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ANO XXX - Abril 2024 - Nº 122

Keará de Pessach em prata.


Alemanha, séc. 20. Gravação
em estilo rococó.
Coleção particular

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Whatsapp: (11) 93904-7696
Carta ao leitor
Centrado na leitura da Hagadá, que narra a história durante nossa vida e na das futuras gerações, esse ódio
do Êxodo do Egito, o Seder de Pessach comemora a ancestral permaneceria relegado à margem. Infelizmente,
transformação dos Filhos de Israel em uma nação e estávamos enganados. Tornou-se claro, de maneira
aborda temas de conteúdo atemporal para os judeus. dolorosa, que o antissemitismo só estava adormecido.
Entre esses pontos, está o antissemitismo, fenômeno Fez-se evidente que a humanidade não aprendeu as lições
tão antigo quanto nosso próprio povo. Um momento que o Holocausto lhe deveria ter ensinado.
comovente durante o Seder ocorre quando todos os
participantes erguem as taças de vinho e recitam Para o Povo Judeu, nunca houve, desde o fim da
solenemente: “Não foi apenas um inimigo a se levantar 2ª Guerra Mundial, um período tão preocupante, marcado
contra nós para nos destruir; mas, em cada geração, por um antissemitismo tão flagrante e disseminado. Para
levantam-se contra nós para nos destruir. E o Santo, o Estado de Israel, nunca houve, desde sua fundação, uma
Bendito seja Ele, nos salva de suas mãos.”. De fato, desde época em que sua existência, hoje ameaçada, tenha sido
o tempo de nosso primeiro Patriarca, Avraham, há quase tão necessária.
4.000 anos, nossos antepassados enfrentaram, em todas as
épocas, inimigos que visavam destruir nosso povo. Dedicamos esta edição da Morashá aos temas
relacionados aos trágicos acontecimentos de
No dia 7 de outubro de 2023, Shabat Simchat Torá, 7 de outubro, bem como suas repercussões e significados.
acordamos com a notícia horrorizante do que viria a Nosso objetivo não é nos aprofundarmos em debates
ser o dia mais letal e trágico para os judeus desde o políticos ou controvérsias, mas sim apresentar aos
Holocausto. Terroristas da Faixa de Gaza invadiram Israel nossos leitores, independentemente de sua nacionalidade
e assassinaram aproximadamente 1.200 pessoas, em sua ou religião, conteúdo factual e minucioso de forma
maioria, civis. Perpetraram atrocidades que, em seu nível a lhes proporcionar conhecimentos que permitam
de brutalidade e sadismo, em certos aspectos, superaram não só distinguir a verdade da mentira, mas também
aquelas cometidas pelos nazistas. Também sequestraram identificar tanto o antissemitismo quanto o
253 pessoas, incluindo mulheres, crianças, um bebê e antissionismo, conceitos que, na prática, são sinônimos.
idosos, entre eles sobreviventes do Holocausto.
As reações aos acontecimentos de 7 de outubro
Além de representar o maior assassinato de judeus desde desvendaram inequivocamente o antissemitismo
a Shoá, o terrível massacre de 7 de outubro desencadeou intrínseco ao antissionismo. Judeus sofreram ataques na
um surto de antissemitismo em escala global, algo não Europa e até mesmo nos EUA, antes considerados um
visto desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Mesmo antes refúgio para eles fora de seu lar nacional. Aqueles que
da resposta militar destinada a resgatar os reféns e dissimulavam sua hostilidade a nós não mais ocultam seus
combater o grupo terrorista responsável pela selvageria, reais sentimentos. Essa revelação cristalina demonstra o
que prometeu repetir o ato até aniquilar o Estado Judeu vínculo fatal e inseparável entre a oposição ao Estado de
e seus habitantes, já haviam surgido, ao redor do mundo, Israel e o ódio ao Povo Judeu.
nos EUA inclusive, inúmeras críticas a Israel, bem como
“justificativas” para os assassinatos e atrocidades contra Ano após ano, geração após geração, a festa de Pessach
civis do país. Assustadoramente, observou-se apoio às permanece como um testemunho de nossa resiliência
organizações terroristas de Gaza, que, além de muito coletiva e espírito indomável. Ressalta, de maneira
conhecidas pela opressão de seu próprio povo, usam uma enfática, a crença de que D’us sempre apoiará o Seu Povo,
ideologia desumana para tentar legitimar o estupro de os Filhos de Israel. Os recentes acontecimentos revelaram
mulheres e o massacre de bebês, em detrimento de Israel. um sentimento muito forte de união e altruísmo entre
Essa atitude ressalta a normalização do antissemitismo nosso povo. Ao longo de nossa História, já enfrentamos
sob a fachada de discurso político. e superamos muitos obstáculos e tragédias. Venceremos
estes, também.
Acreditávamos que, após os horrores do Holocausto,
Chag Sameach
haveria não só uma conscientização generalizada sobre
a profundidade do mal que o ser humano é capaz
de praticar, mas também um compromisso coletivo
de impedir que tais atrocidades voltassem a ocorrer.
Pensávamos que essa evolução asseguraria que, ao menos
ÍNDICE

10 17

31 42

55 58
03 carta ao leitor 22
israel
Os Filhos de Israel e o Estado de Israel

06
Nossas festas
POR tev djmal

O Êxodo do Egito e a Terra de Israel


31israel
10tanach Violência contra a mulher,
Jacob e Israel – Os dois uma estratégia terrorista
nomes de nosso Patriarca

17
entrevista 37
exposição
Eli Beer, fundador da United Hatzalá O terror em telas

4
REVISTA MORASHÁ 122

06

65
38 israel 58
antissemitismo
Israel inaugura em Jerusalém O estigma do Pogrom
sua nova Biblioteca Nacional POR ZEVI GHIVELDER

42comunidades
65perguntas e respostas
Perguntas e Respostas sobre questões
Perseguição e êxodo dos judeus históricas no conflito entre Israel e Hamas
dos países árabes

55
destaque
O antissemitismo esquerdista suplemento de pessach
POR jaime spitzcovsky

5 abril 2024
nossas festas

O Êxodo do Egito
e a Terra de Israel
O Êxodo, intervenção Divina para libertar os Filhos de Israel
da escravidão no Egito, representou muito mais que um alívio
da opressão. Foi um passo decisivo rumo à entrega da Torá,
que consolidaria a aliança entre D’us e nossos Patriarcas,
e resultaria no retorno dos Filhos de Israel à Terra que o
Eterno lhes prometeu.

a
vraham Avinu, o primeiro Patriarca do E também à nação que há de servir, Eu julgarei; e depois
Povo Judeu, já tinha 75 anos quando D’us sairá com grande riqueza… E a quarta geração voltará
Se revelou a ele e lhe ordenou que deixasse aqui, porque não se completou a medida do pecado
a casa de seu pai rumo a um novo destino: do Emoreu, até aqui.” (Gênesis 15:13-16). Com isso,
Canaã, posteriormente conhecida como prenunciou a escravidão dos Filhos de Israel no Egito
Terra de Israel. Nessa revelação Divina, o Altíssimo e a volta deles à Terra Prometida.
também lhe fez promessas significativas: “E farei de ti
uma grande nação e abençoar-te-ei, e engrandecerei teu É relevante que, nessa ocasião, nosso Patriarca ainda
nome e serás uma bênção.” (Gênesis 12:2). Anunciou não tinha filhos. Incapaz de conceber, Sarah sugeriu ao
ainda que “à tua descendência darei esta terra.” (Gênesis marido que gerasse um descendente com Hagar, serva
12:7). Essas palavras não só marcaram o estabelecimento egípcia dela. Avraham ouviu esse conselho e teve seu
de uma aliança única entre D’us e nosso Patriarca, mas primogênito, Ishmael. Após isso, no entanto, nosso
também estabeleceram os alicerces do vínculo eterno do primeiro Patriarca recebeu a promessa Divina de que
Povo Judeu com a Terra de Israel. sua própria esposa lhe daria um filho, Yitzhak (Isaac),
que seria seu herdeiro espiritual e sucessor: “É certo que
Acompanhado por sua esposa Sarah, nossa primeira Sarah, tua mulher, dará à luz um filho, e chamarás seu
Matriarca, Avraham acatou a ordem Divina e emigrou nome Yitzhak, e estabelecerei Minha aliança com ele
para Canaã. Quando lá chegou, o Eterno reafirmou que – uma aliança eterna – e com sua descendência depois
aquela terra seria a herança eterna dos descendentes de dele.” (Gênesis 17:19).
nosso Patriarca, porém advertiu que a posse perpétua
da região implicaria um custo elevado. Em um episódio De fato, o casal, mesmo já idoso, foi abençoado com a
da Torá conhecido como o Pacto das Partes (Brit chegada daquele que se tornou nosso segundo Patriarca
Ben HaBetarim), revelou: “Sabe com certeza que tua e herdou não só os dons proféticos dos pais, mas também
descendência será peregrina em terra que não lhe o pacto firmado entre D’us e eles. O Onipotente revelou-
pertence, e a farão servir e a afligirão por 400 anos. Se e reiterou a Isaac a eterna aliança: “Mora nesta terra

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Família celebrando Pessach. Hagadá de Barcelona, 1340

e estarei contigo, e te abençoarei; É significativo que, apesar do darei e à tua descendência. E a tua
pois a ti e à tua descendência darei subterfúgio que empregou para descendência será como o pó da
todas estas terras, e confirmarei o assegurar a bênção paterna, nosso terra, e te fortalecerás, ao oeste, ao
juramento que jurei a Avraham, terceiro Patriarca recebeu-a leste, ao norte e ao sul; e por
teu pai. E multiplicarei tua novamente antes da fuga para meio de ti – e de tua descendência –
descendência como as estrelas do Haran: “E D’us cheio de bênçãos, serão benditas todas as famílias
céu, e darei à tua descendência te abençoe, te faça frutificar e te da terra.” (Gênesis 28:13-14).
todas estas terras e serão multiplique, e sejas uma multidão Mais de duas décadas depois,
abençoadas por tua descendência de povos. E te dê a bênção de Jacob retornou à terra natal e D’us
todas as nações da terra.” (Gênesis Avraham, a ti e à tua descendência, voltou a aparecer-lhe para reafirmar
26:3-4). contigo, para herdar a terra de e ampliar a promessa anterior:
tuas peregrinações, que D’us deu a “E a terra que dei a Avraham
Yitzhak, o segundo Patriarca do Avraham.” (Gênesis 28:2). e a Isaac, a ti a darei e à tua
Povo Judeu, casou-se com Rivkah descendência, depois de ti, darei a
(Rebeca), nossa segunda Matriarca, Assim como o avô e o pai, Jacob terra.” (Gênesis 35:12).
e tiveram gêmeos: Esav (Esaú), o era um profeta e, quando estava
primeiro a nascer, e Yaacov ( Jacob). prestes a fugir da casa ancestral Vemos, portanto, que só a Jacob,
Surge, com isso, a questão de qual para escapar do irmão Esaú, que entre todos os filhos de Avraham
dos dois filhos daria continuidade lhe jurara vingança pela perda da e Isaac, D’us prometeu a Terra de
à linhagem do avô e do pai. Como bênção de primogenitura, teve um Israel. Essa herança não coube a
explicado no artigo desta edição sonho no qual D’us Se manifestou Esaú por um motivo especificado
“Jacob e Israel - Os Dois Nomes a ele para confirmar e renovar a no Midrash. O Midrash Rabbah
de Nosso Patriarca”, o “mais aliança: “Eu sou o Eterno, D’us de apresenta uma explicação além da
novo” adquiriu, de forma legítima, Avraham, teu pai, e D’us de Isaac; mais aceita de que o direito a esse
o direito de primogenitura. a terra sobre a qual tu jazes, a ti a legado dependia da primogenitura

7 abril 2024
nossas festas

e de uma confirmação subsequente, O retorno faraó que ignorava o fato de Yossef


representada pela bênção que à Terra Prometida ter salvado o país e tê-lo tornado
nosso terceiro Patriarca recebeu uma superpotência. O Talmud
do pai antes de partir para Haran. Entre todos os descendentes questiona se se tratava de um novo
Embora essa ideia esteja correta, de Avraham, só os de seu neto monarca ou do mesmo, que, nesse
Esaú foi excluído dessa herança Jacob foram exilados, afligidos caso, teria simplesmente optado
sobretudo por haver renunciado a e escravizados conforme aquela por desconsiderar todas as grandes
ela de livre e espontânea vontade. profecia. A servidão dos judeus realizações do antigo vice-rei. Seja
Esaú sabia que, durante o Pacto deveu-se à decisão de nosso terceiro como for, em vez de valorizar o fato
das Partes, seu avô Avraham Patriarca de abandonar, junto com a de um hebreu haver resgatado da
recebera uma profecia de que seus família, a pátria, afligida pela fome, fome o país, o soberano classificou
descendentes seriam escravizados pelas terras férteis do Egito. Essa os Filhos de Israel como uma
e oprimidos por 400 anos em país imigração foi viabilizada por Yossef quinta-coluna e acusou-os de serem
estrangeiro. Por compreender ( José), que, filho de Jacob e também estrangeiros desleais ao Egito. Essa
as implicações dessa profecia, profeta, se tornara vice-rei deste falsa imputação desencadeou uma
abdicou das bênçãos e obrigações país após interpretar os sonhos do perseguição que, cada vez mais cruel,
vinculadas à Terra Prometida. Faraó que anunciavam sete anos culminou com a escravização dos
Considerava elevado demais o custo de fartura seguidos por um mesmo hebreus e a execução de decretos
dessa herança: séculos de exílio e período de fome. No exercício nefastos, incluindo atos de genocídio
sofrimento em troca da posse de de seu cargo político, Yossef não como o afogamento de bebês judeus
um lugar valorizado sobretudo só salvou o Egito do flagelo que no Nilo. É recorrente esse ciclo
por seu significado espiritual. assolou toda a região, mas também no qual o nosso povo é recebido
Caçador e homem do campo, transformou a nação que o acolhera em um país, contribui muito para
inclinado ao imediatismo do mundo em uma potência regional. Sua a sociedade local, mas acaba por
físico, recusou-se a sujeitar seus elevada posição permitiu-lhe ser vilificado e acusado de dupla
descendentes à servidão em nome ainda prover um refúgio para a lealdade.
de uma herança imaterial a que própria família. Com isso, embora
ele próprio era indiferente. É certo evidentemente sem intenção, Yossef A Diáspora no Egito serviu como
que a Torá e outros textos sagrados preparou o terreno para a futura prelúdio para um padrão, observado
exaltam a incomparável virtude e escravidão dos descendentes de seu ao longo da história, de sofrimentos
prosperidade da Terra de Israel, que, pai Jacob. e adversidades para o Povo Judeu
no entanto, tem, acima de tudo, um fora de sua terra natal. Portanto,
valor espiritual, atributo totalmente Após o falecimento de nosso já em Sua primeira revelação a
dissociado das prioridades e terceiro Patriarca e de seus filhos, Moshé Rabenu, figura central da
perspectivas de Esaú. ascendeu ao trono do Egito um história de Pessach, o Altíssimo

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prometeu libertar os Filhos de Israel Dayenu, que expressa gratidão a De fato, esse tema é explorado em
e reconduzi-los à terra ancestral: D’us por todas as Suas bondosas toda a Hagadá, que culmina com a
“Eu sou o D’us de teu pai, o D’us providências, observamos uma afirmação feita ao final do Seder:
de Avraham, o D’us de Isaac e o sequência que se iniciou no Êxodo, “No próximo ano em Jerusalém.”
D’us de Jacob. Tenho visto a aflição passou pela chegada dos judeus à
do Meu povo que está no Egito, e Terra de Israel e culminou com a Em todo o mundo, por quase dois
ouvi o seu clamor por causa de seus edificação do Templo Sagrado de milênios, os judeus iniciavam e
capatazes, porque conheci as suas Jerusalém. terminavam o Seder de Pessach
dores. E desci para o livrar do poder com uma declaração de seu desejo
do Egito e para o fazer subir daquela Nessa narrativa, a experiência da de retornar à Terra de Israel e a
terra para uma terra boa e espaçosa, escravidão no Egito representa Jerusalém, esperança que, em todo
para uma terra que emana leite e o ponto mais baixo da trajetória esse longo período, parecia um
mel, para o lugar do Cananeu, do do novo povo. Já a Terra de Israel sonho distante, sem perspectiva de
Hiteu e do Emoreu, do Periseu, do surge como o ápice, símbolo da concretização. Hoje, no entanto,
Hiveu e do Jebuseu.” (Êxodo 3:6-8). liberdade máxima para a nação. nosso povo retornou ao lar de nossos

D’us instruiu Moshé a anunciar


aos Filhos de Israel a proximidade
da libertação e transmitir
uma mensagem específica ao
Faraó. “Israel é Meu filho, Meu
primogênito, e Eu disse para ti:
Envia Meu filho para que Me sirva,
e tu recusaste enviá-lo. Eis que Eu
matarei a teu filho, teu primogênito.”
(Êxodo 4:22-23). Rashi, o mais
renomado comentarista da Torá,
esclarece que nessa passagem, o
Eterno destaca Seu reconhecimento
e aprovação do direito legítimo de
Jacob à primogenitura e às bênçãos
de Isaac.

Vemos, assim, no Livro do Êxodo,


que as promessas de D’us a
Avraham (o estabelecimento de Representa, portanto, a antítese Patriarcas e a Jerusalém, sua capital
uma aliança exclusiva com seus da servidão no país estrangeiro, a eterna, fundada pelo Rei David. Esse
descendentes e a dádiva eterna da libertação e a autodeterminação. regresso é a culminação das palavras
Terra Santa) se concretizaram por É por esse motivo que a Hagadá, de nossos Profetas e a realização do
meio de Isaac e, posteriormente, texto que guia o Seder de Pessach, sonho coletivo de uma nação que
Jacob. O Êxodo, intervenção inicia-se com a seguinte afirmação: existe há quatro milênios. A Terra de
Divina para libertar os hebreus da “Este é o pão da aflição que Israel constitui o legado de D’us a
escravidão no Egito, representou nossos antepassados comeram todos os judeus de todas as gerações
muito mais que um alívio da na terra do Egito... Este ano a partir de nossos Patriarcas:
opressão. Foi sobretudo um passo estamos aqui; no próximo ano, na Avraham, Isaac e Jacob.
decisivo rumo à recepção da Torá, Terra de Israel. Este ano somos
que consolidou a aliança e resultou escravos; no próximo ano, seremos
na volta dos Filhos de Israel ao livres.”. Assim, iniciamos o Seder N.R. As iluminuras (páginas 8 e 9)
foram extraídas da obra “Seder
lar ancestral, um dos principais com a proclamação de que, para Hagadah Shel Pessach” de autoria
temas do Seder de Pessach. De fato, nós, a verdadeira liberdade só se de Yakov Sofer Ben Yehuda
Leib Shamash de Berlim (séc. 18).
ao entoarmos a famosa canção concretiza em nosso lar ancestral. Coleção particular.

9 abril 2024
tanach

Jacob e Israel - Os dois


nomes de nosso Patriarca
O Povo Judeu é também conhecido como os Filhos de Israel (Bnei
Israel) ou como o Povo de Israel (Am Israel), e o Estado Judeu é
chamado de Estado de Israel (Medinat Israel). O nome "Israel" foi
concedido pelos Céus ao nosso terceiro Patriarca Jacob - filho
de Isaac e neto de Avraham -, significando uma mudança profunda
tanto em sua própria vida quanto na de seus descendentes. Como
registrado na Torá, - "E D’us lhe disse: 'Teu nome é Jacob, mas não
serás mais chamado Jacob, e sim Israel será teu nome. E chamou
seu nome Israel.'" (Gênesis 35:10).

a
Cabalá ensina que o nome hebraico primeiro filho que teve Avraham, com a princesa egípcia
revela a essência da pessoa, além de Hagar.
exercer influência sobre o caráter,
habilidades e missão de vida dela. Isaac, nosso segundo Patriarca, casou-se com uma
mulher chamada Rivkah (Rebeca), filha de Betuel,
Nosso primeiro Patriarca, Avram, teve o nome alterado o Arameu, e irmã de Lavan. O casal não gerou
por D’us para Avraham de maneira a refletir a missão descendentes por 20 anos até que D’us atendeu suas
a que estava destinado: “E não se chamará mais o teu preces, e nossa segunda Matriarca engravidou. Foi uma
nome Avram, mas Avraham será teu nome, porque pai gestação incomumente agitada. Preocupada com o tipo
de uma multidão de nações te fiz.” (Gênesis 17:5). de criança que daria à luz, a futura mãe consultou um
O mesmo ocorreu com nossa primeira Matriarca, Sarai, profeta, que lhe revelou: “Duas nações há no teu ventre
renomeada por D’us para Sarah, o que lhe permitiu e dois reinos de tuas entranhas se dividirão; uma nação,
conceber. O Altíssimo disse a Avraham: “A Sarai, tua mais que outra nação, se fortalecerá, e a maior servirá à
mulher, não mais chamarás seu nome Sarai, porque menor.” (Gênesis 25:23).
Sarah é seu nome. E a abençoarei, e também darei um
filho dela para ti; e a abençoarei e virá a ser nações; reis Rebeca teve gêmeos: “E saiu o primeiro, ruivo, todo ele
de povos dela sairão.” (Gênesis 17:15-16). Conforme como se vestido de pelo, e chamaram seu nome Esav
a promessa Divina, a Matriarca concebeu e deu à luz (Esaú). E depois saiu seu irmão, e sua mão agarrava o
um filho cujo nome, Yitzhak (Isaac), foi escolhido por calcanhar (akev, em hebraico) de Esaú; e chamou seu
D’us: “É certo que Sarah, tua mulher, dará à luz um nome Yaacov ( Jacob).” (Gênesis 25:25-26).
filho, e chamarás seu nome Yitzhak, e estabelecerei
Minha aliança com ele – uma aliança eterna – e com Apesar de gêmeos, os meninos não podiam ser mais
sua descendência depois dele.” (Gênesis 17:19). Esse diferentes um do outro. A Torá relata: “E Esaú tornou-se
versículo destaca que a aliança singular e eterna de um perito caçador, homem do campo, e Jacob um homem
D’us seria continuada por Isaac e não por Ishmael, o íntegro, que habitava em tendas.” (Gênesis 25:27).

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"JACOB LUTANDO COM O ANJO" GUSTAVE DORé

O mais velho vivia na estepe Segundo as tradições da época, No dia do falecimento de


e era guerreiro, um homem o direito de sucessão caberia ao Avraham Avinu, Jacob viu o
acostumado à violência. O mais primogênito. momento certo para reivindicar
novo era sua antítese: pacífico o que era seu por direito, a
e espiritualizado, dedicava-se Segundo o Midrash, aquele que primogenitura, que o consagraria
ao estudo da sabedoria Divina, viria a tornar-se nosso Patriarca como o herdeiro espiritual tanto
que mais tarde seria codificada estava predestinado a emergir do avô quanto do pai, Isaac.
na Torá e transmitida a seus primeiro do ventre de nossa Portanto, ao ser abordado por
descendentes, o Povo de Israel. segunda Matriarca, Rebeca, antes Esaú, que desejava um pouco do
do irmão gêmeo. No entanto, o ensopado de lentilhas, aproveitou
Um dia, Jacob preparava uma outro se adiantou e, à força, pôs-se a oportunidade de alcançar seu
sopa de lentilhas, alimento à frente: “E depois saiu seu irmão, intento e propôs: “Vende, tão claro
tradicionalmente oferecido e sua mão agarrava o calcanhar de como o dia, tua primogenitura
aos enlutados segundo nossos Esaú; e chamou seu nome Yaacov para mim.” (Gênesis 25:31).
Sábios, quando Esaú regressou ( Jacob).” (Gênesis 25:26). Este Indiferente ao valor espiritual de
do campo exausto. O irmão mais nome deriva da palavra hebraica sua posição, o outro respondeu:
novo cozinhava esse prato para akev, que significa calcanhar, pois “Eis que caminho para a morte; de
o pai porque Avraham acabara o menino, ao nascer, segurava que me servirá a primogenitura?”
de falecer, naquele mesmo dia, essa parte do pé do irmão. Assim, (Gênesis 25:32).
após o que Isaac assumiu o papel nosso Patriarca iniciou a vida
de portador da singular aliança “pisoteado”. Em outras palavras, Um homem do campo, um
espiritual estabelecida por D’us. enfrentou, já no útero materno, a caçador, um guerreiro acostumado
Surgia então a questão: quem opressão, manifestada pela natureza a enfrentar grandes perigos
daria, mais tarde, continuidade predatória, egoísta e violenta de diariamente, a viver o momento,
a esse legado, Esaú ou Jacob? Esaú. Esaú não enxergava vantagem

11 abril 2024
tanach

alguma em seu direito. Por primogenitura” (Gênesis 25:34), com e instruiu-o: “E agora, meu filho,
considerá-lo sem benefício, abriu o que demonstrou total descaso pelo escuta minha voz naquilo que te
mão dele sem hesitação e, conforme direito vendido, que considerava ordeno. Vai, rogo, ao rebanho, e toma
a Torá, “Jurou-lhe, e vendeu sua insignificante, desprovido de valor, para mim, de lá, duas boas crias de
primogenitura a Jacob.” (Gênesis e cuja importância só reconheceria cabras, e farei delas manjares para
25:33). É fundamental esclarecer anos mais tarde. teu pai, como ele gosta. E trarás a teu
um mal-entendido comum, o pai e comerá, para que te abençoe
de que Jacob ludibriou o irmão A Torá relata que, com o avançar antes de sua morte.” (Gênesis 27:8-
ao adquirir algo tão valioso em da idade, Isaac perdeu a visão e, 10). Jacob expressa sua preocupação
troca de uma simples tigela de ao antever o fim da vida, decidiu com o plano: “Mas Esaú, meu irmão,
ensopado de lentilhas. Contudo, abençoar o primogênito e nomeá-lo é homem peludo e eu sou homem
de acordo com o Rabi Ovadia seu sucessor. Solicitou então a Esaú liso. Porventura me apalpará meu pai
Sforno em seu comentário clássico que caçasse e lhe preparasse um e serei aos seus olhos como burlador,
e trarei sobre mim maldição e não
bênção.” (Gênesis 27:11-12). Diante
da hesitação, Rebeca assegurou:
“Sobre mim a tua maldição, meu
filho”. (Gênesis 27:13).

Para solucionar o problema de Esaú,


ao contrário do irmão, ser peludo,
Rebeca tomou peles de cabritos,
colocou-as sobre as mãos de Jacob,
preparou uma iguaria deliciosa e
enviou este a Isaac. Nosso Patriarca
apresentou-se ao pai como se fosse o
irmão. Cego, o ancião reconheceu a
voz do filho mais novo, mas, ao tocar
as mãos deste, sentiu-as peludas e
disse: “A voz é a voz de Jacob, mas as
mãos são as mãos de Esaú.” (Gênesis
27:22). Após alimentar-se, abençoou
Jacob e, com isso, concedeu-lhe
"ISAAC ABENÇOA JACOB". ÓLEO SOBRE TELA. BERNARDO STROZZI (1581-1644)
riquezas tanto espirituais quanto
materiais: “E que D’us te dê do
orvalho dos céus, do melhor da
sobre a Torá, a troca envolveu prato saboroso: “Traz-me e comerei, terra e abundância de trigo e mosto.
uma quantia significativa. O para que te bendiga minha alma Sirvam-te povos e curvem-se ante ti
ensopado de lentilhas funcionou antes que eu morra.” (Gênesis 27:4). nações! Seja senhor de teus irmãos,
como o que o Talmud chama de e te reverenciem os filhos de tua
kinyan sudar (literalmente, uma Embora já tivesse adquirido a mãe! Os que te amaldiçoarem sejam
aquisição feita com um lenço), primogenitura, Jacob nada dissera malditos e os que te abençoarem
a entrega de um item simbólico aos pais a esse respeito. Diante do sejam benditos.” (Gênesis 27:28-29).
para confirmar a conclusão de uma receio de um possível confronto,
venda. Jacob alimenta o irmão estava preparado para recuar e Após Jacob receber a bênção e sair
como forma de concluir a aquisição deixar que Esaú recebesse a bênção da presença do pai, Esaú chegou,
da primogenitura. Ao servir a do pai. Foi a mãe, Rebeca, que, já apresentou a refeição que havia
refeição, demonstrou a seriedade informada por um profeta durante preparado para Isaac e disse:
e a legitimidade da transação. a gravidez de que o filho mais novo “Levanta-te, meu pai, e come da caça
Esaú “comeu e bebeu, levantou- seria o mais proeminente, quem de teu filho, para que tua alma me
se e se foi; e Esaú desprezou a tomou a iniciativa. Convocou Jacob abençoe.” (Gênesis 27:31).

12
REVISTA MORASHÁ i 122

Quando Isaac, que não mais Com isso, reafirmou que Jacob era
enxergava, perguntou: “Quem és tu?” quem carregaria o legado do pai e do
(Gênesis 27:32), ouviu a resposta: avô. Em obediência às orientações
“Sou teu filho, teu primogênito, recebidas, nosso Patriarca deixou o
Esaú” (ibid). O ancião foi acometido lar para escapar do irmão violento e
por um grande tremor e disse: rancoroso.
“Quem é e onde está aquele que
caçou uma caça e trouxe para mim, Os psicólogos geralmente destacam
e comi de tudo antes que viesses, e duas estratégias principais diante
o abençoei? Também será bendito!” dos desafios: fugir ou lutar.
(Gênesis 27:33). Ao dar-se conta Ou seja, pode-se confrontar e
do ocorrido, Isaac revelou: “Teu superar o problema ou, desde o
irmão veio com esperteza e tomou início, recuar e evitar o confronto.
tua bênção.” (Gênesis 27:35). Jacob poderia ter insistido com os
Esaú exclamou: “Não se chama pais para permanecer em casa e, se
ele com razão Jacob, visto que fosse necessário, enfrentar Esaú.
"Jacob na casa de Lavan". GUSTAVE DORÉ.
por duas vezes me enganou? A SéCulo 19. Coloração posterior No entanto, opta pela fuga. Em vez
minha primogenitura tomou, e eis de encarar o irmão diretamente,
que agora tomou minha bênção!” abençoa-o novamente e instrui: recorreu à estratégia simbolizada por
(Gênesis 27:36). Apesar de ter “Levanta-te, vai a Padán-Aram, à seu akev, seu calcanhar: optou pela
vendido seu direito de livre vontade, casa de Betuel, pai de tua mãe, e fuga em vez da luta.
sentiu-se injustiçado, “levantou toma para ti, de lá, uma mulher das
sua voz e chorou” (Gênesis 27:38). filhas de Lavan, irmão de tua mãe. E Jacob e Lavan
Implorou então ao pai uma bênção, D’us cheio de bênçãos, te abençoe,
que, embora concedida, não foi tão te faça frutificar e te multiplique, e Conforme instruído pelos pais, Jacob
extraordinária quanto à que recebera sejas uma multidão de povos. E te foi para a casa do tio Lavan, irmão
Jacob. Isaac concedeu ao filho dê a bênção de Avraham, a ti e à tua de Rebeca, em Haran, no sudeste
mais velho riquezas materiais, mas descendência, contigo, para herdar a da atual Turquia. Oriundo de uma
alertou-o: “Por tua espada viverás e a terra de tuas peregrinações, que D’us família abastada, Jacob chegou ao
teu irmão servirás.” (Gênesis 27:40). deu a Avraham.” (Gênesis 28:2). destino desprovido de recursos

A partir de então, o guerreiro


tornou-se inimigo mortal do
irmão, a quem jurou vingança: “E
Esaú guardou rancor de Jacob pela
bênção com que o abençoou seu
pai, e Esaú disse em seu coração:
Chegarão os dias de luto de meu
pai, e matarei meu irmão Jacob.”
(Gênesis 27:41). Informada do plano
sinistro, Rebeca adverte o filho mais
novo: “Eis que Esaú, teu irmão, se
consola pensando em matar-te. E
agora, meu filho, ouve minha voz:
levanta-te e foge à casa de Lavan,
meu irmão, a Haran. E ficarás com
ele alguns dias, até que passe o furor
de teu irmão.” (Gênesis 27:42-44).
Após saber do aviso da esposa ou
talvez chegar a essa decisão por
conta própria, Isaac chama Jacob, "A VISÃO DE DANTE DE RAQUEL E LEA". Dante Gabriel Rossetti (1828–1882)

13 abril 2024
tanach

Telas de Chagall expostas no Museu Nacional de Marc Chagall , “Jacob lutando com o Anjo” e “O Sonho de Jacob”. Nice,
França

financeiros porque, segundo o “Que me fizeste? De certo, por comigo ainda por outros sete anos.”
Midrash, fora assaltado no caminho Raquel servi contigo! E por que (Gênesis 29:26-27).
por Elifaz, primogênito de Esaú, que me enganaste?” (Gênesis 29:25).
enviou o filho para assassinar nosso Sem remorso, Lavan respondeu Como Jacob reagiu à flagrante
Patriarca. Em vez de defender-se descaradamente: “Não se faz desonestidade de Lavan? No
do sobrinho e lutar contra ele, Jacob assim em nosso lugar, dar a menor exílio, sem recursos e longe do lar,
propôs ser poupado em troca de antes da maior. Completa esta optou pelo apaziguamento, pela
todos os seus bens, o que ilustra, semana e daremos para ti também conformidade e, apesar de nunca ter
mais uma vez, uma disposição de ela, pelos serviços que servirás desejado casar-se com Lea, aceitou
fazer quase qualquer coisa, até se os novos termos propostos.
submeter à pobreza, para evitar o
confronto. Assim, nosso Patriarca ficou
20 anos em Haran, onde foi
O ato de desapego teve enganado e explorado repetidas
consequências significativas e vezes pelo tio. Quando passou a
duradouras para Jacob, que, ao trabalhar por conta própria para
chegar a Haran sem recursos prover melhor ao sustento das
financeiros, se viu sem muitas opções esposas e filhos, D’us abençoou-o
além de trabalhar para o ganancioso em todos os seus empreendimentos,
e desonesto Lavan. Jacob desejava o que lhe permitiu acumular
casar-se com Raquel, a bela filha do grande riqueza. Essa prosperidade
tio, ao qual, então, se propôs servir despertou inveja e ressentimento
por sete anos em troca da mão da tanto em Lavan quanto em seus
prima. Jacob cumpriu o prometido, filhos. Aquele, embora tivesse
mas, na noite das núpcias, foi anteriormente reconhecido que “o
enganado por Lavan, que apresentou Eterno me abençoou por tua causa”
como noiva a filha mais velha, Lea. (Gênesis 30:27) e admitido que
Jacob só descobriu ao amanhecer que sua fortuna se devia à presença do
havia passado a noite com a irmã sobrinho, começou a agir como se
da amada. Indignado, confrontou "JACOB LUTANDO COM O ANJO". Vitral de
este enriquecesse à sua custa. Jacob
o tio sobre a traição e questionou: Marc Chagall percebeu a mudança de atitude

14
REVISTA MORASHÁ i 122

do tio, que deixara de vê-lo como


uma vítima inofensiva e passara a
considerá-lo um adversário: “E Jacob
viu o rosto, e eis que não estava
para ele como ontem e anteontem.”
(Gênesis 31:2). Contudo, em vez
de confrontar Lavan sobre sua
hostilidade, preferiu ir embora.
Instruído por D’us a retornar à
terra dos pais, partiu sigilosamente,
às pressas, com a família e os bens.
Assim como fora para Haran para
escapar de Esaú, agora voltava ao
país natal para esquivar-se de Lavan.
Ou seja, mais uma vez recorreu à
fuga e não confiou na própria força,
mas em seu akev, seu calcanhar, para
enfrentar o problema.

Ao ser informado do ocorrido,


Lavan pôs-se no encalço do genro
com intenções hostis, disposto
a assassiná-lo. Ao alcançá-lo,
confrontou-o: “Por que te escondeste
para fugir e me roubaste, e não me Jacob lutando com o anjo. afresco de Eugène Delacroix (1855–1861)
fizeste saber?” (Gênesis 31:27).
Também o advertiu: “Tenho poder
em minhas mãos para fazer-vos Derivado da palavra hebraica para superar o outro. O filho de Isaac
mal.” (Gênesis 31:29). Revelou ainda “calcanhar”, o nome Yaacov sugere e Rebeca saiu vitorioso, mas,
que só se abstinha disso porque uma tendência não só a fugir dos ferido na região do nervo ciático,
D’us lhe aparecera em sonho e o problemas, mas também a deixar- ficou temporariamente manco.
proibira de tocar em nosso Patriarca. se pisotear por outros, como Ao amanhecer, o anjo pediu
O grande enganador, que havia Lavan. licença para ir-se. Nosso Patriarca
ludibriado o sobrinho inúmeras respondeu que só o atenderia em
vezes, fez então um discurso que A luta com o anjo e um troca de uma bênção, que lhe foi
atingiu o ápice da hipocrisia: acusou novo nome: Israel concedida na forma de um novo
este de defraudá-lo, roubá-lo e levar nome: “Não, Jacob não mais será
tanto as filhas quanto os netos dele, Um dos episódios mais teu nome, e sim Israel, pois lutaste
Lavan, como se fossem prisioneiros. enigmáticos e místicos da com um anjo e com homens e
Jacob replicou que fora ele o lesado Torá é o confronto entre nosso prevaleceste.” (Gênesis 32:29).
durante sua estada em Haran e Patriarca, prestes a retornar à terra
expressou indignação, mas evitou prometida por D’us a ele e a seus Essa mudança, posteriormente
o confronto direto. Acusado de descendentes após mais de duas confirmada por D’us, indica que o
desonestidade por alguém que era décadas, com um anjo. embate resultou em uma profunda
a própria encarnação desse vício, Há diversas interpretações transformação da essência e
reagiu de forma defensiva. Assim não só sobre a identidade, mas da missão de Jacob, pois, como
como optara por não enfrentar também sobre o propósito desse mencionado no início deste artigo,
o irmão, Esaú, e preferira a fuga, ser celestial, que, segundo a Torá, o nome hebraico revela justamente
protestou contra as acusações, atacou Jacob enquanto este estava esses aspectos do indivíduo.
mas se submeteu ao menosprezo. sozinho. Durante a noite inteira, A luta representou um verdadeiro
Mais uma vez, deixou-se subjugar. um se esforçou ao máximo para divisor de águas na vida de

15 abril 2024
tanach

Caverna de Machpelá, Hevron, onde estão enterrados Avraham, Isaac, Jacob, Sarah, Rebeca e Lea

nosso Patriarca. Até então, para homem que sempre confiara em seu como Filhos de Avraham nem
sobreviver, Yaacov Avinu, nosso pai akev, na fuga, agora se via obrigado como Filhos de Yitzhak, mas sim
Jacob, sempre evitara o confronto a confrontar os desafios. Jacob como os Filhos de Israel (Bnei
direto com os inimigos, dependera precisava evoluir para Israel. Israel). Isso ocorre porque, enquanto
de seu akev e optara pelo os dois primeiros também deram
apaziguamento em vez do conflito, Há, porém, uma peculiaridade nesse origem a outras nações, todos os
pela fuga em vez do combate. episódio. Após ele, nosso terceiro doze filhos de Jacob formaram o
No entanto, ao enfrentar um anjo, Patriarca passou a utilizar ambos os nosso povo. A dualidade de nomes
encontrou-se em uma situação nomes, tanto que o original é muito do terceiro Patriarca tem um
inédita: a urgência de lutar e vencer mencionado na Torá e na liturgia significado profundo para todos
ou morrer. Contra um ser não judaica, ao contrário do de outras os judeus e seus descendentes,
limitado pela fisicalidade, a fuga, o grandes figuras do Judaísmo que em todas as gerações. Conforme
recurso ao calcanhar, não era mais passaram por mudança semelhante. ensinado por Nachmanides, Maaseh
uma opção viável. Por exemplo, Yehoshua ( Josué) Avot Siman L’Banim, “os atos dos
bin Nun chamava-se originalmente pais (os Patriarcas) são um sinal
É significativo que, apesar da Hoshea, nome que não mais para os filhos”. Isso indica que
vitória no embate e da bênção aparece após ser alterado por tudo o que aconteceu com nossos
recebida, o Patriarca sofreu uma Moshé Rabenu. No entanto, o caso antepassados, sobretudo Jacob, cujo
lesão física temporária. de Jacob destaca-se porque não foi nome carregamos, influencia a vida
O anjo feriu-o de propósito para uma renomeação, como ocorrera dos descendentes dele: nós, os Filhos
transmitir-lhe uma mensagem com Avraham, Sarah e Yehoshua, de Israel.
intrinsecamente ligada ao novo mas sim, a atribuição de um nome
nome que lhe conferiu: “só adicional. Em outras palavras, Jacob
consegui ensinar a importância da não foi substituído por Israel, mas
firmeza e da luta a você, que passou passou a ter dois nomes igualmente
a vida em fuga, ao retirar-lhe, por significativos. Bibliografia
algum tempo, a possibilidade de Blech, Rabbi Benjamin, Understanding
Judaism: The basics of deed and creed,
recorrer ao seu calcanhar”. Assim, São três os Patriarcas do Povo Judeu: Jason Aronson, Inc
o ferimento infligido também Avraham, Isaac e Jacob/Israel. No Steinsaltz, Rabbi Adin (Even-Israel), The
representou uma bênção: um entanto, somos identificados não Steinsaltz Humash, Koren Publishers

16
entrevista

Eli Beer, fundador da


United Hatzalá
áreas urbanas nossos voluntários conseguem chegar em 90
segundos. Atendemos cerca de duas mil chamadas por dia.

O sr. poderia nos contar o que o levou a atuar em


serviços médicos de emergência?

Eli Beer – Cresci em Jerusalém, perto de Yad Vashem, o


Museu do Holocausto. Em 1978, aos seis anos, esperava
o ônibus para voltar para casa quando o número 12 parou
no ponto e, de repente, explodiu. Um terrorista deixara
uma bomba dentro do veículo. Seis pessoas morreram
e cerca de 50 ficaram feridas. Lembro-me dos gritos de
socorro e de minha frustração por não poder ajudar,
afinal era apenas uma criança. Durante anos, essa cena
me atormentou; não conseguia tirá-la da cabeça.
Perguntava-me o que teria acontecido com os feridos.
Eli Beer, fundador e presidente da United Hatzalá Decidi, então, que trabalharia para salvar vidas.

Comecei, desde jovem, a atuar como voluntário em


Morashá teve a grande oportunidade de
ambulâncias. Ficava, porém, frustrado com o tempo
conversar com o presidente da United Hatzalá,
médio que levávamos para chegar ao local da emergência.
ocasião em que nos concedeu a entrevista abaixo: Aqueles 17 minutos, mais ou menos, em muitos casos
podiam levar a óbito. O trânsito, sobretudo nas áreas
Morashá – O sr. poderia descrever brevemente o urbanas, era péssimo; as distâncias, grandes; em certas
que é a United Hatzalá? ocasiões, não havia veículos disponíveis e era preciso trazê-
los de outras cidades. Não me conformava com o fato de
Eli Beer – É uma organização composta de que, às vezes, não chegávamos a tempo de salvar uma vida.
paramédicos e médicos voluntários treinados para
responder, o mais rápido possível, a todo tipo de Quando tinha 16 anos, atendi a ligação de uma mãe
emergência médica em Israel. pedindo para socorrermos o filho de sete, que havia
engasgado. Levou 21 minutos o deslocamento até o local.
Recebida a solicitação, a United Hatzalá entra em Fizemos de tudo para salvar a criança. Um médico que
contato com os socorristas que se encontrem mais estava por perto juntou-se à nossa equipe. Durante 45
próximo da ocorrência, localizados por meio da minutos tentamos reanimar o menino, sem êxito. Foi
tecnologia GPS. Após a notificação, esses profissionais, um dos piores momentos da minha vida. Compreendi
em veículo próprio ou um “ambiciclo1” da entidade, que o garoto provavelmente teria sobrevivido se esse
dirigem-se a quem precisa de assistência. Dentro das médico tivesse sido alertado antes. Decidi que algo
precisava mudar. Não podíamos voltar a ver um caso
1
Motocicletas com equipamentos necessários para salvar vidas. desses. Era absurdo saber que pessoas necessitando de

17 abril 2024
entrevista

atendimento de emergência eram ouvi uma solicitação: um homem Conforme constatei, o socorrista
obrigadas a aguardar a chegada havia sido atropelado muito próximo tem grandes possibilidades de êxito
de uma ambulância enquanto, de onde eu estava. Cheguei ao local caso consiga alcançar o local da
nas proximidades, havia médicos, em menos de um minuto. A vítima, emergência em 120 segundos. Por
paramédicos e enfermeiros que só com um ferimento no pescoço, outro lado, em certas situações,
não as socorriam por não saberem da sangrava muito. Sem dispor de é mínima a probabilidade de
ocorrência. Foi nesse momento que curativo, improvisei: tirei a kipá da sobrevivência da vítima se o
decidi reunir um grupo de amigos e cabeça e, com ela, estanquei a chaga. profissional, mesmo que seja o
formar a primeira Hatzalá. Até a chegada da ambulância, 20 melhor médico do mundo, não
minutos depois, fiquei com o ferido, chegar a tempo.
Foram essas experiências que que então foi levado ao hospital.
me levaram a fundar a United As equipes da Hatzalá precisavam
Hatzalá, que, no início, se chamava Dois dias depois, recebi um deslocar-se o mais rápido possível
apenas Hatzalá, palavra hebraica telefonema: “Você é Eli Beer?”. até o local da ocorrência e, ciente
que significa “salvar, resgatar”. Respondi que sim, e meu disso, encontrei nas motos a solução.
O objetivo era a manutenção de interlocutor continuou: “Meu pai Observava como os carros ficavam
inúmeros voluntários espalhados foi atropelado por um carro há dois presos no trânsito enquanto os
por vários locais para poder atender dias, e você foi o primeiro a socorrê- entregadores de pizza, por exemplo,
imediatamente às ocorrências. lo. Ele acordou hoje de manhã no driblavam os engarrafamentos.
Hospital Hadassah e disse que, se Então, resolvi criar motocicletas-
As empresas de ambulâncias foram não fosse você, não estaria vivo”. ambulâncias, que apelidamos de
contra a ideia. “Se alguém necessitar Fui visitar o acidentado e, ao vê-lo, “ambiciclos” e distribuímos por
de ajuda, deve nos chamar”, diziam. chorei. Era um senhor já idoso com todos os bairros. Segundo pensei,
Então, decidi comprar escâneres um número tatuado no braço: um com uma quantidade suficiente
policiais e ouvir clandestinamente sobrevivente do Holocausto. Entrei, desses veículos, conseguiremos
todas as chamadas de emergência. e o homem, assim que me viu, deslocar-nos com rapidez.
No início, os voluntários utilizavam levantou-se, deu-me um forte abraço
walkie-talkies para se comunicarem e disse: “Obrigado por salvar minha Sem dúvida, a United
entre si. vida.”. Hatzalá já chega aos locais
de emergências antes das
Eu tinha 16 anos. Pouco tempo após Esse acontecimento me ambulâncias. Mesmo assim,
a fundação da Hatzalá, em Israel, transformaria para sempre. o sr. estabeleceu a meta de
alcançar em 90 segundos as
pessoas em perigo. Como isso
é possível?

Eli Beer – No início, erámos


15 voluntários e morávamos em
um bairro chamado Beit Vagan.
Constatamos que, com esse grupo,
já conseguiríamos atender todas
as emergências em 90 segundos,
pois cada um estava em um ponto
diferente e, quando recebíamos
uma solicitação, o que estivesse
mais próximo corria até lá. Hoje
contamos com sete mil voluntários
e temos a meta de chegar a 16 mil.
Nosso objetivo é a presença em
todos os bairros e em todas as ruas
Eli Beer com um grupo de socorristas voluntários em "ambiciclos" de Israel.

18
REVISTA MORASHÁ i 122

São vários os fatores que judeus do mundo. Por volta das 6h30,
contribuem para nossa agilidade. ouviram-se alertas sobre mísseis no
Em primeiro lugar, mantemos sul de Israel, onde tínhamos 600
uma rede de voluntários e, muito voluntários. Assim que chegaram
semelhante ao Uber, acionamos os primeiros pedidos de socorro,
os que estejam mais perto do local respondemos com prontidão.
do chamado. Além disso, nossos Voluntários de todos os kibutzim, de
socorristas são muito motivados todas as comunidades – de Sderot,
pela satisfação de ajudar o de Ashkelon, de Ofakim, de Netivot,
próximo, de cumprir uma mitsvá. de Nir Oz, de Be’eri, Kfar Aza e
Nossa rapidez deve-se ainda ao Kerem Shalom – foram notificados
uso de motocicletas, bicicletas e de alguma ocorrência. Apesar de
carros, bem como a nossa grande Um quadriciclo da United Hatzalá a estarmos acostumados a esses ataques,
capilaridade. Por fim, utilizamos caminho de um chamado de emergência a magnitude deste foi inesperada.
tecnologia de ponta para localizar
os voluntários que se encontrem Fizemos algo inovador. Adotamos Perdemos na hora alguns voluntários.
mais próximo de cada emergência. tanto essa tecnologia quanto esse Um dos primeiros foi o paramédico
Direcionamos parte das doações ao conceito antes do Waze e do Uber. árabe Awad, que, de plantão no
aprimoramento constante desses Com isso, ajudamos milhões de festival Supernova, correu para
recursos, que também nos permitem pessoas e contribuímos para salvar socorrer uma jovem judia e foi
detectar a origem do chamado caso centenas de milhares. assassinado juntamente com ela.
o próprio solicitante desconheça Outro, Bar Koperstein, que também
sua localização. É por isso que À luz dos trágicos casos em estava no evento e, em vez de fugir,
conseguimos chegar à maioria dos que voluntários foram feridos permaneceu no local para tratar
lugares em 90 segundos. ou sequestrados enquanto dos feridos, foi levado à força para
salvavam vidas, o sr. pode Gaza. Dolev Yehud foi sequestrado
Esse é o propósito da United relatar o papel da United no Kibutz Nir Oz. Sua esposa,
Hatzalá. Somos a resposta médica Hatzalá durante os eventos grávida à época, deu à luz o quarto
mais rápida do mundo. críticos de 7 de outubro? filho do casal em novembro. Maor
Shalom, policial das forças especiais
De que forma a organização Eli Beer – Foi o dia mais penoso do Shabak, foi morto em confronto
utilizou a tecnologia para da minha vida e da de todos os com terroristas. Um rabino, Chaim
inovar e melhorar os esforços
de salvar vidas?

Eli Beer – Como já relatei,


começamos com walkie-talkies
e, com a evolução dos recursos,
passamos para os pagers e beepers.
No início, todos os voluntários
recebiam todas as solicitações
para avaliarem se estavam perto
ou não da ocorrência. Em 2006,
descobri o GPS nos telefones, a
tecnologia mais avançada na época.
Podendo encontrar o voluntário
mais próximo de cada local de
emergência, reduziríamos ainda
mais o tempo de resposta. Assim,
nem todos teriam que ouvir todas Socorristas da United Hatzalá e paramédicos da Unidade de Busca e Resgate das
FDI transportam um paciente gravemente ferido nos atentados terroristas do
as chamadas. Hamas. 7 de out. 2023

19 abril 2024
entrevista

Sassi, de Sderot, foi baleado três


vezes enquanto tentava socorrer um
policial, mas, graças a D’us, usava um
colete à prova de balas e sobreviveu.
Apesar dos perigos, deslocamos
1.200 voluntários para o atendimento
às vítimas. Muitos foram em seu
próprio carro. Acionamos ainda 50
ambulâncias e dois helicópteros.
Conseguimos salvar mais de 500
pessoas. Infelizmente, alguns
de nossos voluntários lutaram
sozinhos contra terroristas. Estavam
protegendo vidas – uma prova mais
de sua coragem e comprometimento Socorristas transportam uma criança Simulação de Treinamento
inabalável. após uma queda

Aos seis anos de idade, o sr. já filha Abigail, meus genros Aaron e Entretanto, o 7 de outubro foi
havia testemunhado o impacto Meir, todos paramédicos, também além de qualquer situação que
de um ataque terrorista e, foram. Acredito que tenha sido conseguíamos imaginar. Foi além do
quando adulto, foi o primeiro a decisão correta. Apesar da concebível, mas nossa experiência
a responder a vários outros. recomendação da polícia contra ajudou muito. Cientes de que
Poderia descrever como nossa ida a essas áreas devido ao tais situações podem se repetir,
os acontecimentos de 7 de perigo, decidimos adentrá-las de estamos focados na preparação para
outubro se destacaram dos qualquer maneira, pois muitas ocorrências com tantas vítimas.
demais e quais desafios ou vidas dependiam da prontidão do Ampliaremos nossos estoques
experiências vivenciou naquele socorro. Se não tivéssemos ido, de equipamentos e suprimentos
dia? teria morrido muito mais gente. médicos, que acabaram naquele
fatídico dia; construiremos um
Eli Beer – Como voluntário, O 7 de outubro levou a centro logístico, de treinamento e
presenciei horrores: acidentes, United Hatzalá a rever sua duplicaremos o tamanho da United
afogamentos e ataques terroristas. abordagem para responder a Hatzalá. Esperamos que nunca volte
No entanto, em 35 anos de atuação emergências futuras? a acontecer nada parecido com o
em serviços médicos, ajudando a 7 de outubro, mas temos que estar
salvar vidas na United Hatzalá, Eli Beer – A maior lição sempre preparados para qualquer
nunca vi nada comparável ao 7 de desse dia foi nunca subestimar eventualidade.
outubro. Nunca imaginei que algum os adversários e estar sempre
dia vivenciaria algo tão monstruoso. preparado. Com a participação A United Hatzalá, com seus
Foi além de tudo o que já tinha visto, no socorro em desastres ao redor voluntários de várias religiões,
um ataque brutal visando a humilhar do mundo, aprimoramos nossa demonstra a diversidade
cada um dos judeus e assassinar habilidade no atendimento da sociedade israelense.
qualquer pessoa sem distinção de a emergências. Como nos Refletindo sobre o incidente
sexo, idade ou nacionalidade. voluntariamos para prestar em que seu pai teve um ataque
Ao tomar conhecimento das assistência durante catástrofes cardíaco e foi assistido por um
atrocidades, tive que fazer escolhas em países como Haiti, Nepal, voluntário de origem árabe,
difíceis, como permitir a entrada Marrocos, Ucrânia ou mesmo como você responderia às
de voluntários e de minha própria Turquia, após um terremoto, nós críticas que acusam Israel de
família em áreas de risco. da United Hatzalá adquirimos apartheid?
muita experiência e aprendemos
Minha esposa Kitty dirigiu-se para a responder adequadamente a Eli Beer – A United Hatzalá
Sderot, Be’eri e Kfar Aza. Minha tragédias de grande magnitude. representa a verdadeira essência

20
REVISTA MORASHÁ i 122

de Israel, a única democracia do


Oriente Médio. Entre os 22 países
árabes que nos rodeiam, nenhum
outro dá oportunidades iguais
a todos os habitantes. Todos os
israelenses, os dois milhões de
origem árabe inclusive, têm as
mesmas possibilidades. A United
Hatzalá é um perfeito exemplo disso,
pois, de seus sete mil voluntários,
750 são árabes. Judeus, árabes,
cristãos e beduínos de ambos os
sexos trabalham lado a lado para
salvar vidas.
Um helicóptero médico da United Hatzalá decola enquanto a ambulância que fez
No 7 de outubro, o primeiro o transporte terrestre permanece à vista

voluntário da United Hatzalá a ser


assassinado pelos terroristas era Primeiramente, quero um Por falar nisso, a Hatzalá do Brasil
árabe. Outros da mesma origem voluntário em cada rua de Israel. faz um trabalho incrível como
foram feridos. Tarek, um médico Isso significa expandir o número organização independente, não
beduíno, foi raptado e libertado no de socorristas para 16 mil, o que vinculada à United Hatzalá.
mesmo dia pelo exército israelense. requer investimentos em capacitação
Os que criticam nosso país não e equipamentos custosos. Agora São essas minhas inspirações do
sabem o que dizem. As críticas que temos sete mil e gostaríamos de tikkun olam2 que quero deixar como
nos rotulam como um “estado de preparar pelo menos mais dois mil legado.
apartheid” são infundadas e refletem por ano até atingir essa nova meta.
o antissemitismo dos que as fazem. Cada novo voluntário nos custa Como as pessoas podem ajudar
US$ 10.000, incluindo treinamento, a United Hatzalá?
Apesar dessas acusações, equipamento, desfibrilador e colete à
continuamos a promover a ajuda prova de bala. Eli Beer – Agradeço sua pergunta.
mútua na United Hatzalá, onde Nosso objetivo é salvar mais vidas
voluntários de todas as sociedades A segunda meta é profissionalizar e, para isso, precisamos de mais
demonstram o verdadeiro espírito ainda mais nossa equipe. Para recursos. A organização em Israel
de Israel. Estou orgulhoso dessa isso, planejamos a construção de depende de doações, e a arrecadação
diversidade e acho que quem quiser centros de simulação inspirados é direcionada ao treinamento de
entender nosso país deveria olhar por um modelo que observei ao socorristas, bem como à compra de
para a nossa organização. auxiliar a Hatzalá do Brasil. Nessa tanques de oxigênio, desfibriladores,
ocasião, visitei uma universidade ambiciclos e ambulâncias. Também
Tendo ultrapassado sua meta que mantém uma instalação buscamos recursos para a construção
inicial de ajudar seis milhões desse tipo utilizada também para de um centro de treinamento.
de pessoas, quais são as novas treinamento. Meu sonho é construir
aspirações ou metas da United uma semelhante em Israel. Por fim, Quem quiser apoiar a United
Hatzalá? nosso terceiro objetivo é globalizar Hatzalá pode acessar nosso portal,
o modelo da United Hatzalá para www.israelrescue.org. Se alguém
Eli Beer – Após superarmos incentivar sua adoção por outras quiser tirar dúvidas, pode entrar
esse objetivo inicial, estabeleci comunidades, além das judaicas. em contato comigo pelo endereço
novas metas para a organização. Essas ambições refletem nosso eli@israelrescue.org. Nossa página
compromisso com a melhoria também tem muitos vídeos
contínua e a propagação da nossa interessantes. Compartilhem esse
2
Tikkun olam – a missão de melhorar o missão humanitária em nível material, assim como nossa história,
mundo, de aperfeiçoar a obra de D’us. mundial. nas redes sociais.

21 abril 2024
israel

Os Filhos de Israel
e o Estado de Israel
POR tev djmal

A expressão “os atos dos pais são um sinal para os filhos”


(Maaseh Avot Siman L’Banim) origina-se dos ensinamentos
de Rabi Moshé ben Nachman, também conhecido como o
Ramban ou Nachmânides – um cabalista medieval e um dos
maiores Sábios da história judaica, que escreveu um
comentário clássico sobre os Cinco Livros da Torá.

S
egundo o Ramban e outros comentaristas a nação judaica. Por outro lado, Avraham e Yitzhak
da Torá, os eventos na vida dos Patriarcas geraram outros filhos que originaram diferentes nações.
do Povo Judeu – Avraham, Yitzhak e Assim, levando em conta que “os atos dos pais são um
Yaacov – anteciparam as experiências de sinal para os filhos”, a vida de Jacob – mais do que a de
seus descendentes. Assim, as narrativas Yitzhak e Avraham – exerceu um impacto profundo na
de suas vidas, provações e experiências documentadas trajetória do Povo Judeu que perdura até os dias atuais.
na Torá transcendem a simples historicidade, servindo
como prelúdios e lições para os Filhos de Israel ao longo No artigo “Jacob e Israel - Os Dois Nomes de Nosso
dos milênios. Patriarca”, exploramos o conceito – presente no Talmud,
no Midrash e nas obras de Cabalá – de que o nome
No artigo “Jacob e Israel - Os Dois Nomes de Nosso hebraico de uma pessoa desvenda sua identidade e
Patriarca”, publicado nesta edição, exploramos o influencia seu caráter e destino. Explicamos que o
significado de nosso Patriarca Jacob possuir dois nomes. terceiro Patriarca recebeu o nome Yaacov porque nasceu
Diferentemente de Avraham e Sarah, que passaram segurando o calcanhar (em hebraico, akev) de seu irmão
por uma mudança de nome, Jacob não teve seu nome gêmeo, Esaú. O nome Yaacov espelha a essência de
original alterado. Em vez disso, recebeu um novo Jacob: seu comportamento era marcado pelo akev – o
nome, Israel, enquanto também manteve seu nome de calcanhar – indicando que ele o usava para fugir de seus
nascimento, Jacob. inimigos ou permitia que estes o pisoteassem.

Entre os três Patriarcas, Jacob é considerado o progenitor Considerando que a Torá é a Palavra de D’us, um livro
do Povo Judeu em um grau mais significativo do que seu de autoria Divina – e não uma obra mitológica –, ela não
pai, Yitzhak, e seu avô, Avraham. A distinção de Jacob idealiza a vida de seus protagonistas. Na Torá, Jacob é
em relação aos outros dois Patriarcas reside no fato de descrito como “homem íntegro, que habitava nas tendas”
todos os seus filhos terem se tornado fundadores das (Gênesis 25:27): um erudito que passa a maior parte do
Doze Tribos de Israel, que, em conjunto, constituem seu tempo estudando. Ele se destaca como um gigante

22
REVISTA MORASHÁ i 122

VISTA DA TERRA PROMETIDA A PARTIR DO MONTE NEBO NA JORDâNIA

espiritual e místico, que sonha com pela violência e pelo hedonismo ao confronto, apesar de sua
uma escada que se estende até os – um caçador e guerreiro. Sendo notável força espiritual e física. Ele
Céus, pela qual anjos ascendem e gêmeos, Jacob e Esaú provavelmente consistentemente escolhe fugir em
descem à Terra. Jacob também é possuíam força física semelhante. vez de enfrentar. Isso se evidencia
um profeta, que recebe revelações De fato, a Torá nos oferece um na forma como ele lida com seus
de D’us em seus sonhos. Como um vislumbre da notável força física adversários. Quando Esaú ameaça
homem devoto, sagrado e sábio, de Jacob (Gênesis 29): Ao chegar matá-lo, em vez de confrontar seu
Yaacov tem a missão de seguir os em Haran e dirigir-se a um poço irmão, Jacob segue o conselho de
caminhos de seu pai, Yitzhak, e de onde encontraria sua futura esposa, seus pais e foge de casa. Ele se dirige
seu avô, Avraham. Raquel, Jacob se depara com uma para a casa de seu tio materno,
grande pedra que o cobria – uma Lavan, que mora em Haran –
E ainda assim, Jacob – o homem pedra que normalmente exigiria o localizada na atual Turquia.
de fé, paz e integridade – enfrenta esforço conjunto de vários pastores
numerosos sofrimentos ao longo da para ser removida, a fim de dar água Durante sua longa estadia em
vida. Ele é retratado na Torá como o ao rebanho. No entanto, ao avistar Haran, Jacob é constantemente
servo sofredor de D’us, uma vítima sua prima Raquel e apaixonar-se por enganado, explorado e humilhado
constante de tragédias sucessivas. ela à primeira vista, Jacob é tomado por Lavan – seu tio materno e
Grande parte de seu sofrimento por tamanha força e determinação sogro, mas nunca reage. Lavan o
está vinculada à sua santidade e que, sozinho, consegue remover a engana repetidamente, porém Jacob
ingenuidade. Jacob buscava evitar, pedra da abertura do poço. Esse continua trabalhando de forma leal
a todo custo, conflitos, confrontos ato, realizado sem a necessidade de e honesta como seu empregado.
diretos e, especialmente, o assistência dos pastores, evidencia a Contudo, quando os filhos de Lavan
derramamento de sangue. Em vários excepcional força física de Jacob. demonstram aberta hostilidade
aspectos, ele é o oposto de seu irmão Portanto, é difícil compreender por contra Jacob, movidos pela inveja de
gêmeo, Esaú, que é caracterizado que Jacob preferia o apaziguamento sua prosperidade e acusando-o de

23 abril 2024
israel

“Jacob lutando com o anjo”, Bartholomeus Breenbergh, 1639

ter enriquecido às custas deles, Jacob (Gênesis 32:29). O novo nome, irmão. Portanto, em vez de agir com
decide fugir, pois Haran se tornara Israel, revela que Jacob passou hostilidade, Esaú o acolheu com
um ambiente hostil e perigoso. por uma transformação profunda. um beijo, e ambos se comoveram.
Levando em conta que o nome Independentemente da sinceridade
Jacob deixa Haran sem informar hebraico de uma pessoa reflete desse gesto – sobre a qual os Sábios
Lavan, temendo a reação de seu sua essência, o terceiro Patriarca divergem – torna-se claro que Esaú
sogro. A maneira como Jacob lida emergiu dessa luta transformado. encontrou um irmão muito diferente
com a hostilidade de Lavan e seus Yaacov, antes associado ao akev – o daquele que havia deixado para
filhos – assim como havia feito anos calcanhar –, agora é reconhecido trás, há mais de duas décadas. Esaú
antes com Esaú – é por meio da como um guerreiro. sempre foi um guerreiro; agora, seu
fuga. Ele escolhe evitar o confronto irmão também o era. Na última vez
– confiando em seu “calcanhar”, seu No entanto, o novo nome, Israel, que se viram, o irmão de Esaú era
akev – em vez de enfrentar a situação não substituiu o nome Jacob, conhecido como Yaacov; agora, ele
diretamente. No entanto, retornar mas sim acrescentou uma nova também era Israel.
para casa significa reencontrar denominação. Ter dois nomes
Esaú, que havia jurado matá-lo. significava que o Patriarca agora Jacob e Israel
Às vésperas de retornar à sua terra possuía duas naturezas distintas. - As duas identidades
natal, Jacob fica apreensivo diante do De fato, mesmo após ser abençoado do Povo Judeu
confronto iminente. com o nome Israel, o pai do
Povo Judeu continuou exibindo O princípio de que “os atos dos
A famosa luta de Jacob com o anjo as características de Jacob. Ao pais são um sinal para os filhos”
ocorreu na noite anterior ao seu reencontrar seu irmão Esaú – e sugere uma interpretação da
reencontro com Esaú. Diante da temendo um confronto fatal – história judaica sob uma ótica
impossibilidade de fugir, Jacob se ele optou por uma abordagem teológica, especialmente por meio
vê obrigado a lutar. Essa batalha conciliadora: curvou-se diante de das narrativas da Torá sobre os
representa uma luta por sua própria Esaú sete vezes, demonstrando Patriarcas, com um foco particular
sobrevivência. Após um longo submissão total. Ao dialogar com na vida de Jacob. Conhecido
combate noturno, Jacob prevalece Esaú, Jacob se referiu a si mesmo também como Israel, o terceiro
sobre o anjo. Como recompensa como servo dele (Gênesis 33:5) e Patriarca exibe uma dualidade de
por sua vitória, ele recebe um novo ainda o presenteou generosamente. naturezas, simbolizada por seus dois
nome. O anjo o abençoa, dizendo: No entanto, após receber o nome nomes. Essa dualidade é refletida em
“Não, Jacob não mais será teu nome, Israel, Jacob indubitavelmente seus descendentes, o Povo Judeu, que
e sim Israel, pois lutaste com um se transformou. Esaú percebeu manifesta essas características em
anjo e com homens e prevaleceste.” essa mudança ao reencontrar o diferentes intensidades e contextos.

24
REVISTA MORASHÁ i 122

A identidade que os judeus


adotam – seja de Jacob ou Israel – é
influenciada por vários fatores. De
modo geral, quando se encontram
em sua terra natal – seja na antiga
Israel ou no moderno Estado
de Israel – tendem a manifestar
coletivamente a essência de seu
Patriarca como Israel. Por outro lado,
na Diáspora, tendem a personificar o
Patriarca no estágio de sua vida em
que era conhecido exclusivamente
como Jacob.

O Tanach, especialmente nos livros Soldados romanos levando despojos do Templo de Jerusalém. Arco de Tito, Roma
dos Primeiros Profetas (Nevi’im
Rishonim) –Yehoshua ( Josué),
Shoftim ( Juízes), Shmuel (Samuel) Esse reconhecimento por um dos terra natal pelos descendentes de
e Melachim (Reis) – retrata os impérios mais poderosos da história Esaú – o Império Romano. Essa
Filhos de Israel como guerreiros atesta o espírito indomável e o expulsão marcou uma mudança
formidáveis. A proeza militar legado notável dos guerreiros judeus. fundamental para os Filhos de
dos judeus na Terra de Israel era Israel. Anteriormente uma potência
notável tanto durante o período de No entanto, apesar de seu poderio militar formidável, cujo nome –
seu domínio soberano quanto nos militar, os judeus acabaram sendo Israel – evoca a imagem de um
séculos subsequentes, sob domínio derrotados por Roma. De maneira guerreiro, eles voltaram a adotar as
estrangeiro, como no tempo do semelhante à narrativa da Torá, características de seu antepassado
Segundo Templo Sagrado de na qual Jacob é forçado ao exílio Jacob: um “homem íntegro que
Jerusalém. Mesmo sob ocupação, ao fugir de seu irmão Esaú, que habitava em tendas”. Na Diáspora,
os judeus alcançaram uma vitória ameaçava matá-lo, os descendentes o Povo Judeu deixou de atuar como
significativa contra o exército sírio- de Jacob foram expulsos de sua guerreiros, dedicando-se novamente
grego, na época considerado uma
superpotência militar – um feito
que é celebrado na festa de Chanucá.
Apesar de o Império Romano ter
eventualmente derrotado os judeus
militarmente – devido a divisões
internas e falhas espirituais entre o
nosso povo –, a resistência judaica
provou ser feroz e determinada. Os
levantes judaicos, especialmente a
Grande Revolta (66-73 E.C.), que
resultou na destruição do Segundo
Templo Sagrado, e a Revolta de
Bar Kochba (132-136 E.C.),
demonstraram a incansável luta
dos judeus por independência e
sua resistência contra a dominação
romana. A coragem e a habilidade
militar dos judeus deixaram uma Ilustração do suposto assassinato
ritual de Simão de Trento. “Passio
impressão duradoura nos romanos, “O judeu prestamista e o cristão
mercador” – Cantigas de Santa Maria beati Simonis”, de Johannes Matthias
acostumados a suprimir rebeliões. do rei Afonso X de Portugal, séc 13 Tuberinus, 1475

25 abril 2024
israel

ao desenvolvimento espiritual e
intelectual, tal como Jacob havia
feito.

A fuga de Jacob para Haran e


sua subsequente permanência
lá por vinte anos prenunciaram
e simbolizaram a vida do Povo
Judeu fora da Terra de Israel por
quase dois milênios. A experiência
da Diáspora judaica variou
consideravelmente, influenciada
pelo período histórico, local de
residência e circunstâncias vigentes.
Houve momentos breves de paz e
prosperidade, mas também longos
períodos de intensa opressão e
POSTER DE PROPAGANDA ANTISSEMITA SOVIÉTICA MOSTRA TRABALHADOR RUSSO
horrores indescritíveis. No entanto, CARREGANDO MARTELO E FOICE COMO ESCRAVO DE MESTRES JUDEUS QUE DOMINAM O
uma constante se manteve: assim MUNDO. 1930

como Jacob em Haran, os judeus para as sociedades nas quais se Como detalhado no artigo “Jacob
na Diáspora encontraram-se estabeleceram, promovendo avanços e Israel – Os Dois Nomes de
em exílio como uma minoria notáveis em vários campos. No Nosso Patriarca”, os dois maiores
diminuta vivendo entre uma entanto, ao alcançarem sucesso, inimigos de Jacob – Esaú e Lavan
maioria frequentemente hostil, frequentemente enfrentaram – recorreram a mentiras e acusações
especialmente na Europa. ressentimentos e acusações por parte infundadas para justificar sua
Mesmo possuindo capacidades da população local. Essas acusações hostilidade e suas intenções de
notáveis – tanto espirituais sugeriam que os judeus haviam violência contra nosso Patriarca.
quanto intelectuais –, os judeus acumulado riqueza e poder à custa Da mesma forma que Jacob foi
frequentemente se viram em dos outros, ecoando as acusações alvo de falsidades e calúnias,
situações de vulnerabilidade, mentirosas e injustas dirigidas a seus descendentes na Diáspora
incapazes de exercer plena Jacob. enfrentaram uma série de acusações
autonomia ou de definir seus
próprios destinos.

Assim como Jacob enfrentou


perseguição e sofreu acusações
infundadas por parte de seu irmão
violento e seu tio desonesto, o Povo
Judeu tem sido alvo de numerosas
falsidades e alegações nefastas ao
longo da história. A estadia de
Jacob na casa de Lavan resultou em
prosperidade e bênçãos. Contudo,
assim que Jacob acumulou
riquezas, foi acusado pelos filhos
de Lavan de ter enriquecido às
custas deles. Essa narrativa reflete
uma experiência recorrente dos
judeus ao longo das diversas
diásporas: eles consistentemente
contribuíram de forma significativa “O REFUGIADO”. FELIX NUSSBAUM. 1939

26
REVISTA MORASHÁ i 122

infundadas, muitas das quais contra os judeus por quase dois mil pela comunidade internacional. A
persistem até hoje. Os judeus foram anos. Os prelúdios do Holocausto escolha de Elie Wiesel do título
alvo de alegações contraditórias: já estavam estabelecidos muito “Noite” para seu livro mais marcante,
descritos ora como capitalistas antes da ascensão dos nazistas ao que narra suas experiências em um
controladores da riqueza mundial, poder. O genocídio dos judeus campo de extermínio nazista, ressoa
ora como comunistas que cobiçavam europeus não foi um episódio profundamente com a imagem
o dinheiro alheio; considerados isolado, mas sim, o ápice de um ódio da luta solitária de Jacob, na qual
indivíduos preconceituosos que antigo e profundamente arraigado. ele enfrenta um anjo durante
evitavam a assimilação, ou como Considerar o Holocausto como uma toda a noite, lutando pela própria
assimiladores que rejeitavam sua anomalia – como uma aberração sobrevivência.
própria religião e tradições; rotulados que nunca mais poderia ocorrer – é
tanto como estrangeiros desleais ao ignorar os padrões históricos de O desfecho da luta de Jacob com o
país que os acolhia quanto como antissemitismo que prepararam anjo, que abençoa nosso Patriarca
pessoas que se aculturavam demais, o terreno para tal catástrofe. O com o novo nome, Israel, prenuncia
perdendo o senso de identidade Holocausto foi, de fato, uma a criação do Estado de Israel. A
nacional e sua origem. Todo tipo de tragédia anunciada, e vários líderes narrativa de como nosso Patriarca
mentiras, injúrias e difamações que judeus, incluindo Ze’ev Jabotinsky, lutou e venceu o anjo, culminando
a humanidade conseguiu conceber fundador do Sionismo Revisionista, na transformação de Jacob em Israel,
foram direcionadas contra o Povo já alertavam para essa possibilidade permite compreender como um povo
de Israel. Entre as acusações mais desde o início da década de 1930. que demonstrou vulnerabilidade
nefastas contra os judeus na Europa ao longo de dois milênios se
estavam os libelos de sangue, que Vários estudiosos judeus, incluindo transformou em uma potência
alegavam que eles sacrificavam Elie Wiesel, interpretam a luta militar em apenas algumas décadas.
crianças cristãs para utilizar seu de Jacob com o anjo como uma Pouco tempo após o Holocausto, o
sangue na preparação da Matzá para alegoria profética do Holocausto. Estado Judeu estabeleceu-se como
Pessach. A narrativa descreve Jacob “sozinho uma das maiores potências militares
à noite”, uma metáfora para o do mundo. A explicação para tal
Essa campanha sustentada de isolamento do Povo Judeu durante o feito reside no fato de que somos
demonização antissemita, que Holocausto – um período em que se não apenas Jacob – o homem que
propagou mentiras atrozes por encontraram sozinhos, abandonados utiliza o calcanhar para evitar o
mais de dois mil anos, pavimentou
o caminho para os horrores
perpetrados pela Alemanha Nazista.
Foram essas falsidades, acumuladas
ao longo de quase dois milênios, que
permitiram que os líderes do Partido
Nazista mobilizassem sua população
e inúmeros colaboradores para o
genocídio dos judeus europeus,
conhecido como Holocausto.
Esse período sombrio da história,
que resultou no extermínio de
aproximadamente dois terços da
população judaica da Europa – seis
milhões de judeus – pelas mãos da
Alemanha Nazista e seus aliados,
não surgiu do nada. Foi o culminar
de preconceitos antissemitas de
longa data – uma combinação tóxica
de falsidades teológicas, políticas, Campo de concentração da Alemanha nazista de Auschwitz-Birkenau. Judeus
presos e congelando atrás de arame farpado eletrificado. Foto tirada por seus
sociais e econômicas empregadas libertadores em 1945. Polônia

27 abril 2024
israel

à criação de um Estado Judeu, os


fundamentos do Estado de Israel já
haviam sido estabelecidos décadas
antes do genocídio de seis milhões de
judeus europeus.

O Sionismo moderno, um
movimento político dedicado ao
estabelecimento de um Estado
nacional judeu na terra ancestral do
Povo de Israel, começou a ganhar
forma no final do século 19 entre as
comunidades judaicas na Europa.
Theodor Herzl deu um impulso
Crianças judias a caminho de Eretz Israel depois de libertadas do Campo de significativo a esse movimento no
Concentração de Buchenwald. 5 jun 1945 cenário internacional, em 1896, com
a publicação de “O Estado Judeu”.
confronto –, mas também Israel, de uma nação majoritariamente Neste trabalho, Herzl argumentou
o guerreiro que enfrenta e supera concentrada em questões religiosas que a fundação de um Estado Judeu
aqueles que ameaçam sua existência. e acadêmicas para assumir o papel soberano era o remédio mais eficaz
de guerreiros. Essa metamorfose foi contra o antissemitismo sistêmico
De fato, o próprio nome dado ao fundamental para reconquistarem que prevalecia na Europa.
recém-fundado Estado Judeu, Israel, sua terra ancestral e estabelecerem
antecipa a ascensão do país como uma defesa sólida. É, portanto, historicamente inegável
uma potência militar formidável, que o Sionismo moderno precedeu os
honrando a implicação do nome O nome “Estado de Israel” eventos cataclísmicos do Holocausto.
que remete à luta e resistência. Esse reflete sua identidade e essência, No entanto, é indiscutível que o
arco narrativo, que vai da profunda originando-se no nome do Patriarca genocídio dos judeus da Europa
vulnerabilidade ao empoderamento, do Povo Judeu e ressaltando teve uma influência crítica no ethos
encapsula a experiência judaica especialmente seu papel de defensor e nas políticas de defesa do Estado
desde o Holocausto até a fundação e guerreiro. Portanto, as tentativas de de Israel. O Holocausto serve como
do Estado de Israel, refletindo dissociar o Estado de Israel de sua um lembrete permanente de que,
uma jornada de sobrevivência, identidade judaica são fúteis e sem sem defesa e soberania, os judeus são
renascimento e reafirmação da sentido. Não é possível ser contra vulneráveis a perseguições, violência
identidade do Povo Judeu. o Estado Judeu sem ser contra o e genocídio. O Holocausto, que
Povo Judeu. O nome do Estado constitui o capítulo mais sombrio da
É importante notar que, na Judeu, Israel, evidencia claramente nossa história, ensinou que não basta
narrativa da Torá, a transformação a conexão intrínseca do Povo Judeu ao Povo Judeu somente encarnar
e o recebimento do nome Israel com sua terra ancestral, reforçando a os atributos religiosos, eruditos e
ocorreram exatamente quando o identidade do Estado de Israel como pacíficos associados a Jacob, mas
Patriarca estava a ponto de retornar inegavelmente judaica. também a bravura e a força de
à sua terra natal. Seu novo nome Israel. Em um mundo marcado,
sinaliza uma mudança profunda em O Estado de Israel há milênios, pela hostilidade
seu ser, preparando-o para enfrentar e o Holocausto contra os judeus, o Holocausto
seu irmão Esaú e reivindicar sua demonstrou peremptoriamente
herança ancestral. De forma análoga, Muitas pessoas acreditam que a sobrevivência do Povo
durante o século 20 – nas décadas erroneamente que o Estado de Judeu requer um equilíbrio entre
que antecederam e sucederam Israel foi criado em resposta essas duas identidades. Assim, o
a fundação do Estado de Israel ao Holocausto. Embora seja estabelecimento do Estado de Israel
– o Povo Judeu vivenciou uma indiscutível que o Holocausto tenha representa não apenas a soberania
transformação significativa, passando influenciado o apoio de alguns países nacional e a independência para

28
REVISTA MORASHÁ i 122

o Povo Judeu, mas também um antissemita. Algumas pessoas


compromisso profundo com afirmam não nutrir sentimentos
a garantia de sua segurança e hostis em relação ao Povo Judeu,
continuidade. direcionando sua oposição somente
ao Estado de Israel e defendendo a
Um fator crucial que contribuiu para ideia de seu desmantelamento como
a escalada trágica do Holocausto foi um Estado Judeu. Essa tentativa
a falta de um refúgio que abrigasse de dissociar o Estado de Israel dos
os judeus. Países que poderiam ter judeus constitui um método cínico
salvado muitos judeus europeus, de atacar o Povo Judeu sem ser
incluindo os Estados Unidos, o categorizado como antissemita.
Canadá, a Argentina e o Brasil, Assim como Jacob e Israel são dois
impuseram severas restrições ou nomes da mesma pessoa – nosso
negaram completamente a entrada Patriarca – tornando inviável
TORRES AZRIELI ILUMINADAS à NOITE.
de refugiados judeus, deixando-os TEL AVIV, ISRAEL atacar um sem atacar o outro, a
à mercê do extermínio nazista. Em distinção entre antissemitismo e
resposta a isso, o Estado de Israel não pode depender de nenhuma antissionismo – entre judeus e Israel
estabeleceu a Lei do Retorno. outra nação para sua defesa. Assim, – é meramente semântica.
Constituindo um dos pilares uma missão central do Estado de
fundamentais do Estado Judeu, a Israel é evitar que a história se repita, Antissionismo e
Lei do Retorno assegura a qualquer protegendo os judeus contra ameaças Antissemitismo
pessoa de ascendência judaica o existenciais.
direito de imigrar para Israel. Esta lei Se o objetivo do Movimento
evidencia o compromisso de Israel O Estado de Israel é uma fortaleza Sionista moderno era oferecer aos
em atuar como um refúgio para para o Povo Judeu, servindo como judeus um país que servisse de
judeus que enfrentem a perseguição seu principal escudo contra o refúgio e lhes garantisse soberania
ou ameaças em qualquer parte do antissemitismo, especialmente nacional, então podemos afirmar
mundo. A Lei do Retorno reflete em suas formas violentas. que tiveram sucesso. Contudo, se a
uma lição profunda aprendida com o Consequentemente, o antissionismo meta do movimento era eliminar
Holocausto: o Povo Judeu não pode – a oposição à existência do o antissemitismo mundialmente –
depender de nenhuma outra nação, Estado de Israel – é, por natureza, acreditando que, uma vez que os
nem mesmo seus poderosos aliados
e países amigos como os Estados
Unidos, para oferecer um refúgio
seguro em momentos de perigo.

O Holocausto influenciou
profundamente o ethos de segurança
nacional do Estado de Israel,
ressaltando a necessidade de o Povo
Judeu não apenas ter um Estado
soberano, mas também garantir que
este seja forte e capaz de defender
os judeus, tanto dentro quanto
fora de suas fronteiras. A inação da
comunidade internacional durante o
Holocausto, incluindo a recusa dos
Aliados em bombardear as ferrovias
que levavam milhões de judeus aos
campos de extermínio, evidenciou de
forma inequívoca que o Povo Judeu Jovens soldados israelenses rezando no Kotel. Jerusalém, israel

29 abril 2024
israel

AS ÁGUAS AZUL TURQUEZA DO RIO AMAL CORREM ATRAVÉS DO KIBUTZ NIR DAVID, ISRAEL

judeus possuíssem um país próprio, nenhum judeu no mundo estaria Estado de Israel são inimigos do
seus inimigos deixariam de odiá-los seguro”. Povo Judeu. Quem odeia Israel
– enganaram-se profundamente. odeia os judeus, e vice-versa. Às
Assim como sabemos que Jacob e Sem o Estado de Israel, o Povo vezes, a dupla identidade – Jacob e
Israel são dois nomes da mesma Judeu reverteria a um estado de Israel – confunde alguns judeus e
pessoa, nossos inimigos também vulnerabilidade, simbolizado pela até possibilita que nossos inimigos
o sabem. Uma mudança de nome figura de Jacob – constantemente utilizem sofismas para camuflar seu
não irá enganá-los. Os antissemitas sob ameaças de figuras como antissemitismo.
desprezam Jacob porque conseguem Esaú e Lavan, que representam
pisoteá-lo e detestam Israel porque opressão, violência e ameaça Desde a fundação do Estado de
ele os impede de fazê-lo. Israel é o existencial. Assim, a existência Israel, muitos inimigos do nosso
protetor de Jacob – e é por isso que de Israel como um Estado Judeu povo têm tentado mascarar seu
muitos antissemitas nutrem um transcende a questão de identidade antissemitismo utilizando o termo
ódio fervoroso pelo Estado de Israel, e soberania nacionais, constituindo “sionistas” em vez de “judeus”.
desejando sua destruição ou, no uma salvaguarda crucial para a Após os trágicos eventos de 7 de
mínimo, que deixe de ser um Estado segurança do Povo Judeu. É o outubro de 2023 – Shabat Shemini
Judeu. Um Israel militarmente Estado de Israel que evita que Atseret/Simchat Torá –, a escalada
robusto constitui a barreira que os judeus tenham de regressar à do antissemitismo pelo mundo
impede os antissemitas de aniquilar condição de serem meramente eliminou quaisquer dúvidas sobre
todos os judeus. Jacob, vulneráveis aos desígnios a não distinção entre o Povo
de um mundo que repetidas vezes Judeu e o Estado de Israel. Nem
O verdadeiro objetivo dos demonstrou hostilidade contra eles deveríamos nós, os judeus, sermos
antissionistas é tão pernicioso e que, conforme eventos recentes enganados por antissemitas que
quanto o dos nazistas: a extinção do demonstram, aprendeu pouco ou alegam haver uma distinção entre
Povo Judeu. Os inimigos do Estado nada com o Holocausto. o Povo Judeu e o Estado de Israel.
de Israel almejam sua destruição Independentemente de vivermos em
– o desmantelamento da fortaleza O Povo Judeu possui apenas um Israel ou na Diáspora, nós, os Filhos
que assegura a proteção do Povo Estado – chamado Israel – um país de Israel, constituímos um único
Judeu –, porque a ausência de um que carrega o nome do pai de nosso povo: uma nação eterna, escolhida
Estado Judeu é um caminho que povo. Nenhuma quantidade de pelo eterno D’us de Israel para
inevitavelmente leva a Auschwitz. sofismas, argumentação enganosa receber Sua eterna Torá e habitar na
Como afirmou Joe Biden, presidente ou semântica sofisticada alterará Terra de Israel – o lar eterno de todo
dos Estados Unidos, “Sem Israel, o fato de que os inimigos do judeu, em todas as gerações.

30
israel

Violência contra a mulher,


uma estratégia terrorista
No dia 7 de outubro de 2023, cerca de três mil terroristas
fortemente armados do grupo Hamas romperam a cerca que
SEPARAVA A FAIXA DE GAZA E INVADIRAM O SUL DE ISRAEL. Poucos
quilômetros adiante, invadiram o Festival de Música Supernova,
do qual participavam milhares de jovens, e mataram centenas
de participantes.

t
ambém destruíram 21 kibutzim e pequenas Tais imagens provam, de maneira irrefutável, a extensão
cidades, nos quais incendiaram casas, da tragédia do 7 de outubro contra civis israelenses e de
destruíram propriedades, cometeram outras nacionalidades. No entanto, um capítulo dessa
estupros e assassinaram famílias inteiras história, cujas páginas ainda são escritas dia após dia
sem distinção de idade ou sexo. Entraram com tintas de sangue e lágrimas, foi ignorado pela maior
com carros, motocicletas e parapentes, seguidos de parte da comunidade internacional durante semanas,
uma multidão de moradores civis de Gaza, incluindo como se não tivesse ocorrido de fato apesar das imagens
adolescentes e crianças. Surpreenderam o país naquele e dos depoimentos dos sobreviventes e das primeiras
Shabat de Simchat Torá. reféns libertadas. Trata-se da violência contra a mulher.
Humilhações, estupros, profanação e mutilação de corpos
Esse ataque terrorista, ocorrido em um Estado soberano fizeram parte de uma estratégia friamente planejada pelo
e reconhecido pela comunidade internacional, foi o Hamas, informações sobre a qual foram confirmadas
maior ato de violência contra o Povo Judeu desde o pelos terroristas presos pelas Forças de Defesa de Israel
Holocausto e resultou em mais de 1.200 mortos e (FDI) nos primeiros dias e semanas após o atentado.
13 mil feridos. Foram levados para Gaza 253 reféns,
entre os quais 36 jovens do Festival Supernova, um bebê Infelizmente, a rápida divulgação dos relatórios médicos
de nove meses, crianças entre três e 12 anos, bem como foi impossibilitada pela precariedade das evidências,
idosos acima de 80. A quase totalidade das mortes – de reflexo tanto da extrema violência e sadismo contra as
soldados, moradores do sul de Israel e jovens presentes vítimas quanto das dificuldades para realizar todas as
ao evento – ocorreu nas primeiras 12 horas após o averiguações necessárias. Também demoraram para
ataque. Os perpetradores da selvageria gravaram, com chegar os resultados dos exames realizados nos reféns
câmaras que eles mesmos traziam ou, em muitos casos, que voltaram de Gaza após mais de 50 dias em cativeiro.
com o celular das próprias vítimas, os requintes das
atrocidades e transmitiram-nos ao vivo, com orgulho, Entretanto, o silêncio, sobretudo das organizações
nas redes sociais. femininas internacionais, a começar pela UN Women,

31 abril 2024
israel

deflagrou ondas de protestos em o ataque de 7 de outubro de 2023, a inegáveis e comprovam o que as


Israel, assim como nas comunidades violência sexual foi utilizada como testemunhas e autoridades israelenses
da Diáspora, e levou à criação do arma, sem limitar-se a casos isolados. denunciaram desde o primeiro dia,
movimento “#metoounlessurjew” mas o mundo preferiu nem ouvir,
(“MeToo a menos que você seja Ouviram-se mais de 150 pessoas, nem enxergar.
judia”). entre as quais testemunhas, soldados,
médicos e especialistas nesse tipo de Segundo a reportagem do The New
Evidências irrefutáveis abuso. Também se analisaram fotos, York Times, quatro entrevistados
vídeos e dados de GPS de celulares. descreveram, em pormenores
O jornal americano The New York Segundo o jornal, os terroristas chocantes, estupros e assassinatos de
Times publicou uma reportagem brutalizaram e mataram não só mulheres em dois pontos diferentes
extensa e minuciosa sobre uma mulheres, mas também meninas em da Rota 232, a mesma rodovia em
profunda investigação que durou ao menos sete locais. As evidências que se encontrou, jogado em um
dois meses e concluiu que, durante encontradas pelos jornalistas são terceiro local, o corpo seminu da
jovem Gal Abdush. A vítima estava
com as pernas abertas, as roupas
rasgadas, sinais de abuso nas áreas
genitais e uma das mãos sobre o rosto
queimado. O jornal entrevistou ainda
vários soldados e médicos voluntários
que, juntos, afirmaram ter encontrado
mais de 30 cadáveres de mulheres e
meninas, em um estado semelhante
ao de Abdush, no local da rave e em
dois kibutzim.

Como parte da investigação, a equipe


do jornal teve acesso a fotografias
de um corpo feminino que, retirado
pelos socorristas dos escombros de
um kibutz, trazia dezenas de pregos
cravados nas coxas e na virilha, além
MIA SCHEM Aviva Adrienne Siegel
de um vídeo no qual se viam duas
soldadas mortas em uma base perto
de Gaza. As mulheres pareciam ter
sido baleadas na vagina.

Infelizmente, o choque das forças


israelenses diante do atentado
inesperado, a dificuldade de acesso
aos locais dos ataques e a destruição
causada pela violência afetaram
o trabalho dos especialistas na
identificação das vítimas e das
circunstâncias dos assassinatos.
Os primeiros grupos de técnicos
voluntários de emergência médica
que chegaram ao local do Festival
Supernova após as ocorrências
MULHERES JUDIAS FRANCESAS PARTICIPAM DA DEMONSTRAÇÃO QUE MARCA O DIA
INTERNACIONAL PELA ELIMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES CARREGANDO
descobriram corpos de mulheres
CARTAZES CONDENANDO O SILÊNCIO DOS GRUPOS FEMINISTAS. PARIS. 25 NOV. 2023 mortas sem roupa e com as pernas

32
REVISTA MORASHÁ i 122

“Mulheres Sequestradas”, Zoya Cherkassky

abertas – algumas com as mãos Gaza e operada por um veterinário, presença da mulher e dos filhos no
atadas com cordas – na área do perguntou em sua primeira quarto ao lado. “Sua esposa odiava o
espetáculo, ao longo da estrada, no entrevista após a libertação: fato de ele estar sozinho comigo.
estacionamento e nos campos ao Trazia comida para o marido, mas
redor. “Como é possível que as pessoas não para mim... Um dia, dois dias,
ainda duvidem de tudo que três dias, eu não comia… Ela era tão
Nos kibutzim Be’eri e Kfar Aza, aconteceu conosco? Por que se horrível, tinha olhos maldosos. Era
dois dos mais devastados pelos recusam a acreditar? Para mim, é uma mulher muito má.”.
terroristas, médicos voluntários importante revelar a situação real
e dois soldados israelenses das pessoas que vivem em Gaza, Os pais de Schem relatam que a
confirmaram, em entrevista ao quem realmente são e o que passei jovem, desde sua volta, desenvolveu
jornal, terem encontrado, em seis lá. Vivenciei o inferno. Todos lá são epilepsia em consequência do
casas diferentes, pelo menos 24 terroristas. Não há civis inocentes, trauma e da falta de sono durante
corpos de mulheres e meninas nuas nem um. Civis inocentes não as oito semanas de cativeiro. Além
ou seminuas, algumas mutiladas existem. São famílias controladas disso, a moça passou por uma
e outras amarradas. Ainda assim, pelo Hamas. Ensinam às crianças, cirurgia para recuperação do braço
nem todo o mundo acredita que tais desde o nascimento, que Israel ferido.
atrocidades tenham ocorrido. é a Palestina e que devem odiar
os judeus.”. Falou ainda sobre o Demais relatos de sobreviventes
Medo e horror sofrimento, a tortura mental que e reféns libertados confirmam os
constantes sofreu durante o cativeiro, na casa fatos revelados pelas evidências
de uma família com crianças, e a encontradas nos locais do massacre
Depois de 54 dias de cativeiro, a falta de refeições diárias. Acredita e pelas imagens divulgadas. Em
jovem franco-israelense Mia Schem, que a única razão pela qual seu depoimento ao Knesset ao ser solta,
baleada durante a festa, levada a sequestrador não a estuprou foi a Aviva Adrienne Siegel afirmou:

33 abril 2024
israel

“Fugindo do Festival ‘Nova Music’”, Zoya Cherkassky

“Gostaria de relatar vários nela imediatamente se as FDI


momentos muito difíceis para mim. tentassem resgatá-la. “Roubaram
Poderia falar por uma semana. minhas roupas e tiraram-me
Minha vida mudou totalmente. a identidade. Todo dia era um
Aonde quer que eu vá, sou vista inferno. O tempo parecia uma
como refém. Passei dias de medo, eternidade. Havia a fome, a saudade
humilhação e meu marido, Keith, da família e a condições muito
ainda está lá. Sinto-me sufocar e difíceis. Um medo anormal, noites
não durmo à noite. As condições em claro (…) e é simplesmente
dos reféns são muito piores do assustador não saber o que está
que podemos imaginar. Estão acontecendo”, disse a jovem. Seu
no escuro, sem os medicamentos irmão foi solto em outro acordo
que deveriam tomar diariamente. negociado com os terroristas.
Presenciei o abuso de uma jovem, e o
sequestrador nem me deixou abraçá- Em entrevistas à mídia e em
Agam Goldstein Almog
la depois do que aconteceu. Outra depoimento às autoridades, Agam
mulher me contou que, em outro Goldstein Almog descreveu o
lugar, foi agredida sexualmente pelo encontro, em um túnel, com outras
terrorista que os vigiava. Vi ainda seis mulheres, algumas das quais
quando trouxeram uma refém e, por estavam feridas e foram assistidas
pensarem que ela fosse oficial do por ela e pela mãe: “De repente,
exército, simplesmente a torturam ao tinham alguém em quem confiar.”.
meu lado. Fui testemunha disso.”. Contou ainda que foi proibida
de chorar pelo pai e pela irmã,
A ex-refém Maya Regev, 21, ferida assassinados pelos terroristas. Foi
na perna e sequestrada junto com levada de Kfar Aza a Gaza com a
seu irmão Itay enquanto se divertia mãe, Chen, 48, e os irmãos mais
no Festival Supernova, também deu novos Gal, 11, e Tal, 9. Libertada
várias entrevistas. Em uma reunião após 51 dias, teme pelas mulheres
com representantes da ONU, falou ainda presas em Gaza, que, com
sobre a crueldade inimaginável do certeza, sofrem muito, além da
Hamas e as ameaças diárias do possibilidade de algumas estarem
terrorista que a vigiava de que, não grávidas devido aos vários estupros
maya regev disposto a morrer sozinho, atiraria dos quais ainda devem ser vítimas.

34
REVISTA MORASHÁ i 122

Reconhecimento tardio diante da resposta da ONU ao


massacre e à guerra que se seguiu.
Foi só depois da reportagem do Reconheceu ainda a profunda dor,
jornal The New York Times sobre raiva e frustração em face da evidente
a estratégia do Hamas contra as falta de compreensão e atenção
mulheres que as organizações da comunidade internacional com
femininas se manifestaram e relação às atrocidades. Quanto
condenaram o grupo terrorista. à posição de parte dos grupos
Não era mais possível negar a feministas, afirmou: “Estupro não é
realidade denunciada desde as resistência.”.
primeiras horas após o ataque.
No final de janeiro de 2023, foi A enviada das Nações Unidas veio
a vez de Pramila Patten, enviada ENCONTRO DA REPRESENTANTE DA ONU acompanhada por uma delegação
PRAMILA PATTEN COM O PRES. DE ISRAEL
especial das Nações Unidas para ISAAC HERZOG. JAN. 2024 de dez especialistas das áreas de
a Violência Sexual em Conflitos, medicina e direito. Ao longo de sua
visitar Israel a convite do Ministério que o silêncio ensurdecedor das estada, recolheu provas da selvageria.
das Relações Exteriores do país. organizações femininas de todo o Também conversou com médicos,
O objetivo era que ela observasse mundo, foram os argumentos que psiquiatras do Ministério da Saúde
in loco a verdade e compreendesse a colocaram em dúvida os fatos, tais e especialistas no apoio a vítimas
magnitude das atrocidades contra como falta de provas, e as tentativas de violência sexual ligados ao
mulheres e crianças não só em de justificar o injustificável. Ministério de Assuntos Sociais, além
7 de outubro, mas também durante o Algumas entidades que se intitulam de reunir-se com representantes de
cativeiro, que, para muitas, perdura. feministas chegaram a abonar o uso organizações da sociedade civil.
Pouco antes de partir e deixar sua de violência sexual como arma de
equipe em Israel para concluir as guerra na “luta” dos palestinos contra No dia 4 de março, após o retorno
investigações e colher evidências, a “opressão”. de Patten aos EUA, a ONU
Patten afirmou: “Ocorreram aqui confirmou as agressões sexuais
coisas que nunca vi antes. Só depois Em todos os encontros, Patten executadas contra mulheres de
de assistir ao vídeo de 47 minutos constatou o sentimento de traição Israel por parte de terroristas do
compilado pelas FDI sobre as e abandono do povo israelense Hamas. A equipe de técnicos que a
atrocidades é que compreendi a
amplitude da tragédia. Não durmo
desde então. O mundo não conhece
a extensão desse acontecimento.
Eu mesma só consegui entendê-la
ao vê-la com os próprios olhos”.

Acompanhada pelo embaixador


israelense nas Nações Unidas,
Gilad Erdan, Patten visitou os
locais do massacre, conversou com
testemunhas e reféns libertadas
após quase dois meses em cativeiro.
Em Be’eri, foi acompanhada por
Or Yalin, sobrevivente do ataque,
e Yossi Landau, membro da Zaka
(sigla hebraica para Identificação de
Vítimas de Desastres).

“Your Silence Is Loud Rally”, manifestação contra o silêncio da UN Women diante


Essa visita foi um passo muito da violência contra as mulheres no ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro.
importante. Mais vergonhosos Londres. Dez. 2023

35 abril 2024
israel

acompanhou concluiu que abusos


sexuais foram executados ainda no
local do festival Supernova. Foram
analisadas 5.000 fotos e 50 horas de
vídeos, muitos dos quais realizados
pelos próprios terroristas. O relatório
de Patten será enviado a Israel para
revisão e publicado, somente, em
abril.

Cinco meses após o fatídico 7 de


outubro, 136 reféns – entre os quais
19 mulheres – permanecem em
Gaza. No entanto, até o início de
fevereiro, as FDI já confirmavam a CASAS carbonizadAs e destruídAs do Kibutz Kfar Aza após o ataque dos
terroristas em 7 de outubro de 2023
morte de 29, além de dois soldados
sequestrados em 2014, e suspeitavam
que outros 20 já podiam ter morrido. seguiram sistematicamente os e, por fim, mataram. O estupro, a
mesmos padrões de brutalidade, mutilação e o assassinato ocorreram,
Planejamento e sadismo prova contundente de que estupro, em muitos casos, na frente da família
mutilação e todo tipo de barbárie e de amigos para potencializar a dor
Ainda durante sua visita a Israel, foram estratégias adotadas pelos e a humilhação.
Patten recebeu da Associação idealizadores do 7 de outubro.
dos Centros de Crise de Estupros Outras formas de violência foram
de Israel, o primeiro relatório Os terroristas que invadiram Israel a castração e a decepação de órgãos
oficial sobre os crimes sexuais foram instruídos a praticarem genitais. Foram encontrados corpos
cometidos pelo Hamas no dia a violência de forma sádica. com armas como pregos, facas
7 de outubro. O documento é Vários sobreviventes do massacre e granadas inseridas nas partes
baseado em vídeos que os próprios testemunharam estupros coletivos, íntimas. Esses artefatos explosivos
terroristas fizeram para registrar suas em que mulheres foram “passadas” foram colocados dentro de cadáveres
“vitórias” e em informações sigilosas, entre vários homens que as para que detonassem quando estes
bem como em testemunhos de estupraram, espancaram, feriram fossem encontrados.
sobreviventes, socorristas, forças
de Segurança, médicos e legistas que
examinaram os corpos encontrados.

De acordo com o relatório, o Hamas


fez do estupro uma arma de guerra.
O objetivo era usar a violência sexual,
de maneira brutal e sádica, para
intensificar ao máximo a humilhação
e o terror das vítimas. Apurou-se que
os atos dessa natureza ocorreram em
todos os locais invadidos: no festival
de música Supernova, em Re’im,
nos kibutzim, nas comunidades
do sul e em bases militares. Vários
dos reféns libertados descreveram
a violência sexual sofrida durante
o cativeiro em Gaza. Em todos os
Cartazes que trazem os nomes e fotos dos assasinados pelo Hamas naquele
lugares que atacaram, os terroristas local no Festival Supernova. Re’im, Israel. 28 Nov. 2023

36
exposição

O terror em telas

d
esde o dia 7 de outubro, Asimani, Sigal Rak Viente, Tamar
vários artistas israelenses Kharitonov e Zoya Cherkassky,
expressam, por meio de todos artistas israelenses que
suas obras, as emoções fizeram de sua obra uma ferramenta
que sentiram diante para contar essa história de terror e
dos horrores perpetrados pelo violência.
Hamas: incredulidade, medo, dor,
choque e revolta entre outras. Tanto Alguns criadores buscaram
profissionais de renome quanto inspiração em obras de artistas
amadores utilizam o talento como famosos. Por exemplo, em “Au-
ferramenta para não só, em primeiro dessus de la ville rouge”, Keren OR YOGEV RETRATA A FAMÍLIA BIBAS - SHIRI
E SEUS DOIS FILHOS, KFIR E ARIEL, AINDA
lugar, documentar as atrocidades Shpilsher faz uma releitura de “Au- RÉFENS NA FAIXA DE GAZA
a fim de que o mundo constate o dessus de la ville”, de Marc Chagall,
ocorrido e nele acredite, mas também com a inclusão de elementos como
lidar com seus traumas como manchas vermelhas, em referência Kibutz Kfar Aza quando o local
indivíduos ou como sociedade. ao sangue das vítimas do terror, foi invadido. Começava o pesadelo.
e uma fita de isolamento de cena Winner morreu ao tentar proteger
Algumas dessas manifestações de crimes na qual se lê “Proibido a família. Depois de 26 horas
artísticas foram exibidas na exposição passar” em hebraico. Em “A última escondida, Atary conseguiu fugir
“Unindo vozes contra a violência dança”, Marian Boo transforma com a criança. Ela soube da morte
de gênero”, no Conjunto Nacional, a famosa “La Danse”, de Henri do marido por um noticiário de
em São Paulo, de 30 de janeiro a Matisse, em algo chocante. As televisão.
21 de fevereiro de 2024. Realizada mulheres retratadas no quadro não
pela primeira vez em Israel, a mostra estão extasiadas com a alegria de “Guernica”, de Pablo Picasso,
contou com a curadoria do Women espírito livre enquanto giram de serviu de inspiração para a
Diplomats Network, do Ministério mãos dadas, mas encharcadas de ucraniana-israelense Zoya
das Relações Exteriores desse país. sangue enquanto dançam em uma Cherkassky. Seu trabalho retrata
Foi trazida a São Paulo por iniciativa poça. Há também uma menina, vista uma família escondida, em silêncio,
do Grupo de Empoderamento e pela artista em um vídeo do Hamas, sob uma lâmpada. Afirma a autora
Liderança Feminina da Federação que usa uma calça colorida “muito que, quando soube do massacre de
Israelita do Estado de São Paulo manchada de sangue”, uma jovem 7 de outubro, a primeira imagem
(ELF-Fisesp), com apoio cultural que estava no Festival Supernova e que lhe veio à mente foi a obra
do Consulado Geral de Israel em cujo corpo só foi identificado duas do gênio espanhol, uma denúncia
São Paulo e do Grupo Sky. Foram semanas após o ataque, além de uma dos horrores do bombardeio da
expostos trabalhos de 14 artistas que, grávida que teve o bebê arrancado cidade basca pelos nazistas durante
em 22 ilustrações e uma animação, do ventre. “Essas imagens me a Guerra Civil Espanhola. “Nunca
revelam, de forma contundente, o assombram desde o 7 de outubro”, imaginei que usaria a arte como
uso da violência contra a mulher disse Boo. terapia porque sou uma artista
como arma de guerra. profissional. Foi uma surpresa para
A única animação da mostra é mim mesma que essa tenha sido a
A exposição inclui quadros de da cineasta Shaylee Atary. Seu minha reação imediata aos trágicos
Geffen Rafaeli, Hagit Frenkel, marido, o também realizador de acontecimentos, mas, de alguma
Keren Shpilsher, Marian Boo, Merav cinema Yahav Winner, foi uma maneira, desenhar é a forma de me
Shinn, Ben Alon, Noa Kelner, das vítimas do ataque terrorista manter sã nessas situações. E como
Omer Zimmerman, Or Yogev, Oren do Hamas. O casal morava com eu só pensava nisso, foi isso que
Fischer, Orit Magia Schwalb, Reut a filha recém-nascida, Shaya, no desenhei.”.

37 abril 2024
israel

Israel inaugura em Jerusalém


sua nova Biblioteca Nacional
Cento e trinta e um anos completados em maio de 2023. Essa é a
idade da Biblioteca Nacional de Israel (BNI), que, em novembro,
inaugurou uma nova sede em Jerusalém. A egrégia instituição
é considerada o lar dos tesouros culturais do Povo Judeu
e dos Israelenses – judeus, árabes e cristãos – do passado
distante ao presente.

A
BNI abriu as portas para o público cerca A BNI realizou um amplo projeto de documentação
de um mês após a data inicialmente dos eventos de 7 de outubro e suas consequências não só
marcada para sua inauguração, em Israel, mas em todo o mundo. O objetivo é preservar
17 de outubro. A mudança deu-se em a memória e garantir que o testemunho das vítimas
consequência do trágico atentado do ressoe por gerações futuras. A iniciativa inclui dezenas
grupo terrorista Hamas, em 7 de outubro do ano de milhares de textos e gravações de áudio, além de
passado, contra a população civil do sul de Israel. vídeos feitos pelas Forças de Defesa de Israel, as forças
O ataque resultou em mais de 1.200 mortos e de segurança, outras organizações e pessoas, incluindo
mais de 13 mil feridos, além dos 253 reféns levados membros do Hamas. Entre os depoimentos, estão
para Gaza. entrevistas com sobreviventes, reféns libertados, familiares
destes e terroristas presos.
Os atentados do dia 7 de outubro
A biblioteca também tem documentado a cobertura
Em solidariedade às vítimas do terror e em apoio sobre o 7 de outubro nas mídias convencionais, digitais
aos reféns, bem como a suas famílias, realiza-se na e publicações nas redes sociais, assim como as reações de
galeria central, desde a inauguração da nova sede governos, instituições e comunidades judaicas de todo o
da biblioteca, uma exposição que pode ser vista de mundo.
qualquer ponto do edifício. São cadeiras que, dispostas
em fileiras, totalizam o número de reféns, cada uma O objetivo é criar um extenso banco de dados que abranja
com uma foto de um deles e um livro evocativo de a totalidade das provas coletadas, registrando tudo que for
sua personalidade, hobby, profissão ou conexão com pertinente ao acontecimento, suas ramificações e tornando
a família. Na do bebê Kfir, que, sequestrado aos nove essas informações acessíveis de forma permanente.
meses de idade, permanecia em poder dos terroristas
por ocasião da abertura do evento, vê-se o livro “Onde Mais uma vez na história judaica, somos forçados a
está Pluto?”, de Leah Goldberg. dizer: “Nunca esquecer” e “Nunca mais”. A BNI está

38
REVISTA MORASHÁ i 122

A Biblioteca Nacional de israel, Frente Oeste

empenhada para que jamais caia Em 1948, durante a Guerra da Jordânia e o acesso dos judeus a
no esquecimento o sofrimento Independência, enquanto o Monte Jerusalém Oriental era proibido,
das vítimas do 7 de outubro, dos Scopus estava sob domínio da o acervo foi secretamente retirado
reféns, de suas famílias, de Israel e do local e preservado em vários
do Povo Judeu. pontos da cidade. Em 1960, a
BNI foi reestabelecida no campus
A história da Givat Ram da Universidade
biblioteca Hebraica.

A BNI, a primeira instituição Na década de 1990, quando


pública do gênero em Jerusalém, as bibliotecas de todo o
foi fundada em 1892 pela B’nai mundo passaram a redefinir-
B’rith com a missão de reunir os se em resposta à revolução da
“tesouros da literatura judaica”. Internet, reavaliou-se o papel
da BNI e decidiu-se separá-la
Inicialmente funcionava na da universidade. A nova sede
pequena Midrash Abarbanel foi inaugurada, após anos de
Library e, em 1895, já contava com planejamento e construção, em
10 mil volumes. Em 1925, quando novembro de 2023. O edifício
se localizava no campus de Monte do campus de Givat Ram antes
Scopus, foi integrada à recém- ocupado pela biblioteca foi
criada Universidade Hebraica de transformado em uma escola, em
Jerusalém e tornou-se a Biblioteca caráter temporário, para centenas
Judaica Nacional dessa instituição EDIFÍCIO DA BIBLIOTECA NACIONAL NO
CAMPUS MONTE SCOPUS DA UNIVERSIDADE
de crianças forçadas a abandonar
de ensino. HEBRAICA DE JERUSALÉM, 1938 a cidade de Shlomi, no norte do

39 abril 2024
israel

Também cabe destacar a Hagadá de


Rothschild e um Corão de quase
mil anos de idade, além de obras
de escritores, pensadores judeus
e israelenses como S.Y. Agnon,
Yeshayahu Leibovitz, Nechama
Leibovitz, Leah Goldberg, Uri Zvi
Greenberg, David Grossman, A.
B. Yehoshua, Eli Amir e Jaqueline
Kahanov. Há, também, manuscritos
do Rabino Avraham Itzchak
HaCohen Kook, de Hazon Ish e do
Rabino Yaakov Elyashar, entre vários
INSTALAÇÃO EM HOMENAGEM AOS REFÉNS MANTIDOS PELO HAMAS NA FAIXA DE GAZA. outros estudiosos e líderes religiosos.
BIBLIOTECA NACIONAL DE JERUSALÉM, JAN. 2024

Estão em exibição, dentro e ao redor


país, com sua família, por causa dos outros. Há ainda as maiores do novo edifício, diversas obras de
constantes ataques do Hezbollah à coleções do mundo de textos, artistas de Israel e outros países
região. Cerca de 250 alunos de 12 músicas judaicas e israelenses; como Marc Chagall, Edmund
a 17 anos foram distribuídos em mapas de Jerusalém, da Terra de Waal, Michal Rovner, Sigalit
12 salas de aula. O estabelecimento Santa; cartas geográficas antigas; Landau, Yechiel Shemi e Gali
foi nomeado Kedem, em memória livros raros; fotografias; arquivos Cnaani.
de Tamar Kedem-Siman Tov, seu comunitários e pessoais.
marido Yonatan e filhos Arbel, A BNI manterá uma exposição
Shahar e Omer, todos assassinados Entre os itens expostos, estão o permanente de itens que marcaram
em Nir Oz durante o ataque Keter de Damasco, manuscrito a História do Povo Judeu e de Israel,
terrorista do Hamas em outubro contendo comentários sobre a como o primeiro rascunho da canção
do ano passado. Maya, irmã de Mishná de Maimônides, com “Jerusalém de Ouro”, de Naomi
Kedem-Siman Tov, é funcionária da correções à mão do próprio Shemer; um bilhete com um poema
biblioteca. Rambam, e uma primeira edição do da jovem sionista Hannah Szenes
Talmud Babilônico. encontrado no dia do fuzilamento
UM NOVO CAPÍTULO da autora por um pelotão nazista;
uma carta com questionamentos
A nova sede da BNI localiza-se filosóficos enviada pelo primeiro
entre a Knesset (Parlamento) e o astronauta de Israel, Ilan Ramon,
Museu de Israel. Projetado pelo quando jovem, ao Prof. Yeshayahu
escritório de arquitetura suíço Leibowitz, bem como a respectiva
Herzog & Meuron, em parceria com resposta; e a nota de suicídio do
a empresa israelense Mann-Shinnar, escritor Stefan Zweig.
o edifício de mais de 46 mil m2 tem
11 andares, incluindo cinco subsolos. Levou meses a transferência do
acervo da antiga biblioteca, no
O acervo tem manuscritos de campus da Universidade Hebraica
Maimônides, Isaac Newton e de Jerusalém em Givat Ram, para a
autores de vários países, entre os nova sede. O material transportado
quais escritos islâmicos do século 9. compreendia mais de quatro
Possui também arquivos pessoais milhões de livros, jornais históricos,
de figuras como Gershon Sholem, fotografias, cerca de 1.500 arquivos
Martin Buber, Natan Sharansky Exposição em solidariedade aos
pessoais, milhares de mapas antigos,
e Naomi Shemer, além de muitos sequestrados. Cadeira do bebê Kfir dezenas de milhares de manuscritos,

40
REVISTA MORASHÁ i 122

cartazes, registros e fitas, bem tocava oud, instrumento de


como milhões de documentos corda semelhante ao alaúde. Em
digitalizados, gravações musicais e 1935, o artista mudou-se para
muitos outros tesouros. Jerusalém, onde documentou as
tradições musicais locais. Também
A sala de leitura central, redonda e participou da criação do Serviço
com fachada de vidro, é considerada de Radiodifusão da Palestina
o coração do edifício. Com Britânica, que posteriormente se
capacidade para 600 usuários, tornou a rádio Kol Israel.
contém cerca de 200 mil livros.
Abaixo, um sistema robótico A obra comemorativa destaca uma
arquivará e acessará os volumes grande variedade de materiais
armazenados. como jornais caraítas do Egito;
um guia da Terra Santa de
A biblioteca também conta com Escultura de pedra intitulada “Letras autoria de um peregrino cristão;
de luz”, de autoria de Micha Ullman
um auditório com 480 lugares; um interpretações do Islã elaboradas
centro educativo para grupos de no século 14 por Ahmad Ibn
estudantes, famílias; um restaurante; Ler “101 tesouros da Biblioteca Taymiyyah, que foi preso na Síria
um café e uma livraria. Nacional de Israel” é como sem materiais de escrita para parar
passear por um museu. O livro foi de criar suas obras; uma coleção de
Em frente ao edifício, há uma organizado de acordo com temas cartões comemorativos de
escultura de pedra intitulada como “Comunidade”, “Arte e texto”, Rosh Hashaná de 1902 a 1960 e um
“Letras de luz”, de autoria de Micha “Cruzando culturas” e “Viagens”. manuscrito de Arhuta Kadishta
Ullman, ganhador do Prêmio Israel, (Pentateuco Samaritano) do
baseada no antigo texto cabalístico Nessa última seção, foi incluído século 13. O projeto da nova sede
Sefer Yetzira (“Livro da Criação”). um trabalho conjunto da botânica da BNI foi viabilizado pelo Estado
A obra é composta por 18 das 22 Naomi Feinbrun-Dothan (1900- de Israel, que doou o terreno, assim
letras do alfabeto hebraico gravadas 1995) e da artista Ruth Koppel, como pela Fundação Rothschild
em pedra, com um jogo de luz e autora das ilustrações das obras (Yad Hanadiv), e pela família
sombra, e dispostas em um círculo da cientista. O capítulo seguinte David S. e Ruth L. Gottesman,
acima de uma câmara subterrânea apresenta o compositor de Bagdá que doaram os recursos
central, referência a outra instalação Ezra Aharon Sha’shu’a, que necessários.
de Ullman, “A biblioteca vazia”, um
memorial na Bebelplatz, em Berlim,
onde ocorreu, em 1933, a queima de
livros considerados “nocivos” pelo
regime nazista.

OBRA COMEMORATIVA

Para marcar os 131 anos da BNI, foi


lançado o volume “101 tesouros da
Biblioteca Nacional de Israel”, no
qual cada capítulo é uma verdadeira
viagem pelas preciosidades físicas e
digitais da instituição. Os editores
escolheram, para compartilhar com o
leitor, 101 livros raros, manuscritos,
arquivos e outros materiais do
acervo, cada um dos quais conta uma
história fascinante. SALA DE LEITURA. Biblioteca Nacional de Israel, Jerusalém

41 abril 2024
COMUNIDADES

Perseguição e êxodo dos


judeus dos países árabes
Por mais de 2.500 anos, os países do Oriente Médio e do norte
da África abrigaram judeus. No entanto, nas últimas seis
décadas, mais de 99% deles foram obrigados a deixar as nações
muçulmanas, de ambas as regiões, de forma que, atualmente,
não chegam a quatro mil os que lá permanecem. O drama desses
refugiados, a discriminação, as perseguições e a violência que
sofreram é uma história pouco conhecida.

n
ão há como negar que a expressão “refugiados do século 6 a.E.C. Surgiram após a tomada do Reino
do Oriente Médio” só traz à mente os de Israel, pelos assírios, e do Reino de Judá, pelos
palestinos. Entretanto, após a independência babilônios. Os habitantes dos dois reinos judaicos foram
de Israel, foram deslocadas populações tanto assentados pelos conquistadores em diversas regiões.
de árabes quanto de judeus, estes em maior No século 2 a.E.C., já eram estáveis e organizadas
número: mais de 856 mil foram enxotados de dez países as comunidades judaicas em áreas dos atuais Egito,
muçulmanos entre 1947 e 1948. A título de comparação Iraque e Síria. Posteriormente, surgiram outras em
e segundo fontes das Nações Unidas, em 1948 e 1949, regiões que hoje pertencem à Líbia, Iêmen e Argélia,
711 mil palestinos abandonaram a zona de guerra entre o bem como nas montanhas libanesas. No Marrocos, os
exército de cinco nações árabes e as Forças de Defesa de judeus se estabeleceram no século 1 da Era Comum.
Israel. Após o conflito, os árabes que viviam no Estado Essas comunidades sobreviveram às invasões dos mais
Judeu receberam cidadania plena, com todos os direitos diversos povos que constantemente se enfrentavam pelo
civis, condição perdida pelos judeus remanescentes no domínio do Oriente Médio e do Norte da África, como
mundo islâmico, os quais também passaram a sofrer egípcios, sumérios, assírios, babilônios, persas, gregos,
perseguições e tiveram bens confiscados. Outros 475 mil macedônios, romanos e bizantinos, entre outros.
judeus foram obrigados a deixar países muçulmanos em
1958 e 72 mil em 1978. O Islã só apareceu no século 7 de nossa Era. Os
exércitos árabes conquistaram rapidamente, além
Estabeleceram-se mais de 1.000 anos antes do daquelas duas regiões, parte da Europa e, com
surgimento do Islã, no século 7 de nossa Era, as isso, criaram um império que se estendia por três
comunidades que tiveram que ser sumariamente continentes. Esse imenso território, denominado Dar
abandonadas. Remonta ao século 11 a.E.C. a presença, al-Islam, passou por uma profunda transformação. A lei
no Egito, de Filhos de Israel, que lá se fixaram por 210 islâmica, a Sharia, ditava a vida de todos os habitantes,
anos até o Êxodo do Egito. Há registros de populações que acabaram por adotar o idioma, os costumes e
judaicas em grande parte do Oriente Médio a partir a religião dos conquistadores, em um processo de

42
REVISTA MORASHÁ i 122

islamização. Os judeus e os cristãos liberal era substituída por outra Em julho de 1914, eclodiu a
podiam lá permanecer, mas na mais extremista, os dhimmis ficavam 1ª Guerra Mundial. Os otomanos,
condição de dhimmis. Eles eram expostos aos perigos inerentes à sua que se posicionaram ao lado da
obrigados a aceitar a supremacia condição legal. Alemanha e da Áustria, lutaram
do Islã e a se submeter ao Estado contra a França e o Reino Unido.
muçulmano que, em troca, lhes Para a história judaica, teve grande Em 1915, em troca de um levante
garantia a vida, a propriedade e o importância a ascensão, no século contra o domínio otomano, os
direito de praticar sua religião. Em 15, dos turcos otomanos, cujo britânicos prometeram a Hussein,
troca, tinham que pagar uma série império durou até 1918. Os judeus xerife de Meca, apoio para a
de impostos e cumprir obrigações estabelecidos nesse extenso império criação de um reino árabe. No ano
cujo rigor variava muito de acordo prosseguiram na condição de seguinte, por meio da Declaração
com o bel-prazer e os interesses dos dhimmis até 1856, quando um edito Balfour, o Reino Unido
governantes. concedeu igualdade civil a seguidores comprometeu-se a promover
de todas as religiões e, dez anos o estabelecimento de um Lar
Nos cerca de 1.300 anos em que mais tarde, cidadania a todos sem Nacional Judaico na Palestina
os judeus estiveram sob domínio distinção. Otomana. No entanto, o destino
muçulmano, houve tanto períodos da região foi definido em 1916
de paz e prosperidade quanto de No início do século 20, a situação pelo Acordo Sykes-Picot, pacto
opressão, a depender da época, do dos judeus agravou-se em todo o secreto que delineou as esferas de
local e do governante. No mundo mundo islâmico devido não só à influência britânica e francesa no
islâmico, diferentes dinastias ascensão e crescente fortalecimento Oriente Médio após a 1ª Guerra.
religiosas sucediam-se no poder, em do nacionalismo árabe, mas também
conflitos exacerbados por disputas ao moderno Sionismo, que visava à Em 1920, já terminado o conflito,
sobre o rigor da aplicação da Sharia. criação de um Lar Nacional Judaico, a Liga das Nações entregou à
Sempre que uma dinastia mais na Terra de Israel. França um mandato sobre o

43 abril 2024
COMUNIDADES

ÊXODO DOS JUDEUS DOS PAÍSES ÁRABES


PAÍSES 1948 1958 1968 1976 2001 2005 2012
na Palestina”. Durante todo o ano
ARGÉLIA 140.000 130.000 3.000 1.000 0 0 0
de 1947, os judeus de Argélia,
EGITO 75.000 40.000 2.500 400 100 100 75 Egito, Iraque, Líbia, Marrocos, Síria
IRAQUE 135.000 6.000 2.500 350 100 60 50 e Iêmen sofreram perseguições,
LÍBANO 5.000 6.000 3.000 400 100 50 0 perderam propriedades e foram alvos
LÍBIA 38.000 3.750 500 40 0 0 0 de ataques instigados pelos governos.
MARROCOS 265.000 200.000 50.000 18.000 5.700 3.500 3.000
Em fevereiro de 1947, a Inglaterra
SÍRIA 30.000 5.000 4.000 4.500 100 100 50
renunciou ao mandato sobre a
TUNÍSIA 105.000 80.000 10.000 7.000 1.500 1.100 1.000
Terra de Israel e delegou a “questão
IÊMEN 55.000 3.500 500 500 200 200 100 da Palestina” à Organização das
TOTAL 856.000 475.050 72.600 32.190 7.800 5.110 4.315 Nações Unidas (ONU). Três meses
Fonte: Justice for Jews in Arab Countries - www.justiceforjews.com mais tarde, a ONU criou um
comitê especial, o UNSCP, para
dar um parecer sobre uma possível
Líbano e a Síria, bem como sobre Durante a 2ª Guerra Mundial, divisão da área em dois Estados,
a Palestina Otomana e o Iraque ao o mundo islâmico posicionou- um árabe e um judeu. O relatório
Reino Unido. Em 1922, o Egito se a favor da Alemanha nazista. entregue pelo UNSCP concluía pela
conseguiu uma independência Terminado o conflito, a conjunção necessidade da cisão, e, em 29 de
nominal, forjada de maneira a ser de uma série de fatores e novembro de 1947, a Assembleia
compatível com a manutenção acontecimentos dá margem a Geral da ONU aprovou a resolução
do controle britânico nas áreas um processo que, em um tempo da Partilha da Palestina. Os judeus
estratégicas. relativamente curto, levou à total aceitaram a partilha enquanto os
desintegração das comunidades árabes a rejeitaram categoricamente.
Nas primeiras décadas do século 20, judaicas do mundo islâmico. Tumultos antijudaicos foram
o mundo árabe vivenciou o registrados na Síria, no Egito, na
fortalecimento de um nacionalismo Em março de 1945, fundou-se no Líbia e no Marrocos, entre outros.
que se opunha ao colonialismo e à Cairo a Liga Árabe, composta por
política ocidental de envolvimento Egito, Iraque, Transjordânia, Líbano, Os cinco países da Liga Árabe que
na área. O movimento foi infectado Arábia Saudita, Síria e Iêmen. Entre haviam declarado guerra a Israel
por violento antissionismo e, por os historiadores, há um consenso de no dia seguinte à declaração de
conseguinte, antissemitismo. O que o objetivo das medidas e ataques independência do Estado Judeu
crescente antagonismo entre judeus contra as populações judaicas, bem partiram para o ataque contra as
e muçulmanos na Palestina sob como a semelhança entre essas populações judaicas acusadas de
Mandato Britânico acirrou ainda políticas e agressões, demonstra com constituírem uma quinta-coluna.
mais a hostilidade entre os dois clareza a existência de um modus
grupos, em outras regiões. operandi, sancionado e coordenado À medida que se intensificavam
pela Liga Árabe, para forçar a as perseguições e a discriminação,
A partir da década de 1930, os emigração dessas populações. centenas de milhares de judeus
nacionalistas árabes estreitaram abandonam tudo procurando
laços com a Alemanha nazista, As “sugestões” da Liga Árabe refazer a vida em Israel, no Líbano,
o que levou a uma intensificação incluíam a adoção de disposições na Europa ou na América do
da propaganda antissemita e econômicas e políticas voltadas ao Norte e do Sul. Aqueles que
do clamor “contra os inimigos isolamento social e à discriminação não abandonaram o país natal
sionistas”. Em todos os países há dos judeus. Em junho de 1946, rapidamente foram reduzidos a uma
inúmeras manifestações contra os a Liga exigiu de seus membros minoria sem direitos, liberdade e
judeus. Essa situação piorou ainda a detenção e o confisco das possibilidade de emigrar. Para todos
mais em 1936 com a eclosão, na propriedades de judeus “suspeitos os efeitos, tornaram-se reféns do
Palestina Britânica, da Revolta de ativismo sionista”. Os fundos governo local. Muitos foram presos,
Árabe contra o domínio colonial “recolhidos” serviriam para financiar espancados, torturados e ameaçados
britânico e a imigração judaica. a “resistência às ambições sionistas de morte. Até que, de alguma forma,

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REVISTA MORASHÁ i 122

ajudados por Israel ou entidades


judaicas, conseguiram também
deixar o mundo muçulmano e se
estabelecer em outros países.

Pouco se sabe sobre as humilhações,


perseguições, pogroms, prisões e
torturas sofridas por judeus a partir
de 1948, bem como as incontáveis
dificuldades que os que tiveram
que deixar os países árabes
enfrentaram até conseguirem
refazer a vida. Ao abandonar suas
comunidades milenares, os judeus
abandonaram séculos de história e
bilhões de dólares em patrimônio. Interior da Sinagoga Ben Ezra. Cairo, Egito. 2017
Conseguiram se reerguer, mas a
verdade é que o fato deles terem
reconstruído suas vidas não 210 anos, no Egito, em Goshen. helenizados desprezavam os judeus
minimiza as injustiças que sofreram Escravizados pelos faraós, foram por considerá-los “diferentes”,
em seus países de origem. Não libertados por nosso maior profeta, eclodiram conflitos, muitas vezes
minimiza as perdas culturais e Moshé, provavelmente no início do violentos, entre os dois grupos.
econômicas sofridas. Qualquer século 13 antes da Era Comum. Foi em Alexandria que surgiram
narrativa do Oriente Médio que não as primeiras calúnias contra nosso
inclua sua história é uma afronta à Passaram-se centenas de anos até povo, proferidas por Manetho, que
verdade e à justiça. que uma leva de judeus reaparecesse viveu no início do século 3 a.E.C..
no Egito. Estabeleceram-se na ilha
Nesta edição de Morashá, Elefantina, por volta de 650 a.E.C.. No ano 30 a.E.C, quando o Egito
delinearemos, de maneira resumida, Do Reino de Judá, conquistado se tornou uma província romana,
a trajetória das comunidades judaicas pelos babilônios, chegou uma leva Alexandria era um importante
de Egito, Síria e Iraque. Na próxima ainda maior, em cerca de 588 a.E.C.. centro de comércio e atraía judeus
edição, nosso foco serão os judeus A população judaica aumentou advindos de todo o Oriente Médio.
iemenitas, marroquinos e libaneses. ainda mais após a conquista da A população judaica que lá vivia era
A comunidade do Líbano destaca-se região por Alexandre, o Grande, culta, próspera e influente.
na história do século 20, entre que fundou Alexandria em
outras razões, porque a população 332 a.E.C. e outorgou aos judeus A comunidade judaica egípcia,
judaica do país aumentou em 1948 locais “os mesmos direitos que então uma das maiores do mundo,
com a chegada de judeus vindos de os concedidos aos macedônios”. foi de grande importância para o
outras partes do Oriente Médio. No A medida provocou ressentimentos mundo judaico até a Guerra da
entanto, essa comunidade também já entre os egípcios, proibidos de se Diáspora (115-117 E.C.) quando a
deixou de existir. estabelecerem na cidade. comunidade judaica de Alexandria
foi praticamente aniquilada por
EGITO Alexandria tornou-se a capital da Roma, após o fracasso de uma
cultura helênica e o maior centro revolta judaica local.
Remonta à época de nossos cultural da Antiguidade. Durante
Patriarcas a relação entre os judeus e o domínio ptolemaico, os judeus se Os judeus do Egito só se
os egípcios, junto aos quais, segundo estabeleceram no Egito em grande reergueram com a conquista do
a Torá, Jacob e seus 12 filhos se escala de forma que, no século país por exércitos árabes, em 641.
refugiaram devido a uma grande 3 a.E.C., a comunidade judaica Dois anos mais tarde, foi fundada a
escassez de alimentos em Canaã. de Alexandria já excedia a da cidade de al-Fustat, que se tornaria
Os Filhos de Israel permaneceram Babilônia. Como os pagãos o principal centro urbano local.

45 abril 2024
COMUNIDADEs

A vida da população judaica era com a tomada do poder pelos A expansão das atividades
relativamente tranquila, apesar de mamelucos. Os novos governantes intensificou-se ainda mais após a
sua condição de dhimmis. Ao se impuseram medidas discriminatórias inauguração, em 1869, do Canal de
consolidar como o foco das rotas contra os dhimmis e foram tantos Suez, que atraiu um grande fluxo de
comerciais do Levante, o Egito os judeus que deixaram o país que, imigrantes de muitas origens.
passou a atrair milhares de judeus. no fim do século 15, sua presença
A maioria deles se estabeleceu se resumia a 800 famílias no Cairo Para os judeus egípcios, o fim do
em al-Fustat, que se tornou seu e 61 em Alexandria. A comunidade século 19 foi uma época áurea.
principal polo cultural e religioso. voltou a crescer no século seguinte, Prósperas e cultas, as comunidades
Lá foi erguida, no século 9, a famosa após a conquista do Egito pelos de Alexandria e do Cairo mantinham
sinagoga Ben Ezra. otomanos, que fizeram da região inúmeras instituições beneficentes,
um dos bastiões do controle do hospitais, orfanatos e um lar de
Em 969, o califa al-Mu’izz Mediterrâneo Oriental e nomearam idosos, além de várias sinagogas.
conquistou o Egito e construiu, inúmeros judeus para cargos
perto de al-Fustat, a cidade de administrativos importantes. Em 1882, o Egito passou para o
controle do Reino Unido, embora
não de forma expressa, e, em 1914,
tornou-se um protetorado britânico.
Só em 1922 se instalou no país
um regime monárquico sob tutela
britânica.

A população judaica crescia cada


vez mais: de 5 mil em 1800, saltou
para 25 mil cem anos depois e
60 mil em 1917. Contudo, surgiam
sinais de que não haveria um futuro
no Egito para os judeus à medida
que se fortalecia o nacionalismo
muçulmano, infectado por violento
antissionismo e antissemitismo.

Já nas décadas de 1920 e 1930


ocorreram numerosas manifestações
violentas contra os judeus. Era
Joseph Nassi, no centro. Egito, 1917 frontal a hostilidade dos grupos
islâmicos, sobretudo da Sociedade da
Irmandade Muçulmana.
al-Qahirah, conhecida no Ocidente Os novos conquistadores abriram
como Cairo. Benjamin de Tudela, as portas de seu império aos judeus Desde o início da 2ª Guerra
que visitou o país por volta de 1171, expulsos da Espanha e de Portugal, Mundial, o governo do Egito
encontrou uma comunidade de no fim do século 15. A chegada demonstrou uma clara simpatia
12 mil judeus no novo centro urbano destes ao Egito marca o início de pela Alemanha e, em 1940, houve
e 3 mil em Alexandria. um período de florescimento das violentos ataques antissemitas.
comunidades judaicas locais, as Na época o Egito registrou um
Quando, em 1175, Saladino, o quais, no entanto, foram afetadas por forte crescimento econômico e os
Grande tornou-se sultão do Egito, uma grande estagnação econômica judeus do país chegaram ao apogeu
iniciou-se, para as comunidades nos séculos seguintes. A situação só financeiro. Suas comunidades
judaicas, mais um período de começou a mudar em 1805, quando exibiam grande vitalidade e, em
tranquilidade que, no entanto, o Paxá Mohamed Ali assumiu o 1940, havia no Cairo 40 sinagogas.
terminou em meados do século 13 poder e modernizou o país. Nos primeiros anos do conflito,

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a população judaica do Egito rei tivesse assegurado proteção aos Os que ficaram foram demitidos
vivenciou um grande temor com a judeus, a violência contra eles se e passaram a viver sob um regime
possibilidade de uma invasão alemã alastrou: dezenas foram mortos e de terror devido à intensificação da
ao país, medo esse que deu lugar a centenas, feridos; suas propriedades discriminação, da segregação e das
um grande alívio quando, em maio foram destruídas e mais de mil perseguições. Muitos eram presos
de 1943, as forças anglo-americanas jovens foram levados para campos sem explicação e passavam meses na
derrotaram o exército nazista, que de internação. Com o aumento cadeia. Qualquer plano de partida
abandonou a África. da discriminação, cerca de 24 mil tinha que ser feito em segredo,
judeus deixaram o país entre 1948 e sobretudo se o destino fosse Israel.
No fim de 1945 viviam no país 1952. A maior parte foi para Israel.
75 mil judeus, a maioria em Em 1959, restavam apenas 10 mil
Alexandria e no Cairo. No dia 2 A situação manteve-se relativamente judeus no Egito. Em 1967, a Guerra
de novembro daquele ano, o grupo calma até 1956, quando eclodiu dos Seis Dias desencadeou outra
Misr-el-Fatat (“Egito Jovem”), cujos a Guerra de Suez. Após declarar onda de perseguições. O governo
membros usavam camisas verdes, que “os judeus são sionistas e ordenou novos confiscos e detenções;
atacou sinagogas e um hospital. inimigos do Estado”, o governo centenas foram enviados para
Várias instituições e lojas foram determinou sua imediata expulsão. campos de internação e torturados.
depredadas. Nos dois anos seguintes, Só lhes foram concedidas poucas Muitos conseguiram fugir de forma
voltaram a ocorrer agressões, ações horas para partir, seus passaportes que restaram apenas 2.500 judeus
terroristas, incêndios criminosos e foram confiscados e substituídos no país. Na década de 1970, os
até assassinatos. por laissez-passers1 marcados com remanescentes foram autorizados
as palavras: “uma ida – sem volta”. a emigrar, e a outrora numerosa
As hostilidades agravaram-se, em Antes do banimento, todos foram comunidade reduziu-se a algumas
1947, conforme se aproximava a forçados a assinar uma declaração famílias.
votação sobre a Partilha da Palestina de que se iam “por vontade própria”
Britânica. O delegado egípcio, e “concordavam” com o confisco de Ao assinar os Acordos de Camp
Heykal Pasha, declarou perante seus bens. Deixaram o país nessas David, o presidente Anwar Sadat
a Assembleia Geral da ONU: “A condições cerca de 30 mil judeus, restaurou os direitos dos judeus e
solução proposta colocará em risco 60% dos lá remanescentes. os poucos que restavam puderam
um milhão de judeus que vivem em
países muçulmanos [...] e poderá
criar um antissemitismo difícil de ser
eliminado”.

Nesse mesmo ano, uma nova lei


determinou que 51% do capital
das empresas egípcias fosse
nacional, bem como que 75%
dos empregadores e 90% dos
empregados tivessem a cidadania
local. Calcula-se que 50 mil judeus
ficaram sem meios de se sustentar.

Em maio de 1948, um dia após a


declaração de Independência de
Israel, o Egito declarou guerra ao
recém-criado Estado. Embora o

1
Laissez-passer documento de viagem Vista do interior da Sinagoga Eliahu Hanavi, após a renovação. Alexandria, Egito.
emitido para os apátridas. Janeiro 2020.

47 abril 2024
COMUNIDADES

manter contatos com Israel e com


outras comunidades da Diáspora. No
entanto, apesar do tratado de paz,
o antissionismo ainda é um tópico
abordado quase diariamente na
imprensa egípcia.

Atualmente, a maioria das sinagogas


de Alexandria e do Cairo estão em
ruínas ou foram transformada em
mesquitas, repartições públicas ou
até galpões. Apenas duas foram
restauradas pelo Ministério das
Antiguidades como parte da
política de recuperação da herança
cultural do Egito. A Sinagoga
Eliyahu Hanavi, de Alexandria, AULA DE PIANO, ESCOLA LAURA KADOORI DA ALLIANCE ISRAÉLITE UNIVERSELLE, Bagdá,
foi reinaugurada em 2020 e a Iraque. 1932
Sinagoga Ben Ezra, no Cairo,
em 2023. Os poucos judeus que população para aquela localidade, sob o domínio de Seleucus, um dos
ainda vivem na capital do país, parte de seu império. Em 586 a.E.C., generais de Alexandre. Aos poucos
responsáveis pela manutenção da Nabucodonosor II, soberano do ele iria dominar todas as terras que
sinagoga por décadas, nem sequer Império Neobabilônico, entrou Alexandre havia conquistado na Ásia,
foram convidados para o evento de em Jerusalém e arrasou a cidade, incluindo a Terra de Israel. Os novos
reabertura. Hoje vivem apenas 100 inclusive o Templo Sagrado. governantes, os selêucidas, impuseram
judeus no Egito. Milhares de habitantes foram em seus domínios a cultura grega,
massacrados e cerca de 40 mil mas a helenização pouco afetou a
Iraque foram levados para a Babilônia. comunidade judaica da Babilônia.
Nabucodonosor lhes concedeu
Durou 2700 anos a presença judaica autonomia comunitária e liberdade Em 126 a.E.C., é a vez do Império
no atual Iraque, a “Terra entre religiosa e eles lá se estabeleceram Parta se apoderar da região. No início
Rios”. Foi lá, na então denominada em comunidades, onde refizeram do século 2 de nossa Era, a maior
Mesopotâmia2, região também sua vida e mantiveram suas práticas comunidade judaica da Diáspora
conhecida como Babilônia, que religiosas. Foi na Babilônia que o era a da Babilônia, ainda sob domínio
começou a História de nosso povo, Judaísmo se fortaleceu e onde foi parta, com cerca de 1 milhão de
pois tanto Avraham, nosso primeiro moldado o espírito que sustentaria o pessoas.
Patriarca, quanto Sarah, sua esposa, Povo Judeu na Diáspora.
nossa primeira Matriarca, nasceram Os acontecimentos na Terra de
em Ur. O rei persa Ciro, o Grande entrou Israel, que, conquistada pelo Império
vitorioso na Babilônia em Romano em 63 a.E.C. e anexada em
A primeira leva de judeus 539 a.E.C. e, no ano seguinte, 6 E.C., foram determinantes para o
estabeleceu-se na “Terra entre os deu permissão para que exilados futuro das comunidades da Babilônia.
Rios” em 722 a.E.C., quando os de Judá retornassem a Jerusalém Com a intensificação da opressão e
assírios derrotaram o Reino de e reconstruíssem o Templo. No a eclosão de revoltas judaicas contra
Israel e levaram uma parcela de sua entanto, muitos optaram por o domínio romano (em 70 e 135),
permanecer na “Terra entre Rios”. milhares de judeus se refugiam na
“Terra entre Rios”, área fora do
2
Mesopotâmia é uma palavra de origem Alexandre, o Grande conquistou a controle romano. No século 2, a
grega que significa “Terra entre Rios”. região em 331 a.E.C. e, com isso, Babilônia torna-se o mais importante
Trata-se de uma região localizada entre
os rios Tigre e Eufrates. Atualmente o pôs fim ao domínio persa. Duas centro de conhecimento judaico do
território pertence ao Iraque. décadas depois, a Mesopotâmia ficou mundo.

48
REVISTA MORASHÁ i 122

O Império Persa voltou a governar a plena. A inauguração do Canal de (Alemanha, Áustria e Itália). Para
região em 226. No século 3º foram Suez, em 1869, e a mudança da rota proteger seus interesses no Oriente
fundadas, na Babilônia, as academias comercial do Oriente Médio, que Médio, o Reino Unido ocupou o
de Sura e de Pumbedita, que, por deixa de ser terrestre para singrar os Iraque. Os britânicos aliaram-se a
muito tempo, centralizaram toda mares, favoreceu o porto de Basra. Hussein bin Ali, Sharif e Emir de
a vida religiosa judaica. No fim A cidade passa a atrair milhares Meca, que os ajudou ao liderar a
do século seguinte, iniciou-se, na de judeus, mas, mesmo assim, no Revolta Árabe contra os otomanos
academia de Sura, a compilação do início do século 20, dois terços da em troca de uma promessa de
material para o Talmud Babilônico. população judaica iraquiana viviam recompensa. De fato, Faisal, terceiro
em Bagdá. filho de Hussein, tornou-se, mais
Entre 630 e 640, a “Terra entre Rios” tarde, rei do Iraque.
caiu sob controle dos árabes, que Em 1908, após a Revolução dos
mudaram seu nome para Iraque, e Jovens Turcos, os judeus iraquianos Quando os britânicos entraram em
permitiram aos judeus viver na região vislumbram um futuro no qual não Bagdá, em março de 1917, viviam na
na condição de dhimmis. Bagdá mais seriam “cidadãos de 2ª classe”. cidade 80 mil judeus em meio a uma
tornou-se um pujante centro urbano O movimento revolucionário visava população de 202 mil habitantes.
em 762, quando se torna capital do criar uma sociedade laica com
Império Islâmico e se consolidou igualdade de direitos a todos os O Império Otomano derrotado é
como um importante centro habitantes do Império. No Iraque, desmembrado, e, em 1920, o Reino
comercial, científico e artístico. porém, o movimento revolucionário Unido recebeu o mandato sobre
criou uma forte tensão. Os árabes três províncias otomanas, Basra,
As comunidades judaicas não queriam ver não-muçulmanos Bagdá e Mosul, e comprometeu-se a
iraquianas alcançaram uma grande com o mesmo status civil que eles. transformá-las em um Estado, Al-Iraq.
prosperidade, que atingiu o seu ápice E, em Bagdá, furiosos com o apoio
no início do século 9. dos judeus aos Jovens Turcos, o Entre os árabes era forte a oposição
populacho ataca a comunidade à colonização inglesa, e para conferir
Segundo Benjamim de Tudela, que judaica em 15 de outubro daquele uma “fachada árabe”, a Grã-Bretanha
visitou a região em 1170, Bagdá ano de 1908. “entrega” o governo a uma monarquia
abrigava cerca de 40 mil judeus e sunita. Assim, Faisal bin Al-Hussein
tinha 28 sinagogas. Esse período Quando eclodiu a 1ª Guerra se tornaria rei do Iraque em 1921.
áureo encerrou-se com a conquista Mundial, em 1914, os otomanos Sob sua administração, os judeus
do Iraque pelos mongóis, em 1258. alinharam-se à Tríplice Aliança gozaram de cidadania plena e tiveram

Em 1534, o sultão Suleiman tomou


Bagdá e anexou toda a Mesopotâmia
ao Império Otomano. Além disso,
abriu as portas de seus domínios aos
judeus expulsos da Península Ibérica,
sendo que uma grande leva deles se
refugiou naquela cidade em meados
do século 16.

Vários acontecimentos no século 19


contribuíram para a pujança das
comunidades judaicas iraquianas,
que deixaram de estar à mercê de
sultões e califas após a modernização
do Império Otomano. Em 1856,
todos os súditos otomanos passam
a desfrutar de igualdade civil e,
dez anos mais tarde, da cidadania FAMÍLIA JUDIA, Bagdá, Iraque. 1928

49 abril 2024
COMUNIDADES

importante participação os judeus estavam celebrando a


no desenvolvimento do país. vitória britânica. Militares que
No início da década de 1930, apoiavam o governo de al-Gaylani
destacavam-se em importantes incitam os árabes contra os judeus
cargos governamentais e judiciais, e violentos tumultos tomam conta
bem como na medicina, nas artes das ruas. Esse pogrom, conhecido
e, sobretudo, no comércio. como Farhud, terminou apenas
A comunidade mantinha sinagogas, no dia seguinte, 2 de junho. O
instituições comunitárias, hospitais e resultado da violência foram 300
quatro escolas. judeus mortos, mil feridos e 1.500
propriedades destruídas.
O futuro judaico, no entanto,
tinha seus dias contados. O Iraque Com o retorno dos ingleses ao
era um dos principais centros do Iraque, a comunidade judaica
nacionalismo árabe, que considerava em Bagdá volta a vivenciar uma
“qualquer solidariedade ao prosperidade econômica, havendo
REGISTRO DAS LEIS QUE REGIAM OS ATIVOS
Movimento Sionista uma traição à DE JUDEUS QUE HAVIAM ABERTO MÃO DA entre seus membros quem julgasse
[sua] causa”. Para os judeus do país, a CIDAdania IRAQUIANA. BAGDÁ, 1951 que o pior passara. Mas, com fim da
vida piorou como reflexo dos conflitos 2ª Guerra e a retirada dos britânicos,
entre judeus e árabes, na Palestina Morto em 1939, o rei Gazi foi voltaram a entrar em vigor no Iraque
Britânica. Em 30 de agosto de 1929, sucedido por seu filho, Faisal II, as medidas antissemitas dos anos
em Bagdá, 10 mil árabes tomaram menor de idade, e a regência foi 1930.
as ruas em ataques antissemitas. Aos assumida pelo Emir Abdul-llah.
poucos, vai desaparecendo a diferença Na época, viviam no Iraque 135 mil Em junho de 1946, a recém-criada
que a mídia e o governo iraquiano judeus, dos quais 90 mil em Bagdá e Liga Árabe sugeriu medidas contra
ainda mantinham sobre “ser judeu e 10 mil em Basra. Ainda constituíam as comunidades judaicas de seus
ser sionista”. uma comunidade numerosa, países-membros. O Iraque adotou
organizada e próspera. todas elas, além de outras. No início
Em 1933, após a morte do rei de 1947, determinou que os judeus
Faisal I, seu filho Gazi subiu ao Em março de 1940, Rashid Ali al- só poderiam sair do país mediante o
trono. O novo monarca nutria Gaylani assumiu novamente o cargo depósito de uma exorbitante soma.
forte “antipatia” pelos judeus e seu de primeiro-ministro e formou um
primeiro-ministro, Rashid Ali gabinete antibritânico e antissemita. Em 14 fevereiro de 1947, o Reino
al-Gaylani, era um nacionalista No ano seguinte, deu um golpe e Unido renunciou ao mandato
profundamente antissemita. Com declarou guerra ao Reino Unido. Os sobre a Terra de Israel. Com isso,
a ascensão de Hitler ao poder, a britânicos decidiram, então, ocupar o delegou a “questão da Palestina” à
Alemanha passou a exercer grande Iraque. No fim de maio, com o apoio Organização das Nações Unidas,
influência sobre o governo iraquiano, de forças leais ao regente Abdul-llah, que criou um Comitê Especial
que impôs um limite à quantidade assumiram o controle do país. (UNSCP) encarregado de produzir
de judeus, em 1934, no serviço A estratégia militar adotada pelos um parecer sobre uma possível
público e, no ano seguinte, nas ingleses era deixar que as tropas partilha da Palestina Britânica.
universidades. Proibiu ainda o ensino iraquianas fossem as primeiras a
do hebraico em escolas judaicas. entrar em cada cidade. Em Bagdá, As declarações dos membros do
Após a eclosão de novos conflitos essa estratégia teve consequências governo do Iraque ao UNSCP não
na Palestina sob Mandato Britânico, terríveis para os judeus. deixaram dúvidas sobre sua postura
em 1936, os judeus iraquianos com relação à população judaica
foram acusados de “apoiar os Na tarde de 1º de junho, quando iraquiana. Muhammed Fadhil al-
sionistas”. Dois judeus foram o regente retornou à capital, uma Jamali declarou que “o destino
assassinados e, em Yom Kipur, multidão de judeus foi recebê- [deles] nos países muçulmanos
uma bomba foi lançada em uma lo. Para a população árabe, que dependia dos acontecimentos na
sinagoga. observava o desenrolar dos eventos, Palestina” e o primeiro-ministro

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REVISTA MORASHÁ i 122

Nuri as-Sa’id foi além, ao afirmar que Três acontecimentos aceleraram Em julho de 1958, após um golpe
“são nossos reféns”. Essas ameaças essa emigração. Em abril daquele militar, foi fundada a República
preocuparam o Ishuv, a comunidade mesmo ano, alguns árabes jogaram do Iraque. A situação dos seis mil
judaica na Terra de Israel, que decidiu uma bomba em um café lotado judeus remanescentes melhorou,
a acelerar os planos para retirar os de judeus e, em 14 de janeiro do mas só até a ascensão do partido
judeus iraquianos o mais rápido ano seguinte, outra explodiu na Ba’ath ao poder, em 1963.
possível. Sinagoga Shemtob. Um menino O novo governo restabeleceu
morreu e 20 ficaram feridos. todas as medidas antissemitas e
No dia 29 de novembro de 1947, a A gota d’água foi a volta do adotou outras, como confisco de
Assembleia Geral da ONU votou a antissemita Nuri Said ao cargo de passaportes, além da proibição
favor da partilha da Palestina. Em primeiro-ministro. do acesso a bancos, da venda de
Bagdá, os árabes, em manifestações
públicas, prometeram vingança e
morte. Em abril do ano seguinte,
uma sinagoga foi atacada.

Em 14 de maio de 1948, David Ben-


Gurion proclamou a independência
do Estado de Israel, e no dia seguinte
o Iraque declarou guerra ao recém-
criado Estado. Após decretar a lei
marcial em seu país, o primeiro-
ministro Muzahim al-Pachachi
assegurou aos árabes que “os abusos
não recairiam sobre eles, apenas sobre
os judeus”.

Cientes de que não se fazia


mais distinção entre Judaísmo e JÁ EM LOD, IMIGRANTES DO IRAQUE SOBEM AOS CAMINHÕES QUE OS LEVARIAM AOS
Sionismo, sendo este considerado ACAMPAMENTOS DE REFUGIADOS, 1951, Israel

um crime capital, os 135 mil judeus


iraquianos foram tomados pelo Em março de 1951, toda a qualquer tipo de propriedade e de
medo. O governo passou a instituir população judaica, exceto umas seis qualquer cooperação entre árabes e
graves medidas antissemitas, como mil pessoas, estava prestes a partir. judeus.
proibição de comprar ou vender Inconformado, o governo iraquiano
imóveis e de exercer a maioria das decidiu confiscar os bens de todos Em 1967, o Iraque lutou contra
profissões. Centenas, entre os quais os emigrantes, além de determinar Israel na Guerra dos Seis Dias.
grandes empresários, foram presos a perda da nacionalidade dos Após a derrota árabe, não tardaram
e torturados, em alguns casos até que não retornassem no prazo represálias e ataques a judeus em
a morte. Suas propriedades foram estipulado. Com isso, a maioria plena rua. Os dois mil judeus que
confiscadas. Muitos foram condenados dos que optaram por partir viu-se permaneciam naquele país viram-se
e executados. Em 1950, cerca de totalmente depauperada e apátrida. privados de trabalho e seus telefones
12 mil haviam abandonado o país. confiscados. Muitos ficaram em
Em julho de 1951, por meio de prisão domiciliar.
Diante desse êxodo, o governo uma maciça ponte-aérea conhecida
iraquiano decidiu legalizar a partida como Operação Ezra e Nehemias, Após outro golpe, que conduziu ao
dos judeus. Em março de 1950, foi Israel já havia resgatado do Iraque poder Ahmed Hassan al-Bakr, os
votada uma lei, com vigência de cerca de 104 mil judeus. Em judeus passaram a ser detidos por
um ano, que lhes permitia deixar represália, o governo proibiu a “espionagem” e, em muitos casos,
o país mediante a renúncia de sua saída daqueles que permaneciam foram mantidos na prisão sem uma
nacionalidade. no país. acusação formal. Em janeiro de

51 abril 2024
COMUNIDADES

1969, o vice-presidente Saddam acordo com a tradição, a estrutura Em 333 a.E.C, Alexandre Magno
Hussein organizou um “evento do que viria a tornar-se a Grande conquistou a Síria, mas, após sua
espetacular”: o enforcamento de 13 Sinagoga. morte, a região ficou sob controle
judeus incriminados por espionar a de um de seus generais, Seleucus,
favor de Israel enquanto os cidadãos Durante toda a Antiguidade, aquelas fundador da dinastia selêucida,
circundavam os patíbulos, dançando cidades sempre abrigaram uma que reinou sobre grande parte do
e cantando. Em 1974, o governo população judaica, porém em maior Oriente Médio. À época, Damasco
iraquiano permitiu que os últimos número após 586 a.E.C., quando e Alepo já eram importantes centros
280 judeus remanescentes no país Nabucodonosor II derrotou o Reino comerciais e grande parte da intensa
recebessem passaporte e emigrassem, de Judá e levou a maioria de sua atividade comercial estava nas mãos
após pressão dos EUA. população para a Babilônia. Parte de judeus.
deles, porém, estabeleceu-se em
Em 2003, a Agência Judaica lançou outros locais, Média, Pérsia e Síria, Em 64 a.E.C., a Síria tornou-se
uma campanha para rastrear todos em cidades como Damasco e Alepo. parte do Império Romano e as
os judeus que ainda se encontrassem comunidades judaicas daquela região
no Iraque, após a invasão do país Setenta anos mais tarde, após o passaram a vivenciar um período de
pelos Estados Unidos, e oferecer-lhes soberano persa Ciro, o Grande, prosperidade e tranquilidade em que
a oportunidade de emigração para entrar vitorioso na Babilônia, ele ergueram sinagogas, cemitérios e
Israel. Hoje, ao que se sabe, apenas autorizou a volta dos judeus à Terra casas de estudo. A população judaica
cinco judeus ainda vivem em Bagdá. de Israel. Mas nem todos o fizeram, de Alepo e Damasco cresceria,
muitos continuaram a residir onde sobretudo após as revoltas judaicas
Síria estavam, e estas comunidades do contra Roma na Terra de Israel, nos
exílio e pós-exílio sobreviveram aos anos 70 e em 132.
A presença judaica no território inúmeros povos que dominaram
da atual Síria remonta ao 1º a região. Uma característica No fim do século 4º, o Império
milênio antes da Era Comum, marcante, em todo o período do Romano dividiu-se em dois: o
quando David, então rei de Israel, Segundo Templo, foi a existência do Ocidente e o do Oriente.
conquistou Damasco e Alepo. de uma Diáspora judaica numerosa Este, que ficou conhecido como
Depois de tomar esta cidade, Joab e dinâmica. Havia importantes Império Bizantino, adotou uma
Ben Zeruiá, comandante-chefe dos comunidades na Síria, Antióquia, política antissemita. Os judeus
exércitos vencedores, construiu um Damasco, Alepo, assim como em estabelecidos em seus domínios,
dos alicerces da fortaleza local e, de toda a Ásia Menor. como os da Síria, sofreram
discriminação e perseguições.
Mesmo assim, participaram no
crescimento econômico da região
que proporcionou um bem-estar
material acompanhado por igual
florescimento da vida religiosa.
Remonta ao século 5º a ala ocidental
da Grande Sinagoga de Alepo, cuja
parte mais antiga ficou em pé até a
Guerra Civil, em 2016.

Em 635, os exércitos árabes


conquistaram Damasco e, dois
anos mais tarde, Alepo. A invasão
muçulmana transformou o Oriente
Médio, que, nos séculos seguintes, se
tinha “islamizado”. Nos domínios do
Cartão postal com imagem da Tebá da Grande Sinagoga de Alepo, no pátio de verão,
Islã, os judeus e cristãos viviam na
ao ar livre. Síria, 1927 condição de dhimmis.

52
REVISTA MORASHÁ i 122

Sob a dinastia dos omíadas, que


tomou o poder em 661 e fez de
Damasco a capital do Império
Islâmico, os judeus vivenciaram
uma época de tranquilidade e
prosperidade. Contudo, ficaram
expostos ao fanatismo muçulmano
com a ascensão, em 750, da dinastia
dos abássidas, intolerantes com os
“infiéis”. Durante todo o período
islâmico a condição do Povo Judeu
mudou constantemente, dependendo
das crenças e interesses de quem Trem de Alepo rumo à Palestina sob mandato britânico, despedida das famílias
detinha o poder. Chammah e Menache. Alepo, Síria, 1944

No século seguinte, a vida dos sucessores, os aiúbidas, incentivaram fomentar o comércio com a Europa.
judeus sírios voltou a melhorar, e eles o comércio com a Europa. O fato de que as filiais das empresas
passaram a participar do crescimento Com isso, aquela região, bem como europeias contratavam apenas
mercantil e cultural do Império suas comunidades judaicas, entrou cristãos e judeus provocou um forte
Islâmico. Alguns chegaram a ocupar em mais um período de prosperidade ressentimento entre os muçulmanos.
postos na Corte, atuando como econômica. Essa pujança, no
tesoureiros e médicos. entanto, terminou bruscamente em Após a inauguração do Canal de
1260, quando os mongóis tomaram Suez, em 1869, Damasco e Alepo
As disputas dinásticas enfraqueceram a Síria e mataram milhares de seus perderam sua importância no
o mundo muçulmano e permitiram, habitantes. Damasco, que se rendeu, comércio internacional. Em resposta
no século 11, o avanço dos cruzados. foi poupada, mas Alepo foi arrasada. à estagnação econômica e à falta
Estes, vindos da Europa com a Muitos judeus salvaram-se ao se de perspectiva de uma reversão da
disposição de retomar a Terra Santa refugiarem na Grande Sinagoga. condição legal de dhimmis, muitos
e Jerusalém, sitiaram Alepo em 1098, Os invasores foram derrotados pelos judeus sírios emigraram para
1124 e Damasco em 1147, sem êxito. mamelucos, que reorganizaram diferentes partes do mundo. Mesmo
A queda dessas cidades teria sido o comércio local, bem como as assim, às vésperas da 1ª Guerra
uma sentença de morte tanto para rotas de caravanas. Apesar de suas Mundial, cerca de 10 mil judeus
judeus quanto para mucúlmanos. vantagens nessa atividade, a região viviam em Alepo e 11 mil, em
A Síria tornou-se, então, o destino de demorou para se reerguer. Damasco. Constituíam comunidades
judeus fugitivos das áreas caídas sob prósperas e organizadas que
domínio cruzado. Em 1515, os otomanos conquistaram cuidavam de órfãos, pessoas carentes
a Síria e fizeram dela uma província e doentes, além de manter escolas e
Benjamin de Tudela, que visitou a de seu império. A nova potência inúmeras sinagogas.
região em 1173, relatou em seu livro abriu suas portas aos judeus ibéricos
de viagem que havia em Alepo e expulsos da Espanha e Portugal Em 1920, a Liga das Nações
Damasco cerca de seis mil judeus, no fim do século 15 e um número entregou o mandato sobre a Síria
entre os quais, rabinos, comerciantes, considerável deles se estabeleceu nas à França. Ao garantir a lei e a
médicos, poetas e intelectuais nessas comunidades da Síria. A partir do ordem, o controle francês trouxe
duas cidades. Há ainda um relato de século 17, fixou-se em Damasco e benefícios para a região. Aos judeus,
um viajante que esteve em Damasco Alepo outra leva de sefaradim, vinda proporcionou uma vida melhor, com
em 1210 sobre “a linda sinagoga de sobretudo da Itália e atraída pelo igualdade de direitos em relação aos
Jobar”. comércio entre a Europa e o Oriente. demais habitantes.

Nas últimas décadas do século 12, Em 1831, o paxá egípcio Mohamed Entretanto, essa tranquilidade
Saladino, o Grande, reconquistou a Ali conquistou a Síria e abriu estava com os dias contados, pois,
Síria e expulsou os cruzados. Seus a região a estrangeiros, além de em todo o Oriente Médio, crescia

53 abril 2024
COMUNIDADES

o nacionalismo árabe, infectado O ponto máximo da perseguição, Qamishli. Precisavam de permissão


por intenso antissemitismo e em 1948, com a criação do Estado do governo para se afastar mais
antissionismo. Os distúrbios que de Israel, levou milhares de judeus a de 3 km da própria residência.
eclodiram na Palestina Britânica abandonar tudo para buscar refúgio Impedidos de sair do país, alguns
em 1929 e 1936 refletiram-se, na em seu recém-criado lar nacional, no perderam a vida na tentativa de
Síria, em violentos ataques contra Líbano ou na Turquia. fuga; se capturados, eram presos e
a população judaica. Além disso, à torturados. Se algum comerciante
medida que estreitavam laços com a Os que ficaram na Síria sofreram conseguisse autorização para
Alemanha, cresciam os sinais de um todo tipo de discriminação e viajar ao exterior, tinha que pagar
antissemitismo crescente. violência. A polícia secreta, treinada impostos exorbitantes e seus
pelo nazista Aloïs Brünner, criou familiares eram mantidos como
Em junho de 1940, a França foi um departamento para “cuidar dos reféns até sua volta.
derrotada pela Alemanha nazista. assuntos judaicos”. Aqueles cuja
Pelas cláusulas do armistício, carteira de identidade portasse o Em 1971, restavam na Síria cerca
instituiu-se, no sul do país vencido, carimbo Mussaw (judeu) viviam sob de quatro mil judeus, que, após
o Regime de Vichy, submisso ao uma nefasta vigilância. Os judeus pressão internacional, foram
Terceiro Reich. Síria e Líbano, como estavam ainda sujeitos a muitas autorizados por Assad a sair do
colônias francesas, foram governados
pelo Estado-fantoche até 1941,
quando tropas do Reino Unido e da
França Livre tomaram a região.

Durante o Mandato, as autoridades


protegiam os judeus dos extremistas
árabes, mas, em 1946, com a
independência da Síria, a situação
mudou. O novo governo adotou
medidas antissemitas, entre as quais
a proibição de emigração para a
Palestina Britânica, e incentivou
boicotes contra os empreendimentos
judaicos. Os atos de violência se
tornaram mais comuns.

Esse quadro piorou após a aprovação,


pelas Nações Unidas, da Partilha Sinagoga Al-Franj. Damasco, Síria, 1994
da Palestina, em 29 de novembro
de 1947. Os delegados árabes já
haviam “alertado” que, se o resultado proibições e restrições. Suas contas país. Em 1992 mais de dois mil
da votação fosse esse, a população bancárias foram congeladas, toda deixaram o país antes que as portas
judaica de seus países correria sério a sua correspondência era aberta e se fechassem. A canadense Judy Feld
perigo. Essas ameaças concretizaram- as poucas linhas telefônicas a eles Carr, catedrática em musicologia,
se na Síria. Em Alepo, decorridas concedidas eram “grampeadas”. montou uma rede clandestina que
48 horas daquela aprovação, eclodiu conseguiu resgatar 3.288 pessoas.
um violento pogrom durante o qual As escolas, instituições religiosas e Em 2001, Judy Carr retirou da Síria
foram totalmente destruídas 150 de assistência social judaicas estavam a última família. Hoje, há apenas seis
residências, 50 lojas, 18 sinagogas, sob controle muçulmano. Judeus judeus na Síria.
cinco escolas, um orfanato e um não podiam possuir propriedades,
centro de juventude. A Grande nem trabalhar em bancos. Tinham
Bibliografia
Sinagoga foi parcialmente que morar em antigos bairros
Raízes de uma Jornada, Instituto Morashá
incendiada. específicos de Damasco, Alepo e de Cultura, 2009

54
DESTAQUE

O antissemitismo esquerdista
Por JAIME SPITZCOVSKY

Setores da esquerda global passaram, nas últimas décadas,


a engrossar a lista de fontes responsáveis por disseminar um
virulento e indisfarçável antissemitismo, contaminando, por
exemplo, ambientes partidários, universitários ou intelectuais.
Ironia da história, cartilhas esquerdistas, ao longo do tempo,
buscaram se descrever como “humanistas e progressistas”,
mas acabaram reverberando preconceitos e visões com
inequívoco viés antissemita.

a
ntissemitismo em universos dominados pelo Judeu o direito à autodeterminação, pilar da retórica
esquerdismo não representa exatamente uma “antissionista”, corresponde a impedi-lo de exercer um
novidade, apesar da pregação de um suposto direito básico e implementado por inúmeras populações
posicionamento contra o racismo. Nos em diversos rincões do planeta. “Esta seletividade
tempos da União Soviética, por exemplo, negacionista faz do antissionismo uma manifestação de
o regime stalinista protagonizou diversos episódios de antissemitismo”, escreveu recentemente o ex-ministro das
perseguição explícita, como no infame Complô dos Relações Exteriores do Brasil Celso Lafer.
Médicos, entre 1951 e 1953, quando profissionais do
setor de saúde do Kremlin, em sua maioria judeus, Em mais um dos paradoxos da história, a URSS de
viraram alvos de falsas acusações de tentativa de Josef Stálin, apesar de suas ações antissemitas e da
envenenar Josef Stalin. Acabaram fuzilados ou presos. intensa repressão doméstica ao Sionismo, rotulado como
“movimento nacionalista burguês”, votou a favor da
Outros países da esfera soviética, como a resolução 181 da ONU, da Partilha da Palestina, e apoiou
Tchecoslováquia ou a Polônia, se transformaram também a criação do Estado de Israel em 1948, de olho numa
em palco de episódios antijudaicos. O “julgamento eventual aliança com o nascente país, então governado
Slansky”, em 1952, consistiu numa farsa destinada a pelos socialistas de David Ben-Gurion. O flerte, no
prender e a executar judeus integrantes da direção do entanto, se desfez na década de 1950, quando o Kremlin
partido comunista. No final dos anos 1960, o polonês preferiu apostar na parceria com o Egito de Gamal Abdel
Wladyslaw Gomulka liderou processos de expulsão Nasser, um regime nacionalista e socialista, a agitar o
de judeus de estruturas políticas e universitárias, sob slogan de “jogar ao mar” os israelenses.
pretextos como “campanha antissionista”.
A Guerra dos Seis Dias, em 1967, representou um
Há décadas, o chamado “antissionismo” se transformou momento nevrálgico nas relações entre a chamada
muitas vezes numa cortina de fumaça para tentar esquerda global e Israel. Até então, os caminhos socialistas
mascarar preconceito antijudaico. Negar ao Povo israelenses, por exemplo, atraíam milhares de jovens, em

55 abril 2024
DESTAQUE

particular da Europa, voluntários Terroristas de extrema esquerda,


entusiasmados para trabalhar apoiados por Moscou, passavam por
em kibutzim e conhecer uma campos de refugiados palestinos, por
sociedade empenhada em valorizar a exemplo. Propaganda e influência
democracia e liberdades individuais, soviética chegavam a grupos como
proteger minorias e fortalecer o papel o IRA irlandês, Brigadas Vermelhas
de mulheres no país em construção. italiana, o ETA basco.

A acachapante vitória israelense Dois terroristas alemães, do grupo


em 1967 ajudou a modelar a fase Células Revolucionárias, participaram
seguinte da Guerra Fria no Oriente do sequestro do avião da Air France
Médio e mudou dramaticamente a desviado para Entebbe, Uganda, em
relação entre o Estado Judeu 1976. Três integrantes do Exército
e movimentos esquerdistas. Vermelho Japonês mataram 26
O Kremlin, principal fornecedor de MANIFESTAÇÃO ANTIRRACISTA EM GLASGOW, pessoas num ataque no aeroporto de
ESCÓCIA. NO CARTAZ, “SIONISMO É
armas e de assistência militar aos ANTISSEMITISMO É UM CRIME”. MAR. 2019 Lod, em 1972.
derrotados Egito e Síria, interpretou
a derrota também como uma A estratégia, portanto, consistia, entre
humilhação a seu poderio militar, alicerçada na narrativa a descrever outros aspectos, em transformar a
rompeu relações diplomáticas o conflito árabe-israelense como arena do conflito israelo-palestino
com Israel e consolidou a visão de “a mais emblemática e mais num imã para setores da esquerda
rejeição aguda ao país construído simbólica luta do oprimido global, a partir das maquinações
pelo movimento sionista. Neste contra o opressor”. Tal mitologia desenvolvidas pela União Soviética,
momento, os EUA resolveram deixar se transformou num dogma que, paradoxalmente, havia oferecido
de lado desconfianças em relação para setores da esquerda apoio fundamental na viabilização
ao socialismo de Ben-Gurion e de global, alimentada e guiada do Estado de Israel, em 1948.
Golda Meir e passaram a construir por uma intensa ação política e A lógica da Guerra Fria de Moscou,
então a aliança estratégica e propagandista orquestrada a partir obviamente antiamericana e embalada
profunda a existir até os dias de hoje. do Kremlin. também pelo antissemitismo,
impulsionou naquele momento uma
Guiada pelo aprofundamento do torrente de ataques ao nacionalismo
maniqueísmo da Guerra Fria no judaico, descrevendo-o como
contexto médio-oriental, Moscou “chauvinista e racista”. O Kremlin
mobilizou a KGB, personagem chegou ao cúmulo de anunciar a
central do aparato de repressão criação da “sionologia”, pseudociência
e de propaganda soviético, para soviética para “estudar governos
implementar uma estratégia de israelenses e seus aliados”.
demonização e deslegitimação de
Israel. O objetivo estratégico: atacar A mudança de 180 graus na atitude
o principal aliado de Washington no em relação a Israel, do apoio em 1948
Oriente Médio e sabotar a influência ao choque pós-1967, levou também a
norte-americana na região. máquina de propaganda a resgatar a
tese do Sionismo como “movimento
Inspirada em visões antissemitas colonialista”, numa retórica ainda
herdadas dos tempos czaristas, hoje deveras apresentada em debates
responsável, por exemplo, pela políticos e universidades espalhadas
publicação do panfleto Os Protocolos pelo mundo.
dos Sábios do Sião no começo
do século 20, a KGB, símbolo CARTAZ DO PARTIDO MUNDIAL DOS A distorção histórica busca descrever
da era soviética, desenvolveu e TRABALHADORES COM OS DIZERES
“DO RIO AO MAR! PALESTINA SERÁ LIVRE!”
o movimento sionista como uma
implementou uma estratégia EM UMA MANIFESTAÇÃO EM NY. DEZ. 2023 “empreitada europeia em solo do

56
REVISTA MORASHÁ i 122

Manifestação em Londres pedindo a libertação dos reféns e marcando 100 dias do ataque terrorista do Hamas.
Janeiro 2024

Oriente Médio”. A cortina de Em 1991, desintegrou-se o O flerte, para muitos antes


fumaça não se sustenta ao não império fundado por Vladimir impensável, se baseia na proposta
conseguir apontar qual metrópole Lenin com a revolução de 1917. da chamada “luta anti-imperialista”.
colonial os judeus representavam, O sistema soviético fracassou. Ou seja, com intuito de fazer
e o fato de a população judaica de Mas deixou uma herança renitente frente aos EUA e a seus aliados,
Israel ser composta, há décadas, no que se refere à percepção e à setores da esquerda passam a, sem
majoritariamente por descendentes leitura do conflito israelo-palestino cerimônia, agir em aliança, por
de imigrantes oriundos de países por setores da esquerda global, que exemplo, com o regime teocrático
árabes, da Etiópia, da Ásia central, e não demonstra o mesmo interesse iraniano, responsável por sufocar em
não mais de origem europeia, como e mobilização quando se trata de seu país, movimentos socialistas ou
nos primórdios do empreendimento outros conflitos espelhados pelo comunistas.
sionista. cenário internacional.
Em resumo, setores da esquerda
Ignorando o papel do Reino Unido O cenário pós-Guerra Fria global ainda alimentam, na questão
no Oriente Médio do século 20, significou o início de um período do Oriente Médio, cartilha e visões
com sua política clássica de dividir também descrito como o da formuladas pela União Soviética
para reinar (ora apoiando judeus, unipolaridade norte-americana, nos idos do maniqueísmo da Guerra
ora apoiando árabes e se abstendo na quando os EUA despontaram Fria. E, em vez de apoiarem um
votação da resolução 181, da Partilha como a única superpotência país democrático e com respeito
da Palestina), setores da esquerda global, após a debacle da URSS. a liberdades individuais, preferem
global compraram, de forma acrítica, Nesse momento, uma aproximação se aliar a grupos e a governos
a narrativa arquitetada para descrever disparatada se fortalece: a de fundamentalistas islâmicos.
o Sionismo como “colonialismo”. setores da esquerda global
Mais uma iniciativa da estratégia com grupos fundamentalistas Jaime Spitzcovsky COLABORADOR DA
FOLHA DE S.PAULO, FOI CORRESPONDENTE
soviética. islâmicos. DO JORNAL EM MOSCOU E EM PEQUIM.

57 abril 2024
ANTISSEMITISMO

O ESTIGMA DO POGROM
POR ZEVI GHIVELDER

A palavra pogrom, oriunda do idioma russo, pode ser traduzida


de forma literal como matança, massacre ou chacina. No
entanto, esta palavra somente assume característica própria
quando define a matança de judeus. O vocábulo está em curso
há cerca de 200 anos, tendo sido absorvido por outras dezenas
de idiomas.

P
or que estigma? Porque o estigma pode ser cometidas contra os judeus europeus naquela quadra da
definido como a cicatriz deixada por uma história. Seguiram-se em diferentes países da Europa
ferida. No caso do pogrom, é uma ferida com outros ataques ao longo dos séculos. Durante as
aberta há séculos e que assim permanece. Cruzadas, os integrantes de tais “excursões bélicas”
É uma ferida que embora parecesse estar rumo à Terra Santa aproveitavam o decorrer de longas
contida, expôs suas vísceras no feroz e atroz pogrom que jornadas para infligir martírios a judeus que por acaso
no dia 7 de outubro de 2023 vitimou 1.200 cidadãos encontrassem em seus caminhos.
israelenses e de outras nacionalidades, a grandíssima
maioria judeus, no território de seu próprio país. Este Um dos mais acurados registros sobre os pogroms
pogrom foi perpetrado pelo Hamas, organização assinala o ocorrido em Odessa, na Crimeia, em 1821.
terrorista detentora de absoluto poder na Faixa de Mas, ao contrário de todos os demais, desferidos na
Gaza, fronteiriça com o sul de Israel. O artigo número Rússia czarista, na Polônia e na Bessarábia, como
um do parágrafo número um da Carta do Hamas prega veremos mais adiante o de Odessa não teve os russos
a extinção pela força do Estado Judeu, uma proposição como algozes. Outro registro confiável aponta a
aceita passivamente pela comunidade internacional. existência de pogroms em shtetls (aldeias habitadas com
maioria de judeus) espalhadas pelo Império Russo.
DESDE SEMPRE Essas referidas carnificinas se tornaram mais comuns e
violentas a partir do dia 20 de março de 1881, dois
Há especulações quanto à ocorrência do primeiro dias depois do assassinato do czar Alexandre II.
morticínio tendo judeus como alvo explícito. Alguns O monarca foi vítima de um atentado praticado por
historiadores apontam a ocorrência de pogroms na jovens anarquistas, a mando de uma mulher envolvida
Antiguidade e na Idade Média. De 1189 a 1190, em problemas com a polícia do imperador. Embora
aconteceram pogroms em Londres, York e outras isso tivesse sido evidenciado, o crime foi atribuído a um
cidades e vilas na Inglaterra. Estes ataques mortais complô judaico e os banhos de sangue se sucederam,
se inscrevem como algumas das piores atrocidades alguns chegando a durar três dias.

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REVISTA MORASHÁ i 122

“APÓS O POGROM”, ÓLEO DE MAURYCY MINKOWSKI, 1910. The Jewish Museum, Nova York

A eclosão da Revolução Branco. Este era constituído domínios territoriais concorriam


Bolchevique propiciou nova série de por contrarrevolucionários fiéis para que o czar Nicolau II e a
pogroms. Calcula-se que na guerra ao regime do czar, que sempre aristocracia russa fossem vistos
civil travada de 1918 a 1920, pelo teve um viés profundamente como indesejáveis seres humanos
menos 30 mil judeus, foram mortos antissemita. Ambos tinham razões por incentivar ou aceitar a
em pogroms em todo o antigo próprias para desferir pogroms. consumação de barbáries.
Império Russo. Estudos revelam Os vermelhos agiam por tradição
que grande número dos pogroms e alguns de seus comandantes Era preciso, portanto, elaborar
foi executado por nacionalistas não se conformavam com a algum expediente que justificasse
ucranianos acompanhados por volumosa presença de judeus em e até mesmo validasse as
bandos de hooligans (vândalos). Os suas fileiras e se ressentiam da sucessivas matanças de judeus.
conflitos e matanças se estenderam poderosa liderança exercida pelo O serviço secreto do imperador
até a Polônia, onde as autoridades judeu Leon Bronstein, conhecido se incumbiu de produzir um
fingiam não ver o que estava como Trotski. Os brancos, por folheto fraudulento e calunioso
acontecendo com os judeus. seu turno, atribuíam à influência intitulado Os Protocolos dos Sábios
As sangrentas violências cometidas judaica à ascensão do comunismo, de Sião. A publicação, alçada à falsa
naqueles anos foram inescapáveis apontando o mesmo Trotski como condição de documento autêntico,
para os judeus e vinham de duas exemplo. era engenhosa e se reportava a
direções. De um lado estava o uma série de reuniões que teriam
Exército Vermelho, aliado dos FRAUDE MORTAL sido realizadas em Basileia,
revolucionários comunistas. Fiel ao Suíça. A data e o local foram
arraigado antissemitismo russo, o A monarquia russa tinha ligações escolhidos com esmero: agosto
Exército Vermelho atacava aldeias de parentesco com casas reais da de 1897, para coincidir com a
judaicas nos intervalos de batalhas Europa central e da Inglaterra. realização do Primeiro Congresso
contra o outro lado, o Exército Os pogroms desferidos nos seus Mundial Sionista, naquela cidade.

59 abril 2024
ANTISSEMITISMO

quando os nazistas chegaram ao


poder, Os Protocolos mereceram
23 edições somente naquele ano.
Em 1938, a publicação serviu como
justificativa para os massacres,
saques, incêndios criminosos e
depredações desfechadas na “Noite
dos Cristais”.

Há uma referência a Os Protocolos


datada de 1988 com a chancela
do Hamas: “O plano sionista é
ilimitado. Depois da Palestina, os
ATAQUE A UM JUDEU NA PRESENÇA DE MILITARES RUSSOS EM KIEV, ANOS DE 1880. sionistas aspiram a se expandir do
XILOGRAVURA COLORIDA Nilo ao Eufrates e quando tiverem
dominada a região conquistada,
Conforme seu conteúdo, judeus e Em 1920, o jornalista e diplomata vão pretender maior expansão.
maçons ali traçaram planos para britânico judeu Lucien Wolf O plano deles está exposto em
erodir a civilização cristã e, por expôs Os Protocolos como um Os Protocolos dos Sábios de Sião, e
consequência, dominar o mundo. plágio fraudulento em um livro a sua conduta atual é a melhor
Seus destrutivos fundamentos com argumentos irrespondíveis. prova do que afirmamos.” Em
ideológicos eram o liberalismo e o No mesmo ano, nos Estados 2003, uma minissérie de televisão
socialismo. Unidos, o jornal Dearborn com 30 capítulos, chamada Al
Independent, pertencente a Shatat (A Diáspora) foi ar na TV
Uma versão concisa de Os Henry Ford, publicou longa Al-Manar, do Hezbollah, no
Protocolos foi impressa na Rússia matéria intitulada O Judeu Líbano. A série retrata um “governo
em 1903 e entregue a um jornal Internacional, versão americanizada judaico global”, conforme descrito
diário que publicou um resumo de Os Protocolos. Este texto foi em Os Protocolos. Em 2005, uma
da difamação. Dois anos depois, encaminhado para mais de uma edição de Os Protocolos publicada
a edição inicial teve um adendo dúzia de idiomas e em seguida deu na Cidade do México chegou ao
ainda mais contundente da origem a um livro com o mesmo cúmulo dos absurdos, sugerindo que
autoria de um funcionário do título. No ano seguinte, o jornalista o Holocausto já tinha sido tramado
czar. Os Protocolos foram de irlandês Phillip Graves denunciou pelos Sábios de Sião em troca de um
imediato traduzidos para o Os Protocolos como plágio de um país para os judeus
alemão, francês, inglês e, ao longo autor francês do século 19 em .
dos anos, houve traduções para uma série de artigos no jornal TRAGÉDIAS EM ODESSA
outros idiomas mundo afora, The Times, de Londres. Logo em
atingindo uma longevidade que seguida, o repórter do jornal New Dentre as milhares de cidades e
poucos clássicos da literatura York Herald, Herman Bernstein, aldeias nas quais os judeus viveram
universal até hoje alcançaram. publicou A História de uma na Diáspora europeia, nenhuma teve
A par da longevidade, é pungente Mentira: Os Protocolos dos Sábios de uma história tão particular como
a maneira pela qual Os Protocolos Sião, a primeira revelação para o Odessa, na Crimeia, ilegalmente
foram aceitos como verdadeiros e público americano da publicação anexada pela Rússia em 2014.
difundidos sem questionamentos czarista como flagrante fraude.
no século 20 e assim se estendem Ainda nos anos de 1920, Os Naquele efervescente polo judaico,
até o século atual. Ademais, Protocolos foram citados em textos ucraniano, floresceram alguns dos
além de ter dado um “respaldo” assinados por Joseph Goebbels e maiores expoentes intelectuais do
ideológico a massacres de Adolf Hitler. O primeiro anotou Povo de Israel. No século 19, os
judeus, sua falsa narrativa ganhou que considerava a publicação uma judeus de Odessa suportaram dias
substância como um dos pilares do falsidade, mas que acreditava na terríveis por conta dos pogroms
antissemitismo. sua “verdade intrínseca”. Em 1933, que sofreram. A existência de

60
REVISTA MORASHÁ i 122

dois grandes portos na cidade foi


essencial para seu perfil cosmopolita.
A modernização de Odessa atraiu
grande quantidade de judeus, a
ponto de a cidade ser apontada
como a mais judaica das cidades
do Império Russo, somando 40 mil
almas que correspondiam a 30% do
seu total.

Os pogroms em Odessa ocorreram


em 1821, 1859, 1871, 1881 e 1905.
A matança de 1821, perpetrada por
imigrantes gregos, e não por russos, “Pare com sua cruel opressão aos judeus”, Emil Flohri, 1904. Theodore Roosevelt
é citada em algumas fontes como advertindo o czar Nicolau II sobre o tratamento dispensado aos judeus russos

o primeiro pogrom documentado


do período moderno na Rússia. com os gregos e as fricções com os Império Russo, a cidade tinha o
Em Odessa, gregos e judeus russos de ordem religiosa. Mas, o nome de Kishinev.
eram duas comunidades étnicas e fato é que todos aqueles terríveis
econômicas rivais, porém vivendo eventos assumiram as formas Este nome se inscreveu na história
lado a lado, tão pacificamente semelhantes aos demais ocorridos no dos pogroms, não tanto pelo número
quanto possível. Aquele pogrom vasto Império Russo. de vítimas, mas por Kishinev ter
foi atribuído à eclosão da Guerra sido duas vezes palco, num pequeno
Grega pela Independência, durante O pogrom de 1905 foi o pior intervalo, de cenas horríveis de
a qual os judeus foram acusados ​​ da história de Odessa. Entre 18 e brutalidade. Por isso mesmo, as
de simpatizar com as autoridades 22 de outubro, russos, ucranianos e matanças ali perpetradas alcançaram
otomanas que dominavam a região gregos mataram mais de inusitada repercussão internacional
da atual Grécia. A par de acusar 400 judeus e danificaram ou e impactaram o mundo judaico.
os judeus de ter contaminado com destruíram 1.600 propriedades Esses dois pogroms aconteceram em
veneno a água potável da cidade, a judaicas. Os russos justificaram os 1903 e 1905 e cada uma dessas datas
mais terrível acusação foi imputar ataques como uma represália ao contém uma circunstância particular.
aos judeus uma ajuda oculta fato de os judeus terem apoiado o
aos turcos para o assassinato do Japão na Guerra Russo-Japonesa O ano de 1903 marcava seis anos
patriarca grego de Constantinopla, daquele ano e que terminou com a desde o encerramento do Primeiro
Gregório V. vexaminosa derrota do exército do Congresso Mundial Sionista, na
czar. Era uma justificativa inaceitável Suíça. Embora o Sionismo então
O primeiro pogrom desferido porque mesmo se os judeus tivessem fosse uma presença incipiente na
pelos russos ocorreu em 1859. apoiado o Japão, jamais seriam vida dos judeus em toda a Europa,
Na realidade, não foi um pogrom ingênuos a ponto de externar sua a alardeada pretensão da criação de
somente russo porque contou com a posição. uma pátria judaica fazia acreditar
participação de marinheiros gregos na possibilidade de um futuro mais
de navios ancorados nos portos A CIDADE MARTIRIZADA digno de ser vivido. Essa impressão
locais. O pogrom ocorreu na Páscoa foi aniquilada pelo pogrom do dia
cristã e a imprensa local, hostil aos A cidade de Chisinau, com 550 mil 7 de abril. Os judeus de Kishinev
judeus, minimizou ao máximo as habitantes, é a capital da Moldávia, o foram acusados de ter assassinado
cenas de violência. país mais pobre da Europa. um menino cristão, uma denúncia
A Moldávia é a antiga Bessarábia, que serviria de pretexto para outros
Outros pogroms ocorreram em situada entre a Romênia e a Ucrânia, pogroms. O assassinato ritual era
1871, 1881 e 1886. Os historiadores que passou a ser dominada pela uma calúnia medieval que sobrevive
notam como pretextos para as Romênia ao cabo da 1ª. Guerra até esse século. O pogrom do
matanças as rivalidades econômicas Mundial. Enquanto pertenceu ao dia 20 de abril de 1905 foi além.

61 abril 2024
ANTISSEMITISMO

judeus eram acusados de ​​ uma


longa variedade de crimes. Por
causa do boato sobre o menor
morto, uma multidão atacou
os judeus, matando 49 pessoas,
mutilando 586, destruindo 1.350
casas e 588 lojas. As autoridades
locais e a polícia russa não
impediram a carnificina. Os
horrores do massacre suscitaram
protestos na Europa e nos Estados
Unidos.

O poema Na cidade do massacre,


Pogrom de Kishinev, 1903
escrito em hebraico, pelo grande
poeta Chaim Nachman Bialik
Os judeus foram falsamente Bessarábia data do início do comoveu as massas judaicas por
acusados de matar não uma, mas século 18, quando Kishinev seu vigor de estupefação, como se
duas crianças cristãs para utilizar o abrigava apenas 540 judeus. Em lê em um de seus versos:
sangue em rituais. 1838, ali foi inaugurada uma
escola judaica com currículo Pegue sua alma, rasgue-a em muitos
Naquele ano, o crescente número secular. Vinte anos mais tarde, pedaços.
de seguidores do Sionismo ainda o sistema educacional judaico Com raiva impotente, seu coração se
lamentava a morte de Theodor incluiu mais duas escolas. deforma.
Herzl, com apenas 44 anos de Sua lágrima corre sobre estéreis
idade, em julho do ano anterior, em Na passagem do século, o número pedras dilapidadas.
Viena. Somada a este contexto, a de escolas tinha atingido a 16, E envie seu grito amargo para a
chacina de Kishinev impulsionou evidenciando a prioridade judaica tempestade.
o movimento sionista de uma para a educação. Kishinev era
forma que o movimento talvez uma cidade vibrante e multiétnica O pogrom de 1905 durou dois
ainda levasse bom par de anos para onde os judeus viviam com russos, dias e foi infligido mesmo durante
sua expansão. O livro de Herzl, ucranianos, romenos, poloneses, dois momentos turbulentos
O Estado Judeu, lançado dez anos alemães, armênios, gregos e na Rússia imperial: a revolta
antes, passou a se multiplicar com ciganos. Durante o século 19, liderada pelo encouraçado
sucessivas edições em russo, polonês, a população judaica passou Potemkin e a desastrada guerra
iídiche e alemão, os idiomas falados de uma pequena percentagem contra o Japão. Para o mundo
por judeus na Europa central e para quase a metade dos judaico, suas consequências mais
no império do czar. Os pogroms habitantes da cidade. Em 1903, intensas foram o fortalecimento
de Kishinev motivaram o jovem eram cerca de 50 mil judeus, do movimento sionista e as
intelectual Ber Borochov (1881- correspondendo a 46% do total de iniciativas de pioneiros que em
1917), nascido na Ucrânia, para a habitantes. Mas, muitos judeus 1909 empreenderiam a primeira
formulação de seu ideário sionista- viviam na pobreza, fazendo com aliá (emigração para a Palestina
socialista e para a fundação do que a comunidade estabelecesse Otomana) e lá estabeleceram o
partido Poalei Sion (Trabalhadores um sistema de assistência social primeiro kibutz, chamado Degania
de Sião) que foi o preponderante no dotado de expressivo alcance Alef, na margem sul do Mar da
movimento de emancipação judaica humanitário. Galileia, território sob domínio
até a criação de Israel, 31 anos otomano.
depois da morte de Borochov. O primeiro pogrom foi
precedido por uma série de Intelectuais russos não-judeus,
A documentação mais antiga artigos antissemitas no jornal como Leon Tolstoi e Maxim
da presença judaica na região da local Bessarabets, nos quais os Gorki, publicaram condenações

62
REVISTA MORASHÁ i 122

aos crimes contra os judeus. Os


pogroms de Kishinev permanecem
na memória da humanidade como
um símbolo do sofrimento judaico
na Rússia czarista.

A HORA DA VINGANÇA

A narrativa a seguir consta da edição


n. 77 desta revista, há doze anos.
É importante recordá-la, mesmo de
forma concisa, no contexto histórico dos
pogroms.
Cena em uma casa judia após o pogrom, um soldado judeu russo volta para casa
Eram duas e quinze de uma e encontra os corpos de sua família assassinada
ensolarada tarde de primavera em
Paris. Naquele dia, 25 de maio de foi para Budapeste. Ali assaltou pensava poder enfrentar. Escapou
1926, dois homens se cruzaram na um restaurante. Foi expulso do de ser preso, porque pode embarcar
esquina dos boulevards Racine e Império Austro-Húngaro e, no num navio francês, na qualidade
Saint-Michel. Um deles aproximou- ano seguinte, instalou-se em Paris, de veterano condecorado da 1ª
se do outro e perguntou: “você é onde conseguiu trabalho numa Guerra. Em janeiro do ano seguinte,
Symon Petliura?” – “Sou”, respondeu relojoaria, mas por pouco tempo, o casal estava de volta a Paris,
o outro. Ato contínuo, o primeiro porque, em função de seu passado, onde Shmuel abriu uma oficina de
o atingiu com cinco disparos de estava sempre na mira da polícia. consertos de relógios. Mas, por trás
um revólver. Preso em flagrante, daquele homem pacato fervia uma
o atirador disse que seu nome era Decidiu alistar-se na Legião agitada consciência política. Fundou,
Samuel (Shmuel) Schwarzbard e Estrangeira, em 1914, logo no em Paris, a União dos Cidadãos
que ele tinha acabado de vingar início da 1ª Guerra Mundial. Foi Ucranianos, ao mesmo tempo em
a morte de milhares de judeus, destacado para um regimento de que requereu a cidadania francesa,
vítimas de pogroms na Ucrânia. infantaria e teve o batismo de que lhe foi concedida em 1925.
Até o dia em que assassinou Symon fogo na vitoriosa batalha francesa
Petliura, líder ucraniano e tido como de Carency. Dois anos depois, no Shmuel sabia da presença de
responsável por sucessivos pogroms, decorrer da guerra, foi gravemente Petliura em Paris e tinha feito
Schwarzbard teve uma existência ferido pela explosão de uma de tudo para achá-lo, até ser
tempestuosa. Shmuel nasceu na granada que afetou seus pulmões bem-sucedido. Segundo pormenores
Bessarábia, no dia 18 de agosto de e lhe deixou o braço esquerdo publicados pela imprensa francesa,
1886 e quando criança, sua família praticamente inutilizado. Recebeu, o diálogo entre os dois homens teria
se mudou para a cidade de Balta, então, a prestigiosa Cruz de sido o seguinte: – “Você é Symon
no sudoeste da Ucrânia. Em 1900, Guerra. Depois de desmobilizado, Vasiliovitch Petliura?” – “Sim, sou”.
a população de Balta abrigava pelo em 1917, casou-se com Anna – “Então, defenda-se, seu bandido!”
menos 50% de judeus, onde o pai Render, jovem judia oriunda de Petliura levantou a bengala quando
de Shmuel havia instalado uma Odessa. Naquele ano começavam começou a ser atingido pelos
minúscula mercearia, enquanto o a alcançar assustadoras proporções disparos, enquanto Shmuel gritava:
filho aprendia o ofício de relojoeiro. os pogroms na Ucrânia. De – “Esta é pelos pogroms! Esta é pelos
1917 a 1921, foram atacadas 530 massacres! Esta é pelas vítimas!” Ao
Em 1909, com 23 anos de idade, ele comunidades judaicas na sequência ser algemado pela polícia, reagiu com
se juntou a um grupo que assaltou de 887 pogroms. a maior calma: “Podem me prender.
um banco em Viena. Preso, foi Eu matei um assassino”.
condenado a cinco anos de trabalhos Em fins de 1919, foi com a mulher A instrução do processo contra
forçados. Após cumprir quatro para Odessa, ainda sob controle Schwarzbard durou um ano e
meses da pena, conseguiu fugir e dos antibolcheviques, que ele cinco meses, no decorrer dos

63 abril 2024
ANTISSEMITISMO

quais a opinião pública francesa


se dividiu, assim como havia
acontecido a partir de 1894,
durante os julgamentos de caráter
nitidamente antissemita do capitão
Dreyfus. O jornal Paix et Droit
argumentou que na medida em
que a comunidade judaica apoiava
Schwarzbard, ela se tornava
cúmplice do assassinato. Ao mesmo
tempo, um jornal em iídiche
destacava a semelhança entre
os processos de Dreyfus e o de
Shmuel. Grande parte da imprensa “SOBREVIVENTES DO POGROM”. ÓLEO SOBRE TELA. DE ALFRED LAKOS (1870-1961)
francesa permaneceu neutra e
o assunto serviu para dezenas
de reportagens que tornaram 18 de outubro de 1927 e durou oito de uma jovem judia chamada Haia
a relatar com maior ênfase os dias. Na argumentação inicial, Torrès Grinberg que havia trabalhado como
pogroms ocorridos na Ucrânia, disse que o crime de Shmuel não enfermeira da Cruz Vermelha e
circunstância que favorecia era um crime, era um justo ato de cujos avós tinham sido vítimas dos
Schwarzbard. Mesmo assim, vingança pelos milhares de judeus massacres.
publicações como L’Intrasigeant, vítimas de pogroms na Ucrânia.
L’Action Fraçaise e Le Figaro não A promotoria, tendo à frente o Em seguida, Torrès, recorrendo a
escondiam um viés antissemita em competente Cesare Campinchi, seus magníficos dons histriônicos,
seus editoriais. argumentou que Petliura jamais assumiu a palavra: “Senhores
tivera qualquer responsabilidade membros do corpo de jurados,
O assunto ganhou maior dimensão quanto aos pogroms e que o acusado confiram a liberdade a este homem
quando a defesa legal de Shmuel tinha agido na condição de agente que traz na fronte o estigma da
foi assumida pelo judeu Henri remunerado da União Soviética. tragédia de seu povo. Os senhores
Torrès, militante da esquerda, então O réu foi acusado pela transgressão detêm hoje em suas mãos os destinos
considerado o maior advogado do dos artigos 295, 296, 297, 298 e 302 de milhares de seres humanos que
país. A estratégia de Torrès consistiu do Código Penal francês, ou seja, estarão vinculados ao veredito que a
em arrolar mais de 80 testemunhas assassinato premeditado sujeito à França aqui vai pronunciar. Eu lhes
e de obter declarações favoráveis ao pena de morte. exorto a praticar um verdadeiro ato
acusado de personalidades como de civismo proferindo a absolvição.
Albert Einstein, o escritor Joseph Shmuel não se comportou como um Não lhes peço um perdão levado
Kessel, Leon Blum (que a partir de acusado atemorizado. Pelo contrário. pela emoção. Se este homem for
1936 seria por três vezes primeiro- Ergueu a voz e declarou com uma privado da liberdade, a França não
ministro da França) e Édouard ponta de orgulho: “Durante meses será mais a França e Paris não será
Herriot (que também foi primeiro- andei pelas ruas de Paris com uma mais Paris!” O júri recolheu-se para
ministro), Henri Bergson, Romain fotografia de Petliura no bolso. deliberar e retornou apenas
Rolland e Alexander Kerensky. Imaginei que ele estivesse nas 35 minutos depois.
Do ponto de vista legal, fez um imediações do Quartier Latin”.
impressionante levantamento sobre O juiz perguntou: “O senhor quer Shmuel Schwarzbard fora
os pogroms, de modo a emocionar dizer que o crime foi premeditado?” absolvido. Mas os pogroms jamais
os jurados e colocar Schwarzbard Shmuel retrucou exultante: “Sim, foi, serão absolvidos pelo mundo
mais na posição de acusador do que sim!” civilizado.
de réu.
Das 80 testemunhas arroladas,
O julgamento de Shmuel Torrès chamou apenas sete.
Schwarzbard começou no dia O depoimento mais marcante foi o Zevi Ghivelder é escritor e jornalista.

64
PERGUNTAs E RESPOSTAS

Perguntas e Respostas sobre Questões


Históricas no Conflito entre Israel e Hamas
do contexto” quando questionadas
numa audiência perante o
Congresso americano.

É imperativo reconhecer que,


independentemente da posição da
pessoa sobre as possíveis soluções
para o conflito entre Israel e o
Hamas, como a criação de dois
estados ou outras iniciativas
de paz, é essencial que haja
um entendimento do contexto
histórico e das complexidades do
cenário atual. Precisamos usar as
definições corretas dos conceitos,
palavras e fatos. Fatos não
“dependem do contexto” e palavras
usadas erroneamente e com más
intenções só conseguem inflamar
o ódio contra os judeus e contra
Israel.

o
dia 7 de outubro foi um dia de luto para
Israel e para todo o Povo Judeu. Como disse Daniel Patrick Moynihan, embaixador e
senador americano, embora todos tenham direito às suas
O massacre de civis não provocou, como opiniões, as pessoas não têm direito aos seus próprios
era de se esperar, um sentimento de fatos. Nenhuma discussão honesta sobre o conflito árabe-
solidariedade em relação a Israel, mas sim uma enxurrada israelense pode ocorrer se for baseada em desinformação
de acusações. Tem-se notado uma tendência preocupante e em negação de fatos históricos básicos. A história acaba
na qual eventos históricos e fatos importantes são sendo distorcida por narrativas antissemitas.
desconsiderados ou “esquecidos”. Um número alarmante
de acadêmicos, estudantes, artistas, jornalistas, políticos Torna-se, portanto, crucial destacar vários fatos-chave que
e ativistas ocidentais tem minimizado, justificado ou, em contribuem para uma compreensão da situação e que são
casos extremos, glorificado atos de violência, incluindo fundamentais para que haja uma discussão construtiva.
assassinato, agressão sexual e sequestro de indivíduos –
de homens e mulheres e até de grupos vulneráveis, como Desde quando os judeus estão na Terra de
bebês, pessoas com deficiências, idosos e doentes. Entre Israel?
estes, há aqueles que, paradoxalmente, se identificam
como “humanitários”, mas apoiam uma retórica que Um dos mitos perpetuados por antissemitas é a
promove o genocídio do Povo Judeu. afirmação de que o Povo Judeu não tem conexão com a
Terra de Israel, quando toda a historiografia e achados
Assistimos estarrecidos as reitoras de três faculdades arqueológicos apontam para o fato de que os judeus são
renomadas nos Estados Unidos – Harvard, MIT e os habitantes indígenas dessa terra. O vínculo entre o
Universidade da Pensilvânia – terem dificuldade de Povo Judeu e sua terra é antigo, anterior ao surgimento
condenar e classificar como assédio os clamores de do Cristianismo e do Islã. Remonta à era dos Patriarcas
“genocídio aos judeus” ouvidos abertamente em seus do Povo Judeu, por volta do século 18 antes da Era
campi universitários. E responderem que isso “dependia Comum, e é descrita no Tanach – a Bíblia Hebraica,

65 abril 2024
PERGUNTAs E RESPOSTAS

que consiste dos Cinco Livros da domínio judeu até 586 a.E.C.,
Torá, os Profetas e os Escritos. quando foi conquistado pelo Império
Babilônico. Vitoriosos, os babilônios
Um tema recorrente em todo o levaram ao exílio 40 mil judeus. Parte
Tanach é a noção de que a Terra retornará para Eretz Israel após Ciro,
de Israel, Eretz Israel, é o presente o Grande, conquistar a Babilônia.
eterno de D’us ao Povo Judeu. A O imperador autoriza a volta dos
Torá contém inúmeras instâncias em judeus. Eles irão recuperar o controle
que D’us reafirma essa promessa aos sobre a Terra de Israel no século
três Patriarcas. No livro de Gênesis, 2 a.E.C..
D’us promete a Terra de Israel, na
época denominada de Canaã, a O fato de o Povo Judeu ser o povo
Avraham e seus descendentes. Essa indígena da Terra de Israel não é
promessa é repetida a seu filho, apenas uma questão de fé religiosa
Isaac, e neto, Jacob. – tanto da fé judaica quanto da
cristã – mas, também, é um fato
Em 1738 a.E.C., o patriarca historicamente indiscutível. As
Avraham se estabelece na Terra de evidências históricas e arqueológicas
Israel. Seu filho Isaac, o segundo são esmagadoras.
Patriarca, nasce nesse território,
nunca o tendo deixado. O filho MAPA DOS REINOS JUDAICOS APÓS O A presença judaica na Terra de
REINADO DE SALOMÃO, C. 900-600 A.E.C..
de Isaac, Jacob, também chamado VEEM-SE AS FRONTEIRAS APROXIMADAS DE
Israel é um pilar fundamental do
Israel, o terceiro e último Patriarca ISRAEL E DE JUDÁ Cristianismo, pois Jesus foi um judeu
do Povo Judeu, também nasce que nasceu e viveu em Judá, assim
nesta terra. Ao contrário de seu capital de Israel, onde reinou por 33 como os seus discípulos.
pai Isaac, Jacob foi compelido a anos. O Livro dos Reis conta que
deixar Canaã, devido a uma fome o Rei Salomão, filho do Rei David, O Judaísmo e a
regional. Mudou-se com sua família construiu o Templo Sagrado em Terra de Israel
para o Egito, onde o Povo Judeu Jerusalém, e que a Terra de Israel foi
permaneceria por 210 anos. dividida em dois reinos – o Reino de No hebraico, a Terra de Israel é
A Torá relata o Êxodo do Povo Israel e o Reino de Judá. chamada Eretz Israel. Também é
Judeu do Egito por volta do conhecida como Eretz Hakodesh,
século 13 a.E.C., liderado por Sob os Reis Saul, David e Salomão, “a Terra Santa”, porque essa terra é
Moisés, e sua jornada de 40 anos toda a Terra de Israel foi unida num sagrada, assim designada por D’us.
pelo deserto em direção à Terra único reino judeu. Após a morte do Um tema recorrente em toda a Torá
Prometida. Após a morte de Moisés, Rei Salomão (935 ou 928 a.E.C.), é a noção de que a Terra de Israel
seu discípulo Josué conduz o Povo as 12 tribos de Israel se dividiram é a “Terra Prometida” – o presente
Judeu à Terra de Israel. em dois reinos: o Reino de Israel, eterno de D’us ao Povo Judeu.
ao norte, com sua capital Samaria
Os primeiros livros que constituem (Shomron, em hebraico), e o Reino de Como a Terra é sagrada, muitos dos
os Profetas – Josué, Juízes e Reis Judá (Yehudá) ao sul, com sua capital mandamentos da Torá só podem ser
– relatam como o Povo Judeu em Jerusalém. plenamente observados dentro da
conquistou a Terra de Israel, lá Terra de Israel. E quando rezamos a
estabelecendo-se como nação. Ambos os reinos eventualmente Amidá, a oração central do Judaísmo,
Os Livros de Josué e Juízes caíram nas mãos de inimigos e o oramos voltados para Jerusalém.
detalham as guerras empreendidas Povo de Israel foi exilado da Terra
e vencidas contra os povos que de Israel. O Reino de Israel foi Durante os últimos dois mil anos,
habitavam a região. O Livro de conquistado pelos assírios em judeus ao redor do mundo oram, pelo
Samuel relata que o Rei David 722 a.E.C., sendo exilada a maioria menos, três vezes ao dia, suplicando
fundou e nomeou a cidade de de seus habitantes. No entanto, a D’us que os liberte do exílio e os
Jerusalém, estabelecendo-a como a o Reino de Judá permaneceu sob conduza de volta à Terra de Israel.

66
REVISTA MORASHÁ i 122

Ao final de cada importante Quando os mulçumanos


celebração religiosa judaica, como chegaram na Terra de
o jejum de Yom Kipur e o Seder Israel?
de Pessach, proclamamos: “No
próximo ano em Jerusalém” – O início do Islã é marcado no
Bashaná haba’á b’Yerushalayim. Por ano de 610 E.C., após a primeira
dois mil anos, não houve um único revelação do profeta Maomé, aos
dia em que o Povo Judeu se tenha 40 anos de idade. À medida que o
esquecido da Terra de Israel. E Islã se fortalece na Arábia, exércitos
ao longo dos séculos, sempre que MOEDA ANTIGA DE MEIO SHEKEL COM muçulmanos começam a conquistar
IMAGEM DAS FRUTAS DO TEMPLO DE
possível, os judeus retornaram à sua JERUSALÉM. 66 E.C. o Oriente Médio.
terra natal.
Para punir os judeus pela rebelião Em 636 E.C., após quase 500 anos
De onde vem o nome e apagar a ligação entre eles e sua de domínio romano, a Terra de
“Palestina”? terra, os romanos renomearam Israel, na época parte do Império
a região, antes conhecida como Bizantino1, foi conquistada pelos
A origem do nome “Palestina” “Judeia” ou “Judá”, para “Provincia exércitos muçulmanos. Durante
remonta à conquista romana da Syria Palaestina”. O novo nome quatro séculos, os califas governaram
Terra de Israel, no primeiro século foi escolhido em referência aos a região.
antes da Era Comum. A Primeira filisteus, antigos habitantes da costa
Grande Revolta Judaica contra o e grandes inimigos do Povo de Israel, Sob o domínio islâmico, os judeus
domínio romano eclodiu em principalmente durante o reinado e cristãos podiam viver na Terra
66 E.C., culminando com a do Rei David, como tentativa de de Israel com o status de dhimmis,
conquista romana de Jerusalém em minimizar a identidade judaica da ou seja, cidadãos considerados
70 E.C. e a destruição do Segundo região. protegidos, mas de uma classe
Templo. Esse evento marcou o inferior. Desde que reconhecessem
início da Segunda Diáspora. Ao longo de quase dois mil anos, a supremacia do Islã e pagassem os
a região e os judeus que nela tributos exigidos, tinham garantida
Em 132 E.C., tem início a permaneceram foram conquistados a vida e a liberdade religiosa. Mas
Segunda Grande Revolta Judaica por vários impérios, até a declaração sempre viveram à mercê – ou sob
contra os romanos, liderada por do moderno Estado de Israel, em a "proteção" – do governante da
Bar Kochba. Dois anos mais 1948. época, que poderia ser benevolente
tarde, Betar, o último reduto dos
insurgentes foi arrasado pelos
romanos. Apesar do fracasso da
revolta, com quase 600 mil judeus
mortos e outros milhares levados
por Roma como escravos, é um
equívoco pensar que todos os
judeus foram exilados após essa
revolta. Isso porque uma parcela
significativa da população judaica
permaneceu na Terra de Israel. Há
restos arqueológicos de sinagogas
que remontam àquele período.

1
O Império Bizantino surgiu da divisão
do Império Romano em dois – a porção
do Ocidente e do Oriente. O Império
Bizantino era a porção do Império
Romano do Oriente. Ruínas de Massada. Fortaleza judaica destruida em 73 E.C. por Roma

67 abril 2024
PERGUNTAs E RESPOSTAS

ou hostil a eles. Em 717, foram


impostas novas restrições contra
os não-muçulmanos, bem como
pesados impostos, tornando a vida na
Terra Santa difícil para os judeus e
forçando muitos a deixarem a região.

Os muitos impérios que


conquistaram a Terra de
Israel

A Terra de Israel fica sob domínio


muçulmano até 1099, quando é INTERIOR DA SINAGOGA ABUHAV EM SAFED CONSTRUÍDA NO SéC. 15. israel
invadida pelos exércitos da Primeira
Cruzada2. Milhares de judeus e
muçulmanos são mortos pelos judaica local dobraria entre os anos Império Otomano. A França recebeu
cruzados durante a ocupação cristã de 1808 e 1840. o mandato para governar a Síria
da Terra de Israel. Otomana, incluindo o Líbano.
Vemos, portanto, que é errado A Grã-Bretanha foi incumbida do
Nos dois séculos seguintes, afirmar que o retorno do Povo mandato para a Mesopotâmia (atual
muçulmanos e cristãos lutam pela Judeu à Terra de Israel é resultado Iraque) e a então Palestina Otomana
região. Mas, ao final do século 13, do Holocausto ou do Movimento (que incluía não apenas Israel, mas
Saladino, o Grande, expulsa os Sionista iniciado por Theodor Herzl. também o que hoje é a Jordânia).
cruzados, pondo um fim ao domínio Na realidade, judeus sempre viveram
cristão da região. na terra que hoje constitui o Estado Em julho de 1922, a Liga das Nações
de Israel e os judeus da Diáspora estabeleceu oficialmente o Reino
Com a expulsão da Península Ibérica nunca desistiram do sonho de Unido como mandatário no controle
de todo judeu praticante, no final retornar à sua pátria ancestral. da Palestina. Cinco anos antes, em
do século 15, seguiu-se uma onda novembro de 1917, buscando o apoio
de imigração judaica para a Terra De fato, a restauração da população judaico, o governo britânico emitiu
de Israel, que irá aumentar após os judaica no que se tornou o Estado de a Declaração Balfour, documento
otomanos conquistarem, em 1516, a Israel foi um processo histórico que que se tornou um marco histórico,
região. Eles abrem as portas de seu começou séculos antes da declaração feito pelo então Secretário de
Império aos judeus, e um número do moderno Estado Judeu. Relações Exteriores Arthur Balfour,
cada vez maior de judeus e conversos onde se lia que Londres veria com
se refugia nos domínios otomanos. O que era Israel bons olhos a criação de um “lar
De acordo com registros otomanos antes de 1948? nacional judeu na Palestina”. Ao
havia milhares de judeus vivendo mesmo tempo, os ingleses fizeram
nas aldeias da Galileia, no início A maior parte do território que hoje uma promessa contraditória aos
do século 16, e, em 1567, os judeus compreende Síria, Líbano, Jordânia árabes. Propuseram-lhes que, se
constituíam a maioria da população e Israel ficou durante quatro séculos eles lutassem contra os turcos, a
de Safed. sob domínio otomano. Durante a Inglaterra daria a eles uma “grande
1a Guerra Mundial (1914-1918), nação árabe independente”, sob o
No início do século 19, novas ondas o Império Otomano, que abrangia domínio da família hachemita.
de imigrantes judeus retornaram grande parte do Oriente Médio,
à Terra de Israel. A comunidade incluindo a Terra de Israel, lutou A Declaração Balfour foi endossada
ao lado da Alemanha e da Áustria- pela recém-criada Liga das Nações
2
As Cruzadas foram uma série de Hungria contra os Aliados. Quando – precursora da Organização das
expedições militares medievais com a guerra terminou, a França e Nações Unidas. No documento
o objetivo de libertar Jerusalém e
os territórios sagrados do domínio a Inglaterra, nações vitoriosas, do mandato, a Liga das Nações
muçulmano. dividiram entre si o território do reconheceu “a conexão histórica

68
REVISTA MORASHÁ i 122

do Povo Judeu com a Palestina”, líderes judeus, mas rejeitada pelos


conclamando-o a “reconstituir” o O que foi a Partilha? líderes árabes e, portanto, nunca foi
lar nacional do Povo Judeu. Em implementado um estado árabe. As
outras palavras, a Liga das Nações Em 1947, a ONU votou pela divisão nações árabes decidiram “jogar os
reconheceu um direito pré-existente da Palestina sob Mandato Britânico judeus ao mar” e travaram uma guerra
dos judeus à Terra de Israel, o que em dois estados independentes para eliminar o Estado Judeu.
indicava que a organização não – um judeu e outro árabe – com
estava “criando” esse direito. Jerusalém se tornando uma cidade Países Árabes rejeitam a
internacional. Essa decisão levou à Partilha da ONU e a guerra
Na época, a terra era habitada por criação do Estado de Israel, em 1948. se inicia
uma minoria judaica e uma maioria
árabe, assim como outros grupos Israel foi concebido como um Em 1948, quando termina o Mandato
étnicos menores. Havia algumas refúgio seguro para os judeus que Britânico, a Grã-Bretanha se retira da
famílias judias cuja origem podia ser fugiam da perseguição, bem como então Palestina Britânica, ciente de
rastreada até o período do Segundo um lar nacional para os judeus. Para que uma guerra era iminente.
Templo. estes, a Terra de Israel era seu lar
ancestral. Contudo, os árabes que Os árabes haviam rejeitado o Plano
Entre as décadas de 1920 e 1940, viviam nesse território também de Partilha das Nações Unidas que
cresceu o número de judeus que lá reivindicavam posse da totalidade propunha dividir a Palestina em
aportavam, em fuga da perseguição da terra e se opuseram à decisão, um estado judeu e um estado árabe.
na Europa. De fato, os judeus só rejeitando a criação de um Estado Um dia após Israel declarar sua
se tornaram maioria na Terra de Judeu. A Partilha foi aceita pelos independência, cinco países árabes
Israel após o Holocausto. Durante atacaram e invadiram o país. Contra
esse terrível momento na história todas as expectativas, Israel, com seu
da humanidade, os judeus estavam exército recém-formado, os derrotou.
desesperados para deixar a Europa,
mas os países haviam fechado suas A pedido de líderes árabes, muitos
fronteiras a refugiados judeus. deles abandonam suas casas, enquanto
Tampouco podiam ir para Eretz outros foram forçados a sair das
Israel, pois os britânicos haviam mesmas. Desde então, a maioria
imposto, desde 1939, severas dos refugiados palestinos e seus
restrições à imigração judaica para a descendentes vivem em Gaza e na
Palestina sob Mandato Britânico. Se Cisjordânia, assim como nos vizinhos
tivessem para onde ir, o Holocausto Jordânia, Síria e Líbano. Aqueles que
talvez não tivesse custado a vida de permaneceram em Israel se tornaram
seis milhões de judeus. cidadãos plenos, com direitos iguais,
e hoje representam 20% da população
É importante ressaltar que, desde israelense.
a queda dos Reinos de Israel
e de Judá até a fundação do Disputas Territoriais
Moderno Estado de Israel, não
houve nenhum estado soberano Em 1949, termina a Guerra de
no território que hoje constitui Independência do recém-fundado
o Estado de Israel – o território Estado de Israel, sendo acordado um
sempre esteve sob domínio de cessar-fogo. A Jordânia ocupa a área
grandes impérios. Nunca houve que ficou conhecida como Cisjordânia
um país independente chamado e o Egito ocupa Gaza – territórios
Palestina. Quanto à cidade de que fariam parte do estado árabe
Jerusalém, ela nunca foi a capital de desenhado pela ONU na Partilha
nenhum povo ou país além do Povo PLANO De PARTILHA DA PALESTINA
e hoje reivindicados por aqueles
de Israel. ELABORADO PELAS NAÇÕES UNIDAS EM 1947 que apoiam o estabelecimento de

69 abril 2024
PERGUNTAs E RESPOSTAS

um estado palestino. Jerusalém foi “Palestina” em linha com a tradição


dividida entre as forças israelenses, cristã europeia, remontando aos
a oeste, e as forças jordanianas, a romanos que renomearam como
leste. A cidade antiga de Jerusalém Palestina a terra de Judá.
permaneceu sob domínio jordaniano;
Israel não conseguiu recuperá-la até O que é Gaza?
a Guerra dos Seis Dias, em 1967.
Até então, os judeus eram proibidos Gaza é uma estreita faixa de
de morar e de entrar na Cidade terra situada entre Israel e o Mar
Velha de Jerusalém e de fazer suas Mediterrâneo, com uma curta
orações no Kotel – no Muro das fronteira sul com o Egito. Com
Lamentações. apenas 41 km de comprimento e
10 km de largura, possui mais de
Ao término da Guerra de MAPA DA FAIXA DE GAZA E DA CISJORDÂNIA, dois milhões de habitantes,
Independência, Israel acabou com 1994 tornando-se um dos lugares mais
mais terras do que lhe teria sido densamente povoados da terra.
concedido sob o Plano de Partilha. Israel. Na Europa medieval, por A maioria dos que vivem em Gaza
Como nunca houve um acordo de exemplo, “Palestina” referia-se ao são jovens, sendo que praticamente
paz entre Israel e os países árabes território ocupado pelos judeus 40% da população tem menos de
vizinhos, mais guerras e conflitos na Antiguidade, sendo também 14 anos, e a idade média de seus
ocorreriam nas décadas seguintes. chamado de “Terra Santa” ou “Terra habitantes, em 2020, era de apenas
Prometida”. Não era uma região com 18 anos.
Na Guerra dos Seis Dias, em 1967, fronteiras definidas.
Israel conquistou Jerusalém Oriental Quem governa Gaza?
e a Cisjordânia, além da maior Essencialmente, nunca houve
parte das Colinas de Golã, Gaza e a um país com fronteiras definidas Após a guerra de 1948-49, Gaza foi
Península do Sinai. chamado “Palestina” antes de o ocupada pelo Egito durante 19 anos.
mandato britânico ser estabelecido
Em 1979, Egito e Israel assinaram após a 1ª Guerra Mundial. Os Israel ocupou Gaza na Guerra dos
um tratado de paz e, em virtude do britânicos escolheram o nome Seis Dias, em 1967, lá permanecendo
acordado, Israel se retirou de toda a até 2005. Nesse ano de 2005 Israel
Península do Sinai. decidiu retirar todos os seus militares
e civis da Faixa de Gaza. Nenhum
A Palestina era um país judeu continuou lá.
antes de Israel?
Em 2006, o Hamas venceu as
Em toda História do Oriente Médio eleições parlamentares e, em 2007,
nunca houve um país chamado tomou o controle da Faixa de Gaza
Palestina, com cidadãos palestinos. da Autoridade Palestina, com grande
O Estado de Israel está localizado violência. Desde então, nenhuma
em um território que foi conquistado eleição foi realizada.
por muitos povos, ao longo da
história: assírios, babilônios, persas, O Hamas governa Gaza, enquanto
gregos, romanos, árabes muçulmanos, a Autoridade Palestina mantém
cruzados e turcos otomanos. controle administrativo de partes
da Cisjordânia. O Hamas, grupo
Desde o Reino de Israel e de islamista armado, entra em conflito
Judá, o território em questão com a Autoridade Palestina (AP) por
nunca se tornou um Estado repetidas vezes. Os integrantes da
independente até 1948, quando foi CRIANÇA COM UNIFORME DE COMBATE DO
AP são seculares e a favor da solução
estabelecido o moderno Estado de HAMAs. DEZ. 2019 de dois Estados.

70
REVISTA MORASHÁ i 122

Desde que o Hamas chegou ao


poder, em 2007, eles vêm lançando
dezenas de milhares de foguetes
contra as cidades israelenses. Israel
conseguiu prevenir maiores danos
a suas cidades e sua população
ao investir pesadamente na
construção de abrigos antimísseis e
na construção do Domo de Ferro,
um sofisticado sistema de defesa
antimísseis que destrói foguetes
inimigos em pleno voo.

Em resposta a esses constantes CRIANÇAS COMEMORAM A DATA DA FUNDAÇÃO DO HAMAS. FAIXA DE GAZA. 11 DEZ. 2021
ataques, Israel tentou impor um
bloqueio terrestre, marítimo e
aéreo ao enclave como forma de impõe restrições rigorosas em sua obrigação religiosa travar uma
evitar que o Hamas importasse fronteira com o território controlado guerra armada contra Israel. Consta
armas. Os eventos de 7 de outubro pelo Hamas. em seu Estatuto, “a Jihad é seu
demonstraram que esse bloqueio foi caminho e a morte em nome de Alá
ineficaz. O Hamas revelou ser muito O que é o Hamas? é o mais elevado de seus desejos”.
bem treinado e fortemente armado.
O Hamas foi fundado em 1987, A Constituição da organização, de
O bloqueio a Gaza fez com que no início da Primeira Intifada3, por 2017, afirma que “o Hamas rejeita
muitas pessoas acusassem Israel membros da Irmandade Muçulmana. qualquer alternativa à libertação
de punição coletiva e de manter Hamas é um acrônimo que significa total e completa da Palestina, do rio
refém a população do território. Harakat al-Muqawama al-Islamiya, ao mar”.
Contudo, ao longo dos anos, ou Movimento de Resistência
bilhões de dólares foram enviados Islâmica. O Hamas rejeita todos os
à Faixa de Gaza, principalmente compromissos e negociações com
pelo Qatar. O objetivo era evitar O grupo segue princípios islamistas Israel. Seu objetivo – a destruição
crises humanitárias e investir no que pregam que o Islã deve de Israel – não está aberto a
desenvolvimento local. Sabe-se hoje desempenhar um papel fundamental negociações territoriais ou à
que a maior parte desse dinheiro na vida política. Seus principais coexistência pacífica.
foi utilizado para fins bélicos, tanto objetivos são o estabelecimento
na forma de armamentos como na de um estado islâmico sob a lei da O Hamas é um grupo
construção de 300 - 500 quilômetros Sharia4 e a destruição de Israel. A terrorista?
de túneis. organização foi responsável por
muitos atentados suicidas e tantos Dezenas de países consideram o
É importante ressaltar que o Egito outros ataques mortais contra civis e Hamas uma organização terrorista
– o único país além de Israel que soldados israelenses. – entre eles os Estados Unidos, a
faz fronteira com Gaza – também União Europeia, o Reino Unido,
O Hamas é um dos dois principais a Austrália e o Canadá. Outros
partidos políticos nos territórios países, como a Nova Zelândia,
3
Intifada – termo árabe para se referir a palestinos, com uma ala armada que aplicam este rótulo apenas à sua ala
uma rebelião ou insurreição. Esse termo
se popularizou a partir da Primeira se estimava ter entre 30 mil a militar.
Intifada dos palestinos, em 1987. 40 mil combatentes, antes do início
4
Sharia é um conjunto de leis islâmicas da guerra de 2023. No Reino Unido, por exemplo,
que são baseadas no Alcorão, responsáveis ser membro ou expressar apoio ao
por ditar as regras de comportamento dos
muçulmanos, em todos os aspectos da Em 1988, o Hamas publicou Hamas é um ato ilegal, punível com
vida cotidiana. seu estatuto, declarando ser uma até 14 anos de prisão. A Alemanha

71 abril 2024
PERGUNTAs E RESPOSTAS

também proíbe as atividades do Os túneis têm sido usados, depois de Terroristas e “civis” da Faixa de Gaza
Hamas; isto significa que qualquer 7 de outubro, como cativeiro, para invadiram o território israelense,
pessoa que seja ativa em organizações parte dos reféns. matando mais de 1.200 pessoas, ferindo
pró-Hamas está cometendo um mais de 13.000, predominantemente
delito criminal. Esses túneis conectam vários pontos civis, e sequestrando 253 indivíduos.
dentro da Faixa de Gaza, sendo Eles mataram, decapitaram, mutilaram,
O Hamas sempre defendeu a que parte deles são situados abaixo torturaram, queimaram vivos,
violência, pedindo a aniquilação de de regiões com alta densidade estupraram, incendiaram tudo que
Israel. Este grupo terrorista realizou populacional e embaixo de escolas, viram pela frente e sequestraram bebês,
seu primeiro atentado suicida em hospitais e mesquitas. A rede de mulheres, crianças, idosos, pessoas
abril de 1993, cinco meses antes que túneis do Hamas também se estende com deficiências físicas e mentais,
o líder da OLP, Yasser Arafat, e do para fora de Gaza. Certos túneis vão paramédicos, bombeiros e forças de
primeiro-ministro israelense, Yitzhak de Gaza ao Egito para contrabandear segurança.
Rabin, assinassem os Acordos de armas e bens de consumo, e outros
Oslo. estendem-se diretamente de Gaza O que quer dizer a expressão
até as comunidades israelenses “do rio ao mar”, usada nas
Outros atentados se seguiram nestes situadas na proximidade da fronteira, manifestações pró-Hamas?
30 anos: atentados suicidas, tiroteios, facilitando a infiltração de terroristas
envio de balões incendiários e, ao que visam sequestrar e matar civis A expressão “do rio ao mar, a Palestina
longo dos anos, o disparo de dezenas israelenses. será livre” (“From the river to the sea,
de milhares de foguetes a partir de Palestine will be free”) é o principal
Gaza para Israel. Sem o Domo de O grupo travou várias guerras com slogan usado em manifestações
Ferro – sistema de defesa antimísseis Israel desde que assumiu o poder. pró-palestinos ao redor do mundo,
de Israel – o número de vítimas Israel atacou repetidamente o Hamas principalmente em campi universitários
israelenses seria incalculável. pelo ar e enviou tropas para Gaza em e cidades americanas. Em várias cidades
2008, 2014 e em 2023. da Europa, como Viena e Berlim, este
O grupo terrorista também slogan foi proibido e descrito como um
estabeleceu uma rede com cerca de No dia 7 de outubro de 2023 o “apelo claro à violência”.
300 - 500 km de túneis subterrâneos, Hamas foi responsável por efetuar
em Gaza. Os túneis são usados o ataque mais mortal na história de Esta expressão, que tem sido usada
como arsenais, abrigos subterrâneos, Israel, que resultou no maior número desde a década de 1960, refere-se
centrais de comando e vias de de judeus assassinados em um único à terra entre o Rio Jordão, que faz
transporte de armamentos e pessoas. dia desde o final do Holocausto. fronteira com o leste de Israel, e o Mar
Mediterrâneo, a oeste.

Em 1966, o líder sírio Hafez al-Assad,


pai do atual ditador do país, disse: “Só
aceitaremos a guerra e a restauração da
terra usurpada... para expulsar vocês,
agressores, e jogá-los ao mar de uma vez
por todas.”

O slogan conclama ao estabelecimento


de um Estado da Palestina em
território que vá do Rio Jordão ao
Mar Mediterrâneo. É amplamente
entendido como uma demanda pela
destruição do Estado de Israel e,
segundo a Liga Anti-Difamação,
RESTOS DE UM ÔNIBUS APÓS A EXPLOSÃO DE UM HOMEM BOMBA PALESTINO QUE MATOU
a expressão, em sua forma mais
11 PESSOAS E FERIU MAIS DE 50 EM JERUSALÉM. JAN. 2004 extremista, é um apelo à aniquilação

72
REVISTA MORASHÁ i 122

dos judeus que vivem entre “o rio e defendendo a autodeterminação


o mar”. judaica através da divisão da
Palestina sob Mandato Britânico em
“A Palestina é nossa, do rio ao mar dois estados.
e do sul ao norte”, disse Khaled
Mashaal, ex-líder do Hamas, em Em 17 de maio de 1948, três dias
um discurso em Gaza, em 2012, após a declaração do Estado de
celebrando o 25º aniversário da Israel, a então União Soviética
fundação do grupo terrorista, foi o primeiro país a conceder
conforme notícia da Associated reconhecimento de jure5 ao
Press. Recentemente, Mashaal Estado Judeu. Os Estados Unidos
declarou: “Após 7 de outubro, reconheceram Israel de facto
acredito que o sonho e a esperança imediatamente, mas estenderam
pela Palestina do rio ao mar e do o reconhecimento de jure, o
norte ao sul tenham sido renovados. reconhecimento que carrega mais
Isso também se tornou um slogan legitimidade, somente após a
entoado... pelo público americano primeira eleição israelense,
e ocidental... esse é o slogan dos CAPA DO JORNAL "THE NEW YORk TIMES" em 31 de janeiro de 1949.
APÓS A DECLARAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA
estudantes americanos”. DE ISRAEL EM MAIO DE 1948
Além do apoio diplomático, a
Israel não foi fundada Tchecoslováquia, país satélite
para ser uma base militar soviético, foi o único que ignorou
Na época da criação do Estado
americana no Oriente o embargo internacional de
Judeu, acreditava-se que o recém-
Médio armamentos e vendeu armas que
criado país se alinharia com a então
permitiram que o recém-criado
Um dos mitos que circulam pela União Soviética. O ditador soviético
exército de Israel se defendesse
Joseph Stalin havia adotado uma
Internet é que Israel foi fundado durante a Guerra de Independência.
para servir como uma base militar política externa pró-sionista, não
Naquela época, os Estados Unidos
americana no Oriente Médio. por simpatia aos judeus, mas porque
aplicavam estritamente a Lei de
acreditava que Israel seria socialista
Neutralidade, que impunha um
O mito é um grande embuste e reduziria a influência e presença
embargo de armas a qualquer país
histórico, que ganhou força em britânica no Oriente Médio.
engajado em conflito armado;
círculos antiamericanos. É fato Acredita-se que o Plano de Partilha
recusando-se, portanto, a vender
histórico conhecido que, quando da ONU e a criação do Estado de
armas a Israel.
da criação do Estado de Israel, os Israel não teriam acontecido sem o
Estados Unidos sequer eram o aliado forte apoio soviético.
Quando os partidos pró-soviéticos
mais forte de Israel. Havia muitos perderam a primeira eleição ao
A URSS começou a apoiar
generais e políticos americanos que Knesset6, em janeiro de 1949, Stalin
eram contrários à declaração de publicamente os anseios do retirou seu apoio e pôs um fim às
independência de Israel. Apesar da movimento sionista em 1947, vendas de armas tchecas a Israel.
oposição do Secretário de Estado, os durante o debate do Plano de A ex-URSS logo mudou de lado no
Partilha. Um discurso inesperado conflito árabe-israelense, apoiando
Estados Unidos votaram a favor da
Partilha por determinação do próprio de Andrei Gromiko, representante abertamente os países árabes contra
Presidente Truman. da então União Soviética na ONU, Israel a partir de meados dos anos
teve ampla repercussão internacional 1950.
e evidenciou a posição de Stalin.
5
Um país com reconhecimento de jure
cumpre todos os requisitos estabelecidos Gromiko discursou sobre o horror A relação de Israel com os Estados
nas Leis Internacionais, enquanto um sofrido pelos judeus no Holocausto Unidos evoluiu ao longo do tempo.
estado com reconhecimento de facto não e enfatizou que “era hora de o
atende a todos os requisitos do Direito No início, os EUA mantiveram
Internacional. mundo ajudar esse povo, não com um embargo de armas a Israel e o
6
Knesset - Parlamento de Israel.
palavras, mas com ações concretas”, Departamento de Estado

73 abril 2024
PERGUNTAs E RESPOSTAS

americano adotou uma postura terras estrangeiras ao redor do supervisionados por nenhum
pragmática, preocupado com o mundo. estado colonial ou poder militar.
impacto na relação com as nações E sozinhos construíram e lutaram
árabes. Nos primeiros anos Essa imagem não poderia ser mais pelo seu estado, sem a ajuda de
do Estado, a ajuda americana distante da verdade. A conexão nenhum império.
limitava-se a empréstimos para a dos judeus com a Terra de Israel
compra de alimentos. Somente após começa no início da narrativa Israel é o único estado judeu,
a Guerra dos Seis Dias, em 1967, bíblica – aceita tanto pelo Judaísmo, não havendo outro lugar para
Washington aumentou a venda de Cristianismo e Islã, como a terra que onde os judeus possam “voltar”.
armas a Israel, percebendo o claro foi repetidamente prometida por Centenas de milhares de judeus
alinhamento dos países árabes D’us aos judeus. Como visto acima, vieram para Israel escapando
com a ex-URSS. O Presidente os judeus viveram na Terra de Israel das perseguições na Europa.
Johnson comprometeu-se a manter por mais de três mil anos. Eles são Milhares fugiram da Rússia
a “vantagem militar qualitativa” de nativos e indígenas à terra, falando a – dos pogroms e perseguições
Israel, abrindo caminho para décadas mesma língua e praticando a mesma – e outros tantos tentaram
de vendas de armas que fortaleceram religião como faziam há milhares de deixar o continente, que estava
o exército israelense. Desde então, anos. majoritariamente sob ocupação
os Estados Unidos passaram a nazista. É fundamental lembrar
ser o principal apoiador militar e Mesmo quando os judeus foram que durante o Holocausto as
diplomático de Israel. exilados da Terra de Israel, ela portas das nações do mundo
permaneceu central em seus corações estavam totalmente fechadas para
Israel não é um estado e mentes. Em nossas orações diárias, os refugiados judeus. Depois do
colonizador que rezamos três vezes ao dia, e na final da 2ª Guerra, as portas dos
Bênção após as Refeições repetimos países continuavam fechadas para
Nos últimos anos, tem havido uma inúmeras vezes o nosso anseio de os sobreviventes do Holocausto.
forte campanha para retratar Israel retornar à Terra de Israel.
como uma “entidade colonizadora”. Entre 1947 e 1948, 856 mil
O argumento é utilizado para minar Israel não é um país colonizador. Os judeus que viviam em
a própria legitimidade do Estado judeus que imigraram para a Terra comunidades milenares nos países
Judeu, buscando apagar e negar os de Israel, fizeram-no por vontade muçulmanos perceberam que
laços históricos do Povo Judeu com a própria, não sendo dirigidos nem não havia mais futuro para eles
terra de seus ancestrais. A campanha nesses países. Discriminados e
difamatória procura retratar os perseguidos, apátridas porque
judeus como colonizadores europeus suas cidadanias haviam sido
que chegaram na região – em revogadas, enxotados sem poder
contraste com os palestinos, que são levar nenhum de seus bens, a
apresentados como a “população única porta aberta para a grande
nativa autêntica”, um erro, como maioria era Israel. Ao todo, de
vimos acima. 1947 a 1976, mais de 1,4 milhão
de judeus foram forçados a sair de
Colonialismo é definido como países árabes.
sendo a subjugação de povos
indígenas – e a exploração de suas Os judeus que se estabeleceram
terras e recursos. Os colonialistas em Israel não foram para explorar
frequentemente impõem sua própria a terra, mas para desenvolvê-la.
língua e valores culturais ao povo que Eles retornaram à Terra de
passam a dominar e implantam seus Israel preparados para fazer o
representantes em suas colônias. O que fosse necessário para tornar
termo “colonialista” evoca memórias o país habitável e próspero. Os
históricas de nações europeias IMIGRANTES DO IÊMEN CHEGAM A ISRAEL.
primeiros a lá se estabelecer
brancas exploradoras invadindo 1949-1950 encontraram pântanos e desertos,

74
REVISTA MORASHÁ i 122

enfrentaram epidemias de sociedades mais multiculturais da


malária e outras doenças. Com terra, composta por imigrantes de
trabalho árduo, converteram todo o mundo – incluindo Brasil,
pântanos em terras agrícolas ricas Argentina, Índia, Turquia, África do
e férteis. Atualmente, mesmo Sul, Etiópia, Irã, Estados Unidos,
que a geografia do país não seja União Europeia, ex-União Soviética,
naturalmente propícia à agricultura Iraque, Síria, Egito, e assim por diante.
e a água seja escassa, o país é um
grande exportador de produtos Em Israel, há judeus de diferentes
agrícolas e líder mundial em raças e etnias. Cerca de 30% são
tecnologias agrícolas. ashquenazitas, descendentes de
judeus europeus, 50,2% dos judeus
É irônica a acusação de que israelenses são de origem mizrahi
Israel tem raízes coloniais porque ou sefardita, o restante são de etnias
anteriormente a terra estava sob IMIGRANTES JUDEUS ETÍOPES CHEGANDO AO diferentes. Ademais, o Estado de
Mandato Britânico, já que Jordânia AEROPORTO INTERNACIONAL BEN-GURION, Israel é lar tanto para judeus quanto
tel aviv. 1 JUN, 2022
e Iraque estavam anteriormente para não judeus, sendo que os árabes
sob domínio britânico e Síria israelenses constituem mais de 20%
e Líbano estavam sob domínio sua vez, se tornaram opressores de da população do país.
francês. Antes da 1a Guerra pessoas de cor – os palestinos.
Mundial, os estados árabes do Categorizar Israel como um opressor
Iraque, Síria, Líbano e Jordânia Israel não é um país de europeus “branco” distorce a realidade de um
não existiam – a região era parte brancos privilegiados. Sem dúvida, país multicultural, multiétnico e
do Império Otomano. Eles se a criação de Israel proporcionou democrático, que garante direitos
tornaram “estados” devido à um refúgio para judeus oprimidos civis a todos os seus cidadãos,
intervenção europeia na região. na Europa e para sobreviventes do independentemente de sua origem,
Holocausto. No entanto, Israel é lar religião ou antecedentes. Retratar
Essas acusações que retratam Israel não apenas para judeus europeus, Israel como uma extensão do
como um “agressor colonialista” são mas também para judeus que foram “privilégio branco” é perigoso e usado
utilizadas pelos ativistas anti-Israel perseguidos nos países árabes e para vilipendiar o país e justificar
para justificar todos os ataques judeus, mundo afora. É uma das quaisquer ataques contra ele.
bárbaros desfechados contra o
Estado de Israel e seus cidadãos.
A realidade é que o Povo Judeu
construiu na Terra de Israel a única
democracia do Oriente Médio.

Israel não é um país


“branco”

Há uma tendência crescente por


parte de ativistas anti-Israel para
enquadrar o conflito israelense-
palestino em termos raciais, com
o intuito de traçar comparações
falsas com a desigualdade racial
nos Estados Unidos e em outros
países. Segundo essa narrativa,
Israel foi estabelecido como um
refúgio para judeus ashquenazitas
(europeus) oprimidos que, por Mulheres muçulmanas na praia de Tel Aviv, Israel

75 abril 2024
PERGUNTAs E RESPOSTAS

Israel não comete Quando se trata de Israel, as a disputas e negociações entre


apartheid acusações de apartheid são israelenses e palestinos e, devido à
facilmente refutadas: Israel falta de um acordo final, existem essas
Acusar Israel de ser um estado de não possui uma legislação que restrições.
apartheid é outra maneira de tentar determine uma segregação racial.
“demonizar” o país. A acusação é É um fato fácil de verificar nas Há um muro que separa Israel da
falsa e ofensiva. Quem acusa Israel ruas, praias e instalações públicas. Cisjordânia e de Gaza. O muro foi
de apartheid desconhece ou finge Israel é uma democracia. As leis construído devido a considerações
desconhecer o que é um regime do país e instituições democráticas de segurança após uma série de
apartheid. O termo é usado para sustentam e garantem tratamento ataques terroristas que visavam civis
deslegitimar o país e justificar a igual para todos os seus cidadãos, israelenses. Postos de controle e a
violência contra a sua população. independentemente da etnia, barreira de segurança na Cisjordânia
e cidadãos árabes e judeus têm e bloqueio em Gaza foram colocados
Palavra africâner que literalmente igual direito de voto nas eleições por Israel para proteger sua
significa “separação”, o termo israelenses. população.
apartheid é usado para descrever
o sistema político e econômico Israel é um país de imprensa livre O propósito dessas medidas não é
discriminatório de segregação e tribunais independentes, e suas “oprimir ou dominar” os palestinos,
racial que vigorava na África instituições servem tanto a árabes mas minimizar a violência. Em 2021,
do Sul, imposto pela minoria quanto a judeus e outras etnias. apenas, Israel enfrentou mais de
branca – que representava menos Diferentemente da África do Sul, 6.500 ataques provenientes de Gaza,
de 20% da população – aos não- Israel não tem escolas, moradias, da Cisjordânia e de Jerusalém. Os
brancos que lá viviam. O apartheid ônibus ou instalações públicas ataques terroristas de 7 de outubro
foi implementado pelo Partido separadas para judeus e árabes. comprovaram que as existentes
Nacional da África do Sul, de 1948 medidas de segurança não foram
a 1994. E é definido como um Representando mais de 20% da suficientes para proteger o país.
sistema que mantém um regime população de Israel, cidadãos árabes
institucionalizado de discriminação israelenses servem como juízes, Limitações na movimentação de
e opressão de um grupo racial sobre médicos, atores, jornalistas etc., bens e de pessoas impõem grandes
outro. trabalhando lado a lado com judeus dificuldades aos palestinos que vivem
israelenses e desempenhando papéis em Gaza e na Cisjordânia. Contudo,
Na África do Sul, o apartheid proeminentes em todos os aspectos não são impostas por discriminação
assegurava privilégios para a minoria da sociedade israelense. Drusos, racial, mas por proteção. Só será
branca e discriminava e subjugava beduínos e árabes israelenses possível remover os pontos de
a maioria não-branca. O sistema lutam nas Forças de Defesa de controle de segurança e o bloqueio
regia todos os aspectos da vida do Israel e alcançaram patentes tão a Gaza quando uma opção real for
país, determinando quem podia altas quanto Generais de Divisão, encontrada para manter a segurança
votar, onde alguém podia trabalhar, Brigadeiros ou Contra-almirantes. de Israel. Existem questões legítimas,
estudar e circular. Casamentos Há parlamentares árabes no mas as comparações simplistas
entre brancos e não brancos eram Knesset, bem como no sistema com o apartheid sul-africano são
proibidos. Hospitais, ambulâncias, judiciário israelense, incluindo a factualmente incorretas e apenas
ônibus e instalações públicas e até Suprema Corte. De 2021 a 2022, antagonizam e polarizam.
bancos em praças eram segregados, Ra’am, um partido político árabe de
e os destinados à população não- Israel que representa cidadãos árabes Buscando uma solução mais
branca eram de qualidade inferior. muçulmanos religiosos, tornou-se permanente, Israel fez ofertas de
Um negro, por exemplo, não podia parte de um governo de coalizão. paz em 2000 e 2008 que levariam
ser tratado em um hospital para à criação de um estado palestino
brancos, assim como um médico E quanto à Cisjordânia e à Faixa de independente em quase toda a
negro não podia tratar um paciente Gaza? Quem vive na Cisjordânia ou Cisjordânia e Gaza, mas os líderes
branco. E eram presos aqueles que em Gaza não é cidadão israelense. palestinos rejeitaram ambas as
não seguissem as leis do apartheid. Esses territórios ainda estão sujeitos ofertas.

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