nadas, violações da mansidão e doçura recomendadas


e ensinadas pelo Coração de Jesus. Aprendei de mim
que sou manso e humilde de coração.
Com efeito por mais santa e perfeita que seja
uma família, ainda mesmo que à sua organização
tenha presidido, como recomendava até o antigo
paganismo, essa prudência que busca, entre os
esposos, a conformidade de sentimentos e afetos,
a identidade de vistas e interesses, e tantas outras
condições que deixam esperar a harmonia necessária
de um jugo comum, é fora de dúvida que aqueles que
a compõem levam consigo pequeninas mas inerentes
misérias, inseparáveis da fraqueza humana, misérias
que o Apóstolo reconhecia e ordenava que fossem
suportadas mutuamente.17
Ora, sem essa doçura que ensina a paciência
com os defeitos alheios; sem essa mansidão que
inculca mortificações do amor próprio, e inspira
benevolência pronta a desculpar, clemência resoluta
a se alegrar na ofensa que recebe, que será dessa
prolongada e íntima convivência que faz ressaltar

17 Gl VI, 2.

19
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

todas as pequeninas misérias e escondidos defeitos?


Levantemos, pois, os olhos para o Coração
de Jesus e aprendendo ali a mansidão inexcedível, a
doçura paciente, teremos encontrado um elemento
da paz tão necessária ao lar cristão.
II. Há, porém, uma mansidão que é fraqueza
e pusilanimidade, nós o dissemos com Santo
Agostinho, e facilmente se compreende.
Quando a mansidão chegasse a fechar os olhos
a todos os defeitos que reclamam correção imediata,
quando permitisse abusos que fossem o gérmen de
grandes males, seria uma mansidão sem ordem, e
por conseguinte falsa. Eis porque Jesus, inculcando a
doçura, fê-la companheira da humildade que dispõe
e ordena os atos da mansidão cristã – mitis et humilis.
Esta humildade, explicou-a o autor da Imitação
dizendo:
Cuida em fazer antes a vontade de outrem que a tua.
Prefere sempre ter menos do que mais.
Busca sempre o último lugar, julgando-te inferior a
todos.18

18 Livro III, capítulo 5.

20
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Nestes preceitos se acham as regras práticas


da verdadeira ordem no exercício da mansidão ou
concórdia: humildade da vontade, que é sujeição e
obediência; humildade de espírito, que é desapego e
renúncia; humildade do coração, que é solicitude e
abnegação.
Quando, com efeito, os pais sabem mandar
com carinho sem abusar de sua autoridade, e os
filhos obedecer com amor, sem prejuízo de sua
personalidade; quando se faz respeitada a autoridade
paterna sem aviltar a liberdade filial; quando humildes,
as vontades observam a reciprocidade de direitos e
deveres, que quadro encantador de harmonia e ordem
não oferece a família cristã! Esplende aí a beleza da
Paz: in pulchritudine pacis.19
Ao lado desta humildade da vontade – a
mansidão, coloquemos a humildade do espírito, que
é o desapego das coisas da terra, mas segundo as
normas da prudência que ordenando àquele, ordena
também o uso destas nos seus justos limites; utentur

19 Is XXXII, 18.

21
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

de hoc mundo tanquam non utentes.20 Há, com efeito, um


desapego mal entendido, como também um possuir
e usar mal interpretado.
Quantas vezes, a prudência humana, nascida do
excessivo apego aos bens terrenos, leva a sacrificar o
pudor da infância e juventude, a esquecer a instrução e
o futuro dos filhos, a desrespeitar e desviar vocações,
sob pretextos de medidas econômicas!
Outras vezes, e quantas, a inércia sob o mando
de desapego, origina a falta de conforto no lar; abre
às criancinhas as portas do santuário doméstico,
obrigando-as a procurar nos campos e nas ruas
inspirações colhidas entre irracionais ou perdidos!
Ao depois, que admiração é que os pais
escondam no recesso da alcova as incontidas queixas,
ao latejo de dores que não aceitam lenitivos, e que as
mães derramem torrentes de lágrimas, que nenhuma
mão enxuga e nenhuma promessa estanca? Si sic
futurum erat quod necesse fuit concipere?21

20 1Co VII, 31.


21 Gn XXV, 22.

22
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

A humildade do espírito, que do Coração de


Jesus nós aprendemos, ensina-nos a trabalhar pelos
bens materiais, mas também a sacrificá-los pela
formação nas almas do reinado soberano de Deus.
Quaerite primum regnum Dei.22
Finalmente para a verdadeira ordem na
mansidão, se requer ainda a humildade do coração,
que compreende solicitude e abnegação.
Na família, como em qualquer sociedade,
torna-se indispensável a solicitude que desvia os
começos do mal, e a abnegação que se imola para a
aquisição e conservação do bem desejado.
Como podem ser os pais, esses providos
defensores da inocência, da candura, dos delicados
sentimentos que apenas acordam no coração dos
filhinhos, já solicitados por milhares de seduções,
sem que aceitem e sofram uma infinidade de
preocupações e receios, precauções e cuidados que
tornam penosíssimos os deveres paternos?

22 Lc XII, 31.

23
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

III. A terceira condição da paz na família é a


união formada pelo verdadeiro amor cristão.
Hoje, muito erroneamente se pensa acerca do
amor. Todo egoísmo que enlouquece, toda loucura
que sonha, todo sensualismo insaciável que desvaira,
tem a denominação de amor.
Não esses, mas somente o verdadeiro amor
cristão é capaz de formar união, unidade indissolúvel
dos esposos: união em Deus que traz consigo a paz
perfeita, a paz que vem do céu. Sabemos que há uma
ficção de amor, como há uma ficção de paz: a paz
que o mundo dá – enganosa, pérfida, fatal.
Como é triste o espetáculo dessas inúmeras
famílias formadas pelo amor-interesse, pelo amor-
paixão!
Com esses amores tem-se tentado organizar a
família, mas debalde.
Quando se considera o matrimônio como um
estado em que todas as licenças são permitidas, em
que todas as regras morais de continência e de pudor
são fanatismos estúpidos, em que os deveres dos

24
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

pais são apenas direitos egoísticos, que não querem


saber da lei de Deus e não reconhecem santidade no
grande sacramento, que restará da família cristã?
Um dia, inevitavelmente, faz-se ali um
movimento de profunda surpresa: ouve-se um
sussurro de dor; escuta-se um ligeiro tropel de quem
se afasta. É a paz que foge.
O tempo corre, chega a noite de tédio trazendo
consigo a insônia febril do ciúme; amargo veneno se
mistura na taça dos festins de bodas; a pouco e pouco
afroixam-se os laços da união conjugal, diminui,
apouca-se, extingue-se a ternura, o afeto, a alegria do
lar. Rotos estes laços, quantas profanações, quantos
desatinos, quantos crimes...
Então, bem se reconhece diferente a realidade
de hoje, daquele porvir cor de rosa que se sonhara
aos 20 anos, aos pés de um lar iluminado, em festa,
entre sorrisos e carícias, que se esperava durarem
sempre. O lar não repercute mais a inefável harmonia
do poder e da graça, da energia e da ternura, e chega-
se infelizmente a conhecer a verdade desta asserção:
o casamento ou é um dueto ou um duelo...

25
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Separados os corações que um efêmero amor


unia, quantas amarguras, quantas tristezas, quantas
profanações!...
Onde encontrar amor santo e puro, delicado
e respeitoso, senão naquele Coração exemplar e
modelo de todos os corações?

26
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Terceira Promessa
Aos devotos do meu coração, eu os
consolarei nas suas penas.

Na terceira promessa o divino Coração oferece


consolação aos sofrimentos e penas desta vida.
Para que fosse verdadeiramente digna do seu
amor, quis Jesus que essa consolação prometida
não somente diminuísse o número dos nossos
sofrimentos e o rigor deles, mais ainda que fosse
reparação do passado, e melhor garantia de bênção
futura...
E assim é, com efeito.
I. Todos sofrem, mas no serviço de Jesus
sofre-se menos.
Essa devoção traz consigo a graça que acalma
as paixões e modera os desejos e por isto mesmo consola
penas e põe em nós um princípio desta felicidade, que nos
espera e de que só gozaremos na bem-aventurada eternidade.23

23 Massillon.

27
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Até quando nós cristãos, nós que conhecemos


a religião e o mundo, nos deixaremos arrastar pelo
preconceito que faz ver neste a liberdade, a alegria e a
glória, e na prática dos deveres religiosos a escravidão,
a tristeza e a infâmia?
No mundo também se sofre, e esse sofrimento
é muito maior porque não tem consolação.24
Não a tem do céu porque não a merece; não
a tem do mundo porque o mundo não a pode dar
proporcionalmente. O coração do homem, tocado
pela mão de Deus, é grande demais para que lhe
bastem as mesquinhas consolações da terra.
O homem tem sede do infinito e da eternidade,
de tal sorte que o que não é eterno e infinito é nada.25
Quem diz que, na vida mundana, o homem é
inteiramente livre? Quem diz que ele é feliz?
É preciso estar muito alheio à trama desta
vida mundana para não conhecer nela a mais triste e
ignominiosa escravidão.

24 Jr VI, 14.
25 São Luiz de Gonzaga.

28
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Quantas exigências ali tiram as liberdades


mais preciosas? Quantas vezes a própria paixão,
mesquinha e vil, o é tirano senhor a que se obedece
cegamente?
E àquele que pensar que ao menos ali os
mundanos têm o prazer, a festa e a glória, dir-lhe-
emos que sim; porém, prazeres, festas, glórias que
não saciam nunca, e que prazeres mais puros e
santos, mais verdadeiros e nobres, mais profundos e
duradoiros, são os do espírito, aqueles que arrebatam
o íntimo do nosso ser, vão fundo ao coração e o
elevam ao termo de toda a glória, ao centro de toda a
perfeição e felicidade: Deus.
Diremos mais ainda: que efêmeros prazeres não
excluem os sofrimentos comuns a todos os mortais;
pelo contrário, a estes sofrimentos acrescentam a
intensidade de dor e tornam maior o seu número.
Sim; longe de Jesus sofre-se somente por sofrer; o
que fez dizer ao autor da Imitação: a vida sem Jesus é
terrível inferno.26

26 Livro II, capítulo VIII.

29
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Não assim, quando se sofre sob o doce


olhar do Salvador. Além da consolação que, com
sua presença, Ele concede aos que sofrem, sempre
admirável e incompreensível na sua ternura, faz com
que se amem esses mesmos sofrimentos, descobrindo
neles o melhor meio de reparar os erros passados.
II. A pena e a culpa são inseparáveis. Onde
quer que exista o pecado deve coexistir a dor.
Se o pecado foi a causa do derramamento de
todo o sangue de um Deus, que muito será que seja
também a causa de todas as lágrimas da humanidade?
Todos devem portanto sofrer para expiar as próprias
culpas, muito embora nem todo sofrimento deste
mundo seja reparação do passado. Que dor que é o
sofrimento que não redime!
E por que não redime?
Porque nenhum sofrimento tem a virtude de
reparar delitos, senão quando apresentado ao divino
Pai pelo Salvador dos homens. Foi Ele, foi Jesus que
transformou o que era apenas castigo em expiação

30
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

salutar. Ele fez das lágrimas uma bem-aventurança,27


fazendo da dor uma redenção. Não só, porém. Esses
sofrimentos em companhia e por amor de Jesus são
a melhor escola de virtudes.
“Que é a virtude? Um sacrifício, um esforço, uma
generosidade. Que é o que se opõe à virtude? O amor de si mesmo,
a preguiça, a estagnação na esterilidade, na pusilanimidade.
No princípio de toda a virtude se acha uma imolação qualquer
de si mesmo, seguida de um impulso para avante, coroado por
um progredimento; se a virtude é rara e poucas as pessoas
verdadeiramente virtuosas, é porque ninguém tem coragem de
renunciar-se, de elevar-se, de tomar deliberadamente sua cruz,
segundo a palavra do Evangelho. Que faz a dor? Arranca
violentamente esse egoísta a si mesmo, instiga esse preguiçoso,
põe-no na necessidade de procurar uma condição melhor. De
uma parte quebra os laços que o prendiam, doutra parte
comunica-lhe energia e obriga-o a altear-se.”28
Quantas vezes a preciosa semente do
Evangelho jaz estéril nos sulcos formados n’alma

27 Mt V, 5.
28 H. Bolo.

31
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

pela acurada educação maternal! Que espera essa


semente para germinar, crescer e produzir?
Somente o orvalho das lágrimas!
O sofrimento cristão faz levantar os olhos
para o céu e descortinar Deus; faz curvar a fronte
sobre o peito e horrorizar-se do próprio coração; faz
gemer uma queixa, e esse gemido ou é uma contrição
ou uma prece. Contrição ou prece, será a máxima
reparação de culpas cometidas, a garantia melhor da
perseverança futura.
III. Essa garantia é a terceira vantagem do
sofrimento em companhia do divino Coração.
Já se disse que “todo Calvário é redentor”
porque “toda cruz é uma coroa começada.”
Aquele que sofreu e banhou de lágrimas o
coração desiludido, conhece por experiência própria,
não só a vaidade que existe nas mundanas felicidades,
mas ainda como incapazes são estas de desviar sequer
a torrente de lágrimas em que se devem abeberar
todos os peregrinos da eternidade.

32
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

A desilusão despertará a prudência, incentivará


a vigilância que tanto previne enganos e afasta perigos,
como ajuda, auxilia, facilita as virtudes e consolida a
perseverança.
Há tanta consolação em ser fiel!
Ademais, a dor, qualquer que seja, enquanto
se caminha para a eternidade, faz ver claramente
que a felicidade terrena é apenas uma grande dor
que um bem mesquinho encobre, e a austeridade, o
sofrimento da virtude é um bem enorme que a dor
passageira esconde.
Aquele que descobriu e proclamou a bem-
aventurança dos olhos que choram foi o mesmo que
estigmatizou e maldisse os lábios que riem.
Acrescentamos a essa natural atuação do
sofrimento a promessa divina: eu os consolarei nas suas
penas.

33
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Quarta Promessa
Serei seguro refúgio na vida e
principalmente na hora da morte.

Depois de oferecer esse conforto aos nossos


sofrimentos o Divino Coração de Jesus se dirige mais
particularmente ao nosso espírito e se nos oferece
como o seguro refúgio na vida e na morte.
Para não relembrar agora os padecimentos
físicos, mas considerando somente os da alma – terra
natal dos sofrimentos – podemos dizer que os males que
a afligem se reduzem a três: a dúvida a respeito do
seu destino e dos meios para consegui-lo; a fraqueza
da vontade na decisão de procurá-lo e de empregar
os adequados meios, e a trepidação constante do
espírito em face da justiça de Deus.
A esses males apresenta o Divino Coração o
seguro remédio, desterrando incertezas, comunicando
coragem, e inspirando a mais bem fundada confiança.

34
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

I. Sacudido por todo vento de doutrina,29 o espírito


humano, em constantes alternativas, ora se eleva até
Deus, ora se abisma em desalentos profundos que a
dúvida provoca ou desculpa.
Quantas vezes, sentado à sua mesa de
trabalhos, interrompendo leituras que em silêncio lhe
contam as agitações religiosas de todos os tempos,
ou relembra-lhe uma palavra que lhe gerou n’alma
sentimentos de fé, quantas vezes o homem de estudo,
se não tem ainda essa impenitência consumado dos
precitos, corta o fio de seus raciocínios com esses
suspiros disfarçados, que confessam mágoas trazidas
pela dúvida, – sombra importuna a empanar-lhe os
brilhos da razão: Religião cristã, serás, acaso, uma
coisa inútil e desprezível? Merecerás esta apoteose
de catedrais, este estrondo de manifestações com
que o mundo repercute? E este ódio que te persegue
inutilmente há dois mil anos, não diz nada de ti?
Este Deus dos evangelhos que procura
explicar o máximo problema da vida... será somente
uma lágrima de amor derramada longe de todos os olhares,

29 Ef IV, 14.

35
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

sobre o infortúnio?... um ideal meramente concebido pelo


homem, um sonho de seu coração, sem realidade objetiva?
Não seria sincero J. J. Rousseau, quando
afirmou que este “Evangelho tem caracteres de
verdades tão grandes, tão frisantes, tão perfeitamente
inimitáveis, que o seu inventor seria mais admirável
do que um herói?”...
Altar iluminado e florido, serás alguma coisa
mais do que doce poesia que canta ao sentimento
humano? Hóstia radiosa e louçã, esse preito de
adoração incessante que te aclama na maior de
todas as vitórias, – a do coração, - será somente uma
loucura? A vida... a eternidade... o céu... a caridade...
o amor, serão meras palavras com que se enfeitam
discursos, se rendilham eloquências, se sensibilizam
almas? Virtude, tu não és mais do que uma palavra,
como afirma Brutus nas planícies de Filipos? Os
benefícios que marcam os caminhos por onde o
Cristianismo vai passando, não formam apologia
segura da crença em Jesus Cristo? Não gritam para
os que os contemplam imperativos da fé: Adora e
ama?

36
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Que momentos essa inquietação da dúvida


produz! Eles são por certo as maiores e mais
profundas agonias do coração.
Onde o remédio?
Quem fixará tais incertezas?
Alguém cuja palavra seja mais eloquente que
a voz dos fatos históricos, mais firme que todas as
filosofias, mais certa que todo o raciocínio, mais
infalível que a sabedoria humana. Esse alguém,
aquele que disse: Ego sum veritas. Eu sou a verdade.30
De lá, dessas alturas, por vezes, aparentemente
tão elevadas e sublimes, da razão humana, onde
investigadores audazes têm ido buscar a solução do
grande problema da fé, voltam, todos eles desiludidos
e inquietos, confessando que a palavra de Deus, ela
somente, é a luz que ilumina todo o homem que vem a este
mundo.31
E essa palavra se escuta não só nas aclamações
que todos os séculos que aplaudem as beneficências

30 Jo XIV, 6.
31 Jo I, 9.

37
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

do Evangelho, e no sem número de bênçãos que


marcam a passagem do cristianismo, tal qual a messe
que desponta indica a passagem do semeador, como
também nos impropérios de todos os seus inimigos
que, cansados e vencidos, repetem, com o Centurião,
descendo o Calvário: Cristo, és verdadeiramente o Filho de
Deus.32
É por isso que diante do seu Coração Divino
com toda a confiança repetimos a Confissão de São
Pedro: Tu somente, Senhor, tens palavras de vida eterna.33
II. Conhecida esta palavra, requer-se ainda
coragem para praticá-la, e grande coragem. O próprio
Jesus predisse aos seus apóstolos a timidez vacilante,
a debilidade notória da natureza em face da virtude
cristã.34
Nesta promessa Ele vem auxiliar nossa
fraqueza comunicando-nos a coragem indispensável,
a força invencível da graça.

32 Mt XXVII, 54.
33 Jo VI, 69.
34 Mc XIV, 38.

38
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

A coragem nasce da esperança da vitória e a


esperança procede da garantia dos meios. Sem esta
esperança garantia, o valor torna-se temeridade ou
loucura.
Para infundir-nos essa segura esperança
da vitória, o Divino Coração assim se revelou aos
homens: Eu vos dei o exemplo para que assim como eu fiz,
façais vós também.35 Vinde após mim.36 Eu venci o mundo.37
Não é o exemplo o melhor e mais poderoso
incentivo para um ato qualquer?
“Um soldado não carece de coragem quando
combate ao lado de um valente Capitão”. Gedeão,
querendo incitar o ardor dos seus guerreiros, não
precisou senão dar-lhes o exemplo. Fazei o que me
virdes fazer, diz-lhes ele, entraram todos no campo dos
inimigos.38
A Sagrada Escritura acrescenta que ele foi
seguido por todos.39

35 Jo XIII, 15.
36 Mc I, 17.
37 Jo XVI, 33.
38 Jz VII, 17.
39 Jz VII, 19.

39
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

É no Santíssimo Coração de Jesus que nós


encontraremos o exemplar de todas as virtudes.
Ali, os jovens, cujo peito estua aos ímpetos
violentos das paixões, aprendem o exemplo da divina
pureza e desta meiga penitência que, na linguagem
simbólica da Escritura, são espinhos que servem
para guardar a candidez dos lírios.
Ali os homens do trabalho aprendem as lições
da perseverança e da paciência nos reveses da sorte.
Ali os espíritos facilmente arrebatados em
transporte de paixões encontram o manancial da
mansidão e doçura.
Qual é a virtude que o Coração de Jesus não
seja o mais perfeito exemplo? A nós, somente erguer
os olhos para o Coração patenteado no cimo da
montanha, para o imitarmos – inspice et fac secundum
exemplar quod monstratum est tibi in sumitate montis.
Seguindo as pegadas do Salvador, acaso
recearemos ser vencidos? Animados pelo seu
exemplo, poderemos temer a derrota? Faltar-nos-á a
graça prometida?

40
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

III. Nessa promessa, o Coração de Jesus quis


inculcar-se refúgio e abrigo, não somente durante os
dias perigosos de nossa vida, senão, principalmente,
na hora dificílima de nossa morte.
Três coisas concorrem grandemente para
confundir e abalar com veemência o coração do que
vai morrer: o passado com a multidão e a gravidade
das culpas cometidas, o presente com a rapidez com
que se escoa e já não permite emenda, e o futuro
com a certeza da divina Justiça, que vem perto.
O passado acorda de repente, quando no
relógio fatal soa a hora da partida...
Que tristes recordações!... Horror comissi.
À luz que se acende para assistir à última
agonia, desaparecem as possibilidades de escusas,
que, para pecar mais livremente, se procuravam na
vida; a fé não quer arriscar agora os juízos com que
ontem uma falsa confiança dava ao pecador audácia
e paz; e a própria consciência iluminada treme
espavorida, como o primeiro culpado deste mundo:
Ouvi a tua voz e tive medo, porque estava nu.40

40 Gn III, 10.

41
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Se, ao menos, o presente não fosse tão breve!...


Dolor amissi.
Mas, as preocupações de uma viagem, às
pressas, forçando a repartir o espírito com outros
interesses... E as angústias da dor a toldar a razão...
E os gritos da amizade que, agora mais que nunca,
se escutam fortes e comovidos?... É tarde, é muito
tarde agora, para reparar em breves instantes uma
existência inteira de erros ou indiferença...
E, ali, bem perto, o futuro ameaçador e terrível!
Ai! Nunca o parecera assim, nunca o parecera tanto.
Timor suplicii.
Agora é que se compreende o que tantas
vezes se ouvira! E isto aumenta a confusão da última
agonia. Horrendum est incidere in manu Dei viventis! Onde
encontrar refúgio? Onde encontrar auxílio?
Se por entre as lembranças de um passado
triste embora, aparecem as recordações de horas
felizes dadas ao serviço do Coração de Jesus; se ao
levantar-se dentro d’alma a tempestade da morte,
fazendo cair sobre o que vai morrer a última noite

42
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

que o separa do dia da eternidade, nos recordamos


de que o Coração Divino vela perto de nós; se depois
da convivência com o Divino Jesus, transido de
pavor e trêmulos de medo, lobrigamos o fantasma
que se aproxima, havemos de ouvir aquela dulcíssima
palavra que faz renascer viva e forte a esperança que
agonizava: Nolite timere, ego sum!... Sou eu, não tenhais
medo, sou o Coração de Jesus.

43
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Quinta Promessa
Derramarei abundantes bênçãos
sobre todas as suas empresas.

Não estaria, porém, completa a obra de Jesus, amados


filhos, se, somente preocupado com os interesses da
outra vida, se descuidasse das presentes necessidades
desta existência, que arrastamos. Alcançar-nos o
céu é o seu máximo intento; fazer-nos possuir a
felicidade eterna e imortal, é o fim de todos os seus
trabalhos, vida e morte; mas, juntamente com isto
as lícitas felicidades que não travam, os gozos que
não aviltam, o bom êxito nas empresas terrenas,
são suavíssimas promessas aos que se esforçam no
cumprimento de sua lei. Derramarei abundantes bênção
sobre todas as empresas.
Segundo São João Crisóstomo, três coisas
devemos considerarmos bens que são o resultado
de nossas empresas: a aquisição, a posse e o uso. As

44
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

bênçãos que o Sagrado Coração promete derramar


sobre as nossas empresas, podemos dizer que são:
bênçãos de facilidade em adquirir e de tranquilidade
em possuir, e de santidade em usufruir.
I. As Escrituras ensinam que a prática da lei de
Deus traz consigo o bem estar material, o bom êxito
nos nossos negócios. Se guardardes minha lei e os meus
preceitos, dar-vos-ei a chuva a seu tempo e os frutos de todo o
gênero serão tantos, que quando colherdes os novos, para os
recolher, lançareis fora dos celeiros e das adegas os velhos.41
Temei a Deus todos os que o Servem, porque os que o
Temem, Ele os livrará da pobreza; os que buscam a Deus não
sentirão falta de bem algum.42
Mancebo fui e já sou velho, diz Davi, e não vi o justo
desamparado e a sua descendência mendigando o pão.43
Procurai primeiramente o reino de Deus e a sua justiça
e todas essas coisas vos serão acrescentadas, disse Jesus por
São Mateus.44

41 Lv XXVI, 3.
42 Sl XXXIII, 10.
43 Sl XXXVI, 25.
44 Mt VI, 33.

45
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

É fora de dúvida que o meio mais fácil de


adquirir é receber por doação.
Ora, nestes termos da Escritura são dignos de
nota as expressões do Espírito Santo: Dar-vos-ei – o
Senhor os livrará – todas as coisas vos serão acrescentadas.
Mostrando a sem dificuldade e o sem trabalho com
que os que servem a Deus adquirem os bens materiais.
E se assim era nos tempos do Antigo
Testamento, na lei de justiça e do rigor, que não se
deverá concluir agora, na lei da graça e da misericórdia
sem medida e sem número?
E assim foi e assim devia ser, diz-nos a razão.
Acaso ficaria bem a Nosso Senhor proscrever como
imperfeita a obra da sabedoria divina? Para que criou
Deus o céu e a terra? Para quem fez a chuva e o Sol?
Por que motivo deu fecundidade à gleba, exuberância
às árvores, perfume às flores, sabor aos frutos? A
quem confiou a supremacia sobre as aves do céu, os
animais da terra e os peixes do mar? De quem são
todas essas coisas? Omnia vestra sunt, diz São Paulo.
Deus fez tudo para vós.

46
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Se tudo fez para o homem, quem é que merece


melhor partilha: o filho que o serve, ou o ingrato que
o desrespeita e ultraja?
Não é lícito dar aos cães o pão dos filhos,45 disse
Nosso Senhor, fazendo distinção entre os que O
amam e os que O desprezam. Bem triste seria, com
efeito, a ideia de dedicação a Jesus, se se acreditasse
que somente por segui-lo e amá-lo com fiel devoção,
se incorresse no castigo destinado aos maus – a
privação dos bens.
Parece, porém, que uma triste experiência
nos está provando o contrário. Quem quer que,
inexperiente, folheie as sagradas páginas do
Evangelho, ou levianamente considere a sociedade
em que vive, com sua alternativa de glória e ignomínia,
de riqueza e penúria, de prazer e sofrimentos,
facilmente se deixará levar deste engano que tem, por
vezes, lançado as raízes desta objeção: “Os maus são
os mais felizes deste mundo.”

45 Mt XV, 26.

47
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Para não repetir aqui os argumentos a respeito


dos prazeres e das honras, mas para tratar somente do
bom êxito nos negócios ou empresas, bastaria lembrar
que os hospitais e cadeias não foram inventados para
os que fielmente praticam a lei do Senhor.
Apontam, porém, para o Evangelho,
relembram a afirmativa de São Paulo, sobre as
privações que devem sofrer os crentes fervorosos
e sinceros; e é esta doutrina que reclama explicação
melhor.
O primeiro reparo a fazer seria sobre o
verdadeiro significado do verbo adquirir.
Julgai vós, o que conheceis melhor, o mundo
em que vivemos, se tinha razão ou não aquele que
disse: No princípio de muitas fortunas há quase sempre um
crime.46
Quanto a nós, apenas vos diremos que adquirir,
como o entende a Igreja, não é alcançar ilicitamente
alguma coisa, e que a bênção de prosperidade às
empresas, que o Coração de Jesus promete, cai

46 Omnis dives aut iniquus, aut haeres iniqui.” São Jerônimo.

48
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

somente sobre aqueles que cumprem a sua lei e


guardam os seus mandamentos. O trabalho não é
uma lei? A economia não é uma lei? Não é uma lei a
prudência, a perseverança, o cumprimento do dever?
E, mesmo naturalmente, não são estes os melhores
elementos para adquirir?
Mas, dir-se-á, ainda não estamos vendo esses
católicos praticantes, esses devotos do Coração de
Jesus, arruinados em seus negócios, embaraçados em
suas finanças?
Talvez; porém, o Coração de Jesus abençoa
aquele que é verdadeiramente devoto, aquele que pratica
realmente sua divina lei. Quem nos garantirá que
esses que se queixam de mal remunerados em sua
piedade, mal retribuídos em seus negócios, menos
felizes nas suas empresas, quem nos garantirá que
sejam verdadeiramente católicos?
Quantos há aí que a i e a outros se afiguram
perfeitos cristãos, achando-se, entretanto, bem longe
disso?
Não há tanta devoção falsa neste mundo?

49
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

É verdade que “Deus não costuma prover sem


provar”, o que não impede que suas bênçãos tragam
sempre a medida do seu Evangelho – cem por um e
o reino do céu. – Assim Deus provou Abraão e Jó,
assim Ele ainda prova os que praticam a sua lei, mas
o resultado será sempre uma sempre maior facilidade
em adquirir... licitamente.
Além disso, uma verdadeira devoção ao
Coração de Jesus implica, como ficou dito, tudo
quanto pode concorrer para aquele fim: cumprimento
de deveres, amor ao trabalho, prudência nos negócios,
etc...
II. Ao adquirir facilmente, acrescenta a bênção
do Coração de Jesus o possuir tranquilamente,
sossegadamente.
Para uma posse tranquila e sossegada duas
coisas são precisas: que não custe conservar, e que
não se tema perder. Se é custoso o conservar, a posse
jamais poderá ser tranquila; se há temor de perder,
não pode ser sossegada.

50
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Ora, somente uma dedicação perfeita ao serviço


de Deus nos pode fazer conservar sem custo e possuir
sem temor. Com efeito, é o amor desordenado dos
bens temporais o que dificulta conservá-los, porque
essa mesma estima desordenada gera a preocupação
e o cuidado, de sorte que o que deveria ser um bem
torna-se um mal. O verdadeiro amigo do Coração de
Jesus é aquele que busca primeiro o reino de Deus e
a sua glória, todos os demais bens serão possuídos,
como ensinou o apóstolo – como se não fossem possuídos.47
Quando se possui deste modo não é pesado
possuir.
Não há também temor de perder.
Não dizemos que se não possam perder,
porque, contra nós teríamos a escritura e a experiência.
Ali, Davi perdeu o reino; Abraão, a pátria; Ló, sua
cidade; Jó, a família e os haveres, e muitos outros
defendendo a virtude perderam muitíssimos bens.
Aqui, muitos perderam igualmente os seus
bens; uns porque quiseram perder, outros porque

47 1Co VII, 30.

51
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

lh’os tiraram os homens, ou a Providência divina.


Mas nem por isso foram infelizes. Como São Pedro,
renunciaram todas as coisas – reliquimus omnia – mas,
com razão, afirmavam possuir tudo. Nihil habentes et
omnia possidentes.48
Não está, pois, o mal em perder, mas em
recear perder. Quem perde o que não estima ou o
que pode perder, não perde, abandona e, muitas
vezes, ganha. São Pedro perdeu todas as coisas que
possuía, para seguir o Mestre, mas não perdeu –
abandonou-as. Reliquimus omnia. José perdeu a capa
e ganhou a honra... Que vale mais? Antes a honra a
descoberto do que ter a capa sem ter honra. O moço
que acompanhou, na paixão, ao nosso Salvador
perdeu o lençol e ganhou a liberdade. O temor de
perder, sim, é que é grande mal.
O avarento pode possuir muito, mas, porque
receia perder é sempre infeliz e desgraçado.
Ora, a verdadeira devoção ao Coração de Jesus
faz com que, possuindo, não se tenha apego ao que

48 2Co VI, 10.

52
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

se possui; tendo-se muitos bens, não se ame nenhum


deles mais do que a Deus Nosso Senhor. Venham ou
desapareçam, Deus será bendito.49
Assim não é dificultoso possuir.
III. Finalmente, a bênção prometida pelo
Coração de Jesus nos concederá a graça de usar
santamente dos bens, que o bom êxito de nossas
empresas nos há de proporcionar.
Nisto está a felicidade de possuir, e esta é uma
lição sublime do Santíssimo Coração.
Em geral os que muito possuem empregam
tão mal os seus bens, que dos lábios dulcíssimos de
Jesus baixou esta triste condenação: Vae divitibus. Ai
dos ricos!
Segundo São João Cristóstomo, três são os
principais embaraços que a virtude encontra no coração
dos que possuem os bens deste mundo: facilidade da
vida dos sentidos, a maior dificuldade de retribuir o
amor de Deus e a repugnância de fazer penitência.

49 Jó I, 21.

53
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Ora, o Apostolado do Coração de Jesus, que


nos está pedindo e lembrando continuadamente? Dar
a Deus glória, amor e reparação.
Dar glória a Deus é mortificar a vida dos
sentidos, que muita glória tem roubado a Nosso
Senhor; é viver do espírito cristão, que é o espírito da
fé, de oração e firmeza no bem; é usar das criaturas
para remontar a Deus Criador.
Dar a Deus o nosso amor é primeiramente
reconhecer ter recebido d’Ele os bens que possuímos,
e retribuir-lhos proporcionadamente. É desapegar o
coração das criaturas, para que, livre, em Deus somente
possa descansar feliz.
Dar a Deus reparação é fazer penitência por si e
pelos outros, é mortificar a carne, é “quebrar no peito
o próprio coração para arrancar a pérola da virtude que
ele encerra”, é oferecer ao Senhor a imolação constante
dos próprios bens que d’Ele houver recebido.
E não é isso que aprendemos do Coração de
Jesus? Não é isso que fazemos, que devemos fazer,
nós os do Apostolado da Oração, com o seu exemplo
e a sua graça?

54
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Sexta Promessa
Os pecadores encontrarão em mim
a fonte e o oceano infinito de

misericórdia.

Há duas coisas igualmente admiráveis e


sublimes no Evangelho, e que jamais chegaremos a
compreender plenamente: a justiça de Deus quando
castiga, e a misericórdia do Senhor quando perdoa.
Mas a misericórdia de Deus excede todas as suas
obras. Et miserationes ejus super omnia opera ejus.50
A misericórdia é a face do Senhor, na
linguagem do profeta,51 é o traço, por assim dizer,
mais propriamente divino.
Eis porque Jesus se esmera, durante sua vida
inteira, em demonstrá-la aos homens, e o Espírito
Santo querendo dar uma definição de Deus, depois

50 Sl CXLIV, 9.
51 Sl LXVI, 1.

55
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

da Encarnação do Verbo, isto é, depois que Ele fez


palpitar na terra o sagrado Coração de Jesus, não teve
outras expressões mais justas e mais claras do que
esta: Deus é caridade, Deus charitas est.52
Acompanhando esse pensamento, considerai
neste ligeiro esboço como o Coração de Jesus é fonte
e oceano infinito de misericórdia. 1º na solicitude
com que procura os pecadores; 2º na compaixão
com que os perdoa; 3º na caridade com que os ama.
I. “Na ordem das coisas humanas, escreveu
Chaignon, em se tratando da reconciliação, é ao culpado
que compete dar os primeiros passos; na ordem da salvação, o
homem é o culpado. Deus é o ofendido; Deus, porém, é quem
busca o homem.
Quando deveria obrar milagres de rigor para os punir,
faz milagres de clemência para os salvar.”53
Do alto de sua glória, Deus contemplou um
dia a pobre humanidade ferida de morte. Movido
de misericórdia, mediu as profundezas insondáveis

52 Jo IV, 8.
53 Meditações.

56
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

do abismo que dele os separava, e ei-lo a descer em


busca do homem delinquente.
Uma noite, noite feliz aquela, o esquecido
recanto da pequenina Belém se ilumina súbito: o céu
se debruça sobre a terra; os anjos, que tremiam diante
da majestade divina, baixam o radioso olhar sobre o
presepe humilde, descem até lá, e, pressentindo que
à sombra de suas asas palpita um coração divino,
fonte de misericórdia e de amor, desferem o canto
imorredoiro de paz universal: Pax hominibus bonae
voluntatis.54
Desde então, onde encontraremos esse
Coração Divino cujas primeiras palpitações foram
concedidas aos ingratos de sua pátria que O não
quiseram receber? In própria venit et sui eum non
receperunt.55
Havemos de vê-lO preocupado em apanhar as
lágrimas dos pecadores, com atenção mais cuidadosa
do que os sacerdotes do Altíssimo em recolhendo os

54 Lc ii, 14.
55 Jo I, 11.

57
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

fragmentos da hóstia no corporal do Santo Sacrifício.


Beati qui lugent.56
Havemos de vê-lO despertando n’alma dos
fariseus uma tempestade de escândalos pela solicitude
com que busca a amizade dos grandes pecadores. Hic
peccatores recipit.57
Havemos de vê-lO desmanchando a ordem do
universo, suspendendo as leis da sua alta sabedoria
divina, para apanhar da varredura de sua casa a
moeda a mais humilde e pequenina; uma alma que se
perdeu. Everrit domum.58
Havemos de vê-lO, cansado de correr atrás da
ovelhinha que foge, sentar-se abrasado de sede das
almas que apesar de tudo ama e quer salvar. Da mihi
bibere.59
Havemos de vê-lO e de ouví-lO a sangrar e a
tremer nos braços duma cruz procurando vingar-se
“dos insultos da terra, atirando para o céu irritado

56 Mt V, 5.
57 Lc XV, 2.
58 Lc XV, 8.
59 Jo IV, 7.

58
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

esse grito de amor: Perdoai-lhes, não sabem o que


fazem.” Nesciunt quid faciunt.60
“Dir-se-ia, ó meu Deus, que somos necessários
à vossa felicidade, e que reputais em pouco o que
possuis, tão ocupado estais em recobrar o que
perdestes”...
E quando ao separar-se de nós, quer deixar
estabelecido na terra o reinado de sua misericórdia,
que tão solícita procura o pecador, ordena aos
discípulos que partam, que caminhem, que corram o
universo em busca de almas.
Que fazem os pastores erguendo, de continuo,
a voz incansável, anunciando a Jesus, e Jesus
Crucificado, em todos os caminhos percorridos da
humanidade, em todas as línguas faladas sobre a
terra?
Que fazem os missionários, sulcando os
mares, transpondo montanhas, vadeando os rios,
atravessando florestas, clamando pelos desertos, sem
medo das fadigas, sem receios de entraves, sem amor
à vida e sem temer a morte?

60 Lc XXIII, 34.

59
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Tudo são solicitudes admiráveis da misericórdia


que chama e que procura o pobre pecador.
E como se isto não bastasse, Deus desce, em
segredo, ao coração e acorda o remorso que dorme,
provoca a lágrima que punge, desfaz as ilusões que
mentem, e força aquelas exclamações doridas de
Damasco, a que responde vencedor: Eu sou Jesus, eu
sou a misericórdia!
Se há uma verdade evidentíssima em toda a fé
que adoramos, é por sem dúvida esta: Deus procura
o pecador com infinita, divina, incompreensível
solicitude.
E para quê?
II. Para perdoar.
O prazer dos deuses é a vingança, diziam os
antigos pagãos. O prazer de Jesus é o perdão.
Quando é que no Evangelho se fala de uma
festa extraordinária e nunca vista, senão quando se
trata de celebrar a volta do filho pródigo?
Quando é que se trata de convocar amigos
para participação de uma alegria tão grande que não

60
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

cabe no lar, senão quando se acha a moeda perdida


ou a ovelha tresmalhada?
Oferecei a Jesus o sorriso puro de cândidas
crianças, e Ele vos dirá: Talium est enim regnum caelorum
– delas é o reino do céu. Dai-lhe o ilibado olhar
das virgens puras, dos corações sem mancha, e
Ele vos acrescentará: Felizes porque verão a Deus,
Deum videbunt. Apresenta-lhe a constância firme dos
confessores austeros, e Ele vos garantirá: Serão salvos,
qui perseveraverit, salvus erit. Consagrai-lhe o sangue
de tantos mártires, e Ele em troca os apresentará
ao seu Eterno Pai: Confitebor et ego eum coram Patre
meum. Mostrai-lhe piedosos e infatigáveis apóstolos
e o ouvireis acrescentar-lhes rindo: meus amigos –
vos amici mei estis. Reuni toda a bondade moral que
se acha espalhada na terra, e Ele promete, assegura,
garante uma eterna, infinita recompensa: Ibunt in
vitam aeternam. Apresentai-lhe, porém, uma lágrima
de penitência, um coração arrependido; oferecei-
lhe o ensejo de perdoar, e vê-lo-eis, abalando céus e
terra, e oferecendo a esse pecador que chora o maior

61
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

tesouro: Stolam primam, que neste último século Jesus


traduziu assim: “Aí tens meu Coração que tanto tem
amado os homens.”
Então?! A lágrima do arrependido vale mais
do que o suor do apóstolo ou o sangue do mártir?
Vacila a razão; mas está bem claro que não há nada
mais divino do que seja perdoar um pecador.
Quem poderá compreender jamais a
misericórdia que ama e que perdoa?
“Parece, ó meu Deus, diz Massillon, parece que vós
quereis ser particularmente o pai dos ingratos, o benfeitor dos
culpados, o Deus dos pecadores, o consolador dos penitentes.
E como se todos os títulos pomposos que exprimem
a vossa grandeza e o vosso poder não fossem dignos de Vós,
quereis ser chamado o pai das misericórdias e o Deus de toda
a consolação.”
E até onde se estende essa caridade divina,
essa irresistível tendência de perdoar?
Escutai a impiedade blasfema na boca da
mocidade. O orgulho de uma falsa ciência incha-lhe
no peito o ódio incontido; ajustando à front a auréola

62
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

do gênio, ri das coisas santas e, jogando o próprio


Deus à irrisão das turbas insensatas, grita bem alto:
Esmagai o infame!
O infame é Deus, e Deus parece não ouvir a
blasfêmia...
O vício empunha o cetro da realeza; os
romancistas o exaltam, os poetas o cantam, os
grandes o deificam, os pobres o servem, as artes o
proclamam e o povo prosternado o adora.
Esse vício é o inimigo de Deus, e Deus o deixa
passar em triunfo...
Até quando, Senhor?
Dir-se-ia que era chegada a hora derradeira do
Cristianismo?
Não!
É que Deus espera o momento divino do
perdão e, só por encontrá-lo, sofre longos anos de
desvarios e ultrajes...
III. Queixando-se à sua fiel serva, a Santa
Margarida Maria, mostra-se inconsolavelmente triste
por causa da ingratidão dos homens.

63
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

E quando se espera que essa ingratidão dos


homens excite a sua ira e mova-lhe a vingança, ouve-
se-lhe a preconização do amor que vota aos ingratos:
“Aí tens o Coração que tanto tem amado”...
Reparai nesse tanto, amados filhos. Parece que
Ele mesmo não soube marcar o termo...
São João, a águia soberana tentara primeiro
sondar o seio impenetrável do Altíssimo, se esforçara
por ensinar aos homens o grande amor de Deus
aos pecadores. Ao deparar, porém, aquele Coração
aberto na cruz, atirou aos séculos as memoráveis
reticências de um amor sem termo e sem medida:
Dilexit in finem.61
E vades lá perguntar ao Apóstolo onde está o
fim do amor.
Debalde a mais profunda teologia tem
procurado descobri-lo.
Caudal inexaurível de uma fonte oculta,
apenas se sabe que aí beberam inspiração os
profetas, esperança os patriarcas, coragem e audácia

61 Jo XIII, 1.

64
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

os apóstolos; dela receberam inocência as virgens


cristãs, perseverança os confessores, resignação os
penitentes, valor e firmeza os mártires, graça e perdão
todos os pecadores do mundo. E quando, para os
quadrantes da Pátria se atira a pergunta: Mas onde
vai esse amor? Onde termina? Qual o seu fim? Por
única e universal resposta, o céu e a terra, a natureza
e o Evangelho, a razão e a fé repetem como estribilho
de uma velha canção imorredoira e eterna, In finem! In
finem!
Se peregrino da crença, abandonando a pátria e
o lar, busca-se em terra estranha, sob um céu diverso,
o termo desse amor, em cada país ou cidade, em cada
catedral ou ermida, ouve-se a mesma voz da pátria –
In finem... segue, peregrino... mais adiante ainda... não
está aqui o fim do amor...
Se se vai ajoelhar, trêmulo de emoção, diante
do presépio vazio, que com beijos de fé, piedoso
aquece, e interroga se até ali baixara o amor para ser
dos homens recebido, o Evangelista responde-lhe: O
amor foi mais adiante ainda – in finem.

65
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Se prostrado adora a cruz bendita, banhada do


sangue redentor, e amoroso indaga se em cravos de
ferro se prendera o amor, para que fosse dos homens
encontrado, ainda o Evangelho repete: O amor foi
mais adiante ainda – in finem.
Se recurvo espia o sepulcro santo, que por
três dias guardara o corpo do Mestre, e ajoelhado,
em pranto inconsolável, inquire: Onde está o amor...
para onde o levaram? Forma-se em resposta o dueto
sublime do céu e da terra, do anjo e do profeta: Non
est hic... in finem. Não está aqui... foi mais longe ainda...
Assim se compreende a derradeira e misteriosa
cena do Calvário, descrita com tanta simplicidade
pelo Evangelho com estas palavras: Um soldado abriu-
lhe o lado com uma lança. E que a obra que assim se
consumava era toda um poema de amor, e, como tal,
era mister levasse o sigilo sagrado de sua autenticidade
– um coração ferido, morto por amor.
Não basta. É preciso considerar ainda que toda
essa paixão de amor tem por objeto de predileção o
pobre pecador. Dir-se-ia que o melhor título para ser

66
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

querido e amado de Deus é ser pecador arrependido!


Ao menos Ele nos garante que ninguém pode levar-
lhe uma consolação mais intensa e mais durável do
que o pecador que se arrepende: Haverá mais alegria no
céu.62
Oh! Bondade infinita do Coração de Jesus!
Oh! Santa e consoladora promessa!

62 Lc XV, 7.

67
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Sétima Promessa
As almas tíbias mudá-las-ei em
fervorosas.

Nada mais digno da misericórdia de Deus do que


uma miséria, escreveu Fenelon, e por isso que entre as
misérias que nos cercam a vida, avulta a tibieza; para
ela quis voltar-se ainda o Coração de Jesus, oferecendo
uma promessa admirável, o remédio extraordinário e
único a tão grande mal: As almas tíbias eu as mudarei em
fervorosas.
Bem pouco se reflete sobre esse estado d’alma
e por isso julga-se pequenina a desordem que encerra
e, quem sabe, nem se imagina sequer o perigo que
traz consigo.
São terríveis, entretanto, as ameaças dirigidas
por Deus às almas tíbias na pessoa do anjo de
Laodicéia: Conheço tuas obras e porque és tépido, não és frio,
nem ardente, começarei a te vomitar de minha boca.63

63 Ap III, 16.

68
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

É a expressão da maior e mais irremediável


miséria moral, da maior ofensa contra Deus e do
maior perigo para o tíbio.
I. São Bernardo descreveu o triste estado de
uma alma tíbia, com estas palavras: Não tem alegrias
verdadeiras, nem tristezas; sua meia compunção é breve e rara;
seus pensamentos são terrestres, sua conversação é sem gosto,
sua obediência é morosa e frouxa; as palavras, levianas; a
oração desatenta, sem fervor; leitura, nenhuma e sem proveito;
teme pouco o inferno; medíocre é o seu pudor; a razão é sem
força, a disciplina não existe para ela.64
´ Desta só descrição se deduz a gravidade do
mal, a inexcedível miséria moral que é a tibieza em
uma alma.
Estes transportes de amor que arrebatam
o coração e elevam-no muito acima da terra que
pisamos, esses contentamentos profundos, que
por vezes fazem chorar de gozo, o homem triste e
amadurecido nos embates da vida, a pobre alma tíbia
não experimenta nunca, – não tem alegrias verdadeiras.

64 Sermão LXIII in Cant.

69
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Jesus passa ao pé dessa alma descuidosa,


lança-lhe, ao passar, um daqueles olhares banhados
de lágrimas e de sangue, que bastaram para converter
as apostasias de Pedro em lágrimas incessantes
de arrependimento e penitência, e a alma tíbia fica
insensível a esse olhar, – não tem tristezas profundas.
Se Jesus, mais carinhoso ainda, murmura-
lhe, nas horas inquietas de suas grandes dores, uma
daquelas palavras, poderosas bastante para vencer
Paulo de Tarso, e fazer genufletir, chorando, Maria de
Magdala, a alma tíbia, surda a essas vozes, volta os seus
pensamentos para o lodaçal do vício e a podridão do
mundo: – seus pensamentos são terrestres. E, se a caso essa
voz toca-lhe ainda o coração, e sensibiliza-o talvez
até a lágrima, em breve os ventos frios da tibieza
enxugam, esterilizam essa gota divina, ou fazem-na
cair no pó do chão, em lama transformando-a – a sua
compunção é breve e rara.
Não despreza de todo o Evangelho, respeita a
Igreja e procura, de longe embora, cumprir sua divina
lei. Mas, ai! Como vacilam os seus passos no caminho

70
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

do Senhor! Quantas vezes se queixa da severidade


dos preceitos divinos e murmura dificuldades em
praticá-los?! Sua obediência é morosa e frouxa.
Permite-se certas liberdades, que jamais se
conciliarão com a doutrina da Cruz, – medíocre é o seu
pudor.
Por vezes, o terno gemido do augusto, divino
Condenado repete-lhe a sofrer: Eu tenho sede, – e,
enquanto os centuriões batem no peito, e outras almas
voam para os braços da Cruz, como as avezinhas
espantadas pedem refúgio a árvores distantes, a alma
tíbia teme pouco o inferno, sua razão é sem força, a disciplina
não existe para ela, e desdenha o afeto imenso que a
procura.
Desce ainda mais o amor incompreendido e
desprezado.
Prepara-se o banquete divino; os anjos espiam
do céu o augusto momento; a natureza inteira
concorre pressurosa para lembrar ao homem os
mistérios da caridade; as flores enlanguescem à porta
dos Tabernáculos, felizes de deixarem ali o perfume

71
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

e as pétalas; em turíbulo de prata crepita o incenso


cujas espirais levam para Deus as preces de fervor;
o silêncio que acerca a Divindade, baixa e enche a
sombra do santuário; o ministro de Deus recolhe-
se ao pé do altar e murmura baixinho uma súplica
de perdão para as próprias e alheias misérias; soa a
campanha e Deus repousa nas mãos do sacerdote.
Mistério de fé, mistério de amor – Venite, ressoa uma
voz que vem da eternidade, venite, carissimi, manducate
panem, bibite vinum, inebriamini carissimi.65 Vinde, ó vós
que sois amados com excesso, vinde, comei, bebei,
inebriai-vos, caríssimos. E, enquanto lágrimas de
fervor rolam em silêncio sobre corações que vibram
às mais doces emoções do amor divino, a alma tíbia
assiste indiferente e ora sem fervor.
Que triste é o estado d’alma tíbia.
II. Não há nada, exclamou São Bernardo, não há
nada que tanto desagrade a Deus, principalmente nos filhos da
graça, como essa ingratidão.

65 Ct V, 1.

72
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Dir-se-á, porém, a tibieza não é um pecado


mortal. Sim, mas é, de certo modo, mais perigosa que
o pecado mortal, segundo um pensamento de São
João Crisóstomo.66
Este estado d’alma, em que se não descobrem
grandes faltas, onde não aparecem as desordens
notáveis, onde uma regularidade exterior de conduta
produz diante do próximo um conceito favorável
e diante da própria consciência uma certa escusa
com que se queda imóvel e estacionária na virtude,
é o maior mal porque é ingratidão, é desordem, é
desprezo da graça.
Tudo o que concorre para o incremento das
paixões e para a destruição das energias boas, tudo
está mais ou menos latente na alma tíbia.
Fortificam-se as paixões com o pábulo
contínuo de condescendências fatais e com a
aceitação insensata de conceitos estranhos a respeito
das mesmas paixões; aceitação, resultante da
familiaridade com que se acostumou a ver no mesmo

66 Homilia 88 in Mateum.

73
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

coração, paixões e virtudes. E esta condescendência,


pouco a pouco torna-se preconceito com o qual se
julgará, em breve, uma desnecessidade à virtude real,
uma suficiência o pouco que se faz, e tão mal feito,
chegando-se ao extremo de julgar bastante, salvar as
aparências.
Por outro lado, a tibieza realiza a inutilidade
do sangue redentor, tornando inúteis os melhores
meios de perseverança: a oração e os sacramentos.
De que servem, com efeito, as orações, distraídas e sem
fervor? E o Santíssimo Sacramento, que efeito produz
num coração indiferente às coisas santas, distraído e
tíbio?
Que ofensa não é a Deus a tibieza n’alma
cristã?
E que perigo!
III. O estado de tibieza é tal, escreveu Ighina, que é
impossível a uma alma fixar-se nele. É forçoso, necessariamente
baixar e cair desse estado.67

67 Cours de theologie.

74
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

A conversão de uma alma tíbia é, portanto, o


que mais dificilmente se pode esperar.
Os meios ordinários de que Deus se serve
para converter os pecadores são inúteis para as
almas tíbias. Estes meios ordinários e acomodado
à natureza humana são: um novo esclarecimento da
razão, uma nova alegria do coração e essa energia
nova que a graça desperta na vontade, auxiliando a
prática do dever.
Ora, tudo isso falta à alma tíbia.
Acostumada com o que a religião tem de mais
sublime, familiar com o Senhor – Homo unanimis,68
como dizia o Rei-profeta, as luzes do Evangelho
não têm para ela esse brilho estranho e novo que
aclara as grandezas da fé, os esplendores de Deus,
as magnificências do céu, ao tempo em que faz
ver também a vaidade da terra, as misérias da vida,
o horror do pecado. Como o viajor acostumado a
trilhar um caminho semeado de flores rodeado de
precipícios, nem atende à beleza daquelas, nem receia
a aproximação destes; a alma tíbia não medita, não
68 Sl LIV, 14.

75
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

pensa, não reflete. E no princípio de toda a conversão


se deve encontrar sempre essa advertência da razão:
In se reversus.69
Falta-lhe, em segundo lugar, a alegria do
coração, em face da virtude.
O coração que fez penitência; a alma que
chorou porque perdeu o Mestre70 e agora o Encontra,
sente a impulsioná-la para Jesus toda a veemência de
uma consolação inexprimível em humana linguagem.
É o grito amoroso de Madalena no silêncio do
sepulcro: Rabboni!71
Ao tíbio, porém, esse prazer não é dado.
Acostumado às tergiversações entre Deus e o
mundo, habituado a saborear as delícias do céu e as
imundícies da terra, afeito a confundir no mesmo
coração as alegrias da graça e os prazeres da vida, já
os não pode separar e distinguir. E acaba por perder
o gosto das coisas santas e divinas: Pro nihilo habuerunt
terram desiderabilem.72

69 Lc XV, 17.
70 Jo XX, 13.
71 Jo I, 16.
72 Sl CV, 24.

76
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Somente aos servos fiéis é permitido entrar na


alegria do Senhor.73
Sem estas consolações a conversão não é só
difícil, é impraticável sobre a terra.
Finalmente, se toda a virtude requer força
d’alma, energia de caráter, a conversão, que é o
princípio, o primeiro passo da virtude, mais ainda
o requer. Na tibieza, como o próprio termo está
indicando, é característico a negligência, a inércia,
a preguiça espiritual. Defecit spiritus meus. Deus pode
instigar o tíbio à conversão: ele suspira desejos,
murmura promessas, mas uma violência não fará
nunca. E sem violência não se alcança o reino do
céu,74 nem se pratica a virtude.
Por isso, conclui São Bernardo, vereis um número
maior de grandes pecadores se converter e se voltar para Deus
de que homens tíbios.
Pode-se esperar, diz São Gregório, que um coração
frio ame um dia a Deus; mas para o coração tíbio, decaído de
seu amor, não há mais esperança.

73 Mt XV, 21.
74 Mt XI, 12.

77
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Não há mais esperança?


Há sim; há ainda uma esperança. É o Sagrado
Coração de Jesus que disse: Eu mudarei almas tíbias em
fervorosas.
Ele nos garantiu que, ainda que estejamos neste
lamentável estado, encontraremos na devoção ao seu
divino Coração o esclarecimento da inteligência, a
alegria do arrependimento e a energia da vontade,
capazes de nos levarem novamente à prática do bem
e da verdade.

78
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Oitava Promessa
As almas fervorosas elevar-se-ão
rapidamente a grande perfeição.

No afã de reparar sempre mais a nossa fraqueza,


cumprindo assim o dever que se impôs, quando pela
Encarnação se fez nosso irmão e Salvador, Jesus vem
agora prometer-nos que aqueles que se dedicarem
deveras ao seu Coração elevar-se-ão subitamente a uma
alta perfeição.
Não é difícil saber em que é que o mundo, na
diversidade de suas teorias, faz consistir a perfeição
do homem.
Para Jesus, porém, e portanto também para
nós, a perfeição do homem: Diliges.75
Sem dúvida, escreveu Lacordaire, a alegria que
produz o conhecimento da verdade é grande: “há no
olhar que penetra os seus esplendores um enlevo que

75 Mt XIX, 17.

79
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

se aproxima do êxtase; mas se o êxtase vem, se as


lágrimas de felicidade correm, ficai certos de que não
somente a inteligência foi atingida; a visão penetrou
mais fundo, o homem recebeu o golpe supremo, o
golpe de amor que termina tudo em si, como em
Deus.” Por isso concluiu: “Se fosse preciso adorar na
terra um pó qualquer, adoraria antes o pó do coração
que o pó do gênio.”
São Paulo sentenciou também: a perfeição
consiste no amor. Plenitude legis dilectio.76
I. A perfeição de um ser qualquer consiste
no desenvolvimento completo de suas aptidões e
propriedades, de sorte a torná-lo capaz de atingir o
fim para que fora criado. Ora, o fim do homem é a
felicidade eterna; portanto desenvolver, incrementar,
predispor tudo que nele existe tendente à posse
daquele fim é torná-lo perfeito. Esse tudo se reduz a
amar: diliges. Mas assim como há três céus, segundo
a afirmativa de São Paulo, há de haver também três
amores, três perfeições diversas, ou três caminhos

76 Rm XIII, 10.

80
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

para os céus; um bom, outro melhor e um terceiro


mais excelente.77 Ao primeiro céu se vai pelo caminho
que é o amor-obetiência aos mandamentos de Deus:
si vis ad vitam ingredi serva mandata. Ao segundo, se
chega pelo caminho que é o amor-renúncia das coisas
terrenas: si vis perfectus esses, vade, vende quod habes, da
pauperibus, et veni sequere me; o terceiro se alcança pelo
amor-abnegação de si mesmo: qui vult venire post me,
abneget semetipsum, tollat crucem suam et sequatur me.
Este último caminho é o que leva àquela
mais alta perfeição, a que ascende o que se dedica
deveras ao diviníssimo Coração de Jesus. Grande é,
sem dúvida, a perfeição daquele que obedece; maior
daquele que renunciando a tudo se conforma com
a vontade divina; mas, certamente, mais perfeita a
daquele que, negando-se a si mesmo, abandona-se
inteiramente à santíssima vontade do Senhor.
Com efeito, a abnegação é o abandono total
do coração ao beneplácito divino. É esquecer-se
inteiramente de si para fazer somente a vontade de

77 Co XII, 31.

81
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Deus. Não é a abnegação somente a renuncia do que


se possui, é, ademais disso, a renuncia do que se é.
A razão, a vontade, o sentimento, tudo se deixa ao
beneplácito divino. Que perfeição nesta perfeição!
O sentimento, esse complexo de todos os afetos, e
todos os desejos, de todos os temores e alegrias, de
todas as emoções e anseios faz parte do holocausto
que oferecem a Deus os que se negam a si mesmo.
Abnegar-se é não procurar consolações, nem mesmo
aquelas que, desde agora, são prêmios das virtudes;
é não escolher, não preferir caminhos para servir a
Deus. É realmente o cúmulo da perfeição.
É assim que o divino Coração de Jesus nos
ensina que a grande perfeição não consiste em muitas
práticas de piedade; nem na abundância de suspiros
e lágrimas, êxtases ou consolações profundas; nem
austeridades, mortificações e penitências, senão
somente em abandonar-se às determinações de Deus.
Se alguém, não desiludido desse comum engano, se
entristece e desanima, o divino Coração de Jesus
condú-lo à tenda do Artífice nazareno, e ali faz ver

82
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

na obscuridade da mais humilde oficina e no deslizar


ignoto de uma visa simples de operário pobre, a
mais extraordinária perfeição de virtude e santidade.
E passando de palácios e choupanas, de cortes
faustosas às vias públicas onde mendiga a indigência,
faz ver a perfeição em São Crispim, o sapateiro, em
Santo Isidoro, o agricultor, em Santa Genoveva,
a pastora, em São Luiz, o rei, em Santa Mônica, a
viúva, em Santa Inês, a menina, em Santo Aleixo, o
mendigo, em São Sérvulo, o paralítico de nascença,
em São Sebastião, o soldado, e numa infinidade de
outros cuja apresentação seria aqui desnecessária
e enfadonha. Seja, porém, permitido acrescentar o
assombro da perfeição humana na vida tão simples e
tão ignorada da Virgem Maria, esposa do carpinteiro
e mãe de Jesus Cristo.

Misteriosa revelação do Coração de Jesus.


A grande perfeição ao alcance de todos. Bendita
devoção do Coração de Jesus.

83
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

II. A esta abnegação, que parece conter em


si mesma todos os sacrifícios e todas as provações,
quis Nosso Senhor ajuntar o amor generoso que
toma resolutamente a cruz das mortificações, dos
sofrimentos, das dores – companheiras inseparáveis
do exílio – como complemento da mais alta perfeição
cristã. Não é realmente o sofrimento a prova melhor
do maior amor? Não o disse Jesus? Maiorem caritatem
nemo habet ut animam suam ponat quis pro amicis suis.78
A muitos parecerá ainda estranha essa prova de
amor, e essa promessa de perfeição pelo sofrimento.
Tollat crucem – tome a cruz! Entretanto, como não
admitir estas dores como dádivas preciosas do céu
aos peregrinos da terra, como não reconhecê-las
provas de amor dos viandantes deste mundo ao
Deus onipotente e eterno! A dor, primeira mente,
purifica; e não só Deus demonstra amor, dando estes
meios de purificação, como o que sofre, com a sua
mesma dor, demonstra quão grande, quão santo,
quão sincero é o amor que tem a Deus. A dor é, da

78 Jo XV, 13.

84
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

parte de Deus, a misericórdia que oferece o remédio;


no que sofre, é a justiça que vinga direitos divinos
violados. Não nos parecerão estranhos esses modos
de amar, quando verificamos que a ofensa a Deus
consiste em O tratarmos com rigor, para tratar as
criaturas com carinho; a reparação desta ofensa feita
a Deus deve consistir justamente no contrário – tratar
a criatura com rigor, para tratar a Deus com carinho.
Fazer sofrer, por justiça, aquele que ofendeu a Deus
é reparar o mal cometido, a ofensa feita contra Ele.
Além disso, reparar o mal que foi feito é dar à alma que
o fez uma nova fisionomia, uma informação nova de
perfeição e santidade. E mais ainda, esta informação
nova de virtude garante, defende, assegura novas
resistências, novas forças, novas capacidades para a
perfeição futura.
Mas dizer-se, pensar-se que é promessa de
amor distribuir cruzes e sofrimentos? Não, não é
oferta de cruzes, é promessa de graças para levar a
própria cruz. Não foi a sua cruz que Nosso Senhor
prometeu, ou pediu eu carregassem os seus devotos,

85
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

mas foi a cruz própria de cada um: crucem suam.


Queiram ou não queiram, tenham ou não amor às suas
cruzes, todos carregarão necessariamente a própria
cruz. Crucem suam. Foi dar-lhes a graça de carregarem
as próprias cruzes com amor e merecimento o que
Ele lhes prometeu.
Divina promessa; não só de uma coroa, mas
de uma coroa merecida, conquistada.
III. E mais adiante ainda vai, e pressurosa,
a misericórdia daquele amante Divino Coração:
Sequatur me. A alta perfeição consiste ainda em
acompanhar Jesus. Acompanhamento que é não
somente segurança de caminho e acerto do destino,
mas ainda: conforto, alívio, suavidade no santo
peregrinar para o céu. Esse acompanhar Jesus é
estar a Ele estreitamente unido, é aligeirar, suavizar,
desfazer por completo as próprias penas do carregar
da Cruz. Grande, extraordinária promessa!
O requinte, porém, de tão grande e extraordinária
promessa parece estar naquele rapidamente com que
as almas devotas de seu Coração se hão de erguer

86
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

à mais alta perfeição. Rapidamente, sim, porque aa


abnegação – precípua lição do Coração de Jesus – é a
redução de toda a lei a uma única lei, a simplificação
mais resumida e mais completa de todas as práticas
da vida espiritual; o sofrimento é a valorização mais
alta do amor; e a união com Jesus Cristo a suavidade,
a doçura e a delícia no levar consigo o jugo suave do
Senhor. Jugum enim meum suave est.79

79 Mt XI, 30.

87
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Nona Promessa
Abençoarei as casas onde estiver
exposta e venerada a imagem do meu

Coração.

Entre as magníficas e admiráveis promessas


que meditamos uma há que, ao mesmo tempo uma
queixa, que a ternura disfarça em súplica, e uma
mágoa, que Jesus revela indiretamente, dir-se-ia, com
receio de magoar-nos.
Os veneráveis e antigos costumes que piedosa
tradição guardava religiosamente, a pouco e pouco se
foram alterando, diminuindo os vestígios da fé e as
consoladoras lembranças da crença dos antepassados.
Naqueles tempos o lar cristão era assinalado
como as tendas dos hebreus e bastava penetrar-
se nesses recintos de amor para respirar-se o ar
embalsamado das virtudes cristãs e sentir-se de
perto o palpitar intenso de uma fé robusta e forte.

88
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

A família, então, não corava de Jesus Crucificado e a


imagem d’Ele era colocada no lugar mais nobre do
lar doméstico.
Um jansenismo disfarçado, ou um resto de
fé enfraquecida pelos preconceitos sociais, derreou
Jesus Cristo desse lugar de honra, para ali colocar a
imodéstia e o despudor, por vezes, somente velados
pelo “delgado sendal da arte contemporânea.”
Foi sentindo-se dessas preferências que o
Amigo abandonado prometeu conceder às famílias
que lhe reservassem um lugar de honra em suas
habitações as mais singulares bênçãos: Abençoarei
as casas onde estiver a imagem do meu Coração exposta e
venerada.
Bênção de reparação, de santificação e de
preservação do lar.
I. É irrisório contestar que a imprudência que
preside nestes tempos à formação dos matrimônios
cristãos tem transformado o lar doméstico, que já
por si “é um abismo de cuidados”,80 em um estado de
perturbação constante e intermináveis discórdias.
80 São Basílio.

89
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

As mais puras lágrimas de Santo amor não


correspondido deslizam silenciosas e ignoradas no
recôndito de muitos lares, onde um resto de fé, ou de
egoísmo, as esconde aos olhos profanos, formando
a imensa maioria “cuja ventura única consiste em
parecer aos outros venturosa.”
Gemidos que veem de longe, porque sobem
das profundezas de um coração abandonado, e que
dificilmente se disfarçam num sorriso, desdenha toda
outra felicidade da terra, não somente confiados,
em segredo, ao Deus “que alegrava a mocidade” e
que melhor do que nunca se reconhece o Deus dos
abandonados, dos tristes, dos que sofrem. É então
a hora do horto; a alma ajoelha e reconhece que é
preciso voltar-se para Aquele que fez do verdadeiro
amor a plenitude da lei.81 Em derredor de si somente
espinhos vê e, o que é mais doloroso ainda, espinhos
que ontem lhe pareciam flores de sua grinalda rica e
imarcescível.

81 Rm XIII, 10.

90
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

O desamor dos esposos, a deserção do


lar, a imprevidência do futuro, o tédio recíproco
dos cônjuges, a desarmonia relutante – diz-se “da
diferença dos humores” – a insubordinação dos
filhos, tudo grita uma reparação, tudo pede um
remédio.
– O divórcio! Exclamam as paixões indomáveis,
o divórcio!
Sobre isto nem uma palavra. Mas, quando se
apontam em um só ano cem mil pessoas divorciadas
em um só país, cavando assim a ruína de quinhentas
mil famílias; quando se escuta na tribuna francesa,
ao discutir-se ali o projeto maldito, o brado atrevido,
mas lógico – Vós introduzis em França o mercado da
carne humana82 e, há bem pouco, no parlamento
nacional, entre os inúmeros protestos da razão, da
moral, da honra e do pudor, a afirmativa categórica
e, em síntese criteriosa e justa – o divórcio é contra nossa
tradição jurídica, e contraproducente,83 já não se tem mais
direito de pedir ao divórcio remédio para essa “chaga
desesperada”!

82 Delville.
83 N. Campelo.

91
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

O casamento, disse um autor contemporâneo,


é uma viagem longa: é impossível ao navio
desembarcar os passageiros que sofrem do enjoo do
mar.84
De outra parte, devemos esperar o remédio
que seja reparação desse mal.
É Jesus que se vem novamente apresentar
aos homens, trazendo-lhes o alívio suspirado: Eu
abençoarei as famílias onde estiver exposta e venerada a
imagem do meu Coração. É Ele, e não outro.

Esposos, que sofrei a triste deserção daqueles


por quem deixastes o próprio amor paterno; almas
piedosas que chorais sem consolação o desamor de
que sois vítima indefesas; mães piedosas que banhais
de amargo e insondável pranto, que leva a sepultura a
veste manchada de vossos filhos, que tão bela e tão rica
a preparastes, entronizai em vossos lares o Divino
Coração de Jesus, e d’Ele recebereis a benção, que é
a conversão do amigo extraviado, a volta do pródigo

84 H. Bolo.

92
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

arrependido, a reparação completa dessas grandes


desordens domésticas.
Entronizai em vosso lar o Divino Coração de
Jesus!
II. Sabemos perfeitamente que toda a beleza
da religião está no espírito, no coração que ama e se
dedica.
Há, porém, um farisaísmo insensato que ri
da simplicidade dessa entronização do Coração de
Jesus.
Entretanto, essa manifestação externa traz
consigo a promessa da santificação da família.
Aquela imagem colocada ali, nas vossas salas
de visitas, ou nas “varandas” de vossas habitações
sertanejas, será o despertador de vossa piedade e um
incentivo a mais para a prática do bem.
À luz desse divino olhar, não serão mais puras
as vossas intenções, mais modestos os vossos olhos,
mais prudentes as vossas palavras, mais perfeitas as
vossas ações?

93
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Diante desse quadro, os vossos filhinhos


aprenderão bem cedo a lição sublime do amor de
Deus, e os seus labiozinhos inocentes se tornarão
mais puros, acostumando-se a pronunciar Jesus.
Tomando-os pela mão, levá-los-eis ao Coração
Divino e sagrareis a vossa autoridade, ensinando-lhes
a amar e obedecer Àquele que disse ao filho: Honra
teu pai e tua mãe.85
Ali os homens aprenderão a pureza imaculada,
o pudor sublime, a dedicação generosa e constante, a
amizade inquebrantável e firme.
Essa imagem será amanhã o memorial augusto
das vossas mais tocantes tradições de família.
Ela terá presidido às melhores alegrias íntimas;
assistindo, talvez, aos juramentos do primeiro amor
que deu origem nobre e pura a toda uma geração;
presidirá aos risos alegres e às alegrias franças que
experimentastes, quando pela primeira vez beijáveis a
fronte de vossos filhinhos recém-batizados; e, quem
sabe, desprendida da parede, desembaraçada dos

85 Mt XIX, 19.

94
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

enfeites que a vossa piedade lhe ofertara, e colocada


entre os círios à vossa cabeceira, recolherá, para
transmitir aos vossos filhos a lembrança de vossas
últimas palavras e o testemunho de vossas esperanças
cheias de imortalidade.
Mais ainda. Acrescentai ao benefício natural
de um “modelo colocado ante vossos olhos”,86 a garantia de
uma promessa esplêndida: Eu abençoarei. Esta bênção
de Jesus é a santificação do lar.
III. Alguma coisa falta ainda: é que essa bênção
seja duradoira; é que Jesus, para completar essa
promessa, preserve a família dos males que possam
toldar o céu do seu futuro.
No dia em que se constitui uma família, como
aquele em que ela se completa pelo nascimento de
um filho, em meio de radiosa alegria que a fé exalça
com a presença de Deus, há sempre uma incerteza
que lhe empana o brilho esplêndido.
É a dúvida do futuro! É a incerteza do porvir!
Por que não havemos de acreditar que, nestes

86 Ex XXV, 40.

95
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

tempos em que um anjo de extermínio vagueia


sobre a terra, há de ele poupar, por ordem e vontade
de Deus, as casas em que se acharem expostas e
veneradas as imagens do Coração de Jesus?
Ele assim o quis, assim o determinou.
Além disso, esta entronização que Jesus pede é
a manifestação daquela outra que lhe é indispensável.
Antes de ter um trono em cada lar, Ele quer ter um
em cada coração.
Reine Jesus no coração dos esposos, e nada
poderá abalar o amor conjugal.
Tenha Jesus um trono em cada lar, e esse
lar tornar-se-á inexpugnável ao inimigo comum da
salvação.
E os filhos? Quando são pequeninos, diz um
provérbio russo, pisam-nos os pés; quando crescem, pisam-
nos o coração.
Sim. Porém, quando a criança aprender
no exemplo de seus pais o amor de Deus, quando
estas lições do exemplo lhe esculpirem n’alma
impressionável a certeza de que o amor a Jesus e a

96
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

prática da virtude são inseparáveis; quando crescer


nessa piedosa atmosfera de uma religião perfeita e
prática, o seu futuro será a continuação do presente:
a prática das virtudes, o cumprimento do dever. E se
ainda assim vier o filho a pisar o coração dos pais,
não será para espezinhá-lo, mas para fazer dele o
escabelo de onde mais facilmente possa ver e adorar
Jesus: o soldado que dá a vida pela pátria; o padre que
consagra a vida ao serviço de Deus.
Eis porquê; obedecendo aos desejos do
Salvador, indo ao encontro da vontade do imortal
Pontífice Pio X, de santa memória, acompanhando
o nobre gesto do Eminentíssimo Cardeal Brasileiro,
fazendo coro com as vozes mais autorizadas
do episcopado e secundando os esforços do
“Secretariado geral da Obra de Entronização do
Coração de Jesus no lar” nós vos pedimos, nós vos
encarecemos a Entronização de Jesus em vossas
famílias.
Alegramo-nos com as notícias que já
começamos a receber de entronização em várias

97
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

paróquias de nossa diocese; queremos, porém, que


essa obra se propague cada vez mais.
Para esse fim, estabelecemos nesta nossa
cidade Episcopal um secretariado, que, sob a nossa
direção, se comporá dos secretários que adiante
nomeamos e com o qual se corresponderá cada um
dos secretariados paroquiais.

98
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Décima promessa
Darei aos sacerdotes o dom
de abrandar os corações mais

endurecidos.

Para nós, veneráveis irmãos no sacerdócio, para


nós, ministros de Deus altíssimo, uma consoladora
promessa foi também preconizada por Jesus: Darei aos
sacerdotes o dom de abrandarem os corações mais endurecidos.
É impossível desconhecer a resistência que o
mundo, “todo posto no espírito do mal”, oferece aos
ministros de Deus, aos apóstolos do Evangelho; o
inimigo do homem não dorme e a cizânia desponta,
onde a boa semente é tão laboriosamente semeada.
Aprouve ao divino Coração revelar o segredo de uma
força nova, irresistível e sempre vitoriosa contra o
endurecimento dos corações: a devoção do sacerdote
ao seu Coração amantíssimo.

99
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Confiados nessa promessa condicional, somos


forçados a concluir que a devoção ao Coração de
Jesus é, para o sacerdote, um imperioso dever, uma
vantagem extraordinária e, finalmente, uma honra
insigne.
I. Caríssimos cooperadores, as almas precisam
de nós, as almas esperam por nós, e, tanto mais
precisam e esperam, quanto mais impossibilitadas de
se aproximarem de Deus.
“Coisa desapropriada por utilidade pública”,
como já foi dito, o sacerdote católico não se pertence
mais, rigorosamente falando, ou segundo ensinou
o Apóstolo, a sábios e ignorantes são todos devedores.87
Como, porém, saldaremos esse débito se os nossos
credores recusam recebê-lo? Como cumprir o
dever sacerdotal de fazer bem às almas, se estas
fogem de nós, recusam ouvir-nos e desprezam o
nosso ministério? Como comunicar a graça a quem
obstinadamente resiste e irrita-se contra ela, por lhe
ser incômoda ao sossego do mal a que se habituou?

87 Rm I, 14.

100
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Três são, com efeito, as condições de um coração


empedernido, segundo Santo Agostinho: cegueira
espiritual que não quer ver; surdez religiosa que fecha
os ouvidos à palavra de Deus, e o engolfamento de
viver no hábito do pecado. Situação desesperadora,
porque sem recursos para abandoná-la, sem meios
para desfazê-la, Non exorret quia non sentit.88 Para tanta
miséria vem o Coração de Jesus em nosso auxílio:
Darei o dom... de converter os corações empedernidos.
Deus deu a todo evangelizador uma palavra
viva e eficaz, apta a produzir o bem a que foi
destinada. Embora seja isso verdade, nem a todos
os evangelizadores foi dada a mesma força, a mesma
eficácia, a mesma graça. Deus pode preferir sacerdotes
para a conversão de tais e tais pecadores, e realmente
o tem feito. Ananias foi o preferido para instruir a
Saulo, Santo Agostinho teve em Santo Ambrósio o
seu preceptor, o operador de sua conversão.
Assim é que, agora, o Coração de Jesus acertou
de preferir os sacerdotes devotos de seu Coração

88 Lib. De Consideratione. São Bernardo.

101
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

para o ministério da conversão dos pecadores


empedernidos. Poderemos deixar de reconhecer e
proclamar que a devoção ao Coração de Jesus é, para
o sacerdote zeloso do bem das almas, um verdadeiro
e imperiosos dever?
II. Se é certo que o cumprimento exato dos
nossos deveres de estado é o que pode haver de mais
tranquilizador para as agonias secretas da consciência,
é igualmente fora de dúvida que a certeza do bom
resultado de nosso ministério é extremamente
vantajosa, não só como demonstrativo do bem que
havemos feito, mas ainda como estímulo a novos
sacrifícios, novos empreendimentos, novas canseiras
no exercício do mesmo ministério.
Quantas vezes teremos lastimado a carência
de dotes adequados para o bom êxito de nossas
empresas de salvação das almas? Quantas vezes esse
mesmo estado de espírito não terá arrefecido o zelo,
amortecido o ardor com que vínhamos exercendo o
nosso ministério?! Entretanto aí temos, na palavra das
revelações a Margarida Maria, a explicação de nossas
tristezas, e o segredo de nossas futuras vitórias.

102
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Não é o talento mais ou menos brilhante; não é


a indústria mais ou menos engenhosa, nem qualquer
destes outros recursos meramente humanos o que
comunica ao nosso ministério a eficácia invencível
de um apostolado realizador. Esse dom admirável
de que os santos sacerdotes possuem o segredo
é originário da íntima união com o sacerdote dos
sacerdotes, Nosso Senhor Jesus Cristo. É para isso
que Ele chama a nossa atenção, inculcando a devoção
e o amor a seu amantíssimo Coração como fonte de
onde defluirá para os sacerdotes o dom de tocar e
converter os corações mais empedernidos.
Oh! Vós, piedosos sacerdotes, que considerais
com tristeza a esterilidade de vosso ministério, vós,
que tantas vezes não compreendeis como a palavra de
Deus tão fecunda nos lábios de vossos colegas é tão
sem calor e sem vida no vosso apostolado, aprendei
nessa consoladora promessa a causa do mau êxito,
se propriamente existe, e disponde-vos a procurar o
remédio eficaz e seguro ao vosso futuro ministério.

103
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Não, não se fale mais em sacrifícios inúteis!


Poderemos acaso deixar de confessar, com São
Pedro, que por vezes trabalhamos toda a noite sem o
mínimo resultado: Tota nocte laborantes nihil coepimus?
Sim, caros cooperadores, há infelizmente
sacrifícios inúteis. Como? Quais?
Sacrifícios inúteis, quantos feitos para vistos e
louvados dos homens.
Sacrifícios inúteis, quantos praticados sem
amor, sem dedicação, sem entusiasmos.
Sacrifícios inúteis, todos quantos se fazem
sem a companhia e o auxílio de Jesus.
Com Jesus, porém, com as graças prometidas
pelo seu Divino Coração, não pode haver sacrifícios
inúteis.
Consequentemente não podem haver melhores
vantagens para o salvador de almas do que a devoção
ao Coração de Jesus que garante e firma a certeza
do melhor êxito de nosso ministério: a conversão de
pecadores.

104
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

III. Não há maior glória para o sacerdote do que


mostrar-se diante de Deus e dos homens verdadeiro
sacerdote, cópia fiel de Jesus Cristo, ministro fiel e
dispensador de suas graças inefáveis. Nesta devoção
sacerdotal ao Coração de Jesus, já porque o dever está
cumprido, já porque as almas louvam agradecidas ao
Senhor, grande é a honra e a glória do padre devoto
do divino Coração.
São Paulo confessava que sua alegria e
sua coroa, sua satisfação e sua glória consistia na
operosidade admirável de seu apostolado.89 Que
glória para o sacerdote devoto do divino Coração
quando reunir nas mãos trêmulas de velhice e cansaço
do seu apostolado as lágrimas que fez derramar
corações contritos, os sorrisos que se abriram aos
esplendores de uma ressurreição espiritual, depois da
noite trevosa e longa do afastamento de Deus! Que
glória poder unir à história de sua vida a história de
tantas almas que lhe devem a graça e a salvação! Que
glória saber repetido seu nome como instrumento

89 Fl IV, 1.

105
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

das misericórdias do céu, em tantos cânticos de ação


de graças que hão de reboar no céu eternamente.
Referindo palavras para revelação feita a
Santa Margarida Maria, escreveu o P. Chaignon: O
meu Salvador deu a entender que aqueles que se empregassem
na salvação das almas são capazes de comover e converter os
maiores pecadores, se eles estiverem penetrados de uma terna
devoção ao seu divino Coração. “Bom padre, continua
o jesuíta, bom padre, que quereis mais? Desejais,
salvando-vos, salvar almas e muitas almas? Quereis
abalar as consciências mais arraigadas do mal? Vós
conheceis o meio de conseguir; o mesmo Jesus
dignou-se de ensinar-vo-lo.”
Eis porque, caros cooperadores, ainda uma vez
instamos convosco:> sede fervorosamente devotos
do sagrado Coração de Jesus e vereis florir vossas
paróquias, na mais delicada e verdadeira piedade,
testemunho inesquecível do dever cumprido, do
proveito do vosso paroquiato, e da glória que desde
agora vos coroa a fronte e será o penhor da eterna
glória.

106
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Décima Primeira Promessa


As pessoas que propagarem essa
devoção terão os seus nomes

escritos no meu coração e dele

jamais serão riscados.

Amados irmãos e filhos diletíssimos; todo


e qualquer apostolado empreendido por amor de
Jesus Cristo traz naturalmente consigo o direito
estreitíssimo de uma grande e infinita recompensa,
que São Paulo chamou coroa de justiça. Assim o
compreenderam os apóstolos que, apenas preparados
para essa apostolado, indagam com interesse
incontido pelo prêmio que haviam de receber: quid
ergo erit nobis. Qual será a nossa recompensa?
Um dia, diz um piedoso autor, à sombra
opaca das oliveiras, os apóstolos se reúnem, vindos
de Jerusalém, semblante desfigurado pelo cansaço,
pés fatigados no caminho, sandálias cobertas de pó;

107
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

tudo denota o trabalho sobre-humano desta primeira


missão em que, por ordem de Jesus, eles tinham
anunciado o advento do reino de Deus e haviam
semeado a cada passo o milagre. Apesar de tudo, eles
se julgavam felizes com o trabalho feito. Estavam
radiante, principalmente por causa dos prodígios
realizados. E Jesus, acolhendo-os com um sorriso,
lhes disse: Eu vos dei o poder de caminhardes sobre
serpentes, de calcardes escorpiões e vencerdes o
poder de Satã. Entretanto, não vos alegreis porque
os espíritos sejam submissos, mas alegrai-vos porque os
vossos nomes serão escritos no céu.
“A dezesseis séculos de distância, Jesus faz
de novo uma promessa idêntica”: As pessoas que
propagarem essa devoção terão os seus nomes escritos no meu
Coração e dele jamais serão riscados.
Deixemos de parte as inúmeras modalidades
do apostolado em favor da devoção ao Coração de
Jesus, e procuremos resumi-las, apresentando aqui os
dois meios de apostolado que, aliás, resumem todos
os outros: a ação e a palavra.

108
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

I. Entre nós, graças à divina bondade, e ao


zelo dos nossos predecessores, há pelo menos uma
obra diretamente apostólica estabelecida em cada
paróquia da diocese cujo fim é glorificar o divino
Coração e propagar entre o povo o seu divino
amor: O Apostolado da Oração. Para merecermos,
pois, a inscrição dos nossos nomes no Coração de
Jesus, basta inscrevermo-nos neste Apostolado,
compreendermos-lhe o espírito e cumprir com
cuidado e amor suas prescrições admiráveis; pertencer
deveras ao Apostolado da Oração. Isto só constituirá
uma propaganda feliz e suave, e conseguintemente o
direito à promessa que meditamos.
Com efeito, entrai numa Igreja cujo pároco
compreende e dirige com zelo seu “Apostolado.” Os
vossos olhares serão atraídos para um altar que a par
do asseio e ordem dos outros altares, brilha com suave
encanto e piedosa distinção. É o altar do Coração deste
Jesus que, na ternura imensa de seu afeto, oferece
ainda aos pecadores o seu próprio Coração divino
e pede agora amor e o reclama assim docemente às
almas, sobre as quais tem direitos incontestes, e as

109
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

quais quer ardentemente salvar. Todos os anos faz-


se com brilho religioso e muita devoção a festa do
Coração de Jesus, e é aos pés desse altar que o pároco
oferece, cada ano, a Nosso Senhor, o seu rebanho,
que reúne, em solene e impressionante assembleia
para a consagração renovadora das promessas de seu
amor e dedicação ao Coração divino.
O mês de Junho nessa paróquia está
impregnado do nome de Jesus, como o de Maio o é
do nome de Maria. As primeiras sextas-feiras, com
sua Missa acompanhada a piedosos cantos, e com
a adoração prolongada do Santíssimo Sacramento,
em silêncio religioso e profundo, formam deligada
festa que fala às almas, chamando-as para o Coração
de Jesus. E como a melhor de todas as obras é o
exemplo, ali está aos pés do Santíssimo Sacramento
o bom pároco, que não somente promove adoração,
mas toma parte dela, ensinando como se ama e se
adora Jesus Cristo. As sessões do Apostolado são
feitas sempre sob sua presidência e com este estudo
e cuidado que inculcam o amor e despertam geral
interesse.

110
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Não é isto propagar a devoção do Coração de


Jesus!
Não penseis, porém, amados filhos, que
somente aos sacerdotes é dada a incumbência dessa
propaganda.
Zeladores ou simples associados, vós podeis
também desenvolver ação admirável na propagação
do amor ao Coração de Jesus.
Talvez mesmo, poderemos dizer, há uma
parte especialíssima nessa propaganda, a vós quase
exclusivamente confiada. É que vós outros, já pelos
vossos deveres de estado, já pela posição que ocupais
na sociedade, podeis levar o nome de Jesus a esses
lugares, onde não pode ir todo o cuidado imediato
dos sacerdotes.
Há, infelizmente, pecadores que fogem à voz
do Pastor e se colocam em lugares inacessíveis aos
seus esforços, onde somente vós podeis penetrar sem
escândalo, a fim de oferecer-lhes o auxílio oportuno
para o triunfo da graça.

111
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Quem quer que sejais, pois, vós tendes em


vossas mãos esse tesouro extraordinário de graças
com que podeis adquirir o direito a um amor
particular do Divino Coração.
II. A este apostolado da ação juntai o da palavra.
Ninguém tem o direito de se escusar pelo receio de não
ser ouvido, porque se são necessários outros recursos
para convencer, é bastante o verdadeiro amor para
morrer e arrebatar. Pectus facit disertus. Preguem pois
os sacerdotes, oportuna e importunamente, sobre a
devoção do Coração de Jesus, falem os amigos aos
seus amigos, os superiores a seus subalternos, com
respeito e ordem que a prudência exige e ter-se-á
feito a propagação pela palavra. Conforme as nossas
recomendações, muitas vezes reiteradas, procurai
assinar e fazer ler o “Mensageiro do Coração de
Jesus”, e continuareis essa propaganda a que Jesus
tem reservado suas melhores bênçãos.
Correm para a sociedade tempos
perigosíssimos. Os corifeus de quaisquer doutrinas
não se poupam sacrifícios para fazer ouvir nas

112
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

praças públicas, nas reuniões internas, nas casas de


diversões e por toda parte, nas colunas da imprensa,
o verbo inflamado de um zelo incansável; seremos
nós somente a silenciar sobre a grandeza desse amor
cuja ternura temos de sobra experimentado?
Não! Propaguemos a devoção ao Coração
de Jesus, ou, o que vale o mesmo, propaguemos o
“Apostolado da Oração.” Propaguemos pela palavra
falada, convidando parentes, amigos e conhecidos
a fazerem parte do Apostolado; dizendo-lhe as
maravilhas do amor poderoso de Jesus na reforma dos
costumes particulares e públicos, de que cada um de
nós é testemunha insuspeita e convencida; narrando-
lhes essas magníficas promessas, admiráveis pela
sua extensão e seguríssimas pela sua origem. Seja
a nossa conversação religiosa e edificante onde se
nomeie sem corar os prodígios do Coração divino.
Que! Há de a impiedade gritar alto e livremente; há
de a imoralidade blasonar em público, dos estragos
e destruições que faz, até mesmo, oh! Suprema
angústia! Entre as crianças que deviam guardar o

113
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

riso da inocência; há de a ociosidade fazer ouvir, sem


temer, suas vozes e inúteis conversas e, nós, somente
nós, deveríamos silenciar e emudecer? Não, pelo
Coração de Jesus, não seja assim.
Propaguemos a devoção ao Coração de
Jesus, espalhando as boas leituras, principalmente
“O Mensageiro”, órgão oficial do Apostolado. A
inundação das más leituras sobe apressada, ameaçando
tudo destruir. Impossível já cortar-lhe o passo,
mas fazendo propaganda de boas leituras teremos
dificultado a ação da má imprensa, entravando deste
modo a propagação nefasta.
Propaguemos a devoção do Coração de Jesus
pela entronização de sua veneranda imagem em
nossos lares, pela participação de suas festas, pelo
exemplo de uma devoção sincera, ativa e prudente, e
os nossos nomes serão escritos no Coração de Jesus.

114
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Décima Segunda Promessa


Concederei, no excesso de
misericórdia do meu amor poderoso,

a graça da perseverança final aos

que comungarem nas primeiras

sextas-feiras, em nove meses

seguidos.

Esta é, por antonomásia, a grande promessa do


Coração de Jesus. Promessa que tem desafiado bem
sérias locubrações teológicas. O dom da perseverança
final que ela encerra é considerado pela Igreja o
maior dom de Deus, e Jesus, para concedê-lo, recorre
ao excesso de misericórdia do seu amor poderoso. Devemos,
pois, omitir raciocínios e adorar reconhecidos a
infinita misericórdia de Deus, já considerando o dom
inefável da perseverança, já admirando a condição
imposta para merecê-lo.

115
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

I. Se alguma coisa existe capaz de entristecer


e desalentar o cristão nas suas lutas e combates
é a incerteza de perseverança. A existência cristã
se passa no rigor das pelejas, sem que se lhe possa
categoricamente garantir a coroa da vitória.
Aquele mesmo que traz consigo os estigmas do
combate nem mesmo assim pode confiar cegamente
na coroa do triunfo.90
Quantas vezes, com efeito, as coroas da glória
imortal dependem de um momento!91
Vede aquele homem que passa precipite,
esgueirando-se às sombras das árvores, fugindo à luz
que o inquieta, temendo as sombras que o espantam,
olhar incerto, passo indeciso, alma tímida e medrosa...
Ontem a multidão o seguia, ouvindo-o com
respeito e com respeito beijando-lhe as fimbrias do
vestido... Sua mão armada do poder do céu abria
de par em par as portas da bem-aventurança, e os
milagres confirmavam sua pregação bendita.92 Três

90 Rm IX, 30.
91 São Bernardo.
92 Mc VI, 13.

116
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

anos faz que renunciou tudo para partilhar a santa


familiaridade do Filho de Deus, que o chamara,93 e
de cujas mãos recebera a investidura divina do santo
apostolado.94
Hoje tem medo de tudo; foge à luz do céu, ao
olhar dos homens, no canto das aves. Sua alma tem
estremecimentos de horror à mais simples lembrança
de um nome: Jesus. A vida pesa-lhe nos ombros e ele
procura no seio da morte o repouso final. Os galhos
de uma figueira curvam-se ao peso maldito daqueles
despojos de suicida. O céu e a terra fulminaram-lhe
maldições. Começou apóstolo, terminou traidor... E
dizer-se que um dia amara a Jesus, até a renuncia de si
mesmo ao sacrifício voluntário de quanto possuía.95 E
pensar-se que sentira as doces emoções de uma alma
que se reconhece objeto da mais delicada confiança
do Mestre!96 E recordar-se que lhe pulsara no peito
um coração arrebatado em transportes de zelo.97 E
lembrar que aquelas mãos foram puras e dignas de
93 Santo Tomás in Mat. IV, 14, 22.
94 At I, 17.
95 Mt XIX, 27.
96 Jo XV, 15.
97 Mc VI, 36.

117
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

concorrerem nos grandes milagres!98 E dizer que era


confidente e amigo, discípulo e apóstolo de Jesus.99
Grande Deus, quem é que não teme a queda,
quando se vê cair o apóstolo, o amigo, o confidente
do Senhor?
Quem é aquele outro que, para esconder as
falhas de sua alma, ataca a Igreja, acusa os sacerdotes
e ridiculariza os dogmas?
Ontem era o confrade piedoso de São Vicente
de Paulo; o penitente assíduo, o fervoroso cristão, o
amigo dos pobres; o zeloso guardador da castidade.
Um dia a luta desencadeou-se forte. Um
descuido, um negligência fê-lo abandonar as armas
de defesa; presumia das próprias forças e... foi
vencido. O desalento empolgou-o. Acostumou-se
ao afastamento de Deus e agora, para justificar esse
procedimento, acusa, calunia, blasfema.
As lembranças de um passado feliz acordam-
lhe n’alma as vozes o remorso.

98 Mc VI, 13.
99 Mt XXVI, 36.

118
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Reflete, hesita, e numa violência febril, maldiz


a própria felicidade antiga.
Volta-se para as paixões e, se ainda não
alcançou de todo a felicidade, diz consigo, é porque
uns preconceitos de virtude tolhem-lhe o passo. É
preciso afastar-se para mais longe ainda de Deus,
esquecendo-O,100 negando-O. Um resto de respeito
humano conserva-o aparentemente religioso; é
preciso vencer essa fraqueza, é preciso acabar com
essa hipocrisia.
Entrega-se ao pecado e blasfema, dá escândalo,
e, para justificar-se e defender-se, acusa e persegue o
que ontem amava com ternura. De quantas almas,
desgraçadamente, é essa a triste e desoladora história!
Eis por que, entre aqueles que sabem orar, se
escuta sempre nos dias de piedade e fervor a prece La
Harpe – Meu Deus, se eu soubesse que havia de perseverar!
Eis por que o apóstolo pede que se façam
por ele orações contínuas, pois nem tudo que tem
sofrido pelo Evangelho, nem o ministério de anunciar

100 Regio Longinqua, oblívio Dei. Santo Agostinho.

119
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

aos outros a palavra da salvação e da vida, lhe são


argumento seguro de sua própria perseverança.101
Nesta tão triste e tão terrível alternativa,
poderemos acaso desconhecer a importância capital
dessa promessa, formada pelo excesso de misericórdia
e caridade de um amor poderosíssimo?
Poderemos acaso desprezá-la sem violar todas
as leis da prudência?
II. E quando se considera que a condição
imposta para receber-se tão alto dom de Deus é
fazer a santa comunhão nas primeiras sextas-feiras
de nove meses seguidos, ainda mais avulta e cresce o
sentimento de uma gratidão tão profunda que jamais
se exprimirá em linguagem humana.
A Comunhão! Foi Jesus mesmo que, em dia de
eterna memória, ofereceu a seus discípulos a hóstia
consagrada dizendo: Tomai e comei, é meu corpo.102 E,
quando a razão, hesitante, procurava uma explicação
mística para esta afirmativa categórica, Ele respondia:

101 Rm XV, 13.


102 Mt XXXVI, 26.

120
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

Não, não é uma figura ou parábola, é realmente o meu


corpo, que será imolado por vós.103 É o meu sangue, que por
muitos será derramado, para remissão de pecados.104
E se a incredulidade murmurava baixinho: É
incompreensível essa linguagem, quem pode ouvi-la?105 Ele
confirmava ainda, preferindo o abandono, o desprezo,
o esquecimento dos seus próprios discípulos,106
a deixar ver nestas palavras outro sentido além do
literal e próprio: é o meu corpo.
Grande Deus! Alguma coisa falta a esse
concerto de vozes que clamam contra a caridade,
contra o amor, contra a misericórdia de Jesus! É que
ainda existem corações ingratos, almas indiferentes
entre os que têm fé, que desdenham da comunhão
eucarística! No silêncio do Tabernáculo escuta-
se ainda, frequentemente, uma queixa, a mesma
formulada no dia em que Jesus anunciara o mistério
máximo da fé e do amor: Vós também me quereis
abandonar?107
103 Lc XXII, 19.
104 Mt XXVI, 28.
105 Jo VI, 61.
106 Idem, VI, 8.
107 Jo VI, 8.

121
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

E esse Vós a que se refere Jesus não são os


ateus, os apóstatas, os ímpios, são os que pretendem
segui-lo, acompanhá-lo.
É pois a queixa de um amigo que se reconhece
de seus amigos abandonado e só; é a tristeza de
um Deus que esmola o coração das suas criaturas
prediletas.
E nós O abandonaremos também?
Não! É a nós, do Apostolado da Oração do
Coração de Jesus, é a nós que a ternura incansável,
particularmente se dirige, suplicante, nestes tempos
de pequenino e diminuto amor. “Vós, a quem eu
tenho revelado todos os meus segredos, vós, a quem
eu fiz participantes de todos os meus tesouros, vós,
os meus confidentes e amigos. Vós também?... Que
os outros se afastem de mim, que os meus inimigos
me amaldiçoem, que aqueles a quem faz mais conta a
escravidão do mundo do que a liberdade dos filhos de
Deus, que eles me desprezem, bem se compreende:
são inimigos. Mas vós também quereis... usar da liberdade
que vos tenho dado, voltando contra mim o desprezo

122
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

e o ódio? Também quereis abandonar-Me? Ó noite


abandonada do Tabernáculo! Ó momento angustioso
do sacrilégio! Ó instante cruel das profanações!
“E Eu aceitei tudo isto, continua Jesus, por um
quarto de hora de amor passado em presença do meu
tabernáculo, por uma comunhão piedosa, fugitiva.”
A comunhão! Ajoelhar diante do altar, sentir
n’alma a presença real de um Deus, diante do
qual tremem as Potestades, apertá-lo ao coração...
confundir na mais perfeita e íntima união a vida do
Criador à vida da pobre criatura...108 É a essa prática
em que toda a glorificação da natureza humana se
concentra; é a essa comunhão, feita nas primeiras
sextas-feiras de nove meses consecutivos, que Nosso
Senhor, no excesso de sua misericórdia, quis unir a
graça especialíssima da perseverança final.
Amados filhos, não é possível fazer-se
comentários a tão magnífica promessa. Escutemos em
silêncio essa voz que nos diz: Voai à Santa Eucaristia,
procurai, com sacrifícios, quaisquer que eles sejam,

108 Jo VI, 58.

123
As Doze Promessas do Sagrado Coração de Jesus

tornar-vos dignos de tão singular mercê. Que as


primeiras sextas-feiras de cada mês sejam santificadas
pela vossa devoção ardente a Jesus Sacramentado.
Faça-se nessas manhãs benditas silêncio nos vossos
campos, em vossas oficinas, em vossas casas, e
todos, à porfia, procurem a Igreja matriz, levando-
lhe os cânticos de sua fé, a homenagem de sua alma,
recolhendo em seus corações o Coração Eucarístico
de Jesus.

Esta Pastoral foi publicada pela primeira vez em Floresta


(Pernambuco), a 29 de Novembro de 1914.

124

Você também pode gostar