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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Fabio Marques Ferreira Santos

O limite cognitivo do poder humano judicante a um passo de um novo


paradigma cognitivo de justiça: poder cibernético judicante – o direito mediado
por inteligência artificial

Doutorado em Direito

São Paulo
2016
Fabio Marques Ferreira Santos

O limite cognitivo do poder humano judicante a um passo de um novo paradigma


cognitivo de justiça: poder cibernético judicante – o direito mediado por inteligência
artificial

Tese apresentada à Banca Examinadora


da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, PUC-SP, como exigência
parcial para a obtenção do título de
DOUTOR em Direito Processual Civil,
sob a orientação do Professor Doutor
Cassio Scarpinella Bueno.

São Paulo
2016
Dedico este trabalho à minha amada Mãe pelo incansável apoio incondicionado,
mesmo nos instantes em que o tempo a faz pestanejar, às minhas filhas, Brenda,
Julia, Thabata e Hannah Arendt porque me fazem transformar a dor e o sofrimento
em uma substância mágica e transformadora capaz de me inspirar a cada instante
existencial. Ao meu orientador por acreditar na proposta e abrir caminhos a algo
inusitado irrestritamente. Aos meus leais, fieis, dedicados e incansáveis auxiliares de
pesquisa, crítica e correção: Adriana Santos, Diego Rosas, Fernanda Grejo, Flora
Chrisbender, Oryon Melo e Vivian Catarina.
AGRADECIMENTOS

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Ao meu orientador

Ao Professor Dr. Cassio Scarpinella Bueno

Aos demais integrantes da Banca Examinadora:


BANCA EXAMINADORA

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Aprovado em ____ de ___________ de 2016.


SANTOS, Fabio Marques Ferreira. O limite cognitivo do poder humano judicante. A
um passo de um novo paradigma cognitivo de Justiça: poder cibernético judiciante.
O Direito mediado por Inteligência Artificial. Tese de Doutorado. Programa de
Estudos Pós-Graduados em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
SP, Brasil, 2016.

RESUMO

O trabalho científico teve como objetivo a investigação do limite cognitivo do


Estado/Juiz e suas condições como sistema (modelo de Justiça) operado pela
inteligência humana, segundo os estudos de Kahneman, Slovic e Tversky, em
Judgment under uncertainty: heuristic and biases, e os reflexos causados a um
Direito e uma Justiça com déficit histórico de previsibilidade, certeza e segurança.
Foi adotada a epistemologia kuhniana, sua metodologia e seus conceitos,
apropriando-se deles como fluxo explicativo da dinâmica de evolução do Direito e da
Justiça. Buscou consolidar um diálogo sem vencedores, flexibilizando as
granularidades e as incomensurabilidades, entre as Filosofias, as Lógicas, as
Ciências Cognitivas e os Direitos (Constitucional e Processual Civil). Os estudos
teóricos pinçaram informações e dados, no sentido de demonstrar a falibilidade e a
insuficiência do Estado/Juiz como mediador exclusivo do Direito para o alcance da
Justiça e a potencial possibilidade de realizar essa equação entre o Direito e a
Justiça por intermédio da tecnologia em Inteligência Artificial. Considera, ainda, o
avanço, espécie de tecnologia da inteligência, e ao mesmo tempo tem-na como meio
seguro e eficaz para a realização de funções mediante estrutura em programação. A
pesquisa deu ênfase à previsão Constitucional dos dispositivos constitucionais, em
específico ao encapsulado no inciso LXXVIII, do artigo 5º do laureado diploma que
assegura “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Com base no permissivo Constitucional, simetricamente concentrou análise ao
instituto de Direito Processual Civil, denominado Instauração de Incidente de
Resolução de Demanda Repetitiva, encampado pela lei 13.105/2015, com a
precípua missão de uniformizar e dar concretização aos estatutos substantivos
legais, cuja técnica processual internalizou por intermédio do novo novel processual,
o denominado precedente judicial, o qual tem o condão de verticalizar as decisões
judiciais, vinculando as decisões definitivas exaradas pelos Tribunais, tendo como
lastro uma tese jurídica fundada em questão de Direito. Seu objetivo é de dar
tratamento paritário aos casos análogos, maior celeridade aos processos,
desafogamento do sistema judiciário e buscar, por este meio, a concretização do
Estado Democrático de Direito idealizado na lei Constitucional. Dentre os valores
maiores insculpidos na Carta Magna, estão a acessibilidade material, a
previsibilidade, a segurança e a certeza de um tratamento isonômico do Direito ao
alcance da Justiça Constitucional. Por essas razões e fundamentos, o trabalho
cientifico conclui que é possível, considerando os dispositivos legais apontados,
defender, dados os limites da pesquisa teórica, a Tese do desenvolvimento legal de
uma plataforma digital processual programada em Inteligência Artificial, atuando no
armazenamento de dados e informações, gerindo-os e decidindo casos cuja questão
de Direito tenha precedentes fundados (compreensão interpretativa hermenêutica
sobre o Direito consensualizado) nos termos adotados pela legislação pátria vigente.
Por fim, a pesquisa ainda sinaliza no sentido de que, dada a evolução da tecnologia
em Inteligência Artificial e todos os demais fatores e influências, há que considerar a
tendência natural para que o Direito e Justiça não somente passem a ser decididos
por inteligência não humana como a mutação irradiada pela técnica em tecnologia
de Inteligência Artificial gere uma ruptura de conceitos, formas e estruturas em
poucas décadas.

Palavras-chave: Limite cognitivo humano. Paradigma de Justiça. Judiciário. Direito


mediado por Inteligência Artificial.
SANTOS, Fabio Ferreira Marques. The cognitive limit of adjudicative human
power. One step of a new cognitive paradigm of Justice: judicial cyber power. The
Law mediated by Artificial Intelligence. Doctoral thesis. Program of Postgraduate
Studies in Law. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brazil, 2016.

ABSTRACT

Scientific work aimed to investigate the cognitive limits of the State / Judge and
their conditions as a system (paradigm of Justice) operated by the human
intelligence, according to studies of Kahneman, Slovic and Tversky, in Judgment
under uncertainty: heuristic and biases, and effects caused to Law and Justice
with a historic deficit of predictability, certainty and security. It was adopted the
Kuhnian epistemology, methodology and concepts, appropriating them as an
explanatory flow of the dynamic of evolution of Law and Justice. It was sought to
consolidate a dialogue with no winners, bringing flexibility to the granularity and
incommensurability between Philosophies, Logics, Cognitive Sciences and Human
Rights (Constitutional and Civil Procedure).Theoretical studies gathered
information and data in order to demonstrate the fallibility and failure of the State /
Judge as an exclusive mediator of law to achieve justice and the potential
possibility of carrying out the equation between Law and Justice through the
Artificial Intelligence technology. These studies also evaluate such evolution as a
kind of intelligence technology and, at the same time, as a safe and effective
means to perform functions using programming structure. The research
emphasized the predictability of constitutional provisions, in particular the content
encapsulated in item LXXVIII of Article 5 of the laureate diploma stating that "it is
assured to everyone at judicial and administrative level, reasonable duration of the
process and the means to guarantee the speed of its proceedings." Based on
permissive Constitution, it focused symmetrically an analysis of the Constitutional
Procedural Law, named Establishment of Repetitive Demands Incident Resolution,
taken over by the Law 13,105 / 2015 with the sole mission to standardize and to
achieve the legal substantive statutes whose procedural technique has
internalized, through the new procedural standard, the so-called judicial precedent,
which has the power to vertically integrate judicial decisions, linking the final
decisions entered by the Courts, having as ballast a legal thesis founded in
question of Law. The objective is to give parity treatment to similar cases, greater
speed to processes, to unburden the judiciary system and therefore, to seek the
realization of the Democratic State of Law envisioned in the Constitution. Among
the most important values contemplated by the Constitution, there are namely
accessible material, predictability, safety and certainty of equal treatment of the
Law according to the Constitutional Justice. For these reasons and rationale, the
scientific work concludes that it is possible, taking into consideration the
mentioned legal provisions, to defend, within the limits of theoretical research, the
Thesis of the legal development of a procedural digital platform conducted by
Artificial Intelligence, using data storage and information, managing them and
deciding cases whose question of Law has legitimate precedents (hermeneutic
interpretive understanding about consensual Law) in terms adopted by the current
Brazilian legislation. Finally, the research also shows that, in view of the evolution
of Artificial Intelligence technology, as well as other factors and influences, we
must consider the natural tendency for the Law and Justice to start being decided
by non-human intelligence and the changes brought about by the Artificial
Intelligence technology that will cause the break of concepts, forms and structures
in the next decades.

Key words: Human cognitive limit. Paradigm of Justice. Judiciary. Law mediated
by Artificial Intelligence.
Como qualquer outra atividade social, a
pesquisa científica é conduzida por certas
condições biológicas, econômicas, culturais e
políticas mínimas, que variam relativamente
pouco de uma sociedade para outra. Por
exemplo, um pesquisador, por mais abstrato
que seja o problema com que se ocupa,
precisa ter saúde e um salário regular que lhe
permita concentrar-se em seu trabalho.
Precisa, também, ter livre acesso à informação,
sem excluir o livre intercâmbio de experiências
e opiniões com colegas nacionais e
estrangeiros. Também necessita de
liberdadeacadêmica para discorrer sobre o seu
tema e a maneira de tratá-lo, assim como de
liberdade para difundir o resultado de seu
trabalho (liberdade especialmentenecessária se
o resultado contradiz opiniões
preestabelecidas).

Mario Bunge
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14
1 ASPECTOS PROPEDÊUTICOS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO ......... 29
1.1 A formação estrutural do conhecimento .............................................................. 29
2 A IMPORTÂNCIA DA EPISTEMOLOGIA DE THOMAS KUHN NO
DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA DO DIREITO E DA JUSTIÇA ......................... 45
2.1 Aspecto dinâmico da ruptura paradigmática e sua contribuição para um novo
conceito de Direito e de Justiça................................................................................. 45
3 O MOVIMENTO DE RUPTURA COMO PROGRESSO DA CIÊNCIA EM THOMAS
KUHN ........................................................................................................................ 68
3.1 A contribuição da ruptura da ciência no estabelecimento da nova ordem do
Direito e da Justiça para o enfrentamento de uma nova Era .................................... 68
4 AS RELAÇÕES DINÂMICAS DA EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA EM THOMAS
KUHN, SUA LÓGICA E SEUS CRITÉRIOS PARA O DESENVOLVIMENTO
CIENTÍFICO .............................................................................................................. 82
4.1 As propriedades dinâmicas da ciência a partir de Thomas Kuhn e sua
contribuição para a explicação do desenvolvimento paradigmático do Direito e da
Justiça ....................................................................................................................... 82
5 AS ESCOLAS DAS PSICOLOGIAS .................................................................... 102
5.1 Estruturas psicológicas propostas para a explicação do funcionamento da mente
humana ................................................................................................................... 102
6 O SISTEMA COGNITIVO DE DECIDIBILIDADE ................................................. 118
6.1 Aspectos relevantes a respeito do sistema cognitivo humano e as influências a
respeito de sua percepção no ato de decidir ........................................................... 118
7 O SISTEMA NEUROLÓGICO HUMANO............................................................. 138
7.1 A dinâmica do cérebro humano e sua importante contribuição para o rompimento
de limites ................................................................................................................. 138
8 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ............................................................................... 147
8.1 Aspectos estruturais e dinâmicos do sistema da Inteligência Artificial .............. 147
8.2 A Inteligência Artificial como “meio” adequado e útil para a mediação do Direito e
da Justiça ................................................................................................................ 185
9 ASPECTOS ESTRUTURAIS DA VERDADE....................................................... 214
9.1 O estatuto da verdade, seu tratamento histórico jurídico na validação do Direito e
da Justiça e as lógicas relacionadas ....................................................................... 214
10 O ESTADO CONSTITUCIONAL E OS “MEIOS” PARA A CONQUISTA DOS
DIREITOS E DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS ................................................ 239
10.1 Aspectos de base de um projeto do Estado Democrático de Direito para um
Estado Constitucional .............................................................................................. 239
10.2 O inevitável destino do uso da tecnologia como “meio” para a concretização do
Projeto do Estado Democrático de Direito .............................................................. 249
11 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO ATUAL PARADIGMA (DE/DA)
JUSTIÇA ................................................................................................................. 275
11.1 Uma Justiça com natureza judiciária ............................................................... 275
12 PROCESSO CIVIL E SEUS ASPECTOS RELEVANTES SEMPRE
IMANENTES .......................................................................................................... 301
12.1 Aspectos principiológicos do processo ............................................................ 301
12.2 A relevância Constitucional processual ........................................................... 306
13 PROCESSO CIVIL E SEU NOVO-REFORMADO ESTATUTO ......................... 311
13.1 Os aspectos desde a estrutura ao novo-reformado CPC ................................ 311
13.2 Uma teoria procedimental simplificada para a resolução dos conflitos ........... 320
13.3 O papel do Estado/Juiz no novo-reformado CPC na ponderação dos
valores ....................................................................................................... 325
14 ASPECTOS GERAIS PARA UM MODELO ESTRUTURAL PROCESSUAL
TECNOLÓGICO...................................................................................................... 334
14.1 A verdadeira função do conhecer para a devida programação ....................... 334
14.2 As súmulas, a jurisprudência e os precedentes, seus papéis sistêmicos
processuais embrionários de linguagens tecnológicas ........................................... 343
14.3 O desembarque da IIRDR (Instauração de Incidente de Resolução de Demanda
Repetitiva) no sistema processual e suas perspectivas no cenário processual
brasileiro .................................................................................................................. 358
14.4 O Processo Civil enquanto instrumentalidade com características
tecnologizadas e sua eficaz utilidade ...................................................................... 369
15 O LIMITE COGNITIVO DO PODER JUDICANTE ............................................. 390
15.1 Uma anomalia da natureza humana ............................................................... 390
16 CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DA PRIMEIRA REFORMA DO
PODER JUDICIÁRIO .............................................................................................. 445
16.1 Os motivos históricos do sistema operacional judicante e a centelha da
tecnologização proposta entre os pontos e contrapontos da reforma ..................... 445
17 A EXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO PARADOXAL NA CONCEPÇÃO DE
JUSTIÇA ................................................................................................................. 466
17.1 Por uma redefinição de Justiça, uma alquimia fundida a partir da cultura, do
homem e da linguagem para a edificação de um plano Constitucional social
concreto .................................................................................................................. 466
18 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DE UM NOVO PARADIGMA DE
JUSTIÇA ................................................................................................................ 487
18.1 A epistemologia das decisões mediadas por um sistema tecnológico orientado a
partir de uma Inteligência Artificial ........................................................................... 487
19 ASPECTOS MACROCOGNITIVOS ................................................................... 516
19.1 A relação profusora da Inteligência Artificial com as ciências físicas, neurofísica,
neuroquímica e seus impactos no futuro do destino do Direito e da Justiça ........... 516
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 564
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 568
ANEXO A – PERCEPÇÃO DO BRASILEIRO SOBRE A JUSTIÇA (SIPS) ........... 589
ANEXO B – PESQUISA SOBRE O JUDICIÁRIO: VISÃO DO JUIZ ...................... 605
14

INTRODUÇÃO

O trabalho de pesquisa é algo envolvente, é uma via tomada por escolha e


não por opção. Sabe-se que o mais importante dela será trazer ao mundo
acadêmico uma inovação e, se possível, buscar edificar ideais de originalidade.
Aquela ou esses são o maior desafio em tempos em que o homem pós-
moderno vive a consumir um estoque intelectual de que não foi contribuinte, e, por
vezes injustificadamente, esse comportamento o mantém no amorfo espaço da
conservação.
Vive-se em uma época definida como pós-modernidade, na qual a
efemeridade dos objetos e das ideias se tornam fugazes e sem propósitos, em que
os trabalhos logo que apresentados se perdem no esquecimento ou na
desimportância de sua real importância, além de não encontrar solo fecundo para o
incansável aprimoramento.
Isso exige do pesquisador um compromisso de vida pelo comprometimento,
pela dedicação à manutenção de fazer com que suas ideias e suas ações
sobrevivam no tempo, pela ação, rompendo as dificuldades e os obstáculos que
impedem os homens de se emanciparem.
O trabalho vem mesclado por conhecimentos advindos de outras ciências que
não somente a do Direito, posição proposital e vital, cujo objetivo é a de oportunizar
uma fertilização indutiva materialmente diferente na construção não somente do
Direito mas do Processo Civil como ramificação especializada daquele. Essa
concepção já era um ideário concretista no âmbito processual, como ilustra o trecho
da exposição de motivos do CPC de 1939:

[...] durante a reunião do Congresso de Direito Judiciário, e na presença de


Vossa Excelência, de declarar que já era tempo que o Direito, e
particularmente o Direito judiciário, se beneficiasse da renovação das outras
disciplinas do espírito, servindo se, na investigação da verdade.

Como se constata, o Processo Civil é uma daquelas áreas que esbanjam


riqueza estética e material (uma obra de arte, porém com peculiaridades e critérios
próprios) atinentes com sua dogmática.
15

É um contribuinte forte e essencial quando se trata de instrumentalização –


para a obtenção de um resultado material do Direito, ele é representante de uma
categorização das regras para a organização de resultados materiais do Direito para
a obtenção da Justiça. Simplesmente, uma tecnologia em linguagem técnica jurídica
desenvolvida pelo ator humano, para mediar a relação entre a espécie humana e
suas relações sociais com o mundo.
No entanto, sua responsabilidade na concretização da Justiça material deve
ser delimitada, como bem justificada é, nas exposições de motivo do CPC de 1973,
cujo texto é plenamente atual no contexto vigente.1É, portanto, na estrutura do
sistema processual que habita a peça central operacional da Justiça, o Estado/Juiz,
responsável por mediar o Direito, dando ao sistema organicidade e coesão para sua
efetiva funcionalidade. Isso significa que essa peça central operacional
responsabiliza-se, em maior parte, em sua precípua e suprema missão, pela não
fragmentação do sistema do Poder Judiciário.
É cediço que, no processo, acontecem a entrega do bem da vida e a
resolução dos conflitos, a partir da aplicação dedutiva da norma objetiva ao caso
concreto, de sua complexidade em conceitos e de sua estrutura procedimental,
operada pelo ator humano judicante, o Juiz.
Mesmo com o advento da Lei 13.105/15, que trouxe a lume o novo Código de
Processo Civil, ainda assim espelha um sistema parametrizado em regras e
procedimentos para o desenvolvimento de um sistema que, ao final, objetiva
proporcionar a entrega do bem da vida mediante “um resultado prático material
previsto pelo Direito”, por intermédio da prestação jurisdicional, mediada pela
inteligência humana.
A prestação jurisdicional, atualmente – em que pesem os meios alternativos
para a resolução de conflitos, tais como arbitragem, mediação, conciliação, dentre
outras formas existentes ou embrionárias – não afastam do Poder Judiciário a
responsabilidade maior ao julgar, enfim, por decidir as questões que lhes são
apresentadas, além do seu papel de sentinela da constitucionalidade, moldada
segundo as regras da organização judiciária.

1Não se cuide que a reforma processual baste, de per si, para resolver, como que por encanto, todos
os problemas da administração da justiça. O melhor sistema processual estará fadado a completo
malogro, se não for aplicado por um excelente corpo de juízes. É que entre o processo civil e a
organização judiciária deve haver um perfeito equilíbrio.
16

O Poder Judiciário e sua organização almejam, por esse viés, alcançar a


estabilidade do sistema judiciário, como ideário Constitucional reprisado nas
exposições de motivo dos CPC’s de 1939, 1973 e 2015, em uma espécie de mantra
ideológico do Poder Judiciário assentado no solo hermenêutico da interpretação.
Esse órgão, porém, criado historicamente como instrumento de orientação,
pacificação e resolução de conflitos, com escopo voltado para os interesses da
Justiça, tem, no tempo, se revelado consoante interesses do próprio Estado e de
pessoas, enquanto propósitos, divorciados dos fins colimados pelos valores maiores
da própria Justiça.
Melhor explicando, o interesse da Justiça não é o mesmo das pessoas; se
isso acontece, não há Justiça, restam somente interesses, como já orientava a
exposição de motivos do CPC de 1973: “A aspiração de cada uma das partes é a de
ter razão; a finalidade do processo é a de dar razão a quem efetivamente a tem.”
Infere-se, portanto, dessa assertiva que ninguém, nem mesmo o Estado, está acima
da lei.
Destaca-se disso que o ato de julgar ou decidir secularmente se tem
apresentado como exclusivo, reservado a um homem que, legitimado pelo Estado,
atribui-lhe a responsabilidade, depois de investido no cargo de Juiz, de operar como
peça maior e central do Poder Judiciário. Isso é evidente, porque é dado a esse ator
o poder de tomar as decisões jurisdicionais, o que já era verbalizado desde 1939,
por Francisco Campos na exposição de motivos daquele CPC.2

2 O primeiro traço de relevo na reforma do processo haveria, pois, de ser a função que se atribue ao
juiz. A direção do processo deve caber ao juiz; e este não compete apenas o papel de zelar pela
observância formal das regras processuais por parte dos litigantes, mas o de intervir no processo de
maneira, que este atinja, pelos meios adequados, o objetivo de investigação dos fatos e descoberta
da verdade. Daí a largueza com que lhe são conferidos poderes, que o processo antigo, cingido pelo
rigor de princípios privatísticos, hesitava em lhe reconhecer. Quer na direção do processo, quer na
formação do material submetido a julgamento, a regra que prevalece, embora temperada e
compensada como manda a prudência, é a de que o juiz ordenará quanto for necessário ao
conhecimento da verdade.
17

E complementa Francisco Campos:

Prevaleceu-se o Código, nesse ponto, dos benefícios que trouxe ao


moderno direito processual a chamada concepção publicista do processo.
Foi o mérito dessa doutrina, a propósito da qual deve ser lembrado o nome
de Giuseppe Chiovenda, o ter destacado com nitidez a finalidade do
processo, que é a atuação da vontade da lei num caso determinado. Tal
concepção nos dá, a um tempo, não só o caráter público do Direito
processual, como a verdadeira perspectiva sob que devemos considerar a
cena judiciária em que avulta a figura do julgador. O juiz é o Estado
administrando a justiça; não é um registro passivo e mecânico de fatos, em
relação aos quais não o anima nenhum interesse de natureza vital. Não lhe
pode ser indiferente o interesse da justiça. Este é o interesse da
comunidade, do povo, do Estado, e é no juiz que um tal interesse se
representa e personifica.

Esse ato de exclusividade ante o Estado Democrático de Direito é


contestável, ao menos em tese. Sendo a exclusividade uma das formas de exclusão
de opção ou opções da pluralidade de Direitos, seria ela a demonstração de uma
tirania democrática do Direito.
Tal afirmação, todavia, não se sustenta plenamente, na medida em que o
sistema reconhece e autoriza outras formas legítimas para a busca de resolução de
conflitos, inclusive as já mencionadas, sem afastar, todavia, do Poder Judiciário, sua
responsabilidade por garantir legitimidade aos Direitos e às Garantias Fundamentais,
principalmente quando violados pelas outras vias para a obtenção da Justiça.
Todavia, o judiciário representa a última instância e o mecanismo
monopolístico constitucionalmente reconhecido e legitimado dentro do Estado
Democrático de Direito como órgão aplicador ou fiscalizador da ameaça ou lesão do
Direito, a quem se reservam a vigilância e a consequente lida corretivas pelas
ameaças e lesões de Direito praticadas pelo próprio Poder Judiciário, por práticas
ativas ou omissivas do seu operador Estado/Juiz, ainda que no exercício regular de
suas atribuições e funções judicantes.
Em que pese a existência de meios alternativos para a resolução de conflitos
em que o homem participa como mediador, em que pese ser o Estado/Juiz um
signatário maior do controle central do Poder Judiciário, ainda que órgãos ou meios
possam vigiar suas ações, em ambos os contextos, não se afastam do risco da
ameaça e/ou da lesão de Direito, aliás, do próprio Direito quando manuseado por
sua condição humana de falibilidade.
18

Isso se verifica porque o Direito é mediado pelo homem para o alcance da


Justiça. Suas condições cognitivas refletem-se simetricamente em última instância
nos problemas estruturais e materiais do Direito que, criado a partir da participação
direta e indireta do próprio homem, ao participar ele, quando do processo de
reconstrução e aplicação, prejudica os interesses da própria Justiça.
A Justiça, embora idealizada para acontecer por intermédio da jurisdição que
é monopólio do Estado, que a exerce de forma soberana por intermédio de um de
seus poderes, o Poder Judiciário, faz-se representada pela figura paternalista do
Estado/Juiz que passa a ser objeto de análise frente a uma nova estrutura de
conhecimento, dada a ausência de resolução das anomalias da imprevisibilidade, da
morosidade e da inefetividade da Justiça material ideologicamente prevista e
prometida pelo diploma Constitucional, pelo atual paradigma.
A questão que se propõe, dada a responsabilidade encampada pelo Poder
Judiciário, está em torno do limite cognitivo do poder humano judicante, uma vez
que, sendo o ato de julgar uma atribuição outorgada pelo Estado, é inquestionável
serem de responsabilidade extensiva do Estado os atos praticados pelo operador do
sistema Judiciário que lhe é subordinado.
Nem sempre, no entanto, os danos causados por esse mediador do Direito
têm o interesse do seu usuário em obter o Direito de reparação; isso significa dizer
que o que o jurisdicionado almeja, na verdade, é sua pretensão primária e o mais
importante, é o de obter o direito de ter o Direito.
Além disso, a questão de fundo, quanto ao limite cognitivo pontuado que será
examinado em pormenores no discorrer da Tese, envolve o conhecimento como um
todo. Causa o desalojamento do Direito e da Justiça, pela demasiada demora,
incerteza e insegurança no âmago do sistema judiciário, fruto de um conflito
ideológico travado no campo hermêutico de interpretação, ao qual a realidade social
dos novos tempos não permite mais assistir.
Aventa-se, assim, a hipótese de não serem o pensar e a inteligência, dentre
outras faculdades intelectivas, prerrogativas de propriedade da espécie humana,
dadas as novas formas organizacionais de vida, de problemas, de trabalho, que
exigem soluções claras para problemas bem definidos.3

3Como esclarece Honoré: “Os especialistas consideram que o cérebro opera com dois modos de
pensamento. Em seu livro Hare Brain, Tortoise Mind – Why Intelligence Increases When You Think
Less [Cérebro de lebre, mente de tartaruga – Por que a inteligência aumenta quando pensamos
19

Assim, passa a ser plenamente defensável a existência de tais faculdades em


outras formas de inteligência, passando a não ser de exclusividade da espécie
humana para determinados fins, principalmente nos aspectos em que a
tecnologização da ação humana possa contribuir para o avanço da própria espécie.
Dessa forma, em estando resguardados os Direitos e as Garantias
Fundamentais previstos na Constituição Federal, em oportunidade ao regime
Democrático de Direito, reconhecer uma nova epistemologia cognitiva responsável
por decidir, dado o nível de avanço das tecnologias que marcam o novo século,
torna-se coerente afirmar que o Direito possa ser mediado por uma Inteligência
Artificial.
Para isso, o estudo desce artesianamente, filtrando os aspectos da
Constituição Federal de modo a certificar da compatibilidade desse “meio” como
tecnologia em inteligência não humana, apta ao pleno funcionamento no âmbito de
uma informática decisória ou de julgamento.
Haveria, assim, o acolhimento e o reconhecimento no sistema jurídico de
mais um meio alternativo para a informação, a orientação e a resolução de conflitos,
concebendo ao jurisdicionado a oportunidade de recorrer ao Poder Cibernético
Judicante. É esse um dos cernes da Tese, considerando-se opção, desde que não
venha a colidir com os Direitos e as Garantias Fundamentais.
É uma das formas de reconhecimento e de concretização material do regime
Democrático de Direito o reconhecimento da pluralidade e das diversidades, a
outorga da Justiça ao jurisdicionado, diferente da forma como se considera
classicamente o Poder Judiciário dado somente por intermédio de uma Justiça
Judiciária cujo operador é o Estado/Juiz.
Assim, a Justiça mediada por uma Inteligência Artificial representaria mais um
meio alternativo para a informação, a simulação e a orientação de Direitos bem
como para a resolução de conflitos: o propósito de um Poder Judicante Cibernético
como um dos canais do Estado na operação de aplicação do Direito.

menos], o psicólogo britânico Guy Claxton refere-se a eles como Pensamento Rápido e Pensamento
Devagar. O Pensamento Rápido e Pensamento Devagar. O Pensamento Rápido é racional, analítico,
linear e lógico. É o que fazemos quando estamos sob pressão, ante o tique-taque do relógio; é a
maneira como os computadores pensam e também a maneira como funcionam nossos ambientes
modernos de trabalho; graças a ele, podemos obter soluções claras para problemas bem definidos
(HONORÉ, Carl. Devagar; tradução Clóvis Marques. 7. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 142-
143).”
20

Isso representaria mais uma forma alternativa na resolução de conflitos bem


como o reconhecimento do avanço da tecnologia como partícipe inafastável de uma
nova realidade social, em que as regras previstas na lei e a conduta humana, ambas
devidamente categorizadas, possam algoritmicamente ser mediadas por um sistema
tecnológico.
A tecnologização da Justiça, por intermédio da Inteligência Artificial (IA), em
decorrência do seu caráter de cientificidade de realização geraria a entrega de uma
participação neutra e imparcial específica, reconhecida pelos representantes da
comunidade jurídica.Passaria a ser uma realidade crível e possível no campo da
efetividade material do Direito, ainda que seu conceito como um fenômeno mutável
passasse por um processo de reconceituação. Se convencionado e aprovado pela
comunidade científica das ciências jurídicas, passaria a ser legítimo e legal,
internalizando-se ao sistema judiciário.
A base cibernética contribuiria para a integração, a uniformização e a
padronização exigidas pelas demandas, principalmente as de massas, conforme se
extrai da exposição de motivos do CPC de 2015 “Com os mesmos objetivos, criou-
se, com inspiração no direito alemão, o já referido Instauração de Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas (IIRDR), que consiste na identificação de
processos que contenham a mesma questão de direito[...]”.
A acessibilidade e a previsibilidade quanto ao resultado do Direito na
concretização da Justiça passariam a ter uma reconfiguração mais efetiva e estável
por intermédio de integração, uniformização e padronização de informações e de
dados, minimizando, dessa forma, o risco de se conviver com decisões díspares e
conflitantes.
Sinaliza essa ferramenta técnica processual, do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas (IIRDR) como instituto processual incorporado ao sistema
processual para o alcance da Justiça, a partir de 2016 quando vigente, na
preocupação do próprio sistema judiciário por sua fragmentação, diante da
probabilidade de que as decisões conflitantes geram pela ausência de integração,
unificação e uniformização.
Essa falha sistêmica jurídica causa inevitavelmente o descrédito e
consequente afastamento do Poder Judiciário que estaria a insistir na Justiça
ideologicamente formal. Aliás, é bem verdade que qualquer sistema, quando uma de
suas peças é insuficiente ou não compatível para os seus fins, no caso do sistema
21

judiciário, o ordenamento passa a conviver com uma real ausência de efetividade


material, o que aparece alardeado nos CPC’s de 1939, 1973 e 2015.
Nessa perspectiva, sendo o Direito e a Justiça formas secularmente
conhecidas e reconhecidas, desde os períodos mais remotos, como modelos,
paradigmas de transição, legalmente implementados pelo Estado e legitimamente
aceitos pela sociedade, atualmente, dada a excessiva procura, aliada à
complexidade advinda em decorrência da densidade demográfica, esse sistema,
operacionalizado pelo Estado/Juiz, tem-se mostrado ineficaz.
Destarte, a existência de um padrão reconhecido, independentemente do
seguimento ou da natureza, representa um pressuposto que permite prever que, em
algum momento, haverá uma ruptura como modelo anterior, dadas as condições do
não atendimento à manifestação das necessidades existentes causadas pelo atual
modelo. Por isso, do questionamento à Justiça judiciária quanto à probabilidade de
ruptura desse modelo e o surgimento de um novo paradigma, em que a
tecnologização possa aquilatar e participar como elemento central.
Operar na ponderação da aplicação do Direito como mediadora e, com isso,
demonstrar como o apanágio dessa mudança e a identificação de que esse
processo de ruptura não está acontecendo aleatoriamente representa, em concreto,
uma fratura incomensurável não radical e ao mesmo tempo multidisciplinar da
realidade existente, em contraste com uma outra, que exige uma estratégia material
diferente para o enfrentamento de um novo mundo.
A Inteligência Artificial, nesse contexto, representa uma tecnologia em
inteligência nutrida de técnicas multifacetadass, tanto quanto representaram e
representam a oralidade humana e a escrita, com a distinção de que a inteligência
humana da descoberta criou a IA. E essa, para os fins da presente pesquisa, não se
limita como um simples meio alternativo de tecnologia em si, mas como meio cuja
linguagem tem utilidade eficaz inclusive na mutação do Direito Processual em sua
evolução.
Aliás, o Estado detém base científica ao compreender que o novo modelo tem
fundamento, a partir de uma demanda de insatisfação reprimida refletida
estatisticamente no atual descrédito do Poder Judiciário, em decorrência do tipo de
Justiça proporcionada ao jurisdicionado, que vem transformando a Constituição
Federal em mera etiqueta ideológica da Justiça.
22

Por isso, do clássico A estrutura das revoluções científicas, de autoria de


Thomas Kuhn, é extraído que o conhecimento – e tudo por ele gerado em algum
momento – pode sofrer mudanças significativas, inclusive dentro dos processos
previamente definidos e estabelecidos pelo conhecimento desenvolvido em
determinado tempo e espaço.
O dinamismo é um aspecto da ciência merecedor de tratamento exordial na
presente Tese, como pressuposto do estabelecimento da base cognitiva científica
para compreensão da concepção de paradigma, que se perfaz no seio da
comunidade científica, a partir da percepção que ela faz com relação ao mundo que
a circunda.
Na ciência do Direito, esse fenômeno não parece diferente, uma vez que é
evidente a presença de modelo dada a mutabilidade com que o comportamento da
sociedade se desloca de tempos em tempos de “insight”. Ela ocorre na
concatenação de novos conceitos para a sedimentação dos anteriores.
Atualmente, o que se tem como definido é um paradigma de Justiça judiciária
(denominação reticulada para os limites do presente estudo), contendo todo um
histórico, uma infraestrutura e uma estrutura de conhecimento que a tornam única,
exclusiva e responsável pela entrega da prestação jurisdicional estatal, em que o
Estado/Juiz é o central operador.
É um sistema físico-químico/orgânico que, pela limitação cognitiva comum ao
gênero humano em que o homem/Juiz é espécie, apresenta problemas na acepção
maior de Justiça e de seus atributos, como já sinalizado.
Sob esse aspecto, os pesquisadores da ciência do Direito debruçam-se para
denunciar que o modelo ofertado para a entrega da Justiça, além de questionável, é
superável, dada sua ineficiência material.4

4 Para Goldstein, “A prova e o paradoxo de Kurt Godel..., Em ciência [...] O novo somente nasce com
dificuldade, é vítima da resistência, diante de um cenário proporcionado pela expectativa.
Inicialmente, apenas o previsto ou o que conhecemos é que nos permitimos experimentar, mesmo
que mais tarde a anomalia identificada seja observada e reconhecida (GOLDSTEIN, Rebecca.
Incompletude: a prova e o paradoxo de Kurt Gödel; tradução Ivo Korytowski. São Paulo: Companhia
das Letras, 2008).”
23

O modelo operado pelo “Estado/Juiz” a partir de uma atribuição realizada pelo


Estado, órgão que organiza, distribui e delega suas funções a seus subordinados,
tem permitido ao longo de sua experiência prática experimentar problemas das mais
diversas naturezas, dentre elas a impossibilidade da garantia da neutralidade e da
imparcialidade nas decisões, e a morosidade na concretização da Justiça.
Isso se dá porque o sistema de operacionalização da lei e da distribuição da
Justiça é mediado pelo Estado/Juiz na aplicação da lei às questões que lhe são
subordinadas. A questão tem destacado atenção pela fragilidade com que a
intelectualidade humana é limitada e pela facilidade com que suas faculdades são
influenciáveis.
Nesse processo, o Estado/Juiz, a partir de métodos lógicos, hermenêuticos,
epistemológicos e sistematizados realiza os processos de decodificação,
interpretação e reconstrução do Direito para a aplicação aos casos concretos. No
entanto, o resultado quase sempre é tomado de aceitação duvidosa, pois alguns
princípios, dentre eles os da imparcialidade e da neutralidade, são postulados
geradores de um dilema incontornável, quando os dogmas da certeza e da
previsibilidade são convocados a prestar contas.
Tem-se, então, prejudicada a credibilidade do Direito e da Justiça, cuja
expectativa de alcance se dá a partir da concretização material do Direito.Tal fato,
episodicamente, não acontece como proposto na Carta Constitucional de forma
plena e sem previsibilidade de que isso venha a acontecer, na medida em que a
base cognitiva vê-se impossibilitada de realizá-la, diante das intermináveis
contradições ideológicas realizadas pelo operador do Direito quando da entrega da
Justiça.
Isso acontece porque a estrutura do conhecimento humano, pressuposto vital
ao exercício de um poder denominado “Justiça judiciária”, é falível, em decorrência
de sua limitação cognitiva.
Observa-se que um dos maiores riscos ofertados ao Poder Judiciário na
operacionalização do Direito para o alcance da Justiça é reservado ao risco do
sistema cognitivo humano (e que é a peça operacional central do sistema judiciário),
face à imprevisibilidade de seus sentidos, “os conectores” do seu eu, e o eu do
mundo, que, se não se estabelecer de forma clara e objetiva, turvará sua percepção
frente à realidade assistida, causando-lhe falhas, erros e equívocos em suas
decisões.
24

Dessa forma, uma vez disponível, o Direito, como regra vigente para sua
aplicação, ou melhor, como conhecimento válido e legítimo para orientar a
sociedade como regra de conduta aceitável, passa por um processo de reconstrução
quando de sua convocação para atender à determinada ocorrência no mundo
prático-social.
No entanto, o conhecimento do Direito para sua aplicação passa a ser
contaminado pela intervenção do homem e por seus aspectos ideológicos, isto é, o
Direito começa, em si, a ser desvirtuado por fatores diversos que influenciam seu
operador quando de sua reconstrução, não terminando o ciclo, nem sempre, em seu
início, que é a lei, disso se extrai a injustiça.
Nesse cenário, a Justiça passa a não acontecer por ausência de elementos
essenciais ou para alguns de pressupostos essenciais válidos ao cumprimento de
seus fins. É perceptível que, se o modelo existente de Justiçaé é eficaz ou não, tem
em si, anterior à sua estruturação, um conhecimento que lhe dá a estatura de poder
(regra de conduta), a fim de legitimá-lo como tal, outorgando-lhe poder e
reconhecimento da decisão, pois esteve dentro da moldura proporcionada pela lei,
portanto, Justiça é a aplicação de um Direito vinculado por uma lei.
A estrutura do conhecimento da norma é ponto inconteste, salvo mudanças
da estrutura diante do não atendimento em decorrência da evolução da sociedade a
que se destina, o que é diferente do conhecimento exercitado pelo homem quando
da aplicação do conjunto normativo disponível para aplicabilidade.
O modelo do Direito moderno representa a postura da força para a
manutenção da ordem sobre o caos, porém não o nega, ao contrário, data o fim do
ciclo com o advento da emancipação do homem, da ciência e da tecnologia como
modelo da pós-modernidade, pois, frente a uma logicidade e a uma racionalidade
distintas, o sistema judiciário mediado pelo Estado/juiz tem-se revelado incompatível
com as necessidades e as exigências da vida pós-moderna.5Em um novo momento

5 É nesse ponto elementar que a passagem de Boaventura Santos fornece oxigênio intelectual a tal
propósito, senão vejamos: “A ordem que se buscava era, desde o início e simultaneamente, a ordem
da natureza e a ordem da sociedade. Enquanto a tensão entre regular e a emancipação foi
protagonista no paradigma da modernidade, a ordem foi sempre concebida numa tensão dialética
com a solidariedade, tensão que seria superada mediante uma nova síntese: a ideia da “boa ordem”.
Desaparecida a tensão, a ideia de boa ordem daria lugar a ideia de ordem tout court. Ao direito
moderno foi atribuída a tarefa de assegurar a ordem exigida pelo capitalismo, cujo desenvolvimento
ocorrera num clima de caos social que era, em parte, obra sua. O direito moderno passou, assim, a
constituir um racionalizador de segunda ordem da vida social, um substituto da conscientização da
sociedade, o ersatz que mais se aproximava – pelo menos no momento da plena cientificização da
sociedade que só poderia ser fruto da própria ciência moderna – para desempenhar essa função, o
25

histórico, dados os avanços das ciências, a pesquisa encontra nesse solo elementos
que demarcam as trincas e as rachaduras do modelo moderno, abrindo, assim,
espaço para um novo paradigma encampado por uma nova estrutura cognitiva de
gestão para a aplicação do Direito em todo seu sistema operacional, exigidos pela
pós-modernidade.
Essa fenda gerada no sistema operacional do Poder Judiciário é tributária da
insuficiência da estrutura psicológica do homem como homo sapiens e sua fácil
influenciabilidade quando das tomadas de decisões, por fatores dos mais diversos,
tais como pessoalidade, subjetividade, econômico, políticos, dentre outros que o
exponham a aspectos valorativos ou morais.
A realidade perceptiva do homem o torna um “ser” de limitações de sua
própria realidade e do mundo em que vive. E isso é objeto de estudo científico da
obra Judgment under uncertainty: Heuristics and biases, de Kahneman, Slovic e
Tversky (Julgamento sob incerteza: bases e heurísticas), tradução pessoal, que
embasa cientificamente a questão enfrentada quando o dilema da probabilidade
cognitiva enfrenta o desconhecido pântano da representatividade proporcionada
pelos sentidos e o risco dos resultados, quase sempre obtidos pela intuição
perceptiva.
Portanto, o limite cognitivo do poder humano judicante representa um dos
maiores problemas do Judiciário diante da nova era secular, cuja marca se baseia
no avanço da tecnologia e com ela na tecnologizaçãodas ações humanas em todos
os sentidos e em todas as formas pelas machine’s sapiens.
Sendo o operador da Justiça uma peça central do sistema do Poder
Judiciário, poderá o representante supremo e ícone identidário da Justiça ser um
paradigma? Como todo paradigma, em dadas circunstâncias sua ruptura representa
uma condição natural do ciclo.

direito moderno teve de se submeter a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência moderna e


tornar-se ele próprio científico. A cientificização do direito moderno envolveu também sua estatização,
já que a prevalência política da ordemsobre o caos foi atribuída ao Estado Moderno, pelo menos
transitoriamente, enquanto a ciência e a tecnologia não pudessem assegurar por si mesmas
(SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência.
8. ed. São Paulo: Cortez, 2013, p. 119)”.
26

Torna-se insurgente um novo modelo operacional gerido por um sistema


cibernético parametrizado pela Inteligência Artificial conteudista de uma gramática,
da sintaxe e uma semântica estabelecidas segundo a natureza da nova linguagem
e, por consequência, um novo padrão de Justiça. Para Giere “Uma Revisão de Giere
da Ciência sem Leis e Perspectivismo Científico (2009)”, seja inevitável.6
O homem, valendo-se da ciência, tem descoberto e reconhecido a
possibilidade de sua complexidade estar sendo aos poucos desvendada. Nesse
processo científico, tem observado que a tecnologia e as máquinas que ela produz
são seus aliados.
Não que essa nova forma cognitiva ou instrumental o substitua
definitivamente, mas talvez ela possa adiantar o andar da viagem rumo ao futuro,
inclusive na concretização da Justiça em uma era demarcada pela transumanidade.
Sendo ela um produto social essencial, tal status somente poderá ser pleno
quando cada cidadão puder desfrutar, a qualquer hora do dia e da noite, de um
acesso a consultar e a obter uma resposta, simulada ou concreta, a seus Direitos, a
obter uma Justiça rápida que, ao ser concedida, não esteja sob a influência da
pessoalidade ou da subjetividade humana.
É nessa cruzada entre o sistema da Justiça judiciária e a condição de seu
maior representante, “o Estado/Juiz”, que demandado por seus assemelhados
excessivamente, a níveis subumanos, trabalhando em condições hostis, quase que
como uma máquina, por sua própria condição humana, enfrenta e encontra na sua
própria limitação a impossibilidade de fazer a entrega da Justiça da pós-
modernidade.
Por isso, o insight de um sistema que se afasta da inteligência humana como
mediadora do Direito e passa para um Direito mediado por uma Inteligência Artificial
mostra-se factível. Tal mudança representa um desenvolvimento positivo que a
história registra a partir da presença inafastável da tecnologia e da mutação causada
com o seu advento.

6 O comportamento do lógico, matemático e cientista é a parte mais difícil do campo do


comportamento humano e, possivelmente, o fenômeno mais sutil e complexo já submetido a uma
análise lógica, matemática, ou científica, mas porque ainda não foi bem analisado não se deve
concluir que se trata de um tipo diferente de campo, que será abordado apenas com um tipo diferente
de análise.
27

Trata-se de um divisor de águas, aqui considerado como estímulo do


progresso histórico, como verbaliza Max Horkheimer (2002, p. 183), em trecho da
obra Eclipse da Razão:

Cada vez mais na história, as ideias se desfizeram dos seus cueiros e


lutaram contra os sistemas sociais que as incomodavam. A causa, em
ampla escala, é o fato de que o espírito, a linguagem e todos os domínios
da mente sempre colocam em jogo, necessariamente, aspirações
universais. Até mesmo os grupos dominantes, que pretendem antes de tudo
defender os seus interesses particulares, devem acentuar motivos
universais na religião, na moralidade e na ciência. Dão assim origem à
contradição entre o existente e ideologia, uma contradição que estimula o
progresso histórico.

Por ser o homem uma peça, como todas as demais, orgânicas ou não,
inanimadas ou não, que compõem o sistema biofísico ou bioquímico, sua
substituição ou seu reposicionamento são “fatos” reais a serem considerados,
portanto,críveis e possíveis, ainda que não o sejam neste instante.7
No cenário em questão, a Justiça tornar-se-á um produto de acesso também
pela via de um sistema digital, em que o controle dos casos e das decisões
passariam a ser realizadas por uma organização categorial por intermédio de
algoritmos, geradores de uma sistematização capaz de integrar, uniformizar e
padronizar as questões tratadas por temas, naturezas, espécies, tipos ou
procedimentos, em uma plataforma institucional digital processual desenvolvida por
intermédio de uma linguagem de programação em matrizes semânticas.
Abastecida, administrada e fiscalizada pela espécie humana, isenta-a
somente do ato de ponderação de aplicação das regras aos fatos formalizados, a
partir dos critérios previamente predefinidos para inserção do sistema.
O acesso da sociedade à consulta de seus Direitos e Garantias passaria a ser
realizado por intermédio de terminais eletrônicos interligados e integrados às bases
legais de um sistema maior, que permitirá – por meio de uma Inteligência Artificial e
de uma linguagem eletrônica – entregar a cada cidadão o direito de conhecer seus
Direitos, antes mesmo de buscar no Estado uma participação ativa para a resolução
7Como bem ilustrado por Braga (SDP), “As máquinas não fazem extrapolações, induções, deduções
ou pressuposições. É necessário treiná-las, programá-las, simular as redes neurais do nosso cérebro,
gerar artificialmente os modelos de processamento da linguagem e do conhecimento que possuímos.
Eis o desafio desta tarefa de ensinar as máquinas (BRAGA, Daniela. Máquinas falantes: novos
paradigmas da língua e da linguística. Disponível em:
<http://danielabraga.com/PDF/Coloquio%20Politica%20Linguistica_2007.pdf>. Acesso em: 19 abr.
2013).”
28

de seus conflitos, que também disponibilizaria facultativamente que o caso fosse


mediado pela Justiça Cibernética.
As decisões das questões conflituosas ficariam aos cuidados de profissionais
que gozassem da capacidade postulatória, a partir de sua certificação ao órgão
representativo e de sua capacitação para operacionalização do sistema junto ao
Poder Cibernético Judicante, inteligência essa capaz de gerir um sistema de
mediação de regras, pois nutriria autonomia e independência em sua
metodologização de funcionamento.
A proposta supera a ficção ou a alucinação futurista de impressionar com
suposições, parafraseando Penrose, é a capacidade de pensar observada no
homem que o fez superar suas limitações e sobrepor-se às demais criaturas, ao
menos em tese (se o inverso acontecesse), o faria inferior às demais criaturas? Se
isso for provado, o “pensar”e a “inteligência” não poderão ser atributos exclusivos do
homem, mas, ao contrário, atributos da cognição de que o homem, como um
sistema bioquímico ou biofísico, em algum momento se apropriou.
Nada impede, portanto, que outras espécies de sistemas possuam a
faculdade do “pensar” e da “inteligência”, pois se esses são atributos essenciais ao
desenvolvimento do homem, não sendo esses atributos condicionantes exclusivos
da espécie humana, as demais formas de vida, sejam humanas ou não, não
estariam impedidas de utilizá-las.
Portanto, o rompimento com as formas clássicas do Direito do Processual não
visa apagar a memória do conhecimento produzido, mas, ao contrário, demonstra
que a produção permite que novas competências e habilidades possam ser
produzidas, a partir de novos paradigmas, os quais rompem com o totalitarismo
dedutivista não mais aplicáveis à realidade social vigente como consequência
natural ao modelo em estágio de superação (ruptura).
Com isso, avaliza o ponto de vista indutivista do cientista/pesquisador no
rompimento com as tradições e com isso produzindo a evolução da cultura social e
das ciências que esse vê como fruto e frutificador.
29

1 ASPECTOS PROPEDÊUTICOS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO

1.1 A formação estrutural do conhecimento

A estrutura do conhecimento como um sistema é dialeticamente construída


pelo exercício prático do próprio conhecimento, é uma relação de constituinte e
constituído, um processo que também é histórico e que se faz como na história, de
uma relação constante, em que se cria e se faz criar. 8
Atualmente, a produção do conhecimento advém das denominadas Big
Science e Small Science, as quais representam uma forma distribuída e integrativa
de realizar-se com maior celeridade e eficiência a produção do conhecimento
promovida pela participação ativa dos órgãos, governamentais ou não, no processo
de mudanças nas ciências após a segunda guerra mundial.
Nesse processo, as ciências norteiam-se para uma melhor compreensão,
explicação e aplicação, tanto no campo teórico como no prático, em prol da
formação do conhecimento da espécie humana e com isso contribuindo para o
progresso científico das ciências aplicadas.
Estruturalmente, o conhecimento é representado por uma multiplicidade de
elementos responsáveis por dar-lhe requisitos para, assim, torná-lo apto não
somente a essa condição de conhecimento, ou seja, contendo pressupostos tais
como sistematização, cientificidade, dentre outros atributos que lhe concebe tal
estatura.
Por isso, na engenharia da razão e na dialeticidade do espaço, o
conhecimento é convocado a responder e a justificar suas respostas cognitivas, em
uma espécie de prestação de contas dele próprio, de modo a justificá-lo
explicativamente, em uma espécie de desafio do conhecimento consigo mesmo.

8 Segundo Sanvito, “O conhecimento do mundo animal depende de um longo processo de maturação,


adquirido através de mecanismos evolutivos e da decantação das experiências face aos problemas
do dia a dia. Uma estratégia particular pode transformar uma circunstância adversa em uma condição
favorável. Se o comportamento adquirido através do conhecimento biológico é bem-sucedido, sua
reaplicabilidade é mantida. A inteligência biológica é sobretudo seletiva. A atenção seletiva é um
aspecto fundamental de nossa atividade mental e as criaturas vivas demonstram sinais claros de
seletividade (SANVITO, Wilson Luiz. Inteligência biológica versus inteligência artificial. In: Scielo.
Arq Neuropsiquiatr, n. 53, 1995, p. 365. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/anp/v53n3a/01.pdf>.
Acesso em: 06 dez. 2015).”
30

Isso se dá tanto no processo empírico, com a utilização de método, como sem


a utilização de uma estrutura metodológica, estendendo-se essa dinâmica ao
conhecimento prático ou teórico alhures já mencionado. Em quaisquer desses
aspectos, o conhecimento encontra seus desafios em busca de atender à sua
supremacia, para impor-se como conhecimento.
Por isso, a estruturação em seu processo de constituição é decisiva e
legitimamente cobrável. Segundo Abrantes (1994, p. 48), “Além disso, é bastante
evidente o fato de que não apenas o conhecimento científico, mas também o senso
comum consistem de estruturas cognitivas, de redes que articulam os conceitos
referentes a cada domínio da realidade”.9
Já o era; mas, na contemporaneidade, o conhecimento passou a ser mais
decisivo a cada dia: isso o eleva à categoria de elemento essencial da vida em
sociedade, mormente como agente de produção, qualificação e quantificação,
sinalizando para uma participação decisiva cada vez maior em todos os ambientes,
e quiçá e não menos relevante na orla do Direito e da Justiça, diante da necessidade
de se produzir técnicas processuais (tecnologia em inteligência) capazes de cumprir
com os ideais e as metas de pacificação dos conflitos sociais.
Uma questão importante que se destaca para ser avaliada nesse processo é
a racionalidade do indivíduo em aceitar na mesma velocidade as adequações e as
adaptações decorrentes da transitoriedade e da simultaneidade que isso representa
dentro e fora da sua vida e dos que se correlacionam com ele, considerando todo o
processo desenvolvido na pós-modernidade.

9 E complementa Abrantes: “A noção de conceito desempenha papéis importantes em várias áreas


do saber. Nosso ponto de partida aqui foi a Psicologia, porém a Lógica e a Filosofia da Ciência
compareceram como domínios onde a noção ocorre. A esses se pode acrescentar em primeiro lugar
o dos estudos da linguagem de forma científica – a linguística (especialmente, é claro a Semântica) –,
e filosófica – A Filosofia da Linguagem. Na antropologia também se estudam os conceitos, tendo a
própria E. Rosh começado suas pesquisas com experimentos antropológicos. A Inteligência Artificial
– tanto a tradicional quanto o conexionismo – propõe modelos computacionais de conceitos,
enquanto a Neurociência – mais precisamente, a Neuropsicologia e a Neurolinguistica – procura,
entre outras coisas, estabelecer relações entre o conhecimento conceitual e a estrutura e o
funcionamento do sistema nervoso. A partir dessa constatação, se pode postular um princípio do
seguinte teor: “O estudo dos conceitos deve ser multidisciplinar” (ABRANTES, Paulo (Org).
Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 54).”
31

As mutabilidades do conhecimento serão inevitáveis diante de um novo


mundo que se revela, impactando inclusive todas as formas de conhecimento
cientifico ou não em seus respectivos vetores, inclusive no âmbito da ciência
processualística cuja estrutura tem exigido em seu cotidiano condições maior
eficiência e eficácia na gestão de dados, informações e decisões.10
A mudança de modelo significa uma revolução na estrutura do conhecimento,
a altercação da base científica sinaliza para uma nova conexão entre o homem e
mundo que o cerca. Uma distinta engenharia parece ser percebida como
instrumento capaz de atender à compreensão e ao funcionamento de uma realidade
ainda não enfrentada, o que demonstra que uma nova forma de técnica cognitiva se
apresenta.
A distinção entre o conhecimento e o indivíduo é um fator a ser considerado,
como dois corpos distintos que coexistem, que marcam os corpos, embora haja uma
simbiose entre eles, as naturezas são diversas. Disso, exsurge a necessidade de
compreender a racionalidade, a logicidade e seus critérios. A atenção focada, do
homem pelo saber “a priori”, revela-se essencial aos propósitos subjacentes do
conhecimento.

10 Para Lévy: “A massa de informações armazenadas cresce em um ritmo cada vez mais rápido. Os
conhecimentos e habilidades da esfera tecnocientífica e das que dela dependem evoluem cada vez
mais rápido. Disto decorre que, em certas áreas, a separação entre a memória pessoal e o saber não
é mais parcial; as duas entidades tendem a estar quase que totalmente dissociadas. Na civilização da
escrita, o texto, o livro, a teoria permanecia, no horizonte do conhecimento, polos de identificação
possível. Por trás da atividade crítica, havia ainda uma estabilidade e unicidade possíveis, as da
teoria verdadeira, da explicação correta. Hoje, está cada vez mais difícil para um indivíduo cogitar sua
identificação, mesmo que parcial, com uma teoria. As explicações sistemáticas e os textos clássicos
em que elas se encarnam parecem-nos hoje excessivamente fixos dentro de uma ecologia cognitiva
na qual o conhecimento se encontra em metamorfose permanente. As teorias, com suas normas de
verdade e com a atividade crítica que as acompanha, cedem terreno aos modelos, com suas normas
de eficiência e o julgamento de pertinência que preside sua avaliação. O modelo não se encontra
mais inscrito no papel, este suporte inerte, mas roda em um computador. É desta forma que os
modelos são continuamente corrigidos e aperfeiçoados ao longo das simulações. Um modelo
raramente é definitivo. Um modelo digital normalmente não é nem “verdadeiro” nem “falso”, nem
mesmo “testável”, em um sentido estrito. Ele apenas será mais ou menos útil, mais ou menos eficaz
ou pertinente em relação a este ou aquele objetivo específico. Fatores muito distantes da ideia de
verdade podem intervir na avaliação de um modelo: a facilidade de simulação, a velocidade de
realização e modificação, as conexões possíveis com programas de visualizações, de auxílio à
decisão ou ao ensino (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era
da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 121).”
32

Sua percepção tem o levado a insights revolucionários registrados na seara


natural da história das humanidades. A mudança de significados ou a descoberta de
equívocos demonstram que o conhecimento em sua concepção clássica é transitório
e que tal fenômeno está intimamente conectado com a filosofia da ciência como
forma de melhor detalhar e explicar a dinâmica do conhecimento científico, sua
importância e sua relação com a espécie humana.
A pluralidade de conhecimentos e a interdisciplinaridade mudam os critérios
existentes nos processos teóricos metódicos da criação e da integração das
diferentes formas existentes de conhecimentos, que se alteram e altercam com uma
velocidade incomensurável, entre a capacidade de perceber e ser percebido. Disso
se extrai um dos problemas da pós-modernidade.
A mudança da base cognitiva nunca se renovou em tão pouco tempo. Há
poucos séculos, a estrutura científica de um conhecimento demandava em torno de
uma geração para renovar-se; atualmente o tempo encurtou para um quinto. Esse
comportamento gerou mudanças nos métodos de ensino e aprendizado, no
comportamento dos homens que ensinam e dos que buscam o ensinamento. Tal
mudança de paradigma estabeleceu um niilismo em decorrência da velocidade
sobre o conhecimento e suas formas, estigmatizado-o ao princípio da complexidade.
As diferentes formas de conhecimentos são de mundos científicos distintos,
os quais fazem surgir uma visão global que com ela tem fundindo novos horizontes,
novas perspectivas e novas oportunidades, como bem ilustra Minayo (2010, p.19):
“[...] do conceito da sociedade do conhecimento, grupos e pessoas estão sob a mira
de um desafio: ou experimentam voos de águia ou se contentam com o
conservadorismo que corrói a energia das instituições.”
Todavia, a irracionalidade proporcionada pelas novas formas “diversidades de
conhecimentos” e a implacável “velocidade” são bem ilustradas pela mesma autora
apud Bourdieu (2010, p. 22).11

11“[...] conceitos usualmente empregados para a construção do conhecimento e por uma teorização
sobre a prática são isentas de interesses, de preconceitos e de incursões subjetivas. Conforme
adverte Bourdieu, ‘o privilégio presente em toda atividade teórica pressupõe um corte epistemológico
e um corte social e ambos governam sutilmente essa realidade, portanto, qualquer investigador deve
pôr em questão pressupostos inerentes a sua qualidade de observador externo que importa para o
objeto, os princípios de sua relação com a realidade, incluindo-se aí as próprias relevâncias’
(MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12
ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 157).”
33

O distanciamento pelo desinteresse na participação do processo de


construção e de compreensão da real importância do conhecimento são sintomas da
ausência de estímulos proporcionada pelo próprio objeto do conhecimento tornado
transitório e fugaz, uma espécie de alienação causada pela incompreensibilidade
irracional.
A desilusão é causada pela própria estrutura em que o conhecimento se
encontra para ser obtido, aliada a seu tempo útil de efemeridade existencial do
mundo transitório. As multiplicidades de opções, a transitoriedade e a
simultaneidade geram desestímulo em sua obtenção, dada a sensação de
inatingibilidade diante da dimensão enfrentada ou da dificuldade encontrada em
conciliar a utilidade fundamental do corpo invisível do conhecimento e a sua
complexidade anunciada.
Semelhante racionalidade irracional é produto da contemporaneidade, que
passa, porém, a ser advertida por ser geradora do embrutecimento do espírito que
decorre do empobrecimento da intelectualidade do homem pós-moderno, rendido
por um caleidoscópio ilusório psicologicamente criado por essa atmosfera.
É preciso participar ativamente, contextualizando e racionalizando os
conhecimentos de modo a torná-los ferramentas úteis ao desenvolvimento positivo
do homem em seu processo de emancipação, sob pena de tornar-se submetido à
regulamentação externa, sem que possa ter a efetiva compreensão necessária do
que é.
É vital que, com o auxílio dessa multiplicidade de conhecimentos, o homem
possa forjar novas ferramentas para desafiar os novos desafios que por certo
surgirão, de modo a vencê-los. Para isso, é preciso unificar os conhecimentos.12

12 Como esclarece Sanvito: “O princípio da complexidade impede (no momento) uma teoria
unificadora do conhecimento e não permite exorcizar essa instância da contradição, da incerteza, do
irracional. De acordo com os teoremas de Godel, um sistema formalizado complexo (axiomatizado)
não pode ser validado por si mesmo. Isto significa que um sistema lógico, de certa complexidade, não
consegue escapar de suas contradições ocultas. Aqui nos deparamos com o problema da
autorreferência, que é um paradoxo clássico do pensamento grego, que geralmente se refere a ele
como o “paradoxo cretense” (citado por Sanvito). Conta-se que o cretense Epimênides certa ocasião
afirmou: “Todos os cretenses são mentirosos” e criou um problema aparentemente insolúvel. Esse
impasse pode ocorrer nos paradoxos que dependem do uso de conceitos cujo âmbito de referência
inclui o próprio conceito. Neste modelo cretense, a simples colocação – “O que eu estou afirmando
não é verdade” gera uma contradição extrínseca: se a afirmativa é verdadeira, está demonstrada que
é falsa; se é falsa, devemos entender que contém uma verdade. Já Tarski (citado por Bronowski) deu
ênfase ao problema da linguagem; um sistema semântico não tem capacidade de explicar totalmente
a si próprio. A linguagem simbólica é empregada para descrever partes do mundo, encontrando
muitas dificuldades para descrever partes dela mesma. A elaboração de uma metalinguagem poderia
remover este obstáculo? Não é a opinião de Morin, para que as linguagens formalizadas não podem
34

A partir das ciências, os conhecimentos práticos e teóricos dividem o mesmo


espaço em seus aspectos objetivo e subjetivo. Para compreender sua história, ou
melhor, compreender a cartografia (mapa) da história e seus fenômenos (o que
representa uma gravura decisiva na compreensão da formação dos conhecimentos),
é necessário um esforço pessoal do indivíduo que se propõe a realizá-lo, além do
enfrentamento das adversidades proporcionadas pelo desconhecido.
Esse processo encontra obstáculos em duas variáveis: se, por um lado, a
limitação cognitiva do indivíduo é algo plausível, do ponto de vista biológico é
considerável como padrão da normalidade, ou seja, o homem é um “Ser” insuficiente
e, por isso, falível, mas que cultiva o germe gerativo do conhecimento denominado
descoberta que quase sempre o socorre de iminente fatalidade.13
Assim, a completude dos conceitos e das metodologias rende-se a uma
hipossuficiência da realidade ao próprio conhecimento que se funde a partir de um
fluxo de pensamento demarcado por uma realidade lógica e não lógica da espécie
humana como forma de inteligência.
Isso se dá por sua precariedade. Porque, além da limitação em
equipotencialidade, dada sua condição, humana, mesmo em seu ativismo na busca
do conhecimento pelo conhecimento, nas últimas décadas o condicionante
comportamental vem arrefecendo, dada uma nova cartografia social que se destaca,
em que o homem moderno luta contra o vazio, biotipo bem retratado por Rojas
(1996, p. 21):

constituir uma metalinguagem em relação a nossa linguagem (SANVITO, Wilson Luiz. Inteligência
biológica versus inteligência artificial. In: Scielo. Arq Neuropsiquiatr, n. 53, 1995, p. 363.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/anp/v53n3a/01.pdf>. Acesso em: 06 dez. 2015).”
13 Segundo Sanvito: “A nossa maneira de pensar está intimamente ligada ao contexto das situações;
de modo geral, não analisamos a coisa em si, mas a relação entre elas. Por exemplo, quando lido
com o substantivo “maçã”, a minha representação mental pode ser diversa dependendo do contexto;
pode significar o fruto proibido de que fala o Gênesis, o fruto envenenado da fábula da Branca de
Neve, a maçã de Newton com a conotação da lei da gravidade, a fruta propriamente dita para
saborear, a natureza morta do pintor A ou B, e assim por diante. A IA tentou superar essas
dificuldades através de estratégias para atingir uma representação dos conhecimentos (SANVITO,
Wilson Luiz. Inteligência biológica versus inteligência artificial. In: Scielo. Arq Neuropsiquiatr, n. 53,
1995, p. 365. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/anp/v53n3a/01.pdf>. Acesso em: 06 dez.
2015).”
35

Um ser humano hedonista, permissivo, consumista e centrado no


relativismo tem pela frente um prognóstico ruim. Padece de uma espécie de
‘melancolia’ new look: instrumento de experiências apáticas. Vive na
condição de objeto, manipulado, dirigido e tiranizado por estímulos
deslumbrantes, mas que não o gratificam, não o fazem mais feliz. Sua
paisagem interior está coberta por uma mistura de frieza impassível, de
neutralidade sem compromisso e, ao mesmo tempo, de curiosidade e
tolerância ilimitada. Este é o chamado homem cool, que não se preocupa
com a justiça nem com os velhos temas dos existencialistas (Soren
Kierkegaard, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Albert Camus), nem com
os problemas sociais ou com os grandes temas do pensamento (a
liberdade, a verdade, o sofrimento).

A realidade naturalmente se encontra dentro de um processo marcado por


etapas, por especificidades, por reflexões, por análises, por avaliações e por uma
integração de todo o processo na emissão de posições conclusivas, em que o
conhecimento precisa completar-se para compreender e responder a todas as
etapas do processo taxonômico da realidade que se faz presente e que se
apresenta.
Esse ciclo compete à natureza do conhecimento científico, é uma busca
incessante do acabado, mas sempre provisório, do conhecimento científico, em que
confluem conhecimento humano para a construção do conhecimento tecnológico.
Esse processo é entremeado pela linguagem psicologizada humana e pela
linguagem padronizada tecnológica.14
A consciência constitui-se na história, é histórica em sua formação, embora
paire sobre ela o enigma de sua natureza, porém não enfrentada dado o escopo da
pesquisa. Fornece registros (direta e indiretamente) às estruturas complexas das
faculdades cognitivas, o que Abrantes (1994, p. 184) denomina de “protótipos e
esquemas” dados a forma estática da percepção da espécie humana e os

14 Cita Minayo: “Regras universais e padrões rígidos permitindo uma linguagem comum divulgada e
conhecida no mundo inteiro, atualização e críticas permanentes fizeram da ciência a “crença” mais
respeitável a partir da modernidade. A força da ciência, que se tornou um fator produtivo de elevada
potência na contemporaneidade, levou o filósofo Popper (1973) a dar ênfase em suas análises à
lógica externa da comunidade científica, utilizando, para isso a expressão o Terceiro Mundo, uma
espécie de classe ou casta, com sua economia e lógica próprias, embora permeadas por conflitos e
contradições como qualquer outra criação e instituição humana. O certo é que o campo científico tem
suas regras, para conferir o grau de cientificidade ao que é produzido e reproduzido dentro e fora
dele, suas atividades conciliam sempre em duas direções: numa, ela loca suas teorias, métodos,
princípios e estabelece resultados. Noutra, inventa, ratifica seus cenários, abandona certas vias e
orienta-se por novas rotas. Ao se enveredar nesse terceiro mundo, os cientistas aceitam as condições
instituídas e no mesmo tempo o condão de historicidade e provisoriedade peculiar do universo em
que decidiram investir sua vida (MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento:
pesquisa qualitativa em saúde. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 36).”
36

“esquemas previamente armazenados na memória”. Isso significa que memória seria


nada mais e nada menos que “protótipos e esquemas” de uma estrutura cognitiva.
Parafraseando Guriev, no processo de construção do conhecimento, a
consciência do indivíduo acontece a partir do espaço que ocupa, portanto, a
consciência histórica é um fenômeno da própria história e do tempo em que ela se
faz existir. Registre-se como uma fenda no raciocínio desenvolvido de que, no
âmbito da estrutura cognitiva das inteligências, o que há de comum entre a espécie
humana e a não humana denominada máquina é o processamento de informações.
Para Marx, parafraseando-o, é a relação do indivíduo na construção da
história e a história construindo o indivíduo. Esse contexto enfrenta os problemas da
subjetividade e da pessoalidade na edificação interna e externa das ideologias para
cada momento da história do homem e do conhecimento que produz. Ceticamente
ou em uma visão radicalizada, em última instância nada seria real, portanto, apenas
um sonho em ordem subsequente de circunstancialidade.
O conhecimento como substância é vital ao preenchimento do conceito de
verdade, portanto pode afirmar-se como inexistente, se não fosse a justificação e a
relação de satisfação quando da condição de suficiência da própria justificação. A
verdade, assim, é uma convenção a que adere determinada comunidade e seus
interesses comuns afins.
Nessas condições, o conhecimento nunca está pronto e acabado, uma vez
que, além de ser convencional, o processo de justificação e satisfação é provisório.
O conhecimento, assim dizendo, é dinamicamente alimentado pela incessante e
laboriosa pesquisa, abastecida por uma fonte de busca inesgotável.
Às vezes inusitado, o homem se vê circundado pela árdua atividade da
pesquisa e suas adversidades que lhe criam um cisma ao tentar reconhecer ou
simplesmente aproximar-se da realidade com mais exatidão possível, por vezes
dominado diante do limite cognitivo em todos os seus aspectos.
Os problemas e as dificuldades também giram em torno dos paradigmas
estabelecidos os quais habitam a comodidade e o parasitismo dos conceitos e das
práticas já superadas, mas que a percepção não captou.15As velhas verdades

15Observa Abrantes: “Outras teses de Kuhn são revisitadas, como as relativas à aprendizagem de
um paradigma através de “problemas e soluções-padrão”, num período de Ciência “normal”; ou da
resistência dos cientistas a novos paradigmas. A aprendizagem é considerada um processo cognitivo
envolvendo modificações nos pesos das ligações sinápticas dos homens ou outros animais, em
37

passam a não mais se sustentar, pois isso se caracteriza quando nem as


justificativas nem as satisfações atendem mais como pressupostos de validação do
conhecimento: esvaziado esse, a verdade deixa de ser “existir”. No mundo das
ciências jurídicas, em especial da processualística, Francisco Campos, na
exposição de motivos do CPC de 1939, já reconhecia a necessidade de mudanças
dos paradigmas da ciência processual para o alcance dos objetivos ideológicos de
acesso, previsibilidade e brevidade ao atendimento dos serviços da Justiça.

[...] durante a reunião do Congresso de Direito Judiciário, e na presença de


Vossa Excelência, de declarar que, já era tempo que o direito, e
particularmente o direito judiciário, se beneficiasse da renovação das outras
disciplinas do espírito, servindo se, na investigação da verdade.

São as pesquisas sobre o conhecimento e os problemas sociais, diante da


ausência daquele em padrão cognitivo superior para atender aos problemas
vigentes. São indicadores fortes que se originam dentro da dinâmica da história
social e que evidenciam o conhecimento enquanto corpo estrutural fundamental para
a compreensão das realidades e da propositura de mudanças. Para que elas
aconteçam, a percepção sináptica da cognição humana dá-se por intermédio do
peso expansivo do conhecimento em uma espécie de insight.
A miscigenação das ciências vem nas últimas décadas revelando problemas
na base cognitiva, uma vez que a limitação humana interfere diretamente no
ilimitado contexto das ciências, advinda da complexidade das realidades e dos
vocabulários que buscam justificar a compreensão daquelas.
Esse fato tem demonstrado certo embrutecimento da razão cognitiva do
indivíduo, que passa a ser vitimizado pelo método adestrador do condicionamento.
Por outro lado, na medida em que o crescimento demográfico e a massificação dos
Estados começaram a tornar-se um fato real, comprovável estatisticamente, esse
homem das “massas” desconhece suas próprias condições, limitado ao simples
obedecer, ante a ausência de recursos cognitivos e suficientes que possam dar-lhe
voz, as suas opiniões e conhecimentos.
Todavia, o Estado começou a observar que o crescimento populacional
tornou-se a cada dia um risco maior, responsável pela formação de um

analogia com o que ocorre durante o “treinamento” de redes neurais artificiais (ABRANTES, Paulo
(Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 187).”
38

contingenciamento humano: mesmo que limitado cognitivamente, passa a


representar diferença no questionamento do sistema.
Essa população passou a contestar a legitimidade do Estado, dada sua má
vocação para a gestão das responsabilidades públicas coletivas em todos os
órgãos, setores e departamentos.
Para evitar o descontrole do conhecimento, a sociedade passou a ser
silenciada. A ausência de crítica, a participação e o posicionamento do indivíduo
refletem uma sociedade desnutrida de intelectualidade, simplesmente regulada e
pouco emancipada. Exigindo esse contexto, uma retomada do conhecimento pelo
conhecimento, sua busca, insofismavelmente, passa a ser uma necessidade em
todos os níveis sociais.
A fragmentação proporcionada pela especialização não permite a existência
de uma estrutura cognitiva enciclopédica do indivíduo, mas somente de um
conhecimento que se vê distante, difícil de ser alcançado em sua plenitude pelo
homem. Isso já faz surgir em sua outra extremidade a busca pelo conhecimento
macro.
No entanto, considerando um cenário diverso do alienante modelo
fragmentário, em uma nova concepção do conhecimento, a recomposição que se
exige em tempos pós-modernos somente passa a ser possível de estabelecer-se, se
houver a retomada por uma consciência enciclopédica interdisciplinar.16
A responsabilidade na prática e na teoria interdisciplinar deve dar-se nos
mesmos moldes da disciplinar. O agente, nesse processo, precisa dedicar tempo
aos exercícios de cada uma das ciências, medear as intersecções e fazer com que
aconteça o pleno diálogo das fontes científicas, proporcionando assim o
desenvolvimento de novos conhecimentos e, com eles, a construção de novos
caminhos e alternativas para atender às necessidades circunstanciais futuras.
A nova estrutura do conhecimento estereotipa métodos e uma arquitetura
diferente, aceita as adversidades e as multiplicidades e as faz coexistir, respeitando

16 Como afirma Minayo: “Para a prática interdisciplinar, o exercício teórico disciplinar é tão
fundamental quanto o diálogo entre as diferentes áreas, contudo, a articulação entre diferentes
campos do saber só é possível se passar por traduções das distintas lógicas e critérios de
cientificidade, de uma hermenêutica do modus operandi de cada metodologia e da arquitetura dos
conceitos que cada teoria de referência apresenta. Sem esse diálogo dos fundamentos de cada uma
das ciências, os praticantes das diferentes tradições científicas estarão restritos ao infrutífero debate
dos limites desse ou daquele conceito, às condições de sua operacionalização ou justaposição de
métodos e técnicas (MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa
qualitativa em saúde. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 75).”
39

as distintas lógicas e critérios de cientificidade, deixando para trás concepções como


a corrente positivista, representante de uma disposição social e ideológica
conservadora legitimada a partir da fundamentação de um senso prático de
realidade e de certeza, sob condições definidas e impostas.
Para isso, a nova estrutura cognitiva investe na crença de que o
conhecimento e a experiência nutrem uma mente geradora de novos pensamentos,
desde que em conformidade com as novas políticas pedagógicas.
Sob esse aspecto, os conhecimentos clássico, sociológico e fundacional
esteviram estabelecidos de uma forma amoldurada, a serviço de um estatuto que
estrategicamente esteve mais comprometido com a dominação do que com sua
própria promoção, abandonando, assim, o compromisso primário com o
desenvolvimento do homem.
A ideologia da estrutura do conhecimento sempre esteve a serviço da
dominação, principalmente quando observada a proposta de conduzir o homem a
tomar contato com a realidade, mantendo-o na penumbra da abstração. Segundo
Wilber (2007, p. 38),

Nenhum filósofo moderno terá, talvez, acentuado tanto a importância


fundamental da distinção entre esses dois modos de conhecer quanto Alfred
North Whitehead. Whitehead assinalou com muito vigor que as
características centrais da forma simbólica de conhecer são a abstração e a
bifurcação (isto é, a dualidade). Segundo Whitehead, o processo de
abstração, por mais útil que seja no discurso do dia a dia, é, em última
análise, “falso”, no sentido de que opera notando as características
salientes de um objeto e ignorando tudo o mais, o que faz, portanto, “da
abstração nada mais que a omissão de parte da verdade”. O modo
simbólico de conhecer também opera por bifurcação, “dividindo a túnica
inconsultível do universo”, e, por esse modo, violentando o próprio universo
que ele procura entender. Whitehead assinalou ainda que esses erros têm
sido cometidos porque “nós tomamos nossas abstrações por realidades
concretas”, erro que Whitehead denominou de a Falácia da Concretude Mal
Colocada (a que já nos referimos anteriormente ao mostrá-la confundindo
mapa com território). Oposto a esse modo de conhecer está o que
Whitehead denominou preensão, um “sentir”, íntimo, direto, não abstrato e
não dual da realidade.17

17 Continua Wilber: “Se quisermos conhecer a Realidade em sua plenitude e em sua totalidade, se
quisermos deixar de esquivar-nos e de escapar de nós mesmos no próprio ato de tentar encontrar-
nos, se quisermos penetrar a realidade concreta do território e deixar de confundir-nos, os dias dos
mapas que invariavelmente possui quem os possui, teremos de abrir mão do modo simbólico
dualístico de conhecer, que rasga violentamente o tecido da Realidade na própria tentativa de agarrá-
lo. Numa palavra, teremos de mudar-nos da obscuridade do conhecimento crepuscular para o brilho
do conhecimento aurescente – se quisermos conhecer a Realidade, teremos de voltar-nos, finalmente
40

A importância de conhecer a realidade representa a convolação entre o


cognoscente e o cognoscível. Nesse processo, a verdade como elemento essencial
da estrutura do conhecimento em uma primeira análise ou em uma análise
abreviada significa uma relação de correspondência.
Assim, a verdade apresenta-se sempre como uma invenção atemporal, porém
é pressuposto validador do conhecimento, sendo ele um instrumento capaz de
explicar de forma clara, objetiva e concisa as realidades sensíveis ou não, postas a
observar.
É isso que determina a realização de uma escolha ou a tomada de uma
opção, uma posição volitiva com relação ao objeto. No contexto em que o
conhecimento e a razão psicologizada albergam o fenômeno das decisões, pois, a
escolha ou a opção é um exercício prático que se realiza, tendo como pressuposto o
conhecimento sobre o objeto, cuja base cognitiva está alicerçada em um
conhecimento teórico, o que é um problema que se apresenta ao homem, a ser
superado.
O conhecimento pressupõe a compreensão sobre a realidade desse objeto,
conhecer é sempre conhecer algo; é um processo representativo da justificação por
convenção ou por satisfação daquilo que se aceita, ou seja, que se denomina como
verdade.
Para compreender o conhecimento, é decisivo conhecer os elementos que o
estruturam, é um desafio do próprio conhecimento firmar-se como conhecimento,
pois tais vetores são o que avaliza o estatuto do conhecimento, seja ele semântico a
“priori”, seja ele analítico a “posteriori”, seja ele “empírico”, seja ele “conceitual” por
força de uma razão evidente que o dispense de uma reflexão probatória empírica.
O conhecimento é um instrumento que norteia a investigação das coisas no
mundo e do mundo em todos os sentidos, separando a realidade verdadeira da
realidade ilusória ou simplesmente falsa. Para isso, o elemento verdade, sem
dúvida, é condicionante essencial, que precisa ser desvelada pela intelectualidade
humana.
É certo que todas essas conjecturas têm exigido da epistemologia uma
explicação do próprio conhecimento como condição ou pressuposto para que assim
possa ser reconhecido. Nessa seara, os atributos da crença, da verdade e da

para o segundo modo de conhecer (WILBER, Ken. O espectro da consciência; tradução Octavio
Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 39).”
41

justificação são questões vitais à efetiva compreensão de uma teoria do


conhecimento destinada a dar conta de uma explicação clara do que seja a estrutura
epistemológica do conhecimento. Para Barcelos (2004, p. 132),

Assim, as crenças não são somente um conceito cognitivo, mas também


social, porque nascem de nossas experiências e problemas, de nossa
interação com o contexto e da nossa capacidade de refletir e pensar sobre o
que nos cerca (cf. definições de Barcelos, 1995, Miller & Ginsberg, 1995;
Riley, 1997).

O conhecimento como conceito dificilmente se depara com a essencialidade


de discernir, dada a moldura encontrada por força da razão evidente impressa em
sua significação simbólica.
Caso sua base esteja assentada em uma visão aparente da realidade ou caso
esteja em comunhão com a própria realidade, torna-se essencial a constatação dos
pressupostos justificadores e concretizadores da verdade, visto que essa realidade
exige uma verificação de constatação e de reconhecimento, como ilustra Trout
(2009, p. 43). “A epistemologia talvez não seja uma simples ‘ética da mente’, mas de
qualquer forma, ela repousa tipicamente sobre noções avaliativas que vão além de
sua descrição”.
A epistemologia tem como missão avaliar se a justificação dada ao
conhecimento afirmado e definido não está gravitando somente sobre a justificativa
de informações ou sobre dados meramente disponíveis, o que se assemelharia às
crenças desculpáveis, não fosse a acessibilidade de dados disponível em busca da
verdade.
A desconfiança sobre a crença e a justificação sobre o conhecimento são algo
explicitado, dada a condição limitada e de falibilidade humana no processo de
verificabilidade e constatação da verdade como fator histórico e recorrente.
Outrossim, o costume gerado para conferir as ações do homem tem revelado
que a crença e a justificação sobre os fatos e sobre os objetos são muitas vezes
influenciados pelas habilidades e competências de cada indivíduo na prática de
criação das realidades ou de suas constatações.
Portanto, dadas as adversidades construtoras do cotidiano, o enfrentamento
natural, pragmático e científico constantemente exige uma reavaliação em que toda
cautela ainda é pouca. O conhecimento vê-se para cada cenário refém de uma
análise e avaliação entre o mundo observado e o cognoscível, em cuja relação há a
42

necessidade de ter-se cada vez mais um processo que possa garantir o


estabelecimento do conhecimento em um grau maior de aceitabilidade e
confiabilidade.18
Tais condições fazem com que o conhecimento tenha a necessidade de
adaptar-se às regras estabelecidas para cada contexto, às regras do jogo, para que
o conhecimento possa conferir-se como conhecimento, sob pena de não ser
reconhecido como tal.
Disso se comprova ser ele multidisciplinar e mutável, pois, a fim de legitimar-
se, devido à complexidade existente, sua base exige uma mescla composta por
diferentes bases científicas para atendimento das demandas existentes, além de
insurgentes quando da fadiga de sua estrutura.
Por outro lado, se o conhecimento for considerado como um termo, passa a
ser certo que todo conhecimento, além de se encaixar perfeitamente nas regras que
o definem, se certifica a partir de um estatuto predefinido.19Como não há garantia de
que nossa visão seja correta, o compromisso que estabelecemos com nosso
conhecimento contém uma dose de risco, que Ponlayi vê como inerente à atividade
lastreada em uma lógica indutivista do cientista.
Dessa forma, o conhecimento é sempre pessoal. Não há conhecimento
puramente objetivo, já que nada que não possa ser acreditado por alguém como
conhecimento pode ser assim chamado.

18 Segundo Abrantes, “A delimitação dessas tarefas como componentes centrais para a elaboração
de uma teoria da intencionalidade sugere o roteiro que devemos seguir neste trabalho. A primeira
parte examina algumas teorias contemporâneas acerca da natureza da intencionalidade – teorias que
têm como ponto de partida um enfoque lógico e linguístico da natureza da representação mental.
Procuraremos mostrar, nesta primeira parte, utilizando uma estratégia top-dow, como a
intencionalidade se manifesta na linguagem, mas não é um fenômeno linguístico e sim cognitivo –
com raízes muito mais profundas do que julgaram essas teorias recentes (ABRANTES, Paulo (Org).
Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 76).”
19 Para Claudio Saiani apud Polanyi (2004, p. 62): “O conhecimento tácito habitualmente em sua
forma subjetiva e objetiva representa a seguinte concepção. Essa visão pessoal, por envolver a
convicção profunda e toda personalidade de que a pessoa que a detém (idem), mas também possui o
que Polanyi chama de intenção universal: o cientista acredita que qualquer um que possua o mesmo
equipamento, olhando na mesma direção deve ver aquilo que ele vê. Essa intenção é uma
decorrência de nossa crença em uma visão que acreditamos ter estabelecido contato com a
realidade. Não há garantia, é claro, de que alguém veja aquilo que vemos, mas não existem regras
que assegurem explicitamente que fizemos contato com a realidade: ‘Nossa convicção de que esse
contato ocorre é fiduciária, assim como o são as convicções de outras pessoas procurando avaliar
nossa visão (Proush, p.97)’. É importante ressaltar que essa intenção germina entre o universal, é
que faz com que qualquer convicção que tenhamos em relação a um contato com a realidade sendo
sustentada com responsabilidade e honestidade possa ser chamada de conhecimento. ‘Pois aquilo
que sustentamos, que seja conhecimento (Proush, p. 98)’ (SAIANI, Cláudio. O valor do
conhecimento tácito: a epistemologia de Michael Polanyi na escola. São Paulo: Escrituras Editora,
2004, p. 62).”
43

Os fatos, nesse aspecto, não nos apresentam, não forçam sua presença.
Aquilo que denominamos “fatos” sempre envolve nosso julgamento (com algum grau
de risco) de que alguma coisa é um fato. (Prouch, 1986, p. 98) “O que é reconhecido
como um fato é, evidentemente, algo em que devemos acreditar. Mas um tal
reconhecimento só é possível porque nós, primeiro, acreditamos”.
Dessa afirmação é possível inferir que o conhecimento pode ser pessoal,
subjetivo ou objetivo, em que a verdade é uma procura aliançada em uma crença
pura ou em uma crença justificada, em que o risco ainda habita ambas as hipóteses.
Issosignifica que, na aldeia das palavras, o conhecimento encontra estímulo
suficiente para modificar a consciência do indivíduo.
Semelhante operação altera o conhecimento sem que haja condições de
controle do próprio sujeito; é nessas condições que as falhas, os erros e os
equívocos comprometem a certeza do conhecimento, como bem ilustra Saiani
(2004, p. 76), “No experimento de associação de palavras. Conforme vimos, nesse
experimento fica patente que algo ocorre inconscientemente com as associações
normais.”
E complementa o mesmo autor (2004, p. 55): “Na verdade, nossos
mecanismos perceptivos e as experiências contidas em nossa história pessoal
influenciam-se mutuamente, sendo que a posição final “Só pode ter um caráter
pessoal, e não um que seja intersubjetivamente (ou objetivamente) correto”.
Mesmo sabendo do risco enfrentado no processo de construção do
conhecimento em suas diversas e infindáveis formas, a intuição humana conduz o
indivíduo a uma diversidade de possibilidade. Por outro lado, a imaginação como um
processo de estímulo oferece sempre uma possibilidade pelo novo, dadas as
conjecturas e as refutações naturais presentes.
44

É interessante observar que, mesmo que o sujeito domine, seja experiente,


exímio conhecedor da complexidade apresentada, sua razão quando exposta a
fatores internos ou externos limites não o estabiliza de modo a evitar possíveis
falhas e equívocos sobre o conhecimento tratado, talvez aí esteja o mito desse
tribunal da mente humana.
Eis, portanto, a causa do erro humano fazendo-se sempre evidente, dada a
sua incontornável falibilidade.Todavia, é nessa imprevisibilidade e incerteza que a
espécie humana luta ao lado do conhecimento e de suas espécies em busca de
realizações. A propósito, esclarece Abrantes (1994, p. 185): “A Filosofia da Ciência
privilegiou, em nosso século, a dimensão pública e social das diversas empresas de
produção de conhecimento, em detrimento dos processos cognitivos no indivíduo
que produz, aprende, julga, modifica, etc. o conhecimento”.20Nesses aspectos, Kuhn
se mostra afeito ao diálogo e pertinente com a atmosfera das ciências jurídicas ao
menos em certas particularidades (intersecção). A comunidade científica dos
processualistas e do Direito como um todo viveu durante muito tempo no ostracismo
autopoiético, que não mais se sustenta diante de um turbilhonamento de mudanças
ocasionados por uma nova realidade social e da evolução das ciências em suas
várias ramificações.21
A percepção é de que o conhecimento no que se refere à tecnologia de
inteligência para processar, gerir e promover a evolução do Direito Processual para
o alcance de uma Justiça materialmente mais eficiente e eficaz exige uma dinâmica
cuja base habita uma estrutura distinta da vigente. Esse insight tem tomado a
atenção da comunidade dos cientistas do Direito.

20E complementa Abrantes em trecho contínuo: “O campo naturalista volta a dar “distinção filosófica”
aos processos cognitivos envolvidos na produção do conhecimento científico. Os trabalhos de Kuhn
estão entre os trabalhos pioneiros nessa tendência (apesar de evidente peso da categoria sociológica
de “comunidade científica” em sua teoria). Por exemplo, suas análises da influência do paradigma no
modo como o cientista observa o mundo apoiam-se fortemente em pesquisas de Psicologia da
Percepção (ABRANTES, Paulo (Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de
Brasília, 1994, p. 185).”
21Para o expoente jurista de Udine – Itália. (2015, p. 13-14), “Carnelutti observa: ‘A posição é análoga
no campo do direito e no da medicina: chamam-se os advogados, [promotores de justiça] e os juízes,
bem como os médicos, quando as enfermidades se manifestam. Todavia, a fim de que estas não
apareçam é necessário difundir, ao povo, conhecimento elementares de higiene. Afinal, uma certa
educação jurídica, caso estendida aos não juristas, é um meio para combater as duas pragas sociais
que são a deliquencia e a litigiosidade’. Lembrando sempre Pitágoras: ‘Educando a criança não será
preciso punir o adulto’.
45

2 A IMPORTÂNCIA DA EPISTEMOLOGIA DE THOMAS KUHN NO


DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA DO DIREITO E DA JUSTIÇA

2.1 Aspecto dinâmico da ruptura paradigmática e sua contribuição para um novo


conceito de Direito e de Justiça

A relação do Direito com o mundo não se revela somente como um fenômeno


conceitual, exige-se muito mais do cientista das ciências jurídicas. É inevitável,
portanto, que a praticidade reflita respostas de adequação ou inadequação às
teorias fundadas e que exalam técnicas destinadas a racionalizar o comportamento
social, mantendo-os ou reformulando-os, como escopo maior da Justiça em seu
alcance.22Os conceitos são verdadeiros catálogos de símbolos por meio dos quais
se conseguem estabelecer as distinções singulares nas mais diversas formas de
comunicação, escrita ou não, no processo de construção das ciências.
Talvez em si o conceito não se complete, exigindo sempre a relação entre
emissor e receptor e toda uma compreensão peculiar, todavia sua carga de
pressupostos e atributos o faz completo, uma vez que se posiciona como referencial
no processo de comunicação, dando, assim, sentido a essa relação.23

22 Segundo Comparato (2010, p. 223): “Esse critério ou modelo de vida, dentro de uma sociedade ou
de uma civilização, não pode ser relativo, isto é, variar de indivíduo a indivíduo, ou de grupo social a
grupo social. Aqui, tal como em matéria científica, a famosa fórmula de Protágoras, “o homem”, isto é,
cada indivíduo humano, “é a medida de todas as coisas”, conduz logicamente, como ressaltou
Sócrates, à negação de todo o saber racional. Em matéria ética, não pode servir de critério para o
juízo do bem e do mal a opinião deste ou daquele indivíduo. / Mas tal não significa, bem entendido,
que o padrão de comportamento ético seja necessariamente universal, válido para todas as culturas e
civilizações, nem que ele seja insuscetível de variação, conforme a evolução histórica. Mas tampouco
pode-se negar que a história moderna mostra uma extraordinária convergência de todas as culturas e
civilizações para um núcleo comum de princípios e regras de vida, núcleo esse formado pelo sistema
internacional de direitos humanos (COMPARATO, Fábio Konder. Rumo à justiça. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 223).”
23 Como destaca Thomas Kuhn: “Essa necessidade de modificar conceitos estabelecidos e familiares
é crucial para o impacto revolucionário de Einsten. Embora mais sutil que as mudanças do
geocentrismo para o heliocentrismo, do flogisto para o oxigênio ou dos corpúsculos para as ondas, a
transformação resultante não é menos decididamente destruidora para um paradigma previamente
estabelecido. Podemos mesmo vir a considerá-la como um protótipo para as reorientações
revolucionárias nas ciências. Precisamente por não envolver a introdução de objetos ou conceitos
adicionais, a transição da mecânica newtoniana para a einsteiniana ilustra com particular clareza a
revolução científica como sendo um deslocamento da rede conceitual através da qual os cientistas
veem o mundo (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna
Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 137).”
46

A importância dos conceitos de um modo geral e, particularmente, em


Thomas Kuhn demonstra claramente que eles são forjados pela linguagem,
representativa de uma propriedade nuclear comum de determinado grupo de
cientistas cujas características se revelam fundamentais para a compreensão do
modelo pelo qual o autor busca explicar o desenvolvimento da ciência.
Assim como o positivismo lógico e o racionalismo crítico: cada modelo contém
sua racionalidade sistêmica em seus conceitos, disso não dissuade a ciência do
Direito com suas particularidades estruturais, que guardam em seu arcabouço seus
próprios critérios. Como observa Abrantes (1994, p. 191-192),

O caráter em grande parte tácito do conhecimento cientítico num período de


“Ciência Normal” decorre do modo como o paradigma é apreendido pela
comunidade. Kuhn enfatiza que o paradigma não se aprende por meios
exclusivamente verbais (Kuhn, 1972, p. 226), mas numa prática envolvendo
o contato com os fenômenos naturais. Desse modo, os exemplares (ou o
paradigma) tornam-se o meio através do qual os membros da comunidade
científica aprendem a ver o mundo. As divergências entre partidários de
paradigmas distintos são anteriores à expressão linguística das mesmas: a
“incomensurabilidade” remete a um nível, digamos, pré-linguistico (ibid., p.
237).

Equivale a dizer que os membros da família da commom law apreenderam a


ver o mundo de forma diferente dos da família civil Law; as diferenças decorrem dos
modelos adotados na estruturação do sistema do Direito e da Justiça de cada
comunidade. Enquanto os primeiros herdaram uma tradição anglo-saxônica, os
segundos são frutos de uma tradição romanística.
As praticidades dos modelos adotados demonstraram as respectivas
comunidades o comportamento dinâmico dado ao Direito e à Justiça, por esse meio
validando ou não os resultados obtidos.
Semelhante compartilhamento entre o modelo adotado pela comunidade
científica possui uma estrutura de conhecimento os quais são produzidos,
intercambiados e utilizados entre seus membros. Geram com isso uma espécie de
“plasticidade da percepção” conforme expressão encetada por Churchland.
47

Em determinado momento da história da ciência e em seu fluxo, determinada


comunidade de cientistas podem deparar-se com uma mudança na forma de ver o
mundo. Esse insight repercute inevitavelmente na forma dinâmica do modelo
adotado até então. Tal ruptura é fruto de um trabalho indutivo que faz com que
exista uma constante evolução cultural da sociedade à qual a comunidade científica
inclusive das ciências jurídicas não está imune.24 É por essa seara que palmilha o
cientista das ciências jurídicas, embora se deem de forma lenta as evoluções e as
revoluções neste ambiente, em determinado momento, a ruptura se mostra de forma
mais clara e objetiva. A revisão dos modelos está correlacionada aos problemas da
sistematização do Direito para o alcance da Justiça.25Retomando os conceitos
linguísticos em Thomas Kuhn, eles apresentam-se como elemento ímpar,
fundamental para sua compreensão, bem como para destacar a importante
contribuição destinada aos estudiosos da ciência, que se deparam com o pronto e o
inacabado, com o conhecido e o desconhecido, com o presente fugaz e com o futuro

24 Segundo Changeux, “Para Espinosa, “Nada conhecemos como bom ou mau com certeza senão
aquilo que nos conduz a compreender verdadeiramente as coisas, ou o que pode nos afastar disso”
(Ética, 27). O interesse se desloca, em oposição às teorias dedutivas, para as teorias indutivas.
Segundo estas, os princípios éticos são dotados e revistos com base em sua plausibilidade, e sua
capacidade de explicar juízos mais particulares. Elas levam em conta, portanto, a evolução cultural da
sociedade, do conhecimento científico, das técnicas e das culturas. Adotarei, é claro, o ponto de vista
indutivo, que me parece o mais aceitável para o cientista, graças à possibilidade nele contida de uma
revisão das normas morais, tanto devido ao surgimento de novos problemas práticos quanto ao
progresso do conhecimento. Esse ponto de vista se aproxima daquele da teoria da justiça de Rawls,
que começa a ser conhecida na França. De modo bem esquemático, Rawls defende o chamado
método do equilíbrio reflexivo. Os juízos se desenvolvem e são submetidos a provas a posteriori, com
a preocupação de manter um máximo de coerência interna e de objetividade. Cada juízo cria uma
pressão de críticas e de justificações para mudanças de princípios. Se o sistema social é
redistributivo, se retifica os infortúnios decorrentes das contigências sociais ou naturais, resulta uma
ética baseada na crítica das normas morais e em sua contínua revisão, a fim de liberar novas formas
de conduta. Em particular, essa filosofia me seduz, pois nela podemos descobrir bases “neurais”, e
porque, aproximando-se do procedimento da ciência, ela evita uma forma de autoritarismo
consequência ultima das teorias ética dedutiva. É uma filosofia sem pretensão, uma “ética dos
pequenos passos”, que resolve os problemas tal como estes se apresentam, de modo progressivo, e
que não se funda em postulados a priori, totalmente inaplicáveis (CHANGEUX. Jean-Pierre;
CONNES, Alain. Matéria e pensamento; tradução Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Ed.Unesp, 1996,
p. 212).”
25 Como denuncia Garapon (1997, p. 15), “Isto não impedirá, noutros momentos – de tal forma somos
voláteis – que surja uma opinião predisposta a reclamar uma justiça despojada de formas. Quando os
sociólogos americanos falam de justiça informal (da mesma forma que falam do casamento informal),
é noutra coisa totalmente diferente que estão a pensar: em combinações de iniciativa privada – com a
arbitragem à cabeça – destinadas a resolver os litígios fora da esfera do Estado. Mas, entre nós,
jacobinos, a noção permanece centralizada: é à justiça do Estado que solicitamos que se liberte dos
ritos, de modo a tornar-se mais íntima e menos intimidante. Uma justiça acessível e familiar, é esse o
desejo eterno (GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ritual judiciário. Lisboa: Instituto
Piaget, 1997, p. 15).”
48

incerto, cujo escopo se assenta em uma dinâmica explicativa e não meramente


descritiva.
O autor de A estrutura das revoluções científicas (2007, p. 259-260) verbaliza
que “O conhecimento científico, como a linguagem, é intrinsecamente a propriedade
comum de um grupo ou então não é nada. Para entendê-lo, precisamos conhecer as
características essenciais dos grupos que o criaram e o utilizam”.
Portanto, na mesma medida em que o conhecimento científico exige uma
fidelidade na compreensão das características da linguagem que o constroem, os
conceitos kuhnianos são necessários para que haja uma compreensão racional de
seu encadeamento bem como do modelo teórico proposto pelo autor.
É esse estilo que fez com que Thomas Kuhn enxergasse a ciência como um
fenômeno histórico, mutável em sua natureza, possuindo em sua estrutura interna
um dinamismo peculiar.26
Os conceitos e a linguagem não estiveram aglutinados aleatoriamente, mas
por uma realização comum da estrutura do pensamento kuhniano, em decorrência
da forma como fora proposta em A estrutura das revoluções científicas. Nessa obra,
é marcante o conceito de paradigma, pois sua ruptura faz com que os conceitos até
então vigentes passem incomensuravelmente a ser outros. Sem radicalizar, torna-se
possível aceitar o critério da reconceituação do mundo exterior e sua
representação.27A diferente anatomia de abordagem do desenvolvimento da ciência
adveio de uma atmosfera intelectual em que Kuhn foi o marco diferencial a partir de
1960, embora outros pensadores tais como Fleck, Feyerabend e mais alguns
estivessem cruzando vocabulários comuns em seus trabalhos.

26 Neste sentido, assegura Abrantes: “Uma tese de consenso entre os partidários do naturalismo é a
de que a Epistemologia está comprometida de modo necessário e inexpurgável com questões
empíricas. Nessa medida, os conceitos e teorias epistemológicas são vulneráveis ao crivo da
experiência, do mesmo modo que as teorias científicas. Para os naturalistas, a Epistemologia e a
Ciência são empreendimentos intelectuais mutuamente embricados e relacionados, que se
distinguem, talvez, quanto ao grau de generalidade e de abstração de seus produtos teóricos. Mas a
epistemologia não pode se furtar-se a utilizar os conhecimentos e, os métodos científicos para levar a
cabo sua tarefa. E tampouco pode furtar-se a justificar suas teses (ABRANTES, Paulo (Org).
Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 171).”
27 Para Teixeira apud Abrantes: “Representações são estados mentais peculiares: são elas que
estabelecem uma ligação entre organismos e seu meio ambiente, fornecendo assim material para o
pensamento e para a linguagem (no caso de espécies mais complexas). Representações são estados
mentais que contêm em si mesmos o objeto a que se referem, quer esse objeto esteja diante de mim,
quer não, e é isso que os dota daquilo que chamamos de “intencionalidade” (ABRANTES, Paulo
(Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 71).”
49

O autor de A estrutura das revoluções científicas influencia a forma de


explicar o desenvolvimento da ciência e suas mudanças com seus critérios e
procedimentos teóricos e práticos peculiares, como esclarece Ransanz (1999, p. 26):

Pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, que o livro de Kuhn A Estrutura


das Revoluções Científicas (ERC, daqui para frente) é um dos trabalhos
acadêmicos mais influentes da última década. Uma clara medida de seu
impacto social é dada pelo fato de que, desde sua publicação, em 1962,
fora vendido em torno de um milhão de exemplares, incluindo suas
traduções em dezenove idiomas. Outro indicador desse impacto é a
quantidade, praticamente incontável, de bibliografia secundária produzida.
Também isso se dá pelos termos centrais característicos do texto, tais
como: “paradigma”, “ciência normal”, “revolução científica”, que acabaram
fazendo parte do vocabulário corrente não somente entre os estudiosos da
ciência, mas nas próprias comunidades científicas, e mesmo em meios
menos acadêmicos.

Parafraseando Mendonça e Videira, em artigo intitulado “A revolução de


Kuhn”, a orientação sistêmica da linguagem conceitual em Kuhn estaria desenhada
em fases sucessivas. Haveria uma fase preparadigmática, seguida de uma de
ciência normal, a qual daria ensejo a uma fase de ciência extraordinária que,
posteriormente, estaria retornando à ciência normal, após o advento do
acontecimento do episódio revolucionário.
Essa performance adere aos propósitos da pesquisa na explicação da
mutação da dinâmica promovida entre a tecnologia da inteligência humana e a
tecnologia da inteligência artificial como estrutura capaz de atender a uma nova
sistemática do Direito Processual enquanto sistema de armazenamento, gestão e
decisão, o que registra uma mudança modelar ao padrão dominante.
Acerca dos conceitos kuhnianos, a fase preparadigmática é mais bem
denominada de “multiparadigmática”, marcada pela competição de várias escolas
cuja expectativa está voltada à definição de um acordo. Esse período é rotulado de
preciência. A partir de debates, com o surgimento de uma realização científica
notável, consegue-se o consenso entre os cientistas.
Tal realização notável recebe o nome de paradigma ou simplesmente modelo,
no curso do qual os cientistas realizam suas atividades ordinárias, resolvem os
quebra-cabeças em um período denominado ciência normal, dedicado à resolução
de problemas e ao aperfeiçoamento do paradigma. Essa derradeira etapa retrata a
situação típica e bem representada pelas reformas realizadas no sistema processual
pátrio.
50

As crises surgem diante da não resolução dos problemas por determinada


comunidade científica, tais como os enfrentados pelo sistema de Direito Processual
na busca pela concretização de um projeto Constitucional por uma Justiça material.
Neste caminho, surgem ciências extraordinárias com suas teorias específicas, fortes
candidatas a ser um novo paradigma, para dar solução a problemas relevantes, que
carecem de solução. Todavia, um novo paradigma somente surgirá caso ocorra uma
ruptura por intermédio da revolução científica.
Do singelo organograma em que se traça simplificadamente o roteiro do
modelo kuhniano, a compreensão de seus conceitos e da forma racional como estão
definidos é essencial; principalmente porque Thomas Kuhn traz em seu pensamento
uma forma singular de comunidade científica em que a psicologia da ciência é de um
tipo individual que se coletiviza.28
A singularidade kuhniana com relação à comunidade científica caracteriza-se
pela forma pela qual ela se aglutina bem como se desenvolve funcionalmente, visto
que as convenções são estabelecidas pelo grupo de cientistas por meio dos acordos
e das práticas da ciência em espécies de comissões eleitas entre os notáveis
conhecedores do sistema, constituindo dessa relação a sedimentação da autoridade
da comunidade.
Um grupo de pessoas, conectadas por interesses comuns, forma uma
estrutura comunitária voltada para a educação e o aprendizado do desenvolvimento
do conhecimento científico, ou melhor, preocupada em explicar como a ciência se
desenvolve.
Assim, as decisões da comunidade são soberanas, dadas a formação e a
unidade de entendimento sobre as questões científicas examinadas, garantindo ao
sistema, pelo qual Thomas Kuhn entende que a ciência se desenvolve como uma
estrutura teórica e prática.

28 Como confirma Ransanz: “A primeira é que se os valores compartilhados condicionam fortemente o


comportamento dos membros de um grupo, sem dúvida nem todos os membros se aplicam da
mesma maneira. Cada um dos valores vigentes pode ser interpretado e ponderado de maneiras
diferentes pelos sujeitos de uma mesma comunidade, dando lugar a juízos de valor que variam de um
indivíduo para outro. A segunda característica é que a diversidade individual na aplicação dos valores
compartilhados cumpre, no caso da ciência, uma função vital para o seu desenvolvimento
(RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fondo de Cultura Económica,
1999, p. 132)”.
51

Isso não poderia ser diferente no âmago da concepção kuhniana, dada sua
forma de compreender e explicar a ciência em toda a sua perspectiva dinâmica de
desenvolvimento, por intermédio de um conteúdo lexical característico de sua
abordagem.29Assim, segundo Thomas Kuhn, é evidente que a comunicação é
estabelecida pela linguagem que, a serviço da comunicação daquela comunidade e
de suas crenças, realiza a prática, o exercício e a habitualidade, delimitando uma
determinada cultura como sendo um local em que o repouso e a conservação dos
elementos da comunicação acontecem de acordo com a convenção estabelecida
pela comunidade científica, como esclarece o autor em sua obra O caminho desde a
estrutura (2003, p. 284):

A comunicação é, então, ameaçada, e a ameaça é especialmente severa


porque, como as diferenças de significado em geral, a diferença entre os
dois não pode ser ajuizada de maneira racional. Um dos indivíduos
envolvidos, ou ambos, pode não estar agindo em conformidade com o uso
social padrão, mas é apenas em relação ao uso social que se pode dizer,
de qualquer um deles, que está certo ou errado. Nesse sentido, aquilo a
respeito de que diferem é convenção, em vez de fato.

Por essa razão, a linguagem dá à comunidade condições instrumentais do


aprendizado, estabelecendo a possibilidade de compreender o mundo em suas
diferenças, identificando os objetos, as situações e, nesse meio, envolvendo os
membros que as constituem.

29 Como bem ilustrado na obra O caminho desde a estrutura: “As pessoas que compartilham um
núcleo como as que compartilham uma estrutura lexical podem compreender umas às outras,
comunicar-se a respeito de suas diferenças etc.,entretanto, se os núcleos ou as estruturas lexicais
diferem, então o que parece ser um desacordo a respeito de fatos mostra-se ser incompreensão (as
duas pessoas usam o mesmo nome para espécies diferentes). Os indivíduos que iriam, em potencial,
comunicar-se, deparam-se com a incomensurabilidade, e a comunicação fracassa de um modo
particularmente frustrante. Mas porque o que está envolvido é a incomensurabilidade, o pré-requisito
faltante à comunicação – um “núcleo” para Jed, uma “estrutura lexical” para mim – pode apenas ser
exibido, mas não articulado. O que os participantes na comunicação deixam de compartilhar não é
tanto uma crença, mas uma cultura em comum (KUHN, Thomas S. O caminho desde a estrutura;
tradução Cesar Mortari. São Paulo: Ed. Unesp, 2003, p. 293).”
52

Essa racionalidade vinculativa dos membros de determinada comunidade


científica dá-se por intermédio dos valores metodológicos e epistemológicos
compartilhados em determinado período histórico, tornando-se parâmetros objetivos
a partir das condições de compromissos formalizados em sede de interesse comum
pela comunidade científica.30Revela-se importante a realização de uma melhor
compreensão de seus conceitos linguísticos advindos desde A estrutura das
revoluções científicas. A pretensão inclina-se no sentido de facilitar o entendimento
do pensamento kuhniano, evitando assim o fracassar da comunicação. 31A
linguagem conceitual deve cumprir seu verdadeiro propósito, ou seja, ser a ponte
entre o homem e o mundo que ele busca conhecer, uma preocupação que não pode
cair no esquecimento, conforme esclarece Kuhn (2011, p.13) na obra Tensão
essencial.

O que minha leitura de Aristóteles parecia revelar era uma espécie de


mudança global no modo como a natureza era vista e a linguagem era
aplicada a ela, uma mudança que não poderia ser descrita de maneira
apropriada como constituída de acréscimos ao conhecimento ou de meras
correções de equívocos.

30 Como se infere do trecho da obra Tensão essencial de Kuhn: “Uma das coisas que une os
membros de qualquer comunidade científica e, ao mesmo tempo, os diferencia dos membros de
outros grupos aparentemente similares é a posse de uma linguagem comum, de um dialeto especial.
Esses ensaios sugerem que, ao aprender essa linguagem, como devem fazer para participar do ofício
da comunidade, os novos membros adquirem um conjunto de compromissos cognitivos que não são,
em princípio, cabalmente analisáveis no âmbito dessa mesma linguagem. Esses compromissos são
consequência do modo como termos, frases, e sentenças da linguagem são aplicados à natureza, e é
sua relevância para a ligação linguagem-natureza que torna tão importante o sentido original e mais
restrito de "paradigma" (KUHN, Thomas S. A tensão essencial: estudos selecionados sobre tradição
e mudança científica.São Paulo: Ed. Unesp, 2011, p. 22).”
31 A polissemia das palavras não somente dificulta mas conduz a uma interpretação equivocada do
autor ou ao menos à minimização daquela preocupação aclarada na obra Tensão essencial): “Desde
esse decisivo episódio no verão de 1947, a busca pelas melhores leituras, ou pelas melhores leituras
possíveis, tem sido algo central em minha pesquisa histórica (e também algo sistematicamente
eliminado das narrativas que relatam o seu resultado). As lições aprendidas com a leitura de
Aristóteles também instruíram minhas leituras de autores como Boyle, Newton, Lavoisier e Dalton,
Boltzman e Plank. Para resumir, são duas as lições. Primeira: há muitas maneiras de ler um texto, e
mais facilmente acessíveis em tempos recentes são, em geral, inadequadas quando aplicadas ao
passado. Segunda: essa plasticidade dos textos não põe em pé de igualdade todas as maneiras de
lê-los, pois algumas delas (espera-se que, no fim, seja apenas uma) possuem uma plausibilidade e
uma coerência ausentes nas outras. Ao tentar transmitir essas lições aos estudantes, proponho-lhes
uma máxima: ao ler a obra de um pensador importante, procure ante os aparentes absurdos do texto
e pergunte-se como uma pessoa sensata poderia ter escrito aquilo (KUHN, Thomas S. A tensão
essencial: estudos selecionados sobre tradição e mudança científica.São Paulo: Ed. Unesp, 2011, p.
12).”
53

A preocupação e a forma de compreensão do alcance relacionado ao sentido


e ao objeto da linguagem conceitual também são tratadas na dissertação de
mestrado intitulada “Kuhn e as ciências sociais”, desenvolvida por Assis (1991, p. 8-
9), conforme segue transcrito:

Pode-se também considerar Kuhn a contrapartida epistemológica de


trabalhos historicamente orientados como os de Alexandre Koyré. Esse
autor russo radicado na França, ao estudar a obra de Galileu (cf.
especialmente Koyré, 1939), já se antecipava a muitos insights de Kuhn,
especialmente no que diz respeito ao papel da retórica na aceitação da
teoria científica, na dificuldade de diálogo racional entre partidários de
teorias rivais e sobre as alterações (não aditivas) de significado para um
mesmo termo quando usado no contexto de teorias diferentes. Por exemplo,
“Terra” quer dizer coisas diferentes para Galileu e para Aristóteles, mas o
fato de galileanos e aristotélicos usarem o mesmo termo com significados
diferentes tem duas consequências paradoxais: confundir ou mesmo
impossibilitar uma confrontação e, por outro lado, dar uma impressão de
continuidade entre teorias sucessivas, já que a utilização de termos iguais
parece sugerir progresso através de acréscimos pontuais, o que Koyré
cuida de mostrar que, absolutamente, nunca é o caso. 32

Isso demonstra o ponto chave da linguagem conceitual em Kuhn, ou seja, que


a ciência, segundo sua ótica, está assentada nas diferentes estruturas lexicais
existentes na história da ciência que são registradas secularmente. No ambiente das
ciências jurídicas, as famílias do Direito são responsáveis por realizar essa
demarcação e, a partir de então, traçar a dinâmica do sistema eleito.
A mudança de estrutura conceitual é resultado das rupturas pelas quais as
ciências passam, fundam-se porque estão diante de uma nova realidade que a cada
momento deixa uma fratura irreconciliável com o passado, a “incomensurabilidade”,
demarcada pelas revoluções científicas.
Em cada presente, um novo paradigma, uma nova estrutura lexical, uma nova
linguagem conceitual. Essas ideias geraram críticas duras ao texto A estrutura das
revoluções científicas, não somente naquilo que diz respeito à noção de paradigma,
mas sobre a forma como o autor buscou explicar o desenvolvimento da ciência.

32 Ainda cita Assis o seguinte excerto de Koyré: “O que fundadores da ciência moderna, entre eles
Galileu, tinham de fazer não era criticar e combater certas teorias erradas para corrigi-las ou substituí-
las por outras melhores. Tinham de fazer algo inteiramente diverso. Tinham de destruir um mundo e
substituí-lo por outro. Tinham de reformar a estrutura de nossa própria inteligência, reformular
novamente e rever conceitos, encarar o Ser de uma nova maneira, elaborar um novo conceito do
conhecimento, um novo conceito da ciência, e até substituir um ponto de vista bastante natural, o do
senso comum, por outro que absolutamente não o é. (Koyré apud ASSIS, Jesus de Paula. Kuhn e as
ciências sociais. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991, p. 9).”
54

Em que pesem as críticas, é polissêmica a discussão sobre o termo


“paradigma”. Seu método se desnuda útil para explicar a dinâmica evolutiva e
consequente mutação entre as tecnologias das inteligências no processamento de
informações e dados na circunscrição do Direito e da Justiça, em específico do
sistema de Direito Processual como catalisador das substancialidades.
A pesquisa no presente trabalho valoriza a linguagem conceitual e a dinâmica
da ciência com insofismável percuciência.33A objetividade e a precisão dos conceitos
representam uma necessidade fundamental da filosofia da ciência e de sua história,
seja em qual modelo se busque explicar o desenvolvimento das ciências. Nesse
sentido, conforme esclarece a dissertação de mestrado intitulada “O Modelo de
historiografia da ciência kuhniano: da obra A estrutura das revoluções científicas aos
ensaios tardios”, de autoria de Aymoré (2010, p. 154):

Assim, mesmo ao interpretar eventos, documentos ou textos do passado, a


análise do historiador é influenciada pelo pano de fundo teórico em que foi
formado, de maneira que sua interpretação jamais será neutra ou fundada
na mera seleção e organização de fatos puros ou básicos. Esta questão do
pano de fundo que certa interpretação histórica implica e nos leva ao
segundo item da analogia entre atividade científica e atividade da história da
ciência, a carga teórica.

Para Kuhn a ciência está assentada não somente na perspectiva do


desenvolvimento traçado por sua teoria, mas forjada em seus próprios conceitos,
marcados pela influência não somente histórica, mas também das comunidades
científicas, as quais giram em torno de uma compreensão peculiar do mundo.
Os conceitos forjados por Thomas Kuhn para sua filosofia histórica da ciência,
embora passíveis de infinitas críticas, não se afastaram da exigibilidade do critério
de fidelidade quanto aos limites de sua moldura interna e externa, descritivo e
explicativo de natureza universal inerente.

33 Nesse contexto, é oportuna, como um paralelo, a manifestação de Popper (1973, p. 52-53): “A


linguagem é um instrumento e importante é o que se faz com ela – no caso que nos ocupa, seu uso
para formular e discutir teorias a propósito do mundo. Um filósofo que devota a vida à preocupação
com o instrumento lembra um carpinteiro que devota todas as suas horas de trabalho ao afiar as
ferramentas, nunca chegando a usá-las, a não ser uma contra a outra. Os filósofos, como todos, têm
o dever de falar de maneira clara e direta; mas, à semelhança dos físicos, devem executar o trabalho
que lhes cabe de forma tal que nada que se revista de importância dependa do modo como utilizem
as palavras”.
55

Conceitos são universais inerentes, independentemente da aceitabilidade ou


não da comunidade quanto à sua unissonidade, porém representam um referencial
seletivo da teoria como descrito em A estrutura das revoluções científicas.
Dentre os conceitos, há os mais questionados e evidenciados, entre os quais
merece destaque a nomenclatura paradigma, que é descrita pelo autor como uma
realização científica modelar projetando a partir de si os demais estudos e pesquisas
daquela área, também denominada de matriz disciplinar.34
Embora controverso e criticado ostensivamente por Margaret Masterman, no
clássico encontro retratado na obra A crítica ao desenvolvimento do conhecimento,
Videira afirma, em seu artigo “Paradigmas, comunidades científicas e os físicos
brasileiros” (2012. p. 616):

A despeito da equivocidade do termo paradigma, tão bem apontada por


Margaret Masterman, é ele que garante à ciência uma identidade própria,
tornando-a diferente das outras atividades elaboradas e praticadas por uma
coletividade. No jargão kuhniano, a ciência é praticada por comunidades
científicas, as quais são o que são porque possuem paradigmas.

Os paradigmas ditam a existência das comunidades, todavia é dentro delas


que os paradigmas se manifestam e existem, ou melhor, coexistem em uma
verdadeira simbiose, na medida em que os membros de uma comunidade se
organizam e desenvolvem o conhecimento científico nos parâmetros dos métodos
estipulados por aquele determinado paradigma, enfrentando os problemas e
buscando as resoluções dentro de seus limites, a partir dos recursos e das
condições que aquela comunidade possui, tendo-o como baliza norteadora.
Como explica Kropf (1999, p. 7), “Na obra de Kuhn, a comunidade científica,
enquanto unidade produtora e legitimadora do conhecimento científico, é a noção
que permite conferir operacionalidade tanto ao conceito de paradigma quanto ao de
ciência normal”.

34 Como ilustra Ostermann: “O termo paradigma tem um sentido geral e um sentido restrito. O
primeiro foi empregado para designar todo o conjunto de compromissos de pesquisas de uma
comunidade científica (constelação de crenças, valores, técnicas partilhadas pelos membros de uma
determinada comunidade). A este sentido, Kuhn aplicou a expressão “matriz disciplinar”. “Disciplinar”
porque se refere a uma posse comum aos praticantes de uma disciplina particular; “matriz” porque é
composta de elementos ordenados de várias espécies, cada um deles exigindo uma determinação
mais pormenorizada (OSTERMANN, Fernanda. A Epistemologia de Kuhn. Caderno Catarinense de
Ensino de Física, Brasil, v.13, n. 3, p.186, dez. 1996).”
56

As realizações científicas acontecem segundo os modelos convencionados


pela comunidade científica em que o paradigma está vigente, os quais estabelecem
suas convenções, legitimando, dessa maneira, o grupo e a prática de suas
ações.35Como uma bússola conduzindo o velejador em alto mar, está o paradigma a
nortear as pesquisas, os problemas e as soluções científicas da comunidade, a partir
de modelos conquistados no processo de formação, segundo Videira no mesmo
artigo acima referido (2012, p. 617). “Os paradigmas têm a ‘propriedade’ de restringir
o escopo de problemas a serem investigados, uma vez que atuam como normas
reguladoras daquilo que deve ser entendido como cientificamente aceitável”.
Além desse conceito central de A estrutura das revoluções científicas, muitos
outros são importantes, tais como: comunidade científica, ciência normal, anomalia,
incomensurabilidade, revolução científica, quebra-cabeças, dentre outros vitais à
compreensão da dinâmica da ciência na perspectiva kuhniana.
A ciência normal é registrada na história da ciência como um período
dinâmico e ao mesmo tempo cumulativo da ciência, no qual os cientistas de uma
comunidade, à luz de um paradigma, realizam suas descobertas sobre o plano de
um suporte teórico, de métodos e situações envolvendo as questões afetas à
ciência.
Nesse período maduro da ciência normal, ocorrem mutações científicas,
inclusive a possibilidade de novas descobertas, a sinergia de novos conhecimentos,
as incertezas e as verdades com as quais os membros daquela comunidade se
deparam, bem como as hipóteses e as resoluções encontradas para os quebra-
cabeças, como frutos da estrutura modelar de determinado paradigma, o qual
alberga em sua estrutura, de forma integrativa, a ciência normal.36

35Como confirma Carneiro: “É nesse sentido que um dado paradigma possibilita não só a definição e
a resolução de problemas, mas a descoberta de novos problemas e aplicações. Do ponto de vista
pedagógico, a iniciação de membros de uma comunidade científica a um paradigma não se dá por
meio de regras ou axiomas ou mesmo de uma fundamentação teórica mais consistente (CARNEIRO,
Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 100).”
36 Como retrata Kuhn, “No desenvolvimento de qualquer ciência, admite-se habitualmente que o
primeiro paradigma explica com bastante sucesso a maior parte das observações e experiências
facilmente acessíveis aos praticantes daquela ciência. Em consequência, um desenvolvimento
posterior comumente requer a construção de um equipamento elaborado, o desenvolvimento de um
vocabulário e técnicas esotéricas, além de um refinamento de conceitos que se assemelham cada
vez menos com os protótipos habituais do senso comum. Por um lado, essa profissionalização leva a
uma imensa restrição da visão do cientista e a uma resistência considerável à mudança de
paradigma. A ciência torna-se sempre mais rígida. Por outro lado, dentro das áreas para as quais o
paradigma chama a atenção do grupo, a ciência normal conduz a uma informação detalhada e a uma
precisão da integração entre a observação e a teoria que não poderia ser atingida de outra maneira
57

O paradigma vigente, portanto, desenvolve-se a partir de estudos e


pesquisas, o que se denomina período de ciência normal, cuja produção é
cumulativa, voltada para seu próprio desenvolvimento, aprimoramento e alcance dos
objetivos nutridos pelos membros de determinada comunidade científica de forma
restrita, como esclarece Ostermann em A epistemologia de Kuhn (1996, p. 187):

[...] a pesquisa científica normal está dirigida para a articulação daqueles


fenômenos e teorias já fornecidos pelo paradigma. A ciência normal
restringe drasticamente a visão do cientista, pois as áreas investigadas são
certamente minúsculas. Mas essas restrições, nascidas da confiança no
paradigma, revelam-se essenciais para o desenvolvimento científico.

Por isso, a ciência normal produz o desenvolvimento de novos


conhecimentos, sem que, todavia, seja seu propósito, como encontramos em A
estrutura das revoluções científicas (2007, p. 91) “[...] ciência normal – um
empreendimento não dirigido para as novidades e que a princípio tende a suprimi-
las – pode, não obstante, ser tão eficaz para provocá-las. ” O que é reforçado na
obra A crítica e o desenvolvimento do conhecimento, no artigo intitulado “Lógica
dadescoberta ou Psicologia da pesquisa”, de autoria de Thomas Kuhn (1979, p. 9).37
Tal propósito, a serviço do aprimoramento do próprio paradigma, é realizado
pela comunidade científica autonomamente a partir de suas habilidades científicas.
O trabalho desenvolvido durante a ciência normal representa cumulatividade de
conhecimento e também uma forma de dar a ele condição de atender às
necessidades científicas dos membros de determinada comunidade na resolução
dos problemas.

(KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson
Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 91)”.
37 Embora nem todos, muitos problemas de pesquisa assumem essa forma. Os testes desse tipo
representam um componente comum do que denominei “ciência normal” ou “pesquisa normal”,
responsável pela imensa maioria do trabalho realizado em ciência básica. Esses testes, porém, não
são dirigidos, em nenhum sentido usual, para a teoria corrente. Ao contrário, quando está às voltas
com um problema de pesquisa normal, o cientista deve postular a teoria corrente como a regra de seu
jogo. Seu objetivo é resolver uma charada, de preferência uma charada em que outros falharam, e a
teoria corrente é indispensável para defini-la e para assegurar que, em havendo talento suficiente, a
charada será resolvida.
58

Ainda é oportuno ressalvar que, se a charada não for resolvida, o problema


não está no paradigma e sim no cientista; ele é um diferencial que divorcia o
pensamento kuhniano das demais correntes da filosofia da ciência até então
vigentes. É ilustrativa a citação de Caminho desde a estrutura,(2006, p. 23-24).38
Nesse exercício de construção da ciência, a comunidade profissionalizada de
cientistas alcança seus resultados, à proporção que desenvolve práticas para
explorar as redes conceituais e as técnicas instrumentais do paradigma ativo, bem
como aproveitando os resultados dos trabalhos daquela comunidade científica para
avaliar as necessidades de um novo paradigma.
No período de ciência normal, ela se desenvolve na tentativa de fazer a
natureza harmonizar-se dentro dos limites determinados pelo paradigma nas
soluções de problemas. Destaca-se, entretanto, que a compreensão da dinâmica da
ciência em sentido amplo não se faz na esteira da cumulatividade, ou seja, uma
ciência anterior não evolui cumulativamente dando ensejo a uma superior.
Esse fenômeno é perceptivo quando do emparelhado entre a tecnologia da
inteligência da espécie humana e da Inteligência Artificial embarcada nas máquinas,
como meios de processamento de informações e dados.
Não há cumulatividade, mas evolução, pois são estruturas diferentes as quais
se enquadram no modus dinâmico da metodologia de Kuhn. Ambas detêm algo em
comum, que é o processamento de informações e dados, porém a partir de bases
cognitivas particulares.
Parafraseando Rosenberg, os paradigmas não melhoram uns aos outros. É
um prisma pelo qual se torna evidente a ciência não se acumular em direção da
aproximação da contínua verdade.
Portanto, a história da ciência é como a da arte, a da literatura, a da religião, a
do direito, a da política ou a da cultura, histórias de mudanças em que o progresso
não pode ser compreendido senão como uma produção de longo prazo.

38A maioria das pesquisas científicas bem-sucedidas resulta numa mudança do primeiro tipo, e sua
natureza é bem capturada por uma imagem habitual: a ciência normal é aquilo que produz os tijolos
que a pesquisa científica está sempre adicionando ao crescente acervo de conhecimento científico.
Essa concepção cumulativa do desenvolvimento científico é familiar, e guiou a elaboração de uma
considerável literatura metodológica. Tanto ela quanto seus subprodutos metodológicos aplicam-se a
uma grande quantidade de trabalhos científicos significativos.
59

É possível afirmar, pois, que dentro do modelo kuhniano existe, conforme


verbaliza Mendonça, um binômio indissociável entre paradigma e ciência normal.39
Amplia essa compreensão o trecho da obra A estrutura das revoluções científicas
(2007, p. 29).40
Embora as noções de ciência normal e paradigma estejam relacionadas, a
primeira, dadas as referidas citações, tem a árdua e copiosa tarefa de registrar o
inevitável progresso da ciência a cada novo paradigma, visto ser a forma de registrar
o desenvolvimento da ciência poupando questionamentos diante de problemas já
solucionados; quanto à segunda (a noção de paradigma), sua estrutura vai além de
uma simples teoria como cálculo interpretado. Parafraseando Abrantes: é um
compartilhamento de modelos em uma atividade coletiva realizada pelos membros
de uma comunidade científica.
O paradigma registra autonomia e independência por ter em sua essência
uma definição certa e precisa, embora esteja o conceito sujeito a críticas. Ele, de
fato, ostenta uma base fundamental para a compreensão de ciência em Thomas
Kuhn. Mais do que isso, é fundamental para a existência do consenso, característica
marcante da prática científica, ao menos em determinados momentos. 41O resultado
não somente aponta que o paradigma não representa uma simples definição
primária sem conteúdo formal e material, aponta também para a importância de um
parâmetro destinado à especialização da ciência, que surge com o aperfeiçoamento
gestado durante o período de ciência normal, tendo em vista suas realizações.

39“ [...] na explanação kuhniana, a ciência normal forma um binômio indissociável com o paradigma.
A ciência entra em uma fase normal justamente quando é guiada sob a égide de um paradigma. Nas
palavras de Kuhn, “ciência normal” significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais
realizações científicas passadas [paradigmas] (MENDONÇA, André Luis de Oliveira. O legado de
Thomas Kuhn após cinquenta anos. In: Revista Scientiastudia, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 535-60,
2012, p. 537)”.
40 “[...] ciência normal, significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações
científicas passadas. Essas realizações são reconhecidas durante algum tempo por alguma
comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para a sua prática posterior
(KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson
Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 29).”
41 Como esclarece Mendonça: “Os paradigmas, ou exemplares, propiciam o advento de consenso –
visível nas revistas especializadas, bem como nos manuais de ensino – acerca dos fundamentos da
prática científica. Sob sua posse, cessam os debates de ordem metodológica (quais os meios
adequados de investigação), de ordem epistemológica (o que deve ser investigado e quais soluções
devem ser alcançadas) e de ordem ontológica (qual a natureza das entidades investigadas). Uma vez
que findas essas discussões basilares, os cientistas podem despender seu tempo em questões mais
específicas (MENDONÇA, André Luis de Oliveira. O legado de Thomas Kuhn após cinquenta anos.
In: Revista Scientiastudia, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 535-60, 2012, p. 538).”
60

A maturidade, que dá a um paradigma seu status, demonstra sua supremacia


em relação a seus eventuais concorrentes. Cientistas que se encontravam
pesquisando e disputando a eleição de um dentre os paradigmas concorrentes, ao
conseguirem a prevalência de determinado paradigma, fazem com que os demais
sejam descartados.
No período da ciência normal, o conhecimento acumulado, diretamente
relacionado com o paradigma em vigor, contribui decisivamente para com o
desenvolvimento da atividade científica. Esse resultado cognitivo alimenta o
arcabouço teórico, metodológico e técnico, por meio do qual os cientistas procuram
resolver os quebra-cabeças científicos.
Caso nesse período o paradigma não se mostre eficaz na solução de
problemas significativos (as anomalias), gera-se aquele momento em que a
confiança na eficácia do paradigma já não é mais consensual e, assim, veem-se
nascer os momentos de crise e, com eles, aquilo que Kuhn denomina de ciência
extraordinária.42
A ciência normal enfrenta, então, tal fenômeno problemático com o objetivo
de desenvolver, dentro da estrutura interna do paradigma, uma solução para ele.
Parafraseando Kuhn, constatando a iminência de uma crise, os cientistas
analisariam a questão no sentido de resolver a charada com os recursos disponíveis
e oriundos do paradigma, o que nem sempre evita os momentos de crise da fonte
criadora da solução das suas mãos, denominada ciência normal.
A acumulação de conhecimento no período da ciência normal ou a produção
de novos conhecimentos diante do imprevisto, isto é, das anomalias, está a serviço
da adequação entre o paradigma e sua finalidade dentro do contexto da comunidade
científica. Tal adequação requer que o imprevisto, o fenômeno anômalo, seja
convertido naquilo que é habitual e previsto. Como afirma Kuhn em A estrutura das
revoluções científicas (2007, p. 91),

42 Como destaca Ransanz, “Pois bem, dizíamos que quando uma anomalia – ou família de anomalias
– chega a provocar uma crise, se inicia a transição da ciência extraordinária. Neste período, os
acordos básicos se racham, as “regras do jogo” da ciência perdem força e sua aplicação se torna
cada vez menos estável. As tentativas de solução, na medida em que se mantêm as anomalias, se
tornam cada vez mais difíceis, ou seja, se dirigem ao questionamento e à modificação dos
componentes mais arraigados do paradigma (RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio
cientifico. México: Fondo de Cultura Económica, 1999, p. 75).”
61

Inicialmente experimentamos somente o que é habitual e previsto, mesmo


em circunstâncias nas quais mais tarde se observará uma anomalia.
Contudo, uma maior familiaridade dá origem à consciência de uma anomalia
ou permite relacionar o fato a algo que anteriormente não ocorreu conforme
o previsto. Essa consciência da anomalia inaugura um período no qual as
categorias conceituais são adaptadas até que o que inicialmente era
considerado anômalo se converta no previsto.

A anomalia, portanto, é algo estranho e desconhecido surgido no período de


ciência normal, na vigência do paradigma, causando uma crise e estimulando a
comunidade científica a superá-la, seja pelas tentativas de encontrar soluções a
partir do paradigma vigente, seja por meio da elaboração de um novo paradigma.
A anomalia sinaliza a existência de uma ruptura entre a natureza e o
paradigma, conforme ilustra Jacobina em seu artigo “O paradigma da epistemologia
histórica: a contribuição de Thomas Kuhn”.43
O cientista depara-se com algo novo e desconhecido, cuja solução não
parece passível de ser obtida pela aplicação do paradigma. A comunidade científica
vê-se diante de uma situação na qual a tarefa de resolver problemas ou solucionar
quebra-cabeças parece seriamente comprometida. Sabe-se que essa é uma marca
característica da ciência normal.44
É importante lembrar o modo como Kuhn apresenta essa característica
fundamental do jogo científico empreendido durante a ciência normal. Como afirma,
em A estrutura das revoluções científicas (2007, p. 59): “Quebra-cabeças indica, no
sentido corriqueiro em que empregado o termo, aquela categoria particular de
problemas que servem para testar nossa engenhosidade ou habilidade na resolução
de problemas”. E, como afirma Ostermann (1996, p. 187):

43 “Para compreender as descobertas, o autor utiliza o conceito de “anomalia”, que define como o
resultado experimental não assimilado pela teoria vigente, produzido inadvertidamente por um jogo
que se joga segundo as regras estabelecidas pela matriz “disciplinar”: A descoberta começa com a
consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou
as expectativas paradigmáticas que governam a ciência normal (JACOBINA, R. R. O paradigma da
epistemologia histórica: a contribuição de Thomas Kuhn. In: Revista História, Ciências, Saúde-
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 3, nov. 1999/fev. 2000, p. 09).”
44Como afirma Kuhn em A estrutura das revoluções científicas, “A existência dessa sólida rede de
compromissos ou adesões – conceituais, teóricas, metodológicas e instrumentais – é fonte principal
da metáfora que relaciona ciência normal à resolução de quebra-cabeças. Esses compromissos
proporcionam ao praticante de uma especialidade amadurecida regras que lhe revelam a natureza do
mundo e de sua ciência, permitindo-lhe assim concentrar-se com segurança nos problemas
esotéricos definidos por tais regras e pelos conhecimentos existentes (KUHN, Thomas S. A estrutura
das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva,
2007, p. 66)”.
62

Para ser considerado um quebra-cabeça, um problema deve não só possuir


uma solução assegurada, mas também obedecer a regras (ponto de vista
estabelecido; concepção prévia) que limitam tanto a natureza das soluções
aceitáveis como os passos necessários para obtê-las.

É de se considerar que quebra-cabeças são desafios advindos de problemas


postos aos membros de determinada comunidade científica com o objetivo de
colocá-los na busca de uma solução positiva no sentido de solucionar determinados
problemas no período de ciência normal.
A anomalia pode ser também compreendida como um problema estranho aos
problemas possíveis naquele momento e naquelas circunstâncias. Os quebra-
cabeças e o próprio paradigma não são capazes somente de compreender
semelhante tipo de anomalia, mas de dar uma resposta esclarecedora a respeito
dela.
A anomalia, entretanto, pode muitas vezes trazer uma situação característica
de uma descoberta científica, influenciando os novos rumos da ciência, como
esclarece Kuhn em A estrutura das revoluções científicas (2007, p. 78): “A
descoberta começa com a consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento
de que, de alguma maneira, a natureza violou as expectativas paradigmáticas que
governam a ciência normal”.
Em resumo, como afirma Jacobina (2000, p. 11), temos a seguinte situação:

Em síntese, quando cresce o número de anomalias não absorvidas pela


pesquisa normal, quando elas colocam em xeque as generalizações
fundamentais do paradigma ou quando inibem as aplicações práticas, a
ciência encontra-se numa fase de “crise paradigmática”. Com a persistência
da crise, o empreendimento científico vive um processo de transição, pois a
pesquisa não mais se ajusta a uma situação de ciência normal e sim de
pesquisa extraordinária (Kuhn, 1996, pp. 117-8)

A ciência extraordinária é marcada pelo desenvolvimento de novas teorias


explicativas, por vezes de novos métodos de investigação ou, ainda e
concomitantemente, por inovações técnicas e instrumentais. Segundo Kuhn, os
cientistas terão de optar por três caminhos, quais sejam: a ciência normal pode
solucionar o problema que acarretou a crise; o problema pode ser deixado para que
as novas gerações o solucionem; ou, pode surgir um candidato a paradigma.
63

Para decidir que via tomar, dimensiona-se o impacto causado ao paradigma


vigente. A ciência extraordinária pode representar todo aquele conhecimento,
totalmente desprezado pela comunidade científica, após a consagração de um
modelo. Produzidos no período da ciência normal, tais trabalhos são irrelevantes.
É um momento importante para chamar a atenção a respeito da distinção de
natureza entre o período de ciência extraordinária e aquele que antecede a
prevalência de um primeiro paradigma em uma determinada área de investigação.
Trata-se, portanto, de diferenciar o período pré-paradigmático e o período de ciência
extraordinária. No período pré-paradigmático, como nos adverte Kuhn, a situação é
bastante peculiar.45
Além de claro, o excerto revela ser importante para a compreensão do
pensamento kuhniano e esboça o registro da impugnação de um conhecimento em
busca de estabelecer um novo conhecimento a ser sedimentado em todas as suas
perspectivas dentro de um novo paradigma.
A criação de um novo paradigma exige mais do que ideias, exige um foco em
sua construção. Por essa razão a linguagem kuhniana exige do intérprete
tranquilidade e discernimento para sua efetiva compreensão, principalmente em
considerar sua forma modelar distinta de explicar como se dá o desenvolvimento da
ciência.
Diante das anomalias, exige-se inicialmente que a comunidade científica
procure superá-las a partir do paradigma aceito. Todavia, caso não aconteça essa
superação, o momento de crise que se segue é muitas vezes responsável pelo
surgimento das revoluções científicas.
É esse outro elemento fundamental no universo conceitual kuhniano. Um de
seus exemplos é justamente Copérnico.46 om o fracasso, a revolução científica

45 “O período pré-paradigmático, em particular, é regularmente marcado por debates frequentes e


profundos a respeito de métodos, problemas e padrões de solução legítimos – embora esses debates
sirvam mais para definir escolas do que para produzir um acordo. [...]. Além disso, debates dessa
natureza não desaparecem de uma vez por todas com o surgimento do paradigma (KUHN, Thomas
S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São
Paulo: Perspectiva, 2007, p. 72).”
46Em um dos momentos em que Kuhn trata disso, encontramos o seguinte: “Certamente o fracasso
da atividade técnica normal de resolução de quebra-cabeças não foi o único ingrediente da crise
astronômica com a qual Copérnico se confrontou. Um estudo amplo discutiria igualmente a pressão
que tornou particularmente o problema da precessão dos equinócios. A par disso, uma explicação
mais completa levaria em consideração a crítica medieval a Aristóteles, a ascensão do neoplatonismo
da Renascença, bem como outros elementos históricos significativos. Mas ainda assim o fracasso
técnico permaneceria como o cerne da crise. Numa ciência amadurecida – a astronomia alcançara
esse estágio na antiguidade – fatores externos como os acima citados possuem importância especial
64

representa o momento em que o paradigma, já em colapso, é atacado e se


desintegra, sendo substituído por outro representativo de uma nova teoria, como
afirmam Santos & Klassa (2012, p.599):

[...] uma revolução científica desarticula a atividade científica normal,


promovendo a aceitação de uma nova teoria (ou paradigma), incompatível
com a anteriormente estabelecida por não tratar de uma adaptação ou um
incremento a ela, e sim de uma completa reconstrução do conhecimento
posto.

O fenômeno aparece em meio ao trabalho desenvolvido durante a ciência


normal, com o surgimento das crises indicadoras da ineficiência do paradigma em
fornecer aos membros da comunidade científica os parâmetros necessários para
que desenvolva suas atividades de pesquisa.
É urgente, pois, uma nova matriz “disciplinar”. Como esclarece Thomas Kuhn
em A estrutura das revoluções científicas (2007, p. 110), “[...] a crise ao provocar
uma proliferação de versões do paradigma enfraquece as regras de resolução dos
quebra-cabeças da ciência normal, de tal modo que acaba permitindo a emergência
de um novo paradigma”.
Também, como explica Jacobina,47 em consonância com a maneira como
Kuhn vê a dinâmica científica, as revoluções científicas determinam uma nova visão
de mundo, um novo conjunto conceitual com o qual enxergamos a natureza.
É importante notar que o conceito de revolução científica decorre de um
aspecto fundamental no pensamento kuhniano. Com efeito, é o resultado do olhar
do historiador que precisa, para compreender os episódios com os quais trabalha,
inserir-se no contexto histórico em questão.48

na determinação do momento do fracasso do paradigma, da facilidade com que pode ser reconhecido
e da área onde, devido a uma concentração da atenção, ocorre pela primeira vez o fracasso (KUHN,
Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira.
São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 97).”
47 “Com a mesma liberdade, podemos utilizar conceitos políticos gramscianos para pensar a
revolução científica como superação do paradigma “tradicional” por um paradigma emergente que se
torna “hegemônico”. Essa hegemonia implica um deslocamento da rede conceitual, “uma nova forma
de ver o mundo” (JACOBINA, R. R. O paradigma da epistemologia histórica: a contribuição de
Thomas Kuhn. In: Revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 3, nov.
1999/fev. 2000, p. 12).”
48 Como afirma Kuhn: “O conceito de revolução científica originou-se da descoberta de que, para
compreender qualquer porção da ciência do passado, o historiador precisa, em primeiro lugar,
aprender a linguagem que tal passado estava escrito. Tentativas de tradução para uma linguagem
posterior seguramente falham, e o processo de aprendizagem de linguagem é, portanto, interpretativo
e hermenêutico. Uma vez que o sucesso na interpretação é em geral alcançado em grandes parcelas
65

Observando que os cientistas detectam que o paradigma até então vigente


não atende aos requisitos de uma comunidade científica, é possível inferir que o
surgimento de um novo paradigma parece possível.
Esse processo, destaque-se, conduz à revolução científica, traz mais do que
uma alteração na linguagem, mas uma alteração na natureza daquilo de que as
palavras tratam. Em suma, é possível definir como o registro de uma mudança
científica profunda, como ilustrado no trecho da obra O caminho desde a estrutura
de Thomas Kuhn.49Porquanto a crise represente um momento de discussão e
debate, em que os problemas enfrentados pelo paradigma anterior são discutidos
pela comunidade científica, a crise enfrentada é tratada de forma direta pelo novo
candidato a paradigma no sentido de que esse consiga transpor o problema gerador
da crise. Conforme afirma Ostermann (1996, p. 191),

Durante o período de transição, o antigo paradigma e o novo competem


pela preferência dos membros da comunidade científica, e os paradigmas
rivais apresentam diferentes concepções de mundo. Se novas teorias são
chamadas para resolver as anomalias presentes na relação entre uma
teoria existente e a natureza, então a nova teoria bem-sucedida deve
permitir predições diferentes daquelas derivadas de sua predecessora.

Tal encadeamento sucessório entre paradigmas é sinal do progresso da


ciência, o que é algo peculiar a ela, porém não tida, à luz do pensamento kuhniano,
como algo que se acumula eclodindo sempre em algo superior ao anterior.
Aliás, em uma leitura atenta na perspectiva kuhniana, tendo em vista o recorte
dado pelo autor no sentido de que existe uma ideia enganosa subjacente na ciência,

(“entrando no círculo hermenêutico”), a descoberta que o historiador faz do passado repetidamente


envolve o reconhecimento súbito de novos padrões ou gestalts (KUHN, Thomas S. A estrutura das
revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva,
2007, p. 75).”
49 “Em boa parte do aprendizado da linguagem, esses dois tipos de conhecimento – conhecimento
das palavras – conhecimento da natureza – são adquiridos em conjunto; na realidade, não são dois
tipos de conhecimento, mas duas faces da moeda única que uma linguagem fornece. / O
reaparecimento do caráter de dupla face da linguagem científica proporciona um final apropriado para
este artigo. Se estou certo, a característica principal das revoluções científicas é que elas alteram o
conhecimento da natureza intrínseco à própria linguagem, e que é, assim, anterior a qualquer coisa
que seja em absoluto caracterizável como descrição ou generalização científica ou cotidiana. Fazer
que o vazio ou um movimento linear infinito fossem parte da ciência exigiu relatos observacionais que
somente podiam ser formulados alterando-se a linguagem com a qual a natureza era descrita. Até
que essas mudanças ocorressem, a própria linguagem resistiu à invenção e à introdução das novas
teorias procuradas. Suponho que a mesma resistência por parte da linguagem seja a razão para a
mudança de Planck de “elemento” e “ressoador” para “quantum” e “oscilador”. A violação ou distorção
de uma linguagem científica anteriormente não problemática é a pedra de toque para a mudança
revolucionária (Idem, p. 44).”
66

no sentido de que por existirem manuais, comentários, artigos e demais obras no


universo da ciência, tudo isso estaria a registrar ou induzir a crença de que a ciência
seja produto de uma evolução somática, portanto, a sensação de uma constante
representa um ledo engano.
Isso se dá porque a ruptura, propiciada pelo advento da revolução científica,
evidencia o conceito linguístico de incomensurabilidade, o qual é responsável por
caracterizar as diferenças entre um paradigma e outro sucedâneo, diante de suas
distintas singularidades.50
O termo incomensurabilidade, em Thomas Kuhn, ganha proporções que
exigem melhores esclarecimentos, à proporção que reclama alguns pré-requisitos
para dissipar eventuais inconsistências.51
A incomensurabilidade em relação à concepção de paradigma em Kuhn não
impossibilita a comunicação entre as comunidades científicas, em que acontecem as
comparações e as equiparações. Um novo paradigma de Direito e de Justiça não
significa que a nova logicidade e os critérios não deixem de estabelecer plena
comunicabilidade com os cientistas das ciências jurídicas, nem com os destinatários
do ordenamento jurídico, pois a produção, o desenvolvimento e as conquistas não
podem ser simplesmente apagadas.

50 Conforme esclarece Kuhn: “Consequentemente, em períodos de revolução, quando a tradição


filosófica normal muda a percepção que o cientista tem de seu meio ambiente deve ser reeducada –
deve aprender a ver uma nova forma (gestalt) em algumas situações com as quais já está
familiarizado. Depois de fazê-lo, o mundo de suas pesquisas parecerá, aqui e ali, incomensurável
com o que habitava anteriormente (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas;
tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 148).”
51 Segundo Gutierre, “[...]Kuhn sugere que “qualquer coisa que possa ser dita numa linguagem pode,
com imaginação e esforço, ser entendida pelo falante de uma outra. O que é pré-requisito de tal
entendimento, contudo, não é a tradução, mas a aprendizagem da linguagem”. Desse modo, aquilo
que poderíamos chamar de “incomensurabilidade conceitual”, a face mais característica da noção
kuhniana de incomensurabilidade, não representa ameaça necessária para a comunicação ou para a
comparabilidade entre paradigmas como Kuhn fez questão de observar; incomensurabilidade não
significa incomunicabilidade ou incomparabilidade (GUTIERRE, Jezio Hernani Bomfim. O que há de
polêmico na ideia kuhniana de incomensurabilidade? In: Revista Principia, Brasil, v. 2, n. 1, jun.
1998, p. 24)”.
67

O desenvolvimento do Direito e da Justiça – com a implantação dos meios


tecnológicos da Inteligência Artificial em detrimento da inteligência humana em
alguns setores do sistema – mutabiliza, sem dúvida, a dinâmica de toda a estrutura
judiciária e influencia, consequentemente, as cientificidades do sistema desde sua
estrutura até sua concepção ideológica.
Kuhn, nesse aspecto, tem sua serventia metodológica cativa reservada para
explicar a dinâmica de como isso acontece no conclave revolucionário dos cientistas
das ciências jurídicas. Seu pensamento não chega com sua metodologização da
ciência a ser uma panaceia para o atendimento de todas as ciências, todavia, nos
limites exigidos na presente pesquisa, revelou-se suficientemente apto e compatível
com os propósitos.
No âmbito do sistema do Direito Processual, não há um sistema universal e
eterno, considerando que a cogência do sistema processual tem como objetivo
viabilizar uma prestação jurisdicional voltada para a satisfação dos Direitos e das
Garantias Fundamentais insculpidos na lei maior. É permitida a aplicação de um
modelo que realize esses ideais afins, mesmo não sendo realizada pela figura
operacional do Estado/Juiz, se em compatibilidade com os valores constitucionais.
68

3 O MOVIMENTO DE RUPTURA COMO PROGRESSO DA CIÊNCIA EM THOMAS


KUHN

3.1 A contribuição da ruptura da ciência no estabelecimento da nova ordem do


Direito e da Justiça para o enfrentamento de uma nova Era

Thomas Kuhn representa um marco entre o antes e o depois na


epistemologia, tal como Sócrates com relação aos pré-socráticos e os filósofos que o
sucederam. O registro que se faz a Thomas Kuhn é necessário, visto que a filosofia
da ciência é tomada como uma construção metódica de ruptura, distinta das demais
atividades culturais, uma forma superior de conhecimento tendo a ciência como
responsável pelo conhecer e explicar o funcionamento do mundo.
Kuhn, em semelhante contexto, posiciona-se de forma ímpar, pois toma todas
as metodologias até então anteriores ao seu trabalho como equivocadas, como
esclarece Ransanz.52A insatisfação e o questionamento de Kuhn colocam-no não
somente a questionar seus pares, mas fazem-no apresentar uma nova forma de
abordar o desenvolvimento da ciência.

52 “Kuhn afirma que, em geral, os filósofos das ciências não têm prestado suficiente atenção aos
problemas e exemplos concretos com que se encontra o estudante tanto nos livros de texto como no
laboratório, pois parecem considerar estes exemplos e estes problemas como um permissivo a
praticar o que já sabe; quer dizer, supõem que o estudante não pode resolver problemas, a menos
que primeiro tenha apreendido a teoria com algumas regras para aplicá-las (regras de interpretação
que conectam nos termos teóricos com as observações, no estilo das chamadas “regras de
correspondência”). Isto demonstra que para uma quantidade significativa de filósofos “as regras, os
problemas são oferecidos somente para ganhar facilidade em sua aplicação” (apud. p. 187; p. 287).
Kuhn não aceita esta forma de situar o conteúdo do conhecimento da ciência – que restringe a
compreensão do sistema de enunciados -, pois se dá conta de que somente quando o estudante
resolve os problemas modelo, tanto teóricos como experimentais, é quando realmente aprende o
significado das leis e dos conceitos básicos de sua disciplina; e somente por essa via que aprende a
ver e a manipular a natureza a partir de certa perspectiva teórica. Poder-se-ia dizer que a prática da
resolução de problemas ensina como processar a informação sensorial à luz de um modelo teórico
determinado (RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fondo de Cultura
Económica, 1999, p. 38).”
69

Para esse pensador, a ciência é um fenômeno histórico no qual a


compreensão de fases e etapas inseridas na estrutura das ciências representa um
elemento fundamental para sua compreensão, já que a verdade não mais se
subjuga à mera correspondência, mas ao status de convenção forjada dentro da
comunidade de cientistas. Tal realidade é possível de se extrair da história do Direito
Processual e sua acirrada discussão a respeito do conceito de condição de ação,
como evidencia Baptista da Silva no cenário histórico processual.53A discussão
científica registra sem dúvida as fases e as etapas da evolução do sistema
processual. Tal percepção sobre a forma de administrar o acesso ao judiciário em
busca de ter do Estado uma resposta jurisdicional exige uma compreensão
detalhada da dinâmica, para isso é salutar o diálogo entre as ciências em expansão.
Entre as vertentes epistemológicas, são identificáveis três correntes
predominantes: a epistemologia especulativa, a epistemologia normativa e a
epistemologia histórico-interpretativa, legado sintetizado nas palavras de Jacobina,
senão vejamos:
O discurso especulativo remonta aos gregos e já se faz presente desde as
primeiras inquietações dos pré-socráticos, como Heráclito, Parmênides e Demócrito
permanecendo entre os sofistas em sua precursora preocupação com a linguagem e
a verdade e encontrando eco nos pensamentos de Sócrates, Platão e
principalmente Aristóteles, nas discussões sobre o alcance do conhecimento e sobre
as formas de combater os erros equívocos (Chauí, 1994). [...] Do renascimento até a
época moderna, essa vertente inicial constitui-se numa “teoria do conhecimento” e
postula a verdadeira natureza do conhecimento que temos da realidade externa.
Dessa vertente destacam-se, de um lado, a “dúvida metódica” de Descartes e, de
outro, as contribuições de Bacon e Locke, que inauguram uma forte tradição anglo-

53 “Conquanto o jurista pretenda superar a doutrina de Liebman, transpondo as dificuldades que ela
apresenta, é visível a influência do mestre italiano sobre o processualista paulista, particularmente
quando ele – buscando, como Liebman, a unidade do conceito de ação – pressupõe uma nova
dualidade: o direito à administração da justiça, que seria, como querem os discípulos de Liebman,
expressão de um direito constitucional de petição, ainda que não jurisdicional; e o verdadeiro direito
de ação, que apenas corresponderá aos que lograrem demonstrar que lhes é devida a prestação
jurisdicional, demonstrando que o direito material lhes outorga a pretensão que reclamam, uma vez
que, segundo o Prof. Botelho de Mesquita, a “ocorrência da hipótese à qual o direito material liga os
efeitos pretendidos pelo autor contra o Estado” é uma condição da ação (SILVA, Ovídio A. Baptista;
GOMES, Fábio Luiz Gomes. Teoria Geral do Processo Civil. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011, p. 68).”
70

saxônica sobre a teoria do conhecimento.54Essa base epistemológica orientou a


contemporaneidade, salientando a exigência da descoberta científica e sua
justificação, que representa um leque maior diante da responsabilidade de avaliar as
teorias, as descobertas e reconhecer as normas a serem utilizadas pelos cientistas.
Os problemas gerados pelas epistemologias advindas do indutivismo, do
empirismo e do falsionismo exigiam uma nova proposta filosófica, em decorrência do
vácuo gerado por esses modelos em sua tentativa de explicar o desenvolvimento
das ciências, o que fez com que surgisse uma terceira vertente no campo da
epistemologia denominada histórico-interpretativa.
Para isso, essa nova vertente agregou em seu arcabouço epistemológico a
sociologia do conhecimento e a psicologia da descoberta, além das histórias das
ciências, campo em que Thomas Kuhn, aproveitando principalmente os trabalhos de
Fleck e tendo como epicentro as concepções de comunidade científica e
incomensurabilidade, desenvolveu um dos trabalhos mais questionados no século
passado, o ensaio A estrutura das revoluções científicas.
A partir das novas concepções, desenvolveu conceitos próprios, a descrição
do modus operandi do desenvolvimento científico no qual o fator de sucessão de
períodos ligados à tradição e pontuados por rupturas não cumulativas, segundo a
visão de Kuhn, demarcaram não somente um novo modelo de explicação do
desenvolvimento da ciência mas também deu a esse modelo a identidade de uma
nova epistemologia do conhecimento científico. A ciência do Direito, nas lições de
Siqueira Castro, imprime esse retrato.55

54 E continua Jacobina apresentando destaque para a epistemologia normativa: “A epistemologia


normativa evita qualquer discurso especulativo por ter o objetivo principal de determinar as
prescrições sobre como os cientistas devem praticar a ciência. Dessa segunda corrente destaca o
verificacionismo e o falsionismo popperiano (Epstein, 1990). Na primeira corrente, tem-se inicialmente
o trabalho do chamado Círculo de Viena (1925-36), que pretendeu transformar a filosofia em ciência,
reduzindo suas proposições e enunciados verificáveis (Morin, s. d., p.18). Essa era também a
ambição dos empiristas lógicos anglo-saxônicos, que buscaram fundar a certeza do pensamento no
“positivismo lógico”; coube a Popper (1975; s. d), no entanto, demonstrar que a verificação não
bastava para assegurar a verdade de uma teoria científica, uma vez que, além de outras razões, as
teorias verificadas sucediam-se sem que nenhuma pudesse jamais adquirir infalibilidade. Popper
rechaça a indução como prova lógica, mas sustenta a ideia da lógica dedutiva como valor da prova
(JACOBINA, R. R. O paradigma da epistemologia histórica: a contribuição de Thomas Kuhn. In:
Revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 3, nov. 1999/fev. 2000, p.
03).”
55 “Exige-se, em suma, nessa perspectiva integrada das relações entre Direito, Estado e sociedade, a
convicção, por certo indispensável à visão crítica dos juristas de nosso tempo, de que o conjunto de
normas e princípios constitucionais irradia efeitos não apenas reguladores mas também
transformadores das realidades sociais e politicas, além de pautas de comportamento dirigidas não
só para o funcionamento da instituição estatal, mas para a generalidade da dinâmica social nos
71

A epistemologia proposta por Thomas Kuhn é adequada para explicar o


desenvolvimento da ciência do Direito, entretanto exige pesquisa atenta e cautelosa.
Um dos elementos fundamentais da epistemologia kuhniana reclama novamente
alguns esclarecimentos. Trata-se do conceito de revolução científica, ao qual
devemos retornar, uma vez que ele tem um papel central quando se trata de
compreender o lugar da ruptura no progresso científico. Segundo Cohen, (2002, p.
23),

A expressão “revolução científica” ou “revolução na ciência” não expressa


esse sentido de continuidade e permanência; antes, se refere a uma
solução e continuidade, a instauração de uma nova ordem que rompe seus
vínculos com o passado, um claro divisor de águas entre o velho e
conhecido e o novo e o diferente.

Assim, o termo revolucionário está para certificar um episódio de mudança na


ciência diante de seu próprio desenvolvimento, o que força inevitavelmente o
rompimento do passado com o presente.
Na orla da ciência do Direito em que está inserido o Processo Civil, a
Constituição Federal representa o Juiz de Paz nos aspectos formal e material de
forma intensa e marcante no processo de ruptura, como iluminam as lições de
Baptista da Silva (2011, p. 41):

O relacionamento do direito processual como direito constitucional é, por


assim dizer, o mais intenso e marcante. Já por constituir fonte do direito
processual civil, no direito constitucional encontram-se os princípios
fundamentais do processo, como o da isonomia (art. 5º. Da CF), além de
outros.

Deve-se observar que não se questiona se o cientista tinha essa


compreensão ou não, pois é condição natural. Dentro do contexto histórico da
ciência, existe uma ruptura e o estabelecimento de uma nova ordem de conceitos e
de teorias, que convidam determinada comunidade científica a refletir a respeito de
suas ações.

infindáveis aspectos das relações humanas. Por isso mesmo, a extração em máxima potência da
força normativa da Constituição, não apenas por seus interpretes e aplicadores oficiais, mas
sobretudo por parte de todo o conjunto da cidadania, é que pode impulsionar a transformação em
realidade de muitas das idealizações constitucionais. Tem-se aí o fenômeno que os doutrinadores
alemães designam de eficácia indireta da Constituição (CASTRO, Carlos Roberto De Siqueira. O
devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova constituição do Brasil. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2010, p. 64).”
72

Isso indica a existência de algo novo que possibilita a solução de problemas a


partir de um novo paradigma, o qual modifica sensivelmente a forma pela qual os
cientistas percebem o mundo, permitindo o progresso da ciência. Tal mudança de
perspectiva estabelece uma nova visão de mundo, como esclarece Kuhn em A
estrutura das revoluções científicas.56
O rompimento com o velho e o convívio com o novo, parafraseando Cohen,
estaria a serviço do desenvolvimento do conhecimento especializado, do sistema
educacional de transmissão do conhecimento e das diversas instâncias relacionadas
à produção, à difusão e à aplicação do conhecimento científico.
É importante notar que o advento da revolução científica indica ainda que o
processo mais amplo no qual a ciência se desenvolve não pode ser tomado como
cumulativo. Essa nova visão de mundo, da qual se falou algumas vezes, determina
uma reconstrução do campo científico em diversos níveis.57
Essa característica, presente no período revolucionário, revela a troca de
conhecimentos bem como alterações epistemológicas significativas e, com isso,
firma a existência de um progresso positivo da ciência no estágio revolucionário a
partir da alteração das bases teóricas, metodológicas e de aplicabilidade do
conhecimento à luz de um novo paradigma. Lévy,58 em citação de fôlego, trata da

56 “Esse tipo de afirmação repete-se no período posterior às revoluções científicas, pois, se em geral
disfarça uma alteração da visão científica ou alguma outra transformação mental que tenha o mesmo
efeito, não podemos esperar um testemunho direto sobre essa alteração. Devemos antes buscar
provas indiretas e comportamentais de que um cientista com um novo paradigma vê de maneira
diferente do que via anteriormente (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas;
tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 152).”
57 Como nos mostra Ostermann: “Uma revolução científica, na qual pode surgir uma nova tradição de
ciência normal, está longe de ser um processo cumulativo obtido através de uma articulação do velho
paradigma. É antes uma reconstrução da área de estudos a partir de novos princípios, que altera
algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus
métodos e aplicações (OSTERMANN, Fernanda. A Epistemologia de Kuhn. Caderno Catarinense de
Ensino de Física, Brasil, v.13, n. 3, dez. 1996, p. 191)”.
58 “Finalmente, Bruno Latour [64, 65, 66, 67] e a nova escola de antropologia das ciências mostraram
o papel essencial das circunstâncias e das interações sociais em todos os processos intelectuais, até
mesmo, ou sobretudo, quando se trata de pensamento formal ou científico. Nenhuma essência,
nenhuma substância é aceita por Latour, que mostra através da investigação histórica ou etnográfica
como as instituições mais respeitáveis, os fatos científicos mais “concretos” ou os objetos técnicos
mais funcionais foram, na realidade, resultado provisório de associações contigentes e heterogêneas.
Por trás de qualquer entidade relativamente estável, ele traz à tona a rede egonística impura,
heterogênea, que mantém a existência desta entidade. Como os rizomas de Deleuze e Guattari, as
redes de Latour ou de Callon [15] não respeitam as distinções estabelecidas entre as coisas e
pessoas, sujeitos pensantes e objetos pensados, inerte e vivo. Tudo que for capaz de produzir uma
diferença em uma rede será considerado como um ator, e todo ator definirá a si mesmo pela
diferença que ele produz. Esta concepção do ator nos leva, em particular, a pensar de forma simétrica
os homens e os dispositivos técnicos. As máquinas são feitas por homens, elas contribuem para
formar e estruturar o funcionamento das sociedades e as aptidões das pessoas, elas muitas vezes
73

relação entre a espécie humana, as tecnologias produzidas por estes e as ciências


especializadas.Mais do que isso, ao inaugurar uma nova visão de mundo e
determinando o distanciamento entre duas matrizes disciplinares distintas, o
processo acima descrito nos reconduz à incomensurabilidade.59As novas bases
teóricas, metodológicas e epistemológicas, embora não sejam enfrentadas neste
momento de forma exaustiva, servem para apontar a produção positiva do período
revolucionário, à medida que os novos conceitos exigem do cientista uma
reformulação de seu léxico científico.
Isso faz com que o desenvolvimento científico, tendo em vista a ocorrência
das revoluções científicas, não possam ser tomadas mais como algo absolutamente
contínuo, mas com saltos e rupturas significativas.
É importante notar que as mudanças ocasionadas pelas revoluções científicas
e a geração de novos paradigmas são processos regidos por valores, não
necessariamente por regras de correspondência. Tais valores devem ser
consensuais, isto é, devem ser aceitos pelas comunidades científicas em questão.
Como destaca Kropf (1999, p. 8),

Nessa perspectiva, Kuhn afirma que as razões que levam os cientistas a


aderir a um novo paradigma funcionam como valores e não como regras
objetivas de escolha. Tais valores podem ser aplicados em situações
concretas de diversas maneiras pelos indivíduos, mas sempre a partir do
sistema aceito pela comunidade.

efetuam um trabalho que poderia ser feito por pessoas como você ou eu. Os dispositivos técnicos
são, portanto, realmente atores por completo em uma coletividade que já não podemos dizer
puramente humana, mas cuja fronteira esta em permanente redefinição (LÉVY, Pierre. As
tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu
da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 138).”
59 Como registra um excerto da obra de Ransanz: “[...] a incomensurabilidade representa a arma mais
efetiva contra a ideia de progresso cumulativo, visto que é o indicador mais claro de rupturas e
descompasso na evolução de uma disciplina. As revoluções científicas sempre têm algum aspecto
destrutivo, e as teorias sucessoras, apesar de serem amplamente melhores que as substituídas, com
frequência não podem produzir todos os resultados explicativos destas. [...] como a
incomensurabilidade implica uma troca de significado nos conceitos básicos da teoria sucessiva,
teremos que observar a ideia comum de que as teorias posteriores incluem as anteriores. Dessa
relação de substituição ou redução interteórica o desenvolvimento científico perde o lugar central na
explicação do desenvolvimento científico. [...] a evolução de teorias alternativas se volta a uma
questão muito mais complicada, já que o fenômeno da troca conceitual impede de reconstruí-la como
uma simples comparação, enunciado por enunciado, entre as consequências das teorias rivais
(RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fondo de Cultura Económica,
1999, p. 72).”
74

Isso faz do período revolucionário – além de um momento de transição –


também um hiato rico na constatação da existência do desenvolvimento científico
diante da alternância dos valores cultivados pela comunidade científica, visto que o
conflito travado nesse período faz com que ela fomente novos conhecimentos
teóricos e práticos, o que conduz os cientistas, após o período revolucionário, a
mundos diferentes, exigindo um real aprendizado do significado das leis e dos
conceitos científicos cultivados em cada período.
O evento crítico que antecede o período revolucionário impõe à comunidade
científica a necessidade de renovar a estrutura teórica de conhecimento. A crise,
ainda que determine consequências negativas para o paradigma derrotado, conduz
ao restabelecimento de uma discussão aberta aos membros da comunidade em
busca de uma alternativa adequada para estabelecer as novas condições.
Tudo isso mostra ainda a importância vital do paradigma: sem ele uma dada
comunidade científica não tem como conduzir sua atividade de resolução de
problemas. Sua importância é tão central que os pesquisadores jamais devem
abandonar um paradigma sem que tenham uma boa matriz disciplinar alternativa. 60
Esse fenômeno torna-se constatável à proporção que se evidencia que os
cientistas estão reunidos em determinada comunidade com o propósito de validar
objetivamente os resultados extraídos de pesquisas e, com isso, produzem um
consenso racional entre seus pares.
Caso a estrutura do conhecimento apresente dificuldades em responder aos
problemas, ela começa a apresentar trincas suscetíveis de serem adjetivadas de
ineficientes e ineficazes, o que sinaliza a debilitação cognitiva dos elementos
estruturantes do paradigma acenando para uma possível revolução.
O que, ao mesmo tempo, leva à necessidade de produção investigativa dos
membros da comunidade científica no sentido de programar uma nova e promissora
condição, seja na moldura do mesmo paradigma, seja pelo desfecho revolucionário.

60Como afirma Ransanz, “Com a crise começa a ’ciência extraordinária’, isto é, a atividade de propor
estruturas teóricas alternativas que implicam um questionamento ou uma modificação dos conceitos
aceitos até então. Nestes períodos em que, segundo Kuhn, “os cientistas têm condições para
questionar tudo”, proliferam as propostas alternativas, proliferação que cumpre um papel decisivo no
desenvolvimento das disciplinas, visto que os cientistas não abandonaram o paradigma ao menos
que exista um paradigma alternativo que lhes permita resolver as anomalias (RANSANZ, Ana Rosa
Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fondo de Cultura Económica, 1999, p. 31).”
75

A revolução, portanto, mais do que um momento, registra um ataque à


estrutura vigente do conhecimento da ciência, cujo progresso busca atender a uma
nova base cognitiva na qual o progresso da ciência procura estar disponível para
uma nova realidade, para a qual se exige uma nova estrutura de conhecimento.
A revolução não encontra receptividade em um comportamento anárquico da
ciência, ao contrário, como um processo natural para reconstruí-la sobre os
auspícios de uma nova ordem. Como ilustra Ransanz (1999, p. 76),

[...] as crises enfraquecem os modelos, mas ao mesmo tempo geram dados


necessários para reconstruir o campo de investigação a partir de novas
suposições. Como os cientistas nesta situação “tem à disposição para
questionar o todo”, proliferam as tentativas de articulação de estruturas
teóricas alternativas até que uma delas se destaque como candidata rival do
enfoque anterior. Entretanto, é necessário insistir que nem todas as crises
levam a um surgimento de um candidato rival.

A crise e a consequente revolução da ciência, quando deflagradas, são


passos importantes para o progresso científico. No caso da perspectiva kuhniana, a
relevância desse progresso está no fato de que a ciência se desenvolve buscando, a
cada nova etapa, dar à comunidade científica um melhor aparato para a resolução
de problemas. Assim, embora a ciência normal seja marcada por um processo
cumulativo, a dinâmica da ciência em seu sentido mais amplo não o é.61
Além disso, como salientado acima, as revoluções determinam uma mudança
na visão de mundo. Uma das questões centrais na interpretação da filosofia da
ciência de Kuhn consiste em compreender esse tipo de mudança, ou seja, qual sua
natureza e implicações.62

61 Como destaca Ransanz, “Convém esclarecer que Kuhn de nenhuma maneira nega a ideia de
progresso da ciência; o que não compartilha com a tradição é a interpretação do progresso como uma
aproximação da descrição verdadeira do mundo. Sua abordagem seria, na verdade, o inverso da
concepção tradicional; a julgar pelas surpreendentes realizações alcançadas pela ciência, ao que
parece que não é necessário (e sequer seria conveniente) que o desenvolvimento científico seja
cumulativo (RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fondo de Cultura
Económica, 1999, p. 72).”
62 Tal aspecto aparece claramente na seguinte passagem de Gutierre: “[...] a revolução científica é
como uma avalanche, ela movimenta camadas inteiras do léxico para diferentes lugares onde logo
adquirem sua enganadora naturalidade e aparente estabilidade pregressas [...]. O problema delicado
aqui é o da identificação da natureza dessa avalanche, seria ela meramente epistemológica (1e, uma
característica de nossa linguagem sobre o mundo) ou seria também ontológica (1e, uma
característica da estrutura da realidade). É esta tensão subjacente à posição kuhniana que I Hacking
também procura incorporar naquilo que chama de ‘problema do novo mundo’ o problema de como
concatenar duas classes de enunciados aparentemente incongruentes na obra de Kuhn, tais como
(a) ‘O mundo não muda com a mudança de paradigmas’, e (b) ‘Após uma revolução científica, o
cientista trabalha num mundo diferente’ (GUTIERRE, Jezio Hernani Bomfim. O que há de polêmico na
76

A movimentação que o período revolucionário demarca e ao mesmo tempo


registra é respondido por Gutierrez de forma satisfatória no sentido de que, após a
revolução científica, o pesquisador trabalha num mundo diferente, mas em um
sentido preciso: o cientista, tendo em vista sua nova matriz disciplinar, a trabalhar
com outro mundo, o qual é revelado justamente por essa nova matriz.63
As crenças de um novo mundo à luz de uma nova estrutura de conhecimento
– balizada em um novo paradigma e o mundo diferente – demonstram o progresso
como “elemento congênito” da ciência no período revolucionário, na medida em que
surgem, com finalidades precípuas, novas ferramentas decorrentes desse contexto.
Por outro lado, a proposição de novos paradigmas e a ocorrência de
revoluções científicas implicam, por vezes, impactos sociais relevantes, o que
mostra ter o conhecimento científico, para dentro e além das fronteiras das
comunidades científicas, consequências não apenas para a visão de mundo dos
cientistas, mas também para os leigos.64
Além dos aspectos sociais envolvidos com o progresso da ciência, a inovação
gerada pela nova estrutura de conhecimento impulsiona aquela a seu progresso,
não apenas na área específica na qual houve uma mudança de paradigma, mas
também em outras. Por isso, ainda se revela oportuno pontuar como o progresso
pode refletir em outras ciências, conforme destaca Cohen (2002, p. 33):

ideia kuhniana de incomensurabilidade? In: Revista Principia, Brasil, v. 2, n. 1, p. 21-35, jun. 1998, p.
28).”
63 “Kuhn logra preservar postulados essenciais de sua visão da prática e racionalidades científicas.
Por um lado, não se abandona a tese de que “o cientista trabalha num mundo diferente após a
mudança de paradigma” o mundo conceptualizado efetivamente sofre transformações após uma
revolução. Mas o mesmo mundo pode ser considerado de modo diferente, não enquanto um objeto
de nosso conhecimento, mas como identidade independente do nosso discurso. Esta perspectiva
permite dizer que não há mudança do mundo após a troca de matrizes disciplinares. É tal versão do
mundo não é neutra em relação ao campo epistemológico, como seria de se esperar caso
acatássemos a frequente caricatura da noção de mundo noumenal kantiano ainda que não de forma
direta, a interação com esta dimensão do mundo define parte significativa de nossos processos
cognitivos (GUTIERRE, Jezio Hernani Bomfim. O que há de polêmico na ideia kuhniana de
incomensurabilidade? In: Revista Principia, Brasil, v. 2, n. 1, p. 21-35, jun. 1998, p. 32).”
64 Como ilustrado por Cohen, “Contudo, certas ideias científicas revolucionárias têm despertado
grande oposição porque parecem atentar contra as crenças que sustentam a ordem social. A origem
das espécies, de Darwin (1859), despertou grande hostilidade entre os leigos e inclusive em alguns
cientistas por motivos essencialmente alheios à ciência [...] Pois, se produzia uma grande perturbação
por conta das implicações religiosas da evolução darwiniana, que questionava o relato da criação
segundo as páginas de Genesis. Muitos sentiam verdadeira angústia ante a dramática afirmação de
que o homem tinha antepassados comuns com o macaco e não ocupa essa posição especial na
natureza que afirmavam todas as filosofias e religiões desde o princípio da história escrita (COHEN, I.
Bernard. Revolución em las ciências; tradução Daniel Zadunaisky. Barcelona: Gedisa, 2002, p. 29).”
77

Uma inovação revolucionária imprescindível em uma área pode ser o meio


de efetuar uma descoberta revolucionária em outra. Dado que os avanços
revolucionários em uma ciência podem depender do que se produzam as
revoluções em outras disciplinas, a impossibilidade de predizê-las aumenta
rapidamente, de forma exponencial. Exemplo disso é o auge da biologia
molecular, com o descobrimento da estrutura do ADN, que exigiu o emprego
da cristalografia do raio X, uma técnica desenvolvida pela física.

É salutar tomar de empréstimo as lições do pensamento bungeano, embora,


na obra referendada, o referido pensador da filosofia da ciência não tenha se valido
da proposta kuhniana de forma explícita. O que Bunge esclarece é justamente que
as ciências se encontram interconectadas e têm relações importantes umas com as
outras. E desse pensamento já os antigos pensadores da ciência do Direito
compartilhavam.
Assim, compreende-se melhor em que medida os impactos em uma área são,
por vezes, sentidos em outros setores da ciência.65
Esse processo geral de desenvolvimento do trabalho da pesquisa, no qual as
revoluções científicas têm um papel central, indica, assim, o caráter dinâmico da
ciência. Para tal conclusão, o contexto histórico é fundamental. Como mostra Cohen,
a ciência moderna é marcada por momentos de ruptura, a partir dos quais diversos
elementos são modificados. Conforme afirma o referido autor (2002, p. 53):

O importante, a partir do ponto de vista histórico, é que durante os quatro


últimos séculos, desde o surgimento da ciência moderna, os cientistas e os
observadores têm chamado revoluções a certos sucessos. Isto inclui trocas
de conceitos fundamentais, modificações radicais nas normas aceitas e
habituais de explicação, postulados ou axiomas novos, novas formas
aceitáveis de conhecimento e novas teorias que abarquem alguns ou todos
estes traços e outros mais.

65 Como afirma Bunge, “A ciência deve, pois, ser considerada um sistema conceitual composto de
subsistemas, que são as ciências especiais e as interdisciplinas, tais como: a Biofísica e a
Psicobiologia. Consequentemente, o estado em que se encontra cada ciência especial depende do
estado das outras ciências, em particular a Matemática e ciências correlatas. Por exemplo, a
Psicologia não pode avançar enquanto a Neurofisiologia não se desenvolveu. Esta, por sua vez,
precisou do desenvolvimento da Neurofísica e da Neuroquímica, que dependem tanto da Física e da
Química quanto da Biologia celular e molecular. A interdependência das ciências particulares se
reflete na sua evolução: cada uma delas coevolui com as demais. A ciência pode ser, assim,
comparada à biosfera: ambas são sistemas extremamente complexos, e o estado e a evolução de
cada um de seus componentes dependem do estado e da evolução de todos os outros. O leitor
poderá imaginar a consequência da sistematização da Ciência para toda política de desenvolvimento
científico (BUNGE, Mario. Ciências e desenvolvimento; tradução Cláudia Régis Junqueira. São
Paulo: Itatiaia, 1989, p. 42).”
78

Contudo, é essa mesma História que produz situações nas quais o esquema
interpretativo de Kuhn não se adapta completamente. A biologia produz alguns
desses casos.66
As afirmações no excerto da obra de Mayr trazem, à tona as dificuldades de
um encaixe perfeito do modo como Thomas Kuhn compreende e busca explicitar o
desenvolvimento da ciência e o fenômeno do desenvolvimento no plano real.
Essa constatação coloca a questão de saber se toda mudança que se dá nas
ciências pode ser reconhecida por intermédio do modelo teórico kuhniano, ou seja,
se o processo revolucionário seria a etapa responsável pelo desenvolvimento da
ciência, e se a revolução científica, sendo episódio inevitável e sempre recorrente,
segundo a perspectiva kuhniana, seria indispensável ao desenvolvimento da ciência.
Na citação de Mayr, é possível notar que, embora a teoria darwiniana deva
ser tomada como um exemplo de revolução científica, ela não se encaixa nos
moldes teóricos kuhnianos. Essa seria, certamente, uma das dificuldades do modelo
proposto por Kuhn.
O alerta de Mayr coloca-nos diante das dificuldades de interpretação histórica
desse modelo, isto é, de como seus conceitos podem, sem maiores dificuldades,
aplicar-se a qualquer contexto da História da Ciência.
Assim, observa-se que no campo da epistemologia o que se busca em
verdade é saber o que se faz, por quê e como se faz ciência. Certamente a proposta
kuhniana fornece algumas ferramentas para semelhante tarefa, entretanto, com elas,
também há consideráveis dificuldades. Os problemas oriundos da aplicação do
modelo kuhniano não diminuem sua estatura nem, como já se disse, sua importância
para a explicação do desenvolvimento científico.

66 Como afirma Mayr: “Quando Lamarck propôs em 1808 a primeira teoria de genuína evolução
gradual, obteve poucas conversões; não iniciou uma evolução científica. Além disso, aqueles que o
seguiram como evolucionista como Étienne Geoffroy e Robert Chambers divergiam amplamente, em
muitos aspectos, de Lamarck e um do outro. Ele com certeza não ocasionou a substituição de um
paradigma novo. Ninguém pode negar que a Origem das espécies (1859), de Darwin, produziu uma
revolução científica genuína. De fato, ela é frequentemente chamada de a mais importante de todas
as revoluções científicas. Apesar disso, não se enquadra nas especificações de Kuhn para uma
revolução científica. A análise da revolução darwiniana enfrenta consideráveis dificuldades porque o
paradigma de Darwin na realidade consistia em todo um pacote de teorias, cinco das quais são da
maior importância (MAYR, Ernst. Biologia, Ciência Única; tradução Marcelo Leite. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009, p. 176).”
79

A questão controvertida gerada é saber se isso representa um problema para


a explicação, em sentido amplo, do desenvolvimento da ciência e se a teoria
kuhniana capta esse progresso em toda sua extensão. É preciso reconhecer que o
desenvolvimento da ciência merece ser concebido como um progresso, mesmo
diante da ruptura marcada pelos saltos registrados nos períodos de revolução
científica.
Ainda que envolvida com as dificuldades de interpretação histórica, é preciso
aquilatar que a abordagem kuhniana contempla o contexto histórico e dele faz uso,
sem o que, conforme podemos extrair de Fleck (2012, p. 25), a epistemologia seria
vazia:

Os conceitos científicos atuais, resultado de uma história específica, estão


longe de ser a única possibilidade lógica para ordenar e compreender os
fenômenos naturais. Portanto, não se pode compreender a ciência sem
considerar sua história: “toda teoria do conhecimento que não pratica a
análise história comparativa é um jogo de palavras vazias, uma
epistemologia imaginária” (Fleck, 2008: 44).

Talvez seja exatamente essa perspectiva histórica que permite a Kuhn


defender-se da acusação de relativismo e afirmar sua crença no progresso científico.
Somente a história não é suficiente. Para tanto, é preciso operar ainda com outra
dimensão, na qual as noções de comunidade científica e de linguagem científica
desempenham um papel de destaque.67

67 Podemos perceber isso claramente na seguinte passagem de Kuhn: “Os defensores de teorias
diferentes são como membros de comunidades de cultura e linguagens diferentes. Reconhecer esse
paralelismo sugere, em certo sentido, que ambos os grupos podem estar certos. Essa posição é
relativista, quando aplicada à cultura e seu desenvolvimento. Mas, quando aplicada à ciência, ela
pode não sê-lo e, de qualquer modo, está longe de um simples relativismo, num aspecto que meus
críticos não foram capazes de perceber. [...] As teorias científicas mais recentes são melhores que as
mais antigas, no que toca à resolução de quebra-cabeças nos contextos frequentemente diferentes
aos quais são aplicadas. Essa não é uma posição relativista e revela em que sentido sou um crente
convicto do progresso científico”. E arremata Thomas Kuhn (2007, p. 256): “Não tenho dúvidas, por
exemplo, de que a mecânica de Newton aperfeiçoou a de Aristóteles e de que a mecânica de Einstein
aperfeiçoou a de Newton enquanto instrumento para a resolução de quebra-cabeças. Mas não
percebo, nessa sucessão, uma direção coerente de desenvolvimento ontológico (KUHN, Thomas S.
A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo:
Perspectiva, 2007, p. 254).”
80

O momento revolucionário em Thomas Kuhn demonstra conceitualmente e


com a clareza necessária a relação de comparabilidade entre teorias e o progresso
da ciência. Assim, o caráter dinâmico e progressivo da ciência é evidente, na medida
em que Thomas Kuhn defende em sua teoria o desenvolvimento a partir das
alterações paradigmáticas e da mutabilidade ocasionada por elas.
É evidente, portanto, que entre as rupturas revolucionárias há uma sinergia de
novos conhecimentos. Mais do que isso, a ruptura dentro da teoria da filosofia da
ciência em Kuhn retrata telescopicamente também um momento do progresso da
ciência em que se faz presente o surgimento de uma nova ciência do ponto de vista
epistemológico e ontológico.
Essa ontologia ocorre no sentido de um re-start, um novo começo a partir de
um novo paradigma, o qual traz consigo o estabelecimento de uma nova ordem
divorciada do modelo anterior, na ciência do Direito, com o re-start se deixando
evidenciar, à medida que o epicentro da Justiça passa para uma nova forma de
tecnologia em inteligência.
Garante, assim, a manutenção de uma Justiça que se firma a partir dos
valores maiores conquistados e consolidados à luz dos preceitos constitucionais que
irrigam o sistema processual civil como instrumento de aplicação do Direito
substancial, e que não podem deixar de evoluir dentro de uma sistemática
compatível com as mudanças dos novos tempos como ciência especializada que é,
em uma nova dinâmica.68
O conceito de Direito passa, ou para alguns, deixa, que as regras de Direito
sejam reconstruídas a partir de critérios de interpretação, em um contexto de
conflito ideológico hermenêutico.

68 Para Lévy: “Consideramos o caso dos sistemas especialistas, que podem ser considerados como
bancos de dados muito avançados, capazes de tirar conclusões pertinentes das informações de que
dispõem. Os sistemas especialistas não são basicamente feitos para conservar o saber do
especialista, mas sim para evoluir incessantemente a partir dos núcleos de conhecimento que este
trouxe. Não se fabrica um novo programa a cada vez que uma nova regra é atualizada. Pelo
contrário, as linguagens declarativas permitem que o sistema seja enriquecido ou modificado sem que
seja necessário começar tudo de novo. Dizendo de outra forma, a não ser em casos especiais, os
estados anteriores do conhecimento não são armazenados. Este apenas existe no sistema em seu
estado mais recente. As possibilidades materiais de armazenamento nunca foram tão grandes, mas
não é a preocupação com o estoque ou a conservação que impulsiona a informatização (LÉVY,
Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução
Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 116).”
81

Passa a regras valoradas em seu ato gestacional, em que a Justiça


representa equação decorrente do cruzamento da ação objetiva do Direito (regra),
consideradas já avaliadas objetivamente (tida como completa ou em
complementação), a partir de seus núcleos. Em decorrência do ritmo frenético com
que o mundo e a espécie humana, veem-se imersos.
Essa posição seria a mais radical e por isso ainda não totalmente
desenvolvida, dados os limites da pesquisa, bem como considerando os estágios
atuais de desenvolvimento das ciências cognitivas. Por outro lado, conforme ilustra
Lévy (2011, p. 118-119),

Se pensarmos com instrumentos intelectuais ligados à impressão,


compartilhando os valores e o imaginário de uma civilização da escrita, nos
encontramos na posição de avaliar as formas de conhecimento inéditas que
mal acabaram de emergir de uma ecologia cognitiva em vias de formação. É
grande a tentação de condenar ou ignorar aquilo que nos é estranho. É
mesmo possível que não nos apercebamos da existência de novos estilos
de saber, simplesmente porque eles não correspondem aos critérios e
definições que nos constituíram e que herdamos da tradição. Da mesma
forma, é tentador identificar certos procedimentos contemporâneos de
comunicação e tratamento, bastante grosseiros, como o conjunto das
tecnologias intelectuais ligadas aos computadores, confundindo assim ao
devir da cultura informatizada com seus balbucios iniciais.

Todavia, há um consenso natural na comunidade dos cientistas do Direito


como um todo, e dos processualistas dessa ciência da iminência de uma nova Era,
que essa exige técnicas compatíveis com o atendimento da volumosa demanda por
Direito e Justiça.69
Sendo assim, é possível que de alguma forma o Direito e a Justiça sejam
transportados com segurança e maior velocidade em caráter de armazenamento,
gestão e aplicação, por uma tecnologia em inteligência, em ruptura com a que
anteriormente a precedeu.

69 Explica Garapon: “Esta cosmogonia do espaço judiciário é uma figuração da ordem jurídica. O que
encarna o espaço judiciário é a prevalência da ordem sobre a transgressão, a sujeição do individual
ao social e o primado do Direito sobre a força, tanta vez evocado nos frontões dos nossos palácios da
justiça. A ordem assim representada prefigura a ordem jurídica, mesmo até o seu princípio. Substitui
a coerência duvidosa e incógnita do mundo pela coerência da sua linguagem actuante. A linguagem
jurídica depura a realidade de todas as suas contradições para reordenar segundo categorias simples
e operacionais que determinarão outros tantos regimes jurídicos, isto é, outros tantos lugares
atribuídos e comportamentos obrigatórios (GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ritual
judiciário. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 47).”
82

4 AS RELAÇÕES DINÂMICAS DA EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA EM THOMAS


KUHN, SUA LÓGICA E SEUS CRITÉRIOS PARA O DESENVOLVIMENTO
CIENTÍFICO

4.1 As propriedades dinâmicas da ciência a partir de Thomas Kuhn e sua


contribuição para a explicação do desenvolvimento paradigmático do Direito e da
Justiça

A correlação das propriedades dinâmicas da ciência na perspectiva kuhniana


guarda relações com a forma de compreender e explicar o mundo científico, tendo
em vista a relação existente entre os aspectos epistemológicos e históricos. Kuhn
entende a Ciência como um conjunto de fases ou etapas distintas, as quais
conferem ao desenvolvimento científico características peculiares do seu dinamismo
paradigmático.
Seu pensamento teórico não se afasta do objetivo maior da Ciência, que é o
de dar à humanidade uma compreensão de como é o mundo e como funciona, e de
como podemos conhecê-lo a partir da forma como se apresenta.
As fases propostas em sua teoria dialogam entre si de forma interdependente
de tal maneira que a Ciência, dentro de sua perspectiva, faz-se diferente, a partir de
então, não somente pela forma como se dava a narrativa de seu desenvolvimento
como também por sua distinta estrutura conceitual.
Suas definições e seus respectivos alcances são responsáveis por definir um
léxico próprio a serviço da forma como pensa o desenvolvimento da Ciência,
projetando conceitualmente toda a extensão de sua filosofia, para a compreensão do
seu próprio desenvolvimento histórico. Segundo Ransanz (1999, p.29):

Em uma visão de conjunto deste modelo, o que primeiro se destaca é a


seguinte suposição básica: as diversas disciplinas científicas se
desenvolvem de acordo com um padrão geral. Isto é, como o próprio Kuhn
afirma em ERC, seu modelo busca descrever “a estrutura essencial da
contínua evolução da ciência”. Esta estrutura se reflete em uma série de
fases ou etapas pelas quais atravessa toda a disciplina científica ao longo
de seu desenvolvimento.
83

É sob esse aspecto que a visão kuhniana de captar como o fenômeno da


Ciência se dá, ou seja, como sua estrutura funciona não o afasta da necessidade de
aproximar-se da concepção de sistema, como forma de garantir a organicidade e a
coesão funcional desse corpo magno cognitivo.
Parafraseando Bunge, um sistema representa um complexo de componentes
interligados entre si, os quais detêm propriedades independentes harmonizadas em
uma interdependência, podendo ser conceitual ou material.
Kuhn rompe com outras correntes e faz de suas ideias um pensamento
singular, gerando, a partir dele, um sistema modelar distinto na forma de
compreender como o fenômeno dinâmico da ciência acontece, elegendo como
componente central desse modelo a concepção de paradigma, que abriga um
conjunto de soluções exemplares dos problemas que se apresentam.70
Tal forma de abordagem garantiu a Thomas Kuhn o reconhecimento e muitas
críticas pela forma peculiar como encarou o desenvolvimento da Ciência, na medida
em que se tornou impossível, segundo sua óptica, evitar a inalterabilidade e com ela
os efeitos das transformações inesperadas nos períodos revolucionários, que geram
a alternância de paradigma.
Nos períodos revolucionários, o cientista, parafraseando Bezerra em seu
artigo intitulado “Valores e incomensurabilidade: meditações kuhnianas em chave
estruturalista e laudaniana” (2012, p. 464), passa a conviver com distinta teoria,
métodos e padrões de forma inerente e articulada diante da ruptura entre os
paradigmas. Semelhante alteração de percepção/significação é imanente às
propriedades metodológicas desse autor e são detalhadas no estudo de Abrantes.71

70 Como afirma Abrantes: “Por ‘exemplares’ Kuhn entende um conjunto de problemas e de soluções
padrão, que materializam o consenso da comunidade científica, guiando sua prática num período de
ciência normal e que são ‘transmitidos’ pelos manuais durante a formação dos cientistas. Espera-se
que, por modelagem, o cientista, em seu trabalho científico normal, consiga resolver novos
problemas, pautando-se pelas soluções já estudadas anteriormente para problemas similares
(ABRANTES, Paulo. Kuhn e a noção de ‘exemplar’. In: Revista Principia. Santa Catarina, v. 2, n. 1,
p. 61-102, 1998. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/principi/p21-5.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013,
p. 63).”
71 “A questão do significado das representações mentais vincula-se ao clássico tema da
intencionalidade como propriedade do ’mental’. Várias contribuições desta coletânea abordam esse
problema. Há cada vez mais defensores da tese de que o funcionalismo que toma por objeto
exclusivamente o nível ’mental’ de processamento simbólico – fazendo abstração de uma particular
implementação física (material, biológica) desse processamento – não constitui uma visão correta da
natureza da cognição, sendo incapaz de responder a objeções como a de J. Searle. A relação entre o
‘mental’ e o ‘cerebral’ não seria análoga à relação entre software e hardware em máquinas digitais
como as de arquitetura von Neumann. Tais críticos do funcionalismo defendem que parte, senão
todas, das funções cognitivas humanas pressupõem um ‘instanciamento’ em arquiteturas capazes de
84

A produção de conhecimento representa um fator a ser considerado não


somente pela forma de explicar, mas efetivamente pela constatação proposta por
sua teoria ao detectar como a Ciência é construída, teórica e praticamente, por uma
dada comunidade científica dentro de determinado contexto histórico. Ela mostra
como um corpo modelar de problemas e soluções fixados por seus paradigmas
conduz o trabalho de pesquisa. Como esclarece Almeida (1998, p. 124):

Quando adentramos com maior rigor na dinâmica da produção do


conhecimento científico, ou na formação de uma comunidade científica,
torna-se mais claro o fato de que a pretensa “longa tradição científica” é
uma invenção dos tempos modernos, nos quais a concepção de ciência
está calcada. Segundo Kuhn, esta forma de apresentação da produção
científica se assemelha à teologia. Ela se impõe pela autoridade
referendada nos manuais científicos e nas obras filosóficas moldadas
nestes, nos textos de divulgação e nas práticas científicas, e, juntos, formam
um corpo articulado de problemas dados e teorias – os paradigmas – que
registram o resultado estável das revoluções passadas, como se estas
fossem as bases de uma tradição corrente na ciência normal.

A dinâmica pela qual Kuhn enxerga a ciência tem no paradigma um modelo


estrutural fundamental, visto que é em torno dele que as demais relações parecem
ter sentido, notadamente as atividades às quais os membros de uma comunidade
científica se dedicam.
É em semelhante contexto que os cientistas ativamente debatem, propõem,
esclarecem, rejeitam ou aprovam determinada teoria, que visa explicar um conjunto
de fenômenos, segundo suas peculiares lógicas. 72Como vimos, os paradigmas são

um processamento de tipo paralelo e distribuído. A neurofisiologia fornece-nos evidências de que o


cérebro humano possui uma ‘arquitetura’ desse tipo (ABRANTES, Paulo (Org). Epistemologia e
cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 13).”
72 Como bem as explica Barbosa de Oliveira: “Para explicar a natureza dessa diferença, é necessário
introduzir um novo elemento em nossas considerações. Trata-se de um tópico de grande importância,
que envolve as relações entre o estudo dos conceitos e a Lógica. Vamos, para começar, estabelecer
algumas proposições sobre o estatuto da Lógica. / De um ponto de vista teórico, deve-se reconhecer
a existência de três disciplinas que merecem o nome de “Lógica”. Há em primeiro lugar a “Lógica
Normativa”, cujo objetivo é “prescrever” como “devemos” pensar, como devemos fazer inferências.
Em seguida vem a “Lógica Descritiva”, a qual descreve a maneira como de fato pensamos. O estudo
dos processos de pensamento está incluído no da cognição, assim a Lógica Descritiva é parte da
Psicologia Cognitiva (e, portanto, também da Psicologia tout court), e, de um outro ponto de vista, da
Ciência Cognitiva. A existência da Lógica Descritiva é postulada apenas com finalidades teóricas: não
estamos sugerindo que deveria haver departamentos de Lógica Descritiva, ou coisa alguma desse
tipo, e nada de essencial depende da ocorrência da palavra “Lógica” no nome “Lógica Descritiva”.
Existe finalmente a Lógica Formal, que estuda os aspectos formais de certas classes de sistemas
simbólicos. A Matemática também pode ser praticada desta maneira, e quando este é o caso, não há
diferença essencial entre as duas disciplinas. A Lógica Formal não tem, portanto, uma relação
particular com o pensamento humano, como são os casos da Lógica Normativa e da Lógica
Descritiva.” E complementa o mesmo autor em trecho contínuo (1994, 43): “Desde a fundação por
85

substituídos uns pelos outros, quando um deles não é capaz de fornecer soluções
exemplares. A passagem de um paradigma para outro, conforme já afirmado várias
vezes, conduz a uma nova visão de mundo.
Um novo paradigma tem como missão explicar como se dá essa transição do
mundo ao campo teórico da Ciência respondendo aos novos problemas, o que, em
suma, caracteriza também uma das facetas dinâmicas da Ciência em Thomas Kuhn.
A Ciência, portanto, é portadora de uma verdade do mundo com suas mais
diversas formas. Embora seja moderno esse jeito científico de fazer a leitura do
mundo, Kuhn o faz a partir do paradigma, como ilustra Tossato.73
Apesar de a incomensurabilidade chamar a atenção como uma proposta de
dinâmica científica mais acentuada, a substituição de uma ordem anterior por uma
nova é precisamente o que indica o dinamismo da Ciência presente na proposta
kuhniana.
Dessa maneira, o modelo estabelecido tem como objetivo compreender o
dinamismo da própria Ciência, no qual a noção de resolução de problemas não é
apenas fundamental, mas intrinsecamente relacionada com a noção de paradigma. 74

Aristóteles até a segunda metade do século passado, a Lógica foi entendida fundamentalmente como
Lógica Normativa. A proposição de que a Lógica é uma disciplina normativa foi enfaticamente
defendida por Frege, como parte de sua crítica ao psicologismo. O antipsicologismo de Frege teve um
impacto enorme não só sobre a Lógica, mas sobre toda a tradição filosófica anglo-saxônica, e veio a
se tornar a posição ortodoxa nestes domínios. O tópico das relações entre Lógica e o pensamento
passou a ser simplesmente ignorado, concentrando-se o foco de interesse nas questões formais. A
ascensão do behaviorismo na Psicologia também contribuiu para a mesma consequência, qual seja,
para a criação de um abismo entre a Lógica e o estudo do pensamento humano, e foi apenas com o
surgimento da Ciência Cognitiva que a separação começou a diminuir. Durante todo o século XX,
portanto, a Lógica foi fundamentalmente Lógica Formal; na medida, entretanto, em que alguma
relação é admitida pelos lógicos entre os seus estudos e o pensamento humano, a tendência
continua sendo a de ver a Lógica como uma disciplina normativa (OLIVEIRA apud ABRANTES, Paulo
(Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 42).”
73 “Tendo um paradigma, uma ciência pode, então, passar para o período denominado ’ciência
normal’, no qual os cientistas têm um guia, um modelo, para conduzir os seus trabalhos. Contudo,
para Kuhn, a história da ciência mostra que os paradigmas são substituídos por outros quando, nas
atividades controladas pela ciência normal, surgem anomalias, as quais, com o tempo e a ausência
de resolução, levam os cientistas a abandonarem as suas atividades controladas pelo paradigma
aceito e voltarem-se para propostas distintas, isto é, para outro paradigma, distinto do até então
vigente. Esse período de anomalias e crises conduz à revolução, isto é, à substituição de um
paradigma antigo por um novo, repetindo-se o processo. Mas o que mais chama a atenção nessa
proposta de dinâmica científica é a ideia de incomensurabilidade dos paradigmas (TOSSATO,
Claudemir Roque. Incomensurabilidade, comparabilidade e objetividade. In: Revista Scientiastudia,
São Paulo, v. 10, n. 3, 2012, p. 492).”
74Como destaca Abrantes: “Em comparação com essa abordagem, a originalidade de Kuhn foi a de
enfocar a atividade científica como uma atividade de resoluções de problemas, baseada em
procedimentos de modelagem a partir de um estoque ’paradigmático’ de problemas-padrão. Teorias,
enquanto representações linguísticas, não mais sintetizam o conhecimento compartilhado de uma
comunidade, mas sim um conjunto de problemas resolvidos (exemplars) (ABRANTES, Paulo. Kuhn e
86

A proposição de soluções exemplares – constituídas em procedimentos de


modelagem armazenados em paradigmas como forma de atender à determinada
comunidade científica na solução de seus problemas– representou um rompimento
com as demais epistemologias até então vigentes, promovendo uma nova estrutura
de tratamento ao conhecimento científico.
O enfrentamento do mundo por intermédio do paradigma exige do cientista,
além de buscar explicar o fenômeno enigmático existente, a instrumentalização de
uma estratégia capaz de dar-lhe condições para tanto. Todavia, isso ocorre dentro
de um contexto histórico e em uma comunidade científica na qual as subjetividades
são objetivadas a partir das relações intersubjetivas.
Essa teoria retrata o paradigma como a estrutura modelar para o
enfrentamento dos problemas científicos daquela comunidade em determinado
período. A questão merece atenção, para os cientistas, em certo sentido, não
avançarem além dos limites colocados por aquele paradigma, tanto em termos
teóricos, metodológicos, conceituais quanto técnicos. A situação poderá ser
modificada completamente diante das crises e superada por meio das revoluções
científicas.
Dessa maneira, não somente a espécie humana mas o espaço e o tempo em
que a Ciência é praticada em toda a sua dinâmica devem ser compreendidos como
momentos históricos em cujo contexto a comunidade científica está inserida. Por
isso, indicamos essa delimitação. Tal atitude demanda, nos termos de Lacey, a
adoção de estratégias materiais (2008, p. 47):

[...] a ciência tem por objetivo entender o mundo da forma como ele é – o
mundo material – independente de suas relações com os seres humanos;
as estratégias materialistas (e somente elas) forneceriam categorias
apropriadas para esse objetivo. Uma grande resposta pode ser extraída de
Kuhn: não é a natureza do “mundo material”, mas o momento
historicamente contingente de nossas práticas de pesquisa que demanda a
adoção de estratégias materialistas.

a noção de ‘exemplar’. In: Revista Principia. Santa Catarina, v. 2, n. 1, 1998, p. 85. Disponível em:
<http://www.cfh.ufsc.br/principi/p21-5.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013).”
87

Na perspectiva, a dinâmica da Ciência não é somente presente em


decorrência da presença do paradigma, mas ganha destaque à proporção que exige
combinações diversas das relações conceituais e materiais de sua teoria com seus
elementos fundantes, em que o epicentro é o paradigma, operando como um pano
de fundo na compreensão do mundo.
Tal noção de estratégia ajuda-nos a compreender não somente como opera o
modelo mencionado mas também em que sentido a adoção de um paradigma
determina um olhar diferente sobre o mundo, em que sentido dois paradigmas
podem ser incompatíveis.75 Por outro lado, quando da limitação desse paradigma
para responder aos problemas de determinada comunidade científica, o
reconhecimento de sua limitação é sensivelmente detectado pela própria
comunidade, a qual é conduzida a reconhecer a necessidade de incorporar outra
teoria capaz de atender às novas necessidades vigentes, momento em que o
modelo é substituído por um que contenha em sua estrutura uma nova base de
conhecimento.
Todo esse processo do antes, do durante e da passagem entre o paradigma e
outro registra inegavelmente um desenvolvimento dinâmico da Ciência, inclusive
abrindo espaço para o tratamento do contexto da descoberta, como ilustra Abrantes
(1998, p. 86-87).

75 Como afirma Lacey, ao referir-se a Thomas Kuhn: “Segundo ele, entendemos o mundo em relação
a um pano de fundo fornecido pelos paradigmas, que são essencialmente históricos e definem as
estratégias de restrição e seleção da pesquisa, até mesmo o léxico das categorias que podem ser
empregadas nas representações teóricas e nas descrições empíricas (Kuhn, 1970). [...] paradigmas
diferentes possuem léxicos diferentes. Sobrevém, então, a tese de Kuhn: teorias formuladas dentro
de paradigmas diferentes são incomensuráveis; não podem ser inconsistentes, pois lhes faltam
categorias comuns, mesmo no nível dos dados empíricos. Mas as teorias formuladas dentro de
paradigmas sucessivos são incompatíveis porque as estratégias de restrição e seleção desses
paradigmas são incompatíveis – não se podem perseguir simultaneamente estratégias incompatíveis
no mesmo contexto (Lacey, 1999b, cap 7); tentar fazer isso é como tentar jogar futebol e rugby no
mesmo campo ao mesmo tempo (Taylor, 1982). Teorias construídas por intermédio de diferentes
estratégias são incompatíveis porque as suas respectivas estratégias também são incompatíveis. A
incomensurabilidade decorre de práticas incompatíveis (Lacey, 1999b). / Nesse contexto, a questão
da escolha de teorias torna-se ainda mais complicada, porque não podemos separá-la da questão da
escolha de paradigmas e das estratégias de restrição e seleção a eles associadas (LACEY, Hugh.
Valores e atividades científicas 1. São Paulo: Ed. 34, 2008, p. 34).”
88

Vimos que Kuhn rejeitou a reconstrução “sintática” de teorias propostas


pelos empiristas lógicos. Kuhn foi, portanto, um dos primeiros a perceber as
limitações da visão sentencial e a propor, com a sua noção restrita de
paradigma, um novo tratamento para o tema da estrutura do conhecimento
científico (ou, se preferirmos, da representação do conhecimento científico).
Deste modo, abriu novas perspectivas para uma análise de diversos
aspectos do chamado “contexto de descoberta” e da dinâmica do
conhecimento científico.

O paradigma como um conjunto de valores estabelecidos e aceitos pelos


membros da comunidade científica leva em conta uma estratégia que possa garantir
o sucesso teórico. Em outras palavras, uma teoria somente atenderá às
necessidades no que se refere às resoluções dos problemas apresentados, à
medida que a estratégia corresponder positivamente aos objetivos em jogo. Como
afirma Lacey (2008, p. 71):

Portanto, uma estratégia é digna de adoção somente se demonstrar ser


fecunda – ser de fato, e continuar a ser, uma fonte de teorias que venham
ser corretamente aceitas em relação a certos domínios de fenômenos. Uma
estratégia fecunda, adotada, em primeira instância, em decorrência de um
avanço exemplar, capacita a investigação de ter lugar em um campo
relevante; e, para Kuhn, enquanto a estratégia permanecer fecunda, a
pesquisa deve ser conduzida exclusivamente de acordo com ela. Dentro da
tradição científica, ele afirma, a fecundidade é suficiente, bem como
necessária, para adoção de uma estratégia.

A exigência de fecundidade garante a estabilidade do paradigma. Caso nele


surja instabilidade, isso representa o sinal de que a estratégia adotada perdeu sua
fecundidade e, portanto, poderá ou deverá ser substituída.
Na verdade, à proporção que as crenças, as práticas científicas e as
estruturas investigativas da Ciência acabam sofrendo uma natural mutação, esse
comportamento da Ciência demonstra que nada está definitivamente acabado e que
as teorias estão em constante mudança, como esclarece Ransanz (1999, p.34-35).76

76As teorias concebidas como meros sistemas dedutivos de enunciados – considerados ademais
como produtos terminados e à margem das condições que as possibilitam e compelem – não
poderiam servir como unidades adequadas em um enfoque em que se consegue explicar como
evoluem as crenças e as práticas científicas, levando em conta que as balizas de investigação
também mudam. É aqui que Kuhn introduziu os paradigmas como unidades de análise da ciência.
89

A moldura estabelecida por Kuhn por certo teve como razão a preocupação
do autor no desenvolvimento da Ciência, no contexto do entendimento, na
compreensão, na explicação da Ciência em suas mudanças, na medida em que as
verdades estabelecidas com o passar do tempo deixavam de comportar-se como
algo absolutamente definitivo.
Tais mudanças fazem com que o cientista reaprenda a enxergar o mundo,
não porque ele é outro, mas porque a ruptura entre a ordem em vigor e a nova
ordem é um sinal de que a estrutura do conhecimento vigente não mais atende às
necessidades da comunidade científica.
A dinâmica do desenvolvimento exige uma mudança de paradigma e, com
ela, uma modificação do modo como o cientista vê o mundo. Como nos lembra
Andrade.77
O paradigma como unidade portadora de uma nova base teórica de
conhecimentos tem em sua natureza a inclinação pelo desenvolvimento científico,
inclusive a própria Ciência normal, cujo objetivo é explorar o paradigma em todos os
seus limites, promovendo uma melhor explicação da natureza por meio de soluções
exemplares. Mais do que isso, permite a especialização, outra marca característica
da Ciência normal. Mendonça (2012, p. 539) lembra-nos de que:

A ciência descrita por Kuhn como sendo normal é sinônimo de pesquisa


especializada. Segundo Kuhn, a especialização é a condição para o
progresso científico em que o paradigma restringe drasticamente os fatos a
serem levados em conta por uma dada comunidade científica que se vê
balizada pela retícula do paradigma, permitindo, desse modo, que se possa
aprofundar o conhecimento a seu respeito. Isso se dá por intermédio do
consenso estabelecido pelo próprio paradigma ao condicionar os membros
da comunidade científica, permitindo, desse modo, que se possa aprofundar
o conhecimento a seu respeito.

77 “ [...] o resultado do trabalho criador é o progresso. [...] Nenhuma escola criadora reconhece uma
categoria de trabalho que, de um lado é um êxito criador, mas que, de outro, não é uma adição às
realizações coletivas do grupo (KUHN, 1991). O sublinhado é meu e nele vejo uma chave para a
questão. Se o ressuscitado volta após uma ruptura na ciência normal que ele praticava, tal cientista
terá de colocar as lentes inversoras de que fala Kuhn, isto é, terá de reaprender a ver o mundo que já
não será o mesmo de que outrora se apartara. Ele terá de se reintegrar ao grupo, que deixou de ser
aquele com o qual, no passado, comungou e cujos integrantes, agora, “veem coisas novas e
diferentes quando, empregando instrumentos familiares, olham para os mesmos pontos examinados
anteriormente”, Em suma, ele precisará ser convertido – esta é a analogia que Kuhn julga pertinente
(ANDRADE, Napoleão Laureano de. Concepções de progresso científico em Conant e Kuhn. In:
Caderno Catarinense de Ensino de Física. Brasil, v. 17, n. 1, abr. 2000, p. 71).”
90

Essa forma como Kuhn engendra a compreensão do desenvolvimento da


Ciência ao reconhecer a importância da especialização como um indicador certo da
realização dinâmica da Ciência não afasta a possibilidade do colapso do paradigma
e sua substituição. Pelo contrário, é tal especialização que permite as duas coisas.
Tais mudanças, ocasionadas pelo processo de especialização, estão, por sua
vez, relacionadas com um aspecto explorado em outros momentos, a saber, a ideia
de que o conhecimento científico progride por acumulação. Como já foi dito, apenas
a Ciência normal poderia ser tomada como um processo cumulativo, mas não o
desenvolvimento da ciência em seu sentido mais abrangente.
Assim, ao indicar que o desenvolvimento da Ciência não é cumulativo, Kuhn
mostra-nos que o princípio do qual partiu foi justamente o de progresso científico por
evolução e não por acumulação, desse modo, da Ciência como um processo
dinâmico singular.78Os últimos aspectos discutidos mostram que o modelo
explicativo de Kuhn aponta para dois sentidos de desenvolvimento da ciência– o da
verticalização e horizontalização realizadas dentro do próprio paradigma –
garantindo assim um modo diferente de compreender a Ciência, um modelo até
então desconhecido.
Para o autor de A estrutura das revoluções científicas, tal estilo
epistemológico estaria a registrar indispensavelmente o marco regulatório do
progresso da Ciência bem como uma alternativa de interpretação de sua história.
Para tanto, como já afirmado, os conceitos cunhados por Kuhn são decisivos,
principalmente os de paradigma, resolução de problemas e comunidade científica.
No mais, a crítica suportada durante muito tempo, a qual lhe atribui uma
atitude irracional, precisou ser revisitada, no sentido de explicar melhor que a
incomensurabilidade não representa literalmente a impossibilidade de comparação
entre as teorias substituídas a cada revolução paradigmática.79

78 Conforme esclarece Mendonça: “Como a maioria dos filósofos e historiadores de seu tempo, Kuhn
partia do princípio de que o progresso – apesar de não ser, no seu caso, necessariamente cumulativo
– é uma diferença específica da ciência face a outras formas de conhecimento. Tanto que suas
reconstruções são, grosso modo, sempre uma tentativa de exibir como a ciência progride, seja no
sentido normal de acumulação, seja no sentido revolucionário de ruptura. (Só esse fato já torna
patente que ele não almejou minar a autoridade cultural exercida pela ciência, como alguns
imaginam.) O consenso seria justamente o que assegura a possibilidade de crescimento do
conhecimento científico (MENDONÇA, André Luis de Oliveira. O legado de Thomas Kuhn após
cinquenta anos. In: Revista Scientiastudia, São Paulo, v. 10, n. 3, 2012, p. 539).”
79 Como esclarece Tossato: “[...] pois ‘magnitudes incomensuráveis podem ser comparadas até
qualquer grau de aproximação requerido’ (Kuhn, 2003a, p. 50), e aplica essa possibilidade a teorias
distintas, pois a incomensurabilidade não implica incomparabilidade, ‘a maioria dos termos comuns a
91

Thomas Kuhn superou os pensadores anteriores e os de sua época como


investigador do caráter histórico da mudança da Ciência. Também se destacou de
forma ímpar, à proporção que o desenvolvimento da Ciência, em decorrência das
mudanças teóricas encapsuladas pelos paradigmas, legitima-se ao enredar-se de
coerência científica diante de toda sua dinâmica material, conceitual, semântica e da
aplicação.
As mudanças científicas confirmam o metabolismo responsável pelo aumento
da capacidade explicativa da ciência, uma vez que novos paradigmas permitem
resolver problemas anteriormente não resolvidos.
A dificuldade na combinação das fases, ou melhor, nas etapas presentes na
proposta kuhniana sobre o desenvolvimento e o progresso na Ciência é algo comum
e força um entendimento mais aprofundado.
É manifesta, contudo, a concepção dinâmica sobre esse desenvolvimento
tanto no período revolucionário quanto naquele de Ciência normal. A esse respeito,
encontramos em Videira (2007, p.170) uma boa compreensão de como o progresso
científico se faz presente nos dois momentos:

Advogamos aqui a tese de que uma das ideias seminais de Kuhn, a saber,
a incomensurabilidade entre as teorias, não implica uma concepção
irracional da ciência. Ao contrário, ela é imprescindível para que a ciência
possa evoluir de forma tão surpreendente. A rigor, o progresso científico só
ocorre – da maneira que ele se dá desde o advento da ciência moderna –
porque existe o fenômeno da fragmentação. Embora Kuhn tenha apontado
na direção certa, precisamos livrar-nos de algumas inconsistências e
incongruências de seus argumentos – a começar pela “redefinição” do
escopo de atuação da incomensurabilidade, na medida em que ele exprime
mal a ideia correta de “falta de unidade” do conhecimento. Outrossim,
desenvolvemos o argumento de que o paradigma é um conceito
fundamental para compreender o progresso da ciência, desde que se
resgate o seu sentido originário em detrimento da acepção corrente nos
últimos trabalhos do próprio Kuhn. Em suma, o nosso objetivo consiste em
mostrar que o progresso científico ocorre segundo duas direções principais:
por um lado, o progresso como aprofundamento do conhecimento é
assegurado pelo paradigma que, por sua vez, engendra uma pesquisa
especializada; por outro, o progresso como ampliação do conhecimento é
gerado pela incomensurabilidade, responsável pela proliferação de novas
especialidades.

duas teorias funciona da mesma maneira em ambas; seus significados, quaisquer que sejam, são
preservados, sua tradução é simplesmente homofônica’ (2003a. p. 50). Para Kuhn, a admissão da
incomensurabilidade é mais modesta do que pensam os seus críticos. E essa visão modesta
determina a incomensurabilidade local, que trata somente da questão da incomensurabilidade entre
as linguagens das teorias. Apesar de não existir uma tradução termo a termo, existem termos que
mantêm sua significação em uma teoria e outra, de maneira a permitir algum grau de comparação
(TOSSATO, Claudemir Roque. Incomensurabilidade, comparabilidade e objetividade. In: Revista
Scientiastudia, São Paulo, v. 10, n. 3, 2012, p.497).”
92

Cabe enfatizar que a incomensurabilidade, resultado do confronto de dois


paradigmas, um dos quais construído nos períodos de revolução científica, funciona
como um agente ativo fomentador do progresso da Ciência, à medida que o novo
paradigma funciona como uma “catapulta” que promove o avanço do conhecimento
sobre o mundo, quando a Ciência em crise não mais atende à resolução dos
problemas vigentes.
Acompanhando Mendonça e Videira, é preciso reconhecer em Kuhn outro
sentido de progresso, agora relacionado com a noção de paradigma, e o trabalho
altamente especializado desenvolvido nos períodos de Ciência normal.80
Além de reconhecerem que o progresso está presente nessas fases,
Mendonça e Videira sustentam ainda que a proposta kuhniana, devido à
incomensurabilidade, nos levaria a concluir que a ciência não possui unidade e
universalidade.81
É de observar-se que a concepção kuhniana de Ciência, embora criticável,
representou, em seu tempo e nos períodos que a sucederam, um arcabouço rico
não somente como fonte de pesquisa, mas como estímulo para questionar outras

80 Como afirmam Mendonça e Videira: “ [...] dizendo que é justamente a especialização que garante a
possibilidade do progresso científico acontecer de modo notório, não encontrado em outras áreas do
conhecimento humano. Para exprimir de forma mais precisa, a pesquisa especializada é o pré-
requisito indispensável para que possa haver aprofundamento no conhecimento de determinados
fatos da natureza. Para sustentar a tese supramencionada, Kuhn jamais pôde prescindir do conceito
de paradigma – embora ele tenha, ao longo do tempo, subtraído a riqueza semântica que o termo
denotava em sua formulação inicial, como mostraremos adiante. O paradigma é responsável pela
instauração da pesquisa mais especializada, uma vez que restringe sobremaneira a quantidade
imensurável dos fatos encontrados na natureza (cf. Kuhn, 1975, p. 35). Além de delimitar drástica e
profundamente o âmbito de investigação de uma especialidade, o paradigma também estabelece o
consenso acerca dos fundamentos que devem nortear a prática de pesquisa. Quando isso ocorre, os
cientistas passam a trabalhar no interior de uma modalidade de ciência que Kuhn denominou de
normal. Modalidade essa duramente contestada (cf. Lakatos & Musgrave, 1970, especialmente os
textos de Popper, Feyerabend e Watkins), mas não abandonada por Kuhn. Acreditamos que a noção
de ’ciência normal’, apesar de ter sido apresentada por Kuhn sempre de maneira bastante
esquemática, pode elucidar como a pesquisa especializada produz resultados satisfatórios para o
avanço do conhecimento científico (MENDONÇA, André Luis de Oliveira; VIDEIRA, Antônio Augusto
Passos. Progresso científico e incomensurabilidade em Thomas Kuhn. In: Revista Scientiastudia,
São Paulo, v. 5, n. 2, 2007, p. 170).”
81“O ponto central a ser levado em consideração é o fato de que a incomensurabilidade efetivamente
ocorre. No entanto, diferentemente do que pensava Kuhn, as razões para a interrupção da interação
entre comunidades são de vários tipos. A rigor, a tese da incomensurabilidade indica que a ciência
não possui o caráter de unidade e universalidade, como pensava a filosofia da ciência tradicional.
Mas devemos fazer uma ponderação a respeito da assertiva de que a ciência é local e fragmentada.
Reconhecer que os estudos historiográficos e sociológicos demonstram que a ciência não dispõe de
um método universalmente válido não significa que ela estaria fadada ao insucesso. Muito pelo
contrário, como o próprio Kuhn sublinhou, esta é justamente a razão precípua de seu êxito. O
problema de Kuhn foi ter pensado que a ciência não é unificada por conta das diversas comunidades
não partilharem uma linguagem comum (Idem, p. 179).”
93

teorias a respeito da natureza e do desenvolvimento da Ciência. Assim, como faz


Chassot, é preciso reconhecer, não obstante as críticas, o caráter pioneiro do
trabalho de Kuhn (1996, p. 147):

Kuhn, com pioneirismo, permitiu esse novo modo de olhar a Ciência, pois foi
com a hipótese kuhniana desenvolvida em A Estrutura das Revoluções
Científicas que aprendemos a ver o saber científico não como um processo
linear de descoberta de verdades objetivas e de construção progressiva da
sociedade em torno dessa verdade. Kuhn demonstra como a Ciência se
desenvolve diferentemente dos conceitos positivistas da ciência que
dominavam o saber ocidental, assim como contra os conceitos dialéticos da
ciência do mundo socialista. Ele foi um iconoclasta impiedoso de uma
Ciência toda poderosa e dona de verdades insuperáveis e imutáveis.

O perfil dinâmico desempenhado por Kuhn em sua teoria científica fez com
que a sua obra A estrutura das revoluções científicas fosse revisitada
constantemente por ele, obrigando-o a remodelar sua compreensão da Ciência,
conforme podemos notar no trecho do artigo denominado “O que há de polêmico na
ideia kuhniana de incomensurabilidade”, de lavra de Gutierre.82
Esse excerto mostra de que maneira Kuhn procurou enfrentar uma das
principais dificuldades de sua proposta. Como se vê, o problema da
incomensurabilidade foi uma das dificuldades enfrentadas pelo autor. Não obstante
as críticas recebidas e, claro, em virtude justamente delas, Kuhn procurou mostrar
que sua interpretação da Ciência não deveria ter como consequência a
impossibilidade de tradução de termos e tampouco a impossibilidade de
comunicação ou diálogo entre paradigmas diferentes. O trecho acima nos coloca
justamente diante de um dos reparos feitos por Kuhn, tendo em vista o melhor
esclarecimento de sua filosofia da Ciência.
82 “Boa parte dos ataques iniciais desferidos contra o conceito de incomensurabilidade repousava
sobre a crença de que ela, de alguma forma, impediria a comunicação entre diferentes comunidades
científicas e a comparabilidade das teorias. Entretanto, Kuhn alegou convincentemente que esta não
era uma descrição correta de suas intenções. De fato, desde a publicação de A estrutura das
revoluções científicas, ele reconhece que alguns canais de interlocução entre comunidades científicas
diferentes permanecem abertos à possibilidade de uma tradução parcial, em particular, viabilizariam o
diálogo entre estes grupos distintos. A partir dos anos oitenta, Kuhn vai mais longe e chega a afirmar
que apenas uma pequena parcela dos termos utilizados por paradigmas opostos; experimenta
mudanças em seu significado e referência após uma revolução, dando margem ao que chama de
"incomensurabilidade local". Nesta versão do conceito, os "termos que preservam seu significado
após uma mudança teórica fornecem base suficiente para a discussão de diferenças e para as
comparações relevantes na escolha de teorias". Dado que a maior parte dos termos que preservam
seu significado após uma revolução científica envolve apenas uma tradução "mecânica" ou
"homofônica", estaria assegurada uma base comum sobre a qual o debate interparadigmático poderia
ser desenvolvido (GUTIERRE, Jezio Hernani Bomfim. O que há de polêmico na ideia kuhniana de
incomensurabilidade? In: Revista Principia, Brasil, v. 2, n. 1, p. 21-35, jun. 1998, p. 22).”
94

As adversidades geradas pelo pensamento kuhniano são fatores inegáveis,


advindos desde A estrutura das revoluções científicas. Apesar das críticas
recebidas, é importante ressaltar mais uma vez o caráter pioneiro e revolucionário do
pensamento do autor, visto que ele desloca a discussão sobre a natureza da Ciência
para um plano mais amplo, no qual o conceito de comunidade científica, de valores
partilhados por essa mesma comunidade, do papel vital que os compromissos
teóricos, ontológicos, metodológicos, epistemológicos e técnicos desempenham um
papel central e inovador.
Além disso, a ampliação do tratamento dado ao desenvolvimento científico
coloca-se em um contexto interdisciplinar, no qual os aspectos de ordem social
auxiliam a análise filosófica.83Assim, o fluxo normativo e dos valores demonstra que
a ciência está estabelecida em uma atmosfera sociocultural (espaço). Esse ambiente
espacial Kuhn delimitou para fundar e estruturar sua filosofia da Ciência. Importante
destacar que as considerações dos fatores sociológicos e psicológicos existentes
refletem indireta ou diretamente na forma de captação do fenômeno manifestado na
compreensão do mundo pela lente da Ciência.

83 Como bem sinaliza Kropf, em seu artigo intitulado “Os Valores e a Prática Institucional da Ciência:
as concepções de Robert Merton e Thomas Kuhn”: “Um primeiro ponto a ser considerado na tentativa
de traçar um diálogo entre as perspectivas teóricas dos dois autores é a preocupação comum em
discutir a influência dos contextos socioculturais na organização e no desenvolvimento da ciência.
Essa foi uma questão que norteou os estudos históricos que marcaram o início da produção
intelectual tanto de Merton como de Kuhn. Em Science, technology and society in seventeenth-
century in England, seu primeiro trabalho de vulto, Merton desenvolve a tese de que os valores do
puritanismo e as necessidades militares, econômicas e tecnológicas na Inglaterra do século XVII
contribuíram de maneira decisiva para a conformação de um terreno cultural particularmente fértil
para o florescimento, a afirmação e a difusão da atividade científica. Investigando empiricamente a
origem social da ciência moderna, esse estudo introduz a discussão acerca do processo pelo qual
certas condições de uma dada estrutura social permitem a constituição da ciência como instituição
específica e dotada de legitimidade na sociedade. Esse argumento serviria de base à posterior
elaboração de Merton sobre o ethos da ciência”. Continua o mesmo autor (1999, p. 5): “Assim,
compreende-se que o sentido de uma norma ou valor está radicado no seu contexto de uso, a partir
das funções que desempenha nas atividades práticas dos indivíduos. Embora Kuhn afirme que é a
autoridade do grupo que garante o reconhecimento do que deve ser legitimamente aceito como
norma ou valor, tem-se que a própria prática concreta da ciência normal é o que fornece os contextos
a partir dos quais os significados das normas e valores são construídos, com base nessa autoridade
(KROPF, Simone Petraglia; LIMA, Nísia Trindade. Os valores e a prática institucional da ciência: as
concepções de Robert Merton e Thomas Kuhn. In: Revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos.
Rio de Janeiro, v. 5 n. 3, nov. 1998/fev. 1999, p. 3).”
95

O paradigma encampa o caráter dinâmico, à proporção que enfeixa em sua


estrutura todas as realizações necessárias e essenciais a fim de explicar
determinados fenômenos a uma determinada comunidade científica, em um
determinado período.
Para isso, o dinamismo dos conceitos representa um vocabulário estilizado
tão somente para estabelecer uma compreensão, uma explicação e uma
comunicação da filosofia da Ciência na perspectiva kuhniana. Por outro lado, não
menos importante é enfatizar que o paradigma está, em sua perspectiva, em um
constante aprofundamento ante a especialização imposta no período de Ciência
normal.
Ele, nesse período, não se dissuade das rupturas advindas nos períodos
revolucionários, à medida que a incomensurabilidade responsável por esses
episódios somente registra uma nova base de conhecimento, ou seja, uma nova
epistemológica teórica e prática rapidamente capturada por um novo paradigma.
Isso destaca dois pontos fundamentais: o primeiro, com a existência de um
novo conhecimento teórico e prático registrado pela ruptura do paradigma, e o
segundo, com a manutenção da unidade da Ciência, à proporção que as rupturas
não extingam o aspecto sociocultural de desenvolvimento da Ciência sob o frágil
argumento da irracionalidade, dada a possibilidade de comparabilidade da
significação.
Por esses e outros argumentos já mencionados, a produtividade científica
obtida pela Ciência, considerando à autoridade da comunidade científica que ela
está sendo praticada, revela a dinâmica da Ciência kuhniana. O paradigma
representa o estatuto maior de uma estrutura organizacional da teoria da Ciência, e
a incomensurabilidade, o ponto central que aponta na história a ruptura de uma nova
ordem de conhecimento, ambos envolvidos por conceitos que “alinhavam” e
sustentam o dinamismo da ciência na perspectiva kuhniana.
O caráter dinâmico, progressivo e racional da Ciência firma-se como evidente: Kuhn
defende em sua teoria do conhecimento científico uma sistematização justificada
para as rupturas revolucionárias, para a mudança de paradigmas e para toda a
concepção formadora do seu pensamento para explicação de seu modelo de
filosofia da Ciência, ou melhor, de como a Ciência se desenvolve evolutivamente.
96

Os critérios estabelecidos representam um divisor de águas na forma de


explicar como a ciência se desenvolve, por nutrirem propriedades ímpares, as quais
possibilitam ao exegeta das ciências do Direito notar perfeitamente a fissura que se
abre entre as escolas e os modelos que agasalham os respectivos períodos da
Justiça vivida pela sociedade de pessoas. Kuhn afirma que, por ser a ciência uma
atividade complexa, muitos pesquisadores acabam por dela desistir.
É nesse contexto que, a partir de Kuhn, a explicação do desenvolvimento da
ciência recebeu outro movimento, marcado por uma filosofia da ciência pautada em
um vocabulário peculiar, além de toda uma estrutura dinâmica anteriormente não
tratada.
Os conceitos do pensador possibilitaram uma aproximação interpretativa e
compreensiva equivocada de seu pensamento, por parte dos pensadores críticos
que se opuseram à sua forma de conceber o desenvolvimento da ciência, isso
porque fora muitas vezes, como resvalado, mal interpretado e compreendido, dadas
suas idiossincrasias. Tal como se confundem a concepção entre Justiça em
Aristóteles e a Justiça Positivista.
Suas teorias são complexas e áridas, talvez seja por elas serem assim que
Kuhn não fundou uma escola de seu pensamento, dissuadindo potenciais adeptos,
sendo apenas um ícone com alguns seguidores, mas tornou-se uma peça rara de
valor inestimável para a História e a Filosofia da Ciência. Compreender como a
Ciência se desenvolve é garantir uma cartografia clara, precisa e evidente de como
funciona a dinâmica de seu desenvolvimento.
Os conceitos deram sustentação à explicação de como a Ciência se
desenvolve em Thomas Kuhn. Esse contato conceitual contribuiu não somente para
a compreensão de seu pensamento na explicação de seu modelo como também
para a compreensão de como se desenvolve a Ciência em sua perspectiva. É um
molde compatível e por isso útil da explicação da mudança do modelo em tecnologia
de inteligência como um “meio” inovador inserido no ambiente do sistema do Direito
Processual.
Sua expertise delinea toda a anatomia teórica e funcional da filosofia da
Ciência kuhniana, dando condições de visualizar os critérios e os procedimentos
teóricos e práticos do desenvolvimento da Ciência que o tornou referencial, com sua
forma peculiar de abordagem.
97

Esse pensador reconhece a mutabilidade da Ciência por outro ângulo, rompe


com a tradição linear cumulativa de enxergar como a Ciência se desenvolve e fita
com a visão evolutiva. Para isso, afasta-se da concepção de acréscimo na formação
do conhecimento científico e das meras complementações e assume, sem titubear,
a ruptura paradigmática com o advento da revolução da estrutura do conhecimento.
Nessa perspectiva, o paradigma da mediação do Direito para a obtenção da
Justiça por intermédio da Inteligência Artificial dispensa a concepção de acréscimo e
funda possivelmente um modelo novo em estratégia material conteudista, linguagem
e sistemática funcional.
Objetiva com essa Logicidade em tecnologia em inteligência não humana
conduzir o Direito para a concretização de uma nova Justiça, cujo ideário é o de
garantir o interesse da justeza como categoria própria de seu fim, com isso
superando os insuperados problemas da eficiência, da morosidade e da ausência de
previsibilidade, concatenando a entrega de uma Justiça material cunhada nos
moldes da Constituição Federal.
O manuseio lastreado no ensaio A estrutura das revoluções científicas, além
de outras obras de Kuhn e artigos de seus comentadores, referendaram o foco do
aspecto da ruptura e do dinamismo da Ciência, sem abandonar o estatuto maior, o
paradigma, por representar a norma reguladora da comunidade científica.
Na Ciência do Direito, o Estado/Juiz é o mediador, dentro do contexto do
modelo de Justiça judiciária, paradigma esse exposto a uma nova realidade da
tecnologização, considerando as novas técnicas jurídicas, suas condições históricas
e os avanços de uma sociedade contemporânea.
O desenvolvimento da Ciência em Kuhn é um evento marcado por etapas;
assim o paradigma tem em sua estrutura um conjunto de problemas e soluções
modelarmente estabelecidos e é historicamente identificável em determinado
momento em que o conhecimento prático e teórico vigente se demonstra ineficaz
para o atual contexto.
Gera, assim, uma ruptura entre o passado e o presente, entre a antiga ordem
de conhecimento e a nova, entre o paradigma antigo e o vigente. As novas bases –
teóricas, metodológicas e filosóficas – apontam para uma mudança epistemológica e
fazem da ruptura entre paradigmas o reconhecimento de uma nova ordem cognitiva,
engendrada no arcabouço de um novo modelo.
98

Sob tal aspecto, a revolução científica registra o fenômeno da substituição da


estrutura conhecimento por outro firmado em uma nova base, uma nova estrutura,
posto que o conhecimento até então estabelecido pelo antigo paradigma não atende
mais aos problemas propostos. Geradores da crise e, consequentemente, da
ruptura, abre passagem para um novo conhecimento, uma nova estrutura cognitiva.
São as lógicas e os critérios da dinâmica da ciência em Kuhn que encampam
o espírito do desenvolvimento da Ciência do Direito e da Justiça na pós-
modernidade. A ruptura advinda do período revolucionário em Thomas Kuhn ante o
advento do novo paradigma firma a tese de que sua epistemologia é distinta de
outras, marcadas por outras escolas, tais como: a do positivismo lógico e a do
racionalismo crítico, porém não trazidas à exposição.
A base cognitiva kuhniana representa um conhecimento modelar germinado
nos valores fertilizados dentro da comunidade científica diante da necessidade de
resolver problemas não mais alcançados pelo paradigma anterior, ante a ausência
de uma resolução.
No âmbito do Judiciário desde o advento do CPC de 1939, a evocação do
“mantra” da busca por uma Justiça eficiente e rápida assegurada
constitucionalmente é vociferada diuturnamente, porém de resolução concreta
mínima, margeando a inexistência ou a existência formal.
Assim, a ruptura cognitiva registrada na crise do paradigma kuhniano
somente induz a pensar no surgimento de um novo conhecimento. Sem ruptura, a
manutenção do conhecimento é atendida pelo paradigma vigente em toda sua
dimensão, dada a elasticidade reticular desenvolvida no período de Ciência normal.
Kuhn reinterpreta, reinventa, aliás, remodela o modus operandi de como a
Ciência se desenvolve. É uma perspectiva dinâmica diferente e até então não
registrada na história da Ciência. A respeito, é possível conceder ao autor um
estatuto distinto em sua forma de escrever e descrever a performance de sua
filosofia da Ciência.
Esse pensador revelou-se um empreendedor da Ciência: os sujeitos reunidos
por interesses comuns em determinada comunidade científica descobrem a
ineficiência das razões e dos motivos teóricos e metódicos que fazem de um
determinado paradigma uma estrutura ineficaz frente a um novo mundo do ponto de
vista fenomênico, não que o mundo literalmente seja outro, entretanto exige uma
99

outra estrutura de conhecimento “latu sensu” e “strictu sensu”, formal, material e


prático.
O surgimento de um novo conhecimento, ou melhor, de uma nova estrutura
cognitiva demonstra que a Ciência é um fenômeno projetado a partir do futuro. A
coletividade científica reunida em uma prática comum e comungando dos valores
parametrizados nos limites do paradigma aprimora a cognição desse, nos limites da
especialização.
A concepção kuhniana é um guia elucidativo da forma pela qual a Ciência se
desenvolve, um registro da prática da pesquisa e dos valores estabelecidos na
matriz disciplinar em todas as suas etapas. A dinâmica proposta por Kuhn conforme
desenvolvida na presente pesquisa torna possível conhecer como são capturados os
acontecimentos fenomênicos manifestados na natureza, além de recortar e deixar
evidente que a dinâmica dentro do modelo kuhniano é algo comum em todas as
fases pela qual este pensador das ciências aparelhou seu ensaio do
desenvolvimento das ciências.
Assim, o ensaio A estrutura das revoluções científicas representa um clássico
ativo e interativo sob vários aspectos, que, dentro da proposta estabelecida, revelou-
se suficiente para esclarecer e dimensionar o peso e a importância dos conceitos
kuhnianos na explicação de sua filosofia da Ciência, contribuindo decisivamente
para a pedagogia da compreensão e do entendimento do seu pensamento.
Foi pontual e precisa a compreensão da ruptura como momento do progresso
da Ciência, visto que a ruptura não faz com que a Ciência se divorcie do seu caráter
racional e que a ruptura não fratura a unidade cultural da Ciência diante da
manutenção da significação, tampouco faz da dela um acontecimento irracional que
rompe por completo com a linha cognitiva da Ciência. Portanto, frisa-se que a
ruptura é um conflito de conhecimentos, em suas bases, quanto à sua estrutura.
Conhecimento ineficaz, “antigo paradigma” versus conhecimento eficaz, “novo
paradigma”, essa fadiga do conhecimento não torna possível admitir como não
sendo um momento de progresso da Ciência em sua forma de conceber a evolução.
100

Esse rompimento, pelo contrário, representa o surgimento de um novo


conhecimento, já que para uma nova base prática e teórica há de existir um novo
paradigma que, por sua vez, goza de amplitude horizontalizada e verticalizada, ou
seja, a exploração do paradigma nos limites da Ciência normal – além do
aprofundamento do conhecimento diante do exercício da especialização, em que a
ruptura é sinônimo de um novo conhecimento.
Por outro lado, a Ciência em Thomas Kuhn tem uma aderência dinâmica
diferente, em saltos, porque ela se faz a partir do futuro, rompe com a concepção
superada de cumulatividade do conhecimento, mantendo-se, como mencionado, em
um âmbito de racionalidade, na medida em que o desacordo quanto à forma singular
de explicar do desenvolvimento da Ciência não fragmenta sua essência enquanto
acervo (significação para a comparabilidade) de conhecimento abstraído das
revoluções científicas.
Por isso, da costumeira nostalgia recorrente nas discussões acadêmicas
(mas..., não era assim que resolvia tal questão, porém agora, mudou! Esse instituto
não mais resolve a questão por estes ou aqueles fatores! Que até o advento da lei
“X” o tratamento era assim, mas não atendia às necessidades da sociedade.
O mundo, como se vê, é o mesmo, porém a realidade histórica social é
distinta, exigindo uma nova base de conhecimento para atacar a resolução das
questões indissolúveis pelo paradigma anterior, as vezes vigente, porém ineficiente
e ineficaz.
O movimento da Ciência a partir de Thomas Kuhn tem como principais balizas
o “paradigma” e a “incomensurabilidade”, os quais representam elementos ímpares
ao modelo kuhniano de explicar o desenvolvimento da Ciência e, ao mesmo tempo,
fundar um estilo próprio e uma dinâmica distinta na literatura da filosofia da Ciência.
O ensaio kuhniano, embora tenha atraído nas últimas cinco décadas os
holofotes para as balizas recentemente mencionadas, tem na ruptura seu
desenvolvimento positivo.
O progresso da Ciência, a partir de uma epistemologia cultivada na resolução
de problemas que irradiam toda a literatura da Ciência insculpida em A Estrutura das
Revoluções Científicas, propõe seu dinamismo calcado no futuro, na evolução
tributária da revolução, responsável por franquear a surgimento de um novo modelo.
Por isso, é concebível como estrutura Lógica e encadeada para atender aos
propósitos afins na explicação da mutação do Direito e da Justiça no século XXI.
101

Mais do que isso, em meio ao barroquismo que ainda predomina na forma de


tratar dos “assuntos” de ordem jurídica, antes de sua superação por uma forma
simplificada e objetiva em que a liquidez “fluída” sobrepõe a solidez da “tradição”, na
dicção de Bauman. Fica o “recado” de Kuhn aos juristas do seu real escopo em
participar do diálogo com as ciências jurídicas. Segundo Abrantes.84

84 “No livro A estrutura das revoluções científicas, Kuhn coloca em questão os pressupostos
fundamentais da tradição logicista, convencionalista e antipsicologista em Filosofia da Ciência. Ele
rompe com essa tradição impondo a Filosofia um compromisso naturalista com ‘aquilo que os
cientistas efetivamente fazem’: [...] nós devemos explicar porque a Ciência progride, como ela o faz, e
nós devemos em primeiro lugar descobrir como, de fato, ela progride (ABRANTES, Paulo (Org).
Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 196).”
102

5 AS ESCOLAS DAS PSICOLOGIAS

5.1 Estruturas psicológicas propostas para a explicação do funcionamento da mente


humana

A dificuldade que o homem enfrenta para compreender a si mesmo é o que o


faz produzir a incompreensão de sua própria história, perdendo-se muitas vezes em
seu próprio eu.
Esse problema gera uma potencialidade desertificada para o nada: a
contradição e o conflito em sua psique são causas desses problemas que conduzem
à decadência da razão humana e que implica no sistema decisório mediado pela
inteligência humana. Para Bobbio (1999, p. 56)

Quando se diz que o juiz deve aplicar a Lei, diz-se, em outras palavras, que
a atividade do juiz está limitada pela Lei, no sentido de que o conteúdo da
sentença deve corresponder ao conteúdo de uma lei. Se essa
correspondência não ocorre, a sentença do juiz pode ser declarada inválida,
tal como uma lei ordinária não-conforme à Constituição.

Por isso, da necessidade de uma ciência que possa tentar explicar como
funciona a mente humana do indivíduo, as psicologias trataram de fundar escolas,
cujo objetivo foi o de buscar respostas à compreensão do funcionamento da mente
humana.
Elas se dividiram em correntes, com ideologias criadas a partir de seus
pensadores, no entanto, o que eles enfrentaram em comum foi a constatação de
certas complexidades envolvendo o homem como ser temporal e o mundo em que
ele existe.
Nesse aspecto, a fisicalidade do mundo, ao mesmo tempo em que demonstra
um certo equilíbrio em harmonia em si, reflete por outro lado a existência de uma lei
ainda por desvendar o desconhecido. É, portanto, prova importante para tornar
evidente a existência do paradoxo do tempo como um fenômeno constatável e de
grande relevância para a espécie humana.
103

É nesse tempo “lapso temporal” que a estrutura corpórea e psicológica


humana caminha em busca de se fazer a cada instante; é nesse fluxo de influxos
que o conhecimento se constitui como capacidade cognitiva psicológica, porque
habita uma mente que percebe e é percebida.
Portanto, o homem como ser existencial se faz no tempo, porém nunca se
completa em sua totalidade como ser cognoscente, o que faz da psicologia um
instrumento científico cuja finalidade é a de dar respostas às funcionalidades da
mentehumana.
A literatura psicológica, na busca de delimitar seu objeto de pesquisa, essa se
definiu a partir da mente humana, esse é o foco. Para isso, a fragmentação foi
proposital no sentido de gerar a definição de conceitos a partir das delimitações das
partes convencionalmente definidas pelos cientistas da mente.
A partir de então, as escolas das psicologias e seus percursores passaram a
estudar o homem e sua relação com o mundo, a partir de certa cartografia, ou
melhor, uma espécie de mapa da mente, com o intuito de esclarecer o seu
funcionamento.
A categorização do cérebro humano em faculdades foi subdividida em
sensação, percepção, mente e memória como elementos do tribunal da razão em
que habitam os níveis da consciência. O cérebro do homem então é temporal,
porque a consciência do homem faz-se no tempo no qual se abre a fenda que lhe
possibilita conhecer o mundo e conhecer-se como ser existencial.
A capacidade de conhecer é mais do que isso, é energia, é ação que
acontece a partir da concepção, são níveis, por isso, de sua vulnerabilidade diante
dos inconstantes reflexos que ele sofre do meio que o constitui e do intuitivo meio
que o circunda.
Esse é o laborioso trabalho da psicologia pela busca de dar explicação não
somente da complexidade do mundo da mente humana, mas explicar sua relação
com o mundo que o homem habita. A psicologia, embora seja uma ciência
reconhecida há poucos séculos, remonta desde a antiguidade, conforme ilustram
Telford.85O estudo da psicologia ou das psicologias revela-se essencial para uma

85 “Antes do século XIX, a Psicologia era parte integrante da Filosofia, e a maioria das especulações
sistemáticas relativas aos problemas psicológicos foi feita por filósofos. Os ensinamentos e escritos
de Sócrates (470-399 a.C), Platão e Aristóteles haviam transferido o foco do interesse da filosofia
grega, da natureza do universo físico, para a natureza do homem. Essa transferência pôs em
destaque inúmeros problemas psicológicos. / Entre outras observações, notou Platão dois princípios
104

viagem rumo à compreensão da mente humana e de seus atributos. Exige do


homem mais do que conhecer, saber compreender e dar às funcionalidades
cognitivas suas reais funções.
O indivíduo, como expressão limitada, ou seja, como “Ser”, como ente, que
possui limite cognitivo, faz-se representar a partir de um organismo complexo e
completo no todo dentro de sua totalidade.
É, todavia, apenas um elemento, uma parte de um sistema maior, um
passageiro sendo transportado com outros da mesma espécie que se reserva em
suas peculiaridades; sua identidade psicológica o define e o faz singular, sendo um
dos pontos centrais que envolvem sua espécie, seu limite cognitivo, dadas suas
peculiaridades do cérebro e das faculdades mentais. Para Wilber (1979, p. 22),

O ponto central dessa discussão dos limites eu/não-eu é que não existe
apenas um, mas muitos níveis de identidade disponíveis para um indivíduo.
Esses níveis de identidade não são postulados teóricos, mas realidades
observáveis – podemos testá-las em nós por nós. Com relação a esses
níveis diferentes, é como aquele fenômeno é conhecido, mas
essencialmente misterioso, que chamamos de consciência como fosse um
espectro, uma coisa semelhante a um arco-íris composto de diversas faixas
ou níveis de autoidentidade.

envolvidos na memória: a associação por contiguidade e a associação por similaridade. Ele deu a
entender que a propriedade pessoal de alguém, uma lira ou uma peça de roupa, “forma aos olhos da
mente” uma imagem do dono, porque o objeto e a pessoa foram repetidamente vistos juntos no
passado. Platão também deu a entender que a vista de um objeto tende a evocar outro, porque as
duas coisas são parecidas (Warren, 1921). E complementam os autores citados em longa, mas
essencial citação (1973, p. 16-17): “Num exame dos conhecimentos do seu tempo, Aristóteles
investigou tanto os fenômenos “mentais” quanto os físicos, e notou que os pensamentos se seguem
uns aos outros com certa regularidade. Enumerou a similaridade, o contraste e a contiguidade como
os três tipos de relações que proporcionam elos de ligação numa cadeia de pensamentos. Disse
Aristóteles que a mente recebe a impressão de uma experiência exatamente como a cera recebe a
marca de um anel colocado sobre ela; a persistência de uma impressão dessa natureza constitui
memória. A memória afigurava-se a Aristóteles como a posse de uma experiência potencialmente
revivescível. As suas concepções da aprendizagem e da memória constituem um grande passo na
direção de uma explicação naturalística da vida mental – ele indicou claramente que as sequências
de processos ideacionais (de pensamento) não são fortuitas, mas obedecem a princípios discerníveis.
Também acreditava que os mesmos princípios definidos presidiam tanto o pensamento intencional
quanto o fluxo espontâneo de pensamentos (Warren, 1921; Boring, 1950). Para Telford e Sawrey
(1973, p. 21). A psicologia é definida em nossa contemporaneidade como sendo: [..]ciência do
comportamento humano ou como ciência das experiências e atividades dos seres humanos. O termo
passou por diversas definições provisórias: tem sido sucessivamente definido como a ciência da
mente, a ciência da atividade mental, a ciência da consciência e a ciência da experiência consciente.
Até certo ponto, essas mutáveis definições refletem a natureza mutável dos interesses e
preocupações dos que se tem denominado psicólogos (TELFORD, Charles Witt; SAWREY, James M.
Psicologia: uma introdução aos princípios fundamentais do comportamento. 4. ed. São Paulo:
Cultrix, 1973, p. 16).”
105

Considerando que a consciência é um espectro, é possível notarmos que a


subdivisão em níveis, tais como o do ego, o da existência e o da mente, dentre
outros, correspondem a uma diversidade de sensações e condições capazes de
influenciar na forma como o pensamento é formulado e exteriorizado com relação ao
sujeito-objeto. O pensamento, portanto, presume conhecer-se o que não parece ser
uma atividade simples e de fácil esclarecimento.86
Isso significa que existe algo a ser descoberto, portanto, comprova-se não
somente que o homem ainda tem algo a descobrir, como o tempo pode ser provado
quanto à sua existência em decorrência de algo por se descobrir: o processo de
ordem cognitiva acontece na mente humana e sua relação com a exterior realidade
do mundo.
A psicologia, instrumento científico investigativo da mente humana, busca
dentro de sua estrutura científica compreender e explicar como se dá o amplo
funcionamento do processo psicológico e, dentro de seus níveis de compreensão,
isso é objeto de estudo realizado pelas escolas contendo seus tipos científicos de
psicologias desenvolvidas em busca de dar uma explicação compreensivamente
clara e objetiva às questões existentes comportamentais.
Para essas escolas, o comportamento do homem dentro da linha do tempo
registra um histórico que pode ser conhecido, compreendido e explicado
satisfatoriamente.
A relação de causa e efeito designa que pensamento, sensação, percepção,
sentimento, emoção e outros comportamentos psicológicos podem ser objeto de
estudo no sentido de serem compreendidos melhor, em especial pela ciência da
psicologia e demais ciências que ampliam esse interesse, denominadas cognitivas.

86 Segundo Wilber: “Quando o universo como um todo procura conhecer-se, por intermédio da mente
humana, alguns aspectos desse universo hão de permanecer desconhecidos. Com o despertar do
conhecimento simbólico, parece ter surgido uma cisão no universo entre o conhecedor e o conhecido,
o pensador e o pensamento, o sujeito e o objeto; e nossa consciência mais íntima, conhecedora e
investigadora do mundo externo, finalmente escapa do próprio domínio e continua como o
desconhecido, o não demonstrado e o indominável, do mesmo modo que sua mão pode agarrar um
cem número de objetos mas nunca poderá agarrar-se a si mesma, ou do mesmo modo que seus
olhos podem ver o mundo mas nunca poderão ver-se a si próprios (WILBER, Ken. O espectro da
consciência; tradução Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 26)”.
106

Todavia, dada a complexidade da mente humana, as conclusões ainda se


apresentam incertas, em que pese o esforço das escolas das psicologias e seus
pensadores. Isso acontece porque o comportamento humano é probabilístico,
portanto, não determinado. Na atmosfera jurídica o risco da instabilidade reside no
campo da interpretação fruto da psique da espécie humana.87
O sistema humano cerebral é enquadrado tipologicamente como sistema
psicológico. Em representação, pode ser definido como um sistema aberto,
perceptivo e intuitivo, influenciável por todos os fatores. Em uma concepção radical,
até mesmo a certeza apresentada pela ciência da psicologia está afastada da
concepção determinista e aliançada com a probabilidade quanto às suas
conclusões; é, portanto, incerta.
Sendo um sistema aberto, as ações humanas são relações prováveis,
complexas em que as variáveis visíveis e invisíveis projetam respostas a partir das
relações existentes entre a vida humana, seu eu e mundo que o circunda.
Compreender tais elementos tem como objetivo descobrir, sistematizar,
qualificar e quantificar essas relações comportamentais, de modo a precisá-las, pois
são úteis pelos seus fins, “a compreensão elementar”, porém difíceis dada a enorme
e complexa dimensão do mundo onde todas as pessoas se encontram numa relação
de causa e efeito.
No cotidiano, o homem descobre que tudo que faz pode na maioria das vezes
ocorrer em decorrência das influências externas ao seu eu, de uma razão
manipulável e de um inconsciente espontâneo fluido pelos anseios e desejos que a
vida realizada lhe proporciona, segundo Assagioli.88

87 Segundo Ross: “Se o juiz se limitar a aplicar a lei aos claros casos referenciais, se manterá preso
às palavras literais da lei, atitude que possivelmente se liga à rejeição de uma concebível restrição
dela, para o que aplica por analogia outras normas jurídicas. Por outro lado, se o juiz desejar tomar
uma decisão que se situa na zona duvidosa de regra (interpretação especificadora), ou que,
inclusive, é contrária ao significado linguístico natural (interpretação restritiva ou por extensão),
buscará apoio para o resultado desejado onde quer que possa encontra-lo. Se o relatório da
comissão dos redatores da lei puder lhe oferecer tal apoio, ele o citará; se não puder oferecê-lo, ele o
ignorará (ROSS, Alf. Direito e justiça; tradução Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003, p. 182).”
88 “Notaria logo que o homem, não obstante o imponente grau de domínio sobre a natureza, possui
um controle muito limitado sobre o seu interior. Perceberia que esse mágico moderno, capaz de
descer ao fundo do oceano e de projetá-lo até a lua, é, em larga medida, ignorante do que se passa
nas profundezas do próprio inconsciente e incapaz de se elevar aos luminosos níveis da
supraconsciência, tornando-se cônscio de seu próprio self. Unificar-se-ia que esse pretenso semideus
que controla grandes forças elétricas com o mover de um dedo e inunda o ar de sons e imagens para
divertimento de milhões de pessoas é incapaz de lidar com as próprias emoções, impulsos e desejos
(ASSAGIOLI, Roberto. O ato de vontade. São Paulo: Cultrix, 1973, p. 7).”
107

Esse fenômeno dá-se em decorrência da possibilidade quase permanente da


manipulação do fluxo da consciência humana em decorrência da percepção intuitiva
que é exposta em sua razão, que se vê constantemente envolvida por intermédio de
“artifícios tipográficos” naturais ou artificiais que comprometem o resultado fim das
ações dos indivíduos, como define Humphrey (1976, p. 38).

Em primeiro lugar, a consciência é considerada fluida em seu movimento e


livre de conceitos arbitrários de tempo pelos escritores que pertencem à
geração que sucedeu W. James e H. Bergson. “Fluida” não significa
necessariamente em fluxo suave. Podemos admitir que o fluxo da
consciência é encontrado em níveis próximos ao estado de inconsciência,
mas como os níveis da pré fala mais próximos da superfície são o tema da
maior parte da ficção do fluxo da consciência, as condições e interferências
ao fluxo vindas do mundo de fora tornam-se um fator importante. Em suma,
o tempo “fluxo” não é inteiramente descritivo. A noção de sintaxe deve ser
acrescentada a esse fluxo para indicar a qualidade de ser sustentada, de
ser capaz de absorver interferências depois que o fluxo é
momentaneamente rompido e de ser capaz de passar livremente de um
para outro nível da consciência.

A relação entre memória, sentido e imaginação é estabelecida pelo processo


associativo intuitivo muitas vezes sob o plano espontâneo do inconsciente, portanto,
manipulável ou controlável, como bem sintetiza Krishnamurti/David Bohm (1985, p.
76).“Pensamento é o momento da memória, que é experiência e conhecimento
armazenado no cérebro”.
Disso se conclui que o pensamento humano, o fluxo da consciência, está
canalizado em duas vertentes que abastece o modo de obter suas ideias sobre o
mundo. Sendo essa a sistemática operacional, o pensamento humano está
lastreado na memória, como também na visão intuitiva que em si não é pensamento,
todavia, participa ativamente na tomada de decisões.
A visão intuitiva é pura ação, que gera a incidência de modificação de forma
atemporal. Esta característica da visão intuitiva é capaz de causar transformação
mutativa no cérebro, o que revela a possibilidade de alteração não somente de
posicionamento como na própria forma de compreender o mundo e as decisões
sobre ele. A razão no contexto seria um mito.89 Tem-se uma constante instabilidade

89 Conforme esclarece Lévy, “É possível que não exista nenhuma faculdade particular do espírito
humano que possamos identificar como sendo a “razão”. Como alguns humanos conseguiram,
apesar de tudo, desenvolver alguns raciocínios abstratos, podemos sem dúvidas explicar este
sucesso fazendo apelo a recursos cognitivos exteriores ao sistema nervoso. Levar em conta as
tecnologias intelectuais permite compreender como os poderes da abstração e de raciocínio formal
desenvolveram-se em nossa espécie. A razão não seria um atributo essencial e imutável da alma
108

sobre as posições das coisas, na medida em que o homem é uma variável


suscetível de ter como revolucionada sua posição psicológica sobre o entendimento,
a compreensão e a definição das coisas.
O cérebro, órgão operacional motriz do indivíduo que detém diversas
atividades e a realizar por intermédio de suas faculdades, possui uma função
distante de seu conteúdo, como enfatiza Krishnamurti/David Bohm (1985, p. 80).
“Existe uma função do cérebro que atua sem ter relação com seu conteúdo? Sim,
com o passado, com o conteúdo da consciência”.
Tal fenômeno é definido como uma visão intuitiva que, por sua vez, surge
dentro do processo material do pensamento, dentro do cérebro, fazendo com que
seu movimento e seu destino sejam influenciados, como bem define
Krishnamurti/David Bohm (1985, p. 139). “Poderíamos considerar que a visão
intuitiva é um movimento muito mais amplo do que o processo material que ocorre
no cérebro e, consequentemente, que o movimento mais amplo pode agir sobre o
movimento mais restrito, mas o mais restrito não pode agir sobre o mais amplo”.
Essa natureza sem causa da razão intuitiva, sem que haja uma
preconcepção, porém há uma percepção diante dos fenômenos do mundo, reforça
sua atemporalidade, conforme noticiada, além de ser um elemento ou uma
propriedade que parafraseando Krishnamurti/David Bohm “...alterado o padrão do
argumento, do pensamento, do raciocínio e outras faculdades do cérebro de forma
energética e influente, é capaz de registrar um funcionamento diferente nas
atividades cerebrais”.90A limitação estrutural psicologizada da mente humana por

humana, mas sim um efeito ecológico, que repousa sobre o uso de tecnologias intelectuais variáveis
no espaço e historicamente datadas”. E complementa em trecho contínuo: “O que é racionalidade?
Esta é, sem dúvida, uma pergunta que pode gerar muitas controvérsias. Concordemos, por enquanto,
com esta definição mínima: uma pessoa racional deveria seguir as regras da lógica ordinária e não
contradizer de forma por mais grosseira a teoria das probabilidades nem os princípios elementares da
estatística. Entretanto, um certo número de pesquisas desenvolvidas em psicologia cognitiva
experimental a partir dos anos sessenta monstraram de forma convincente, que, quando separado de
seu meio ambiente sociotécnico pelos protocolos experimentais da psicologia cognitiva, o ser humano
não é racional [40, 58, 104] (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento
na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 154).”
90 Neste aspecto é esclarecedor Koestler: “Todo que podemos decir es que se nuestra orientación y
nuestras reacciones motoras y posturales dependen de los circuitos electricos del cérebro el hecho de
vivir en un mundo invertido debe entreñar muchas modificaciones en el diagrama de instalación. Las
gafas de inversión son artefactos drásticos, pero la mayoría de nosotros vamos por la vida llevado
unas lentes de contacto que no sentimos y que deforman nuestras percepciones de maneira mas
sutiles. La psicoterapia antigua y moderna, desde el chamanismo hasta las formas contemporâneas
de las técnicas analíticas y abreacción, siempre se la baseado en variante del processo de
destrucción y reconstrucción que Enst Kria, em mente psicoterapeuta, la llamado “regresión para el
servicio del ego” El neurótico con sus compulsiones, su fobia y sus elaborados mecanismos de
109

vezes interrompe a possibilidade de instituir-se uma nova e bem melhor condição de


conhecimento para atender a uma nova realidade.91 A condição humana conhece
que as falhas no processo de resgate de informações e dados na memória são
comuns, mesmo que assentados em conteúdos armazenados. Isso se dá devido à
estrutura do sistema cognitivo da espécie humana, a qual conduz a percepção a
fazer predominar a atenção às informações e aos dados da “razão” intuitiva de curto
prazo, muitas vezes contradição às de longo prazo que se encontram na memória ou
na estrutura esquemática.
A instabilidade é fecundada pela incerteza no processo de ponderação das
informações e de dados ao qual está submetido o sistema cognitivo humano. Isso
pode colocá-lo em questionamento, uma vez que um conflito a envolve, a descrença
de ser uma forma exclusiva geradora de conhecimento ou que possa gerar um tipo
de conhecimento insubstituível. Para Azevedo (2006, p. 21):

Assim, as concepções de significado e de representação entrelaçam-se com


visões de mundo e do ser vivo. Se, por um lado, pensamos a realidade

defensa, es victima de una especialización rígida y mal adaptada, en Koala colgado, para toda la
vida, de un poste de telegrafo”. E complementa o mesmo autor (1998, p. 166-167): “Toda revolución
tiene un aspecto destrutivo y outro constructivo. La destrucción se opera echando por la borda
doctrinas que antes parecia inexpugnables y axiomas aparentemente evidentes. El progresso en el
arte implica una reapreación, igualmente dolorosa, de los valores, critérios de importância y marcos
de percepción aceptado. He hablado de este tema con cierto detalhe de un libro reciente (the art of
creation) y no insistire en el. Lo que quiero decir aqui es que la creación deuna novedad en la
evolución mental sigue el mismo esquema de reculer pour mieux sauter de una regresión temporal
seguido por un salto haria delante, que hemos encontrado en la evolución biológica. Podemos,
continuar con la analogia e interpretar la reacción “aja”, o grito de! Eureka! como seña de haber
escapado felizmente de un callejón sin salida; un acto auto reparacción logrado por la des-
diferenciación de las estruturas cognoscentes hacia un estas más flexible, con la liberación
conseguiente de potenciales creativos, equivalente, a la liberación potenciales genéticos de
crecimiento en los tejidos regeneradores (KOESTLER, Arthur. En busca del absoluto.2 ed.
Barcelona: Kairós, 1998, p. 165).”
91 Segundo Lévy, “Parece que apenas levamos em conta, nos nossos raciocínios, aquilo que se
enquadra em nossos estereótipos e nos esquemas preestabelecidos que usamos normalmente. Muito
mais que o conteúdo bruto dos dados, nosso humor no momento e a maneira pela qual são
apresentados os problemas determinam as soluções que adotamos. [...] Como explicar esta
irracionalidade natural? Poderíamos dar conta dela através da hipótese de “arquitetura” do sistema
cognitivo humano (por analogia com a arquitetura de computadores). Nossa atenção consciente ou
nossa memória de curto prazo poderiam processar apenas uma quantidade mínima de informação a
cada vez. Nosso sistema cognitivo ofereceria muito poucos recursos aos “processos controlados”. Por
outro lado, a memória de longo prazo disporia de uma enorme capacidade de armazemento e de
restituição pertinente dos conhecimentos. Nesta memória de longo prazo, a informação não se
encontraria empilhada ao acaso, mas sim estruturada em redes associativas e esquemas. Estes
esquemas seriam como “fichas mentais” sobre as situações, os objetos e os conceitos que nos são
úteis no cotidiano. Poderíamos dizer que nossa visão do mundo, ou nosso modelo de realidade,
encontram-se inscritos em nossa memória de longo prazo (LÉVY, Pierre. As tecnologias da
inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 155).”
110

como externa ao indivíduo, esse indivíduo tem de ter aparelhos/aparatos


cognitivos para captá-la e, quanto mais precisos forem esses aparelhos,
mais sucesso tem em sua apreensão desse mundo, especialmente se tem
êxito em manter sua emoção, sua história de vida, à distância.

A irracionalidade da racionalidade do pensamento humano diante de diversas


situações e contextos registram na história da humanidade acontecimentos
enviesados e por vezes desconexas que sinalizam mais para um indeterminismo do
que para um certo determinismo.
Na medida em que se avança na história, na superação ou na chegada de
outros níveis de escala se denota a recondução de novas realidades até então
desconhecidas. O homem remodela seu pensamento e sua conduta, porque produz
com suas competências e habilidades novos conhecimentos, decide de forma
diferente sobre a mesma realidade, portanto, cria e recria seu universo, que se deixa
influenciar no curso do paradoxo do tempo.
A volatilidade do pensamento é influenciada pela agenda do inconsciente,
constantemente ativada pela visão intuitiva que influencia e redireciona o
pensamento e as ideias e as demais faculdades cerebrais numa espécie de demônio
socrático com sua epistemologia especulativa.
Essa influenciabilidade é da natureza da espécie humana e habita o cérebro
humano, contribuindo assim para a construção de um modelo da realidade que se
assume como padrão, por vezes deformado pela condição insuficiente da cognição
humana e sua fácil influência, como ilustra Koestler.92

92 “En realidad, el progresso de la ciencia esta assombrado, como una antigua múmia através del
desierto, con los esqueletos blanqueados, de las teorias desechadas que alguna vez parecieron tener
vida eterna. La progresión del arte implica reapreciaciones, igualmente angustiosas, de los valores
aceptados, de los critérios de importância, de los marcos de la percepción. En los dos últimos siglos
Europa ha presenciado el surgimiento y la caída clasismo de romantismo y del Sturn und Drang; del
naturalismo, el surrealismo y el Dadai de la novela social, de la novela existencialista, del nouveau
roman. Los cambios han sido aun mas drásticos en la história de pintura. Pero este mismo curso
zigzagueante caracteriza el progresso de la ciência, ya se trate de la historia de la medicina e de la
psicologia o de lo câmbios fundamentales en física desde la concepción del cosmos de Aristóteles y
la de Newton e Einstein. El poeta, el pintor, el cientifico cada uno construye su próprio modelo
deformado de la realidade, selecionando y ressaltando aquellos aspectos de la experiência que
considere significativa e ignorando los que no considera pertinentes (KOESTLER, Arthur. En busca
del absoluto.2 ed. Barcelona: Kairós, 1998, p. 75).”
111

Isso se infere devido à quase impossível tarefa hércula humana em tentar


unificar todas as diversas ciências que envolvem a natureza da vida. A limitada
condição humana não opera em uma plataforma de sistema previamente ordenado
e sistematizado de maneira determinável, visto que sua forma estrutural bioquímica
e biofísica complexa.
Considera ser composta de partes quase que autônomas e independentes,
pauta-se em um desenvolvimento instável influenciado pelas variáveis externas e
internas da própria essência de sua natureza. A instabilidade existente é radicada
nos constantes estímulos e reflexos captados pelos sentidos sensoriais que
vinculam a vida biológica humana.
No campo das ações, as regras fixas determinadas conduzem-nas
hierarquicamente coordenadas por estratégias e leis predefinidas. Esse esquema
metódico psicologizado, se transposto para um esquema metódico cibernético
condicionado a uma estrutura de linguagem, não somente sobrepõe como atende à
função fim e representa um ponto relevante da proposta inovadora da Tese.
Deve-se considerar não somente o ponto em comum de que gozam essas
formas de tecnologias em inteligência no que concerne ao processamento de
informações e dados.
Semelhante ruptura de mundos na estruturação dos “meios” ao
armazenamento, gestão e decisão apresenta-se como crível ao ambiente das
ciências jurídicas na edificação de um sistema processual digital na nova Era do
Direito e da Justiça.93 O afastamento da vocação individual pessoal do ator humano

93 Recorta estilisticamente as duas estruturas Abrantes: “A “modelização” da cognição em


arquiteturas tradicionais ou simbólicas segue o princípio de que o alfabeto primitivo e as relações
mentais são funcionalmente relacionadas ao cérebro. Portanto, não há que inserir estrutura cerebral e
alfabeto neural nesses modelos. A plausibilidade do modelo advém da explicação e da predição de
operações mentais. A lógica da identidade de sinal e da dissociação de tipos resulta no abandono
total das Neurociências. O vocabulário parte de blocos mentais e de supostas relações entre eles
normalmente descritíveis através das relações da Lógica tradicional (primitivos, conectivos, leis, etc). /
As razões pelas quais se usa a dissociação entre mente e cérebro, postulando os blocos mentais e as
suas relações, advêm do problema semântico, no tocante à estrita aceitação da noção de
representação intencional. Impasses quânticos e não lineares não têm papel como legitimadores
desse enfoque. Trabalha-se sobre símbolos, e não sobre instâncias que os “implementam”, por ver-se
no símbolo um bloco irredutível – porque intencional – aos predicados do cérebro”. Por outro lado,
segundo o mesmo autor (1994, p. 164-165): “Inteligência Artificial Conexionista (redes neurais) –
Numa outra vertente de “modelização” de atividade cognitiva, surgem as redes neurais, arquiteturas
conexionistas ou Processamento Distribuído Parelelo. O objetivo desse tipo de modelo é: - criar
arquiteturas que, embora sejam simuladas em arquiteturas tradicionais, sejam bastante diversas das
anteriores; - arquiteturas que se assemelhem estruturalmente ao sistema nervoso central: unidades
conectadas por junções, como se fossem sinapses, e com valor de conexão variável: excitatório,
inibitório, digital (tudo ou nada) ou analógico (gradações variadas e contínuas de relação); -
subsetruturas tais como memória, processador, programa, etc, evanescem, dando lugar: a um
112

na relação social, no campo da ciência do Direito, representará uma via alternativa a


essa ciência no sentido de possibilitar que a Justiça cumpra seu interesse nos
moldes ideológicos arquitetados constitucionalmente. Nessa etapa, em que a
questão de divergência tenha sido exaurida pelo consenso dos seus maiores
conhecedores e responsáveis em aplicar os dispositos legais, julga Koestler (1998,
p.187):

Como hemos visto se rige por diversos cânones e diferentes niveles, desde
la semântica, pasando por la gramatica hasta llegar a la fonogia; pero en
cada uno de esos niveles, la persona que habla tiene una ampla variedade
de alternativas estratégicas; desde la selección y el ordenamento del
material que desea transmitir, pasando por la formulación de parafos y
frases, la elección de metáforas y adjetivos, hasta la enunciación, es decir,
el enfases selectivo que se da a las vocales individuales. Podemos aplicar
consideraciones similares a un pianista que improvisa sobre un tema. En
este caso las reglas del juego son un esquema metódico determinado pero
el pianista tiene una cantidad casi infinita de alternativas para las frases, los
ritmos, el tempo o la transposición a outra clave.

A discricionariedade, além das regras definidas pelo jogo, gera sua


instabilidade e por sua própria condição predefine as regras para serem aplicadas.
Por outro lado, em havendo regras e essas não sendo respeitadas, não há que se
falar em regras, dada a falta de definição ante a ausente predominância de
parâmetros determinados, o que tem gerado insegurança e incerteza no sistema
decisório operado pela inteligência humana.
Portanto, a divergência existente dá-se na medida em que as regras do jogo
são definidas pelo código do jogo, todavia o desenvolvimento do jogo se lastreia na
estratégia adotada. A inconsistência na codificação é estratégica e dá-se porque a
limitação cognitiva ou a liberdade discricionária existente estimulam o improviso e a
adaptação circunstancial, entre outros, desestabilizando a relação do código com o
desenvolvimento do código.94 No contexto, se considerarmos todos esses fatores e

processamento que se assenta sobre a dinâmica; à memória, que resulta de estados de conexão
entre “neurônios”; ao “conhecimento” e à “decisão” como resultado de um perfil de atividade estável
alcançado após aprendizado e treinamento; - criar arquiteturas que sejam capazes de fazer surgir
“soluções” para problemas sobre os quais não se conhecem todos os passos de processamento
(ABRANTES, Paulo (Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994,
p. 164).”
94Ainda segundo Koestler: “A naturaleza del código que regula a conduta varia, por cierto, segun la
naturaleza y nível de la jerarquia en question. Alguns códigos son inatos, como el código genético e
los códigos que gobiernam las atividades instintivas de los animales, otros son adquiridos mediante el
aprendizaje, como el código cinético de los circuitos de mi sistema nervioso que me permitem andar
en bicicleta sin caerme, o el código de conocimiento que define las reglas del ajedrez. / Parece que la
113

condições que compõem a estrutura psicológica do indivíduo, a psicologia


representa um autoconhecimento do eu ou ao menos uma tentativa sólida para tal
fim.
É da sua essência e no tatear dos seus instrumentos perceber e registrar o
sentido do homem na descoberta de si, no entanto, sua limitada condição o
impossibilita de cruzar essa ponte e rumar à conquista da totalidade do “eu” que em
sua outra metade se encontra na penumbra.
O homem toma decisões em última instância unilateralmente irracionais sobre
o manto da racionalidade intelectual e psicologizada fundada por si mesmo. A fim
de apaziguar as inquietudes sociais, é essencial que se tenha uma resposta, ainda
que não seja a melhor. Que haja uma espécie de palavra final sobre determinada
questão.95 Disso se extrai que a pulsão do inconsciente sobre o consciente é uma
condição a ser reconhecida, se considerarmos que a unilateralidade da consciência
é suscetível de ser invadida pelo inconsciente, dependendo das condições
existentes do momento. Segundo Searle (1998, p. 33), em uma definição clássica
sobre a consciência, ela seria definida reticularmente da seguinte forma:

vida en todas sus manifestaciones, desde la morfogenesis hasta el pensamiento simbólico, se rige
por reglas del juego que le confieren orden e estabilidade, pero que tambien le permiten flexibilidade;
y que essas reglas, sean innatas o adquiridas, están representadas en forma de codificación en los
diversos niveles de la jerarquia desde el código genético hasta la estructura del sistema nervioso
associado con el lenguage y el pensamento (KOESTLER, Arthur. En busca del absoluto.2 ed.
Barcelona: Kairós, 1998, p. 194).”
95 Como esclarece Jung: “Julgamento é parcial e preconcebido, porque escolhe uma possibilidade
particular, à vista de todas as outras. O julgamento se baseia, por sua vez, na experiência, isto é,
naquilo que já é conhecido. Via de regra, ele nunca se baseia no que é novo, no que é ainda
desconhecido e no que, sob certas circunstâncias poderia enriquecer consideravelmente o processo
dirigido. É evidente que não se pode basear, pela simples razão de que os conteúdos inconstantes
estão excluídos da consciência. / Por causa de tais atos de julgamento, o processo dirigido se torna
necessariamente unilateral, mesmo que o julgamento, racional pareça plurilateral e despreconcebido.
Por fim, até a própria racionalidade do julgamento é um preconceito da pior espécie porque
chamamos de racional aquilo que nos parece racional. Aquilo, portanto, que nos parece irracional
está de antemão fadado à exclusão, justamente por causa de seu canto irracional, que pode ser
realmente irracional, mas pode igualmente apenas parecer irracional, sem o ser em sentido mais alto
(JUNG, C. G.; ROCHA. A natureza da psique; tradução Dom Mateus Ramalho. 8. ed. Petrópolis:
Vozes, 2011, p. 15).”
114

A consciência, assim conceituada, é um interruptor. Por esta acepção, um


sistema é consciente ou não, mas dentro do campo da consciência há
estados de intensidade que variam desde a sonolência até a consciência
taltalmente desperta (full awareness). A consciência, assim definida, é um
fenômeno interno qualitativo de primeira pessoa. Os seres humanos e
animais superiores são evidentemente conscientes, mas não sabemos até
onde a escala filogenética da consciência se estende.

E complementa o mesmo autor (1998, p. 35),

Tais exemplos de causalidade nos fornecem os modelos adequados para


compreender a relação entre meu atual estado de consciência e os
processos neurobiológicos que o causam. Processos de nível inferior no
cérebro causam meu atual estado de consciência, mas este estado não é
uma entidade separada do meu cérebro; ele é apenas uma propriedade do
meu cérebro no momento atual. A propósito, a análise de que os processos
cerebrais causam a consciência, mas que a consciência, propriamente dita,
é uma “propriedade” do cérebro, fornece uma solução ao tradicional
problema mente-corpo.

Em sentido diferente, embora não seja o cerne da pesquisa, porém à guisa de


conhecimento, é a compreensão dada a respeito da consciência por Teixeira,96 a
colecionar o entendimento do Nobel Francis Crick.
No processo de tomada de posições ou decisões, a relação contraditória ou
de oposição é que embasa a convicção da justiça ou da injustiça. Ao se considerar a
unilateralidade como uma dispensa ou afastamento das demais possibilidades,

96 “Uma estratégia adotada pelos neurobiólogos para investigar o problema da consciência foi dividi-lo
numa série de subproblemas específicos, antes de tentar delinear uma teoria geral. Dois desses
subproblemas vêm atraindo a atenção dos neurobiólogos: as bases neuronais que permitem uma
diferenciação entre sono e vigília e a integração da informação cognitiva, principalmente na
percepção (binding problem). A diferenciação entre o sono e vigília abre uma primeira porta para
sabermos o que significa estar consciente. O binding problem consiste em saber como o cérebro
pode integrar diferentes modalidades de informação acerca de um objeto de forma a poder percebê-
lo de forma unificada. Por exemplo, posso perceber um cão de diversas maneiras – diferentes
perspectivas visuais. Existem várias raças de cães; uso de palavras “cão” para referir-me a esses
objetos e uso também a palavra escrita “cão”. Contudo, meu cérebro é capaz de integrar todas estas
modalidades de informação de maneira que invoco um único objeto quando ouço a palavra “cão”.
Esta unificação operada pelo meu cérebro é particularmente importante na medida em que a partir
dela componho objetos fora de mim, o que é um primeiro passo para definir-me como um ser
consciente. / A investigação destes dois subproblemas – a diferença entre sono e vigília e o binding
problem – levaram a resultados surpreendentes. Francis Crick (1994), um cientista do California
Institute of Tecnology, descobriu uma correlação entre a ocorrência do binding e uma constância em
certas oscilações de grupos de neurônios no córtex – uma oscilação que se situa sempre entre 35-40
Mhz. Esta descoberta (que lhe valeu o Prêmio Nobel) levou-o a escrever um livro, the Astonishing
Hypothesis, que se tornou um best-seller de divulgação científica. O polêmico no livro de Crick é sua
afirmação de que nossas alegrias e tristezas, nosso sentido de identidade e de liberdade talvez não
sejam nada mais do que o comportamento de um vasto conjunto de neurônios e suas reações
químicas. (TEIXEIRA, João de Fernandes. Mentes e máquinas: uma introdução à ciência cognitiva.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 150).”
115

somente a confrontação ética em tese poderia conduzir a uma interlocução, a um


campo de seriedade com maior segurança.
Por sua vez, isso dificilmente acontece, uma vez que a forma como o
indivíduo não se conhece o impossibilita de realizar suas faculdades cerebrais,
aproveitando as relações entre consciente e inconsciente. Por essas e outras
razões, no diálogo aberto, devido à hipossuficiência cognitiva coletiva para com o
“eu”, e com o outro, as convicções pessoais se amoldam aos melhores ideais, como
esclarece Jung (2011, p. 35)

É espantoso constatar a quão diminuta é a capacidade das pessoas em


admitir a validade do argumento dos outros, embora esta capacidade seja
uma das premissas fundamentais e indispensáveis de qualquer comunidade
humana. Todos os que têm em vista uma confrontação consigo próprio
devem contar sempre com esta dificuldade geral. Na medida em que o
indivíduo não reconhece o valor do outro, nega o direito de existir também
ao “outro” que está em si, e vice-versa. A capacidade de diálogo interior é
um critério básico da objetividade.

A constatação consolida-se quando da convicção pessoal para o


posicionamento de decidir sobre algo, a exemplo das decisões judiciais operadas
pela inteligência humana. Nesse momento, a pessoalidade cega impossibilita que
seja avaliado o que se aplica para si, não se aplica para o outro ou outros, dadas as
peculiaridades diferenciais existentes, mesmo quando já existe um critério de
validade já pré-definido.
É a dificuldade enorme, quase intransponível, enfrentada pelo Instituto dos
Precedentes judiciais tributário da família da commom law barrada secularmente
pela percepção individualista no trato dos interesses coletivos.
Considerando não haver processos psíquicos isolados e a percepção se
estabelecendo sempre pela via do reflexo na interação dos processos, o contato
com a realidade passa a ser uma incógnita. O risco de as ideias serem dissimuladas
ou deturpadas de alguma forma é evidenciado pelo mesmo autor recentemente
citado.97

97“No domínio dos processos psicofísicos lógicos como o das percepções sensoriais, prevalece o
puro mecanismo reflexo, porque a intuição experimental é manifestamente inofensiva, não se
produzindo nenhuma assimilação, e, mesmo que se produza, é ínfima, e por isto a experiência não é
seriamente perturbada. Diferente é o que se passa no domínio dos processos psíquicos complexos,
onde a disposição da experiência não conhece limitações das possibilidades definidas e conhecidas.
Aqui, onde estão ausentes as salvaguardas proporcionadas por uma determinação de fins
específicos, emergem, em contrapartida, possibilidades ilimitadas que, às vezes, dão origem, já
116

As pessoas cultas e dotadas de vontade especializada, quando submetidas à


experiência, podem, graças à sua habilidade verbal e motora, fechar-se para o
sentido de uma palavra “estímulo” com brevíssimo tempo de reação, de modo que a
não serem afetados por eles.
Sendo o complexo uma relação psíquica, é suscetível que exerça uma
relação direta ou indireta sobre a consciência do homem, abrindo a psique onde
habita a energia suprema dos atos coletivos, cuja composição está marcada pela
consciência e pelo inconsciente. É nesse campo pantanoso que o homem fecunda
sua realidade, estabelece suas crenças e realiza suas ações.
A mente humana, portanto, em uma comparação não ortodoxa, é muito
próxima de um labirinto, todavia se apresenta com maior dificuldade porque o
caminho trilhado a cada momento está com um novo layout.
Para isso, as escolas das psicologias e as ciências cognitivas buscam de uma
forma ou de outra objetivar, categorizar e catalogar a mente humana, a partir de uma
dada lógica e definidos critérios.98
Enfim, ainda reafirmamos que os estudos e as observações sociais têm feito
das ciências jurídicas uma observadora das demais. A percepção de que todas as
soluções as mazelas da Justiça têm colocado o cientista do Direito de volta ao
laboratório da pesquisa é uma realidade do nosso século XXI.

desde o início, a uma situação de experiência que chamamos de constelação. Este termo exprime o
fato de que a situação exterior desencadeie um processo psíquico que consiste na aglutinação e na
atualização de determinados conteúdos. A expressão “está concentrado” indica que o indivíduo
adotou uma atitude preparatória e de expectativa, com base na qual reagirá de forma inteiramente
definida. A constelação é um processo automático que ninguém pode deter por própria vontade.
Esses conteúdos constelados são determinados complexos que possuem energia específica própria.
Quando a experiência em questão é a de associações, os complexos em geral influenciam seu curso
em alto grau, provocando reações perturbadas, ou provocam, para dissimulá-las, um determinado
modo de reação que se pode notar, todavia, pelo fato de não mais corresponderem ao sentido da
palavra estímulo (JUNG, C. G.; ROCHA. A natureza da psique; tradução Dom Mateus Ramalho. 8.
ed. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 41).”
98 Para Borkowski: “A psicologia experimental abrange todo o saber conseguido através da aplicação
apropriada de observações controladas de fenômeno do comportamento. O que equivale a dizer que
a psicologia experimental é uma coleção de métodos, processos e instrumentos que os psicologistas
empregam em condições controladas, acrescidos das informações coletadas mediante a aplicação
das mencionadas táticas. As informações coligidas por psicologistas experimentais destinam-se,
tipicamente, a patrocinar nossa compreensão dos componentes do comportamento, a saber, os
componentes do desenvolvimento, da motivação social, perceptivos, fisiológicos e anormais, para
citarmos apenas umas poucas áreas do conteúdo da disciplina (BORKOWSKI, John G.; ANDERSON,
Chris D. Psicologia experimental: táticas de pesquisa do comportamento; tradução Octavio Mendes
Cajado. São Paulo, Cultrix, 1977, p. 5).”
117

É uma posição que se propõe resgatar, nos velhos e bons clássicos, as


“dicas” de que novas habilidades e competências devem inevitavelmente sugir a
partir de uma lógica indutiva faceada em novos conhecimentos.
As psicologias e as ciências cognitivas não somente jogam luz e apontam as
porosidades dos problemas antigos e recorrentes do Direito e da Justiça mas, ao
contrário, demonstram que a tecnologia da inteligência humana para transcender as
velhas discussões precisará aliançar-se com um paradigma singular em tecnologia
cognitiva.99
Em suma, uma forma de fazer as mesmas coisas com “meios” quantitativa e
qualitativamente superiores a partir dos mesmos critérios, ou então negá-los, terá
por certo o “caos”. Pois, a estabilização da coletividade singular se revela vital para a
Justiça, para isso, o meio eleito deve proporcionar o fim objetivado.

99 Para Canetti: “As tentativas de se chegar ao âmago das nações padeceram em sua maioria de um
erro fundamental. Buscaram-se definições do nacional em si, uma nação é isso ou aquilo, dizia-se.
Vivia-se na crença de que o importante seria encontrar a definição certa. Uma vez encontrada, ela se
deixaria aplicar uniformemente a todas as nações. Tornava-se a língua ou o território, a literatura
escrita, a história, o governo, o assim chamado sentimento nacional, mas, invariavelmente, as
exceções revelaram-se mais importantes do que a regra. Sempre se descobria que se havia
ampanhado algo vivo na calda solta de um manto casual; este, porém, desvencilhava-se com
facilidade, e ficava-se de mãos vazias. / Paralelamente a esse método objetivo, havia um outro,
ingênuo, que se interessava apenas por uma única nação – a sua própria - , todas as demais sendo-
lhe diferentes. Tal método consistia em uma inabalável reinvidicação de superioridade, a apartir de
visões proféticas acerca da própria grandeza, de uma mescla singular de pretensões morais e
animais. Não se creia, contudo, que essas ideologias nacionais efetivamente possuem todas o
mesmo aspecto. O que as iguala é tão-só seu apetite e reinvidicação inoportunas. Elas querem,
talvez, a mesma coisa, mas não são a mesma coisa. Querem engrandecer-se, e embasam esse
engrandecimento na multiplicação. Aparentemente, a terra inteira foi prometida a cada uma delas, e
acabara pertencendo naturalmente a cada uma delas. Todas as demais, ao ouvi-lo, sentem-se
ameaçadas e, em seu medo, vêem apenas a ameaça. Assim sendo, não se nota que o conteúdo
concreto, que as verdadeiras ideologias dessas pretensões nacionais são bastante diversas.
Necessário é dar-se ao trabalho de – sem compartilhar de sua cobiça – determinar o que é singular
em cada nação (CANETTI, Elias. Massa e poder; tradução Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995, p. 167).”
118

6 O SISTEMA COGNITIVO DE DECIDIBILIDADE

6.1 Aspectos relevantes a respeito do sistema cognitivo humano e as influências a


respeito de sua percepção no ato de decidir

O conhecimento é um todo e não apenas parte, porém, em um dado


momento de sua história, o homem optou por fragmentá-lo, fazendo da parte um
todo, como método para facilitar o processo pedagógico de ensino e do aprendizado
e, com isso, dar a si maior acessibilidade ao conhecimento que entendeu necessário
a seu projeto existencial de vida: pessoal, social e profissional.
Nesse momento de observação de sua realidade, o homem tinha registrado
uma forma singular de sua relação com o conhecimento, ou seja, com a
fragmentação, revelou seu interesse por alguns tipos de ciências em detrimento de
outros e, com uma maior ênfase, o interesse do conhecimento proporcionado pela
exclusividade e sua especialização. Com a particularização, tratou de excluir
algumas das ciências cognitivas, as quais entendeu não serem relevantes para seu
mundo do conhecer para o saber.
Tal posição de afastamento, abandonando o caráter enciclopédico das
ciências, encarregou-se de enfraquecer o próprio homem. A fragmentação e a
exigência de uma especialização o vêm conduzindo a uma limitação do saber, a
ponto de fazer do conhecimento o resumo de uma única fonte dessa espécie, um
ato volitivo de seu interesse.
Com essa posição, esse homem tornou-se especialista e ao mesmo tempo
frágil, ao transformar-se em um sabedor de parte do conhecimento, face à imensidão
de conhecimentos que o circundam em seu cotidiano, dos mais simples aos mais
complexos e que se multiplicaram vertiginosamente nas últimas décadas. Isso seria
um germe a comprometer seu próprio futuro diante da dimensão e da complexidade
que a pós-modernidade vem exigindo-lhe e, por consequência, venha a exigir-lhe.
A tônica social profissionalizante encarregou-se de criar uma geração de
especialistas desde o século passado. O resultado foi a fecundação e o
desenvolvimento de uma consciência cada vez mais limitada. Isso, quando a
insuficiência cognitiva já era uma condição existente, devido à estrutura biofísica do
119

homem proporcionada por um organismo biológico, que se agravou ainda mais.


Essas condições colocam tal estrutura em tecnologia de inteligência em rota de
substitubilidade.100 Semelhante posição, responsável por sua formação intelectual,
marcou determinado período da vida desse indivíduo e contribuiu para seu
enfraquecimento cognitivo, como já alardeado, o que o levou facilmente a aceitar um
processo regulamentador imposto pela sociedade e pelas demais forças visíveis e
invisíveis que o coordenam e o manipulam cotidianamente, corroborando para sua
dominação, atualmente denominada Estado.
A falta de condições para emancipá-lo, proporcionada pelo sistema
educacional, social e político do Estado, força-o a buscar outros meios e modos de
compensar os déficits na formação intelectual, para, assim, poder dar um melhor
sentido à realidade existente e às novas que se constituem em seu dia a dia.
Todavia, isso não ocorre, a ilusão de atingir essas compensações se veem
cada vez mais distantes de uma concretização efetivamente material, uma vez que o
contexto da vida (problemas sociais, educacionais, políticos e financeiros) somente
afirma e confirma as condições de sua rendição junto à sociedade a que pertence e
que se encontra em acelerada mutabilidade.
Novas formas forjadas em um conceito de vida diferente, que o conduz ao
isolamento de comunicar-se cada vez mais consigo mesmo e, com relação a
terceiros, por intermédio dos meios de comunicação digital com baixíssima
pessoalidade. Descartam de certa maneira, com a tecnologia da oralidade e da
escrita.

100 Para Lévy: “Não é a primeira vez que a aparição de novas tecnologias intelectuais é acompanhada
por uma modificação das normas do saber. Na segunda parte deste livro, Os três tempos do espírito,
oralidade, escrita, informática, tomaremos uma certa distância em relação às evoluções
contemporâneas, ressituando-as em uma continuidade histórica. / De que lugar julgamos a
informática e os estilos de conhecimento que lhe são aparentados? Ao analisar tudo aquilo que, em
nossa forma de pensar, depende da oralidade, da escrita e da impressão, descobriremos que
aprendemos o conhecimento por simulação, típico da cultura informática, com os critérios e reflexos
mentais ligados às tecnologias intelectuais anteriores. Colocar em perspectiva, relativizar as formas
teóricas ou críticas de pensar que perdem terreno hoje, isto talvez facilite o indispensável trabalho de
luto que permitirá abrirmo-nos às novas formas de comunicar e de conhecer (LÉVY, Pierre. As
tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu
da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 19).”
120

Enquanto objeto – a forma como o Estado o considera – faz com que perca,
portanto, sua condição de pessoa humana, sobrevivendo sob as mínimas condições,
graças ao grau elevado de manipulação proporcionado pelas condições sociais,
proporcionadas e estabelecidas pelo regime estatal vigente.
A discussão é complexa em todos os sentidos, entretanto não é satisfatório
declinar das questões relevantes e ao mesmo tempo essenciais, para poder ter
explicações reais e meios de enfrentar o futuro ainda incerto, em que o homem, em
sua grande maioria, se vê vazio, não detendo condições cognitivas suficientes para
reverter sua realidade social.
Embora ativo, é de ações relativizadas, devido à sua natureza limitada, pois
participa de movimentos ou manifestações sem propósitos e sem liderança, que o
conduzem quase sempre a algum lugar do começo.
Isso se dá não porque os propósitos em si e as ações sejam desarrazoadas,
mas porque exigem um planejamento e uma arquitetura vinculada a uma ontologia
social. Sem esses pressupostos estruturantes, logo se dissipa suas ações, e leva a
cair no imaginário informativo do mundo virtual das redes sociais, onde, na maioria
das vezes, alimenta mais uma informação noticiária midiática.
A ciência, em um outro vértice, sob esse aspecto, dá ao cientista condições
palpáveis para refletir e avaliar por meios de seus instrumentos a probabilidade e as
condições que levam o homem à sua árdua missão, inclusive a de decidir em vários
sentidos, até mesmo no ato de não decidir, o que seria uma determinação negativa
por omissão, a forma positiva de decidir.
Entender a realidade que o envolve é uma conquista do homem enquanto
pessoa da ciência, mesmo sabendo de sua insuficiência e da falibilidade que
predomina em sua condição humana.
Aceitar os riscos e abraçar a imprevisibilidade do futuro coaduna-se com os
novos tempos, em cujo cenário o homem deve procurar sustentar-se diante de sua
fragilidade e de sua falibilidade como elemento central de uma história que vive e
que se constrói diariamente, bem como deve observar que sua manutenção é
condicionada aos limites cognitivos de sua capacidade.
121

Ciente de tais condições, o homem tem observado que a cada dia mais, a
extensão do desenvolvimento de suas competências e habilidades tem-se dado por
intermédio de instrumentos inteligentes que realizam suas funções, iguais ou além
de suas condições com considerável aprimoramento e especialização, porém
tratadas em muitos aspectos com ressalvas ou restrições, margeadas pela
desconfiança de uma nova forma de inteligência, agora, nominada tecnológica.
O dilema da pós-modernidade, ou seja, da multiplicidade, da transitoriedade e
da simultaneidade exige do indivíduo um esforço maior para compreender a
profusão de conhecimentos e de condições que o envolvem, os quais permeiam sua
realidade sensível e exigem uma compreensibilidade maior das questões que se
apresentam, de modo a não se perder na vasta dimensão do mundo que habita.
A vida em tal atmosfera tem-se tornado a cada dia um diretório digital, que se
divide em outros mais e assim, sucessivamente, exigindo uma organização e uma
compreensão que escapam das habilidades e competências projetadas ao sistema
de vida biológica típica da raça humana, condição que exige ser considerada, sem
que haja argumento ou contra-argumento.
A realidade no processo que envolve o sujeito e mundo nem sempre é
conhecida, então a massa de singularidade coletiva em sua grande parte é levada,
deixando às margens o seguimento consciente da marcha da vida.
Muitas vezes, portanto, apresenta-se como desconhecida para alguns a
história da humanidade, as faculdades cognitivas intelectivas, sejam do pensamento,
da consciência ou da linguagem, o que seria essencial para que o homem se
conectasse com o mundo e as coisas. Sob tais informações, afirma Fiorin (2003, p.
3):

Um iniciante na linguística precisa saber o que é a ciência da linguagem,


saber que há outras formas de estudar as línguas, que vão além do
prescritivismo que hoje invade os meios de comunicação, saber que a
linguística pretende descrever e explicar os fenômenos linguísticos;
conhecer como se processa a comunicação humana; perceber que as
línguas não são nomenclaturas, mas formas de categorizar o mundo,
conhecer os cinco principais objetos teóricos criados pela ciência da
linguagem nos séculos XIX e XX: a língua, a competência, a variação, a
mudança e o uso, aprender os rendimentos da análise linguística, em seus
diferentes níveis, o fonético, o fonológico, o morfológico; o sintático, o
semântico, o pragmático e o discursivo.
122

Observa-se que a língua está a serviço da classificação e da categorização


do mundo e das coisas, contribuindo para sua organização e compreensão. Por
meio das teorias da linguagem, ela representa o instrumento oral ou escrito hábil
para estabelecer a conexão do homem com sua realidade.
Não como uma realidade em si, mas como a realidade do mundo e do sujeito,
uma relação endógena e exógena ao mesmo tempo. É, por intermédio dos
instrumentais da linguística, denominados de gramática, morfologia, sintaxe e
semântica, que a comunicação se estabelece.
Embora haja uma relação aberta. Dada a natureza do sistema biológico
humano, existem diversas formas de linguagem que também colaboram com a
comunicação do homem com o mundo.
O processo de comunicação humana é complexo e pela estrutura existente
não oferece garantia de estabilidade que corrobore para uma padronização esse
problema, além de gerar ruídos no processo de comunicação, conspira para afastar
a possibilidade de se ter nessa relação uma objetividade que dê aos participantes a
tranquilidade de se ter sobre o mesmo tema uma ideia fixa e predefinida todas as
vezes em que assunto for recorrente.
Também afilia-se a essas condições a realidade de que nem sempre os
envolvidos detenham dentro de suas faculdades intelectuais o mesmo nível de
formação e consequente conhecimento, de modo a estabilizar uma comunicação e
uma compreensão objetivamente uníssonas. Embora a linguagem humana seja uma
forma de categorizar o mundo, todas as vezes que o homem dela faz uso, o faz
diferente.
A falta de compreensão dos instrumentos da linguística, a incompreensão de
regras claras, precisas e objetivas dificultam a universalização de uma comunicação
isenta de falhas.
A língua, sendo uma cultura e uma construtora dos conceitos das frases e das
regras discursivas, exige uma estabilização que somente pode acontecer caso, de
fato, a ciência da linguagem seja de acesso e de compreensão em seus elementos
estruturantes aos que dela participam, o que é impossível ante a limitação cognitiva
de seus protagonistas, além dos mecanismos que o subjugam.
123

O desnível cognitivo dos indivíduos envolvidos influencia e compromete a


comunicação da espécie humana bem como a torna vulnerável na tomada das
decisões que, influenciada pela percepção e pelo afastamento da realidade do
mundo e das coisas, os conduz a erros e equívocos.
Portanto, qualquer objetivação – da categorização na reconstrução das
realidades do mundo – em última instância, passa a ser um risco, proporcionado
pela insuficiência e pela falibilidade humana.
A literatura classifica, estrutura e proporciona que a linguagem humana, se
conhecida, possibilite que as palavras verbalizadas, por meio de um canal cognitivo,
contribuam com o processo de formação de conceitos e com a projeção da criação
das realidades, entretanto não garante que todas as vezes que o processo seja
reconstruído se dê da mesma maneira, forma e precisão em objetividade.
Em sua base, a literatura detém uma teorização que se faz por intermédio da
linguagem que a torna reconhecida como é, e que se historiza por esta. A
linguagem, por sua vez, representa um estatuto tributário de uma convenção
estabelecida outrora pela comunidade dos interessados “literatos”, que
estabeleceram um modelo ideal convencionado para estabelecer a comunicação
e/ou um canal para sua ocorrência.
Quando isso não acontece, a sensação é a de que a espécie humana não se
conhece, seus membros são estranhos dentro de uma mesma soberania. Disso se
conclui que o homem se conhece pela linguagem e por ela projeta suas mais
diversas ações e reações.
Porém, muito embora a linguagem tenha como essência a missão precípua
da comunicação, ela em si não pode garantir sua efetividade, pois, para isso,
depende da disposição de vontade intelectiva do homem em agir proativamente em
seu cumprimento.
As dificuldades encontradas nesse processo são diversas e de fronteiras
distintas, contíguas ou não, mas se conectam e se influenciam. A língua é um
fenômeno cultural, em que o homem é produto do meio ou a soma de todas as
medidas e vale-se desse processo linguístico para conhecer-se, conhecer o mundo
e realizar suas comunicações em todos os sentidos e formas.
124

A certeza de que essas comunicações aconteçam em sua plenitude fica


prejudicada, pois quase sempre não é possível avaliar, analisar e criticar as
faculdades mentais sem que se faça compreender nos limites extremos como essa
espécie faz para relacionar-se, o que gera a impossibilidade de ter-se garantia do
cumprimento das ideologias criadas por essa mesma sociedade.
No campo das ciências, o domínio da linguagem especializada, atualmente
multipluralista, é uma realidade que facilita e contribui para uma determinada
comunidade de entendedores de um determinado ramo científico estabelecer uma
comunicação plena. Isso colabora para o fator da organização, da sistematização e
da uniformização da própria linguagem e comunicação.101 A fala é um produto social
depositado no cérebro do homem: sua exteriorização, além de ser reflexo do que o
indivíduo realiza, apresenta uma certa produção intelectiva enquanto empreendedor
de habilidades e competências. É previsível ou ao menos aceitável que tal processo
possa ser influenciável, manipulável e que isso venha a interferir no processo de
exteriorização do indivíduo com o mundo.
À proporção que a língua, a linguagem e a fala são produtos sociais, em cada
contexto e em cada situação, dependendo das condições, os resultados podem ser
diferentes. O resultado nesse caso será sempre uma probabilidade e nunca uma
certeza.
No curso do processo da linguística, as condições psicofísicas, psicoquímicas
e outras interferências que possam desencadear efeitos diversos nos sistemas
cerebral e mental inevitavelmente interferem no indivíduo no ato de realizar seu ato
volitivo na tomada de suas decisões.
Em verdade, é como se a decisão não fosse tomada por ele, mas por fatores
alheios à sua compreensão, captados por seu sistema cognitivo que, em processo

101 Para Fiorín: “A língua é para Saussure ’um sistema de signos’ um conjunto de unidades que se
relacionam organizadamente dentro de um todo. É a parte social da linguagem exterior ao indivíduo;
não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis do contrato social, estabelecido pelos
membros da comunidade. O conjunto linguagem-língua contém ainda um outro elemento conforme
Saussure, a fala. A fala é um ato individual; resulta das combinações feitas pelo sujeito falante
utilizando o código da língua; expressa-se pelos mecanismos psicofísicos (atos de fonação)
necessários à produção dessas combinações. / A distinção linguagem/língua/fala partiu o objeto da
linguística de Saussure. Dela decorre a divisão do estudo da linguagem em duas partes: uma que
investiga a língua e outra que analisa a fala. As duas partes são inseparáveis, visto que são
interdependentes, a língua é condição para se produzir a fala, mas não há língua sem o exercício da
fala. Há necessidade, portanto de duas linguísticas: a linguística da língua e a linguística da fala.
Saussure focaliza em seu trabalho a linguística da língua, “produto social depositado no cérebro de
cada um”, sistema supra-individual que a sociedade impõe ao falante (FIORIN, José Luiz. (Org).
Introdução à Linguística. v. 1 e 2. São Paulo: Contexto, 2003, p. 10).”
125

com as bases neurais e valendo-se da língua, da linguagem e da fala, comunica-se


por meios intelectivos reflexivos, e da fala por meios sonoros com o mundo exterior.
Nesse caso, mesmo a língua especializada sendo objetiva, porém ainda
acaba sendo influenciável quando exteriorizada por intermédio do sistema cognitivo
do homem, como esclarece Perna (2010, p. 10):
Koucorek enfatiza em sua obra que a língua especializada é um subconjunto
da língua comum com recursos próprios e de uso restrito a uma coletividade que
partilha os mesmos interesses. Tais recursos são os mesmos da língua comum, mas
selecionados, adaptados e enriquecidos de acordo com as necessidades e os
propósitos da área, tendo em vista a preservação do conteúdo transmitido. 102A
ciência do Direito, no seu exercício acadêmico e prático das normas, tem
reconhecido que as disposições normativas, imperativas ou não, têm como
finalidade não somente orientar prescritivamente o que é permitido, como o que é
proibido e como também repreender o descumprimento das determinações legais.
Nessa atmosfera de realização, o homem, detentor da linguagem
especializada, julga estar utilizando de forma coerente a linguagem sempre com
base nos registros empreendidos na transmissão do conhecimento das leis nos
limites de seus contornos sintáticos e semânticos com uma realidade fática/subjetiva
performada em uma realidade objetiva, predeterminada pela lei.
A atividade humana profissional entende ser possível estar isenta e
comportada da imparcialidade e amparada pela neutralidade na condução de suas
ações. Nesse aspecto, o homem busca operar e comportar-se como um
instrumento.
Servindo como condutor de um conhecimento que reconhece ser bom e
essencial ao desenvolvimento social nos limites técnicos que representam suas
habilidades e competências cognitivas.

102Complementa Perna: “[...] quero destacar que ‘quando se fala em texto especializado, não se pode
deixar de mencionar Lothar Hoffman que, ultrapassando a concepção wusteriana de texto artificial,
aproximou-o do texto elaborado na linguagem comum’. Assim ensina Hoffmann: ‘O texto
especializado é instrumento ou o resultado de uma atividade comunicativa socioprodutiva
especializada. Compõe uma unidade estrutural e funcional (um todo) e está formado por um conjunto
ordenado e finito de orações coerentes pragmáticas, sintáticas e semanticamente ou de unidades
com valor de oração que, como signos linguísticos complexos, de enunciados complexos do
conhecimento humano e de circunstâncias complexas correspondem à realidade objetiva’ (PERNA,
Cristina Becker Lopes; DELGADO, Heloísa Orsi Koch; FINATTO, Maria José Bocorny (Org).
Linguagens Especializadas em Corpora: modos de dizer e interfaces de pesquisa. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2010, p. 12. Disponível em:
<http://www.pucrs.br/edipucrs/linguagensespecializadasemcorpora.pdf> Acesso em: 14 abr. 2013).”
126

Tal garantia, pelo que se constata, não é certa, quando muito aceita, porque é
do ser humano, quando levado ao seu limite, em sua linha de fronteira, concordar
mesmo discordando, em uma espécie de aceitação cínica.
Este comportamento é um resquício antropológico e sociológico arraigado em
uma sociedade segmentada em níveis, melhor explicando, estamentos em que a
ordem superior impõe às camadas inferiores “no sentido verticalizado” suas pré-
ordenações.
São eles modelos ideários de condição a ser obedecida, característicos de
uma espécie de regulação entre os níveis sociais, determinados e conformados por
uma sociedade.
A clivagem da fala entre os indivíduos também é uma realidade porque é no
nível de competência linguística que o indivíduo e a fala podem ser mensurados,
conforme assegura Fiorin.103
Nesse aspecto organizacional, descritivo, prescritivo, gerativista, dentre
outros, como elementos fundamentais do processo de categorização da língua e sua
funcionabilidade, a metodologização da língua, ou seja, sua cientificidade é
indiscutível.
Sendo a cientificidade da língua um aspecto real e comprovável, não se
afasta a possibilidade de ter no mesmo grau de estudo a organização de uma língua
capaz de gerir a extensão além da realidade humana dentro de um processo de
integração, universalização e padronização por meios tecnológicos.
Uma vez que, enquanto restrita ao homem, a linguagem não passa dos
limites que ele possui cognitivamente – capacidade em –, além do risco
comprometedor proporcionado pelas faculdades intelectivas influenciáveis por
intermédio de seus sentidos.
A questão desse e de outros aspectos é saber como isso acontece, quando e
como. Parafraseando Boaventura Santos, o uso prático da razão cínica do “é isso”,
“nada muda sem que percebamos”, “há [...] o importante é que vai mudar”.

103 “Assim como Saussure – que separa a língua de fala, ou que é linguístico do que não é –
Chomsky distingue competência de desempenho. A competência linguística é a porção do
conhecimento do sistema linguístico do falante que lhe permite produzir o conjunto de sentenças de
sua língua. No desenvolvimento desta faculdade é que o homem se depara com a conjunção
descritiva e a normativa da gramática, cuja finalidade é estabelecer a forma de como a língua deve
ser dita em todos os seus aspectos. Dentro de um sistema peculiar a sua natureza e os elementos
que a define, no caso vinculado a elementaridade humana (FIORIN, José Luiz. (Org). Introdução à
Linguística. v. 1 e 2. São Paulo: Contexto, 2003, p. 11).”
127

Essas conjecturas relativizadas são sinais que fazem o “pensar” como algo
que pouco pode contribuir para algo melhor ou que contribua para algum
melhoramento da condição humana, portanto a inteligência é relegada pela
ignorância de apropriar-se dos conhecimentos de forma efetiva.
Esse demonstrativo da decadência da razão do homem o tem conduzido
todos os dias a um certo retrocesso e, ao fim, de suas potenciais possibilidades e
emergindo outras formas racionalizantes.104
A evolução da ciência ou como tudo isso acontece na natureza. Para Toulmin
a interrupção ou ruptura do processo do desenvolvimento é uma medida a ser
desconsiderada. Em suas reflexões, é possível haurir o reconhecimento no máximo
do que ele denominava de “microrrevoluções”, que seriam unidades de variações em
que as partes aceitas de uma ciência em cada fase seriam parte ou partes úteis para
o ponto de partida no processo de desenvolvimento.
Sua perspectiva de abordagem é diferente de uma abordagem paradigmática
na perspectiva kuhniana e de um programa de pesquisas em Lakatos que tem sua
defesa assegurada sobre o entendimento de sua explicação no desenvolvimento
das ciências sociais nos estudos de Barry Barnes.
Os acontecimentos científicos são variações de algo que se aproveita, se
segue, se altera, se complementa, que forma o corpo daquilo com que a ciência se
preocupa em um mesmo modelo. A antropologia segundo Oliveira comunga deste
entendimento (2006, p. 138):

104 Todavia, é esclarecedor o artigo de autoria de Ariza: “É interessante a reflexão, mesmo que
criticando as principais escolas da filosofia da ciência e seus expoentes; avaliar o pensamento deste
pensador também se revela importante para a compreensão do desenvolvimento da ciência na
compreensão da decidibilidade. Além disso, conforme as análises de Lakatos, Laudan, Kuhn e
Toulmin, é difícil sustentar historicamente a ideia de que existem experimentos cruciais (Melhado e
Canacedo, 1993). / Assim, esgotada a via formal e sistemática como critério de racionalidade, a única
alternativa possível, como indica Toulmin, é tomar a experiência histórica real dos cientistas e de suas
mudanças conceituais, como elemento clarificador (ARIZA, Rafael Porlán; HARRES, João Batista
Siqueira. A epistemologia evolucionista de Stephen Toulmin e o ensino de ciências. In: Caderno
Brasileiro de Ensino de Física. Florianópolis, v. 19, n. especial, jun. 2002, p. 73. Disponível em:
<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/10055/15385>. Acesso em: 14 abr. 2013)”.
128

Entendo, ao contrário, que, na antropologia, os paradigmas existem em


simultaneidade. Se na física o paradigma newtoniano foi substituído pelo da
relatividade, ou na matemática a geometria euclidiana foisuperada pela de
Lobatchevcshi, na disciplina antropológica o paradigma racionalista, o
estrutural-funcionalista, o culturalista e o hermenêutico coexistem no interior
de uma única matriz.

Para Toulmin o cientista deve estar em uma constante ginástica intelectual


para desse esforço resultar uma “abertura mental”. O que assemelha segundo a
percepção antropológica de Roberto Cardoso de Oliveira.105
A experiência histórica, em contraste com a nova realidade, não somente
indica a pertinência de novos conceitos para atender a essa realidade emergente
como obrigatoriamente vincula o cientista a enxergar em sentido oposto, ou melhor,
no sentido de que a materialidade estratégica do novo mundo o obriga a realizar
ações técnicas compatíveis em dar respostas efetivas aos problemas que a
experiência histórica se encarregou de revelar e que outrora não foram resolvidos.
É de se observar que, em tal fase, o cientista tem de notar que não é ele –
como pessoa – que muda o mundo; é a ciência que consiste em um instrumento
hábil para esse fim, e seu papel de pesquisador é o de perceber as mudanças e
promover essas medidas materialmente eficazes para atender à sociedade a que
pertence.
A incerteza do desconhecido, proporcionado pelo novo conhecimento e
materializado em estratégias inovadoras, muitas vezes gera instabilidade cognitivas
e, por consequência, inseguranças, porque é comum na inovação a surpresa do
contato com o desconhecido pela diversidade que ele acoberta. Segundo as lições
de Ariza (2002, p.76):

A descoberta da diversidade do conhecimento tem causado tal desconserto


e insegurança que ou se agarra no dogmatismo intelectual, negando a
evidência, ou se fica na superfície do desconhecimento, apenas
reconhecendo a distorção do tudo vale. Em qualquer caso, temos negado
que se o conhecimento muda o mesmo deve ocorrer com os critérios de sua
avaliação (García e Porlán, 2000).

105 “ [...] veremos, segundo Olivé, que a tese relativista moderada defende como viável a tradução de
pelo menos algumas proposições de um determinado esquema conceitual para outro, sempre que
tiver lugar em um grupo humano com uma permanência mínima de tempo. Nesse caso, note-se, que
a emergência de “condições de racionalidade” é algo latente (OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O
trabalho do antropólogo. 2. ed. Brasília: Paralelo Quinze; São Paulo: Ed. da Unesp, 2006, p. 165).”
129

O conceito de ecologia conceitual, a imparcialidade, o juízo formal e a


concepção de sistema proporcional estatístico devem ser superados pelas
populações conceituais das ciências no processo histórico do desenvolvimento,
tanto para o singular como para o coletivo.
É perceptível no mundo das ideias e dos conhecimentos das culturas do novo
mundo, que as novas realidades existentes e constatáveis das últimas décadas há
predominância das diversidades de conceitos e sua categorização, e que isso,
considerando um espaço maior proporcionado pelas diversidades de conceitos e
sua categorização tem dificultado a compreensão do conhecer o conhecimento
ainda não conhecido, aquele por descobrir.
A democramecanização e a tecnologização são estruturas conceituais
exemplos dessa diversidade noticiada, sequer dicionarizadas, mas que já são
categorias de uma nova linguagem arranjada para o próprio mundo em uma espécie
de estratégica material para se explicar.
Esse fenômeno aos poucos arregimenta a uniformização padronizada das
ações, dos costumes e da vida de um modo geral na sociedade. O enfrentamento de
uma nova realidade seja do que é racionalidade, seja de uma nova linguagem, não
pode ser desconsiderado por muito tempo, ainda que por uma minoria de
intelectuais, já que o importante da História é que o desenvolvimento que essa
encampa, represente sempre algo maior.
A diversidade contribui para o desenvolvimento, todavia às vezes os aspectos
advindos do processo tornam-se um obstáculo. A dificuldade do homem em viver
hibridamente reflete e gera a mesma dificuldade em dualizar sua imparcialidade.
No processo de comunicação, da língua e da linguagem, as categorias e a
categorização – a partir de uma classificação metodológica e dos níveis de que
participam – é uma forma de se compreender como tudo acontece no mundo
habitado pelo homem.
Em um mundo em que a linguagem normativa é forjada em regras de
condutas, em que a verticalização do sistema a cada dia procura uniformizar e
estabelecer uma linguagem universalmente padronizada, em que a margem para a
reflexão e a interpretação acaba sendo dispensada.
130

Dadas as novas condições e formas do novo ambiente de trabalho, a


comunicação judiciária é possível, considerando-se os avanços da tecnologia em
que o léxico jurídico bem com o todo o organismo judiciário seja realizado a partir de
uma estrutura distinta da existente redesenhando uma nova geometria da
comunicação.106 Categorizar as normas a partir de um novo conceito de Direito e de
Justiça em justaposição com a categorização das ações comportamentais do
homem a partir de uma linguagem cibernética tecnológica, em que as regras e as
ações são preconcebidas em uma gramática e uma semântica tecnologizadas,
oportuniza o predomínio da objetividade, da transparência e da eficiência dos
procedimentos. Onde todos dessa comunidade estarão vinculados a partir de uma
objetivação de saber comum.
Um paradigma nestas proporções contribuiria para a integração, a
uniformização e a padronização de qualquer processo implementado na estrutura
organizacional judiciária mediada pela tecnologia de uma Inteligência Artificial.
O modelo em que a intervenção humana era mais acentuada parece, aos
poucos, de acordo com vários aspectos, ter perdido intensidade quantitativa e
qualitativa.
As reformas, os mecanismos alternativos, as mudanças legislativas, a
implementação das súmulas em todas as suas modalidades sinaliza um interesse
em se conhecer tudo, ou melhor, tudo como pré-concebido como imaginava ser
possível Hart (2005, p. 141).

Se o mundo em que vivemos fosse caracterizado só por um número finito


de aspectos e estes, conjuntamente com o todos os modos por que se
podiam combinar, fossem por nós conhecidos, então poderia estatuir-se
antecipadamente para cada possibilidade. Poderíamos fazer regras cuja
aplicação a casos concretos nunca implicasse uma outra escolha. Tudo
poderia ser conhecido e, uma vez que poderia ser conhecido, poder-se-ia,
relativamente a tudo, fazer algo e especificá-lo antecipadamente através de
uma regra. Isto seria um mundo adequado a uma jurisprudência “mecânica”.

A uniformização estrutural, operacional e a tecnológica periférica do


aparelhamento estatal para a gestão de uma Justiça em números não atende aos

106Para Lévy: “Não é mais “cada um na sua vez” ou “um depois do outro”, mas sim uma espécie de
lenta escrita coletiva, dessincronizada, desdramatizada, expandida, como se crescesse por conta
própria seguindo uma infinidade de linhas paralelas, e, portanto, sempre disponível, ordenada,
objetivada sobre a tela (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na
era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 66).”
131

rigores desejados dos novos tempos, aliás, nem tão novos, porque os problemas
remontam a séculos, e a solução somente é pautada na ideologia programática da
norma com uma percepção futurista do “vai acontecer”.
A desconfiança como herdeira da incerteza passa a exigir um tratamento
regrado a formas e métodos mais eficazes, passíveis de resolução efetiva, conforme
se extrai do trabalho de Silva de Macedo.107
Os aspectos mencionados são respostas aos problemas da instabilidade na
condução das questões, em que as informações e dados são tratados com
disparidades pela inteligência humana.
Outra questão de fundo é a necessidade de ter um banco de dados e
informações que contribua para a otimização de tempo quando do resgate de
questões análogas, a partir da relação entre um sistema e as pessoas que o
utilizam. Problema esse incontornável e denunciado por Lévy.108
Com a adversidade, a complexidade e o aumento exponencial dos dados e
das informações, as associações realizadas pelas ações do homem passam por um
processo de decadência.
As falhas e os conflitos fazem do sistema operacional humano um mecanismo
de elevado risco de incerteza. No campo das decisões, das execuções ativas ou
passivas é que se concentram os maiores problemas, que dispensa um tratamento
individual em detrimento docoletivo.
Categorizar, ou seja, classificar em grupos e definir critérios para a modelação
das ações e dos movimentos representa um passo além da condição humana.

107 “[...] a necessidade consta de se recuperarem informações para atendimento das demandas dos
usuários. Esse atendimento constitui o processo básico de um sistema de recuperação de
informações (SRI). Através da resolução de problema dos usuários, verificam-se a adequabilidade e a
eficiência do SRI, em que vários fatores interferem no devido cumprimento dessa função. Ressalta-se
aqui a boa categorização dos objetos que induz a uma comunicação comum entre sistema e usuário.
Trata-se de um acordo cognitivo entre o indivíduo e a expressão formal do sistema que possibilita a
construção de um ambiente informacional significativo (MACEDO, Ana Cristina Pelosi Silva de.
Categorização semântica: uma retrospectiva de teorias e pesquisas. In: Revista GELNE, ano 4, n. 1,
2002, p. 302. Disponível em: <http://www.gelne.ufc.br/revista_ano4_no1_18.pdf>. Acesso em: 10 abr.
2013)”.
108 “Durante uma conversa normal, nós não dispomos de recursos externos para armazenar e
reorganizar à vontade as representações verbais e gráficas. É sobretudo por isso que trocamos
generalidades, palavras, mudamos de assunto, ficamos à deriva. Durante uma simples troca verbal, é
muito difícil compreender e mais ainda produzir uma argumentação organizada, complexa e coerente
em defesa de nossas ideias. Contestamos discursos com mais facilidade do que dialogamos. Usamos
processos retóricos mais do que raciocínio passo a passo. Reafirmamos nossos argumento sem vez
de avaliar em conjunto as provas e justificativas de cada inferência (LÉVY, Pierre. As tecnologias da
inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 66).”
132

Transpor a base de conhecimento humano por meio de ferramentas avançadas, que


possam dar aquela extensão e estabilidade uniforme, contribui para a previsibilidade
acontecer materialmente.
Aproveitar os conceitos criados pela linguagem, metodizá-los em novos
instrumentos, ferramentais, gramatizá-los, classificá-los, subdividi-los em níveis e
com isso cientificizá-los tecnologicamente, de modo que a comunicação em
reprodução, mediação e conclusão respeite os critérios de objetividade,
imparcialidade e neutralidade, revela-se justo e essencial.109 Considerando para
esse aspecto o ativamento dos agentes de segurança – legitimidade –, abre-se o
espaço para uma nova literatura dogmática, ou simplesmente para uma dogmática
que trabalhe com novas formas de conhecimento, pressupostos em elementos e
critérios diferentes, que garantam a efetividades dos aspectos ontológicos da
Justiça.
Em sendo as categorias e as categorizações formas de classificar a relação
do mundo/objeto e a participação do indivíduo/protagonista de sua realidade social,
as regras metodológicas (categorias e categorizações) passam a ser meios de
organizar todos os fenômenos das ações comportamentais sociais, visto serem elas
circunscritas em sua grande maioria por objetos e coisas.
No âmbito do sistema judiciário, as regras normativas e a categorização dos
casos bem como a uniformização de procedimentos para a resolução representam
uma modalidade de categorias e categorizações, que se realizam manualmente,
assessoradas pela inteligência humana.

109 Segundo Lévy esse encadeamento se dá “No meio móvel e mal delimitado da rede digital, de um
group-ware a outro, passaremos progressivamente do nível de leitor ao de anotador, depois ao de
autor. Hierarquias sociais poderão ser marcadas através dos direitos de escrita e anotação e de
conexão com hipertextos ou bancos de conhecimentos mais estratégicos ou menos estratégicos.
Apesar da provável manutenção de estratificações rígidas e privilégios, há grandes possibilidades de
que se acentuem a germinação incontrolável e a extensão rizomática da massa de representações
discursivas ou icônicas que já ocorrem hoje. / A digitalização permite a passagem da cópia a
modulação. Não haveria mais dispositivos de “recepção”, mas sim de interface para a seleção, a
recomposição e a interação. Os agenciamentos técnicos passariam a se assemelhar-se com os
módulos sensoriais humanos que, da mesma forma, também não “recebem”, mas filtram, selecionam,
interpretam e recompõem (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na
era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 132).”
133

Em se consolidando uma nova realidade a partir de uma aceitação do Estado,


o ato de decidir passaria a ser cada vez menor com a intervenção/mediação
humana, porque a decisão se encontraria tomada, necessitando somente de
aplicação, definida por padrões reconhecidos e validados, como verbalizado por
Silva.110
Isso não afasta a linguagem primária (verbalizada), pelo contrário é o
encontro das linguagens, porque a primeira vincula o homem ao mundo de que ele
participa: por ela as regras são definidas e conduzidas a um sistema que passa a
condicionar os acontecimentos, porém o sistema da ação gestual gera uma
adaptação complementar e conduz para as próximas ações um conteúdo residual, o
que contribui para o desenvolvimento e a definição das categorias em coletividades.
Observa Lévy (2011, p. 146).

As coletividades cognitivas se auto-organizam, se mantêm e se


transformam através do envolvimento permanentes dos indivíduos que as
compõem. Mas estas coletividades não são constituídas apenas por seres
humanos. Nós vimos que as técnicas de comunicação e de processamento
das representações também desempenhavam, nelas, um papel igualmente
essencial. É preciso ampliar as coletividades cognitivas às outras técnicas, e
mesmo a toso os elementos do universo físico que as ações humanas
implicam.

As categorias e a categorização são produtos organizacionais classificatórios


do meio, portanto, influenciáveis, no entanto, se levadas para um sistema, a
performance de resgate e a utilização das informações e dos dados se revelam
muito mais estáveis que a gestão daquelas proporcionada pelo indivíduo e o meio
que o alberga.
A esse respeito, esclarece Marcelo Stopanovski (SD/P) “[...]a habilidade de
categorizar é essencial à vida. Nenhuma outra habilidade é mais fundamental ao
pensamento, à percepção, à ação, à linguagem do que a categorização.”

110“A categorização integra o intelecto e o físico em âmbito biológico, mediante a sensação e a


percepção do mundo ao redor, sendo inclusive provocada por estímulos externos. Há todo um
aspecto nas neurociências para a explicação biológica do comportamento do organismo no processo
de categorizar. A categorização também se manifesta mediante a interação do indivíduo com o
mundo. Sem esta não há insumo para que o processo se dê, o gesto categorial implica o
conhecimento do novo ou a ressignificação do já conhecido. Lima (2007, p. 158) enuncia que “a
categorização passou de um processo cognitivo individual a um processo cultural e social de
construção da realidade” (SILVA, Ovídio A. Baptista; GOMES, Fábio Luiz Gomes. Teoria Geral do
Processo Civil. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 307).”
134

Além de categorizar todas as demais formas, métodos e engenharias para se


compreenderem as funções e as funcionalidades, a mente humana tem levado
grandes teóricos a participar de grandes e questionáveis experimentos.
Na teoria da representação da mente, a busca de tentar desvendar como a
mente opera representativamente é uma incógnita. Os processos mentais, a
estrutura e os procedimentos mesclados pelas ciências cognitivas e o senso comum
tentam dar uma explicação que represente a realidade vigente.
Em artigo publicado pela primeira vez qui 30 março de 2000, a revisão
substantiva em ter 11 dez 2012 http://plato.stanford.edu/entries/mental-
representation/, sobre a representação mental, o contrato pronto é evidente, senão
vejamos:

Realistas intencionais, como Duestske (por exemplo, 1988) e nota de Fodor


(por exemplo, 1987) que as generalizações que aplicamos na vida cotidiana
em prever e explicar cada comportamento do outro (muitas vezes
referendados coletivamente como “psicologia popular”) são extremamente
bem sucedidas e indispensáveis. Aquilo em que uma pessoa acredita, de
que duvida, que deseja, tema, etc é um indicador altamente confiável do
que essa pessoa vai fazer, e não se tem uma outra maneira de fazer sentido
de cada comportamento do outro na atribuição de tais estados, mesmo que
aplicando generalizações relevantes. Estamos, assim, comprometidos com
a verdade fundamental da psicologia do senso comum e, portanto, a
existência dos estados a que as generalizações se referem.

Por outro lado, em trecho da mesma citação:

Eliminativistas intencionais, como Churchland (talvez) Dennett e (ao mesmo


tempo) Stich argumentam que não há coisas como atitudes proposicionais
(e seus constituintes estados representacionais); elas estão implicadas com
a explicação e a previsão de sucesso de nossas vidas mentais e de
comportamento. Churchland nega que as generalizações, senso comum,
psicologias, atitudes proposionais sejam verdadeiras. Ele (1981) argumenta
que a psicologia popular é uma teoria da mente com uma larga história de
fracasso e declínio, e que resiste à incorporação no quadro das modernas
teorias científicas (incluindo a psicologia cognitiva).

Da relação reflexiva entre as duas posições (Realistas intencionais x


Eliminativistas intencionais), embora seja possível reconhecer neles em alguns
momentos a concretização de alguns casos, uma extensão com êxito da psicologia
do senso comum, da “psicologia popular”, estabelecida secularmente, tais condições
não se sustentam plenamente.
135

O risco da influenciabilidade nas decisões do homem, existente na obscura


seara da complexidade da mente humana em que habitam suas faculdades
psicologizadas, tudo indica que as entidades que permeiam a explicação
comportamental não têm assento ou estatuto racional suficientes em bases
cientificamente comprováveis.
Isso se dá por força das relações de causa e efeito na tentativa de explicar as
relações comportamentais, pois, sem uma teorização da mente, as explicações
sobre essas relações do comportamento humano tornam-se duvidosas, quando não
somente especulativas.
A partir das propriedades que compõem tal relação psicológica, em que os
atos se submetem a uma diversidade de efeitos intrínsecos e extrínsecos, o
comprometimento das propriedades elementares do estado mental é inevitável pelo
fator da imprevisibilidade advinda do sistema de funcionamento, como esclarece
(Tye, 2000).

Tye (2000) os distingue em termos de seus papéis funcionais e da estrutura


intrínseca de seus veículos: pensamentos são representações em um meio
semelhante à linguagem, ao passo que as experiências são imagens como
representações que consistam em (Cf.o “símbolo cheias de matizes” conto
de imagens mentais na Tye 1991).

As propriedades fenomenais da experiência são responsáveis por cristalizar


imagens proporcionadas por aquela, o que é diferente no pensamento e na
experiência de cada indivíduo, o que é causa provável e faz com que o correlato
risco da coexistência de conflito possa surgir.
É evidente que a não uniformidade de pensamento e da experiência é um
fenômeno variável incognoscível entre a espécie humana, mas de fácil constatação,
portanto, Horkheimer esclarece (2013, p. 13): “A plausibilidade dos ideais, os
critérios que norteiam nossa ações e crenças, os princípios orientadores da ética e
da política, todas as nossas decisões supremas, tudo isso deve depender de fatores
outros que não a razão”.
136

O ato de decidir, há tanto clamado pela objetividade do tribunal no objetivo


racional, não pode garantir imparcialidade e neutralidade, que se complementam
porque a supremacia das decisões é pautada por valores éticos subjetivos, distintos
das regras morais objetivas estabelecidas pelo homem.111 A instabilidade que se
encontra nos cenários da realidade social, na medida em que as relações mais
diversas recebem tratamentos também diversos e desuniformes causadores de uma
angústia insuperável, confere ao homem um caráter de incompletude, não podendo
servir sua inteligência, de base segura, para a realização do ato de julgar.
A ineficiência da capacidade racional de decidir tem levado o homem,
operador de um sistema de decisões, ao descrédito da instituição que ele representa
como elemento maior.
Buzzaid, nos idos de 1973, nas exposições de motivo já informava que o
malogro da Justiça não poderia ser atribuído ao processo, pois, para que a Justiça
acontecesse efetivamente, haveria de ter bons juízes.
Além disso, o mal da morosidade, da falta de efetividade material e outras
mazelas da Justiça, sua não solução como causa central não podem ser senão o
próprio homem.
Há a necessidade de se avaliar e reavaliar o quanto a interferência dos
valores influencia seus atos e o quanto (tempo) ainda a sociedade hesita em insistir
com sua participação direta à frente do sistema judiciário como protagonista do ato
de julgar.
Os valores psicológicos, sociológicos, antropológicos, dentre outros têm aos
poucos dado explicações científicas, sugestiona-se o homem a afastar-se da
incumbência racional ou racionalizante, de participar ativamente de atos ou ações
decisórias, em que o escopo se revela inatingível.
Forçar a execução de uma missão impossível, senão cinematograficamente,
tem-se revelado como um ato irracional, tal como a vã tentativa de dar objetividade

111 Como esclarece Goldstein, “A inevitável incompletude até de nossos sistemas formais de
pensamento demonstra que não existe um fundamento sólido que sirva de base a qualquer sistema.
Todas as verdades – mesmo aquelas que pareciam tão certas a ponto de serem imunes a toda
possibilidade de revisão – são essencialmente manipuladas. De fato, a própria noção da verdade
objetiva é um mito socialmente construído. Nossas mentes cognoscentes não estão entranhadas na
verdade. Pelo contrário, toda a noção de verdade está entranhada em nossas mentes, elas próprias
os lacaios involuntários de formas organizacionais de influência. A epistemologia nada mais é que a
sociologia do poder. Assim é, de certa forma, a versão pós-moderna de Godel (GOLDSTEIN,
Rebecca. Incompletude: a prova e o paradoxo de Kurt Gödel; tradução Ivo Korytowski. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008, p. 21).”
137

legal, ou seja, de atingir de modo regulatório e satisfatório a objetividade resolutiva


dos problemas, face à complexidade da realidade social existente, aliada à
falibilidade.
O sistema de decisões tenta superar essas dificuldades, à proporção que o
comportamento é balizado por padrões reconhecidos pela lei, todavia, implícita e
subjetivamente, o operador se envolve mesclando ou mixando a objetividade da lei
com sua pessoalidade e subjetividade intelectivas manejadas pelas técnicas de
interpretação desenvolvidas pelo próprio sistema, como tentativa de garantir a
estabilização e a efetividade da materialidade normativa.
O problema evidente, portanto, encontra dimensionamento no caminho que
medeia entre a objetividade normativa, e as ações humanas objetiva do operador,
além dos fatores sociais que o envolvem.
A capacidade racional da consciência enfrenta a encruzilhada intelectual da
psique e sua arriscada travessia na busca da responsabilidade de assumir a real
certeza no terreno da Justiça material.
Os fins objetivados pelo homem em muitos aspectos se perdem nos meios,
visto que sua cognição limitada implica uma limitada capacidade em decidir, o que
faz com que a insegurança e outros fatores aflorem, colocando em risco o próprio
sistema jurídico.
138

7 O SISTEMA NEUROLÓGICO HUMANO

7.1 A dinâmica do cérebro humano e sua importante contribuição para o rompimento


de limites

O sistema neurológico humano, atualmente, considerando-se o estágio do


avanço da ciência da medicina, tem-se descoberto tão complexo quanto imaginamos
ser. É suscetível de ser representativo de uma das viagens rumo ao desconhecido
mundo por onde caminha a vida humana cerebral e todas as suas faculdades, tais
como: memória, mente, consciência, pensamento, percepção dentre outras.
Se a hipótese da viagem se converte concretamente, existe uma grande
probabilidade de, quando do seu retorno, ter o pesquisador criado uma teoria da
mente humana, o que ainda não existe, porém se apresenta como uma hipótese
desafiadora que se refugia no mundo da pesquisa, diuturnamente.
O caráter científico como forma de obter informações, de como o cérebro
funciona está validado e justifica-se tamanho desafio. Esse, portanto, é a uma das
missões mais desafiadoras do atual estágio do desenvolvimento da ciência e dos
cientistas que se ocupam do estudo do cérebro humano.
Toda fronteira disponibiliza uma linha com o desconhecido. A psicologia e a
neurobiologia em todas as antigas e modernas escolas fornecem vasta literatura
para dar condições à compreensão e à explicação aos fenômenos envolvendo a
mente do homem.112

112 Para Lévy, “A ecologia cognitiva nos incita a revisar a distribuição kantiana dos papéis entre
sujeitos e objetos. A psicologia contemporânea e a neurobiologia já confirmaram que o sistema
cognitivo humano não é uma tábua rasa. Sua arquitetura e seus diferentes módulos especializados
organizam nossas percepções, nossa memória e nossos raciocínios, de forma muito restritiva. Mas
articulamos aos aparelhos especializados de nosso sistema nervoso dispositivos de representação e
de processamento da informação que são exteriores a eles. Construímos automatismos (como o da
leitura) que soldam muito estreitamente os módulos biológicos e as tecnologias intelectuais, o que
significa que não há nem razão pura nem sujeito transcendental invariável. Desde o nascimento, o
pequeno humano pensante se constitui através de línguas, de máquinas, de sistemas de
representação que irão estruturar sua experiência (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o
futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro:
Ed. 34, 2011, p. 163).”
139

De uma forma mais restritiva, para tentar aproximar-se melhor da realidade


científica e extrair dessa uma maior compreensão de como se estabelecem as
funcionalidades cerebrais do homem, é preciso estudá-lo em suas minúcias. Nesse
contexto, a psicologia, neurologia e suas áreas derivadas em especialização são
ciências que vêm buscando dar efetiva resposta.
Ainda que não se esgote todo o conteúdo, a proposta de sistematização
ofertada pelas referidas áreas de pesquisa tende a cada momento de seu trabalho
avançar na descoberta de novas informações e dados que possam contribuir com o
avanço da própria ciência.
Essa dinâmica é compatível com a natureza da ciência, do definitivo, porém
sempre provisório. Esquematizar e ilustrar como a máquina central operacional que
comanda a biossistema humano desenvolve suas funcionalidades e revela-se
essencial como pressuposto necessário para a comprovação da limitação cognitiva.
Isso é evidente, visto que o próprio homem sequer consegue explicar-se
frente aos mistérios de seu sistema processador e programador de ideias,
pensamentos, decisões e demais atos que, de uma forma ou de outra, esbocem seu
ato volitivo intencional em prover uma ação positiva ou negativa.
O processo histórico do homem registra momentos de crença e de descrença,
não somente sobre aquilo que não enxerga como o seu contrário. Esse retrato, que
ilustra um determinado texto e contexto social, revela que o conhecimento, as
faculdades intelectivas e neurais, e a cognoscibilidade sobre os objetos e o mundo
de uma forma geral não se encontram dentro de sua cabeça.
Comprova-se, dessa maneira, que a capacidade cognitiva do ser humano e
sua relação com as coisas e o mundo seja um processo exógeno. Por outro lado, há
que se considerar, e não restam dúvidas a respeito disso, que todo o processo
intelectivo seja realizado endogenamente.
Essa gestão neural-intelectual acontece dentro do cérebro humano, que é
abastecido por intermédio de informações e dados empiricamente catalogados pela
racionalidade humana na sociedade em que vive. Tal processo gera condições para
que o indivíduo se compreenda e consiga relacionar-se bem com as coisas e seus
assemelhados perante o mundo que os rodeia.
140

O processo apontado ainda permite o desenvolvimento de habilidades e


competências que coloquem o indivíduo em condições de atingir a cada instante um
ponto diferente em sua existência. Para Oliveira Lima (2010, p. 2), em artigo
intitulado “Modelos de categorização: apresentando o modelo clássico e o modelo
de protótipos geram inquietações”:

Desde a época de Aristóteles, já havia a preocupação com as práticas de


nomear, definir e categorizar. Com o desenvolvimento dos estudos na
ciência cognitiva, a visão de como categorizamos sofreu modificações. A
categorização passou de um processo cognitivo individual a um processo
cultural e social de construção da realidade que organiza conceitos,
parcialmente baseados na psicologia do pensamento. A informação
perceptiva e fundamental na definição das extensões de uma categoria,
porque, a categorização não é feita artificialmente, mas, sim, levando-se em
conta as informações do mundo a que pertencemos e como respondemos a
elas. Na categorização, o reconhecimento das similaridades e diferenças
leva a criação de um conhecimento novo, pelo agrupamento de entidades,
de acordo com as similaridades e diferenças observadas.

Nota-se que o aspecto essencial da cognição é a habilidade de categorizar:


julgar que uma coisa particular é ou não é, é um exemplo de uma categoria
particular. Nesse processo, entidades distintas são tratadas como equivalentes, o
que faz a categorização ser considerada como um dos principais processos
cognitivos para organizar e conduzir a compreensão de como a cultura e a
sociedade edificam sua realidade a partir de conceitos.
Sabe-se que as ciências cognitivas têm como objeto de estudo os processos
gerais regentes da percepção, da organização, do armazenamento, da recuperação
e da utilização dos dados e informações, bem como de formas como se organiza a
representação dessas atividades.
A organização conceitual está diretamente relacionada à capacidade de
aprender. Ela supõe, então, que a assimilação de novas informações, sua
estocagem e sua acomodação são materialmente construções realizadas por
intermédio de uma psicologia do pensamento.113 Todo esse processo é realizado

113 Segundo Bezerra (2011, p. 2), “Esta realidade exige como condição para a mudança, não
apenas a solução de problemas estruturais das escolas, mas também conhecimento de como
realmente se aprende e o que acontece quando aprendemos, subsídio que pode ser fornecido pelas
neurociências”. E complementa o mesmo autor (2011, p. 5): “À década de 90 – conhecida como a
“década do cérebro” – trouxe avanços tecnológicos e ferramentas para estudar a estrutura cerebral e
seu funcionamento. As técnicas de neuroimagem possibilitaram um mapeamento do cérebro humano
e trouxeram subsídios para um maior conhecimento dos mecanismos cognitivos. Esses novos
conhecimentos nos possibilitam saber que lidamos, predominantemente com três estilos de
aprendizes. São eles: 1) aprendizes visuais que prestarão uma atenção particular às informações
141

dentro do cérebro humano a partir do contato do homem com os objetos e com o


mundo. Uma das questões que vai além da busca por compreender como é
realizado tal fenômeno seria, a partir dessa compreensão (teorização), obter a
possibilidade de transportar e replicar as funções categoriais para uma base artificial,
conservando nela todo o processo realizado pelo cérebro humano.
O questionamento desse ponto dentro de uma perspectiva desenvolvimentista
apresenta-se no domínio do possível, uma vez que, se a cognição é um processo de
categorização da mente, é possível que tal organização possa ser realizada a partir
de estrutras lógicas e/ou de algoritmos e sistemas de cognição artificialmente
programados.
Em simetria com a estrutura cognitiva do cérebro e suas faculdades
funcionais e reservando a natureza formal e material de cada sistema, resta uma via
restritiva quanto ao processamento das categorias cerebrais, dado o mapeamento
de todas as possibilidades categoriais.
A mente humana é um centro decodificador e de interpretação das
informações fluido também semanticamente. Busca-se na mente, por seus recursos,
o significado dos objetos enquanto coisas e do mundo enquanto fenômeno dos
acontecimentos, em que a transformação que decorre dessa interação produz,
novos conhecimentos.114

visuais, incluindo texto; 2) aprendizes auditivos para quem as informações tornam-se mais
assimiláveis pela discussão; 3) aprendizes cinestésicos ou táteis que aprendem melhor quando
envolvem diretamente o corpo e podem precisar se “tornar” aquilo que estão aprendendo
(SPRENGER, 2008, p. 33)”.
114 Para Oliveira Lima: “Nosso conhecimento reside na memória semântica, a qual Eklund (1995, p.4)
define como uma rede de conceitos inter-relacionados. Os processos cognitivos são atividades
mentais como o pensamento, a imaginação, a lembrança e solução de problemas (ALLEN, 1991, p.
13). Como ocorre em outras situações humanas, essas atividades diferentes de habilidade em
raciocínio lógico e em memória visual podem afetar o desempenho na recuperação da informação. A
cognição humana é essencialmente organizada como uma rede semântica, na qual conceitos são
ligados pelas associações (LIMA, Gernica Ângela Borém de Oliveira. Modelo de categorização:
apresentando o modelo clássico e o modelo de protótipos. Perspectivas em Ciência da Informação,
Belo Horizonte, v. 15, n. 2, mai./jun.2010, p. 3. Disponível em:
<http://www.brapci.ufpr.br/documento.php?dd0=0000009070&dd1=92ef2>. Acesso em: 10 abr.
2013)”.
142

Embora semelhantes, a estrutura e o modelo funcional, em que pese estarem


em consonância com a psicologia clássica de Hull, apresentam as complexidades e
as capacidades em habilidades e competências do que aconteceu no cérebro
humano, que o fazem ser um “Ser” integrativo cujo pensamento, processado de uma
forma, é exteriorizado através de uma outra forma de cognição: a cognição
linguística.
As cognições são formas de conhecimentos, e não existe apenas uma forma
delas; é comum que não se limitem aos limites de seus conceitos que, embora
portadores de definições, esclarecimentos, compreensão do que são, promovam a
interatividade e a integração dos antigos aos novos conhecimentos, até o limite de
sua capacidade.
Pode-se, pois, afirmar que o ser humano é peculiar em detrimento das demais
espécie animais, porque sua estrutura cerebral e suas faculdades intelectuais que
habitam o sistema neural são responsáveis por definir seu funcionamento com
propósitos distintos, que vão além de sua mera sobrevivência. Essa peculiar
distinção, todavia, não o isenta dos efeitos do ambiente que o envolve e demais
fatores que possam influenciá-lo cognitivamente de alguma forma.
A complexidade e a multiplicidade de fatores têm tornado a caminhada do
homem muito mais distante de uma explicação definitiva sobre si e seus propósitos,
como uma das espécies que habita não isoladamente uma das galáxias do sistema
solar.
A relação de significado e de representação, apesar de não artificialmente
construída, acontece a partir de um contato do homem (que tem conhecimento sobre
o mundo ou passa a tê-lo pela interação interdependente) e o mundo (que interage
sobre ele). É nesse fluxo que a comunicação se estabelece e tudo acontece.115

115Para Azevedo, “Significado – Para Langacker (2004), na perspectiva da linguística cognitiva, os


significados estão nas mentes dos falantes e ouvintes. A concepção desse modelo não é, no entanto,
estática, mas sim compatível com a visão interativa do significado (como emergindo na interação
social) sendo co-construído com base nas várias dimensões do contexto. Para o autor, nas mentes
encontram-se preconcepções, expectativas acerca dos significados usuais das palavras, bases sobre
as quais a negociação pode ocorrer. Langacker (2004) define significado linguístico de maneira não
técnica, admite ser a definição vaga, apesar de preferi-la a outra mais precisa, mas que totalmente
composicional: “... além de elementos que sejam inquestionavelmente semânticos, o significado de
uma expressão inclui quanta estrutura adicional for necessária para tornar a conceptualização
coerente e refletir o que o falante ingenuamente veria como sendo o que se quis dizer e o que se
disse, enquanto excluir fatos que sejam inquestionavelmente pragmáticos e desnecessários para se
fazer sentido do que está linguisticamente certificado (AZEVEDO, Adriana Maria Tenuta de.
Estrutura narrativa e espaços mentais. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2006, p. 25.
Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/site/E-
143

A comunicação realizada no cérebro humano acontece de diversas formas,


todavia o que predomina na comunicação humana comumente é a linguagem
semântica cognitiva.
Linguisticamente, representa um fio condutor para a acessibilidade da
comunicação e realiza a estruturação do conhecimento. A linguagem é decisiva para
definir-se em que frequência a mente humana irá estabelecer o processo de
comunicação e as funções desencadeadas dentro do processo neural.
A atividade primordial dos cientistas que se dedicaram ao funcionamento do
cérebro é catalogar, definir e conceituar as inúmeras possibilidades de ações e
reações realizadas pelo sistema cerebral neural. A categorização das faculdades
mentais, dado o desenvolvimento da ciência e sua integração, já é avançada,
entretanto não ainda o suficiente a atingir a completude/teorização do cérebro. O
homem, em muitos aspectos, a este respeito, já está reposicionado para não colidir
com os novos territórios cognitivos que hão de ser conquistados.
Esse trabalho, o da pesquisa contínua, em que há sempre novas
descobertas, também tem contribuído para o seu próprio desenvolvimento entrópico,
uma vez que a troca de energias entre o humano e o tecnológico tem determinado o
avanço de novos horizontes. Esclarece Azevedo (2006, p. 30):

Esquemas nesse contexto são expectativas construídas tendo por base


nossas rotinas, são parte de nossa história. Ao interagirmos com o mundo,
não partimos de um ponto zero; a todo instante, temos por base certas
expectativas em relação ao universo à nossa volta, esquemas
internalizados.

A própria interação e a negociação constantes garantem a possibilidade de


alteração e flexibilização. Esquemas, portanto, não apresentam caráter de rigidez ou
constância absoluta. É um processo dinâmico de materialização e de rotinização da
experiência que habita o sistema neural cerebral.
Relacionadas a essas expectativas, mapas de possibilidades semânticas,
ainda há os esquemas de evento que, por sua vez, são situações iminentes e de
possibilidades sobre toda uma sequência de acontecimentos de determinados
eventos.

Livros/Estrutura%20Narrativa%20&%20Espa%C3%A7os%20Mentais.pdf>. Acesso em: 14 abr.


2013).”
144

A compreensão do sentido de um item lexical envolve conhecimento (s),


esquema (s) ao (s) qual (is) esse item pertence, no contexto de uso. As palavras
evocam sistema (s), redes emergentes de significados, aplicáveis a qualquer nível
gramatical: ao léxico, à morfologia, à sintaxe, ao discurso.
A estrutura esquemática narrada e as imagens produzidas dentro do espectro
do espaço mental são formas de linguagens que proporcionam a comunicação do
homem com o mundo.
Nesse ambiente, o sistema neural processa todos os dados e informações e
em tal processo realiza subjacentemente outras produções. Tais cenários mentais
catalogam informações empíricas e racionais. A linguística da linguagem humana, se
está nesse grau de avanço e contínuo estudo em pesquisa, é porque busca dar uma
explicação ao fenômeno da comunicação. Isso se dá pelo foco e pela repetição.
O processamento das redes neurais ainda passa por um processo de
catalogação, todavia, concomitantemente com a conceituação das partes, dos
setores e da linguagem utilizada, acontece sistematicamente a comunicação.
A comunicação e a compreensão são vivenciadas no dia a dia. O dinamismo
e a forma como isso acontece são mediados pelos estudos da linguística, da
gramática e de todas as demais ferramentas. A gramática, a linguística e outras
formas que entremeiam o sistema neural parecem necessárias, são condições para
a comunicabilidade.
Os elementos da linguagem, independentemente de sua natureza, são
essenciais tanto quanto as estruturas que compõem a linguagem tecnológica nos
sistemas binários.
Em ambas as estruturas, algum tipo de linguagem se faz presente para a
existência do processo de comunicação. A integração e a conexão para conversão
são pontos essenciais para as comunicações e para as linguagens.
Considerando que pelas redes neurais as operações cognitivas constroem o
pensamento, e que neste processo os conceitos são portados como satélites de um
sistema central, o mapeamento sem agredir o sistema explorado é uma condição
elementar para o avanço da ciência no sentido de descobrir os elementos neurais
conectores responsáveis pelo funcionamento do cérebro, bem como se dá seu
processamento, considerando as variáveis em probabilidades.116

Para Azevedo, “O conceito de espaços mentais constitui um elemento importante para a descrição
116

de operações cognitivas ligadas ao pensamento. As expressões linguísticas e a gramática são


145

Parafraseando Fauconnier, os espaços mentais são catálogos do mundo real,


porém não são realidades no mundo real, proporcionam fluidez e contribuem
ocasionalmente de forma compartilhada quando se descreve o mundo real.
A conexão e a integração dos “imputs” é o que se denomina de mesclagem.
Esse modelo é decisivo no processo de comunicação, conforme esclarece Azevedo
(2006, p. 45):

Para Coulson & Oskley (2000) a teoria da mesclagem evidencia a relação


entre a compreensão da linguagem e os processos de pensamento e da
atividade humana, porque, na construção do significado, estão envolvidos,
além das estruturas linguísticas, outros elementos: o contexto, o
conhecimento de mundo e as habilidades cognitivas gerais.

Apropriando-se desses elementos, o sistema neurológico constrói sua


dinâmica de funcionamento. Biologicamente existe uma correlação natural entre
estrutura cerebral e suas funções, fatores essenciais para a produção científica de
indicadores e demais formas para se conhecer o funcionamento do cérebro humano.
Nos limites da presente pesquisa, que envolve a relação entre tecnologia
entre inteligência humana e artificial, a questão que exige mais explicitação está na
compreensão entre as estruturas e as funções, considerando a natureza de cada
espécie de inteligência, ou seja, por serem respectivamente dinâmica e estática.
Extrair a pertinência sistemática da inteligência humana para a biológia é o
mesmo que extrair do sistema neurológico cerebral da espécie humana de forma
objetiva a estrutura esquemática e as funções correspondentes, dando condições de
simular em semelhança por outro canal em tecnologia em inteligência as respectivas
redes.117 O sistema neurológico humano é um molde complexo dententor de uma

mediadoras de um processo dinâmico no qual espaços mentais são criados, estruturados e


interconectados. Nesse processo, ocorrem mapeamentos e projeções (metafóricas, de identidade ou
transformação, de frames e seus elementos, etc) (AZEVEDO, Adriana Maria Tenuta de. Estrutura
narrativa e espaços mentais. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2006, p. 35.
Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/site/E-
Livros/Estrutura%20Narrativa%20&%20Espa%C3%A7os%20Mentais.pdf>. Acesso em: 14 abr.
2013).”
117 Segundo Changeux, “O biólogo deve definir previamente níveis hierárquicos pertinentes no plano
funcional, e isto antes mesmo de iniciar uma pesquisa experimental. / Pois bem, os filósofos do
“espírito”, os maiores deles em especial, como Kant, interessam-se por essa questão. Kant distingue
desse modo três níveis, que me parece ser o caso de recordar. / O da sensibilidade, definido pela
capacidade de receber “impressões” por meio dos órgãos dos sentidos. O do entendimento, ou
faculdade dos conceitos, que permite a síntese dos elementos sensíveis. O da razão, que contém os
princípios do uso de conceitos espontaneamente produzidos pelo entendimento. Tais distinções
kantianas permitem conceber três níveis de abstração: 1. A elaboração de representações a partir
146

dinâmica com seus limites no funcionamento neural do cérebro da espécie humana.


Neste aspecto substituído por outra linguagem e toda uma sistematização distinta,
porém em similiar “simulada” performance, orientou a análise, o projeto e a
construção das redes neurais em Inteligência Artificial.

dos objetos do mundo exterior; 2. Sua abstração em conceitos; 3. A organização desses conceitos
em abstrações de ordem mais elevada... tudo isso, bem entendido, no cérebro. Após havê-las
definido, pode-se tentar, sob seu próprio risco e perigo, relacionar essas “faculdades” com as
organizações conexionais de nosso encéfalo (CHANGEUX. Jean-Pierre; CONNES, Alain. Matéria e
pensamento; tradução Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Ed.Unesp, 1996, p. 99).”
147

8 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

8.1 Aspectos estruturais e dinâmicos do sistema da Inteligência Artificial

A história, às vezes pouco atrativa aos olhos dos homens como gênero, faz
brilhar, por intermédio das janelas da alma, o inusitado, o retrato de uma nova
realidade, frente a seus assemelhados, considerando a singularidade de cada
criatura humana.
Isso comprova a identidade individual da espécie humana, que, ao mesmo
tempo em que é composta de seres iguais, em suas peculiaridades e atributos,
distinguem-se uns dos outros, o que é, por certo, uma das principais causadoras das
desigualdades.
A questão que se põe e de que por vezes se esquece é que o homem sequer
consegue explicar sua própria origem ou o sentido de sua vida de forma satisfatória.
A crença nas hipóteses e nas suposições acaba dando respostas muitas vezes,
vazias, paliativas e confortadoras dessas inquietações, mantendo a espécie humana
em um sonho de ilusões.
Perdido na odisseia de seu eu, no abismo do desconhecido, proporcionado
pela imensurável dimensão do universo que o cerca, o homem somente se vale dos
limites de sua cognição para compreender o mundo que habita. Essa anomalia
cognitiva acredita-se ser um dos maiores problemas da humanidade para seu
desenvolvimento positivo e o enfrentamento dos desconhecidos desafios. Segundo
Gardner (1995, p. 19),

Defino ciência cognitiva como um esforço contemporâneo, com


fundamentação empírica, para responder a questões epistemológicas de
longa data – principalmente aquelas relativas à natureza do conhecimento,
seus componentes, suas origens, seu desenvolvimento e seu emprego.

No desconhecido, a certeza passa a ser um juízo de improbabilidade, na


medida em que ela e as convicções enfrentam no tempo uma verdade quase
sempre provisória.
148

Essa ilusão como “ente” faz parte da realidade do homem, medeia suas
inumeráveis tentativas pela compreensão de seu passado, presente e futuro, muitas
vezes em vão, porque o referido exercício tem sua essência em causas pouco
prováveis, dada a provisoriedade que ronda.
Isso acontece devido a uma complexa e influenciável força incontornável e
incomensurável de variáveis visíveis e invisíveis que afetam a razão humana e as
faculdades intelectivas dessa espécie. O limitado e insuficiente conteúdo do saber
proporcionado pelas normas cognitivas que o estruturam também é contribuinte
dessa fatalidade. Segundo Penrose (2014, p. 1375)

Más que intentar responder a la pregunta <<quê>>?, lá mayoría de los


científicos modernos tratarán de evitarla. Intentarán argumentar que la
pregunta há sindo mal planteada: no deberíamos preguntar qué es la
realidade, sino meramente como se comporta <<Cómo>>? Es, de hecho,
una pregunta fundamental que podemos considerar que há sido uno de los
intereses principales de este libro. Cómo describimos las leyes que rigen
nuestro universo y sus contenidos?

Essa misteriosa relação sobre o conhecimento apresenta-se como uma


questão delicada para a espécie humana que o concebe como algo exclusivo,
particular, incopiável e irreproduzível por qualquer outra forma de inteligência, pois
no universo da realidade tomada para si passa a pensar que reina
soberanamente.118 As máquinas provavelmente se afiliam ao conhecimento por
descrição na denominação russeliana do termo, dada sua natureza inanimada, sem
ter o prejuízo quanto aos aspectos qualitativos e quantitativos sempre que a
natureza humana se encarregar de programá-la e introduzir técnicas cognitivas que
reproduzam a condição análoga à espécie humana. Para Ganascia (1997, p. 72)
seria o estatuto básico do conhecimento ou regra matriz do conhecimento albergado
entre homens e as máquinas:

118Segundo Ganascia (1997, p. 73): “Lembremos uma distinção clássica entre dois sentidos do termo
“conhecimento”, um sentido forte, segundo o qual, o conhecimento provém de uma intimidade, de
uma familiaridade de um contato prolongado com as coisas; e um segundo o qual o conhecimento é
transmissível, é ensinado. Entendido na primeira acepção, o conhecimento é eminentemente
subjetivo, é o fruto de uma experiência pessoal e de uma história individual, enquanto, no segundo
sentido, o conhecimento designa aquilo que pode ser extraído da relação privilegiada entre um sujeito
e um objeto e que, por isso, pode ser transmitido. Para retomar os termos empregados por Bertrand
Russell, isso leva a distinguir entre um conhecimento por frequentação, isto é, por contato pessoal, e
um conhecimento por descrição”.
149

Tornou-se claro, então, que não havia forma milagrosa, solução universal,
palavra mágica. Rápidamente, nos demos conta de que não poderemos
pretender que uma máquina fosse inteligente, a não ser que ela dispusesse
de um saber análogo ao saber humano e de conhecimentos numerosos e
variados.

A dificuldade do homem em realizar suas ações isentas de parcialidade e de


influências internas e externas acontece pela natureza aberta de seu sistema
cognitivo, em que ele é um elemento marcado pelo metabolismo da transformação
de natureza biológica, e não simplesmente pela retroalimentação de dados e
informações como acontece nos sistemas cibernéticos tecnológicos. 119 Esse caráter
duvidoso, marcado pela ausência de uma garantia da certeza, da previsibilidade,
gera insegurança pela falta de exatidão dos fins almejados, e isso contribui, na
contemporaneidade, para o surgimento de novas formas de linguagem e, com elas,
de inteligência ao estabelecimento não somente da comunicação, mas como
instrumento de realização de suas ações no campo da previsibilidade e da certeza.
Isso parece essencial no direcionamento do homem na travessia do novo milênio.
Para Arendt (1979, p. 40)

O problema, contudo, é que, ao que parece, não parecemos estar nem


equipados nem preparados para esta atividade de pensar, de instalar-se na
lacuna entre o passado e o futuro. Por longos períodos em nossa história,
na verdade no transcurso dos milênios que se seguiram a fundação de
Roma e que foram determinados por conceitos romanos, esta lacuna foi
transposta por aquilo que, desde os romanos, chamamos de tradição. Não é
segredo para ninguém o fato de essa tradição ter-se esgarçado cada vez
mais à medida que a época moderna progrediu. Quando, afinal, rompeu-se
o fio da tradição, a lacuna entre o passado e o futuro deixou de ser uma
condição peculiar unicamente à atividade do pensamento e adistrita,
enquanto experiência, aos poucos eleitos que fizeram do pensar sua
ocupação primordial. Ela tornou-se realidade tangível e perplexidade para
todos, isto é, um fato de importância política.

119 Para Lévy, “Não somente cada palavra transforma, pela ativação que propaga ao longo de certas
vias, o estado de excitação da rede semântica, mas também contribui para construir ou remodelar a
própria topologia da rede ou a composição de seus nós. Quando ouvi Isabela declarar, ao abrir uma
caixa de raviólis, que não se preocupava com dietética, eu havia construído uma certa imagem de
sua relação com a comida. Mas ao descobrir que ela comia uma maçã “por suas vitaminas” sou
obrigado a reorganizar uma parte da rede semântica a ela relacionada. Em termos gerais, cada vez
que um caminho de ativação é percorrido, algumas conexões são reforçadas, ao passo que outras
caem aos poucos em desuso. A imensa rede associativa que constitui nosso universo mental
encontra-se em metamorfose permanente. As reorganizações podem ser temporárias e superficiais
quando, por exemplo, desviamos momentaneamente o núcleo de nossa atenção para a audição de
um discurso, ou profundas e permanentes como nos casos em que dizemos que “a vida” ou “uma
longa experiência” nos ensinaram alguma coisa (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o
futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro:
Ed. 34, 2011, p. 24)”.
150

As novas redes de comunicação, de diálogo, de conexão apresentam-se com


mais eficiência, pela velocização da vida de um modo geral. Como um produto
oriundo da revolução industrial a serviço do capitalismo, elas têm proporcionado uma
agilidade maior na integração das efervescências cognitivas existentes.
No entanto, esse fenômeno somente se concretiza com o reconhecimento de
uma nova tecnologia capaz de integrar, unificar e uniformizar dados e informações
bem como possibilitar que essa nova forma de inteligência possa armazenar dados e
informações, a partir de padrões de segurança comprováveis pelos critérios próprios
de sua natureza. Isso responde, de forma clara e objetiva, às questões que possam
envolver outras ciências que demandem o uso das técnicas cognitivas da IA.
Para isso, a Inteligência Artificial sofreu grandes mudanças, não somente pela
resistência – credibilidade e confiança dos seus métodos – mas pela necessidade de
se fazer uma forma cognitiva igual ou superior à inteligência humana no desígnio de
suas atribuições. Para Ganascia (1997, p. 44):

A IA apelou, inicialmente para outras disciplinas, como a lógica ou a


linguística, que se preocuparam antes dela com a noção de sentido. Em
seguida, ela foi levada a forjar suas próprias ferramentas, apelando à noção
de símbolo e depois as de conhecimento e representação.

Os vícios comuns à espécie humana, seus limites e suas dificuldades devem


ser superados com o advento dessa nova forma de inteligência, passando suas
ações a serem realizadas por novas formas e novos métodos, capazes de
compensar as debilidades humanas. A complementação às ações do homem são
recursos tecnológicos que começam a surgir e ganham espaço e destaque em meio
a sua limitada inteligência e suas condições.
A nova forma de inteligência fomenta e fornece a disponibilidade de se
alcançar a realização das ações humanas por intermédio de um sistema de
programação artificial, em que a metodologização das ações humanas passa de
seus limites, costumeiramente questionados e indissolúveis (sem resolução), como
historicamente se tem provado. Isso advém da impossibilidade do próprio homem
em cingir-se instrumentalmente em suas ações da morfogênese, resiliência e
unidirecionalidade.
151

Suas limitações têm trazido o questionamento e a reflexão sobre a


possibilidade de se dizer o mundo, por intermédio de uma inteligência distinta
embasada em uma linguagem artificial, que atue complementarmente ou, em
algumas circunstâncias, substitutivamente porque muitas das ações humanas não
pressupõem mais uma atividade cognitiva reflexiva e tão somente de mera
reprodução (repetibilidade).
No ambiente do intelectual das ciências jurídicas, muitos casos, após
exaustiva discussão da matéria de Direito, assentam-se em uma tese jurídica
denominada de precedente. Semelhante técnica de estabilização do sistema das
decisões para uniformização, estabilização, previsibilidade e segurança do Direito e
da Justiça é secular e tem-se mostrado com características positivas no ambiente
familiar jurídico da família processual da common law em que a civil law vem-se
inspirando em característico comportamento intercambial intelectual há tempo.
O novo-reformado Código de Processo Civil nacional traz o instituto da
Instauração de Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva (IIRDR), o qual
irradia a técnica do precedente judicial com vocação verticalizadora e vinculativa. A
discussão encerrou-se no ambiente ideológico e hermenêutico interpretativo de uma
questão de ordem jurídica com relação ao fato e à juridicidade normativa.
Isso significa dizer que a fixação da tese permite que seja desenvolvido por
intermédio de uma matriz de caso um sistema em programação que, em linhas
gerais, possa identificar, conciliar e replicar a decisão do precedente já firmado.
Segundo Kevin Knight (1993, p. 291)

A principal ideia por trás das redes semânticas é que o significado de um


conceito vem do modo como ele é conectado e outros conceitos. Em uma
rede semântica, as informações são representadas como um conjunto de
nós conectados entre si através de um conjunto de arcos marcados, que
representam relações entre nós.

Essas novas condições, ou seja, com o reconhecimento e a implantação de


uma nova inteligência em que se fazem presentes os atributos diferenciais
mencionados, a nova linguagem seria capaz de proporcionar que os resultados
desejados sejam efetivamente obtidos.
152

A partir de uma verificação capaz de fazer com que os erros estimulem


sistematicamente a correção das estruturas e com isso os objetivos pretendidos
sejam alcançados proporcionados pelo foco em resultados predeterminados, no 9º
Brazilian Conference on Dinamics, Control and their Aplications, é possível extrair
uma melhor compreensão da dinâmica tecnologia das redes neurais artificiais.120
É possível extrair-lhe as informações e os dados a serem convertidos em
símbolos, axiomas, teoremas compostos por toda uma gramática tecnológica para
que se possa chegar aos mesmos resultados firmados no precedente definido e em
um código fonte.
Para que isto aconteça, resta teorizar o esquema de funcionamento e
transformá-lo em regra a ser inserida dentro do ordenamento jurídico com um
instituto de Direito.
Disso ou para que tal propósito avance com higidez, registram-se algumas
das mais relevantes incógnitas no ambiente dogmático jurídico, tais como: a
definição conceitual efetiva do que seja a Inteligencia Artificial, como se dá seu
conhecimento, sua estrutura e como consegue, por meio de suas técnicas, captar e
relacionar os atos e os fatos da vida social.
É importante correlacionar os dispositivos que impõem a regra de conduta
mediante sanção legal, dentre outras inúmeras questões pertinentes e essenciais
para que existam e sejam superadas, pois não mais se pode aceitar o sacríficio da
vida humana em função da incerteza e da insegurança, quando existem “meios”
compatíveis para evitá-las.

120 “As Redes Neurais Artificiais (RNA) são concepções em hardware e/ou software que exibem
capacidade de aprender com a experiência. Para se conseguirem resultados desejados, ou seja, que
a rede apresente condições de efetuar diagnósticos complexos como é o caso do reconhecimento de
padrão, previsão, etc redes deverão apresentar configurações formadas por várias unidades de
“neurônios”, dispostas em fileiras, compondo um arranjo complexo de interligações. As interligações
são formadas por pesos (sinapses) que devem ser ajustados em função de um conjunto de padrões
que produzam saídas desejadas. Esta atividade é definida como sendo Treinamento ou Aprendizado,
sendo elaborado em off-line. Uma vez ajustada, a rede deverá ser capaz de emitir, para padrões não
constantes no conjunto de treinamento, um diagnóstico com precisão satisfatória. Este diagnóstico
pode ser efetuado sem custo computacional. Isto, a princípio pode ser visto como uma possibilidade
de viabilização da análise em tempo real. / A maioria das redes neurais feedforward supervisionadas
encontradas na literatura é treinada utilizando o algoritmo retropropagação (back propagation), o qual
é considerado um benchmark em termos de precisão. [...] Portanto, a superioridade dessa
metodologia consiste no design do código-fonte abstraindo-se os modelos físicos de acordo com o
pensamento humano (classes, hierarquias e poliformismo) (CAMPOS, José R. et al. Implementação
de redes neurais artificiais utilizando a linguagem de programação Java. In: Brazilian Conference on
Dynamics, Control and their Applications, 9. Serra Negra, SP: DINCON’10, 11 jun. 2010. Anais.
Disponível em: <http://www.sbmac.org.br/dincon/trabalhos/PDF/control/67995.pdf>. Acesso em: 19
abr. 2013, p. 391).”
153

Uma decisiva questão é saber se uma atividade intelectual pode ser realizada
pela máquina, temática que é tratada de forma mais estruturada no capítulo 9.2,
quando da teorização dos métodos da Inteligência Artificial, mas que não dispensa
de certa forma uma posição exaurível do presente capítulo.
Nesse sentido, Ganascia (1997, p. 17): “Se procurarmos cadastrar as
profissões intelectuais e se pensarmos na atividade dos médicos, arquitetos,
engenheiros, financistas, há sempre uma parte que pode ser sistematizada pela
máquina”. E complementa Santinover (2007, p. 66)

Como a rede pode se adaptar a essas mudanças nas regras ocultas que
governam as alterações de preços? Da mesma maneira que nossos
investidores aposentados fazem: eles não passam alguns anos treinando
com o teletipo para depois ficar aplicando o que absorveram sem qualquer
treinamento ulterior. Ao contrário, depois de (talvez) um período inicial de
investir em maus papéis, continuam a aprender por meio de seus erros. E
isso que acontece também com as redes artificiais realmente em uso pelos
investidores para suplementar as redes biológicas contidas em suas
próprias cabeças. A cada noite, depois do fechamento do mercad, a rede é
retreinada nos (digamos) quatro últimos anos de dados precedentes,
excluindo-se um dia do começo e adicionando-se os dados do ultimo dia.

Tal afirmação não afasta a necessidade conceitual de Inteligência Artificial


que aparece sempre importante como método pedagógico de firmar sua real
definição e que parece muito mais coerente conceituar neste instante pela
materialização dos elementos que a estruturam, contribuindo assim para o melhor
entendimento sobre quais são elementos estruturantes por trás da referida
inteligência.121 Considerando que a linguagem tem em si um conteúdo convencional
e de arbítrio humano, a dificuldade a ser superada foi a de dar às máquinas a
capacidade de reproduzir as convenções humanas e suas arbitrariedades.
Para isso, o desenvolvimento simbólico foi moldado para atingir o cerne do
estatuto do conhecimento humano.122 Para facilitar dizer o que pretendia a

121 Ganascia (2011, p. 46) esclarece: “Levando em conta todas essas considerações, os lógicos
construíram linguagens desprovidas de todas as imperfeições das linguagens humanas.
Denominadas linguagens formais, elas são definidas a partir de um conjunto de sinais, o que, em
termos técnicos, se chama um alfabeto, e de um conjunto de regras de gramática que permitem
diferenciar as sequência de sinais que exprimem alguma coisa, isto é, as expressões, daquelas que
não imprimem nada”.
122 Segundo Ganascia (2011, p. 55), “Segundo a etimologia, a palavra símbolo provém do grego
antigo symbolon, objeto de argila que era quebrado em dois ao fim da estada de um estrangeiro
numa casa amiga. Cada um dos dois, hóspede e anfitrião, conservava uma das metades. Esses dois
pedaços eram, então, transmitidos de geração em geração, numa época em que as viagens eram
raras e mais demoradas que hoje. Juntando as duas partes, era possível provar as relações de
154

Inteligência Artificial na sondagem do estatuto do conhecimento humano para


reproduzir suas convenções e as respectivas arbitrariedades, é essencial ter de
forma clara e evidentealguns de seus principais conceitos elementares. Ganascia
afirma (1997, p. 110-117):

Teorema: enunciado demonstrável numa teoria. No caso dos sistemas


simbólicos, os teoremas são expressões derivadas dos axiomas, com ajuda
de regras de derivação.

Axiomas: verdade evidente e não demonstrável. No caso dos sistemas


simbólicos, os axiomas designam expressões colocadas a priori, como
teoremas, sem que sejam objetos de demonstrações.

Sistema simbólico: os sistemas simbólicos foram definidos pelos


matemáticos para dar sentido às expressões, sem fazer referências a
convenções arbitrárias. Com esse fim, os sistemas simbólicos partem de
axiomas para construir teoremas, com a ajuda de regras de derivação.
Tanto os axiomas quanto as regras de derivação exprimem-se numa
linguagem formal perfeitamente definida, o que permite uma programação
informática dos sistemas simbólicos. Sua intensa operacionalização
informática, contudo, conduziu a certos fracassos. Foi isso que levou os
especialistas em inteligência artificial a recorrer à noção de heurística.

Heurísticas: do grego heuristikein, que quer dizer “achar”, as heurísticas


designam métodos que auxiliam a descoberta. São particularmente úteis em
inteligência artificial, quando se procura apelar aos sistemas simbólicos,
porque elas permitem discernir, no conjunto das derivações possíveis,
aquelas que têm mais condições de conduzir a um sucesso.

Regra de derivação: procedimento mecânico definido no âmbito de um


sistema simbólico e com a ajuda do qual os teoremas são automaticamente
engendrados, a partir de axiomas ou de teoremas já demonstrados.

Regra de inferência: uma inferência é uma operação formal pela qual se


deriva uma proposição, a partir de outras proposições. No âmbito dos

hospitalidade tinham sido anteriormente estabelecidas entre as duas famílias. Por derivação, símbolo
é que aquilo que designa outra coisa em virtude de uma correspondência analógica. Os sistemas
simbólicos possibilitam construir objetos informáticos complexos. Em que medida estes objetos são
capazes de corresponder a outros objetos, de designar outras coisas além deles mesmos. Em outras
palavras, em que sentido são simbólicos os sistemas simbólicos? / É isso tentaremos compreender
agora. No símbolo antigo, isto é, no objeto quebrado em dois, as saliências de uma das metades
devem coincidir com as cavidades da outra, e vice-versa. Da mesma forma num sistema simbólico, a
destinação entre teoremas e não teoremas corresponde analogamente à separação entre o mundo
real e um mundo virtual formado por expressões. Duas noções são então correntemente utilizadas
para medir a adequação de um sistema simbólico e que simboliza: coerência e completude. Muito
esquematicamente dizemos que um sistema simbólico é coerente com uma interpretação se todos os
teoremas que dele derivam são válidos no interior dessa interpretação, isto é, se as saliências do
sistema simbólico têm, todas elas, uma contrapartida na realidade”.
155

sistemas simbólicos, as expressões “regras de inferências” e “regras de


derivação” são sinônimas.

A catarse existente nas relações da pós-modernidade, somada à


multiplicidade de distúrbios, por intermédio dessa forma de cognição, IA, garantirá a
não interferência nos objetivos traçados, evitando, com isso, que as adversidades e
as pressões possam causar vulnerabilidades aos resultados, próprios de seres de
cuja inteligência tem base perceptiva, comum a espécie humana.
Isso se dá com frequência quando da realização da operação de informações
e dados no processo de comunicação das relações sociais em todos os seus
aspectos possíveis e imagináveis.
Disso se questiona: seria, portanto, a espécie humana exclusiva na
transmissão de conhecimento para a realização de seus propósitos? Ou melhor,
seria a espécie humana a única ponte “meio de transporte de conhecimento” capaz
de realizar os atos e as funções comuns em uma sociedade? Segundo Ganascia
(1997, p. 36),

Graças aos insights de Wierner, tornou-se possível conceber a informação


independentemente de um aparelho transmissor específico: em vez disso,
pode-se reforçar a eficácia de qualquer comunicação de mensagens via
qualquer mecanismo e podia-se considerar os processos cognitivos
independentes de qualquer corporificação particular – uma oportunidade de
que os psicólogos logo se aproveitaram ao tentarem descrever os
mecanismos subjacentes ao processamento de qualquer tipo de
informação.

O novo sistema de inteligência ainda oferece uma maior e mais segura


capacidade de defesa, reação, correção, resolução, solução e superação, somente
possível a um sistema de natureza artificial, isento da falibilidade proporcionada
pelos sentidos da espécie humana, considerando suas fragilidades.
Embora seja necessário ter a consciência de que a Inteligência Artificial não
seja um manifesto em que se tenham somente questões positivas e não negativas –
o que não é uma verdade – essa característica é contornável, a partir de
planejamento, testes, correções, ajustes e redundância em todos os fatores
anteriores mencionados e nos demais que participam de sua infraestrutura e
estrutura.
Evitam-se, assim, ações de rackers, vírus, manutenção das informações e
dados em cloud’s, energia, responsabilização pelas falhas de programação e uso, o
156

que representa alguns dos pontos a serem avaliados e previsos, porém não se nega
a incorruptibilidade do sistema, salvo programação feita para tais fins, e o
afastamento das influências emocionais que acometem os humanos.
Segundo Ashby em seu clássico sobre o tema: se os cérebros humanos
erram por que não aceitar possíveis falhas do sistema cibernético? No entanto, isso
não suprime a relevante função da Inteligência Artificial e sua relação com a espécie
humana. 123
A certeza de que os fins sejam atingidos dar-se-á porque os meios se
encontram aparelhados, mantendo a unidirecionalidade, mesmo sob a influência de
uma atmosfera ambiental diversa, não planejada, em que a redundância do próprio
sistema possa garantir a relação objetivada.
Isso demarca estritamente a relação conectiva entre informação e a
comunicação no ambiente da Inteligência Artificial e sua potencial realização.
Segundo Lévy (2011, p. 21):

Seria a transmissão de informações a primeira função da comunicação?


Decerto que sim, mas em um nível mais fundamental o ato de comunicação
define a situação que vai dar sentido às mensagens trocadas. A circulação
de informações é, muitas vezes, apenas um pretexto para a confirmação
recíproca do estado de uma relação.

É nesses aspectos, ou melhor, nesses pressupostos ou elementos que é


composto o sistema Cibernético. São potencialidades que podem contribuir
positivamente para a transposição das ações humanas e proporcionar uma forma de
inteligência alternativa, facilitadora e estimuladora do melhoramento do
conhecimento intelectual do homem pelo homem em seu progresso cultural.

123 Para Ganascia (1997, p. 67): “Pode-se objetar que o homem é o mais insondável dos seres, que
todos os recursos da medicina e da psicanálise, da filosofia e da antropologia não nos permitam
dominá-lo. De fato, não se trata de explorar o homem em sua profundidade, mas elucidar seu
comportamento cognitivo e estabelecer um paralelo entre esse comportamento e as manipulações
sintáticas produzidas por uma máquina cadeia de caracteres. A adequação entre máquina e o
homem não pode mais então ser medida em termos de coerência e de completude de um sistema
simbólico. Deve-se garantir que exista identidade entre as conclusões da máquina e as do homem;
deve-se também garantir que o homem e as máquinas cheguem a elas de modo análogo, que eles
invoquem justificativas semelhantes, que eles expliquem seu raciocínio da mesma maneira”.
157

É, inclusive, plenamente aproveitável no ambiente jurídico por proporcionar


que as técnicas processais encampadas por seus institutos não se tornem
ineficientes em decorrência da ausência de instrumentos que possam conduzir a
técnicas mais eficazes.
O homem pós-moderno não vive, ele sobrevive às custas de uma
transitoriedade e uma simultaneidade, perversas para ele mesmo, que o consomem
até o último instante da existência.
Registra a literatura que, nos tempos atuais, o homem, mesmo com toda a
modernização que envolve sua vida, é sodado ao trabalho na mesma equivalência
do regime nebuloso, ainda que controvertido cientificamente, porém metaforizado
como “trevas”, que marcou o período histórico da idade Média.
Em uma revolução intelectual, o homem aproveitaria suas limitações a fim de,
a partir de outros meios, constituir mecanismos para seu próprio melhoramento.
Essa atividade expedicionária de busca e de testes o faz ser um cientista de si
mesmo em seu tempo, à procura do elo perdido que sua limitada cognição
dificilmente poderá proporcionar-lhe.
Parafraseando Turing, caso se considere que a tecnologia delimita
razoavelmente as capacidades físicas das intelectuais de um ser humano, as
práticas sociais podem ser vertidas em práticas sociais tecnológicas pelo simples
fato, devidamente comprovado cientificamente, da possibilidade de se modelar as
redes neurais por intermédio do uso das lógicas.124 Assim como no passado as
revoluções industriais se encarregaram de mudar completamente o cenário da
indústria no plano mundial, a tecnologia há de revolucionar os novos padrões da
intelectualidade.

124 Gardner: “McCulloch e Pitts (1943) mostraram que as operações de uma célula nervosa e suas
conexões com outras células nervosas (uma assim chamada rede neural) podiam ser modeladas em
termos de lógica. Os neurônios poderiam ser pensados como enunciados lógicos, e a propriedade de
tudo-ou-nada dos impulsos (ou não impulsos) nervosos poderia ser comparada à operação de cálculo
proposicional (onde uma proposição ou é verdadeira ou é falsa) (Heims 1980, p. 211). Este modelo
permitia que se pensasse em neurônios como sendo ativados; e em seguida impulsionando um outro
neurônio, da mesma forma que um elemento ou uma proposição em uma sequência lógica podem
implicar alguma outra proposição: assim, quando se está lidando seja com lógica ou com neurônios, a
entidade A mais a entidade B podem implicar a entidade C. Além disto, a analogia entre neurônios e
lógica poderia ser pensada em termos elétricos – como os sinais que passam, ou deixam de passar,
através de um circuito. O resultado final da demonstração de McCulloch- Pitts: ‘qualquer coisa que
possa ser descrita de forma exaustiva e inequívoca... é... realizável por uma rede neural finita
apropriada’ (GARDNER, Howard. A nova ciência da mente: uma história da revolução cognitiva;
tradução Cláudia Malbergier Caon. São Paulo: Edusp, 1995, p. 33).”
158

Principalmente na pós-modernidade, em que o intelectual é transitório e vazio


ante suas próprias circunstâncias, que o faz ser prisioneiro do seu tempo, ou seja,
em que pouco se produz e muito se consome. Sem tempo, o homem não passa de
um escravo.
A questão que exige reflexão gira em torno da funcionalidade e da
procedibilidade das ações humanas que, ante a complexidade das demandas, exige
para uma determinada estabilização que os dados e as informações sejam
integrados, padronizados e uniformizados para, assim, imprimir segurança a um
sistema que venha realizar esse processamento dos interesses de uma determinada
sociedade.
O ambiente jurídico processual secularmente tem-se mostrado inacessível,
moroso e inseguro, exigindo a implementação de uma técnica inovadora que goze
dos atributos da objetividade e da segurança.125 A interatividade humana em
sociedade salienta reflexos lógicos formais e materiais da informação, cujo processo
promove a comunicação e a aplicação no contexto que a compreende. Desse
quadro, ou seja, dessa modelagem e dessa estrutura é possível extrair e transpor
ações para um ambiente de maior controle, estruturado artificialmente, todavia, em
uma base cognitiva maior e que goza de uma dinâmica diferente do padrão da
inteligência humana. Lévy (2011, p. 40) elucida:

125 Segundo Candido (SRD/P), “De acordo com o departamento de cibernética da University of
reading nos EUA, a cibernética é “a ciência da informação e sua aplicação é sua derivada”. [...] da
palavra grega ‘Kybernetes”, que significa “piloto”. Ela foi acunhada em 1948 pelo professor
universitário americano Norbert Wiener, em seu livro, com o mesmo nome. Embora não pudesse
saber a forma precisa dos futuros desenvolvimentos tecnológicos, ele previu que controle e
comunicação tornar-se-iam de vital importância para nossa ciência e sociedade e sugeriu este novo
grupo de materiais, que transcendem os tradicionais limites acadêmicos. / Ainda segundo a mesma
universidade, a ciência cibernética [...] “está preocupada com sistemas e seu controle,
particularmente sistemas interativos”. Os processos de controle de um sistema envolvem quatro
aspectos fundamentais: “aquisição de informação, processamento de informação, comunicação de
informação e, finalmente, aplicação útil da informação. Em suma, esta ciência constituiria[...] o grupo
de tópicos requerido pela indústria e sociedades modernas (CANDIDO, Celso. A cibernetização da
atividade produtiva. Disponível em:
<http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=6&ved=0CDcQFjAF&url=http
%3A%2F%2Fwww.caosmose.net%2Fcandido%2Funisinos%2Ftextos%2Fcibertrabalho.doc&ei=8riOV
cesBoeXNoy2mbgM&usg=AFQjCNGZ9Emb9-k_n68zmVNKd6I3Mkyfmw>. Acesso em: 12 jun.
2015).”
159

A memória humana é estruturada de tal forma que nós compreendemos e


retemos bem melhor tudo aquilo que esteja organizado de acordo com
relações espaciais. Lembremos que o domínio de uma área qualquer do
saber implica, quase sempre, a posse de uma representação esquemática.
Os hipertextos podem propor vias de acesso e instrumentos de orientação
em um domínio do conhecimento sob forma de diagramas, de redes ou de
mapas conceituais manipuláveis e dinâmicos. Em um contexto de formação,
os hipertextos deveriam, portanto, favorecer, de várias maneiras, um
domínio mais rápido e mais fácil de matéria do que através do audiovisual
clássico ou do suporte impresso habitual.

A compreensão da vida humana é um gabarito essencial para estabelecer a


compreensão da vida artificial. É notório que o homem e suas necessidades no
mundo atual – em grande parte do seu cotidiano – estão pautados em rotinas que
projetam ações repetidas, na vida social e na profissional, e nas adversidades
conflitivas ou não, exigindo, assim, não mais um controle individual, mas, ao
contrário, um controle coletivo.
Inaugurar uma vida artificial a partir de uma racionalidade artificial não
representa uma criação por si só de uma estrutura sem que haja a participação ativa
do homem como mentor.
O que se afirma é não aniquilar o ser humano em si, mas promover suas
ações em determinado contexto a partir de uma Inteligência Artificial que possa
auxiliá-lo em seu próprio processo de desenvolvimento, uma vez que a coletivização
rompe com a individualização, mudando substancialmente a forma de organizar o
mundo em que vive.
O Judiciário brasileiro detém estudos não exaustivos cujo objeto reflete
diretamente na orla do Direito Processual, denunciando os maiores problemas e
desafios da Justiça. Não há, entretanto, ações resolutivas concretas para um
assento de padrão definitivo em resolução concreta quanto às mazelas recorrentes.
É um mundo em que o processo, parafraseando Nery Junior, é de
reprodução desenfreada de doutrinas descompromissadas com os aspectos
estruturantes do Estado e reproduzem insanamente o entendimento político dos
tribunais de cúpula, sem preocuparem-se com o jurisdicionado.
É possível haurir do trabalho que o novo-reformado Código de Processo Civil
perdeu a oportunidade de ter tratado não somente do aspecto digital para o
transporte de informações e dados jurídicos, mas de reconhecer a necessidade de
converter alguns institutos e técnicas processuais em uma linguagem puramente
tecnológica.
160

E, a partir dela, gestar um sistema processual digital para cumprir o projeto


democrático de constitucionalização dos Direitos e das Garantias Fundamentais por
intermédio do processo civil. Para Dinamarco (2010, p. 269),

O processualista moderno, contudo, está preparado para a consciência de


que a ação não é real e nem pessoal, porque seu fundamento é
constitucional e não de direito privado e porque não tem por objeto o bem
da vida ou a relação controvertida entre as partes, mas o provimento
jurisdicional devido pelo Estado-juiz (e não pelo particular).

Essa é uma propriedade que marca o Direito Processual relevante e sua


suprema vinculação. Em tal sentido, se o processualista tem como cartilha originária
a Constituição Federal, por certo seus olhos devem estar pautados com escrutínio
no inciso LXXVIII, do art. 5º, e os “meios” para garantir a razoável duração de um
processo devem nascer do comando da unidade e da integridade da Lei Maior.126
Nesse aspecto, a combinação de dispositivos e demais fatores científicos que
legitimam o atual quadro do judiciário o levam a reconhecer a importância do uso da
tecnologia em outro estágio, sem que haja quaisquer prejuízos aos Direitos e às
Garantias Fundamentais, pois os “meios” devem estar lastreados
inquestionavelmente na Lei Maior.
No processo de aplicação dos dispositivos legais, tanto a inteligência humana
do Estado/juiz com outra forma de inteligência deve ter como parâmetro ou a
inferência que é a extração da relação do fato jurídico da abstração normativa, ou
mediante a interpretação do fato jurídico de forma ampla, porém vinculada à lei,
reconhecendo, inclusive, as demais ciências cognitivas que trabalham diuturnamente
em busca de dar respostas às questões de ordem social.
Representante de uma das espécies de vida biológica, o homem não pode
transformar-se em uma máquina nem seu inverso se revela possível. Todavia, em
não sendo as faculdades da inteligência – o pensar, o memorizar, o processar, o
integrar e o cruzar informações ou dados – atributos exclusivos do homem, não se

126 Athos de Gusmão Carneiro é categórico: “A parcela do ordenamento jurídico que soberanamente
impõe as finalidades a serem atingidas pelo Estado brasileiro é a Constituição Federal. É por isto que
tanto os seus fins como também a forma de atingi-los, isto é, seus meios, têm que ser extraídos, em
primeiro plano, daquele corpo normativo. Eis a importância de o direito processual civil ser estudado o
que pode e deve ser chamado a partir do seu “modelo constitucional”, expressão que deve ser
compreendida amplamente para compreender todas as diretrizes que, desde a Constituição,
influenciam e determinam a compreensão do direito processual civil e de cada um de seus institutos
(CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (Org). Bases científicas para um renovado
direito processual. 2. ed. Salvador: Jus Podium, 2009, p. 381).”
161

revela impossível que outra forma de inteligência possa delas apropriar-se e realizar
as operações típicas dos humanos.
São condições essenciais da vida biológica:

 Existir tanto no tempo quanto no espaço


 Apresentar auto-reprodução ou reproduzir-se num outro organismo
 Armazenar informações sobre si mesmo
 Alternar-se por metabolismo (ser capaz de transformar matéria em
energia)
 Agir no seu próprio ambiente
 Conter pautas interdependentes
 Manter a estabilidade durante as mudanças das condições ambientais
 Evoluir
 Crescer ou expandir

O conceito de vida artificial, matizando-o, é a conversão da lógica da vida


biológica em regras, é a transposição a partir do mapeamento do modelo e da
estrutura da vida humana em termos e programas que reproduzam paralelamente
todos os comportamentos, as atitudes e as ações da vida.
A vida artificial cibernética não é uma vida em si, mas por si, por inspirar-se
em outra vida. Ela participa dos atributos da vida biológica, simulando todo seu
processo de funcionamento, de modo a replicar padrões e parâmetros
estabelecidos.
Dada a natureza e a não fungibilidade entre a vida artificial e a biológica, no
âmbito do Direito é identificável a semelhança do fenômeno quando se trata de
traçar um paralelo entre o homem “sistema biológico” e o Direito “sistema
normativo”. O homem não é regra do Direito, ele participa das relações sociais e
nelas se coaduna com as regras legais distribuídas em cada relação de que
participa.
Dentro da concepção de sistema, é possível que naturezas diversas se
comuniquem, desde que dentro de uma relação de interdependência possam as
regras de limitação e delimitação operar em consonância com o cumprimento de
cada parte, com independência e autonomia, realizando suas funções.
162

Assim, as regras do Direito representam um corpo vivo denominado


ordenamento jurídico. Se o aplicador dessas regras ordenáveis é um sistema
biológico, do ponto de vista do sistema artificial.
É possível e plenamente realizável que o processo cognitivo biológico seja
processado por intermédio de uma inteligência padronizada em linguagem artificial,
estabelecida com base da mesma natureza – inteligência biológica – quanto ao
fornecimento dos dados e das informações.
A assertiva de tal proposição somente será validada, se ela for verdadeira,
portanto, satisfatória. A verdade nesse aspecto representa um critério de aceitação
do conhecimento e a justificativa um critério de reconhecimento dessa verdade, seja
por simples abstração normativa ou por uma matriz de caso em que todos os
aspectos da interpretação já foram mapeados (típico das teses firmadas em
precedentes) e convertidas em uma linguagem lógica.
É, portanto, mera convenção postular a estabilização e a uniformização do
entendimento do dispositivo legal após o exaustivo trabalho de confrontação,
conciliação e certificação Constitucional implantada pela sociedade jurídica e que
serve para a concretização do esquema de aceitação-validação do ordenamento
jurídico.
Para Guilhoto, (SRD, p.7-10), em trecho extenso, mas essencial para as
definições conceituais e o cotejamento dos paralelos entre as cognições: (os
negritos são nossos)

A mutação [...] A análise de sistemas estuda a relação e a troca de


informações entre sistemas independentes ou interdependentes e, nos
sistemas biológicos, os sistemas organizam-se da mesma forma. O código
genético, por exemplo, nada mais é do que um banco de dados que fornece
informações para outros sistemas. Portanto, as mutações podem ser
consideradas como erros (ou ruídos) na transmissão das mensagens entre
sistemas, conduzindo a uma nova estrutura dentro do seu ambiente. Um
exemplo de mutação ocorre quando o DNA é copiado de uma célula para
outra, e uma de suas bases é alterada acidentalmente, formando um novo
composto. Pode ocorrer também quando uma sequência é copiada várias
vezes ou simplesmente excluída da cadeia. Nos sistemas de Vida Artificial,
a mutação ocorre devido à substituição, à exclusão ou à cópia múltipla de
um bit. Assim, a mutação ocorre quando um 0 se torna 1 ou vice-versa.

Crossing Over [...] O cruzamento é a troca de informações na reprodução


de sistemas. Com isso, o sistema resultado do cruzamento consegue evoluir
e sobrepor-se aos outros sistemas de sua espécie (seleção), já que surge
da combinação de características dos seus pais. Na Vida Artificial existe
também a possibilidade do cruzamento de informações (bytes ou palavras)
semelhante ao cruzamento genético.
163

Evolução [...] no século XIX o inglês Charles Darwin propôs a teoria de que
as espécies evoluíam através da seleção natural, isto é, as espécies que
conseguiam adaptar-se e sobreviver reproduzir-se-iam, criando
descendentes cada vez mais desenvolvidos. Porém, nesta época Darwin
não tinha conhecimentos de genética e dos conceitos de mutação, pois,
estes apenas surgiram várias décadas depois, quando Gregor Mendel
desenvolveu as leis da genética, possibilitando a incorporação destes novos
conceitos. Surgiu assim o Neo-Darwinismo (teoria sintética). Nos sistemas
de Vida Artificial, a evolução ocorre principalmente com a mutação
(alteração de bits aleatórios de forma aleatória) e com o cruzamento de bits,
bytes e palavras entre sistemas. As modificações estabelecidas através de
recombinação (mutação ou cruzamento) podem ser testadas no ambiente
em que o sistema se insere, de modo a saber se a nova combinação
oferece vantagens para a sobrevivência ou o desenvolvimento do mesmo.

Relacionamento entre Sistemas [...] Num sistema biológico, existe uma


relação entre vários elementos membros do sistema. Em sistemas
organizacionais, como as colmeias e os enxames, cada elemento é
responsável por tarefas específicas, e é este tipo de comportamento que
está intimamente ligado aos projetos de Vida Artificial. Estas tentam
entender e simular os processos naturais, como saber a melhor distância
entre dois pontos através de um trajeto de formigas, ou a resolução de um
problema através da divisão da solução em tarefas distribuídas
independentes.

Comunicação [...]A comunicação é o meio pelo qual duas entidades (no


sentido mais genérico possível) conseguem expressar fome, raiva,
disponibilidade para a reprodução e muitas outras informações. Obviamente
que a comunicação não se propaga apenas por via oral (fala ou ruído),
propagando-se também através de características físicas (a maioria das
aves expressam agressividade através dos pelos (ave tem pelo ou pena?)
eriçados, e os cães expressam ansiedade através do rabo) e químicas (as
formigas comunicam através de feromônios que estas depositam nos
alimentos encontrados, que ao evaporar permitem que outras formigas as
acompanhem e encontrem o alimento).

Cooperação[...] A cooperação, juntamente com a comunicação, são


características intrínsecas dos sistemas naturais, principalmente quando os
indivíduos ou uma população inteira juntam-se para realizar uma função
específica, como encontrar alimento. Na maioria das vezes, a cooperação
faz-se a partir do interesse metabólico mútuo entre dois indivíduos, ou seja,
“Eu tenho uma coisa que tu queres, eu quero uma coisa que tu tens.”

Aprendizagem [...] A aprendizagem é a base do desenvolvimento e,


consequentemente, da evolução. Existem várias formas de aprendizagem,
desde a observação, a aquisição de novas informações (instruções,
indicações e exemplos) ou mesmo pela tentativa e erro. Nos sistemas
artificiais, o objetivo da aprendizagem é permitir o aperfeiçoamento da
seleção de comportamentos. Neste caso, esta fortalece os comportamentos
confiáveis e enfraquece os não confiáveis. A partir daí os comportamentos
são rotulados como “hábito”, acelerando a seleção dos comportamentos
subsequentes.
164

As formas e os processos da natureza são condições metodológicas


essenciais para que o homem possa compreender investigativamente o
conhecimento científico em que ele produz, “gera” e também possa a ser gerado em
uma outra modalidade de inteligência.
A Inteligência Artificial é tributária da ação do homem e suas novas
descobertas. Os conceitos, as ideias e as categorias são germinadas a partir de uma
concepção tecnológica, embora ainda não muito bem compreendida.
Embora oferte uma certa dificuldade em decodificar a fórmula, esse novo
modelo de inteligência sitia muitas vezes o homem, tornando-o escravo de seus
próprios limites. Ele, sem entender o real fundamento, ainda não tem enxergado a
tecnologia como sua maior aliada.
O crescimento da complexidade e da dimensão frente ao imensurável mundo
pressupõe o chamamento de novos modelos cognitivos, de novas ferramentas
detentoras de habilidade e capacidade diferenciada para os novos tempos.127
A mudança de paradigma, de uma Justiça judiciária operada exclusivamente
pelo homem/Juiz, por uma Justiça alternativa, em que ao menos parte dela – das
funções do Juiz – seja operada pela Inteligência Artificial, revela-se possível em
todos os aspectos – jurídico, social, educacional, econômico e financeiro.
Transformar a Justiça judiciária em parte (etapas), em uma justiça digital é
uma proposta de acesso a todos irrestritamente, podendo os meios ser múltiplos,
não somente para julgamento de casos em que os precedentes estejam assentados

127 Segundo Bertalanffy, “Os perigos desta nova criação infelizmente são evidentes e já foram muitas
vezes enunciados. O novo mundo cibernético, de acordo com o psiquiatra Ruesh (1967), não se
refere às pessoas, mas aos sistemas. O homem torna-se substituível e consumível. Para os novos
utopistas da engenharia dos sistemas, usando uma frase de Boguslan (1965), é o “elemento humano”
que se revela ser precisamente o componente falível de suas criações. Este elemento ou tem de ser
eliminado de todo e substituído pelos equipamentos dos computadores, pela máquina autorregulável
e coisas semelhantes, ou tem de ser tornado tão digno de confiança quanto possível, isto é,
mecanizado, conformista, controlado e padronizado. Em termos mais ásperos, o homem no grande
sistema tem de ser e em larga extensão já é um débil mental, um idiota amestrado ou dirigido por
botões, isto é, altamente treinado em alguma estreita especialização ou então tem de ser simples
parte da máquina. Isto está de acordo com um princípio bem conhecido dos sistemas, o da
progressiva mecanização, na qual o indivíduo se torna cada vez mais uma roda dentada denominado
por uns poucos líderes privilegiados, mediocridades e mistificadores que só têm em vista seus
interesses privados sob a cortina de fumaça das ideologias (Sorokin, 1966, p. 558 ss). Quer
consideremos a expansão positiva do conhecimento e o controle benéfico do ambiente e da
sociedade, quer vejamos no movimento dos sistemas o advento do Brave New World e do 1984, o
fato é que este movimento merece intenso estudo e temos de aceitá-lo (BERTALANFFY, Ludwig Von.
Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações; tradução Francisco M.
Guimarães. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 29).”
165

por teses mas para o uso de aplicativos e outros canais que estariam operando por
esses meios.
Concedendo informações, dados e orientações verbais ou não, em qualquer
lugar, dia e horário, revela a transição do provisório estabelecido e já sectário para o
modelo ético, emancipador e tecnológico, mais adequada a atender a situação atual
da sociedade em suas demandas de (o) Direito por Justiça.
Uma Justiça alternativa operada por intermédio de uma Inteligência Artificial é
a constatação material representativa de uma mudança de hábito para um hábito
compatível com os novos tempos.128
O que registra Kuhn, bem definido nas palavras de Bertalanffy, é a
importância dimensionada pelo novo paradigma, um arcabouço cognitivo capaz de
atender a uma nova realidade social em que o Direito e a Justiça não estão ilesos. E
por isso há a ênfase dada à epistemologia kuhniana a partir de seus conceitos na
explicação desse fluxo em cuja evolução concorrem o Direito e a Justiça.
Essa forma filosófica de analisar a ciência, se transposta para a zona de
intersecção das ciências jurídicas, torna acentuada a mudança de paradigma do
Direito, quanto à sua forma de operacionalização, ou seja, é em seu modus operandi
que o modelo anterior é fraturado, o que não afasta uma incomensurável mudança
orgânica em toda a estrutura judiciária, principalmente em sua linguagem e sua
prática.

128 A esse respeito, esclarece Bertalanffy: “De acordo com Kuhn (1962), uma revolução científica
define-se pelo aparecimento de novos esquemas ou “paradigmas” conceituais. Estes põem em
evidência aspectos que não eram anteriormente vistos e nem percebidos, ou eram mesmo suprimidos
na ciência “normal”, isto é, a ciência geralmente aceita e praticada no momento. Por conseguinte, há
um deslocamento nos problemas observados e estudados e uma mudança de regras da prática
científica, comparável à troca das gestalten perceptivas nas experiências psicológicas, quando, por
exemplo, a mesma figura pode ser vista como constituída por dois perfis ou por uma taça, um prato
ou um coelho. É bem compreensível que nessas fases críticas seja acentuada a importância da
análise filosófica, que não é sentida com a mesma necessidade em períodos de crescimento da
ciência “normal”. As primitivas versões de um novo paradigma são na maioria das vezes toscas,
resolvem poucos problemas, e as soluções dadas aos problemas individuais estão longe de serem
perfeitas. Há uma profusão e competição de teorias, cada uma das quais limitadas no que diz
respeito ao mínimo de problemas a que se referem e à solução elegante daqueles que são levados
em consideração. Contudo, o novo paradigma abrange novos problemas, especialmente os que
anteriormente eram rejeitados como “metafísicos” (BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos
sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações; tradução Francisco M. Guimarães. 8. ed.
Petrópolis: Vozes, 2015, p. 39).”
166

Isso registra um desafio para a alteração acentuada na norma do saber como


preparação para a tomada de consciência das novas técnicas de conhecimento
digital inseridas no âmbito do Direito e da Justiça. A revolução científica cognitiva do
Direito acontece literalmente em decorrência dos problemas existentes, os quais se
arrastam sem uma efetiva solução.
Observa-se que o sistema de operacionalização realizada rudimentarmente
pela máquina cognitiva humana não atende a uma Justiça Constitucional material há
muito tempo.
Principalmente dentro do modelo de Justiça que se consolidou no cenário
nacional, ou seja, de demanda massificada geradora de uma clientela judiciária.
Parafraseando Cruz-Pinto, magistrado em Portugal, isso exige uma necessária
revolução do Direito desde a base de formação educacional para formação de
cidadãos conscientes e responsáveis dos Direitos e obrigações.
Considerando ser o Direito um sistema de regras, imprime uma racionalidade
regulatória das ações comportamentais do homem, que delas participa, segundo as
orientações do Direito, com isso legitimando-o e confirmando a legalidade normativa
das regras previstas na lei.
Esse evento racionalizador do Direito quanto à observação concreta e à
necessidade iminente de harmonizar a vida em sociedade do homem dentro de um
cenário social aceitável demonstra que em última instância o Direito somente tem
validade se as regras surtirem os efeitos estabelecidos em sua proposta, ou seja,
ordem social.
O homem, como um ser complexo e existente em escala demográfica, cingido
pelos efeitos naturais do metabolismo orgânico, encontrou a partir da criação das
regras do Direito uma forma regular e uniforme para pautar suas ações.
E, com isso, evitar conflitos dentro da espécie, os quais, quando existentes,
devem ser pacificados efetivamente, a partir de regras claras, objetivas e
materialmente concretas para o mundo humano.
A lógica do sistema do Direito é, portanto, a de que, quando da existência de
um problema, dada a complexidade social e a numerosidade de unidades humanas,
tenha a atenção dessa instabilidade social voltada para o Direito, o qual, enquanto
regulamentação social, emite um comando imperativo à resolução, racionalizando a
ação comportamental que confronta com as regras do Direito.
167

O confronto é o mesmo que uma resistência de razões, que cada um acha ter
a melhor. O conflito na verdade é o desacordo entre as unidades humanase/ou
coletivasenvolvidas, é um efeito exterior ao Direito e, ao mesmo tempo, a
materialização da divergência; sendo assim, o conflito é um indicador da existência
de um problema do ponto de vista normativo em atração.
Nesse contexto, o Direito, agente racionalizador, cobra uma estabilização da
sociedade moldada em suas ações sociais, cobra, portanto uma correção ao atrito
social que destoa do regulatório normativo previsto nas regras da lei.
Todavia, como a relação humana é múltipla e a operação do sistema não
acontece de forma integrada, unificada e uniforme, dadas as condições limitadas do
sistema operacional, no processo de atualização que não é retroalimentação, o
retorno das respostas às demandas acontece em descompasso com a realidade
social pragmática vigente.
Isso se dá porque, nos novos tempos, a complexidade e a numerosidade
registram uma racionalidade cognitiva em que o pensamento é racional, analítico,
sintético, linear e lógico.
Em suma, em que se exige uma funcionalidade mais intensa do sistema nas
questões propostas, de modo a atendê-las satisfatoriamente, o que é impossível de
ser alcançado pela via exclusiva da ação humana.
Os conceitos que incorporam essas palavras, entretanto, são distintos. As
divergências existentes na pós-modernidade em grande parte já são predefinidas,
portanto, o tratamento do Direito e da Justiça não exige um pensamento racional,
analítico, sintético, linear e lógico, com densa reflexão, mas com intensa
simplificação e objetividade.
O que pode ser feito pela possibilidade de classificar e categorizar dentro do
ambiente social jurídico tudo que for repetido por intermédio de matrizes lógicas.
Isso porque permite sua cisão no sentido de enfrentamento de exaustiva
interpretação e posteriormente na estabilização de um resultado pronto e acabado,
que, sem dúvida, há de vigir até que seja reparado ou completado.
Em uma medida extrema extirpado dada fundada superação do estado social
que motivou com que o Poder Legislativo criasse uma indigitada regra legal para
outra anteriormente vigente ou no plano da prática a interpretação dada modificasse
a compreensão e o entendimento do dispositivo.
168

Enquanto conjunto de regras, o Direito passa a enfrentar a contramão da


realidade social porque, na racionalidade do sistema operacional de aplicação das
regras operada pelo homem/Juiz quando retorna às regras do Direito, o tempo
presente já passou, e o registro da mutabilidade é a evidência do paradoxo
temporal e suas evidentes consequências.
Ao recorrer aos métodos herméticos de dedução jurídica, deixa de lado o
resultado prático e mais rente do que a nova realidade social está a exigir do Direito
e consequentemente da Justiça.
A realidade fenomênica é outra. Esse delay compromete a racionalidade do
Direito, ele precisa ser aplicado de forma mais rápida, principalmente nas questões
pacificadas e que o entendimento é mera replicação inconsciente da lei, pois, caso
contrário, acontecerá o perecimento do Direito, a perda da credibilidade do
destinatário da regra encampada por aquele compêndio normativo.
O Direito, como um corpo responsável pela organização social, precisa, para
sobreviver, acompanhar a transitoriedade e a simultaneidade da velocidade da
realidade social, por intermédio de suas próprias regras. Seu valor intrínseco está
para sua efetividade instantânea “razoável”. Para isso, sua aplicação cobra por uma
certa imediatidade.
Não porque elas, as regras, já não sejam mais válidas, mas porque precisam
ser analisadas constantemente a partir de um cenário de integração, unificação e
uniformização, possível somente por meio de um sistema que ofereça condições
materiais e efetivas de que o efeito racionalizador do Direito seja garantido.
Isso somente acontece se a resposta do Direito for dada em um tempo
compatível com as expectativas da nova sociedade pós-moderna, ou seja, de forma
razoavelmente célere, porém por meios seguros em renormalização. Segundo
Hawking (2015, p. 207)

De forma bastane semelhante, infinitos aparentemente absurdos ocorrem


nas outras teorias parciais, mas, em todos esses casos, eles podem se
anulados por um processo chamado de renormalização, o que faz mediante
a introdução de outros infinitos. [...] A renormalização, contudo, apresenta
uma desvantagem séria sob o ponto de vista de se tentar encontrar uma
teoria completa, pois significa que os valores verdadeiros das massas e as
intensidades das forças não podem ser previstos com base na teoria, mas
precisam se escolhidos para se adequar às observações.
169

Para isso, é concebível a intelectualidade tecnológica afastar a ambiguidade,


a dedução e a verificabilidade por força de sua própria natureza. A nova inteligência
intelectual artificial gestada pela tecnologia passa a dar conta das totalidades das
necessidades de uma demanda parcialmente atendida pela capacidade cognitiva
humana, conforme esclarece Bertalanffy (2015, p. 46),

Um modelo verbal é melhor do que nenhum modelo ou do que um modelo


que, visto pode ser formulado misteriosamente e imposto à força à
realidade, falsificando a teoria de enorme influência, como a psicanálise,
que não foram matematizadas ou como a teoria da seleção, Seu impacto
excede de muito as construções matemáticas, que só aparecem mais tarde
e cobrem apenas aspectos parciais e uma pequena fração dos dados
empíricos. Se a proposição filosófica “não é outra coisa senão” uma reflexão
filosófica de história da intelectualidade, a sua extensão à intelectualidade
tecnológica assenta na ausência de ambiguidade, dedução e
verificabilidade, que não possam ser aceitos pela academia.

A reflexão sobre a possibilidade e a defensabilidade material de uma


intelectualidade calcada na tecnologia vê-se possível: sua aceitação contribui não
somente para identificar como para socorrer as dificuldades sociais existentes.
Não parece que os cientistas das ciências jurídicas estariam se
autoexorcizando ou reconhecendo a falibilidade humana em alguns aspectos, se
reconhecerem como questão relevante a tomada de uma discussão em que a
intelectualidade tecnológica ocupe o cenário instrumental na mediação do Direito
para o alcance da Justiça.
A nevralgia endêmica do sistema judiciário em atender às demandas
conflitivas, principalmente aquelas cujos problemas são predefinidos, decorre da
falta de um modelo a absorver esse tipo de situação. A massificação comum dos
conflitos existentes na sociedade pós-moderna também tem relação com os
sistemas de combinações biológicas com os quais a humanidade é estruturada.
Esse fator decorre da complexidade e da escalabilidade aritmética com que a
sociedade se desenvolveu nos últimos séculos, somadas à natureza do sistema
metabólico orgânico, social e psicológico da espécie humana.
A mutabilidade oriunda de um sistema aberto e complexo, embora a
linguagem analítica ordinária predomine nesse modelo cognitivo, não garante a
efetiva estabilidade almejada que se precisa, para que a sociedade viva estável,
sem conflitos.
170

As permutações e as combinações geram novos padrões que, se


sistematizados por meio de um modelo cibernético de estrutura reguladora, podem
ser efetivamente compreendidos, gerenciados e fiscalizados.
Redundando na identificação imediata quando das irregularidades, além de
apresentar às demandas respostas imediatas, diante da natureza operacional do
sistema. Esclarece Bertalanffy (2015, p. 49).

Ainda uma vez de acordo com Hart (1959), a invenção humana pode ser
concebida como construída por novas combinações de elementos
anteriormente existentes. Se assim é, a oportunidade de novas invenções
aumentará aproximadamente como função do mínimo de possíveis
permutações e combinações de elementos disponíveis, o que significa que
este aumento será um fatorial do mínimo de elementos. Por conseguinte, a
taxa de aceleração das transformações sociais está ela própria se
acelerando, de modo que em muitos casos será encontrada numa mudança
cultural não uma aceleração longa-rítmica, mas uma aceleração log. log.

Na falibilidade dos sistemas biológicos humanos, é de considerar-se a


natureza do sistema do organismo vivo que compõe a estrutura humana, como
ilustra Bertalanffy.129Em sendo diagnosticados pressupostos ou elementos comuns
da retroação – é provável que cada um conservando sua natureza e sua forma
comportamental –em ambos os sistemas, biológico x tecnológico, tem-se com
relação à sociedade humana uma clara e objetiva finalidade de se instituir o pleno
desenvolvimento da ciência.

129 “ [...] o organismo vivo é um sistema aberto que se mantém em estado estacionário ou se
aproxima deste. Sobrepondo-se às primeiras, encontramos as regulações que podemos chamar
secundárias e que são controladas por dispositivos fixos, especialmente do tipo retroativo. Esta
situação é consequência de um princípio geral de organização que pode ser chamado de
mecanização progressiva. De início, os sistemas biológicos, neurológicos, psicológicos ou sociais são
governados pela interação dinâmica de seus componentes. Mais tarde estabelecem disposições fixas
e condições de coerção que tornam o sistema e suas partes mais eficientes, mas também diminuem
gradualmente e por fim abolem na equipotencialidade. Assim, a dinâmica é o aspecto mais largo
porque podemos sempre, partindo das leis gerais dos sistemas, introduzindo convenientes condições
de coerção, enquanto o oposto é impossível. A dinâmica traça um processo, ou procedibilidade
comum tanto aos sistemas fechados como aos sistemas abertos, em ambos os aspectos, a higidez e
a sistematização das ações são mecanismos que têm como finalidade manter a estabilidade dos
componentes e com isso a funcionalidade.O organismo vivo, ou de vida biológica é marcado por uma
certa instabilidade, principalmente pelo natural e gradual arrefecimento de suas equipotencialidades
advindas pela fragilidade de sua estrutura orgânica (organística)”. E arremata o mesmo autor (2015,
p. 70): “Assim, uma grande variedade de sistemas na tecnologia e na natureza viva segue o esquema
da retroação, sendo bem conhecido que uma nova disciplina chamada cibernética foi criada por
Norbert Wiener para tratar deste fenômeno. A teoria procura mostrar que os mecanismos de natureza
retroativa são a base do comportamento teleológico ou finalista nas máquinas construídas pelo
homem assim como nos organismos vivos nos sistemas sociais (BERTALANFFY, Ludwig Von.
Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações; tradução Francisco M.
Guimarães. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 71).”
171

Deduz-se, positivamente, que, considerando tais aspectos, o fato


consentâneo é o de que o homem aplique a ciência de modo que ela fomente uma
tecnologia psicológica, uma tecnologia sociológica e por certo uma tecnologia
judiciária, inclusive em seu modelo operacional regulatório e punitório. Isso porque,
nos sistemas tecnológicos, as equipotencialidades da dinâmica se conservam
estáveis qualitativa e quantitativamente.
A transformação da atividade puramente humana em atividade artificial vê-se
imaginável e possível na medida em que, cientificamente, as leis da natureza
possam ser atingidas empírica e formalmente, como esclarece Bertalanffy (2015,
p.93): “[...] estes exemplos matemáticos ilustram, contudo uma questão de interesse
para nossas considerações, a saber, o fato de que certas leis da natureza podem
ser alcançadas não somente com base na experiência mas também de modo
puramente formal”.
Nos novos tempos, transparece ser importante propiciar que o homem possa
realizar uma viagem constante para conhecer melhor o indivíduo que o habita, suas
características operacionais da mente e seus outros mecanismos funcionais
essenciais.
Tecnologizar as áreas do conhecimento implica homogeneizar por completo a
relação entre o sistema humano e o cibernético, fronteiras, cujas partes repousam
nas sombras do desconhecido, porque o homem ainda se ressente de assumir os
limites de suas condições biológicas.
Essa forma de eclipse de sua realidade exige um banimento, ou o homem
tornar-se-á refém de suas próprias impotências, tungando-se perpetuamente.130

130 Para Bertalanffy, em citação de fôlego, é possível perceber essa necessidade: “No sistema,
igualmente certas partes tornam-se contra insubstituíveis de certos desempenhos, por exemplo: os
reflexos. No entanto, a mecanização nunca é completa no domínio biológico. Embora o organismo
seja parcialmente mecanizado conserva-se ainda um sistema unitário. Isto é, a base da regulação e
da interação com as exigências variáveis do meio. Em uma comunidade primitiva cada membro pode
executar quase tudo em sua legislação com o todo. Numa comunidade altamente diferenciada, cada
membro é determinado para certo desempenho ou complexo de desempenhos. O caso extremo é
alcançado em certas comunidades de insetos, nas quais os indivíduos por assim dizer transformam-
se em máquinas determinadas para executarem certas funções. A determinação dos indivíduos em
obreiras ou soldados, em algumas comunidades de formigas, devido às diferenças de alimentação
nos vários estágios, assemelha-se espantosamente à determinação ontogenética das regiões
germinais a terem um certo destino no seu desenvolvimento. / Neste contraste entre totalidade e
soma, consiste a trágica tensão em qualquer evolução biológica, psicológica e sociológica. O
progresso só é possível passando de um estado de totalidade indiferenciada a diferenciação das
partes. Isto implica, contudo, que as partes se tornam fixas com respeito a uma certa ação. / Por
conseguinte, a segregação progressiva significa também a progressiva mecanização. Esta, porém,
implica perda de regularidade. Enquanto o sistema é um todo unitário, uma perturbação será seguida
da chegada a um novo estado estacionário, devido às interações internas do sistema. / O sistema é
172

A ideia de unificação da ciência e de que as estruturas em todos os níveis


podem ser unificadas uniformizando-as, representa uma possibilidade aos ventos da
pós-modernidade, o rompimento de paradigmas e o avanço ao desconhecido bem
como a superação dos limites estabelecidos representa uma forte tendência,
conforme registra Bertalanffy (2015, p. 123).

Especialmente o hiato entre as ciências naturais e as sociais, ou para usar


os termos alemães mais expressivos natur und geisteswiassancha/ten, é
grandemente diminuído, não no sentido da redução das últimas as
concepções biológicas, mas no sentido das similitudes estruturais. Esta é a
causa da aparência de pontos de vista e noções gerais finalmente, conduzir
ao estabelecimento de um sistema de leis ulterior campo.

Avaliando o passado e tratando do sistema em suas diversas facetas: a


cibernética, a teoria da informação, a teoria dos jogos, a teoria da decisão, a
topologia ou a matemática relacional, a análise fatorial e outras, a vocação do
homem narcísico afastaram-no de dar atenção ou voltar seu foco ao mundo
organizacional e a suas formas. Assim, sua influência centralizadora e direta impede
seu próprio desenvolvimento de forma positiva.
A engenharia humana trata das limitações da capacidade e das variações
fisiológicas do homem e considera em tais trabalhos a cognição da biomecânica, da
biofísica e da psicologia. É factual que instrumentos epistemológicos possam captar
a ordem e a organização humana em seu complexo biológico.
A ciência, reconciliada com o novo mundo, não limitada ao fisicalismo, ganha
materialidade cognitiva suficiente para entender, compreender e reconstruir

autorregulador. Se, porém, o sistema foi dividido em cadeias causais independentes, a regularidade
desaparece. Os processos parciais prosseguirão sua relação mais uns com os outros. Este é o
comportamento que encontramos, por exemplo, no desenvolvimento embrionário, no qual a
determinação caminha passo a passo com o decréscimo de regularidade”. Em síntese, arremata
Bertalanffy (2015, p. 102): “O progresso só é possível pela subdivisão de uma ação inicialmente
unitária em ações de partes especializadas. Isto, entretanto, significa ao mesmo tempo
empobrecimento, perda de desempenhos ainda possível no estado indeterminado. Quanto mais as
partes se especializam em certa maneira tanto mais se tornam insubstituíveis e a perda das partes
pode conduzir ao desmoronamento do sistema total. Usando uma linguagem aristotélica, toda
evolução, ao desdobrar alguma potencialidade, mota mata em botão muitas outras possibilidades.
Podemos encontrar este fato no desenvolvimento embrionário assim como na especialização
filogenética ou na especialização na ciência e na vida diária. / O comportamento interpretado como
utilidade e o comportamento entendido como somação, as concepções unitárias e as que se fundam
nos elementos são usualmente consideradas como antítese. Mas descobre-se frequentemente não
haver oposição entre elas e sim transição gradual do comportamento como totalidade para o
comportamento como somação (BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos sistemas:
fundamentos, desenvolvimento e aplicações; tradução Francisco M. Guimarães. 8. ed. Petrópolis:
Vozes, 2015, p. 101).”
173

cientificamente a organização em outra linguagem – o sentido, a direção e a


finalidade das ações humanas – de modo a tornar-se possível uma organização
humana dotada de cientificidade cuja base estaria em leis universais sociais ao bom,
pleno e eficaz funcionamento do sistema orgânico humano.
A padronização de variáveis possibilita a compreensão e também a
estabilização estacionária das complexidades não organizadas das relações sociais
e comportamentais. É certo que as ciências sociais e comportamentais não se
fundiram inicialmente em uma linguagem de sistema, todavia nada impede que seja
refundada ou reconfigurada uma teoria de sistema adequada a partir de sua
estrutura e infraestrutura em suas totalidades.
As incertezas conclusivas e as conjecturas infindáveis das ciências sociais e
comportamentais revelam que a lida das variáveis, seus isolamentos e suas
assertivas são realizadas de forma primitiva cuja superação é alcançada pelo
convencimento retórico ou pela satisfação alcançada pela justificação ou, em alguns
casos, pela encruzilhada do cansaço de uma luta pela derrota humana, dada sua
fragilidade física e intelectual. Todavia, a transformação de conceitos e linguagens é
possível, como preconiza a teoria de Bertalanffy.131Para Bertalanffy (2015, p.156), a
concepção de sistema guarda consigo determinadas peculiaridades, senão vejamos:

131 “[...] a inclusão das ciências biológicas sociais e do comportamento junto com a moderna
tecnologia exige a generalização de conceitos básicos da ciência. Isto implica novas categorias do
pensamento científico, em comparação como os existentes, na física tradicional e os modelos
introduzidos com esta finalidade são de natureza interdisciplinar”. Nesse sentido, conclui o mesmo
autor (2015, p.145): “parece ser que o conceito de sistema é bastante abstrato e geral para permitir a
aplicação e entidades de quaisquer denominações. As noções de “equilíbrio”, “homeostase”,
“retroação”, “esforço”, etc. não deixam de ter origem tecnológica ou fisiológica, mas são aplicadas
com maior ou menor sucesso aos fenômenos psicológicos. Os teóricos dos sistemas estão de acordo
em que o conceito de “sistema” não se limita a entidades materiais, mas pode ser aplicado a qualquer
“totalidade constituída por “componentes” inter estruturantes (BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria
geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações; tradução Francisco M. Guimarães.
8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 131).”
174

À luz da moderna teoria dos sistemas é possível dar um significado preciso


ou alternativo entre os enfoques molar e molecular, nomotético e
ideográfico. Para o comportamento das massas aplicar-se-iam leis dos
sistemas que, se puderem ser matematizados, tornariam a forma de
equações diferenciais dos tipos das que foram usadas por Richardons
cc/Rapoport, 1957) acima mencionado. Em oposição, a livre escolha do
indivíduo seria descrita por formulações da natureza dos jogos e da decisão.
/ Axiomaticamente, a teoria dos jogos e da decisão referem-se a escolhas
“racionais”. Isto significa uma escolha, que “leva ao máximo a utilidade ou a
satisfação de um indivíduo”, que “o indivíduo” é livre de escolher entre
vários possíveis cursos de ação e decide entre eles tendo como base, suas
consequências”, que “escolhe”, estando informado de todas as
consequências concebíveis de suas ações, aquilo que tem para ele o mais
alto valor”, “prefere maior quantidade de um bem de menor quantidade, em
iguais condições”, etc. (ARROW, 1956). Em vez de ganho econômico,
qualquer valor superior pode ser introduzido sem alterar o formalismo
matemático.

A possibilidade de conduzir as decisões a um sistema de Inteligência Artificial


se fortalece, uma vez que as ações do homem são mais adequadamente afeiçoadas
à irracionalidade.
Se o racionalismo imbuído da conservação, da satisfação, do desejo, da
sobrevivência em busca de algo benéfico biologicamente verbalizando, pertence à
natureza da vida animal.
Ao contrário, o homem e seu comportamentalismo, a racionalidade “humana”
apresentam espasmos em um oceano maior da irracionalidade, dadas as influências
internas e externas que contaminam a razão, o inconsciente, e suas razões
valorativas.132 Os obstáculos ainda estão insuperados, sejam os fatos teóricos ou

132 Para Habermas (1987, p. viii-ix) em The Philosophical Discourse of Modernity (O Discurso
Filosófico da Modernidade): “But the enhanced significance of the aesthetic is only one facet of the
philosophical discourse of modernity, which turns centrally on the critique of subjectivistc rationalism.
The strong conceptions of reason and of the autonomous rational subject developed from Descartes
to kant have, despite the constant pounding given them in the last one hundred and fifty year,
continued to exercise a broad and deep – often subterranean – influence. The conception of “man”
they fine is, according to the radical critics of enlightenment, at the core of Western humanism, which
accounts in their view for its long complicity whith terror. In proclaiming the end of philosophy –
whether in the name of negative dialetics or genealogy, the destruction of metaphysics or
desconstruction – they are in fact targeting the self-assertive and self- aggrandizing notion of reason
that underlies Western “logocrentrism”. The critique of subject-centered reason is thus a prolongue to
the critique of a bankrupt culture. / To the necessity that characterizes reason in the Cartesian-Kantian
view, the radical critics typically oppose the contingency and conventionality of the rules, criteria, and
products of that counts as rational speech and action at any given time and place; to its universality,
they oppse an irreducible plurality of incommensurable lifeworlds and forms of life, the irremediably
“local” charater of all truth, argument, and validity; to the apriori, the empirical; to certainty, fallibility; to
unity, heterogeneity; to homogeneity, the fragmentary; to self-evident givenness (“presente”),
universal mediation by differential systems of signs (Sausurre); to the unconditioned, a rejection of
175

humanos. Quanto aos primeiros, é de se investir incansavelmente no


aprofundamento científico e com ele na descoberta de novos conhecimentos, cujo
escopo é o de dar uma resposta positiva à tecnologização do comportamento e da
sociedade humana.

ultimate foundations in any form. Interwoven with this critique of reason is a critique of the sovereign
rational subject – atomistic and autonomous, disengaged and disembodied, potentially and ideally
self-transparent. It is no longer possible, the critics argue, to overlook the influence of the unconscious
on the conscious, the role of the preconceptual and nonconceptual in the conceptual, the presence of
the irrational – the economy of desire, the will to power – at the very core of the rational. Nor is it
possible to ignore the intrinsically social character of “structures of consciousness,” the historical and
cultural variability of categories of thought and principles of action, their interdependence with the
changing forms of social and material reproduction. And it is equally evident the “mind” will be
misconceived if it is oppsed to “body,” as will theory if it is opposed to practice; Subjects of knowledge
are embodied and practically engaged with the world, and the products of their thought bear
ineradicable traces of their purposes and projects, passions and interests. In short, the epistemological
and moral subject has been definitively decentered and the conception of reason linked to it
irrevocably desublimated Subjectivity and intentionality are not prior to, but a function of, forms of life
and sytems of language; they do not “constitute” the world but are themselves elements of a
linguistically disclosed word (HABERMAS, Jürgen. The philosophic discourse of modernity: twelve
lectures. Cambridge: Cambridge University Press, 1987, p. vii).”
Tradução: “Mas o significado melhorado da estética é apenas uma faceta do discurso filosófico da
modernidade, que se transforma centralmente na crítica do racionalismo subjetivo. As fortes
concepções da razão e do sujeito autônomo racional desenvolvidas a partir de Descartes a Kant,
apesar do constante batalhado nos últimos 150 anos, continuaram a exercer uma ampla e profunda
influência, muitas vezes subterrânea. A concepção do "homem" que muda é, de acordo com os
críticos radicais do iluminismo, que é o Neoclassicismo iniciado na França, com Voltaire, Descartes,
no centro do Humanismo ocidental, o que representa, em sua opinião por sua longa cumplicidade
com o terrorismo[...] Ao proclamar o fim da filosofia – seja em nome da dialética ou genealogia
negativa, a destruição da metafísica ou desconstrução – eles estão de fato visando à autoafirmação e
ao autoengrandecimento, a noção de razão que está por trás ocidental "logo centrismo". A crítica da
razão centrada no sujeito é, portanto, um prólogo para a crítica de uma cultura à beira da falência. /
Para a necessidade que caracteriza a razão na visão kantiana-cartesiana, os críticos radicais
normalmente se opõem à contingência e à convencionalidade das regras, critérios e produtos de que
conta como discurso racional a ação em um determinado tempo e lugar; a sua universalidade,
opõem-se a uma pluralidade irredutível de mundos, incomensuráveis de vida e suas formas, a Carta
irremediavelmente "local" de toda a verdade, o argumento, e a validade; ao anterior, a empírica; a
certeza, falibilidade; a unidade, a heterogeneidade; a homogeneidade, a fragmentariedade; concede
pouco o autoevidente ("presente"), a mediação universal por sistemas diferenciais de sinais
(Saussure); para o incondicionado, é uma rejeição de fundamentos últimos de qualquer forma.
Entrelaçada com esta crítica da razão, é uma crítica do sujeito racional soberano – atomística e
autônomo, desengatado e sem corpo, e, idealmente, potencialmente auto transparente. Não é mais
possível, os críticos argumentam, ignorar a influência do inconsciente sobre o consciente, o papel do
preconceitual e não conceitual no conceitual, a presença do irracional – a economia do desejo, a
vontade de poder – pelo âmago do racional. Também não é possível ignorar o caráter
intrinsecamente social das "estruturas de consciência," a variabilidade histórica e cultural de
categorias de pensamento e princípios de ação, a sua interdependência com as novas formas de
reprodução social e material. E é igualmente evidente que a "mente" será mal compreendida se ele
se opõe ao "corpo", como a teoria da vontade, se ela se opõe à prática. Sujeitos do conhecimento
estão incorporados e praticamente envolvidos com o mundo, e os produtos de seu pensamento têm
traços indeléveis de seus propósitos e projetos, paixões e interesses. Em suma, o epistemológico e o
sujeito moral têm sido definitivamente descentrados e a concepção de razão ligada a eles de forma
irrevogável, de sublimada subjetividade e a intencionalidade não são antes, mas uma função de
formas de vida e sistemas de linguagem; não "constituem" o mundo, mas são eles próprios elementos
de uma palavra linguisticamente divulgada.”
176

Quanto aos segundos, é a resistência de se camuflar em si, limitando-se a


rediscutir os velhos problemas com base nas velhas teorias ou em uma base
cognitiva anacrônica, por elas fornecidas.
Se considerarmos que a ação do homem está muito mais para a
irracionalidade do que para a racionalidade, se observarmos que esse
comportamento é muito mais afeiçoado ao comportamento animal, infere-se “in
natura” a lógica da racionalidade aquele ato gerado pelo comportamento
“raciofórmico”, cuja base são a perpetuação, a conservação, a satisfação e a
manutenção da existência no sentido biológico.
Um modelo de decisão e de escolha, se levado a parâmetros universais,
mesmo que relacionado a fatores subjetivos e intersubjetivos, porém suspendendo o
individualismo típico do racional/irracional comportamento humano, tornaria o
resultado mecanicamente mais adequado do que o comumente pautado em uma
racionalidade humana escassa ou aviltada.
Nesse contexto, o homem não constitui o mundo, ele nada mais é que um
sistema que, por intermédio de uma língua, produz uma linguagem em uma espécie
de um sistema simbólico para interagir com os elementos do mundo, em que ele é
um mero passageiro.
Seu sistema bi-neural - córtex direito e esquerdo - denominado cérebro e
suas faculdades possuem uma consciência temporal que se faz no tempo e no
espaço juntamente com outras espécies e outras inteligências.
A heterogeneidade encontrada no tempo, em distintos momentos, condições,
modelos de situações para efeito da raça humana, a descredencia de uma condição
biológica de organismos social superior, portanto é difícil afirmar como sendo uma
inteligência única, exclusiva e universal.
Em vez de um todo interrelacionado harmoniosamente, temos partes
interdependentes que se estruturam em determinado período de espaço e de tempo.
Os aspectos hereditários e sucessórios são fracos para manterem a
homogeneidade, dada a fragilidade da forma biológica como a humanidade se
multiplica, uma espécie de, “uma cópia da cópia”, um fruto da reprodução sexuada,
por isso se dão com facilidade a heterogeneidade e a complexidade. Para Bunge
(2012, p. 143):
177

Los organismos que tienen reproducción sexual son mucho más variables a
causa de la reconbinación (o barajadura casi aleatória) de los genes
parentales. En ambos casos, el sistema genético, o genoma – que esta
compuesto por moléculas de ADN – está a cargo de la herencia. Los
organismos no son arrastrados por ciertos fines, sino empujados por la
memoria genética del passado, con perdón de la metáfora.

A irracionalidade de suas ações leva o homem a suspender e ao mesmo


tempo a reavaliar a forma como são realizadas suas próprias regras regulatórias,
inclusive quando da constituição delas.
Se o risco existe em um corpo normativo criado pela espécie humana, sua
viabilidade de aplicação a partir de uma operação pessoalizada é igual ou maior
quando transferida sua ativa realização.
Portanto, sendo considerável qualquer outro modelo isento de pessoalidade e
subjetividade, apresenta-se como possível a realização da aplicação. Para o mundo
jurídico, como destacado, exige-se a chancela Constitucional, cujo filtro contém
dispositivo que se alberga nos termos do artigo 5º, inciso LXXVIII da CF.
A condição comum do fluxo interno e externo, do metabolismo constante,
instável de contínua transformação forma o elemento fenomênico da vida. É neste
contexto heterogêneo de constante desequilíbrio que o organismo busca
restabelecer-se, tornando-se estável e equilibrado.
A temporalidade em que se passa este “filme” do biossistema, cultivado a
partir de aspectos quantitativos e qualitativos, demonstra quão instável é a
estabilidade das realizações da humanidade.
Nesse cenário, a imprevisibilidade afasta de todos os modos a sistematização
estável das ações por qualquer meio de equação que possa dar as regras a tal tipo
de vida, na tomada de ações e decisões.
O desconforto não habita as leis, porque habita o homem, sua condição
biológica, que é a natureza humana “bio-química”. Dissipá-la é impossível e, se não
fosse a realização do fenômeno de equilíbrio estacionário obtido pelas leis que
regem os sistemas abertos, não haveria a eliminação da instabilidade proporcionada
pelo próprio sistema, que se vê vulnerável quando exposto aos efeitos endógenos e
exógenos das múltiplas relações pessoais, subjetivas e sociais.
178

As peculiaridades do sistema aberto são inquestionáveis e, por assim dizer,


evidentes. Sua organização dá-se tanto de forma visível como por situações que
fogem da lógica, dos mecanismos dotados de capacidade de exame em aferição. A
multiplicidade supera a barreira das experiências fisiológicas de modo a tornar-se
impossível o controle por processos matematizados, se não categorizados e
delimitados pertinentemente.
O processo em que a sistematização mecanicista tecnologizada esteja
presente, se não afastada a impossibilidade autorregulatória do sistema aberto o
outro, não acontece.
A questão da transposição entre sistemas parece ser uma ponte a ser
avaliada quando a simbiose questionada envolve a relação entre sistema aberto e o
sistema cibernético, como tratam os ensinamentos de Bertalanffy.133
Esse fluxo estéril somente pode produzir resultados diversos ou atender a
questões incomuns se devidamente abastecido com a inserção de informações e
dados em seu sistema pela retroalimentação. Ao que se apresentam os sistemas,
possuem em sua identidade detalhes e entalhes de diferenciações.
Não parece que em algum momento se afaste por completo de uma nostalgia
pelo equilíbrio mecanizado “onde a produção pelo novo seja essencial”. Em
semelhante aspecto funcional, parece que os sistemas convergem e são estáveis
em identidades.
Para isso, definir estabilidade na intersecção dos sistemas, ou seja, dentro de
cada um, dada as peculiaridades entre o sistema fechado – retroação –, e o aberto –
dinamismo–, representa um critério elementar.

133 “A base do modelo do sistema aberto é a interação dinâmica de seus componentes. A base do
modelo cibernético é o ciclo de retroação no qual, por via da retroação da informação mantém-se um
valor desejado (sollwert), atinge-se um alvo, etc. A teoria dos sistemas abertos é uma cinética e uma
termodinâmica generalizada. / O sistema cibernético, a retroação e a informação não geram uma
relação metabólica típica da relação interativa dinâmica do sistema aberto; neste sistema a própria
relação interativa dinâmica é a “informação”. Isso se dá porque a relação complexa e fluida
estabelecida é em si um conjunto de “dados e informações” que compõe o corpo do processo da
comunicação dos sistemas abertos, gerando e se autorregulando. / Não se discute ou se aponta se
há perfeição ou não neste modus operandi. No sistema cibernético, a alimentação da base de dados
e “informação” é que possibilita o funcionamento da inteligência, porém o processamento não produz
relação múltipla dada a ausência de metabolismo em sua estrutura, o que é de sua típica natureza.
As oscilações, compensações, aumento ou diminuição de energia são inexistentes nos sistemas
fechados, comuns ao sistema cibernético (BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos sistemas:
fundamentos, desenvolvimento e aplicações; tradução Francisco M. Guimarães. 8. ed. Petrópolis:
Vozes, 2015, p. 195).”
179

Também a entropia com relação aos sistemas e os efeitos da física exigem


um tratamento principalmente com relação à natureza conceitual do instituto da
entropia.
A estabilidade apresenta-se identidária, com a manifestação do processo de
entropia negativa, devido à possibilidade de troca de energia e às compensações do
sistema aberto, o que parece “a priori” impossível para o sistema cuja base advém
da informação e de dados, que “são o abastecido”, portanto é de se pensar como
compensar as necessidades e as dissipações.
Considerando que tudo é linguagem, o problema da irreversibilidade
proporcionada pela física nos sistemas abertos pode ser uma solução para
compreender a reversibilidade dos sistemas fechados. A não possibilidade de dar
conta de uma infinidade de situações torna o sistema fechado em algum momento
irreversível.
O caminho do limite dentro do espectro de informações inseridos no sistema
fechado revela-se irreversível quanto à conclusão da falta de solução, enquanto para
o sistema aberto a irreversibilidade é a impossibilidade de desfazer o processo
complexo e fluido entre as relações internas e externas do sistema.
Em meio a tais sistemas, existe um mundo de saber, no qual o que parece
essencialmente importante é o de possibilitar que suas relações possam ser
transformadas, conceituadas e reguladas dentro de um sistema que possa
estabelecer condições reais de funcionamento quanto ao relacionamento proposto.
É um sistema irreversível porque metabolicamente a relação físico-química já
aconteceu, sendo irreversível também, uma vez que as informações e dados
catalogados atingiram um limite pela não resposta, face à limitação advinda do
abastecimento de informações e dados exauridos.
Considerar a limitação interna e a externa mostra-se razoável e não descarta
suas qualidades, porque mesmo em um sistema aberto as possibilidades são finitas,
dada uma compreensão fenomênica da relação do sistema com o mundo,
naturalmente constatáveis pelos limites cognitivos, pelo conhecimento da espécie
humana.
180

Em ambas as hipóteses sistêmicas, esses são possíveis de atender à


realidade do homem, o que vai exigir-lhe a tomada de uma decisão de escolha. A
elaboração de condições e suas peculiaridades impõem ao cientista debruçar-se
sobre as condições, as regras e os fundamentos implícitos aos sistemas na
exposição de seus diferenciais.
Observa-se que o ilimitado reside antes do limite; sob tal aspecto o sistema
fechado dispõe de maior grau de previsibilidade, pois as regras em todos os sentidos
podem para determinado ambiente encontrar-se antecipadamente definidas e
categorizadas.
Parafraseando Trincher, a entropia não é afeta o sistema aberto; segundo o
entendimento desse biofísico, a entropia/física é oposta à adaptação e à evolução
biológica e afeta a constituição da informação. A concepção física em questão
envolve a física derivativa de Boltzmam, mecânica estatística e de transição,
concepções que baseiam as relações de causalidade, a que nos limitamos a mera
alusão ao entendimento da assertiva.
No entanto, se semelhante entendimento é levado à frente, a questão é
entender por que ele enxerga a entropia e nela, como sendo um processo que não é
afeto aos sistemas vivos. Seriam os sistemas vivos nutridos de racionalizantes
comuns (interna corporis a entropia), a partir de artigos de dados e informações
definidas, coligadas, adaptadas e constituídas em um processo de evolução?
Se sim, a transposição das informações e de dados pode dar-se com
exatidão, no sistema Cibernético (retroação), uma vez que a informação, a coleção,
a adaptação e a representação dão-se no processo de retroação da informação,
porém já predefinidos pelos racionalizantes do sistema entrópico, que seria a
identidade comum responsável nestas condições por categorizar com precisão o
sistema aberto.
A adaptabilidade é um conceito real de formação da informação, além de ser
reconhecida pelos sistemas vivos. Esse fenômeno simplista de contato imediato é
razoavelmente constituído nas relações primárias.
Elas objetivam que outras criaturas do sistema vivo e seus desdobros–
embora a complexidade possa existir – a lógica da construção e da funcionalidade
pode conservar-se pela reprodução perfeita da simbologia desenvolvida pelas
matrizes lógicas, contendo os seus axiomas e teoremas a partir da lógica utilizada.
181

A realidade social, ainda que influenciada por um sistema maior e que em


grau de desdobramentos pode encontrar nas camadas subatômicas suas razões,
dentro de um modelo de regras fixas preestabelecidas, não foge da possibilidade de
estabelecer-se na relação de processo e estrutura por intermédio do modelo de
retroação, principalmente em condições tais que possam as condições normativas
ser fixadas por um sistema fechado previamente programado.134 A questão já
existente, apesar de ainda em desenvolvimento quanto a suas buscas de evidência,
é o tratamento da linguagem natural utilizada pela comunidade humana e a
cibernética, tratada pela comunidade tecnológica das máquinas artificiais. Enfatiza-
se “artificiais”, por não ser menos verdade que o homem seja uma máquina
biológica, orgânica, que funciona sistematicamente condicionada por diversos
fatores.
A reprodução da linguagem natural em sistemas eletrônicos computacionais é
também uma realidade vivenciada de forma concreta no dia a dia da raça humana.
São certificações, “comprovações de assinaturas”, é a impressão de textos
reproduzidos, é a realização de exames dos mais diversos tipos, é a leitura de
cartões dos mais variados tipos e fins.

134 A esse respeito afirma Bertalanffy: “Os conceitos de teoria da informação, particularmente a
equivalência da informação à entropia negativa – correspondem, portanto, à termodinâmica “fechada”
(termostática) mais do que a termodinâmica irreversível dos sistemas abertos. Contudo, esta última é
pressuposto se o sistema (como organismo vivo) tiver de ser do tipo autoorganizador (FOERSTER &
ZOPF, 1962), isto é, deve tender para uma diferenciação mais alta. Conforme mencionamos acima
até aqui, não foi alcançada nenhuma síntese. O esquema cibernético permite, mediante os diagramas
de blocos, o esclarecimento de muitos importantes fenômenos de autorregulação em fisiologia e
presta-se à análise teórica da informação. O esquema do sistema aberto permite a análise cibernética
e termodinâmica. A comparação dos fluxogramas de retroação (figuras 7.2) e dos sistemas sociais
abertos (7.1) mostra instrutivamente a diferença. Assim a dinâmica dos sistemas abertos e nos
mecanismos de retroação são dois conceitos diferentes de modelos, cada qual correto em sua esfera
própria. O modelo de sistema aberto é fundamentalmente não mecanicista e transcendente não só a
termodinâmica convencional (cf.capitulo 4). / O enfoque cibernético conserva o modelo mecânico
cartesiano do organismo, a causalidade unidirecional e os sistemas abertos. Sua novidade consiste
em introduzir conceitos que transcendem a física convencional, especialmente a teoria da informação.
Em última análise, este par é uma expressão moderna da antiga antítese de “processo” e “estrutura”.
Terá de ser finalmente resolvido dialeticamente em uma nova síntese. / Fisiologicamente, o modelo
da retroação explica aquilo que pode ser chamado “regulações secundárias” no metabolismo e em
outros campos, isto é, regulações por meio de mecanismos preestabelecidos e caminhos fixos, como
no controle neuro-hormonal.Seu caráter mecanicista torna-o particularmente aplicável na fisiologia
dos órgãos e dos sistemas de órgãos. Por outro lado, a interação dinâmica das reações nos sistemas
abertos aplica-se às “regulações primárias” como as que se passam no metabolismo celular (cf. Hess
& Chance, 1959), em que vigora a regulação mais geral e primitiva dos sistemas abertos
(BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e
aplicações; tradução Francisco M. Guimarães. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 210).”
182

Tecnologicamente o sistema alcançou a decodificação e a reprodução da


linguagem natural humana em uma linguagem tecnológica para aquela atividade que
antes era realizada pelos seres humanos.
A não aceitação de que a linguagem cibernética e os meios tecnológicos
computacionais podem substituir e/ou reposicionar a utilidade humana para todas as
funções está arraigada na ambiguidade que se tem quando da avaliação de como a
mente, a psique e a linguagem humana operam.
A dificuldade em chegar a certas certezas evidentemente estimula e ainda
fortalece uma oposição de homens que vivem o dilema, pois, enquanto isso, eles
tomam para si o controle e a palavra final sobre a grande maioria, os dominam e se
beneficiam dessa relação.135 A pesquisa científica em seu desenvolvimento enfrenta
o problema conflitivo da metodologização diante da comum, sempre presente e da
incessante relação divergente entre a linguagem teórica e a estatística que encampa
as inúmeras probabilidades. A unificação e a uniformização aglutinadas apresentam-
se como uma possibilidade plausível ofertadas por intermédio da integração
proposta por essa forma diferente de inteligência.
Os avanços promovidos pela pesquisa acontecem como evidenciam e
esclarecem os trabalhos científicos produzidos. Boa parte, todavia, se recrudescem,
isto é a prova fiel de que o poder do Estado ainda exerce grande influência sobre os
avanços da tecnologia.
E esse fator, além de merecer denúncia, denota que o não reconhecimento
em muitos momentos históricos demonstra que o “cinismo” está a serviço das
políticas e dos interesses que eles escondem espuriamente.

135 Para Perna: “De um ponto de vista linguístico, o foco das pesquisas de PLN pode estar em um de
cinco níveis de análise: (a) fonético ou fonológico, (b) morfológico, (c) sintático, (d) semântico ou (e)
pragmático. Todos esses níveis possuem suas características próprias e suas dificuldades
associadas, mas cada aplicação de PLN pode ter a preocupação mais voltada para um subconjunto
desses níveis. Por exemplo, aplicações sobre textos científicos usualmente não têm preocupação
com uma análise fonológica (a), por outro lado, aplicações que façam uma interface com
reconhecimento de voz focam esse nível de análise. / Associadas aos tratamentos de linguagens
científicas, podem destacar-se a relevância das atividades de reconhecimento de entidades
nomeadas, a identificação de termos, a extração de informação, entre outras. Todas as atividades
complexas podem combinar análise morfossintática e semântica, que podem ou não estar associadas
a recursos linguísticos externos, como tesauro por exemplo. De um ponto de vista prático, muitas
aplicações do PLN escolhem dedicar-se a apenas alguns níveis para reduzir a complexidade de
tratamento (PERNA, Cristina Becker Lopes; DELGADO, Heloísa Orsi Koch; FINATTO, Maria José
Bocorny (Org). Linguagens Especializadas em Corpora: modos de dizer e interfaces de pesquisa.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010, p. 185. Disponível em:
<http://www.pucrs.br/edipucrs/linguagensespecializadasemcorpora.pdf> Acesso em: 14 abr. 2013).”
183

Muitas vezes tratado como utópico, atribuíndo adjetivos pejorativos como


forma de descredenciar a evolução acenada. Históricamente situações com este
perfil são evidentes, como esclarece Kelsen.136
Esclarece Perna, porém antes de citá-lo. É o comentário que rouba a cena da
citação. É possível inferir que a tecnologia vive numa espécie de regime prisional
semiaberto, em que somente está livre a se apresentar quando, e tão somente
quando, não representar sua liberdade risco aos interesses de quem detém o poder
dos poderes.137Os conceitos terminológicos são extraídos da linguística, da

136 “Esclarecido e crítico das ideologias, positiva e relativista, antissubstancialista, e anti-holistico, sua
abordagem intelectual dificilmente se coaduna com a maioria. Ele defente suas concepções quer
sejam oportunas quer não. no mais das vezes, ele se vê em oposição ao mainstream do espírito mais
ou menos intransigente da época. Três exemplos devem bastar para exemplificar esse fato: (1) Ele
faz campanha, em posição minoritária, pelo conceito de uma jurisdição constitucional amplificada, a
critica que ele, a propósito, atraiu em sua época com seu voto a favor do controle das normas pela
Corte Constitucional acabou na atualidade por ser desacreditada em praticamente todos os seus
pontos. (2) No ambiente de Weimar, no qual a vanguarda intelectual sempre expressa de modo mais
agressivo e sem rodeios sua aversão e repulsa pelo sistema liberal-democrático da Constituição de
Weimar, ele se posicionou como partidário convicto da democracia pluripartidária liberal, pluralista e
representativa. (3) Enfim, seu conceito internacionalista otimista da “paz através do direito” foi de
início, quer dizer, nos anos de 1940, acusado de utópico, mas surge hoje como genuíno teorema de
política realista (KELSEN, Hans. Autobiografia de Hans Kelsen; tradução Gabriel Nogueira Dias e
José Ignácio Coelho Mendes Neto. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 3).”
137 “[...] da teoria sintática da linguagem (Chomsky, 1965) e dos algoritmos de Parsing (Alo e Ullman,
1972). Estes avanços foram muito importantes para a área, ainda que na época tenham sido
reconhecidos com um entusiasmo excessivo de que em poucos anos tradutores automáticos perfeitos
estariam disponíveis. Esta expectativa se mostrou indevida tanto pelos conhecimentos linguísticos e
computacionais da época, quanto por uma impossibilidade teórica da tarefa de tradução automática
perfeita. (Bar – Hillel, 1960). / Na verdade consequência disto ou não, em 1966 o comitê assessor
para processamento automático da língua (ALPHC) da academia americana de ciência recomendou
que esta área não recebesse mais financiamento governamental, pois a tradução automática estaria
muito aquém dos conhecimentos científicos atuais. Em contraste com esta decisão, vários avanços
teóricos e práticos foram feitos nos anos seguintes. Então eles podem ser citado o trabalho teórico de
Chomsky que introduziu o modelo computacional de competência linguística (Chomsky, 1965) que
resultou, nas gramáticas gerativas transformacionais. Diversos trabalhos subsequentes tentaram
aproximar estes conceitos de modelos computacionalmente tratáveis”. Em sentido análogo, esclarece
o mesmo autor com conteúdo da referida obra (2010, p. 190-192): “[...] ontologias são representações
formais de um modelo de domínio. Geralmente, uma ontologia é entendida como um conjunto de
conceitos organizados hierarquicamente, um conjunto de relações e um conjunto de atributos. [...]uma
vez um domínio representado uma ontologia é possível identificar semanticamente as consultas feitas
por usuários, tanto quanto classificar as páginas existentes segundo seus significados. Na verdade,
diversos recursos podem ser semanticamente identificados. Porém o processo de construção de uma
ontologia é, em geral, lento e bastante complexo. E por isso existem diversas técnicas e ferramentas
para a construção de ontologias. [...] os esforços semiautomáticos mais simples são baseados na
utilização de uma ferramenta que permita organizar ontologias que devem ser projetadas por um
usuário que conheça o domínio a ser descrito pela ontologia. [...]quanta ferramenta semiautomática
de construção de ontologias e ontogênese (Fortuna, 2007) que combina técnica de numeração de
texto com uma interface de utilização que facilita a escolha de conceitos e relações. [...] para adquirir
esse conhecimento conceitual dos textos (corpus), aplicam -se vários métodos e técnicas da área de
inteligência artificial que ajudam a automatizar o processo de construção de ontologias. Este processo
de construção automática de ontologias a partir de textos denomina-se aprendizagem de ontologias
(Buitelometalli, 2009). Segundo Buiteaar, este processo divide-se em cinco: extinção de termos
condicionados a conceitos de um domínio, determinação de sinônimos entre os termos candidatos e
184

estatística e da abordagem híbrida. Nesse universo, a ambiguidade, mesmo que


diante das concepções de uma linguagem científica – por elas serem manuseadas
pela ação humana – e a previsibilidade ainda hão de ser consideradas uma
incógnita: se aceitas, há uma margem de probabilidade para as influências, o que
não deixa de ser um risco consideravelmente relevante.
A concepção artificial é possível e nada impede em uniformizar e universalizar
em respeito a linguagem científica que é objetiva. A objetividade da ciência é
procedente e producente ante um cenário em que a pluridimensionalidade visada
pelo homem e todas as partes de que ele faz parte exigem uma integração, para
consolidar a uniformidade objetivamente proposta pela própria ciência.
Isso acontece no momento do seu nascimento, ainda que como postulado,
em decorrência da pluralidade objetiva da aprovação. Questionar semelhante
possibilidade é não acreditar na criação, pois o homem tem de suas ideias gerado
invenções e inovações, o que evidencia o caráter contributivo objetivo extraído da
Ciência.
E por ter razões, às descobertas instituídas é tendente e defensáveis que, a
extensão dessas se propague mediante à acessibilidade digital por meio de uma
base de mecanismos tecnológicos, em que coexistem, por meio de instrumentos
eletrônicos, linguagem e Inteligência Artificial, o que pode auxiliar o homem em suas
ações representativas e de funcionalidades, também no mundo das ciências
jurídicas.
Isto estaria a serviço da integração das inteligências, objetivando a
experiência e conferindo à pluridimensionalidade cognitiva alguma estabilização.
Parafraseando Paternostro, citado por Horkeimer, não são a tecnologia nem a
autopreservação que devem ser responsabilizadas em si mesmas pelo declínio do
indivíduo.

escolha de conceitos; identificação da relação hierárquica entre os conceitos; identificação de


relações entre os conceitos; e identificação de instâncias (população das ontologias) (PERNA,
Cristina Becker Lopes; DELGADO, Heloísa Orsi Koch; FINATTO, Maria José Bocorny (Org).
Linguagens Especializadas em Corpora: modos de dizer e interfaces de pesquisa. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2010, p. 186. Disponível em:
<http://www.pucrs.br/edipucrs/linguagensespecializadasemcorpora.pdf> Acesso em: 14 abr. 2013)”.
185

Mas ele próprio, quando abandona o futuro em decorrência do orgulho gerado


por sua limitada capacidade cognitiva, em aceitar o improvável, o incerto e o
desconhecido admirável mundo da Inteligência Artificial, como instrumento capaz de
efetivamente, auxiliá-lo na jornada da vida.

8.2 A Inteligência Artificial como “meio” adequado e útil para a mediação do Direito e
da Justiça

A Inteligência Artificial está para uma teorização de sua forma de inteligência


no espectro do presente capítulo, o que não descredencia a qualidade do estudo
firmado, porque propõe estar de mãos dadas com os mais experientes e
conhecedores, em aliança com os que se debruçam pela primeira vez sobre tal
cognição “estranha” na orla do Direito e da Justiça.
Esse talvez seja o papel dos conhecimentos, aliás do que se depura
efetivamente deles, em transformar-nos em seres mais humanos, mais bem
preparados e convictos de que estamos sempre a encontrar algo de novo e a nos
admirar com uma “puerilidade” aprendiz.
A Inteligência Artificial como técnica de conhecimento dentre os
conhecimentos constitui-se em um remédio dúctil, útil, flexível, refinado, alternativo e
sistêmico em ato, e potencia a concretização do Direito e da Justiça ao firmamento
de mais um meio alternativo. É uma Tecnologia em inteligência afinada com os
ideais de efetividade da Justiça Constitucional, encandecida, segundo as lições de
Oliveira Neto.138

138 “Mas o ideal de efetividade contido nestas sábias palavras no pensar de Barbosa Moreira, ainda
deve ser ampliado para abarcar outros prismas relevantes. Cinco são os aspectos que, segundo o
professor, devem ser mencionados: a) existência, expressa ou implícita no sistema, de instrumentos
aptos para a tutela de todos os direitos; b) acesso a todos estes instrumentos, ainda quando
indeterminado o sujeito; c) condições propícias para a exata e completa reconstituição dos fatos
relevantes, a fim de que o convencimento do magistrado corresponda, o quanto for possível, à
realidade dos fatos; d) o resultado do processo deve dar ao vencedor tudo aquilo a que tem direito
em face do ordenamento jurídico; e, e) o resultado obtido deve ser semelhante ao cumprimento da
obrigação, com um mínimo de dispêndio de tempo e energia (OLIVEIRA NETO, Olavo de;
MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito
processual civil. São Paulo: Verbatim, 2015, p. 69).”
186

Antes da incursão, a reflexão que parece descortinar o que falta aos homens
do nosso século vem da passagem clássica de Sócrátes, em Menon, de Platão:

Por uma coisa eu lutarei até o fim, tanto em palavras como em atos se eu
pudesse – que, se nós acreditássemos que devemos tentar descobrir o que
não é sabido, seríamos melhores e mais corajosos e menos preguiçosos do
que se acreditássemos que aquilo que não sabemos é impossível de ser
descoberto e que não precisamos nem mesmo tentar.

A passagem filosófica e atemporal, visto estar sempre atualizada quando da


sua evocação intelectual, coaduna-se com uma esperança mais concreta, tangível
de que a inteligência humana da descoberta possa promover algo de melhor e maior
que possa libertá-la e colocá-la segundo as regras da legalidade em um Estado
propriamente de Direito.139O uso do “meio” tecnológico no cotidiano da vida da
espécie humana não representa em nossa contemporaneidade mais nenhum
mistério; faz parte imanente dessa nova Era. Mais do que aceitar, resta saber
entender e compreender sua real importância como instrumento de “meio” aos fins a
que possam ser destinados. Trata-se de uma inteligência com outra estrutura em
tecnologia, um modelo distinto, porém realizando atividades comuns da inteligência
humana. Para Hawking (2009, p. 167)

Mas os computadores obedecem ao que se conhece como a lei de Moore:


sua velocidade e complexidade dobram a cada dezoito meses. Esse é um
dos crescimentos exponenciais que claramente não pode continuar
indefinidamente. Contudo, provavelmente, ele continuará até que os
computadores atinjam uma complexidade comparável ao do cérebro
humano. Alguns afirmam que os computadores nunca poderão apresentar
uma inteligência real, seja lá o que for isso. Todavia, parece-me que, se
moléculas químicas muito complicadas podem agir nos seres humanos para
torna-los inteligentes, então circuitos eletrônicos igualmente complicados
também podem fazer com que os computadores ajam de maneira
inteligente. E, se chegarem a ser inteligentes, poderão presumivelmente
projetar computadores que tenham complexidade e inteligência ainda
maiores.

139 Segundo Calamdrei, “Uma nova sociedade se cria a duras penas; nós, homens de uma geração
condenada a viver somente na angústia, não a veremos; mas os jovens que aqui escutam a verão. O
período que vivemos de esforço, amargura, desilusões e também de desgostos é um período
transitório; encerra um significado, uma tendência para uma meta. Disso os jovens devem ter fé;
habituados a criticar até severamente a sociedade em que vivem, mas não desencorajados e
ressentidos como quem olha o passado para lamentá-lo. O passado não volta: a vida não retrocede
jamais. Dessa crise da legalidade nascerá uma nova legalidade, fundada sobre um novo
embasamento social, mais vasto e também mais humano (CALAMANDREI. Piero. A crise da justiça;
tradução Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2003, p. 31).”
187

A preocupação e o temor quanto à efetiva utilidade e à sua real segurança


podem ser algo com que o homem contemporâneo deve preocupar-se em descobrir
ante o seu desconhecimento. Isso se dá ou circunstancialmente, pelos efeitos do
tempo, uma vez que as normas do saber ainda estão alicerçadas tradicionalmente
em uma base que implica o desencontro com essa nova técnica de conhecimento
denominada Inteligência Artificial de domínio, em grande parte, de somente seus
criadores “cientistas” cognitivistas.
Outro não menos importante fator é o de ordem política em uma tendência
natural comportamental de proteção e de defesa em face de ameaça desconhecida.
Ela pode em poucos anos “varrer” com muitas profissões e as atividades que até
então são realizadas artesanalmente.
Mesmo que os prejuízos apurados pelo seu não uso como “meio” no
ambiente da Justiça ao jurisdicionado sejam de grandeza muito superior do que se
houvesse investimentos em conscientização, treinamento e ações que implicassem
outros mecanismos de reinserção no mercado judiciário de um Direito e uma Justiça
Constitucionalmente materializada.
A comunidade jurídica em parte alimenta-se do sectário sistema, porque
ainda hoje um grande contigente desses mesmos protagonistas que se opõem, vive,
melhor esclarecendo, concorda com o “grande contingente” do conflito ideológico
instalado por intermédio de uma hermenêutica da interpretação de pouca utilidade
prática. Fazendo dos meios alternativos para a resolução de conflitos uma justiça de
grandeza menor.140O pensamento humano e suas ações em determinados
contextos passam por um processo em que as funcionalidades são objetadas de tal
modo que se cristalizam como coisas e técnicas do conhecimento.

140 Segundo Mancuso: “Em verdade, os meios auto e heterocompositivos ditos altenativos devem se
justificar de per si e buscar seu próprio espaço (até porque a resolução de conflitos não é monopólio
do Estado), não devendo, pois, esses outros meios buscarem a afirmação social apostando na
deficiência da Justiça oficial, num deletério jogo de soma zero. / Por ora, infelizmente, a distribuição
da Justiça entre o serviço estatal e os outros meios auto e heterocompositivos parece longe de se
estabilizar num equilíbrio desejável, não tendo ainda sido vencido o clima da mútua desconfiança e,
mesmo, a certos respeitos, perscruta-se uma preocupação com certa reserva de mercado. O contexto
é assim visto por Boaventura de Souza Santos, Maria Manuel Leitão Marques e João Pedroso: “Em
primeiro lugar, os mecanismos alternativos de resolução de litígios desviaram dos tribunais alguma
litigação, ainda que seja debatível até que ponto o fizeram. Em segundo lugar, a resposta dos
tribunais ao aumento da procura de tutela acabou por moderar essa mesma procura, na medida em
que os custos e os atrasos da atuação dos tribunais tornaram-se a via judicial menos atrativa
(MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no
contemporâneo estado de direito. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 220).”
188

Em tal sentido, os cientistas da cognição, assistidos por outras ciências,


notaram a possibilidade de converter as ações cognitivas da espécie humana em
ações cognitivas artificiais, com os mesmos detalhes quantitativos e qualitativos.
Essa concepção encontra guarida em uma tendência natural dos tempos
modernos que mesclam o ambiente do Direito e da Justiça, que é a decodificação do
sistema jurídico por uma nova sistemática, ou seja, a era dos microssistemas os
quais contam com uma estrutura e uma dinâmica mais bem aparelhadas para
resolução dos conflitos.141A Inteligência Artificial apresenta-se como ferramenta útil,
importante e compatível com o armazenamento, a sistematização, a padronização, a
unificação e a integração dos dispositivos já desenvolvidos a partir de matrizes de
lógicas semânticas, atendendo a um microssistema de Direito Processual para a
realização da Justiça.
Socorre, dessa maneira, e em tempo, os problemas da Justiça como
destacado por Oliveira Neto (2015, p. 68) em decorrência da percepção tida pelos
cientistas do Direito diante da mutação da realidade do mundo que se apresenta.
Ocorre, porém, que embora tenha efetivamente acontecido um aumento de
número de feitos, já que ampliado o acesso à Justiça e eliminados alguns óbices
relevantes, como o custo do processo para àqueles que não tinham condição de
litigar sem prejuízo à sua manutenção; a estrutura do Poder Judiciário continua
arcaica, dando causa a um aumento na demora dos processos. Afinal, ampliada a
entrada de feitos e mantida a mesma estrutura, não poderia mesmo ser outra a
consequência: o aumento do tempo de tramitação dos feitos.142Para isso, passar-se-

141 Carneiro: “Além disso, a maior complexidade das relações sociais levou à necessidade de criação
de microssistemas jurídicos (os estatutos, de que tiro o nome com que balizo a atual época). Esses
estatutos são responsáveis por disciplinar por inteiro determinadas espécies de relações jurídicas,
não sob o ângulo de um só ramo do Direito, mas levando em consideração todos os ramos da ciência
jurídica que, de algum modo, com elas se relacionam (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON,
Petrônio (Org). Bases científicas para um renovado direito processual. 2. ed. Salvador: Jus
Podium, 2009, p. 37).”
142E assevera Oliveira Neto em trecho contínuo: “Pensou-se, então, numa forma de agilizar o
processo, reduzindo o tempo gasto para a sua tramitação e para o alcance da maturidade necessária
à decisão final; o que se buscou com a diminuição das formalidades então existentes. O resultado
passou a ser considerado mais importante do que a forma, surgindo a ideia do processo civil de
resultados, com o abandono de formas consideradas supérfluas. / Em outros termos, como ensinou
com maestria Cândido Rangel Dinamarco, o direito processual se libertou de formalidades excessivas
e passou a ser observado sob a ótica da instrumentalidade, ou seja, passou a ter valor na exata
medida em que se presta à realização do direito material. / Todavia, mesmo tendo em conta a
simplificação das formas, não se operou o resultado esperado, com a otimização do processamento
dos feitos e com uma demora menor na solução dos litígios. Em outros termos, o sistema continuou a
ser moroso e não eficaz, com demora exacerbada na solução dos processos. / Lembram-se os
processualistas, então, na antiga e sempre presente lição de Chiovenda: “Il processo deve dare
189

á a considerar que: “A Inteligência Artificial, IA é o estudo de como fazer os


computadores realizarem tarefas em que, no momento as pessoas são melhores”
representa uma realidade possível. Fonte:
http://www.nce.ufrj.br/GINAPE/VIDA/ia.htm (acesso em 12/11/2015, em artigo que
trata da “Visão Geral Sobre Inteligência Artificial”).
Isso somente não basta, porém, pois, como esclarece Lévy (2011, p. 18),
“Não é a primeira vez que a aparição de novas tecnologias intelectuais é
acompanhada por uma modificação das normas do saber. ” Podemos, assim,
observar que a resistência aos poucos passa a ser minada pela necessidade cada
vez mais imperiosa de fazer com que os “meios” possam garantir os fins, o que não
é diferente no contexto da Justiça nacional, conforme relembrado por Oliveira Neto
em citação recente.
A fim de que isso aconteça, a base de conhecimento é cobrada a renovar-se
ou a inovar constantemente; com relação à última forma, isso se dá pela ruptura de
paradigma em decorrência do fluxo do desenvolvimento da ciência como já descrito
por Kuhn, quando, assim, nasce uma nova base científica cognitiva para atender a
uma realidade até então desconhecida.
No ambiente duro das ciências jurídicas, considerando o regime coorporativo,
dada a altivez que reina predominantemente no império da Justiça, exemplos não
faltam da não concretização material dos preceitos constitucionais estabelecidos. O
fenômeno da inconversibilidade dar-se-á porque falta técnica cognitiva (estrutura em
inteligência) teórica e aplicada que possa conferir os resultados objetivados.
Por outro lado, é cediço ser impossível uma revolução por completo em um
sistema cuja grandeza e essencialidade não permitem um evento dessas
proporções, todavia, assim como em Darwin, não é descartada a possibilidade de
que isso aconteça representado por micros ou pequenas revoluções.

perquanto è possibile praticamente a qui há um dirrito tutto quello e próprio quello ch’eglio ha dirrito di
conseguire”. Se o sujeito ativo obtém menos do que tinha direito o Estado estará negando a
prestação da tutela jurisdicional e, se obtém mais, o processo se converte em instrumento de
enriquecimento sem causa (OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de;
OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil. São Paulo: Verbatim,
2015, p. 68).”
190

Quando isso não acontece, ou seja, se as normas do saber efetivamente não


se inovam ou renovam, entra em cena a comunidade de juristas composta por
membros de todas as áreas do Direito e trava discussão não sobre as causas
técnicas que inviabilizaram o funcionamento do instituto jurídico, mas ao contrário.
Passam a tratar dos efeitos, criando-se uma sistematização argumentativa
reveladora muito mais da insatisfação do que efetivamente da propositura de uma
solução definitiva com “ferramentas” técnicas processuais que possam “destrancar”
a pauta da falta de eficiência e a efetividade da Justiça.143 Irradia-se nessa esteira
de exemplo a Emenda Constitucional 45/2004, que trouxe os caravanistas da
Reforma do Judiciário a retomarem a recorrente discussão sobre a “razoável
duração do processo”, como bem expressa Marinoni em artigo denominado “Novo
CPC ainda deixou pendente garantia sobre duração razoável do processo”.144
O ponto nevrálgico da questão gravita sobre o disposto no artigo 5º, inciso
LXXVIII da CF, ante a não definição do que seja uma razoável duração do processo
e o problema do dogmatismo, dado o duplo grau de jurisdição, impossibilitando a
efetividade da sentença judicial até a análise do Tribunal, o que representa um vetor
das inúmeras discussões que regem o dispositivo Constitucional citado, que trata da
razoável duração do processo.

143 Como denuncia Carneiro: “Logo, não basta o avanço em uma só frente para que se alcance a
celeridade processual. O problema é multidimensional e só com medidas que ataquem realmente o
problema é que conseguiremos uma justiça mais célere. Nos últimos anos, temos modificado muito a
lei e nos esquecido das outras frentes. / De fato, somente alterações legislativas podem causar um
efeito inverso ao pretendido. Veja-se o seguinte dilema criado em nosso sistema processual pelas
reformas dos últimos anos. Como a justiça era lenta e não conseguia dar o provimento jurisdicional
num tempo adequado, a saída foi a difusão da cognição sumária, principalmente com a possibilidade
de antecipação da tutela pleiteada, nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil. A
interposição do agravo de instrumento também foi facilitada com o seu ajuizamento diretamente no
tribunal e com a possibilidade deantecipação da tutela recursal pleiteada (efeito suspensivo ou “efeito
ativo”). Essas inovações surgidas em 1994 foram importantes e, graças ao sucesso que alcançaram,
acabaram por agravar o problema de lentidão judicial. Atualmente, grande parte das ações é
pleiteada por antecipação de tutela ou liminares em cognição sumária, que perduram por muito
tempo, inclusive existindo projeto para a sua estabilização. Com a concessão ou o indeferimento da
antecipação da tutela, fatalmente a parte prejudicada ajuizará agravo de instrumento, sendo que no
caso da concessão parcial teremos dois recursos de agravo. Assim, nos Tribunais acabaram ficando
inviabilizados pela enxurrada de recursos em face de decisões interlocutórias. Os agravos dominam
as pautas dos julgamentos colegiados, fato que acaba por agravar o congestionamento de nossas
Cortes, ajudando a aumentar a lentidão processual (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio
(Org). Bases científicas para um renovado direito processual. 2. ed. Salvador: Jus Podium, 2009,
p. 351).”
144MARINONI, Luiz Guilherme. Novo CPC ainda deixou pendente garantia sobre duração razoável do
processo. In: Revista Consultor Jurídico, 13. abr. 2015. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2015-abr-13/direito-civil-atual-cpc-deixou-pendente-garantia-duracao-
razoavel-processo>. Acesso em: 11 nov. 2015.
191

A questão endêmica é evidente porque, em 1992, em pleno governo Itamar


Franco, devido ao Decreto 678, houve a ratificação de “A Convenção Americana
dos Direitos Humanos” (Pacto São José da Costa Rica) que, dentre as garantias
judiciais, já previa a razoável duração do processo em seu artigo 8º.

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de
um prazo razoável, por um juiz ou um tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação ou pena formulada contra ela, ou para que se determinem seus
direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
outra natureza.

O problema em semelhante contexto não é a inexistência de comando


normativo, que existe em fartura, aliás é mais fácil o jurisdicionado vir a óbito em
decorrência de overdose de legislação – em um país com mais de 200.000
(duzentos mil) comandos normativos, em que 2/3 aproximadamente estão em
desuso pelo efeito da revogação ou da ineficácia – do que de efetiva prestação
jurisdicional.
Em verdade, a gestão e os “meios” pelos quais o sistema Judiciário está
formatado, ou seja, estabelece as regras técnicas de processo para a catalogação,
gestão e decisão, faz com que os fins não sejam alcançados em tempo razoável. E
isso (fato) tem relação direta com a técnica cognitiva pela qual o conhecimento
normativo é transportado.145 Sendo assim, mais do que finalidade, é ter o domínio
para dosar as medidas certas para que a força dessa espécie de conhecimento
gestada de uma inteligência não humana possa extrair de si o brilhantismo em
soluções e resoluções mais eficientes e eficazes quando do seu uso no Direito e na
Justiça. Dialogando com Dalari, no âmbito da Justiça (2015, p. 13), observamos
que:

145 Segundo Pierre, “Mas quando colocamos de um lado as coisas e as técnicas e do outro os
homens, a linguagem, os símbolos, os valores, a cultura ou o “mundo da vida”, então o pensamento
começa a resvalar. Uma vez mais, reificamos uma diferença de ponto de vista em uma fronteira
separando as próprias coisas. Uma entidade pode ser ao mesmo tempo objeto da experiência e fonte
instituinte, em particular se ela diz respeito à técnica. / O cúmulo da cegueira é atingido quando as
antigas técnicas são declaradas culturais e impregnadas de valores, enquanto as novas são
denunciadas como bárbaras e contrárias à vida. Alguém que condena a informática não pensaria
nunca em criticar a impressão e menos ainda a escrita. Isto porque a impressão e as escritas (que
são técnicas!) o constituem em demasia para que ele pense em apontá-las como estrangeiras. Não
percebe que sua maneira de pensar, de comunicar-se com seus semelhantes, e mesmo de acreditar
em Deus (como veremos mais adiante neste livro) são condicionadas por processos materiais (LÉVY,
Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução
Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 15).”
192

O que mais se precisa no preparo dos juristas de hoje é fazê-los conhecer


bem as instruções e os problemas da sociedade contemporânea, levando-
os a empreender o papel que representam na atualização daqueles e
aprenderem as técnicas requeridas para a solução destes. Evidentemente –
acrescenta BODENHEIMER – certas tarefas a serem cumpridas com
relação a esse aprendizado terão de ser deixadas às disciplinas não
jurídicas da carreira acadêmica do estudante de Direito. A crença de que o
Direito pudesse dar conta de todas as razões da sociedade parece que
sinaliza ao seu esgotamento.

O próprio Direito e a Justiça vêm ao longo de seu trajeto demonstrando certas


dificuldades em dar conta do que as relações sociais exigem quando a matéria a ser
tratada é a resolução de conflitos com maior celeridade em tempo e no acerto da
medida certa dos elementos que devem compor o cálculo do próprio Direito para o
alcance da Justiça.
Ausente de clareza e rico em complexidades desnecessárias, sofre o sistema
Judiciário de um isolamento, exigindo diuturnamente que a sociedade não o procure,
dados os problemas infraestruturais e estruturais existentes.
O fato é notório e beira a calamidade pública, conforme trazido a comento em
campanha promovida pelo Poder Judicário – AMB, quando o próprio sistema clama
que a sociedade o evite (de acessar) sob o slogam “não deixe o judiciário parar”.146
A necessidade de ir além da orla da ciência do Direito, sem perder o
referencial das ciências jurídicas, tem feito renomados juristas buscar nas
metacognições respostas para auxiliar a superar as angústias de insatisfação que os
acometem e que os conduzem a uma luta insana pela fidelidade e pelo amor à
cátedra.
Devem-se buscar soluções a partir do próprio sistema, no entanto, alguns
mais experientes e vergastados pela militância espiam com destreza fora das
“caixinhas” do Direito.147 O reconhecimento dos valores constitucionais sem censura

146 Cf.: <http://www.amb.com.br/novo/?page_id=23202>. Acesso em 23 dez. 2015.


147 Como retrata o pensamento de Dinamarco: “Um significativo fator de abertura para as
preocupações éticas com o processo foi o crescimento do interesse de parte da doutrina pelos temas
constitucionais do processo civil e verdadeira imersão de alguns no direito processual constitucional.
Enquanto os processualistas permanecessem no estudo puramente técnico jurídico dos institutos e
mecanismos processuais, confinando suas investigações ao âmbito interno do sistema, era natural
que prosseguissem vendo mero instrumento técnico e houvessem por correta a afirmação de sua
indiferença ética. Quando passa ao confronto das normas e institutos do processo com as grandes
matrizes político-constitucionais a que estão filiados, é, todavia, natural que o estudioso sinta a
necessidade da crítica ao sistema, inicialmente feita à luz dos princípios e as garantias que a
Constituição oferece e impõe – e com isso está aberto o caminho para as curiosidades metajurídicas
decorrentes da conscientização dos valores que estão à base dessas exigências constitucionais
193

dão a esses a garantia da garantia, para que possam ser imediatamente


convocados para uma efetiva aplicação no âmbito social.
Para avançar na materialização efetiva dos valores da lei Maior exige-se do
jurista uma curiosidade extramuros em relação ao ambiente que comunga todos os
dias com seus pares “estudo puramente técnico jurídico dos institutos e mecanismos
processuais”; é preciso para que haja melhorias efetivas no sistema normativo de
duas equações básicas:
Em primeiro, o reconhecimento inconteste de problemas no atual modelo do
sistema processual judiciário quanto aos “meios” utilizados para que as leis
consigam atingir o precípuo escopo da concretização material para a qual foram
legisladas.
A partir da primeira conscientização, de que sejam ultrapassadas as críticas e
realizadas ações sem distinção de bandeiras partidárias em busca de que os “meios”
técnicos sejam eficazes de tal forma que o Direito Constitucional não venha a
perecer pela demora na aplicabilidade ou.
Em decorrência de uma demora gestada pelo tempo que se leva nos
desnecessários conflitos ideológicos decorrentes da hermenêutica interpretativa sob
questões já pacificadas (considerando a dimensão intercontinental do estado
brasileiro) e o ostracismo isolacionista que muitas vezes acometem seus
especialistas em suas Justiças, é preciso compreender e encurtar o
caminho.148Para isso, com a Inteligência Artificial e as técnicas de conhecimento que

(DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 127. v. 1).”
148 Segundo Lévy: “Quando mensagens fora do contexto e ambíguas começaram a circular, a
atribuição do sentido passa a ocupar um lugar central no processo de comunicação. O exercício de
interpretação tem tanto mais importância quanto mais as escritas em questão são difíceis de decifrar,
como é o caso, por exemplo, dos sistemas de hieróglifos ou cuneiformes. Desde o terceiro milênio
antes de Cristo, toda uma tradição da “leitura” havia se constituído no Egito e na Mesopotâmia. A
atividade hermenêutica, por sinal, não se exercia apenas sobre os papéis e tabuinhas, mas também
sobre uma infinidade de sintomas, signos e presságios, no céu estrelado, em peles, nas entranhas
dos animais... Desde então, o mundo se oferece como um grande texto a ser decifrado. De geração
em geração, a distância entre o mundo do autor e o do leitor não para de crescer, é novamente
preciso reduzir a distância, diminuir a tensão semântica através de um trabalho de interpretação
ininterrupto”. Ainda segundo o autor, a estratégia em inteligência se encaminharia para o seguinte
entendimento (2011, p. 90): “A oralidade ajustava os cantos e as palavras para conformá-los às
circunstâncias, a civilização da escrita acrescenta novas interpretações aos textos, empurrando
diante de si uma massa de escritos cada vez mais importante. / A simples persistência de textos
durante várias gerações de leitores já constitui um agenciamento produtivo extraordinário. Uma rede
potencialmente infinita de comentários, de debates, de notas e de exegeses ramifica a partir de livros
originais.Transmitindo de uma geração a outra, o manuscrito parece secretar espontaneamente seu
hipertexto. A leitura leva a conflitos, funda escolas rivais, fornece sua autoridade a pretensos retornos
à origem, como tantas vezes aconteceu na Europa após o triunfo da impressão. Apesar de visar
194

essa cognição manobra, é possível vialibilizar as duas esquações básicas


comentadas bem como fazer com que o novo instituto advindo com o novo-
reformado CPC (IIRDR) Instauração de Incidente de Resolução de Demanda
Repetitiva como técnica processual, que ela não se torne ineficaz em curto espaço
de tempo como tantas outras já vencidas pelos efeitos deletérios da omissão ou da
ação ineficaz à sua viabilidade.
Permitir a participação da Inteligencia Artificial como “meio” condutor do
Direito e da Justiça representa um remédio curial ao sistema processual, dando ao
sistema revigoramento pela via da flexibilização pluriprocessual, rompendo assim
com o dogmatismo arraigado e sempre reclamado pela processualística
contemporânea.149 As leis sofisticam-se literalmente: o que em tese poderia ser
algo plausível em exuberância, mas não o é, ao contrário, esquecem-se os
legisladores legitimados que seu serviço tem como fundamento a proteção e a
conjugação de forças políticas voltadas para a participação efetiva da sociedade no
processo de construção de um Estado Constitucional de Direitos, superando, assim,
o degrau da Democracia meramente representativa por fatores múltiplos em
vicissitudes estabelecidas pelo homem político.
Destarte, a proposta ideológica da cartilha Constitucional está direcionada na
contramão da história, na medida em que põe o Legislador nesse processo na
legitimidade de seu encargo e na condução das suas funções a afastar-se da
sociedade, de modo a isolar-se e a desolar-se da sua soberana atribuição. Isto
porque, em um Direito formal, não se tem uma Justiça material, exigindo, portanto,
uma harmonização, conforme esclarece Zaiden Neto (2003, p. 105):

diminuir a distância entre o momento da redação e o da leitura, a interpretação produz estas


diferenças, este tempo, esta história que ela deseja anular. Já que, ao deitar a exegese sobre o
papel, quando em certo sentido escreve-se uma leitura, constrói-se uma irreversibilidade. Os
sucessores de Averróis não poderão mais ler Aristóteles como seus predecessores. A leitura é fonte
de uma temporalidade paradoxal, pois no exato momento em que aproxima o hermeneuta da origem
do texto, alarga o fosso de tempo que tencionava preencher (LÉVY, Pierre. As tecnologias da
inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 89).”
149 Segundo Carneiro, “Na jurisdição também há necessidade de modificações, como a
especialização dos juízes e a flexibilidade dos remédios judiciários. A especialização facilitaria o
entendimento das causas. Para Taruffo, a flexibilidade compreende a criação de provimento que
possa diminuir o número de litígios, como a inibitória, assim como a criação de procedimentos
adequados à complexidade das causas, com a criação de remédios processuais em função da real
exigência da tutela (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (Org). Bases científicas para
um renovado direito processual. 2. ed. Salvador: Jus Podium, 2009, p. 302).”
195

Uma vez corretamente introduzido no sistema constitucional, a rigor do que


já dissemos sobre a constitucionalidade das normas insertas na própria
Constituição, para que possamos ser coerentes, as súmulas vinculantes e o
princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (inc. XXXV do art. 5º da
Constituição da República) deverão ser harmonizados entre si.

Da lição extraída do diálogo entre Zaiden Geraige Neto e Teresa Arruda Alvim
Wambier é importante observar que é de conformizar-se o sistema Constitucional e
infraconsconstitucional como um todo ao recebimento da técnica cognitiva tributária
da Inteligencia Artificial como “meio” tecnológico útil e eficaz aos Direitos e às
Garantias Fundamentais, dando ao ordenamento efetividade material sem que viole
qualquer disposição, conforme abordagem teórica desenvolvida nos capítulos 10.1
e 10.2 de natureza Constitucional.
Faz o Legislador, portanto, da construção e de suas diretrizes, instrumentos
que não dão condições concretas para a consolidação da inclusão social como
proposta maior objetivada, revelando, assim, concreta e evidente desorientação do
que está a fazer e de seu efetivo dever fazer.150 Nesse contexto, parafraseando
Dinamarco, é de se compreender a saudável resistência às propostas inovadoras,
especialmente quando se visa, com elas, causar mudanças substanciais na ordem
instituída no modo de ser da Justiça, mesmo quando a comunidade científica em
dificuldade nota que o paradigma existente não mais atende nas dimensões
exigidas.
A Inteligência Artificial – por intermédio da linguagem de programação
tecnológica – tem demonstrado a possibilidade de converter as ações e as funções
que a espécie humana realiza através de uma lógica denominada de “matriz

150 Para o professor Dinamarco em obra de sua lavra, Nova Era do processo civil, a questão é de
natureza perceptiva: “Mudou a lei e vai mudando a mentalidade dos juristas, alavanca por aquelas
exigências, que talvez hajam principiado no pós-guerra dos meados do século XX e ainda perduram.
Gostamos de muitas das inovações que vêm sendo implantadas, como a tutela coletiva, a abertura
para as causas de menor expressão econômica, as tentativas de simplificação e agilização
implantadas pelas Reformas – mas isso é muito pouco porque ainda não definimos os caminhos a
seguir nem o preciso modelo processual-judiciário de que precisamos. Não sabemos bem aonde
vamos ou o que queremos. Envolvemo-nos em movimentos reformadores que vão das técnicas
processuais mais corriqueiras aos grandes fundamentos do sistema, mas nos falta rumo. Somos
talvez como a turba exaltada, mas inconsciente, que arrasou e incendiou o presídio da Bastilha sem
ter a noção do que aquele gesto, para eles passional e inconsequente, viria a significar para as
estruturas sociais e políticas do Ocidente. Ou como os apóstolos de Cristo que o seguiam sabendo
que muito havia a mudar no mundo e na alma das pessoas, mas não tinham certamente a menor
noção das transformações que a palavra do Filho de Deus viria a causar na História da Humanidade
(DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 19).”
196

semântica”, cuja peculiaridade consegue captar em sua estrutura as informações e


os dados em seus pequenos e precisos detalhes.
Observa-se que a simplicidade, a simplificação, a objetividade e a precisão
dão a essa forma de estruturar a realidade das coisas, mecanismos que
potencializam as ações humanas, superando-as em seus elementos qualitativos e
quantitivos, quando comparados ou equiparados.
Assim sendo, o “meio” tecnológico tem condições de gestar um procedimento
processual estabelecido pela facilidade em acessibilidade, em sua utilização, desde
o recebimento das informações dos fatos, seu processamento, acompanhamento,
moderação e finalização, inclusive incorporando por intermédio de tal espécie de
inteligência a inclusão das pessoas cuja necessidade exige uma especial forma de
comunicar-se pela limitação física, em todos os sentidos.
O avanço enxergado para o cumprimento de mais essa etapa é visivelmente
observado no desenrolar da história. Quem não presenciou a substituição de
máquinas de escrever ou mimeógrafos por computadores ou impressoras
posteriormente à dificultosa introdução do sistema de transporte de informações
pelos mecanismos digitais e as certificações a partir da emenda Constitucional
45/2004 e edição da lei 11.419/2006.
Não resta dúvida de que a agenda da tecnologia deve avançar, o que revela
por parte do Estado não uma inversão de polaridade, mas a implementação de
novos meios para gestão de funcionamento, organização e aplicação do Direito ao
alcance da Justiça.
Para Azeredo, em rara dissertação nacional sobre a temática da Inteligência
Artificial encontrada na literatura nacional, a contribuição é significativa no sentido de
avaliarmos a experiência americana.151A resistência é um fator esperado – como

151 “Não obstante a restrição de mercado inerente aos custos de uso da tecnologia, o Eletronic Data
Interchange passou a ser relevante, sendo inquestionável a magnitude dos investimentos realizados,
razão pela qual havia inequívoca preocupação com os aspectos legais desse novo meio desenvolvido
para a formalização de contratação. / Assim, a associação americana de advogados, a American Bar
Association, criou grupo de estudos cujos frutos resultaram em obra denominada The Commercial
Use of Eletronic Data Interchange: A Report and Model Trading Partner Agreement, publicada em
1990, na qual se tratava da validade legal dos atos realizados por meio eletrônico, provas das
contratações etc. / Nesse contexto, é importante notar que as questões enfrentadas à época, como,
por exemplo, a validade de contratações feitas por meio eletrônico e a prova dos atos realizados entre
as partes, muito embora hoje possam parecer triviais, sofreram, com toda a certeza, a resistência da
cultura enraizada há alguns séculos na tecnologia analógica do papel, com seus instrumentos
contratuais, títulos de crédito, faturas etc (AZEREDO. João Fábio Azevedo e. Reflexos do emprego
de sistemas de inteligência artificial nos contratos. Dissertação (Mestrado em Direito). 2014. 220
p. Universidade de São Paulo. USP. São Paulo, p. 30).”
197

tantos outros que presenciamos em nossos dias – pela fábula do “ius sperniandi”,
mas passa por compreenderem que as novas técnicas precisam ser implementas
para a concretização do progresso.
Infelizmente uma grande massa de profissionais tornar-se-á obsoleta em
poucos anos, como vêm dialogando os magistrados norte-americanos e os
advogados daquele Estado, caso não acompanhem a modernização tecnológica.
Isso se dá conforme esclarece Lévy.152
Existe algo de universal entre estes Estados (EUA e BRA); primeiro (sem
dúvida) pessoas, profissionais de classes e os conflitos de Direito e de interesse da
Justiça. No caso brasileiro, o monopólio da jurisdição nas últimas décadas vem
sendo relativizado devido aos meios alternativos de resolução de conflitos, inclusive
capitaneado pelo (CNJ) Conselho Nacional de Justiça, que completa seu primeiro
decênio na implementação de diretrizes, conforme Peluso.153Os meios alternativos
no processo de institucionalização não se dão de forma plenamente completa.

152 “Os conhecimentos, por exemplo, apenas podem ser adquiridos após uma larga experiência e se
identificam com os corpos, com os gestos, com os reflexos de pessoas singulares. Entretanto, este
tipo bem peculiar de memória encarnada perde suas características tradicionais sob a ação de um
duplo processo. Em primeiro lugar, a aceleração das modificações técnicas, devidas sobre tudo à
informatização, acarreta uma variação, uma modulação constante, ou mesmo mudanças radicais dos
conhecimentos operacionais no centro de uma mesma profissão. A flexibilização não está relacionada
apenas com os processos de produção e os circuitos de distribuição. A exigência de reorganização
em tempo real visa também os agenciamentos cognitivos pessoais (LÉVY, Pierre. As tecnologias da
inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 119).”
153 “Aliás, o CNJ já vem entendendo que lhe cabe “fixar a implementação de diretrizes nacionais para
nortear a atuação institucional de todos os órgãos do Poder Judiciário, tendo em vista sua unicidade”,
pelo que, na Resolução 70, de 18 de março de 2009, dispôs sobre o Planejamento e a Gestão
Estratégica no ambito do Poder Judiciário. / Ora, o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal
deve ser interpretado, como ficou sublinhado, não apenas como garantia de mero acesso aos órgãos
do Poder Judiciário, mas como garantia de acesso à ordem justa, de forma efetiva, tempestiva e
adequada. Daí a conclusão de que cabe ao Poder Judiciário, pelo CNJ, organizar os serviços de
tratamento de conflitos por todos os mecanismos adequados, e não apenas por meio da adjudicação
de solução estatal em processos contenciosos, cabendo-lhe em especial institucionalizar, em caráter
permanente, os meios consensuais de solução de conflitos de interesses, como a mediação e a
conciliação. / Semelhante política pública deverá estabelecer, dentre outras coisas: a) obrigatoriedade
de implementação da mediação e da conciliação por todos os tribunais do país; b) disciplina mínima
para a atividade dos mediadores/conciliadores, como critérios de capacitação, treinamento e
atualização permanente, com carga horária mínima dos cursos de capacitação e treinamento; c)
confidencialidade, imparcialidade e princípios éticos no exercício da função dos
mediadores/conciliadores; d) remuneração do trabalho do mediadores/conciliadores; e) estratégias
para a geração da nova mentalidade e da cultura de pacificação, inclusive com criação pelas
faculdades de direito de disciplinas para a capacitação dos futuros profissionais do direito em meios
alternativos de conflitos, em especial a mediação e a conciliação; f) controle Judiciário, ainda que
indireto e a distância, dos serviços extrajudiciais de mediação/conciliação (PELUSO, Antonio Cezar;
RICHA, Morgana de Almeida (Org). Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária
nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 5).”
198

Existe uma forte resistência a eles tanto por parte dos que buscam em tais
mecanismos soluções para seus conflitos como por parte dos órgãos que operam.
É possível que as novas gerações de operadores do Direito passem a dar real
importância aos “meios” alternativos já conhecidos, além dos da tecnologia para que
possam garantir que os fins sejam previsíveis e mais estáveis dentro dos conjuntos
aximáticos de valores predefinidos constitucionalmente. Para isso os critérios
estabecidos no processo de “meios” precisam ser estáveis. 154 Para isso, é
importante que as faculdades superem o tratamento dos “meios” alternativos como
instituto de qualidade secundária. Isso é um indicador forte de que a jurisdição
estatal ainda é em grande parte demandada para que atue na solução de conflitos.
Por isso, dar a ela “meios” estruturais tecnológicos que a tornem mais
adequada em condições de escoar a demanda judiciária representa uma inovação
da jurisdição estatal, há tanto malvista e desacreditada.
Se os “meios” não advierem de sua própria estrutura, um caminho alternativo
para dinamizá-la, aumentado suas habilidades e capacidades, com uma técnica
cognitiva distinta da sua, gerando a absorção e resolução de contendas, fará cumprir
seus reais propósitos institucionais. Para Mancuso (2010, p. 150):

Escreve, a propósito, Paulo Hoffman: “A jurisdição deveria servir para


pacificar conflitos, para garantir direitos e manter a tranquilidade na vida em
sociedade, enfim, para que as pessoas se sentissem protegidas. Entretanto,
o que se tem visto no sistema brasileiro é que, em razão da exagerada
duração do processo, muitas vezes, favorece-se quem não tem razão em
detrimento daquele que vem a juízo defender seu direito”

Um mecanismo dessa grandeza supriria “a imperfeição da máquina


processual” já noticiada na obra Como se faz um processo, de autoria de Carnelutti
(2015, p. 30), no sentido de socorrer a morosidade da Justiça e suas demais

154 Segundo Lévy: “O debate a respeito da natureza opressiva, antissocial, ou ao contrário benéfica e
amigável da informática nunca ficou confinado ao circulo dos sociólogos, dos filósofos, dos jornalistas
ou dos sindicalistas (os pretensos especialistas das finalidades – dos usos – e das relações entre os
homens). Ele começa com os cientistas, os engenheiros, os técnicos, com os assim chamados
profissionais das relações entre as coisas, aqueles que supostamente cuidariam apenas dos meios
das ferramentas. A distinção abstrata e bem dividida entre fins e meios não resiste a uma análise
precisa do processo sociotécnico no qual, na realidade, as mediações (os meios, as interfaces) de
todos os tipos se entreinterpretan em relação às finalidades locais, contraditórias e perpetuamente
contestadas, tão bem que, neste jogo de desvios, um “meio” qualquer nunca possui um “fim” estável
por muito tempo (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da
informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 59).”
199

deficiências operacionais também noticiadas pelo mesmo autor, citadas por


Dinamarco (2009, p. 15).
Em trabalho de sua autoria em que, com a precisão de um bisturi, demonstra
“[...] com razoável clareza, que as causas da ineficiência da Justiça são, segundo
antiga revelação de Carnelutti, a lei processual, as estruturas judiciárias e, acima de
tudo, o homem que opera o processo”.
Superada a resistência da comunidade jurídica, passa a ser inegável que a
tecnologia represente uma linguagem de uma nova Era, de natureza inclusiva, em
um primeiro momento pela sociedade participativa da informação, e em uma etapa
posterior nutre plenas condições em todos os sentidos de promover a fundação e a
edificação de uma sociedade participativa do conhecimento em seu viés primário, o
da “produção”.
O acesso e o alcance dessa inteligência geram a possibilidade de estabilizar
as diversidades sociais existentes inclusive em grau aritmético de seu próprio
desenvolvimento. A ferramenta em questão dá azo a facilitar a identificação, a
decodificação, a recodificação, a codificação e a sistematização de dados, além de
informações empreendidas no contexto social que a espécie humana habita.
Contribui a Inteligência Artificial para o processo de aprendizado e de
interação de forma decisiva, gerando uma nova sociedade com competências e
habilidades mais rentes da realidade jurídica que molda o Estado.
Assim, desde sua base, toma conhecimento e “consciência” de sua real
importância, como pretende o magistral trabalho do Juiz lusitano Eduardo Vera-Cruz
Pinto, na obra O futuro da Justiça.155
Tal processo também é perfilhado pela participação ativa e interativa da
tecnologia, pois possibilita melhor acesso, integração, unificação e universalização.
Não somente rompe barreiras mas possibilita seu rompimento, a quebra dos
monopólios preconceituosos comuns das ideologias culturais. Inclusive da própria

155“Face a esta situação, seria necessário partir do zero, voltar ao início e preparar uma ruptura
necessária que, por ser estruturante, não pode ser designada como revolucionária no sentido habitual
de acabar com o que está e depois se vê porque temos aqui umas ideias. Esse início começa no
ensino. Não apenas no ensino universitário do Direito mas no ensino público obrigatório ligado aos
ideais republicanos de igualdade pelo Direito como forma de chegar à sociedade justa. Uma
educação que ensine em escolas organizadas – com instalações adequadas e professores motivados
– os valores que juntam as pessoas e constituem uma comunidade politicamente organizada no
Estado. O valor supremo da união entre os cidadãos, o cimento da construção estadual, é a partilha
de uma ideia de justiça que os juristas recebem da comunidade e trabalham no plano teorético,
conceptualizam e tornam concretizável na vida de todos (PINTO, Eduardo Vera Cruz. O futuro da
justiça. São Paulo: Ed. IASP, 2015, p. 32).”
200

Justiça com estatuto forjado pelas classes elitistas e que, em última instância,
continua a atendê-las e a proteger o próprio Estado pelos meandros e subterfúgios
dos dispositivos normativos. Para confirmar essa assertiva, é só verificar dentro dos
relatórios da Justiça que um dos maiores demandantes do judiciário é o próprio
Estado.
A presença marcante e inexorável da tecnologia habilita uma forma de
comportamento instrumental propício a consolidar o Estado Constitucional de
Direitos, na medida em que dá concretamente condições aos cidadãos para
participarem ativamente, superando a demagogia discursiva dos que desconhecem
as causas (Wittgestein) em suas verdadeiras origens.
Em semelhantes condições, jamais poderão defender os Direitos e a Justiça,
porque as desconhecem, em decorrência da ausência de legitimidade, que se
suprime pelo não conhecimento prático das causas, em um mundo que somente o
povo o vê “cara a cara” em seu dia a dia.
O Estado, no seu projeto do Estado Democrático de Direito, pode valer-se da
Inteligência Artificial por intermédio de uma linguagem que prima pelo princípio da
clareza objetiva, da simplificação para a plena comunicação.
A quebra do monopólio do conhecimento jurídico insistentemente permanece
no cenário das edições dos novos dispositivos sem que aconteça seu total debêlo,
prejudicando com isso a consolidação do Estado Constitucional de Direitos e
Garantias Fundamentais, o que representa ser antitético (contraditório) e antinômico
(contrário à norma) em relação à ideologia introjetada pela Lei Maior.
A teorização de uma estrutura jurídica via sistema vem a facilitar a
organicidade do sistema e a juridicidade de um Estado inflacionário de leis. Na atual
conjuntura, somente mediante uma plataforma tecnológica revela-se possível
sintetizar os dispositivos para a aplicação em um caso concreto com a razoável
duração que se defende do ponto de vista constitucional, além de possibilitar a
consolidação de uma Justiça previsível diante dos princípios balizadores da
tecnologia (unificação, integração, uniformização e sistematização).
Talvez a miséria processual tenha chegado a esse nível porque a espécie
humana, ilhada no marasmo da letargia, não tenha dado “trela” aos espíritos mais
altivos das ciências jurídicas no passado, como bem retrata o pensamento de
201

Dinamarco ao mencionar a preocupação nos idos de 1970, retratados pelo Projeto


Florença, adormecido no esplendor do esquecimento.156
O sistema judiciário precisa de um rumo certo a seguir. É prova evidente
disso a instabilidade existente no sistema, quando se presencia, ante a vigência de
uma lei, a necessidade de fecundar emendas corretivas, conforme estão em
andamento em face do novo-reformado CPC que, antes mesmo de entrar em vigor,
já registra modificações no sistema recursal de remessa dos recursos de cúpula.
Tem-se a sensação da existência da reforma, da reforma, da reforma! O que
demonstra que o processo legislativo não aconteceu ou, se aconteceu, não se deu
em plena consonância com preceitos e das diretrizes constitucionais, pois nítidos
são os erros e falhas.
Esses “gaps” de ordem humana acabaram deixando para trás o essencial em
detrimento do supérfluo ou seria simplesmente a adoção de técnica processual para
a manutenção dos discursos inflamados os quais, observando na história a urgência
de eficiência e eficácia, quem não os trocaria pela reflexão silenciosa e a
transmutação de ações responsáveis objetivas em resultados fins mais positivos.
Para Dinamarco (2010, p. 44):

156 “Um grito de alerta foi dado pelos juristas-pensadores engajados no movimento que se intitulou
Projeto Florença, que foi berço da mais notável guinada metodológica da ciência processual de todos
os tempos. As primeiras palavras escritas pelo revolucionário Mauro Cappelletti no estudo preliminar
sobre essa iniciativa são um repúdio ao positivismo jurídico, ao proclamarem que “nenhum aspecto
dos modernos sistemas legais está a salvo da crítica”. A grande lição a extrair da obra de Cappelletti
é a de que os acessos a justiça é mais elevado e digno dos valores a cultuar no trato das coisas do
processo. De minha parte, vou também dizendo que a solene promessa de oferecer tutela
jurisdicional a quem tiver razão é ao mesmo tempo um principio-sintese e o objetivo final, no universo
dos princípios e garantias inerentes ao direito processual constitucional. Todos os demais princípios e
garantias foram concebidos e atuam no sistema como meios coordenados entre si e destinados a
oferecer um processo mais justo, que outra coisa não é senão o processo apto a produzir resultado
justo (DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2009,
p. 21).”
202

Mas é eterna e sempre problemática a questão das formas e do formalismo


no processo civil. Mesmo prescindindo do que ocorreu no direito romano
clássico, nos desenvolvimentos devidos ao direito canônico, na história do
processo civil europeu e do brasileiro menos recente, veremos que ainda
hoje a cultura do formalismo nos persegue. As Reformas do Código de
Processo Civil brasileiro nasceram de uma preocupação antiformalista e de
uma intenção claramente voltada à deformalização, mas muito tempo será
necessário para que se chegue a um ponto satisfatório. Muito se fez no
sentido de manter as formas necessárias à garantia das partes, eliminando-
se as deformações formalistas, mas ainda não se chegou ao espírito dos
operadores dominados por uma cultura formal.

No novo-reformado CPC, no que tange ao recurso Especial e Extraordinário


que deveria ser encaminhado diretamente em busca de dar-se maior celeridade,
dificilmente poderá ser mantida a referida redação, uma vez que se encontram
“entulhados” nos containers dos porões do Superior Tribunal de Justiça e do
Supremo Tribunal Federal, sem previsão de julgamento, em decorrência da ausência
de mínimas condições humanas para que as demandas sejam vencidas pelos
“cavalheiros de toga” que compõem os referidos órgãos.
Isso retrata que os “meios” humanos para o processamento do Direito e da
Justiça estão em sérios apuros frente à realidade nua existente, não mais se
revelam adquados e úteis ante as massivas demandas, que somente podem ser
superadas por “meios” mais eficientes e eficazes, tais como as estruturas de
hipertexto que garantem a captação de informações e dados estruturados e não
estruturados, dando-lhes compreensão e ordenação.157Por essa racionalização
evolutiva sinalizadora da ruptura do paradigma ofertado pelo sistema Judiciário,
como bem verbalizado por Habermas, em semelhantes condições, nem mesmo os
próprios interessados beneficiados pelo poder do sistema vigente podem barrar a
evolução e o desenvolvimento da história.

157 Esclarece Lévy: “Um “manual eletrônico” destinava-se a manter o conjunto dos conhecimentos
especiais da comunidade atualizado e apresentá-lo de maneira coerente. Em qualquer instante, este
manual fornecia a quem o consultasse uma espécie de fotografia do saber que o grupo possuía. O
manual, talvez mais do que os outros aspectos do groupware, tinha uma função de integração. Em
princípio, o distanciamento intelectual entre os membros da equipe era anulado, já que todos seriam
imediatamente informados assim que alguém tivesse descoberto uma nova ideia, um novo processo
ou uma referência essencial a seus trabalhos. Além disso, os recém-chegados dispunham de um
instrumento de formação de valor inestimável. Enfim, esta objetivação do saber comum era concebida
como um objeto e um tema de discussão, já que, segundo as palavras de Douglas Engelbart: ‘uma
comunidade ativa estará constantemente envolvida em um diálogo a respeito do conteúdo de seu
manual’ (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da
informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 68).”
203

A linguagem de programação desenvolvida pela Inteligência Artificial está


tecnicamente habilitada para ter em sua plataforma e na interface que engendra
condições de captar a estrutura organizacional da sociedade que ela irá servir, em
decorrência de sua evolução e com ela o desenvolvimento de técnicas capazes de
atender aos detalhes com rigor.
Outrossim, alberga habilidades para a resolução das questões existentes e
emergentes, contendo ainda mecanismos recursivos hábeis para fazer com que haja
uma integridade e uma unicidade macro das cognições jamais alcançadas pelas
mais sábias das inteligências dentre as da espécie humana.
O meio tecnológico como método para mediar o Direito e a Justiça é uma via,
um “meio” que o Estado tem para desburocratizar a Justiça, para realizá-la com
maior celeridade, o que seria o grande e insofismável avanço do século XXI.
A jurisdição estatal passaria a ser realizada por intermédio de meios
tecnológicos, aproveitando não somente toda a produção intelectual secularmente
reconhecida, de modo a torná-la mais eficiente e eficaz, cumprindo, portanto, com as
esperanças do artigo 37, inciso e parágrafos da Constituição Federal.
Embora o ato de decidir ou julgar não seja um atributo nem propriedade da
jurisdição, convola-se quando de seu exercício como bem esclarece Leibman (2004,
p. 96-97) “[...]julgar: são atividades que por si próprias nada têm de jurisdicionais e
adquirem esse caráter só por serem uma premissa necessária para o exercício da
verdadeira jurisdição. A ordem jurídica tende com a jurisdição ao fim de realizar-se
praticamente”.
Da lavra do mesmo autor (2004, p.96):

Entendo por jurisdição a atividade do poder judiciário, destinada a realizar a


justiça mediante a aplicação do direito objetivo às relações humanas
intersubjetivas; no processo de cognição, somente a sentença que decide a
lide tem plenamente a natureza de ato jurisdicional, no sentido mais próprio
e restrito.

Isso esclarece e ao mesmo tempo torna mais compreensivo que o dogma de


que seja de exclusividade da jurisdição o ato de julgar pode ser interpretado em um
caráter não absoluto, uma vez que se pode ter a prática do mesmo ato, por outros
“meios” legais, recepcionados pelo Estado Constitucional, tendo como fim precípuo o
204

de dar cumprimento à resolução de conflitos.158Em semelhante cenário, a


Inteligência Artificial começa a demarcar dentre as etapas da evolução do processo
enquanto estudo científico sua importância e a possibilidade de ter uma função
estatal para sistematizar, organizar, controlar e julgar, além de outras funções ou
atribuições que essa espécie de conhecimento pode ser requisitada para interceder
junto à jurisdição estatal como também junto aos outros “meios” alternativos para a
resolução de conflitos.
É importante salientar que, independentemente da forma estatizada ou não
para a resolução de conflitos em que não haja supremacia e entre os modelos, a
escolha deve dar-se pelo jurisdicionado, conforme a natureza e a complexidade da
questão em análise, além de outros fatores envolvidos.
Isso demonstraria não só maturidade mas a material evolução da sociedade
no desenvolvimento de ferramentas cada vez mais práticas e hábeis voltadas aos
interesses das causas de Direito e da Justiça, respeitando com isso a diferenças e
as diversidades.159Essa postura, ou melhor, essa preocupação em atender às
peculiaridades é um sinal que é demarcado a partir do periodo clássico, em que o
processo passou a ser estudado como fenômeno científico para a resolução de
conflitos.
A atual conjuntura histórica denota que a insuficiência da máquina processual
registrada pela escola processualista encontra-se em rota de ruptura, dela
emergindo uma nova escola, a qual pode ser denominada de teorização e
metodologização dos “meios” tecnológicos para a procedimentalização regulatória
do Direito e da Justiça.

158Para Pinto, em prefácio de Nalini: “A desjudicialização é uma alternativa que precisa ser convertida
em política pública, não para aliviar a carga de trabalho cometida ao sistema judicial totalmente
atravancado. O principal é fazer de cada pessoa um protagonista de sua existência, um reitor de sua
própria conduta, para ajustar-se à conduta civilizada, sem a necessidade de atuação heterônoma do
Estado-Juiz. Se um individuo não sabe resolver questiúnculas, mas prefere submetê-las ao judiciário,
muito menos saberá participar da gestão da coisa pública e implementar, no Brasil, a prometida
Democracia Participativa, aceno do Constituinte de 1988 (PINTO, Eduardo Vera Cruz. O futuro da
justiça. São Paulo: Ed. IASP, 2015, p. 9).”
159 Para Peluso: “Dos resultados obtidos no Brasil, concluiu-se que não há como impor um único
procedimento autocompositivo em todo o território nacional ante relevantes diferenças nas realidades
fáticas (fattispecie) em razão das quais foram elaboradas. O modelo de núcleos e centros de
resolução de conflitos buscou apenas criar a estrutura básica para que cada tribunal possa
desenvolver seu sistema pluriprocessual de forma mais consoante com sua realidade (PELUSO,
Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (Org). Conciliação e mediação: estruturação da política
judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 22).”
205

A técnica cognitiva, a tecnologia, apresenta-se como “meios” de condução


mais adequados em todos os sentidos para promover a efetividade do Direto e da
Justiça, através de um processo que seja desenvolvido via sistema tecnológico de
informação em uma linguagem de programação que absorva, com as técnicas
processuais, a condução do Direito material.
Essa nova geração há de estabelecer uma nova pauta para o Direito e para a
Justiça, a partir de uma base de conhecimento, de conceitos, princípios, regras e
postulados ainda não vistos.
É uma sociedade em que a tecnologia passa a predominar e a reescrever e a
escrever suas bases cognitivas à luz de uma caneta sem tinta e uma reprodução
sem impressão e sem papel.
Surge, assim, uma nova geração que caminha para uma acessibilidade
participativa de dados e informações jurídicas viabilizada pela seara da Inteligência
Artificial, fomentando, com isso, o cumprimento dos preceitos estabelecidos na carta
política Constitucional já outrora plamasda pela discutida bandeira da acessibidade
da Justiça.
Essa é uma realidade discutida nos bastidores, pois a uniformização do
sistema de decisões em que se retratam causas com a mesma identidade fática e
que converge para uma mesma tese de Direito, já balizada no CPC de 73 e em
ininterruptas reformas bem como no atual CPC de 2015 de forma expressa pelo
instituto (IIRDR) Instauração de Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva.
A polinização do Direito como mecanismo de integração, universalização
representa uma alavanca arquimediana para a remoção dos obstáculos que
assombram a Justiça brasileira, que exige uma proatividade resolutiva incisiva e
concreta, realizando a abertura do mundo processual pátrio para que o intercâmbio
cultural não sirva somente para a troca de “mimos”, mas de experiências concretas
em dimensão contínua e participativa.160Essa miscigenação, ainda que seja lenta e

160 Segundo Dinamarco, “Tal é a fórmula, por enquanto necessariamente vaga, do modo como
convém ser processada a troca de influências entre as ordens jurídicas de países integrados em uma
comunidade, como o Mercosul, que depende de uma eficiente cooperação processual internacional
para atingir seus objetivos econômicos. Para esse fim o Código Modelo é um legítimo e útil repositório
de sugestões sobre os modos como cada país e todos em conjunto podem afeiçoar seus sistemas
processuais com vista à crescente cooperação entre os integrantes do bloco latino-americano. Ainda
é muito tênue a coesão entre esses países (compare-se com a que existe entre os integrantes da
Comunidade Europeia) e, portanto, seriam prematuros e preciptados quaisquer prognósticos ou
proposições muito concretas que no presente momento histórico se quiserem adiantar (DINAMARCO,
Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. 1,
p. 133).”
206

esbarre em vários aspectos, tais como cultura, idioma, política, educação dentre
outros que refletem diretamente no aspecto do Direito e da Justiça não se limita
somente a seu Estado, mas que deve iniciar um diálogo para harmonizar-se.
As mudanças são inevitáveis, sob pena de se implantar certo retrocesso. A
Inteligência Artificial tem destaque em países como os EUA porque desde os
adventos mais remotos, acreditaram e investiram, pesadamente na formação de
base e nos estudos científicos em busca das novas descobertas, inclusive
promovendo experiências das ciências cognitivas em geral e em espécie.
É o que retrada Pino Estrada em artigo intitulado “A criação do Direito pela
Inteligência Artificial”.161

Então, ao fazer previsões, a inteligência artificial estaria criando uma


jurisprudência futura? Afinal, estaria prevendo decisões de Tribunais
Superiores, ou seja, também para onde o Direito estaria caminhando? Mas,
será que o Direito já está no caminho em que sentenças, acórdãos e outras
decisões sejam criados pela inteligência artificial? Será que, aos poucos,
estar-se-ia deixando a interpretação das leis para o algoritmo? As pesquisas
estão indo para uma resposta afirmativa.

Por outro lado, salienta-se que, usando a inteligência artificial, já é possível


a criação de leis, encontrar violações de contratos comerciais e trabalhistas,
dentre outros, assim como fraudes eleitorais, ou seja, também poderia ser
muito útil para o legislador, criando leis mais eficientes conforme as
necessidades da sociedade tendo por base os dados que filtrar, mas
ressaltando que a inteligência artificial é independente e já aprende sozinha,
ou seja, não precisa do homem para carregar e filtrar os dados encontrados
na Internet, normalmente nos sites oficiais dos governos e, assim, fornecer
resultados que demorariam semanas de debate no Congresso Nacional, por
exemplo.

Neste caso, então, o legislador passaria a sua tarefa legislativa para uma
máquina inteligente e autônoma. Consequentemente, num futuro breve,
Juízes, Desembargadores, Ministros e legisladores serão substituídos por
máquinas com inteligência artificial, inclusive, até os debates intermináveis
no Congresso Nacional pelo uso destas (máquinas com inteligência
artificial) terminarão em segundos. Resumindo, o algoritmo usado pela
inteligência artificial poderia ser mais justo em comparação a um magistrado
e que o próprio parlamento nacional e, assim, permitiria a criação de leis
mais justas e necessárias para o desenvolvimento local.

O Estudo realizado pelo pesquisador Pino Estrada teve como base ciência
uma pesquisa realizada em outubro de 2014 sobre o uso da Inteligência Artificial

161 Disponível em: <http://direitoeti.com.br/artigos/a-criacao-do-direito-pela-inteligencia-artificial/>.


Acesso em: 23 dez. 2015.
207

como meio para a previsão dos julgamentos das cortes americanas. 162E
complementa a linha de pesquisa EUA o artigo de autoria Martin Katz e outros
retratando “Predicting The Behavior of Supreme Court of the United States: A
General Approach”. Prevendo o comportamento da Corte Norte-América: Uma
Abordagem Geral.163No aspecto jurídico, o estudo dos “meios” e da dinâmica

162 Cf.: <http://www.elsblog.org/the_empirical_legal_studi/2014/10/artificial-intelligence-and-predicting-


supreme-court-outcomes.html>. Acesso em: 23 dez. 2015. “Artificial Intelligence and Predicting
Supreme Court Outcomes. In a recent post over at Concurring Opinions, Harry Surden (Colorado)
concludes with the following prediction: "In the not too distant future, such data-driven approaches to
engaging in legal prediction are likely to become more common within law. Outside of law, data
analytics and machine-learning have been transforming industries ranging from medicine to finance,
and it is unlikely that law will remain as comparatively untouched by such sweeping changes as it
remains today." / If Surden is even partially correct we should expect to see data increasingly pressed
into the service of a more sophisticated legal outcomes "prediction" business. Of course, the Katz,
Bommarito, and Blackman paper's claim (discussed in Surden's post) for a 70.9% successful
prediction rate needs to be placed into some context. Specifically, as many law profs and appellate
litigators instinctively already know, simply by predicting a reversal one can correctly predict the
outcome of a Supreme Court case with approximately 56-73% accuracy (for an extended discussion,
click here). While a 70.9% prediction rate is important, when it comes to Supreme Court cases the
correct baseline is not a Priest-Klein 50%.”
Tradução: “Inteligência Artificial e prevendo resultado da Suprema Corte. Em um post recente sobre a
Concordante Opiniões, Harry Surden (Colorado) conclui com a seguinte previsão: "No futuro não
muito distante, as ordagens desses dados orientado a engajar-se em previsão legal tendem a se
tornar mais comuns dentro da lei Fora da lei. , análise de dados e de aprendizagem de máquina ter
sido indústrias que vão desde a medicina para financiar a transformação, e é improvável que a lei vai
permanecer como relativamente intocado por tais mudanças radicais como permanece até hoje. / Se
Surden é ainda parcialmente correta, devemos esperar para ver os dados cada vez mais
pressionados em serviço de uma resultados legais "previsão" negócio mais sofisticado. Claro, a
alegação do papel Katz, Bommarito, e Blackman (discutido no post de Surden) para uma taxa de
sucesso de 70,9% previsão precisa ser colocado em algum contexto. Especificamente, como muitos
profs de advogados e litigantes de apelação instintivamente já sabem, simplesmente, prevendo uma
reversão é possível prever corretamente o resultado de um caso da Suprema Corte com cerca de 56-
73% de precisão (para uma discussão alargada, clique aqui). Enquanto uma taxa de 70,9% previsão
é importante, quando se trata de casos da Suprema Corte da linha de base correto não é um Priest-
Klein 50%.”
163 “Building upon developments in theoretical and applied machine learning, as well as the efforts of
various scholars including Guimer`a and Sales-Pardo (2011), Ruger et al. (2004), and Martin et al.
(2004), we construct a model designed to predict the voting behavior of the Supreme Court of the
United States. Using the extremely randomized tree method first proposed in Geurts, et al. (2006), a
method similar to the random forest approach developed in Breiman (2001), as well as novel feature
engineering, we predict more than sixty years of decisions by the Supreme Court of the United States
(1953-2013). Using only data available prior to the date of decision, our model correctly identifies
69.7% of the Court’s overall affirm / reverse decisions and correctly forecasts 70.9% of the votes of
individual justices across 7,700 cases and more than 68,000 justice votes. Our performance is
consistent with the general level of prediction offered by prior scholars. However, our model is
distinctive as it is the first robust, generalized, and fully predictive model of Supreme Court voting
behavior offered to date. Our model predicts six decades of behavior of thirty Justices appointed by
thirteen Presidents. With a more sound methodological foundation, our results represent a major
advance for the science of quantitative legal prediction and portend a range of other potential
applications, such as those described in Katz (2013)”.
Tradução: “Baseando-se o desenvolvimento da aprendizagem teórica e a aplicada máquina, bem
como os esforços dos vários estudiosos incluindo Guimer`a e Vendas-Pardo (2011), Ruger et al.
(2004), e Martin et al. (2004), construir um modelo projetado para prever o comportamento eleitoral do
Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Usando o método de árvore extremamente randomizado
208

judiciária utilizados pela família da common law tem atraído os seguidores da civil
law. Essa tendência natural que move as culturas a se aproximarem tem legitimado
o velho e bom adágio de que “juntos somos mais fortes”, demonstrando com isso
que a cooperação e a colaboração são instrumentos pedagógicos que fazem uma
diferença positiva ímpar no processo de evolução das culturas.164 Acima de tudo, a
nova processualística brasileira passa a realizar uma apologia da verdade da
concepção clássica aristotélica, ou seja, de uma simbiose adesiva entre a palavra e
a coisa ou realidade descrita, para a objetividade, simplificação e para unidade
compreensiva totalizante das ideias, que sinteticamente significa dizer: a dispensa
por uma cansativa e desnecessária conjugação de elementos para se buscar
compreender o significado de uma palavra ou frase na orla da linguagem
especializada do Direito e da Justiça. Nessa perspectiva, corrobora a ideia de
Guerra Filho (2007, p. 44-45):

Primeiramente, lembremos que há, na mais recente doutrina italiana,


posição sobre a natureza jurídica do processo, desenvolvida pelos
professores da Universidade de Roma, N. Picardi e E. Fazzalari, com apoio

proposto pela primeira vez em Geurts, et ai. (2006), um método semelhante ao a abordagem aleatória
floresta desenvolvido em Breiman (2001), bem como um novo recurso de engenharia, prevemos mais
de sessenta anos de decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos (1953-2013). Usando apenas
dados disponíveis antes da data da decisão, o nosso modelo identifica corretamente 69,7% das
afirmar global do Tribunal / Reverter decisões e prevê corretamente 70,9% dos votos dos juízes
individuais através de 7.700 casos e mais de 68.000 justiça votos. Nosso desempenho é consistente
com o nível geral de previsão oferecido pelos estudiosos anteriores. No entanto, o nosso modelo é
distinto, uma vez que é o primeiro robusta, generalizada, e totalmente modelo de previsão do
comportamento de voto Supremo Tribunal oferecido a data. Nosso modelo prevê seis décadas do
comportamento de trinta juízes nomeados por treze Presidentes. Com um som mais metodológica
fundação, nossos resultados representam um grande avanço para a ciência da previsão legal
quantitativa e predição legal e uma gama de outras aplicações potenciais, tais como os descritos em
Katz (2013 )”.
164 Dinamarco destaca: “A primeira dessas tendências é a absorção de maiores conhecimentos e
mais institutos inerentes ao sistema da common law. Plasmados na cultura europeia-continental
segundo os institutos e os dogmas hauridos primeiramente pelas lições dos processualistas ibéricos
mais antigos e depois dos italianos e alemães, os processualistas latino-americanos vão se
conscientizando da necessidade de buscar novas luzes e novas soluções em sistemas processuais
que desconhecem ou minimizam os dogmas e se pautam pelo pragmatismo de outros conceitos e
outras estruturas. O interesse pela cultura processualística dos países da common law foi inclusive
estimado por estudiosos italianos que, como Mauro Capelletti e Michele Taruffo, desenvolveram
intensa cooperação com universidades norte-americanas. Os congressos internacionais patrocinados
pela Associação Internacional de Direito Processual contam com a participação de processualistas de
toda origem, e isso vem quebrando as barreiras existentes entre duas ou mais famílias jurídicas,
antes havidas como intransponíveis. Ainda há o que aprender da experiência norte-americana das
class-actions, das aplicações da cláusula due process of law, do contempt of court de muitas
soluções de common law ainda praticamente desconhecidas aos nossos estudiosos – mas que é
previsível que os estudos agora endereçados às obras jurídicas da América do Norte conduzam à
absorção de outros institutos ((DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil
moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. 1, p. 138)”.
209

da doutrina administrativista de seu país, segundo a qual o processo nada


mais seria que um procedimento caracterizado pela presença do
contraditório, isto é, no qual necessariamente deve-se buscar a participação
daqueles cuja esfera jurídica pode vir a ser atingida pelo ato final desse
procedimento.

A simplicidade do trato com o processo, ou seja, a forma simplificada e


descomplicada conduz à possibilidade de programá-lo por intermédio de uma
linguagem tecnológica (plataforma e interface), garantindo por tal procedimento a
participação dos interessados.
Como bem esclarece Liebman (2004, p. 86), “As partes são soberanas na
decisão de submeter ou não ao julgamento da autoridade judiciária o conflito de
interesses que surgiu entre elas, e assim também podem submeter-lhe só uma parte
desse conflito”.
Em qualquer contexto de gestão processual, o respeito, as regras são fatores
elementares. Em se tratando de uma plataforma tecnológica, a certeza da
estabilidade está estabelecida pela precisão de sua programação, com parâmetros
em leis que regulem o sistema de processo digital segundo uma teoria e uma
metodologia predefinida.
Também se tem uma vantagem pela possibilidade de se estabelecerem
sistemas paralelos de redundância, para que não haja recuo nos aspectos
quantitativos e qualitativos. Todos esses fatores devem estar estereotipados a partir
de lei, para que haja segurança e credibilidade com relação à fonte norteadora que
deve dar todas as diretrizes para a programação do sistema e seu funcionamento. 165
A validação das etapas fortifica o cumprimento de cada etapa processual de forma
linear e direta, tais como pressupostos, legitimidade, representação, capacidade,
custas, competência, suspeição, impedimento, listipendência, pacto arbitral,
perempção, prescrição, decadência, garantias que são pressupostos initio litis, mas
que podem ser objeto de identificação de ex-officio do próprio sistema ou por

165 Para Liebman: “A lei estabelece, porém, algumas regras, cuja observância é necessária para que
o processo se realize com as devidas garantias de imparcialidade, eficiência, ordem, respeito ao
direito dos terceiros e assim por diante. A observância dessas regras produz a impossibilidade do
julgamento da controvérsia. Podemos dizer, em geral, que o pedido deve ser formulado pelo autor de
modo adequado ao conflito existente entre as partes, e que o processo deve ser por sua vez
instaurado de modo a ser adequado ao conflito existente entre as partes; por ultimo, o processo deve
ser proposto e conduzido com a observância de uma série de regras de caráter formal que condiciona
sua validade e sua capacidade de programação (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o
processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004, p. 92).”
210

informação das partes incidentum litis, bem como as condições de procedibilidade


da ação (possibilidade jurídica do pedido, interesse processual e legitimação).
Observa-se ainda que, para os fins desta análise, não se destacou se os
pressupostos ou as condições de procedibilidade são de mérito ou não. O sistema
deve operar sobre o princípio da verdade real, em que o erro, a falha ou o equívoco
devem ser justificados junto ao sistema o qual comporta regras e exceções.
Isso significa que aquilo noticiado quanto à dinâmica e à performance de
funcionamento pode ser realizado pelos meios tecnológicos programados a partir de
regras, diretrizes, procedimentos, autorizações, retificações e prazos,
compreendendo todas as formalidades formais e materiais em simetria com a Lei
Maior em sua amplitude horizontal e vertical.
É cediço que a espécie humana habita o reino da imperfeição e do desejo.
Sem a necessidade de se aprofundar em seus reais motivos, a liberdade social
muitas vezes identifica a germinação dos conflitos e disso se revela justa a
existência de regras e de sanção em qualquer ambiente em que haja o conflito de
interesses com as lutas entre as partes que quase sempre estão a defender um
interesse com outro interesse, salvo as normas de mera orientação que prescinde
sanção.
Por isso, a coordenação e a metologização do sistema processual lastreadas
a partir de uma teorização da Inteligência Artificial devem retirar por completo a
possibilidade do arbítrio dos envolvidos, devendo prevelecer não mais a razão de
cada um deles, que acha ter a melhor razão.
Mas deve-se possibilitar que a razão das regras predefinidas nos princípios e
regras de Direito em todas as suas hierarquias, considerando as demais fontes do
Direito e sua compreensão nacional, possa refletir no sistema de mediação do
Direito e da Justiça pelos “meios” tecnológicos.
Semelhante estrutura deve estar conjugada a priori pela estabilização de
causas cujo objeto já tenha um precedente e que, a partir do caso, seja com base
em todas as informações e dados desenvolvida a partir de uma matriz de caso para
que se possa obter uma estrutura processual idêntica em adequação de critérios
variáveis, propriedades que representem a relação entre Direito e Justiça tida como
modelo vinculativo vertical. Já retratava Liebman (2004, p. 76):
211

Vários legisladores mais recentes entenderam, todavia, que deixar ao


arbitrío das partes o poder de dar forma e movimento ao processo significa
favorecer a chincana e contrariar a economia processual, porque leva
frequentemente a realizar atividades instrutórias longas e custosas que
depois são atingidas pela anulação do processo.

Os “meios” tecnológicos como método para se convolarem as ações humanas


em ações programadas por outra espécie de inteligência apresentam-se aptos a
alcançar resultados positivos além das fronteiras.
Enfim, a tecnologização do sistema judiciário, para além do mero uso do
sistema para o transporte de dados e informações, garante a soberania de um
Direito como um todo, no espectro do Direito Processual, para a materialização de
um sistema processual Constitucional unificado e integrado, de modo que um dos
principais problemas na curva da evolução Constitucional seja efetivamente
corrigido. Que do acesso à Justiça, se entenda e compreenda como quaisquer
“meios”, desde que garantam os Direitos e Garantias Fundamentais.
Para que isso aconteça, é essencial que se solidifique uma política judiciária
vocacionada a compreender e entender os problemas e ativamente realizar ações
no sentido de atender ao sistema judiciário em todos os aspectos que forem
necessários.
As resistências são as recorrentes e já conhecidas, a saber, as retratadas
quando da edição da súmula vinculante insculpida no artigo 103-3 da Constituição
Federal, de que haveria pela referida técnica processual das súmulas a
institucionalização da ditadura do Poder Judiciário ou a Violação da Independência
Funcional.
Data máxima vênia aos seres “da fala” e aos de “toga”: como vencer a
invencível demora e a insegurança jurídica senão pelo sacrifício das individualidades
que, por vezes, esbarram nos interesses pessoais mais legítimos em prol da
coletividade? Há que considerar sem dúvida as preocupações, as críticas e as
contribuições, mas não se pode interromper o progresso.166A mesma preocupação
se traslada ao (IIRDR) quando do firmamento da tese e sua replicação como

166 Carneiro: “Parece-nos, assim, que a grande discussão sobre o tema não reside necessariamente
no fato de se permitir ou não a adoção das chamadas súmulas vinculantes, mas sim em se pensar
critérios e formas que o ordenamento deverá prever para a revisão das mesmas bem como os
mecanismos que o advogado terá para demonstrar que o caso prático em que milita não se enquadra
perfeitamente na hipótese abstratamente súmula. Esse, a nosso modestíssimo ver, o grande desafio
quando se fala em súmula vinculante (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (Org). Bases
científicas para um renovado direito processual. 2. ed. Salvador: Jus Podium, 2009, p. 784).”
212

precedente, como já comentado no capítulo 17.4: a problemática do precedente é


que tem como fundamento a matéria de Direito, porém, considerando a exaustiva
discussão sobre o caso para definição da tese de Direito, é possível do caso extrair
todos os pressupostos fáticos daquele caso para a firmação da tese do precedente.
Com a extração desses elementos que podem ser denominados de
identidade dos fatos e identidade do Direito, é possível desenvolver uma matriz de
caso do precedente em linguagem tecnológica. Isso afastaria o temor ou a
preocupação externalizada pelo saudoso jurista Athos de Gusmão Carneiro, porque
o sistema a cada novo caso iria ler e conciliar, verificando a existência de identidade
do precedente ou não, com isso vinculando ou não ao precedente.
Outras questões pertinentes e que a tecnologia pode resolver é que, a partir
da matriz de precedente, os novos casos que preencherem a regra matriz
automaticamente seriam vinculados ao precedente, podendo ainda contar o sistema
com filtro para as questões que se encontram na fase de definição da tese com seu
firmamento para a definição do precedente.
Em tal hipótese, também poderiam ser suspensos todos os casos que
dependem de julgamento do caso avocado para definição da tese como define o
novo-reformado CPC.
É preciso dar mais um passo com maturidade e responsabilidade seguro no
cajado da Constituição Federal, avançar firme, e diante de um novo instituto como o
da Instauração do Incidente de Resolução Repetitiva recebê-lo como uma técnica
processual para fazer dar certo de forma plena os problemas até então não
superados pela Justiça.
Para isso é essencial que a Inteligência Artificial possa ser uma técnica
cognitiva decisiva em si e como “meio” para consolidar o Direito Processual
Constitucional em unicidade, integridade, uniformidade, sistematização,
centralização e padronização, convertendo o Direito e Justiça em serviços de fácil
acesso, a custos baixos, simplificados, previsíveis, rápidos e seguros. Como
esclarece Deleuze (2013, p. 33):
213

Tudo passa a ser referido, de direito, à letra. É a própria lei da


sobrecodificação despótica. Nossa hipótese é a seguinte: o signo do
grande Déspota (a idade da escrita), ao retirar-se, teria deixado uma praia
decomponível em elementos mínimos com relações regradas entre eles. Tal
hipótese pelo menos dá conta do caráter tirânico, terrorista e castrador do
significante. É um enorme arcaísmo, que remente aos grandes impérios.
Nem sequer temos certeza que o significante funcione para a linguagem.
Foi por essa razão que recorremos a Hjelmslev: já há muito tempo ele fez
uma espécie de teoria espinosista da linguagem, onde os fluxos, de
conteúdo e de expressão, prescindem de significante. A linguagem como
sistema de fluxos contínuos de expressão, recortado por agenciamentos
maquímicos de figuras discretas e descontínuas. O que não desenvolvemos
neste livro foi uma concepção dos agentes coletivos de enunciação, que
pretenderia ultrapassar o corte sujeito de enunciação e sujeito do
enunciado. Somos puramente funcionalistas: o que interessa é como
alguma coisa ainda, funciona, qual é a máquina. Ora, o significante ainda
pertence ao domínio da questão “o que isso quer dizer”?, é esta questão
mesma enquanto questão interdita. Mas para nós o inconsciente não quer
dizer nada, a linguagem tampouco.
214

9 ASPECTOS ESTRUTURAIS DA VERDADE

9.1 O estatuto da verdade, seu tratamento histórico jurídico na validação do Direito e


da Justiça e as lógicas relacionadas

Tratar da verdade é comprometer-se com uma busca incessante pela sua


descoberta e pelos métodos teóricos-condicionantes que proporcionam a justificação
ou a satisfação, para validação de seu estatuto.
Se a considerarmos como algo existente, um corpo ainda que não físico, a
questão inicial a se responder é a de demonstrar como se estrutura. Uma segunda
questão – ainda mais relevante e responsável pela inquietude da espécie humana –
é a de verificar se a verdade existe ou não passa de uma convenção marcada pela
temporalidade que encapsula uma permanente e inexorável mudança, de um ponto
de vista extremado. Isso seria o mesmo que uma posição cética e radicalizada
envolvendo a atmosfera do “verdadeiro”.
Estando nas cercanias da verdade, é possível inferir estar em comunhão com
o conhecimento, o qual tem nela seu substrato maior, sua essência, ou seja, a
verdade passa a ser o elemento nuclear que valida o conhecimento, de que é o
pressuposto.
O conhecimento depende da verdade para construir-se em todas as suas
bases elementares. É essa a condição responsável por dar sustentação à teoria do
conhecimento como infraestrutura maior que sustenta a estrutura do mundo
científico nas diversas etapas das sociedades humanas, no uso das tecnologias em
inteligência.
Nesse processo, o que se encontra de mais substancial são teorias as quais
são mecanismos criados, geridos e gerenciados pelos indivíduos para explicar o
mundo, as coisas e os objetos.
Para isso, parafraseando Kirkram, muitos são os projetos teóricos que dizem
respeito à verdade, o que de certo não esgotam outras possibilidades, inclusive de
sua mutabilidade estrutural diante da potencial possibilidade de rompimento com sua
cognição.
215

No contexto do projeto metafísico, temos de considerar o projeto extensional,


o naturalista e o essencialista. Deve-se ainda considerar o projeto de justificação e o
dos atos da fala que se dicotomizam em ilocucionário e assertivo, que envolve
diretamente a civilização da tecnologia da escrita. Por fim, continuando e
parafraseando o referido autor, há de se considerar no projeto assertivo o da
estrutura profunda.167Considerando que a justificação que aparelha a verdade está
sempre se referenciando a algum ponto para que se possa sustentar a verdade
justificada, isso implica reflexamente a possibilidade de não ser possível sustentar a
existência de uma verdade, por si só discutida, em um projeto ou programa.
Essa instabilidade referencial da realidade social atual é identificada e
detalhada por Lévy, na medida em que há uma movimentação de alteração na
estrutura normativa correlacionada com as tecnologias das inteligências – oral,
escrita e digital – que predominam.168Superada essa questão, ainda se destaca a

167 Para Kirkham é necessário ordenar cada projeto para a certificação da verdade, como explicita: “A
teoria da justificação é uma conjunção de duas alegações: em primeiro lugar, de que uma certa
característica, possuída potencialmente por afirmações (ou sentenças ou crenças etc), correlaciona-
se, talvez de modo imperfeito com a verdade; em segundo lugar, de que é relativamente fácil
determinar se uma destas afirmações ou sentenças ou crenças etc. possui essa característica
(KIRKHAM, Richard L. Teorias da verdade. São Leopoldo: UNISINOS, 2003, p. 47)”. Isso em
verdade ocorre, como bem complementa o mesmo autor: “A teoria da justificação não é realmente
teoria da verdade. Pelo menos é muito enganoso chamá-la de teoria da verdade. Ela não é sobre a
verdade. Ela é sobre a justificação. Ela não analisa “verdade”, “verdadeiro” em nenhum sentido. Ela
também não estabelece as condições necessárias e suficientes para a verdade e nem dá o
significado de “verdade”. Ela fornece uma condição suficiente (ou um conjunto de condições
conjuntamente suficientes, para justificar a crença em uma proposição) (KIRKHAM, Richard L.
Teorias da verdade. São Leopoldo: UNISINOS, 2003, p. 43)”. Disso conclui Kirkham: “[...] também
implica que o valor da verdade de uma afirmação possa modificar-se quando dispomos de mais
evidência relevante, o que é contra intuitivo (Davidson, 1990, p. 307-308). Essa consequência é
evitada se a verdade é equiparada com a justificação máxima ou justificação em circunstâncias
ideais. Mas nenhuma dessas manobras nos ajuda com o problema maior – equiparar verdade e
justificação máxima ainda nos deixa com a seguinte pergunta: justificada maximamente como o quê?
Tal problema (Putman, 1982) também não pode ser resolvido identificando-se verdade com
justificação em circunstâncias ideais. Pelo contrário, nenhum sentido pode ser dado à noção de
circunstâncias ideais, a menos que antes se faça alguma escolha a respeito dos valores aos quais a
justificação deve se dirigir (KIRKHAM, Richard L. Teorias da verdade. São Leopoldo: UNISINOS,
2003, p. 84)”.
168 “A massa de informações armazenadas cresce em um ritmo cada vez mais rápido. Os
conhecimentos e habilidades da esfera tecnocientífica e das que dela dependem evoluem cada vez
mais rápido. Disto decorre que, em certas áreas, a separação entre a memória pessoal e o saber não
é mais parcial; as duas entidades tendem a estar quase que totalmente dissociadas”. E complementa
o mesmo autor em ato contínuo o seu raciocínio: “O modelo não se encontra mais inscrito no papel,
este suporte inerte, mas roda em um computador. É desta forma que os modelos são continuamente
corrigidos e aperfeiçoados ao longo das simulações. Um modelo raramente é definitivo. / Um modelo
digital normalmente não é nem ‘verdadeiro’ nem ‘falso’, nem mesmo ‘testável’, em um sentido estrito.
Ele apenas será mais ou menos útil, mais ou menos eficaz ou pertinente em relação a este ou aquele
objetivo específico. Fatores muito distantes da ideia de verdade podem intervir na avaliação de um
modelo: a facilidade de simulação, a velocidade de realização e modificação, as conexões possíveis
com programas de visualização, de auxílio à decisão ou ao ensino[...] o declínio da verdade crítica
216

essencialidade de que, para que se tenha uma concepção de verdade nessas


condições, a justificação exige que o atributo condicionante detenha elementos
substanciais e suficientes para justificar a crença de uma proposição.
Dessa maneira, infere-se que a justificação – portando as condições de
suficiência ou de utilidade – fertiliza o conceito de verdade tanto na acepção formal
quanto no material, vinculada a determinado nível (grau) de pertinência variável
enquanto propriedades.
O papel da justificação nesse contexto é o de introduzir portadores
justificadores de verdade, que possuem elementos substanciais justificadores de
uma crença, na verdade, de modo a satisfazer os pressupostos ou os elementos que
constituem as características do veraz, mas que, em última instância, representam a
justificativa da justificação e não a justificativa da verdade.
O problema da verdade factual no Direito não reside apenas no risco de
cometer equívocos, falhas ou erros frente às propriedades ou aos elementos de
provas.
Mas de defender a própria mentira pseudodedutiva, no que, por sua vez,
encontra-se o homem soterrado, dada sua limitada condição cognitiva que inclusive
o impossibilita de integrar os conhecimentos de forma satisfatória e, por isso,
constantemente os resultados sofrem influências advindas dos processos
perceptivos. Segundo Lévy (2011, p. 65):

Foi observado que os assuntos abordados nas conversas cotidianas


possuem muito menos estrutura, sendo sistematicamente menos
hierarquizados e organizados do que os textos escritos. Estas
características estão relacionadas às deficiências na capacidade da
memória de curto prazo.

não significa, portanto, que a partir de agora qualquer coisa será aceita sem uma análise, mas que
iremos lidar com modelos de pertinência variável, obtidos e simulados de forma mais ou menos
rápida, e isto de forma cada vez mais independente de um horizonte de verdade, uma à qual
pudéssemos aderir firmemente. Se há cada vez menos contradições, é porque a pretensão da
verdade diminui. Não se critica mais, corrigem-se os erros (LÉVY, Pierre. As tecnologias da
inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 121)”.
217

Outro fator que contribui para tal risco, ou melhor, para seu aumento, é a
tendência natural cultural de acreditar que a consciência do eu representa um
tribunal racional incontestável, por isso, se aventou tratar dos aspectos formais da
verdade de algum modo que não houvesse interferência. Nesse contexto, ilustra
Tarski (2007, p. 13):

[...] sua concepção da verdade é tão neutra quanto a famosa máxima de


Aristóteles, na metafísica, ele mesmo cita em “A concepção semântica da
verdade e os fundamentos da semântica”: Dizer do que é que não é, ou do
que não é que é, é falso, enquanto que dizer do que é que é, ou do que não
é que não é, é verdadeiro.

Essa máxima é certamente neutra em relação a quaisquer teorias, em todos


os domínios, uma vez que ela tem um caráter puramente formal no campo
semântico da questão. Ela expressa simplesmente as ideias de acordo e desacordo,
e associa o acordo com a verdade, e o desacordo com a falsidade.
Tal acordo é algo que pode ou não se dar entre alguma coisa e aquilo que
dela dizemos. Assim, no máximo, o que Aristóteles estaria dizendo seria apenas que
a verdade resulta da forma como utilizamos a linguagem para lidar com o mundo.
Segundo essa concepção, a verdade resulta então não da constituição do
mundo, e mesmo da linguagem compreendida de uma forma ontológica, mas de
nossa prática linguística, o que gera inúmeros equívocos diante de uma ausência
estrutural lógica do argumento do passo a passo, fazendo da verdade um objeto de
discussão e debate.
A máxima aristotélica tem sido, ao longo dos séculos, interpretada como
expressão de uma concepção correspondente à verdade e, em parte, à lucidez de
Tarski, ao enfrentar o problema clássico e filosófico da verdade, que consiste em
torná-la independentemente de sua interpretação correspondencial.
Após ser conhecida, a teoria de Tarski, se tivesse sido compreendida por
alguns, como Karl Popper, como uma teoria da correspondência, notaria a distinção.
Tarski deixa claro que em sua concepção deseja afastar-se das então mais
conhecidas teorias da correspondência.
218

E respectivamente, mais aquelas omissões apresentadas por Bertrand


Russell (em A filosofia do atomismo lógico) e por Wittgenstein (no Tratactus), cujos
compromissos com determinada concepção do mundo, da linguagem e da relação
proposicional entre ambos, são evidentes.169
Todavia, a concepção de verdade supera a relação de linguagem-objeto por
meio de uma linguagem especial conteudista de aspecto semântico especial em
metalinguagem, com especificidades voltadas para determinada tipologia de
linguagem, ou seja, formal ou informal.
A carga valorativa de verdade é um atributo ímpar sobre as sentenças e que
merece atenção, uma vez que a semântica existente em cada sentença é peculiar a
certa sentença.
Por essa razão, compreender a estrutura formal e material das sentenças dá
condições de uma melhor estabilidade quando do enfrentamento da realidade e sua
concepção de verdade. Para Tarski (2007, p. 149), semântica significa

[...] um sentido mais específico que o habitual. Vamos entender por


semântica a totalidade das considerações que dizem respeito aos conceitos
que, de modo geral, expressam certas conexões entre as expressões de
uma linguagem e os objetos e sentido das coisas a que se referem tais
expressões.

No estabelecimento da semântica para a compreensão da verdade, é


necessário que se tenha cautela, como observa Tarski.170

169 Para Souza Pereira (SRD): “A lógica proposicional é um formalismo matemático através do qual
podemos abstrair a estrutura de um argumento, eliminado a ambiguidade existente na linguagem
natural. Esse formalismo é composto por uma linguagem formal e por um conjunto de regras de
inferência que nos permitem analisar um argumento de forma precisa e decidir a sua validade [1,2,3].
/ Informalmente, um argumento é uma sequência de premissas seguida de uma conclusão. Dizemos
que um argumento é válido quando sua conclusão é uma consequência necessária de suas
premissas. Por exemplo, o argumento: “Sempre que chove, o trânsito fica congestionado”. / ‘Está
chovendo muito’. / Logo, o trânsito deve estar congestionado é válido, pois sua conclusão é uma
consequência necessária de suas premissas”.
170 “Na solução desse problema, podemos distinguir diversos passos. Devemos começar pela
descrição da linguagem cuja semântica desejamos construir. Em particular, devemos enumerar os
termos primitivos da linguagem e fornecer as regras de definição por meio das quais novos termos,
distintos dos primitivos, possam ser introduzidos na linguagem. Em seguida, devemos distinguir as
expressões da linguagem que são denominadas sentenças. Separar os axiomas da totalidade das
sentenças e, finalmente, formular as regras de inferência por meio das quais os teoremas podem ser
derivados daqueles axiomas. A descrição de uma linguagem é exata e clara apenas se ela é
puramente estrutural, ou seja, se empregarmos nela somente conceitos relacionados com a forma e o
arranjo dos signos e das expressões compostas da linguagem. Nem toda linguagem pode ser
descrita dessa maneira puramente estrutural. As linguagens para as quais se pode dar tal descrição
são chamadas de linguagens formalizadas (TARSKI, Alfred. A concepção semântica da verdade.
São Paulo: Ed. Unesp, 2007, p. 151)”.
219

O vocabulário utilizado na exploração do objeto está além da relação


linguagem e objeto, na medida em que as palavras ricas em definição compõem
uma fórmula, para Roman Jakobson denominada metalinguagem, contendo
propriedades imanentes aos objetos.
Compondo, dessa forma, as raízes semânticas das sentenças pela via do
código da metalinguagem. Disso se destacam duas variáveis: a linguagem literal e a
linguagem natural da morfologia e da etimologia das palavras.
A problemática em perseguir as condições de verificabilidade e constatação
da verdade também representa uma problemática no âmago da teoria do
conhecimento. A metodologia científica não garante suficientemente a
verificabilidade e a constatação.
Devendo para tanto ser avaliada, dentro de um processo de certificação dos
conceitos da lógica, da linguagem e da morfologia, para comprovar-se não somente
que semanticamente a verdade atende aos preceitos metodológicos como também a
metalinguagem representa um sistema de linguagem ou sistematização dessa capaz
de conferir a possibilidade de obter-se uma verdade.
A extencionalidade e a intencionalidade das expressões são condições que
compõem constitutivamente a verdade. Não é necessário que uma tenha correlação
com a outra, na medida em que a extencionalidade está para os elementos ou
objetos que compõem uma expressão ou sentença enquanto a intencionalidade está
para o conteúdo informativo de uma expressão ou sentença.
Das composições entre extencionalidade e intencionalidade o conteúdo
material da primeira apresenta-se mais evidente, dada sua carga materialista,
enquanto, no que se refere à intencionalidade, apresenta-se mais fragilizada, o que
vale para os conteúdos essenciais ou de equivalência, essência de sua relação de
comparabilidade.
Acredita-se ser quase um dilema a definição do conceito de verdade e todo
seu contorno em satisfação. Tal situação no campo da semântica é perfeitamente
plausível de enfrentamento, porém é desafio conspíscuo, árduo e que exige
exercício intelectual de nível elevado.
Considerando ser a verdade uma definição com pressupostos e elementos os
quais devem fazer parte de sua estrutura no mundo fenomênico, capaz de dar a
seus atores não somente aceitabilidade, mas tranquilidade em satisfação, explica
Tarski (2007, p. 153-154):
220

[...] o estabelecimento de um modo materialmente correto de utilização dos


conceitos semânticos na metalinguagem. Nesse ponto, dois procedimentos
são levados em consideração. No primeiro, os conceitos semânticos (ou
pelo menos alguns deles) são introduzidos na metalinguagem, como
conceitos novos, primitivos e suas propriedades básicas são estabelecidas
por meio de axiomas. Entre esses axiomas, incluem-se todos os enunciados
que garantem o uso materialmente adequado dos conceitos em questão.
Dessa forma, a semântica torna-se uma teoria dedutiva, independente,
baseada na morfologia da linguagem.

Se essas são as condições para definir o conceito de verdade, é providencial


que o critério ou os critérios estabelecidos sejam suficientemente objetivos e claros
para que se alcancem os fundamentos e os objetivos. Outrossim, sejam tratados
com precisão os aspectos formais e materiais da linguagem estabelecida para tal
fim.
Disso se infere que a concepção de verdade, segundo o critério da semântica,
representa uma das alternativas ou formas instrumentais, metodológicas, empíricas
e lógicas de definir o que é verdade, lastreada a partir de axiomas, o que para o
Direito e a Justiça é ponto nevrálgico.
As concepções pragmáticas da verdade, da coerência, da correspondência
são meios não menos importantes com metodologias próprias, e suas peculiaridades
todas buscam pelo significado do conceito do que venha a ser verdadeiro.
Dentro do campo da semântica, o procedimento recursivo, segundo Tarski
(2007, p. 174-175), representa forma para que a relação de satisfação pela
adequação seja um meio seguro, como bem explicita:

No que diz respeito à noção de satisfação, poderíamos tentar defini-la


dizendo que determinados objetos satisfazem uma dada função se a última
se torna uma sentença verdadeira quando nela substituímos as variáveis
livres por nomes dos objetos dados. Nesse sentido, por exemplo, a neve
satisfaz a função sentencial “X é branca”, uma vez que a sentença “a neve é
branca é verdadeira”. Contudo, fora outras dificuldades, esse método não
está a nosso alcance, pois queremos usar a noção de satisfação para
definir verdade. Para obter uma definição de satisfação, temos, ao contrário,
de aplicar novamente um procedimento recursivo indicando quais são os
objetos que satisfazem as funções sentenciais mais simples. E, então,
enunciamos as condições sob as quais determinados objetos satisfazem
sua função composta pressupondo que sabemos quais objetos satisfazem
as funções mais simples das quais aquela função composta foi construída.
221

Outra questão pertinente que gira em torno da verdade semântica é a de


saber se a proposta disponibilizada pelo instrumental simpático atende ao conceito
de verdade de forma satisfatória. As relações entre a linguagem-objeto e a
metalinguagem são diferentes com relação às respectivas naturezas.
Caso se considere em maior grandeza a estrutura lógica da metalinguagem e
se consiga convolar a linguagem-objeto na metalinguagem, tem-se uma língua de
sobreposição, como esclarece Tarski (2007, p.173-174): “Pois a condição de
‘riqueza essencial’ da metalinguagem se mostra não apenas necessária, mas
também suficiente para a construção de uma definição satisfatória de verdade”.
Isto é, se a metalinguagem satisfaz essa condição, a noção de verdade pode
ser nela definida. Para Tarski (2007, p. 170):

[...] temos que empregar duas linguagens diferentes ao discutir o problema


da definição de verdade e de forma mais geral de quaisquer problemas no
campo da semântica. A primeira dessas linguagens é a linguagem a cujo
respeito se fala, e que é assunto de toda a discussão. A definição de
verdade que estamos buscando aplica-se a sentenças dessa linguagem. A
segunda é a linguagem a qual “a falamos” a respeito da primeira, em termos
da qual desejamos, em particular, construir a definição da verdade, para a
primeira linguagem. Vamos nos referir à primeira linguagem como “a
linguagem objeto” e a segunda como a “metalinguagem”.

Se isso se estabelece entre o campo teórico e o prático, a semântica, ao


menos a priori, resolve a relação entre a linguagem lógica da semântica e a
linguagem do objeto. Em tal simbiose, as propriedades das expressões são
avaliadas e analisadas para definir a verdade, e essa questão implica
inexoravelmente a teoria do conhecimento.
A consistência das palavras e das sentenças está vinculada ao grau de
verdade que elas inspiram, portanto, é na logicidade suprema da linguagem lógica
ou metalinguagem que as demais linguagens se ancoram para se tornarem
acreditáveis.
Isso desmontra o primordial e fiel objetivo da lógica na identificação das
contrariedades ou contradições nas proposições da comunicação e na sua forma
estrutural normativa de sustentação da cognição.
Nas últimas décadas, o estudo da lógica e seus vetores, melhor detalhando,
“lógicas”, se encarregam de dar a essa ciência avanços positivos em variadas áreas
do conhecimento.
222

Proporcionou a essa ciência desenvolver ferramentas para a idenficação de


contradição ao conteúdo tratado, contorná-los e permitir a manutenção do sistema
como é possível coexistir no campo normativo. Cita Oliveira Lima (SRD/P):

O fato de se encontrarem dentro de um mesmo ordenamento jurídico


normas que se contraponham não retira do ordenamento seu caráter
sistemático. Embora haja sistemas em que a contradição entre suas partes
resulta na invalidade de todo o complexo de ideias que os formam – como
um sistema matemático do que toda a sua validade depende da validade de
cada uma das partes que individualmente lhe são integrantes – o sistema
jurídico não perde a sua validade por conter normas incompatíveis entre si,
conforme defende Bobbio.

No ambiente do Direito, insurgem-se téoricos como Alberto Warat e


Fernando Coelho, percursores da escola Crítica Contemporânea do Direito.
Considere-se que essa ciência não tem reconhecimento unânime de sua
comunidade de cientistas como sendo movida por uma lógica meramente dedutiva.
A instabilidade se viu acobertada por um longo período pela não mais
sustentável posição de Luhman em seus ensinamentos sobre a autopoiese, como
esclarece trecho do artigo de autoria de Ramos:

A concepção luhmanniana representa uma cisão com o modelo clássico de


ciência, que pretendeu descrever a vida social orientando-se pela ideia de
insatisfação com a realidade, tão característica dos séculos XIX e XX, para,
na espera de um melhor futuro, fundamentar suas teorias sociais na ideia de
evolução da civilização, sendo o homem o operador central desse sempre
aperfeiçoamento da sociedade. (RAMOS, 2014, p. 10)

Esclarece-se que a contradição do sistema lógico-juridico e sua superação


pelo salvamento cotejado por uma ideologia absolutista de sistema jurídico que
cultivou por décadas uma concepção de perfeição do Direito e da Justiça em nome
da ordem, da crença das verdades hermeneuticas, da crença da objetividade das
normas e o consolo providencial embalado pelo microssistema social de seus
operadores não convenceu em legitimidade satisfatória, uma vez que o projeto
idealizado pelas Constituições, inclusive no caso brasileiro, não alcançou plena
concretização material.
Entre as lógicas que realizaram aparição no cenário do Direito, os esforços da
lógica deôntica capitenada por Von Wright também não alcançou resultados plenos,
como se tratará em outras passagens para melhores esclarecimento.
223

O dinamismo superior cujo objetivo visa à eliminação da contradição e que no


ambiente normativo é tratado como antinomia normativa absoluta ou aparente – cujo
encargo da resolução sempre ficou a encargo da inteligência humana – passou a ser
contornado pela inteligência de outros estudos lógicos não clássicos tais como: a
lógica boolena e o normative sistemy,com o escopo estratégico estrutural de
sistematização do Direito com sua axiomatização.
É importante frisar que secularmente a espécie humana gerou e vem gerando
grandes esforços em aproximar a lógica da cognição jurídica, a fim de sistematizar
semelhante fenômeno social.
Para as ciências jurídicas, ou melhor, no âmbito do Direito e da Justiça, tem-
se constatado que a verdade por vezes se perde no meio da sedução da
argumentação retórica ideológica ou simplesmente se esconde sob algum
subterfúgio recursivo hermenêutico da linguagem, em que bem sabem manobrar
seus protagonistas operadores, o que seria coerente identificar como porosidades
ou lacunas axiológicas do sistema jurídico.
Além do que deve ser contabilizado, a complexa linguagem e comunicação,
destaque-se o declínio qualitativo na formação intelectiva da espécie humana por
seus vários fatores de influências e de interesses.
Parafraseando Baudrillard em sua obra Simulacros e Simulação, afetaram a
marcha do desenvolvimento da espécie humana, pois já seria uma geração
representada por modelos de um real sem origem nem realidade.
O estudo e a preocupação detidos desvelam-se a importância; nesse
processo têm destaque o contributivo registrado pela filosofia e as demais cognições
que encontramos quando a lente da visão intelectual põe-se focada a esses fins e
meios.
O auxilio da lógica no Direito sempre esteve presente, o que estimulou a
fertilização do surgimento das lógicas não clássicas, embora não detalhadas em
decorrência dos limites do trabalho.
É inevitável não as mencionar, tais como as lógicas desviantes, fuzzy,
monotônicas ou derrotadas, paraconsistentes, complexas, não reflexivas, superiores
e outras as quais empreenderam técnicas cognitivas para a aproximação de um
sistema normativo lógico em total aderência com realidade fática social.
224

Essas ideias acabaram por refletir na tecnologia da informática jurídica e


todos os seus desdobramentos, no acompanhamento do raciocínio, inclusive no
recorte probatório da formação da convicção do ato decisional do Estado/Juiz.
Tensionado pela lógica clássica das premissas e conclusões idênticas e o
estranho contraste entre o mundo e suas exceções, que comprovavam que a lógica
dedutiva não poderia assumir uma posição polarizada em superioridade.
Portanto, na arena da Justiça a prova do Direito invocado e sua produção
também registraram fases, formas e modelos de desenvolvimento que se
amoldaram ao contexto histórico.171
O contexto histórico e a liturgia do período tratado, além de facilitarem a
compreensão para o entendimento, ainda servem para confirmar que a verdade era
uma convenção estabelecida pela comunidade, mas que respeitava toda uma
estrutura de linguagem lógica.
Isso para estabelecer a comunicação com o mundo. Observa-se que, no
período das ordálias, a verdade tinha sua comprovação pela superação de um ato e
não a comprovação de sua realização ou existência.
Em evidente evolução, tem-se a superação do período das ordálias pelo
período longabardo, tratado por Taruffo em sua obra Uma simples verdade – O Juiz
e a construção dos fatos que sumariamente estrutura a busca da verdade pela
apuração das provas e com isso tende à descoberta a partir de métodos lógicos
como o desnudamento da verdade.
Taruffo traz com sua produção intelectual luz suficiente para a orientação e a
adequação do entendimento da verdade de interesse jurídico nesse período,
colocando-o em diálogo, porém, com Juan Pablo em sua assertiva afirmativa sobre

171 Como bem ilustra Taruffo: “Na acepção moderna do termo esses eram certamente irracionais,
sendo fundados em um ato de fé relativo à intervenção divina. Tal avaliação, todavia, corre o risco de
ser eivada pela Buskschluss, ou seja, pelo erro habitual consistente em interpretar eventos passados
de acordo com critérios modernos. Em realidade, os ordálios podem parecer altamente racionais, no
sentido de que eram coerentes com a cultura dos contextos sociais circundantes naqueles tempos; a
vida cotidiana das pessoas era dominada pelo sangue e pela violência e estava profundamente
imersa em um mundo repleto de milagres, santos, demônios, bruxas e magos em uma cultura desse
gênero, denominada pelo enchsntment, a concepção de que o divino pudesse desempenhar um
papel importante na determinação da vida dos seres humanos, podia parecer profundamente
justificada. Mais especificamente, não havia qualquer extravagância em pensar que Deus devesse
intervir na determinação do êxito dos eventos importantes como as controvérsias judiciárias: o ordálio
era visto como a “liturgie d’um miracle judiciare”, que se realiza através de uma apreuve, ou seja,
através da superação de uma prova, e não da produção probatória na acepção moderna do termo
(TARUFFO. Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos; tradução Vitor de Paula
Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 20)”.
225

“o reforço da anterioridade” no campo probatório no uso da lógica dedutiva, revela


uma Justiça sensivelmente evoluída.
No entanto, essa conclusão habita a incerteza da concatenação estrutural das
provas – concepção de conjunto –, em que uma simples falha do processo (relação
entre antecedente e consequente) reflete na conclusão.172
Essa postura minimiza os riscos de afastamento da verdade na orla judiciária
e os fatos como objeto ou elemento de sopesamento para a aplicação do normativo
exigem esclarecimento. É importante ainda destacar que como os fatos não são
extraídos em tempo real, sua reconstrução pelos operadores do Direito dá-se por
intermédio de narrativas, portanto, é através delas ou em meio a elas que a verdade
é obtida.
A lógica nesse processo, vale relembrar, sempre esteve aliançada a testar e a
verificar a validade do argumento na construção dessa verdade. Na atmosfera
processual, a sistemática limita-se ao ônus da prova e à sua produção, sendo assim,
para se comprovar o Direito que socorre a situação de fato, em verdade não é o fato
em si que se defronta, mas o fato hipoteticamente reconstruído, a partir de uma
narrativa e das provas produzidas para a sua sustentação, como esclarece
Taruffo.173

172 Taruffo, em trabalho de sua lavra sobre a “Motivação da Sentença Civil”, é esclarecedor: “Importa,
ainda, sublinhar a característica, normalmente não considerada de forma adequada, de
instrumentalidade das formas lógicas, bem como rejeitar a difundida tendência de considerar a
estrutura das formas lógicas como intimamente vinculada e determinada pelas matérias a que vêm
aplicadas. A consequência imediata disso é que a estrutura lógica não é característica intrínseca do
objeto, mas somente um instrumento de que se vale quem estuda determinado objeto, de modo que
a instrumentalidade da lógica significa função heurística estruturante da lógica diante do objeto. Que
as formas lógicas não são mais do que instrumentos, de outro lado, implica ulteriores consequências:
a primeira é que quem utiliza a lógica pode escolher o instrumento mais adequado às próprias
exigências e as do objeto estudado; a segunda é que o uso das formas lógicas é elástico, não
impositivo e não determinado; a terceira é que o uso de uma forma lógica não acrescenta em nada o
objeto a que é aplicada, servindo apenas para de fazer emergir certa estrutura racional. / Existem,
porém, limites dentro dos quais a lógica pode ser validamente aplicada, que se impõem igualmente
ao juiz. Esses, contudo, não dizem respeito à natureza do raciocínio do juiz, mas vertem sobre o uso
que o juiz faz dos instrumentos lógicos ao longo das diversas fases da sua atividade
(independentemente da respectiva natureza intrínseca), articulando-se essencialmente em três
direções. A primeira atine à escolha das formas lógicas mais adequadas ao material conceitual a que
devem ser aplicadas: seria, por exemplo, incongruente o uso de inferências dedutivas não se
dispondo de premissas gerais, o uso da lógica demonstrativa em um procedimento heurístico, a
aplicação de estruturas formalizadas a dados não formalizados e assim por diante (TARUFFO.
Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos; tradução Vitor de Paula Ramos. São
Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 140)”.
173 “Portanto, a pretensão de veracidade é típica das narrativas dos advogados (como muitas de
outras narrativas), independente do fato de que em realidade sejam verdadeiras ou faltas. Entretanto,
visto que uma pretensão de veracidade não é equivalente à veracidade de um enunciado, a história
que o advogado narra em relação a um fato da causa não é outra coisa senão uma história hipotética
226

Assim, a condição da verdade é condição do fato e sua real descrição,


acompanhadas das provas que embasam as razões da hipótese narrada. Disso se
infere talvez que os problemas da verdade no meio em que habita a espécie
humana residem na confusão entre fato e valor (axioma), em que esse tende a
distorcer e a influenciar, muitas vezes negativamente na apuração da verdade do
fato. Segundo Lévy (2011, p. 155):

Parece que apenas levamos em conta, nos nossos raciocínios, aquilo que
enquadra em nossos estereótipos e nos esquemas preestabelecidos que
usamos normalmente. Muito mais que o conteúdo bruto dos dados, nosso
humor no momento e a maneira pela qual são apresentados os problemas
determinam as soluções que adotamos.

No ambiente jurídico, a relação correspondencial para o alcance da verdade


ainda tem posição privilegiada, embora não absoluta, ante as condições da natureza
da espécie humana, que exige a estabilização da previsibilidade e da certeza.
Isso se dá porque a prova produzida com a participação da inteligência
humana busca magnetizar a verdade defendida, ou, simplesmente, corre-se o risco
de se ter uma narrativa eloquente, coerente e persuasiva, porém ontologicamente
sofista.
Essa carga valorativa imposta argumentativamente, mesclada a partir dos
fatos, revela-se muitas vezes distorcida da verdade, porém filiada à falsidade.174
A compreensão e o entendimento dos fatores envolvendo a verdade no
campo do Direito e da Justiça representam historicamente objeto de interesse

sobre aquele fato. Essa hipótese é apresentada como verdadeira, mas isso nada mais é do que uma
hipótese: a veracidade ou falsidade será estabelecida posteriormente, no curso do processo e na
adesão final. Nos termos da teoria dos atos linguísticos, essas teorias pertencem à categoria dos atos
ilocutórios, casterizados por uma função assertiva ilocutória. Com efeito, são construídas por
assertivas, ou seja, por enunciados que pretendem afirmar proposições verdadeiras que, descrevem
fatos com uma word-to-word direction fit (TARUFFO. Michele. Uma simples verdade: o juiz e a
construção dos fatos; tradução Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 68)”.
174 Segundo Taruffo, “Em geral a ideia de uma narrativa “boa” é obscura e ambígua, visto que uma
narrativa pode ser boa em função de escopos diferentes. De qualquer modo, é bastante fácil
estabelecer quais são os requisitos de uma boa narrativa processual: ela deve ser plausível, coerente
com o stock of knowledge típico da plateia a que se destina (e, portanto, “familiar” para essa),
narrativamente, coerente – e, pois, persuasiva. Todavia, uma objeção decisiva a essa teoria – assim
como a qualquer teoria da verdade fundada na coerência do texto – é que narrativas coerentes e
persuasivas podem ser completamente falsas. Para dar-se conta disso, basta pensar em um
testemunho, que pode ser narrativamente coerente, mas falso, ou em uma sentença, que pode ser
justificada de modo coerente, sem corresponder às provas e, portanto, à realidade dos fatos: trata-se
de claros exemplos da distinção fundamental entre a coerência (ou a persuasão) das narrativas e sua
veracidade (TARUFFO. Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos; tradução
Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 89)”.
227

científico ao estudo da verdade nesse ambiente. Trata-se de pressuposto decisivo a


traçar uma linha compreensiva entre a tradição e a modernidade nos estudos da
realidade cognitiva das ciências jurídicas.
Como veremos, passa, a partir do final do século XIX e início do XX, a ter
maior atenção das lógicas como disciplina filiada à Filosofia do Direito. No mais, o
magistério de Taruffo releva-se oportuno e esclarecedor (2012, p. 31):

O estudo da lógica foi, na realidade, um aspecto fundamental da cultura


medieval: na famosa definição de Abelardo, talvez o maior professor do
século XII, a lógica era discretio veritatia, ou seja, a ciência das ciências,
que permitia distinguir a verdade. A tradição lógica medieval começa,
segundo a opinião comum, com Severino Boécio. Ele foi bastante
conhecido pelo De Consolatione Philosophine (que escreveu no cárcere em
Pávia, pouco antes de ser assassinado), mas foi conhecidíssimo como autor
de várias obras de lógica e como tradutor dos mais importantes livros de
lógica escritos por Porfírio, Cícero e, em particular, Aristóteles. O corpus
dessas obras constitui assim a chamada lógica vetas, que foi estudada por
séculos nas escolas Medievais. No início do século XII, teve início uma
importante mudança no estudo da lógica; essa continua, nas décadas
sucessivas, com as obras de grandes filósofos como Abelardo, Pedro
Lombardo e Hugo São Victor. Trata-se da formação da assim chamada
lógica modernorum, que inclui outras partes das obras de Aristóteles (a
chamada lógica nova) e que continuou na segunda metade do século.
Obviamente tais referências, mais do que sintéticas, não pretendem dar
uma ideia adequada da infinidade de problemas, discussões, obras e
traduções que caracterizam o estudo da lógica no período em questão:
contudo, talvez bastem para sugerir a riqueza da tradição e do
desenvolvimento dos estudos de lógica, bem como a importância que tal
estudo teve na Building, cultural do homem Medieval, em particular do
jurista.

Todo esse arcabouço histórico sinaliza objetivamente a constatação de uma


agenda marcada pelo desenvolvimento de novas concepções acerca da descoberta
da verdade.
A sobreposição das razões é tema que ainda será tratado, pois, embora a
lógica com a modernidade de outras vertentes tenha se encarregado de
consubstanciar outras modalidades, a relação entre lógicas, tecnologias e o jurista
tem sido delimitada por resistências da própria tecnologia estrutural intelectual da
espécie humana.175O avanço do homem, parafraseando Francis Wolff, tem seu

175 Como ilustra Oliveira Lima (SRD/P): “Para ilustrar o problema relativo ao tratamento lógico do
Direito, é possível reproduzir os motivos pelos quais Kelsen nega ser o Direito, entendido como
norma jurídica, analisável pelo ponto de vista lógico-formal. Segundo o jurista austríaco, uma norma
jurídica possui conteúdo prescritivo, e, como tal, insuscetível de ser avaliada em termos de verdade
ou falso, muito embora possa ser válida ou inválida em relação ao ordenamento jurídico que a
contém. Faltando às normas a possibilidade de avaliação em termos de veracidade, todo o acervo
científico construído em torno das proposições lógicas não se lhes aplicaria diretamente. Daí dizer
228

saber condicionado ao limite do desenvolvimento da natureza de sua espécie, nada


além desse espectro (normativo do conhecimento) e do enfrentamento dessa
realidade em seu cotidiano.
Mesmo assim, esse repertório traz historicamente uma indelével marca de
uma medida de responsabilidade contida em suas mãos no que tange aos
elementos probatórios comprometidos com a descoberta da verdade.
Dissipa-se, de qualquer forma, o caráter místico e pouco seguro com as
coisas reais. No ambiente jurídico, germina com maior vigor a relevante importância
de que as decisões sejam seguras, sendo que para isso a produção do Direito e da
Justiça como um todo exige que aconteça em um sistema que contenha os atributos
da verdade para que sejam compatíveis com viabilização da segurança pretendida.
Parafraseando Taruffo, a decoberta da verdade é tida como demonstração da
racionalidade do homem ou ao menos de uma determinada racionalização
esquemática, em que os envolvidos tenham condições de analisar as informações e
os dados, valendo-se dos conhecimentos da lógica, da filosofia e de outras
cognições para certificar-se da veracidade fática de interesse jurídico.
Esse é o programa utilizado pela espécie humana no desenvolvimento de
suas convicções para a construção das certezas de suas verdades. Mas essa “lilás”
afirmação não é nem tão simples nem tão certa.176Para o Direito e a Justiça, tem-se

que o Direito e lógica formal são temas imiscíveis. / O rechaço kelseniano à análise lógica do Direito
não impediu que, no século XX, inúmeros autores se debruçassem sobre o tema e produzissem uma
extensa bibliografia. Von Wright, considerado uma referência nos estudos da lógica deôntica,
desenvolveu um amplo estudo sobre a lógica das modalidades de obrigação, permissão e proibição
aplicável, em particular, ao Direito e, de modo geral, às normas. [...] Uma das grandes dificuldades
em conferir um tratamento lógico ao Direito reside no fato de ser a expressão proposição empregada
de diferentes maneiras pelos estudiosos que se propõem a analisar o tema. É justamente por tal
constatação que a melhor porta de entrada para se analisar os conflitos normativos é, seguindo o
caminho trilhado por Bobbio, a diferenciação entre proposições prescritivas e descritivas. Dessa
forma, incialmente é oportuno considerar que os motivos lançados por Kelsen para refutar o
tratamento lógico do Direito não levaram em consideração o fato de ser possível entender as normas
jurídicas a partir de proposições, mas proposições de um tipo especial, a saber, as prescritivas (LIMA,
Gernica Ângela Borém de Oliveira. Modelo de categorização: apresentando o modelo clássico e o
modelo de protótipos. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 15, n. 2,
mai./jun.2010, p. 108 Disponível em:
<http://www.brapci.ufpr.br/documento.php?dd0=0000009070&dd1=92ef2>. Acesso em: 10 abr.
2013)”.
176Para Lévy, “É possível que não exista nenhuma faculdade particular do espírito humano que
possamos identificar como sendo a “razão”. Como alguns humanos conseguiram, apesar de tudo,
desenvolver alguns raciocínios abstratos, podemos sem dúvida explicar este sucesso fazendo apelo a
recurso cognitivos exteriores ao sistema nervoso. Levar em conta as tecnologias intelectuais permite
compreender como os poderes de abstração e de raciocínio formal desenvolveram-se em nossa
espécie. A razão não seria um atributo essencial e imutável da alma humana, mas sim um efeito
ecológico, que repousa sobre o uso de tecnologias intelectuais variáveis no espaço e historicamente
229

mostrado mais coerente para seu acerto em previsibilidade, funcionalidade,


agilidade, segurança e utilidade a detenção de uma estrutura preconcebida com
pressupostos conceituais predefinidos para que possa otimizar a análise e a
avaliação entre a diversidade de fatos, os que são de interesse do mundo jurídico e
a equação de juridicidade a ser extraída do abstrato mundo normativo.
O tipo de verdade que se busca da Justiça, pode ser distinto de outras
verdades, porém não se revela coerente deixar de fazer com que as verdades
possam dialogar, para que haja não somente o envolvimento das cognições, mas o
estímulo para o desenvolvimento de uma verdade mais coesa e convincente do
ponto de vista da previsibilidade e da segurança.
Para isso, é preciso dar organicismo e tenacidade em coerência, o que pode
ser obtido por intermédio de outra razão, ou seja, da razão lógica e suas espécies
em coesão com a epistemologia da Inteligência Artificial, que se vale de todo avanço
secular das ciências lógicas e das demais ciências cognitivas em busca de
compreender, explicar e auxiliar a espécie humana de forma ampliativa, em todos os
sentidos afins. Uma espécie de transumanismo.
Por trás da programação da intelectualidade da espécie humana, existe uma
linguagem e uma sistemática capazes de reproduzir seu conteúdo cognitivo, pois o
homem representa uma tecnologia produtora de inteligência humana, porém a
evolução da tecnologia tem permitido pelo viés da lógica ou das redes neurais de
conexão permitir que a inteligência intelectual humana trabalhe em projetos
transumanos. Eles visam garantir a essa espécie a utilização de outras tecnologias,
a fim de produzir melhoramento e desenvolvimento e, a partir desses, a
concretização de realizações ideológicas não obtidas ainda, dadas suas próprias
condições limitativas.

datadas (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da


informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 154)”.
230

Os avanços e os estudos das ciências lógicas e suas ramificações


conectaram-se com outras tantas ciências tais como Inteligência Artificial, Liguística,
Neuroliguística, Neurociência, Neurofísica, Neurobiologia, Matemática, dentre outras
que compõem uma nova, ampla e progressiva plataforma de produção e reprodução
de conhecimentos, a partir de uma programação computacional eletronizada, cuja
base advém da produção dialógica de outras ciências.
No campo da lógica, tem-se a concepção clássica marcada pela lógica modal
perquerindo a lógica deôntica, a normative systemy, a lógica booleana, a lógica
fuzzy e outras, no sentido de demonstrar não somente o avanço, mas o nível de
desenvolvimento que as lógicas atingiram em busca de atender à comunicação entre
o homem e a máquina de forma mais profunda na zona em comum de
processamento de dados e informações. Lévy (2011, p. 157-158):

Existem, porém, outras tendências em inteligência artificial. Os


pesquisadores da corrente conexionista baseiam-se muito mais no
funcionamento do sistema nervoso do que nas regras da lógica formal.
Segundo os conexionistas, os sistemas cognitivos são redes compostas por
um grande número de pequenas unidades que podem atingir diversos
estados de excitação. As unidades apenas mudam de estado em função
dos estados das unidades às quais estão conectadas. Todas as
transformações na rede têm, portanto, causas locais e os efeitos se
propagam pelas proximidades. Para os conexionistas, o paradigma da
cognição não é o raciocínio, mas sim a percepção.

As lógicas e as tecnologias embarcadas no âmbito do Direito e da Justiça têm


sinalizado um sentido incomum ao habitat dos operadores das ciências jurídicas. O
desenvolvimento da tecnologia e sua ainda incomensurável potencialidade de
avanço têm aproximado o Direito e a Justiça de outras ciências.
Ainda que com muita resistência, os estágios de armazenamento de dados e
informações e a respectiva gestão estão em seus estágios limites.
Isso indica fissura de uma nova etapa da tecnologia em inteligência do Direito
e da Justiça. Ao que parece ser um acontecimento a ser definido por uma politica
judiciária do Estado, que subjaz aos interesses econômicos e sociais à luz dos
Direitos e das Garantias Constitucionais geridos por esse, a partir dos interesses
coletivos sociais (coletividade macro), em um típico comportamento de Democracia
participativa.177É bem verdade que é impossível fazer ciências de uma única ciência,

177Para Lévy, “O conhecimento das entranhas de uma máquina ou de um sistema operacional será
então usado com o objetivo de tornar o produto final amigável. O virtuosismo técnico só produz seu
231

pois seria pueril pensar que os mágicos das ciências gozariam desse status ao nutrir
uma única e exclusiva competência científica a dar base a sua cognição. A
informática jurídica ou a tecnologia jurídica pelos meios computacionais cibernéticos
demarcam novos tempos em seu estágio.
O avanço dessa cognição não pode ser asfixiada, é necessário que a
inteligência como não atributo exclusivo da intelectualidade humana possa revelar-
se em outras formas de tecnologia e isso registre uma nova etapa da história do
Direito.178

efeito completo quando consegue deslocar os eixos e os pontos de contato das relações entre
homens e máquinas, reorganizando assim, indiretamente, a ecologia cognitiva como um todo.
Separar o conhecimento das máquinas da competência cognitiva e social é o mesmo que fabricar
artificialmente um cego (o informata “puro”) e um paralítico (o especialista “puro” em ciências
humanas), que se tentará associar em seguida; mas será tarde demais, pois os danos já terão sido
feitos”. E arremata o mesmo autor: “Aqueles que lançaram a microinformática ou groupware não são,
de forma alguma, “técnicos puros”. Deveríamos, antes, considerar os grandes participantes da
“revolução da informática” como homens políticos de um tipo um pouco especial. O que os distingue é
o fato de trabalharem na escala molecular das interfaces, lá onde se organizam as passagens entre
os reinos, lá onde os microfluxos são desviados, acelerados, transformados, as representações
traduzidas, lá onde os elementos constituintes dos homens e das coisas se enlaçam (LÉVY, Pierre.
As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos
Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 55)”.
178 Para Guibourg: “Julia Barragán, em su reciente artículo para la Enciclopédia Iberoamericana de
Filosofia, distingue para la informática jurídica dos enfoques: los que denomina como
“dominantemente computacional” y de “equilíbrio entre las esferas”. El primero encara al derecho
como un mero campo de aplicación de la informática y busca “algoritmos que se aplicam sin
restricciones sobre una masa de datos sin forma”. En este sentido, los juristas, “como resultado del
pecado original de expresarse em su próprio linguaje, y de razonar conforme a sus propios patrones,
parecen condenados a no disfrutar nunca plenamente de todas lãs maravillas que la informática
despliega ante sus ojos asombrados”. Em el segundo enfoque, en cambio, “la ciência de
lacomputación desa de ser ele referente inamovible cuya certeza no se pone em duda, para
convertirse em un território permanentemente sujeto a criticas, refinamentos y validaciones, los cuales
derivan necessariamente de “a esfera jurídica” y se vinculan “con la necesidad de producir una
transformación del entorno em el que se producen las inferências y las decisiones, jurídicas, com la
finalidade de que lãs mismas posean la mejor base argumental alcanzable”. Em este contexto, las
características conocidas del linguage del derecho (“la textura aberta, el caráter vago de algunas
palavras y, fundamentalmente, su semântica”) como son defectos o errores que hay que corrigir, a
qualquier precio para llegar, a perfilar, um buen conjunto, de aplicación de los algoritmos, sino que
ellas mismas constituyen condiciones que generan un poderoso estimulo em la definición de
estruturas de datos interesantes y compleyas, semanticamente conformadas desde um punto de vista
jurídico”. Destaca la misma autora que la “posibilidad de que exista más de una respusta correcta,
según Sean los antecedentes que se seleccionen para tornar la decisión (...) no constituye una
herejía que haja que exorcizar rapidamente, sino que siendo el rasgo típico de lo que se conoce
como, interpretación, de Derecho, deve ser preservado em la estructura de los datos””. E
complementa a mesma autora (1998, p. 191-192): “Em el Congreso Mundial de 1995, Daniele
Bourcier formuló una advertência: “escribir un sistema experto es codificar el derecho”. Y explicaba
que “tanto los modos, de eleboración de los sistemas de información legal, como la codificación,
forman parte de los modos de racionalización de la producción jurídica”, ya sea em el momento de la
redacción de los textos, o em el de su aplicación. Segun Bourcier, los instrumentos deben ser
coherentes (concentración de material jurídico), manejales (incluir unicamente disposición normativa),
tener uma estrutura lógica, estar escrito em un linguaje claro, suprimir las dificultades de
interpretacción y, finalmente, ser completos em relación com la matéria tratada (GUIBOURG, Ricardo
232

No ambiente do Judiciário, o destaque no uso da tecnologia é


indubitavelmente a mudança de forma pela qual os serviços jurídicos ganharam
outra roupagem, isto é, as velhas e antiquadas máquinas de escrever cederam
espaço aos computadores, tablets, laptops, smathphones, impressoras, scanners
dentre outros aparatos tecnológicos.
No Brasil, com o advento da Emenda Constitucional 45/2004 e da Lei
11.419/2006, o sistema passou a conviver com um processo um pouco mais
sofisticado e não só no uso de equipamentos tecnológicos, mas também como
instrumento de registros de dados e informações e os respectivos fluxos.
Iniciou-se a partir de então o transporte de informações e de dados pelas
redes digitais. Passaram os procedimentos e os processos a ser realizados com o
uso de certificação digital e os atos de peticionamentos, os protocolos e outros
passaram a afastar-se do tradicional mundo dos papéis, concentrando-se no
admirável mundo tecnológico digital de dados e informações.
O que se registrou nestes longos dez anos de Emenda Constitucional 45/04 e
ainda se arrasta no tempo, exceto a reclamação e a resistência dos profissionais do
Direito no uso da tecnologia para a prática dos atos forenses, principalmente com os
problemas causados pelas competências e pela territorialidade das cortes que
encontra forças dada a ausência de um sistema integrado e unificado nacional em
tecnologia judiciária. Noticia Lévy (2011, p. 118):

É grande a tentação de condenar ou ignorar aquilo que nos é estranho. É


mesmo possível que não nos apercebamos da existência de novos estilos
de saber simplesmente porque eles não correspondem aos critérios e às
definições que nos constituíram e que herdamos da tradição.

Em um horizonte mais avançado no uso das lógicas e das tecnologias


avançadas, é possível, hoje, que os dispositivos legais passem a ocupar repositórios
cujas inferências e reflexões jurídicas sejam feitas por intermédio de algoritmos
inteligentes e que desse processo advenham decisões judiciais mediadas pelo uso
da tecnologia, como demonstram estudos e experiências da cultura norte americana,
citados na pesquisa.

A. Bases teóricas de la informática jurídica. Doxa, n. 21, II, 1998, pp. 189-200. Disponível em:
<http://www.biblioteca.org.ar/libros/142002.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2015, p. 190)”.
233

O advento da internalização da Instauração do Incidente de Resolução de


Demanda Repetitiva permite que os precedentes forjados a partir da tese fundada
no dispositivo do Direito possam utilizar – por meio de plataforma em interface
tecnológica – a captação dentro do sistema, a partir de uma programação em
categorização e classificação dos casos de identidade homogênea para a aplicação
do mesmo Direito.
Essa forma ou modelo de racionalização normativa decerto não poderá
afastar-se dos Direitos e das Garantias Fundamentais, bem como, com sua objetiva,
clara e precisa programação tecnológica, alcançar o acesso de forma mais célere,
porém, com efetiva segurança dos meios e resultados, além de no plano material,
dar ao Direito e a Justiça uma aplicação isonômica.
A instabilidadeno meio jurídico é perplexa porque o saber tem relação com o
grau de desenvolvimento da espécie em que ele é mensurado, no entanto, no caso,
a espécie humana não pode esquecer-se de que um sistema com semelhantes
características poderá superá-lo em efetivo afinamento com seus interesses afins.
Todavia terá que ser realizado pela participação da inteligência humana,
considerando que essa ainda representa fator decisivo no plano motricial das
descobertas e inovações no processo de evolução dessa espécie.
Os juristas, de uma forma geral, historicamente tomaram o Direito e a Justiça
como um monopólio de construção intelectual genuinamente humano, como em
breve se extrai de Alicante no repositório Doxa, em entrevista a Mário Lozano.
A falta de interesse pela informática jurídica e o uso da tecnologia noticiada foi
um comportamento natural de todas as épocas dentro do enigmático e enclausurado
mundo acadêmico e profissional do Direito, segundo Atienza (2004, p. 376-377):

Durante 35 años he tratado de introducir la informática jurídica en sentido


amplio (que incluye tambien el Derecho de la informática) en la Università
degli Studi de Milan, en donde enseñé desde 1969 hasta 2004, pero con la
única excepción de Renato Treves siempre encontre um disinterés total por
esa enseñanza. Ni siquiera dos mandatos como presidente del centro de
cálculo de toda la universidad abrieron una brecha em esa muralla. La
pasión intelectual me transformó em pusher acadêmico: durante años he ido
despachando módicas cantidades de informática jurídica bajo la cubierta de
la teoria general del Derecho.
234

Da importante entrevista realizada por Atienza ao Preceptor/Informata Mario


Lozano ainda é possível em extenso trecho haurir os aspectos históricos do uso da
tecnologia no ambiente jurídico e os caminhos trilhados na trajetória do ius
cibernetico.179Um fator que não pode ser desconsiderado após o retrospecto de uma

179 “Espero haber hecho contribuciones tanto teóricas como practicas a la informática jurídica em
Italia. Em el plano teórico, como perteneciente a la primera generación de juristas informáticos – es
decir, la que tuvo que “inventarse” la disciplina –, he tratado de distinguir la aplicación de la
informática al Derecho (es decir, la informática jurídica en sentido estricto), de la aplicación del
Derecho a la informática (es decir, el Derecho de la información), una disciplina técnica, la primera, y
jurídica, la segunda. Esta organización de la disciplina que estaba nasciendo, ya anunciada em la
Giuscibernetica de 1969, tomo cuerpo luego en mi corso de informática jurídica: en 1971, la primera
edición constaba de un solo volumen; en 1981, los dos volumenes de la segunda edición introducian
una distinción que luego se afianzaria, pues se dedicaba, en uno a la Elaborazione dei dati non
numerici traducido al espanhol en 1984 por Aguiló, Atienza y Ruiz Manero), y outro al Diritto dell
informática. En 1984, esta segunda edición se completo conL’analisis dele procedure giuridiche, en
donde proponia una edición de las normas compatibles com la informática. Enfin, en 1985-86
publiqué los tres volúmenes que sistematizaban toda la matéria: um volumen técnico, Informática per
lês cienze social, y dos volúmenes jurídicos, II diritto privado dell’ informática y II diritto público dell’
informática. Después de esta fecha, la rápida evolución tanto de la tecnologia como del Derecho há
hecho imposible una atualización de este trabalho por parte de una sola persona. / Em el plano
práctico, mis realizaciones se refieren, en primer lugar, a los bancos de datos jurídicos, tanto
legislativos como judiciales. Nació así, en 1973, el primer banco de datos legislativos de Lombardia,
destinado sin embargo a divolverse al passar de fase experimental y la de gestión. Este era el
problema típico de aquellos inicios: los protipos geniales no se transformaban casi nunca em servicios
para el ciudadano y hoy, em elfondo del Gran Mar Océano de la informática Jurídica, yecen muchos
galeones con sus bodegas llenas de ideas doradas y olvidadas. Por ello, la pasión por las
(demasiadas) novedades tecnológicas no debe hacer olvidar la historia de la informática jurídica: en
treinta años, los problemas jurídicos a resolver han quedado com frecuencia inalterados, de la misma
manera que las soluciones pioneiras del pasado, todavia pueden oferecer indicaciones útiles incluso
en tempos de tecnologias pasmosas. Em aquel banco de datos legislativos en línea coloqué en 1987
el primer CD-ROM italiano con sentencias de segundo grado del área milanesa. Puesto que ese
banco de datos judiciales no en línea iba por delante de su mercado potencial, su contenido se hizo
desembocar em el sistema Italgire de la Corte de Cassazione. / Esas realizaciones prácticas no
habrian sido posibles sin los constantes contatos com las casas constructoras de ordenadores, que al
comienzo de la era informática también eran productoras de los programas a ejecutar. Seguí los
primeiros cursos de programación em la sociedade Honeywell, colaboré com la sociedade IBM (que
puso a mi disposición personas, programas y tempo-maquina para realizar los primeros proyectos de
information retrieval legislativa, em los años setenta), y tambien con Olivetti y com Univac. Pero la
colaboración, mas duradera y el recuerdo mas intenso están ligados a la rama informática de la
sociedade Siemens, donde encontré durante años um incomparable ambiente de trabajo y de
investigación, em Italia y em Alemania. Bajo las alas de “Mamá Siemens”, nacieron no solo lãs
aplicacines al Derecho, a las bibliotecas e a los catastros, sino también mis libros sobre la historia del
calculo mecânico: las monografias sobre Lebniz, Babbage, Scheutz y Zuse publicadas por la editorial
EtasKompass, al principio como inteligentes aguinaldos empresariales para Navidad, y después como
volúmenes distribuídos también em lãs librerías. Entre los años setenta y ochenta se perfilo em el
horizonte y se desvaneció tambien el sueño del ordenador europeo, cuando las empresas europeas
rataron de colaborar constituyendo la sociedade “Unidata”, muy pronto deshecha por los corrosivos
intereses nacionales. El “ordenador europeo” no vió la luz y, en particular, Italia perdió el tren de la
informática: Lorenzo Soria, se doctoró conmigo presentando la tesi”Informática, ocasión perdida”,
publicada en 1979 por Einaudi. De esos años de provechoso trabajo, pero también de ilusiones hoy
casi olvidadas, me quedan los proyectos realizados y, cosas raras, los vínculos de amistad
robustecidos em un ambiente de trabajo para mi irrepetiblemente constructivo (ATIENZA, Manuel.
Entrevista a Mario Losano. In: DOXA. Cuadernos de Filosofia del Derrecho, n. 28, 2004, p. 374.
Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/viewFile/37405/22975>. Acesso em:
14 ago. 2015.)”.
235

vida, ou melhor, de uma carreira incessante extraído da entrevista de Lozano nas


cercanias da introdução da tecnologia no ambiente do mundo do Direito e da Justiça
é a de que não somente o fato de a tecnologia se revelar estranha ao mundo das
normas, mas estranha aos seus maiores expoentes (comunidade de cientistas).
Da existência de uma tensão política e jurídica aplicada que envolve a
estrutura do Poder Judiciário diante da questão da mutabilidade que possa gerar a
influência da tecnologia no ambiente de como será o judiciário e não de uma
preocupação semântica do porquê da tecnologia no mundo do Direito e da
Justiça.Embora discuta-se, segundo Lévy (2011, p. 107): “É certo que nos falta
recuo para avaliar de forma plena todas as consequências desta mutação
tecnológica sobre as profissões...”
A resistência de enxergar nos “meios” tecnológicos um caminho mais eficiente
aos determinados fins do Direito e da Justiça não é o suficiente para o
convencimento da sua melhor eficiência e eficácia, ainda que a tecnologia ofereça
maior segurança em decorrência de sua estrutura lógica ou conexionista no
comando do passo a passo do que se será realizado nos atos procedimentais.
A argumentação e a críticas interpretativas geram um afastamento do
consenso sobre o envolvimento da tecnologia da inteligência humana como fluxo da
condução processual dos atos que em sua grande maioria repetem-se
cotidianamente além do evidente atraso pelo desperdício desnecessário de tempo
no manuseio de dados e informações e sua larga escala nos moldes clássicos.
Defende-se sob esse aspecto que alguns conceitos serão mudados
inevitavelmente com o advento da tecnologia da Inteligência Artificial. Aliás,
antropologicamente é possível identificar a preocupação do Estado/juiz como de
inúmeros outros atores do palco do Judiciário – enquanto personagens de sua
história – com o fato de que serão substituídos nas atribuições ou funções, que
passarão a ser realizadas pelo uso da tecnologia.
Nas histórias das civilizações dos racionais ou irracionais, isso é recorrente
em todos os níveis. Em apertada síntese para não perder o foco do capítulo, o
período que antecedeu a escrita e que elevou o homem a ser seu maior protagonista
da história, as narrativas épicas, os mitos e toda a forma de ensinamento e
reprodução do saber foram marcados pela oralidade como retrado desde Platão.
Com o advento da escrita, surge a história. A verdade em tal processo é
fecundada diante de uma interpretação crítica a qual demanda maior tempo porque
236

a espécie humana entra em conflito por intermédio da dialética, do argumento crítico,


das discussões, enfim, de todo um aparato proporcionado pela criação de dados e
informações, produzidos e reduzidos à escrita.
Com a tecnologia e seu desenvolvimento em um salto histórico – no qual o
desafio do informata é o de programar tão somente e utilizar os “meios” tecnológicos
para o entrenimento – o aparelho informático passou a sinalizar para outros usos
afins e encontrou em seu percurso as ciências e a possibilidade de as inocular com
o germe dos “meios” tecnológicos destinados em múltiplas finalidades fins para as
utilidades, necessidades e essencialidades sociais.
A velocidade passa a ser uma realidade porque a tecnologia interfaceia a
espécie humana e gradualmente a substitui nas ações de seu cotidiano, e as lógicas
desse processo captam a tecnologia da fala, do pensamento, da razão e as
reproduzem com equipotencialidade. No âmbito da lógica modal que remonta a
Aristóteles, esclarece Coscarelli (2008, p. 5):

Em sua metafísica, Aristóteles pretende superar de vez a ontologia eleática


(a escola eleática é a escola da filosofia que segue Parmênides). Ele admite
a multiplicidade do ser. A partir daí, começa a discorrer sobre as
características do mesmo. A primeira distinção são as categorias que
representam o grupo principal de significados do ser e constituem as
originárias decisões do ser. Aristóteles fala em dez categorias, mas discorre
efetivamente sobre oito, a saber: substância (ou essência), qualidade,
quantidade, relação, ação, paixão, lugar e tempo. A teoria das categorias
tem importantes consequências no desenvolvimento da lógica. No entanto,
outra distinção filosófica nos interessa de forma mais próxima: a distância
entre potência e ato. Por exemplo, a semente e uma árvore em ato, mas
não o ato. Existe uma grande diferença entre o cego e quem tem os olhos
sãos, mas os mantém fechados. O primeiro não é capaz de enxergar, o
segundo é uma pessoa que enxerga em potência, mas não em ato. Apenas
quando abrir os olhos enxergará em ato. Essa distinção foi o embrião da
lógica modal. Quando se afirma que o homem vê a pedra, essa proposição
pode ser verdadeira ou falsa. Se o homemnão vê a pedra, ela é falsa. Se a
homem possibilidade de ver a pedra, a afirmação é possível, mesmo que
seja falsa, ou seja, que o homem não esteja vendo a pedra naquele
momento. Se o homem não tem a possibilidade de ver a pedra, a afirmação
é impossível. Da mesma forma, uma afirmação que é verdadeira e não
poderia ser falsa é necessária. Nesse ponto, Aristóteles começa a
considerar afirmações modais, como “é necessário que...” “é impossível
que”, “é possível que...”. O adjetivo “modal” refere-se ao modo como a
afirmação é verdadeira ou falsa: ela é necessariamente verdadeira ou
necessariamente falsa (o que equivale a dizer que é impossível), ou
possivelmente verdadeira ou falsa. Nasce assim a lógica modal.

O trabalho das conjunções possíveis no âmbito da lógica modal demonstra,


ou melhor, evidencia uma conjunção impossível. Nesse sentido, as afirmações
237

necessárias confirmam uma subsequente relação necessária. O efeito


temporalidade que envolve a espécie humana é significativo para tal modalidade de
lógica, pois, mesmo que as afirmações necessárias sejam possíveis, é impossível
que aconteçam concomitantemente.
Essa estrutura modal, mesmo que não tão complexa, passou a ser utilizada
para a análise de diálogos argumentativos cujo objetivo era o de certificar sua
verdade ou falsidade, porém não estava somente a este serviço.
A lógica modal contribui exaustivamente para a moldura da construção das
regras da argumentação, pois detendo-as, tornar-se-ia possível desenvolver bons
argumentos, identificá-los e projetar um turbilhão evolutivo sem precedentes.180Se as
obrigações estão somente para as permissões correlacionadas com o que é
obrigatório, isso seria uma prova suficiente da limitação da lógica em se harmonizar
com o pensar do homem. Aliás, poderia ser um forte indício de que a lógica e todas
as suas formas não se submetessem a atender com subsunção a cognição da
espécie humana, como esclarece Lévy (2011, p. 157):

Mais uma vez, a lógica é uma tecnologia intelectual datada, baseada na


escrita, e não uma maneira natural de pensar. A enorme maioria dos
raciocínios humanos não usa regras de dedução formais. A lógica é, para o
pensamento, o mesmo que a régua de madeira é para o traçado de linhas
retas quando se desenha. Esta é a razão pela qual os trabalhos em
inteligência artificial baseados unicamente na lógica formal têm poucas
chances de chegar a uma simulação profunda da inteligência humana. Em
vez de uma réplica do pensamento vivo, a IA clássica ou lógica construiu,
na verdade, novas tecnologias intelectuais, como os sistemas especialistas.

Produziu a lógica, sem dúvida, desde a concepção clássica uma tecnologia


em inteligência dentro dos limites reais em pontecialidades, assim é natureza da

180 Segundo Coscarelli: “O espírito que imperou até tempos bem recentes foi de unicidade da lógica.
Hoje, o espírito é do estudo de sistemas lógicos. Foi a mesma mudança de espírito processada com a
descoberta da possibilidade de outras geometrias que não a euclidiana. A geometria moderna não
lida apenas com um sistema geométrico; até um período, não muito distante da história da
matemática, lidava-se apenas com o sistema euclidiano, que era visto como o único, como a
geometria. Tal mudança se processou na lógica em um momento mais tardio e constitui uma grande
revolução de pensamento. A bem da verdade, quando discutimos a respeito de um sistema lógico,
nós o fazemos através de uma “meta linguagem” e, nessa metalinguagem, seguimos regras de
argumentação como Aristóteles queria discutir. No momento histórico, em que Aristóteles escreveu,
não existia a destinação entre a linguagem e a metalinguagem. Em uma análise mais profunda, essa
é a distinção possibilita pensar em múltiplas lógicas (COSCARELLI, Bruno Costa. Introdução à
lógica modal. Dissertação (Mestrado em Ciências). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008, p.
13)”.
238

lógica clássica formal, o que não pode é o referido entendimento ser extendido a
outras demais espécies e formas.
A verdade produzida pela tecnologia da Inteligência Artificial apresenta-se
com uma característica mais pragmatizada, em que as dinâmicas das novas
necessidades demonstram que a pontualidade temporal não permite que a
inteligência da espécie humana em alguns aspectos alcance os mesmos resultados
qualitativos e quantitativos.
De fato, o mundo contemporâneo que habitam o Direito e a Justiça não
permite se perder tempo em conflitos ideológicos decorrentes das técnicas
hermenêuticas de interpretação um tanto instáveis. É preciso gizar uma tecnologia
em inteligência que possa pelos seus “meios” fluir segundo melhores critérios. Para
conceber previsibilidade, segurança, isonomia e celeridade ao sistema judiciário.
239

10 O ESTADO CONSTITUCIONAL E OS “MEIOS” PARA A CONQUISTA DOS


DIREITOS E DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS

10.1 Aspectos de base de um projeto do Estado Democrático de Direito para um


Estado Constitucional

Os aspectos constitucionais de base serão sempre relevantes para a carta


política que os alberga, pois ela registra em seu conteúdo as conquistas
experienciadas pela espécie humana ao longo de sua própria história, por isso é
fundamental que, em quaisquer reflexões a respeito, não sejam perdidas de vista.
A Constituição abriga de forma protetiva todos eles, tanto os existentes já
conquistados e sedimentados como os que em outros momentos históricos serão
desnudados e reconhecidos na mesma ordem de grandeza.
Portanto, ela opera como verdadeira guardiã dos Direitos e das Garantias
Fundamentais, no sentido de transcender um projeto de Estado Democrático de
Direito para um Estado Constitucional concreto.
Os princípios e as regras constitucionais representam a base fundadora e
estruturante da Constituição Federal na fundação do Estado que ela representa. É
carta inaugural essencial e indispensável contendo geneticamente eficácia direta e
indireta dos valores que alberga.
Sob tal aspecto, têm como fatores principiológicos e regratológicos a geração
de sinergias para a proteção e a segurança jurídica em seus preceitos como um
todo, dando com isso tenacidade à unidade constitucional, elemento responsável
pela manutenção da hegemonia para o devido funcionamento da ordem
Constitucional.
A preservação e a proteção neste contexto têm reservado ao Direito
Constitucional papel de preponderância, além de ser bifronte, no sentido de garantir
a hegemonia normativa e de promover a libertação dos Direitos e das Garantias
Fundamentais, tanto no plano formal quanto material.
240

É possível inferir que seu valor vinculativo esteja aquém da capacidade


cognitiva dos seus intérpretes e destinatários, pois sua atemporalidade revela esse
fenômeno, o que resulta de insight em seu poder de transformação de direitos
muitas vezes meramente idealizados.
Quando não alcançado, cobra imperativamente de suas operações pelo
desenvolvimento de técnicas que possibilitem vencer o aspecto ideológico e atingir
os fins colimados no plano de sua efetividade ou simplesmente giza-se uma
potencialidade de dano à norma fundamental, consoante o brocardo kelseniano.
Segundo Nery Junior (2010):

A Constituição é a ordem jurídica fundamental da coletividade: determina os


princípios diretivos, segundo os quais devem formar-se a unidade política e
as tarefas estatais a serem exercidas; regula ainda procedimentos de
pacificação de conflitos no interior da sociedade; para isso cria bases e
normatiza traços fundamentais da ordem total jurídica.

Sendo assim, os propósitos de inovação, ampliação, restrição ou quaisquer


outros que possam surgir pela influência da descoberta da inteligência humana ou
não, deverão sempre se pautar a essa Lei Maior por sua natureza de grandeza
fundamental, ou seja, sendo referência os seus elementos de base, os quais
compendiam a Constituição Federal, evitando, assim, que os Direitos e as Garantias
Fundamentais sejam alienados pelo fetiche dos novos tempos.
O referido diploma, embora não redigido de forma linear, o arranjo
institucional Constitucional consubstancializado em seu teor, permite uma posição
de rididez e tenacidade ao ter em seus fundamentos elementos estruturantes que
fazem dessa lei a pedra angular do sistema, e isso se dá em virtude de sua
infraestratura.181

181 Segundo Nery Junior, “Para tanto, é necessário que a Constituição realize três tarefas
fundamentais. / A primeira é a de integração, estabelecendo a unidade do Estado, regulando e
pacificando o conflito de diversos grupos que o formam. Para a manutenção do Estado, é necessário
que ele seja sustentado pelos seus cidadãos, que estes se sintam responsáveis por ele e o
defendam. A Constituição tem função fundamental na integração e formação da unidade política e do
Estado, porque lhe assegura um ordenamento jurídico e um processo organizado para a solução de
conflitos que surgirem em seu interior. / A segunda função é a da organização, isto é, a necessidade
do ordenamento jurídico não somente se apresenta para a formação e conservação da unidade
política, senão também para organizar a ação e a incidência dos órgãos estatais constituídos com
esses fundamentos. A Constituição é que organiza os poderes do Estado, constituindo os órgãos a
exercerem as diversas tarefas estatais, bem como suas competências correspondentes, necessárias
para o cumprimento dessas tarefas. Ela organiza os procedimentos a serem seguidos, que permitem
a adoção das decisões adequadas. / A terceira função consiste da direção jurídica. O ordenamento
jurídico, que permite a existência do Estado, deve ser moralmente reto, legítimo e auferido
241

Isso não significa, todavia, que a história da evolução seja obstacularizada


pelos preconceitos oriundos muitas vezes da própria condição humana, mesmo à luz
de uma lei hierarquicamente superior, mas, ao contrário, o que se exige do estudioso
do Direito é a tomada de uma maior consciência sobre as conquistas realizadas e/ou
de que qualquer mudança, alteração ou acréscimo deverão ser analiticamente
avaliadas, comprovadas e certificadas, no sentido de evitar dissídias no plano do
sistema Constitucional.182A ansiedade pela velocidade diante do sacrifício imposto
ao Direito e à Justiça, face à morosidade e à inefetividade dos Direitos e das
Garantias Fundamentais previstas na Constituição Federal, levaram o Legislador
Constitucional a incluir no rol do artigo 5º, LXXVIII da CF, dispositivo a fomentar uma
razoável duração do processo em consonância com a “Convenção Interamericana
de Direitos do Humanos de 1969”. Segundo Nery Junior, o referido dispositivo tem a
seguinte conotação semântica (2010, p. 316):

O princípio da duração razoável do processo possui dupla função porque,


de um lado, respeita ao tempo do processo em sentido estrito, vale dizer,
considerando-se a duração que o processo tem desde seu inicio até o final
com o trânsito em julgado judicial ou administrativo, e, de outro, tem a ver
com a adoção de meios alternativos de solução de conflitos, de sorte a
alivaiar a carga de trabalho da justiça ordinária, o que, sem dúvida, viria a
contribuir para abreviar a duração média do processo.

historicamente. A função diretiva da Constituição consiste, principalmente, em dotar os direitos


fundamentais de força vinculante para todo o ordenamento jurídico. Ao realizar essas três tarefas, a
Constituição deixa de ser apenas a ordem jurídica fundamental do Estado e passa a ser também a
ordem jurídica fundamental da sociedade (NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim
(Org). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 2011, p. 38. Série Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, v. 12)”.
182 Para Arendt: “Como o preconceito se antecipa ao juízo, recorrendo ao passado, sua razão de ser
temporal é limitada às épocas históricas e formam, em termos puramente quantitativos, a maior parte
da história, nas quais o novo é relativamente raro e o velho predomina na estrutura política e social. A
palavra julgar tem, em nosso uso idiomático, dois significados distintos um do outro por completo, que
sempre confundimos quando falamos. Ela significa, por um lado, o subordinar do indivíduo e do
particular a algo geral e universal, o medir normalizador com critérios nos quais se verifica o concreto
e sobre os quais se decidira. Em todos esses juízos encontra-se um preconceito; só o indivíduo é
julgado, mas não o próprio critério nem sua adequabilidade para medir. Também o critério foi um dia
posto em julgamento, mas depois esse juízo foi assumido e como se tornou um meio para se poder
continuar julgando (ARENDT, Hannah. O que é política: fragmentos das obras póstumas compilados
por Ursula Ludz. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 31)”.
242

Consigna ainda o Legislador sobre a essencialidade de instrumento a permitir


“meios” que garantam a efetividade, todas as vezes em que houver uma ameaça ou
uma lesão de Direito nos termos do mesmo artigo em seu inciso LIV, por intermédio
da jurisdição Estatal e inciso XXXV do mesmo jaez Constitucional.
Sendo pacífico o entendimento na comunidade científica do Direito de que a
jurisdição não ocupa posição de exclusividade, conforme esclarece Carneiro (2009,
p. 293) “[...]não é possível afirmar que a composição realizada por outros agentes
não seja igualmente justa, de conformidade com a lei”. Nem tampouco há razões
para sustentar a supremacia entre os mecanismos alternativos para a resolução de
conflitos. Para Garjadoni a demonstração de flexibilização em um sentir pragmático
(2008, p. 104):

Eis aqui o fundamento da flexibilização das regras de forma, ainda que


previstas genericamente e rigidamente pelo sistema. De fato, os
procedimentos abstratamente previstos pelo legislador são um modelo
formal cujo principal escopo é debelar a crise do direito material. Se a
variação ritual se impõe para solução mais rápida e adequada do litígio,
então não há espaço, apesar do vício de forma, para se falar em nulidade,
já que o escopo do procedimento foi plenamente atingido.

Esse movimento pró-celeridade, “razoável duração do processo” no


desenvolvimento da prestação jurisdicional, vem exigindo do Legislador e dos
operadores do Direito a implementação de “meios” mais eficazes a fim de dar uma
efetividade concreta na entrega da prestação jurisdicional conforme ofertada.
O termo “meios”, para não ser compreendido como uma incógnita,
transparece com um indicativo terminológico aberto ou indeterminado, podendo,
inclusive, ser interpretado ou compreendido como “meios” não humanos para sua
efetiva concretização.
Deduz-se, neste sentido, que, uma vez que os “meios” humanos já
conhecidos ao longo da história judiciária não têm logrado êxito suficiente para dar
conta da atávica demanda dos serviços judiciários seja dada a ela uma resposta em
um tempo razoável.
Essa impressão vem sendo reconhecida no tempo não somente pela
comunidade jurídica, como indiretamente pelos órgãos indicadores do desempenho
do sistema judiciário que tem como fonte de pesquisa primária seus destinatários, “o
povo”.
243

É certo que a ideia de velocidade e com ela de uma maior presteza na


entrega do bem da vida é histórica e exaustivamente debatida no cenário acadêmico
e judiciário do Brasil. Denota, no entanto, uma certa dificuldade em estabelecer-se
um critério consensual do que venha a ser ou do que é “a razoável duração do
processo”.
A questão exige qualificação e quantificação; para isso definir e correlacionar,
a natureza dos Direitos e o tempo razoável para uma resposta da questão objeto de
exame é curial. A Justiça prática vem tratando da questão com os olhos voltados
para a velocidade sem tanto observar a necessidade de classificar os Direitos ou até
mesmo de estudos do tipo de Direito e de Justiça que melhor se adequariam à
realidade dos novos tempos a partir de uma visão crítica envolvendo o tripé do
Direito, Estado e sociedade.
Revela-se essencial a categorização da natureza dos Direitos para
equitativamente sopesar a Justiça objetivada, considerando inclusive a infraestrutura
judiciária disponibilizada pelo Estado e os “meios” existentes apresentados, os quais
quais depõem de forma clara e objetiva sobre o estágio em que o Direito e a Justiça
encontram-se no cenário brasileiro.183Soma-se a essas informações científicas que
poderiam bem preencher o aresto a ausência de estudos mais aprofundados sobre
os detalhes da Justiça nacional como métodos voltados a projetar uma política de
reestruturação para um real melhoramento, além de pesquisas voltadas para a
inclusão do sistema judiciário em todos as etapas de desenvolvimento da tecnologia.
Armazenamento, gestão e aplicação como natural tendência desse século.

183 Segundo Siqueira Castro: “Em realidade, no Brasil os obstáculos que entravam o acesso dos
jurisdicionados às instâncias judiciais e induzem ao descrédito popular quanto à atuação da Justiça
se devem a deficiências endógenas do Poder Judiciário, como também a causas exógenas a esse
departamento da soberania estatal. Não há dúvida, em primeiro plano, de que sobretudo os órgãos e
serventias da instância inicial da instituição prestadora de jurisdição padecem de notório
desaparelhamento, que, segundo o judicioso diagnóstico da lavra do Ministro Carlos Mário da Silva
Velloso, do Supremo Tribunal Federal, caracteriza-se pelas dificuldades seguintes: a) pelo número
insuficiente de juízes; b) pela existência de cargos vagos de juízes; c) pela forma inadequada de
recrutamento de juízes; d) pela inexistência de uma especialização dos órgãos de 1º grau; e) pela
má qualidade do apoio administrativo destinado aos magistrados; f) pelo crescimento, a cada ano, do
número de processos distribuído a cada juiz de direito; g) e pelo excesso de formalismo imposto pelas
normas processuais. Todas essas deficiências estruturais, que a rigor são visíveis, promovem a
disfunção dos órgãos da Justiça que, ou deixam de prestar a indeclinável jurisdição porque os
confrontos de pretensão acabam encontrando outros caminhos de composição, ou prestam-na com
intolerável lentidão ou com padrão de qualidade aquém do desejável (CASTRO, Carlos Roberto de
Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova constituição do Brasil. 5.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 229)”.
244

Observa-se nesse contexto que os “meios” tecnológicos podem representar


um fluido capaz de otimizar a sistematização, a integração, a unificação e a
padronização do funcionamento da estrutura judiciária atráves de uma rede de
programação de dados e informações para o desenvolvimento dos serviços
judiciários.
Também os “meios” podem superar o mero transporte de informações e
dados em uma plataforma de programação tecnologizadas e empreender, por
intermédio de algoritmos inteligentes, o desenvolvimento digital do ordenamento
jurídico com um todo a partir da Inteligência Artificial, conforme experiências
empreendidas nas universidades norte-americanas.
É necessário, neste momento, fazer uma breve digressão histórica, um over
view sobre os pressupostos que influenciaram a eclosão do referido dispositivo que
estrutura a “razoável duração do processo” na Constituição Pátria.
Em semelhante sentido, preceitua o artigo 6.1 da Convenção para a Proteção
dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, formalizada em 4/11/1950,
em Roma:184

Art. 6. 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada,
equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente
e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação
dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de
qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve
ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à
imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a
bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa
sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção
da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada
estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais,
a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.

Outrossim, tem-se a Convenção Interamericana sobre os Direitos Humanos,


em seu artigo 8º, 1, assinada em San José da Costa Rica, que assim dispõe:185

184Disponível em: <http://www.oas.org/es/cidh/expresion/showarticle.asp?artID>. Acesso em: 17 out.


2015.
185 Disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em:
17 out. 2015.
245

Artigo 8º - Garantias judiciais - Toda pessoa terá o direito de ser ouvida,


com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou
Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente
por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou
na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista,
fiscal ou de qualquer outra natureza.

O Brasil tornou-se signatário do referido pacto por intermédio do Decreto Lei


de n. º 27, de 26/5/1992, tendo depositado em 25/9 do mesmo ano e publicado por
meio do Decreto n.º 678, de 9/11, também em 1992.
Destaca-se, ainda, que a legislação brasileira recepciona os tratados e as
convenções estrangeiras que não colidam com os princípios e as garantias
fundamentais, o que fez com que o inciso LXXVIII viesse a fazer parte da base
constitucional.
No sentido de corroborar não somente com celeridade na outorga da
prestação jurisdicional mas dando organicidade aos princípios da acessibilidade nos
termos do artigo 5º inciso XXXV conjugado com o inciso LIV do mesmo dispositivo,
que referenda a garantia do devido processo legal.
É importante ter em vista, de forma clara e cristalina, a simetria não só
internamente do ponto de vista Constitucional, mas como se consolida a simbiose
interativa do entendimento dos Tratados e as Convenções Internacionais que
tutelam os Direitos e Garantias Fundamentais no âmbito alienígena.
O que importa ainda mencionar é que toda a engenharia advinda das
conquistas históricas da espécie humana não se tem convertido materialmente da
forma como se tem ideologicamente demarcado no plano normativo, embora não
tenham faltado inspirações para que a base que funda e estrutura os Direitos e as
Garantias Fundamentais possa estabelecer-se concretamente.
Disso se infere que a preocupação temporal parece fulminar com o Direito,
porque o atraso faz dele uma entrega injusta ou simplesmente decorre do destempo
no funcionamento do sistema o enfraquecimento do próprio sistema jurídico em
decorrência de sua inefetividade dentro de um prazo razoável. Para Tucci (2010, p.
99),
246

É inegável, por outro lado, que, quanto mais distante da ocasião


tecnicamente propícia for proferida a sentença, a respectiva eficácia será,
proporcionalmente, mais fraca e ilusória. De tal sorte, “um julgamento tardio
irá perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida em que
se postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e,
transcorrido o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será,
de modo inexorável, injusta, por maior que seja o mérito científico do
conteúdo da decisão”.

A preocupação com a razoabilidade temporal não é um problema exclusivo do


sistema judiciário brasileiro. Outras legislações não tratadas no presente trabalho de
forma mais percunsciente dão notícia da importância de investir em “meios” que
possam criar um paradigma de Justiça mais previsível, célere e desburocratizado,
inclusive em outros regimes judiciários, tal como a commomlaw, que se divorcia por
completo de qualquer mecanismo que porventura venha criar injustificadamente
meios ou formas que procrastinem a prestação jurisdicional. Os estudos e os testes
no uso das tecnologias em Inteligência Artificial já somam mais de meio século.
Fica frisado que a celeridade processual e, com isso, a razoável duração do
processo, representa um objetivo vital ao Direito e à Justiça. No caso do Brasil, sua
incorporação no ordenamento Constitucional não pode ser decorativa.
Não pode tampouco cultivar a crença de que a utilização de “meios” ou
mecanismos já ultrapassados possam fazer com que se concretize a implementação
postular de uma Justiça eficiente e eficaz, sem que se repense o sistema, a partir de
novas ideias, desenvolvendo novas técnicas e habilidades.186O universalismo do
problema envolvendo a relação entre a contenda e a resolução é recorrente,
também não menos importante e constantemente frisado no cotidiano, de que é
função do processo otimizar “meios” que possam outorgar um Direito Constitucional
contendo todas as Garantias Fundamentais que superem a ideologia da pretensão e
alcancem a materialidade ideologicamente concreta.

186 Afirma Tucci: “Parece mesmo fora de questão que a oportunidade do provimento – “a tempestività
a que se referem os italianos, como resultado do equilíbrio entre os tempos de progresso e tempos de
espera (tempi dis viluppo e tempi di attesa) – constitui um dos primordiais elementos para determinar
o grau de eficiência dos tribunais”. / Em suma, o resultado de um processo “não apenas deve
outorgar uma satisfação jurídica às partes, como também, para que essa resposta seja a mais plena
possível, a decisão final deve ser pronunciada em um lapso de tempo compatível com a natureza do
objeto litigioso, visto que a Justiça seja injusta não faz falta que contenha equivoco, basta que não
julgue quando deve julgar (TUCCI, José Rogério Cruz. (Org). Direito processual civil europeu
contemporâneo. São Paulo: Lex, 2010, p. 99)”.
247

Deve ser mais do que um Direito pretendido, que seja efetivamente alcançado
no plano material, ou não se pode afirmar a existência plena de um Estado
Constitucional de Direitos e Garantias Fundamentais, mas tão somente
ideologicamente pensado.
Para isso, voltando-se para a realidade brasileira, a dificuldade do Legislador
e dos operadores em definir os “meios” mais adequados aos fins úteis para precisar
“a razoável duração do processo” dá-se também pela carência de critérios
qualificativos para classificar os conflitos.
Com isso, pode-se conhecer em minúcias suas causas, suas origens, suas
naturezas, além do fraco investimento em pesquisa de fronteiras, quando muito
estimulando o aprofundamento em uma dogmática já superada pela infertilidade.
O problema da educação para a evolução é tema recorrente e exige um
profundo tratamento desde suas bases, porém recente estudo de Eduardo Vera-
Cruz Pinto (2015, p. 33), trazido pelos ventos lusitanos, exterioriza assertivo
entendimento a importância desse elemento fundamental.

Como futuro da justiça supõe, isto é, impõe, uma visão culturalizada (não
só científica ou técnica; não só social ou política; não só econômica ou
histórica) da Justiça que a reaproxime do Direito e do Povo, em nome do
qual é exercida; como requer políticas públicas claras que concretizem os
direitos inscritos na Constituição e a retirem da conflitualidade partidária
fulanizada e em torno do efêmero e da circunstância; erguendo-a à
politicidade própria de opções diversas em contraditório, com estadistas
capazes de implantar tais políticas.

Com essas informações obtidas a partir de critérios objetivos firmados por


políticas públicas sérias, passaria a ser essencial a implementação de outros
critérios substanciais às lides, extraindo dessas informações e dados reais da
realidade entre lei e sociedade para que seja possível relacionar o tempo razoável
para uma resposta judicial.
Define-se, assim, a substancialidade: da complexidade da causa, da natureza
da causa, da dinâmica procedimental para a causa já predeterminada e os “meios”
que o Estado irá utilizar para mediar o Direito ou os determinados tipos de Direitos
para o aquilatamento da Justiça.
248

Por essa seara, estará o Estado trabalhando para a concretização do espírito


preconizado pela Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem subscrita
desde os idos de 1950 em Roma, conforme trecho que se transcreve do artigo 6º. 1.
anteriormente colecionado em sua íntegra, que pedagogicamente se faz relevante
reprisar “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa
e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial,
estabelecido pela lei, o qual decidirá ”
Por isso, a melhor interpretação compreensiva do disposto no inciso LXXVIII
do artigo 5º da Constituição Federal teleologicamente é a de que os “meios” são
caminhos pelos quais o Estado, valendo-se de todas as possibilidades legais, possa
garantir a prestação de serviços da Justiça concretamente, sempre em alinhamento
com os demais princípios de Direito e as respectivas Garantias Fundamentais.
Nesse sentido, a definição e a compreensão dos princípios e as regras
constitucionais de Direito apresentam-se essenciais não somente para a definição
conceitual, mas como facitador para o entendimento de como se dá a relação
normativa no atual estágio de desenvolvimento, considerando inclusive a complexa
teia de fatos sociais, segundo Ávila.187

187 “Para Josef Esser, princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que
determinado mandamento seja encontrado. Mais do que uma distinção baseada no grau de
abstração da prescrição normativa, a diferença entre os princípios e as regras seria uma distinção
qualitativa. O critério distintivo dos princípios em relação às regras seria, portanto, a função de
fundamento normativo para a tomada de decisão. / Seguindo o mesmo caminho, Karl Larenz define
os princípios como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que
estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo,
direta ou indiretamente, normas de comportamento. Para esse autor os princípios seriam
pensamentos diretivos de uma regulação jurídica existente ou possível, mas que ainda não são
regras suscetíveis de aplicação, na medida em que lhe falta o caráter formal de proposições jurídicas,
isto é, a conexão entre uma hipótese de incidência e, uma consequência jurídica. Daí porque os
princípios indicariam somente a direção em que está situada a regra a ser encontrada, como que
determinando um primeiro passo direcionador de outros passos para a obtenção da regra. O critério
distintivo dos princípios em relação às regras também seria a função de fundamento normativo, para
a tomada de decisão, sendo essa qualidade decorrente do modo hipotético de formulação normativa.
Para Canaris duas características afastariam os princípios das regras. Em primeiro lugar, o conteúdo
axiológico: os princípios, ao contrário das regras, possuiriam um conteúdo axiológico explícito e
careceriam, por isso, tem regras para a sua concretização. Em segundo lugar, há o modo de
interação com outras normas: os princípios, ao contrário das regras, receberiam seu conteúdo de
sentido somente por meio de um processo dialético de complementação e limitação. Acrescentam-se,
pois, novos elementos aos critérios distintivos antes mencionados, na medida em que se qualifica
como axiológica a fundamentação exercida pelos princípios e se predica como destinatário seu modo
de interação”. E complementa o mesmo autor (2008, p. 48): “Vale dizer: a distinção entre princípios e
regras não pode ser baseada no suposto método tudo ou nada de aplicação das regras, pois também
elas precisam, para que sejam implementadas suas consequências, de um processo prévio e, por
vezes, longo e complexo como o dos princípios de interpretação que demonstrem quais as
consequências que serão implementadas (ÁVILA. Humberto. (Org). Teoria dos princípios: da
definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8 ed. amp. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 35)”.
249

A questão não é simples e exige fôlego em disposição para compreender e


integrar a perspectiva do que embrionariamente foi semeado na Constituição
Federal como definição em objetivo.
Essa carta política, desde tenra data, vem considerando o pacto federativo e
seus elementos fundadores, os quais já traziam uma ideologia Constitucional social
que, gradualmente, em que pesem as vissicitudes existentes, vem com muito
esforço se concretizando.

10.2 O inevitável destino do uso da tecnologia como “meio” para a concretização do


Projeto do Estado Democrático de Direito

A pretensão de criar condições mais favoráveis para os serviços judiciários do


ponto de vista Constitucional é preexistente a esse diploma e tem precedentes com
maior destaque em nosso ordenamento, desde a lei 10.259/01, que implantou os
Juizados Especiais Cíveis e Criminais, ganhando maior estatura, dimensão e
projeção com a Emenda Constitucional 45/2004, que lastreou no ano a subsequente
lei 11.419/06 para implementação do processo digital nos tribunais pátrios.
A mencionada emenda alicerçou – com maior vigor – uma agenda declarativa
para a instauração da tecnologia para a concretização dos Direitos e das Garantias
Fundamentais junto ao sistema judiciário.
Semelhante postura converge para a instrumentalidade tecnológica dos novos
tempos, ou seja, para que a tecnologização das formas e dos “meios” a todo instante
passe a fazer parte da vida da espécie humana em auxílio ou substituição. Para a
comunidade científica do Direito, atenderia ao problema da complexidade do
ordenamento jurídico em relação à sua interpretação, juridicidade e aplicação.188

188 Segundo Lévy, “O que é significação? Ou, antes, para abordar o problema de um ponto de vista
mais operacional, em que consiste o ato de atribuir sentido? A operação elementar da atividade
interpretativa é a associação; dar sentido a um texto é o mesmo que ligá-lo, conectá-lo a outros
textos, e, portanto, é o mesmo que construir um hipertexto. É sabido que pessoas diferentes irão
atribuir sentidos por vezes opostos a uma mensagem idêntica. Isto porque, se por um lado o texto é o
mesmo para cada um, por outro o hipertexto pode diferir completamente. O que conta é a rede de
relações pela qual a mensagem será capturada, a rede semiótica que o interpretante usará para
captá-la. Você talvez conecte cada palavra de uma certa página a dez referências, a cem
comentários. Eu, quando muito, a conecto a umas poucas proposições. Para mim, esse texto
permanecerá obscuro, enquanto para você estará formigando de sentidos. / Para que as
coletividades compartilhem um mesmo sentido, portanto, não basta que cada um de seus membros
250

A celeuma que germina no contexto judiciário é saber se esse progressivo


desenvolvimento tecnológico e seu avanço em uso e em escalabilidade não podem
entrar em colisão com os Direitos e as Garantias Fundamentais conquistados e já
consolidados pela espécie humana do ponto de vista Constitucional.
Compreende-se, em Harbele, que o processo passa a ter sua utilidade
vinculada à constitucionalidade de uma prática que tem como fim uma relação forte
entre tutela jurisdicional e efetividade. Se isso acontece, é porque a tutela
jurisdicional foi concretizada em concordância com os preceitos da Lei Maior.
Portanto, foram protegidos pela consagração da concretização dos Direitos e
das Garantias Fundamentais transportados por “meios” que vão da eficiência à
efetividade. Se isso acontece, não importam os “meios”, pois os resultados passam
a ser os fins colimados, desde sempre idealizados pelos preceitos da carta política.
Nesse caso, o adágio “a ordem dos fatores não altera o produto” é aderente.
A Constituição Federal transcende o conservadorismo e comporta-se como
instrumento autorrealizável e transformador das realidades sociais e políticas. Os
“meios” inseridos no indigitado inciso LXXVIII, do artigo 5º não poder ser interpretado
restritivamente de modo a excluir os “meios” tecnológicos da sua condição, ou
melhor, de uma forma de tecnologia em inteligência hábil e útil ao Direito e a Justiça.
Soma a essa interpretação o caráter sistêmico e expansivo do diploma
Constitucional. Segundo o magistério de Comoglio, Ferri e Taruffo (2011, p. 24):

receba a mesma mensagem. O papel dos groupwares, o de reunir, não apenas os textos, mas
também as redes de associações, anotações e comentários às quais eles são vinculados pelas
pessoas. Ao mesmo tempo, a construção do senso comum encontra-se exposta e como que
materializada: a elaboração coletiva de um hipertexto. / Trabalhar, viver, conversar fraternalmente
com outros seres, cruzar um pouco por sua história, isto significa, entre outras coisas, construir uma
bagagem de referências e associações comuns, uma rede hipertextual unificada, um contexto
compartilhado, capaz de diminuir os riscos da incompreensão (LÉVY, Pierre. As tecnologias da
inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 72)”.
251

Un´ulteriore conseguenza che si riconnette alle garanzie costituzionali


riguarda i modelli di procedimento. Per un verso, la tendenza a costruire
procedimenti speciali che privilegiano la rapidità e l’ efficienza della
soluzione del conflito trova dei limite nel senso che i diritti processual
fondamentali riconosciuti alle parti possono essere articolati in vari modi ma
non possono essere lesi nel loro nucleo essenziale. Per altro verso,
I’interpretazione sempre più articulata e complessa che dele garantizie del
processo viene compiuta dalla dottrina e dalla giurisprudenza tendea
considerarle non come un elenco di principi isolati ma come base per
I’elaborazione di un insieme organico di regole. Le garanzie fondamentali
appaiono dotate di una “forza expansiva” che va oltre il significato letterale
dele norme costituzionali.189

A carta política Constitucional goza de autonomia e independência para a


realização de ações que visem a garantir materialmente os resultados dos Direitos e
Garantias idealizados em seu âmago. Por isso de sua irradiação expansiva
conforme e nunca retritiva excludente dos Direitos e das Garantias Fundamentais.
Diferente da Justiça, os “olhos” da Constituição vagam diuturnamente abertos,
em constante diálogo com seu sistema e as demais ciências que formam outros
sistemas os quais perfilham a realidade social com efetivo “conhecimento de causa”
(wittgenstein).
Seu papel é dar entendimento conforme aos seus preceitos axiomáticos de
valores, sem preconceitos, viabilizando pressupostos e elementos compatíveis com
seus preceitos que consolidem os princípios e as regras de Direito em simetria com
a Lei Maior.
Nesse contexto, a tecnologia e a consequente tecnologização do sistema
representam uma etapa da agenda de desenvolvimento positivo, pois dá pluralidade
à participação das forças que fazem com que a carta política Constitucional se
concretize a partir da relação entre a democracia representativa e a participativa.
Canalizando por este caminho, um maior diálogo entre sociedade e Estado,
fazendo com que a legitimidade contribua no processo de firmamento da melhor

189“Outra consequência que se reconecta com as garantias constitucionais resguarda ao modelo de


procedimento. Por um lado, a tendência para construir procedimentos especiais que privilegia a
velocidade e a eficiência da solução de Conflito encontra seu limite no sentido de que o direito
fundamental reconhece ser parte desse articulado de diversas formas, mas não podeser prejudicado
nesse núcleo essêncial. Por outro lado, a interpretação sempre mais articulada e cada vez mais
complexa que dele garante o processo vemrealizado pela doutrina e jurisprudência tendem a
considerá-las não como elenco de princípios isolados, mas como base para a elaboração de um
corpo de regras. As garantias fundamentais são dotadas de uma força expansiva que vai além dos
significados literais das normas constitucionais”. Tradução minha.
252

interpretação dos Direitos e das Garantias Fundamentais.190No plano brasileiro, o


marco zero foi originado com o advento da Constituição de 1988. Após superado o
período ditatorial, tem registrado desenvolvimentos, exigindo, entretanto, a
depuração das vissicitudes do sistema e asseverando, com isso, que a Constituição
ganhe um movimento mais participativo e inovador por todos.
Considere-se a motricidade dos conhecimentos, dentre eles, a cognição
tecnológica representante de uma nova Era para os Direitos e Garantias
Fundamentais, na medida em que essa estrutura cognitiva é adequada e útil à
consolidação da democracia participativa preceituada no âmago do diploma
constitucional, nos termos do artigo 1º, inciso II (a cidania) cc, artigo 3º, inciso II
(garantir o desenvolvimento nacional), artigo 5º “caput” (liberdade).
Essa ferramenta (tecnologia em inteligência) e suas formas demarcam uma
nova fase da estrutura jurídica do Estado, em que se percebe que a forma como a
espécie humana dos profissionais do Direito iniciou não é mais a mesma. Revela
que o futuro já presente se é distinto de outrora. Isso registra uma espécie de
abismo irreconciliável entre o antes e o depois como bem explicado por Kuhn,
segundo sua teoria do desenvolvimento das ciências.
A adaptação de uma nova realidade é feita com certa absorção de dor comum
à ruptura causada por um modelo desconhecido em sua plenitude, mas que age

190 Segundo Siqueira Castro, “Exige-se, em suma, nessa perspectiva integrada das relações entre
Direito, Estado e sociedade, a convicção, por certo indispensável à visão crítica dos juristas de nosso
tempo, de que o conjunto de normas e princípios constitucionais irradia efeitos não apenas
reguladores, mas também transformadores das realidades sociais e políticas, além de pautas de
comportamento dirigidas não só para o funcionamento da instituição estatal, mas para a generalidade
da dinâmica social nos infindáveis aspectos das relações humanas. Por isso mesmo, a extração em
máxima potência de força normativa da Constituição, não apenas por seus intérpretes e aplicadores
oficiais, mas sobretudo por parte de todo o conjunto da cidadania, é que pode impulsionar a
transformação em realidade de muitas das idealizações constitucionais. Tem-se aí o fenômeno que
os doutrinadores alemães designam de eficácia indireta da Constituição, alusivo à extensão das
normas constitucionais às relações civis, distinguindo-o do chamado efeito imediato dos direitos
fundamentais, consistente na sua instantânea aplicação aos órgãos e agentes do Poder Público, na
esteira do preceito contido no artigo 1º (3) da Lei Fundamental de Bonn de 1949, que reza: “Os
direitos fundamentais a seguir discriminado constituem direito imediatamente aplicável para os
Poderes Legislativos, Executivo e Judiciário.” A efetividade indireta da Lei Maior, que traduz a sua
assimilação pela sociedade em suas práticas ordinárias de vida, revela a densidade normativa da
Constituição ou, como prefere Schneider – a força normativa da Constituição em sua totalidade.
Nessa ótica de teorização sócio-participativa, os marcos para a compreensão das normas
constitucionais relativas aos direitos humanos fundem-se no binômio constituição-democrática, que
encerra as virtudes, desafios e esperanças do vigente Estado Constitucional Democrático ou Estado
Democrático de Direito, como prefere o enunciado de algumas Cartas constitucionais da atualidade,
em qualquer caso investido em instância sociopolítica de salvaguarda e promoção dos direitos
fundamentais do homem. Tal significa dizer, segundo a análise magistral desenvolvida por Hans
Schneider (CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das
leis na nova constituição do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 64)”.
253

gradativamente na transição do modelo vigente. Em tal processo, erros são


imanentes, aliás são extremamente comuns junto à inteligência humana tanto
quanto será perante a Inteligência Artificial. Não seria argumento suficientemente
legítimo para ignorar essa espécie de tecnologia.
O tempo demandado, conforme se pode inferir das lições verbalizadas por
Humberto Ávila, que em suma registra a exigência de um processo longo e
complexo para a acomodação dos princípios e regras constitucionais no processo de
interpretação, testes e sua consequente implantação dos Direitos, não se coadunam
com uma tedência já em vigência.
O diploma Constitucional, por essa via, representa e consolida efetivamente
sua natureza de carta política “atemporal” porque recepciona os “meios”
tecnológicos como ferramenta de uso efetivamente pragmático, ou seja, demonstra-
se sempre atualizada ao tempo presente. Importa destacar que sua leitura (CF) não
pode dar-se de forma reducionista, em decorrência da falibilidade de seu intérprete.
Por outro lado, a esquizofrenia oriunda da ansiedade pela velocidade de se
fazer Justiça deve ser mediada por seus próprios mecanismos, garantindo com isso
sua unicidade e integridade. A divergência de sistemas não justifica uma oposição
ao diálogo entre as estruturas, ou melhor, entre as inteligências. As máquinas
somente fazem o que a elas é incumbido – por intermédio de uma programação feita
pela espécie humana.
Para os próximos anos de nossa Era as plataformas tecnológicas e as
interfaces de tecnologias deverão mediar a transição de mera transmissão de dados
eletrônico – o que no passado não era possível – para um processo eletrônico em
sua essência formal e material.
A lesão e a ameaça dos Direitos, artigo 5º, inciso LIV, precisam ter
compatibilidade com os novos “meios” nos termos do mesmo artigo em seu inciso
LXXVIII. Se a urgência é mesclada e protegida pela garantia dos preceitos
constitucionais, tornar-se-á possível habitarem no mesmo ambiente a velocidade e a
garantia. Isso significa que, de tempos em tempos, a espécie humana forçosamente
tem de familiarizar-se com um novo mundo diante da revolução das estruturas
científicas. (Thomas Kuhn, 1962).
Nesse processo, considerando que os Direitos e as Garantias Fundamentais
primam pela segurança jurídica, bem como pela não exclusão de Direitos pelo
254

princípio do não retrocesso constitucional, conforme se extrai dos termos do inciso


IV, do par. 4º do artigo 60 da CF.
Vale enfatizar que o dispostivo restrige a abolição por emenda que tendencie
a abolir “os Direitos e as Garantias Individuais” e no mesmo dispositivo em incisos
circundantes, alterações que porventura possam violar as denominadas cláusulas
pétreas, salvo por intermédio do Poder Constituinte Originário.
Sendo assim, frisa-se que os “meios” tecnológicos não poderão gerar
exclusão social pela implantação de seus mecanismos, nem tampouco violar os
Direitos e as Garantias Fundamentais, confirmando corroborativamente por essa via
o respeito ao cumprimento do princípio social inclusivo que a própria tecnologia
defende, apoiada na Constituição Federal.
Esse processo incentiva a condução da caravana inclusiva para a
conscientização da espécie humana, na medida em que os “meios” tecnológicos têm
condições de promover um alcance maior perante todos os níveis sociais.
Nesse processo, a pedagogia do acesso e sua repetibilidade educativa,
desenvolvidas por diversos formatos, não somente facilitam mas geram condições
alternativas de tratar-se de um mesmo tema, por intermédio de estratégias
diversificadas, metodologia interativa e integrativa, que se identifiquem com as
tendências atuais do mundo contemporâneo.
A rede tecnológica constitucional terá condições de fazer da Constituição um
manual de acessibilidade a todos, sempre atualizada, em consonância com a
publicização dos novos tempos, mas com critérios preestabelecidos com o escopo
de harmonizar o direito à imagem, à privacidade, à propriedade privada e intelectual.
Os choques de temporalidades são ajustáveis, portanto contornáveis, dando
efetividade material aos Direitos pelos “meios” tecnológicos, evitando com isso
qualquer forma de exclusão.
255

Tudo indica que tais “meios” se mostram idôneos para a concretização dos
propósitos constitucionais na busca de consolidar o almejado Estado Democrático
de Direito, que não resiste ao preconceito demarcado pelo limite cognitivo da
inteligência humana que, de certo modo, passa a ser superado pela gradual
compreensão dos novos conhecimentos.
Essa nova linguagem tem em sua estrutura uma performance que possibilita
ao sistema de leis conseguir dialogar com os Direitos em um tempo mais exíguo,
dando completude à juridicidade normativa e com isso evitando um distanciamento
entre os membros da mesma comunidade.
A precisão que a tecnologia traz – através de sua forma de materialização
(linguagem de programação) – a faz ser uma espécie de comunicação apta não
somente para a socialização do acesso, mas também para socialização da
compreensão do cidadão quanto a seus Direitos e suas Garantias Fundamentais, a
partir de uma participação positiva alusiva aos ensinamentos de Hans Schneider.
Por essa interface, a Constituição, patrimônio público da sociedade, fruto de
conquistas demoradas e demasiadamente custosas, possibilita ao Estado e ao povo
desenvolverem um envolvimento mais próximo, estimulando o engajamento e o
desenvolvimento jurídico-político, fechando com isso o fosso demarcado pelo
desinteresse participativo na conjugação sociedade-Estado.
Com esse ativismo social voltado ao interesse da legalidade jurídico-política,
o Estado deve passar a ofertar uma prestação de serviços judiciários com ênfase em
uma jurisdição destacada pelo princípio da realidade, da razoabilidade e da
interdição dos arbítrios, conforme esclarecem Ávila e outros (2008, p. 94-95):

O princípio da realidade não estará satisfeito quando os fatos são


considerados distintamente do que a realidade os exterioriza, ou seja,
proscreve-se que se a desconheça ou que se a distorça, ainda que
involuntariamente, por erro de apreciação. O princípio da razoabilidade
estará voltado quando falte a necessária adequação, o que inclui a
necessidade e a proporcionalidade do objeto, à finalidade do ato.O princípio
da interdição do arbítrio estará transgredido quando o ato de poder
praticado não estiver suportado em motivação explícita ou implícita, que
justifique pretendidas desigualações quanto à proteção dos direitos
fundamentais.
256

A tecnologização das ações humanas está em melhor conformidade com a


manutenção não somente dos Princípios e Garantias Fundamentais como dos atos
de decisão, em que tenha, a priori, por definido o entendimento consolidado da
subsunção normativa.
Quer dizer: não que não se possa abarcar inclusive por seus “meios” a
ponderação do sistema normativo com os fatos sociais – o que não se revela
impossível – e a possibilidade de mapear analiticamente as relações sociais e todo o
ordenamento jurídico, dando a eles critérios objetivos, com isso, classificando-os e
categorizando-os por meio de matrizes lógicas.
Infere-se que a existência de princípios, subprincípios, regras, etc. sinaliza
uma materialidade expansiva que tem como escopo diminuir a discricionariedade
dos delegatários dos Estado, que devem ater-se ao Estado de Direito. Tal
preocupação tem-se comprovado pelas ações perversas praticadas pela espécie
humana, narradas e registradas pelas histórias do Judiciário. Direito é um serviço
público cuja prescrição Constitucional determina que seja consumido com
estabilidade em previsivibilidade.
Por isso, obter o efetivo resultado constitucional por outros “meios” legais e
legitimados pelos destinatários, além de dar uma maior tranquilidade à constelação
de Direitos e Garantias Fundamentais consagrados na Carta Magna, contribui para
que o Estado possa cumprir com sua agenda principiológica da eficiência, da
economicidade, da efetividade e da responsividade, conforme retratam Ávila e
outros.191

191 “Portanto, se a clássica característica jurídica da eficácia estaria satisfeita desde que o ato
alcançasse aptidão para a produção dos resultados visados, a nova característica jurídica da
eficiência foi adiante de modo que só estará satisfeita quando esses resultados pretendidos forem
efetivamente alcançados e qualificados por uma correlação ótima entre os meios empregados e o que
efetivamente se logrou. Segundo essa linha, a economicidade é um critério que teria da eficiência,
pois resultará da aferível e adequada proporcionalidade dos recursos despendidos aos resultados
obtidos, razão pelo qual o seu emprego nas finanças públicas passou a representar um dos mais
importantes avanços do Direito para o controle do que foi outrora indevassável, reserva de arbítrio
administrativo, um teimoso resquício regaliano que até pouco prevalecia na administração dos gastos
públicos. Do mesmo modo, a efetividade também é um critério derivado da eficiência, só que seu
ambiente de exigência é mais amplo, uma vez que a correlação ótima entre os meios empregados é o
que efetivamente se logrou e passa a ser aferida não apenas in casu, mas tendo em vista o benefício
para o conjunto da sociedade, ou seja, considerando ao ato do Poder Público, seja ele normativo,
administrativo ou judicativo, está produzindo no meio social aqueles efeitos que haviam sido abstrata
e genericamente visados na ordem jurídica [...] a responsividade consiste na obrigação de o agente
público responder pela postergação ou pelo desvio da vontade popular democraticamente
manifestada, fato que pode ocorrer mesmo que os parâmetros da legalidade estrita estejam
satisfeitos (ÁVILA. Humberto. (Org). Fundamentos do Estado de Direito: estudos em homenagem
ao Professor Almiro do Couto e Silva. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 95)”.
257

A validade dos princípios não está para a existência tanto quanto para sua
recorrente funcionabilidade; o desuso ou a falta de conhecimento de sua existência
e relevância fazem com que o Direito perca sua efetiva finalidade.
A tecnologização fomenta a disseminação do conhecimento, a
conscientização e a participação social, ou seja, o ativismo social jurídico
participativo gera inclusão com o uso dos “meios” tecnológicos, promovendo assim a
sedimentação da Democracia material.
O sistema ofertado pela tecnologia da Inteligência Artificial sinaliza para
potencial juridicidade ao ordenamento jurídico, uma vez que a legalidade pós-
positivista está para além do texto da legalidade estrita. Ao contário, congrega e
exige integração, unificação, uniformização e sistematização de todas as espécies
de dispositivos para a proteção dos Direitos e das Garantias Fundamentais.
Essa necessidade alberga destaque e não pode ser eclipsada pela
ineficiência dos “meios”, exigindo reconhecimento e aplicabilidade pelo Estado de
uma forma mais eficiente.
Em sendo a carta política Constitucional um documento Público projetado
para a proteção dos Direitos e das Garantias Fundamentais de forma interativa e
integrativa, nos termos do par. 2º do artigo 5º da CF, a produção legislativa deve ser
realizada pelo controle e pela participação (aprovação x reprovação) de seus
agentes.
Portanto, os agentes políticos são escolhidos com a finalidade própria para a
edificação das leis por ser um ato com característica legislativa por excelência, mas
que não suprime a legimidade plurarista da sociedade em sua posição
socioparticipativa legislativa.
Nesse processo, a publicização é um elemento substancial em que a
tecnologia como meio atuante, interativo, integrativo e publicista garante aos Direitos
a intimidade e a privacidade da pessoa como elementos que estão encapsulados
pelo princípio da dignidade da pessoa humana, inciso III do artigo 1º da CF.
Na mesma proporção em que abre o acesso, também oferece controle por
intermédio da rede de dados e informações quanto ao uso ilegal de seus fins,
facilitando rapidamente ao transgressor, o bloqueio e a suspensão da acessibilidade
às redes.
258

Desde que seus usuários sejam cadastrados ou para alguns fins,


credenciados para a liberação de acessos a efetiva participação, como define o
“marco civil da internet”, oficialmente chamado, impresso na Lei nº 12.965, de
23/4/2014.
A informatização tecnológica, seja pelo uso no transporte de dados e
informações, seja pela fundação de uma banda para a operação de um sistema
judiciário em plataforma tecnológica e de interface tecnológica.
Representa um meio dos novos tempos que, além da publicização,
corroborará para o cumprimento do princípio da economicidade com maior acesso
às políticas públicas judiciárias e às ações dos seus agentes.192
Toda essa tendência dos novos tempos não pode afastar-se da segurança
jurídica dos Direitos e das Garantias Fundamentais. Para isso, deve viabilizar a
certeza e a previsibilidade da atuação jurisdicional de suas decisões em
consonância com o princípio da legalidade e da juridicidade-estabilidade emanadas
pela ordem estatal.
Tal relação sistematizada é possível de ser alcançada pelos “meios”
tecnológicos em tempo menor, a partir da possibilidade de centralização dos dados e
das informações dos Direitos, promovendo assim maior confiança do jurisdicionado
ao sistema nacional jurisdicional. Segundo a New Scientist, em artigo “Law by
algorithm: Are computers fairer than humans?”193

192 Em tal sentido, Ávila e outros consideram “[...] a Democracia como processo de controle de
agentes políticos e de políticas públicas, na qual pouca ou quase nenhuma dificuldade se apresenta
como óbice para ser amplamente implantada. Para esta terceira vertente da democracia material
nada mais é necessário do que uma ampla admissão de adequadas modalidades de controle social
no ordenamento jurídico, e, para bem empregá-las uma espécie de preparação cívica, suportada por
uma livre e ampla rede de informações. / Mas como esses dois requisitos não podem ser
considerados de difícil superação nesta era da informação, como apropriadamente a denomina
Manuel Castells, mesmo em países em via de desenvolvimento, tem-se que, por um lado, a
preparação cívica se pode dar pari passu com a educação regular em todas as escolas,
notadamente na prática diuturna da discussão dos temas coletivos e da tomada de decisão em grupo,
e, por outro lado, a ampla e livre rede de informação é proporcionada pela mídia e pela internet, dá-se
que esta vertente de realização da democracia material é bastante promissora a curto prazo,
justificando-se que sobre ela sejam concentrados os esforços oficiais (ÁVILA. Humberto. (Org).
Fundamentos do Estado de Direito: estudos em homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva.
São Paulo: Malheiros, 2005, p. 111)”.
193 “Lei por Algoritmo: Os computadores são mais justos do que os humanos?” Disponível em:
<https://www.newscientist.com/article/mg22229735-100-law-by-algorithm-are-computers-fairer-than-
humans/>. Acesso em 24 dez. 2015.
259

Some have even proposed making an algorithm the law itself, with tools that
could automatically sniff out contract violations, problematic patents or
election fraud. Lisa Shay at West Point in New York and colleagues have
suggested rewriting “amenable laws” – those that deal with clear-cut cases
of right and wrong – so that algorithmic law enforcement could understand
them. They have already attempted to build computer systems that can
issue speeding tickets.194

Essa perspectiva tem grandes chances de consolidar-se não somente pela


eficácia e pela efetividade das leis, mas pela eficiência dos “meios”. O dispositivo
como imperativo no sentido de ordem vê-se legitimado pela possibilidade de
disseminação e propagação de seu alcance normativo, reforçando a identidade do
sistema.
Sua previsibilidade, de um modo geral, gera maior estabilidade sistêmica no
âmbito da prestação juridiscional. A transição ou a implantação de modelos ou
formas de atuação do Estado sobre os “meios” de mediação do Direito, desde que
balizada na preservação e garantia dos preceitos constitucionais, não teria razão
para resistir à não utilização.
Em quaisquer circunstâncias, é necessário avaliar a constelação de princípios
e as regras existentes, para a ação mediadora não vir a arranhar o ordenamento
jurídico em sua simetria legal, nem tampouco suprimir os Direitos e as Garantias
individuais em decorrência de expressa proibição Constitucional.
Por outro vértice, a cautela ou simplesmente o cuidado técnico profissional
dos intérpretes não tem o condão de restringir a inclusão de “meios” que preservem
e garantam o efetivo alcance dos valores principiológicos de um Estado
Constitucional.
É importante colocar em evidência que a publicização dos “meios”
tecnológicos deve preservar a confiança e garantir que as tecnologias em
Inteligência Artificial não coloquem em conflito a confiança que a Justiça deve
outorgar por sua própria natureza, além de fragilizar os valores conquistados e
consolidados a serem conservados entre o Estado e o cidadão.

194“Alguns têm mesmo proposto um algoritmo para fazer a própria lei, com ferramentas que podem
farejar automaticamente violações de contratos, patentes problemáticas ou fraude eleitoral . Lisa
Shay em West Point , em Nova York e seus colegas sugeriram reescrever "leis passíveis " - aqueles
que lidam com casos óbvios de certo e errado – aplicação da lei para que algorítmica poderia
compreendê-los. Eles já tentaram construir sistemas de computador que pode emitir multas por alta
velocidade”. Tradução minha.
260

Para isso, uma política-jurídica de planejamento para o uso dos recursos


tecnológicos é essencial, além de seu constante aprimoramento, para que os
Direitos e as Garantias Fundamentais não sejam violados.Isto não significa a
supressão de possíveis instabilidades, nem tampouco o afastamento do raiar de
novas ideias que se materializarão no tempo e no espaço, conforme esclarecem
Ávila e outros.195
É, portanto, da natureza do Direito a mutabilidade oriunda da tensão essencial
registrada pela linha divisória da ruptura, sendo assim, voltando os olhos para a
Constituição Federal, é inafastável conter em sua estrutura mecanismo de alteração
ou inclusão, seja por intermédio de emendas constitucionais, leis e suas espéciesou
por intermédio do Poder Constituinte Originário.
Disso se deprende que a carta Magna dispõe de mecanismos de
adaptabilidade e adequação para conciliar-se com a nova realidade social de cada
tempo histórico em que ela rouba a cena, sem desvencilhar-se do princípio da
segurança jurídica e da confiança legítima, que funciona de forma cooperativa e
coordenativa na relação entre Estado e sociedade.
Em razão dessa mobilidade que tem como finalidade a proteção de um
estado de coisas, a participação da inteligência tecnológica – desde que em
conformidade legal com a Lei Maior – não pode ser um obstáculo para o avanço da
história da espécie humana, principalmente se as mudanças tende a reforçar e
otimizar a o alcance dos Direitos e das Garantias Fundamentais. Segundo Ávila
(2005, p. 72),

195 “Não que as situações de vida sejam em si mesmas imóveis, previsíveis, estáveis e permanentes
– Heráclito já clamara o constante dinamismo e mutação das coisas: Pântarei, tudo flui. Mas
Parmênides, ao só reconhecer validez ao eterno, não estava destituído de razão, e a história do
Direito o comprova; o ordenamento jurídico é perpassado por uma secular relação, de tensão entre
permanência e ruptura, entre estabilidade e mudanças, entre o que tende a ser eterno e o que tende
à perpétua mudança. Em outras palavras, o ordenamento jurídico, tal qual a vida, equilibra-se entre
os polos da segurança (na abstrata imutabilidade das situações constituídas) e da inovação (para
fazer frente ao pântarei). Assim, na relação (que é fundamental) entre tempo e direito, a expressão
“princípio da segurança jurídica” marca, como signo de significados que é, o espaço de retenção, de
imobilidade, de continuidade ou de permanência: valoriza, por exemplo, o fato de o cidadão não ser
apanhado de surpresa por codificação ilegítima na linha de conduta da administração, ou pela lei
posterior, ou pela modificação na aparência das formas jurídicas (ÁVILA. Humberto. (Org).
Fundamentos do Estado de Direito: estudos em homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva.
São Paulo: Malheiros, 2005, p. 133)”.
261

[...] os princípios, ao estabelecerem fins a serem atingidos, exigem a


promoção de um estado de coisas – bens jurídicos – que impõe condutas
necessárias à sua preservação ou realização. Daí possuírem caráter
deôntico-teleológico: deôntico, porque estipulam razões para a existência de
obrigações, permissões ou proibições; teleológico, porque as obrigações,
permissões e proibição decorrem dos efeitos advindos de determinado
comportamento, que preservam ou promovem determinado estado, de
coisas. Daí afirmar-se, que os princípios são normas-do-que-deve-ser
(ought-to-be-normal); seu conteúdo diz respeito a um estado ideal de coisas
(state of affairs).

A Inteligência Artificial e suas ramificações em plataforma em interface


tecnológica desde que criteriosamente programadas, avaliadas, testadas e
certificadas, e garantindo-se a redundância em estabilidade (dinâmica e funcional),
representam “meios” não somente de preservação dos valores insculpidos na carta
política Constitucional como instrumento hábil para a realização concreta, ou seja,
para o alcance da materialização dos Direitos e das Garantias Fundamentais
previstos.
Esse movimento da tecnologização do sistema jurídico e, consequentemente,
de sua estrutura, sedimenta uma nova prática de aplicação do Direito da Justiça. O
comportamento haurido das ferramentas tecnológicas aponta para uma ação mais
rápida dos ideais até o presente muitas vezes atingidos de forma parcial.
É certo que a parcialidade da concretização cristaliza não somente um
avanço histórico da humanidade como os “meios” pelos quais ela vem
desenvolvendo para alcançar o Estado Constitucional materialmente idealizado.
Isso não significa, no entanto, que as clássicas formas ou os clássicos
pensamentos não foram importantes. Eles podem ser compreendidos como
tecnologias que contribuíram em determinado estágio do desenvolvimento político-
jurídico e parcipativo-jurídico.
Em determinado momento passou a ceder a uma ruptura que registra
mudanças de um paradigma político-jurídico, no qual o saudosismo desse
rompimento deve ser compensado pelo prazer da evolução, proporcionado por um
novo sistema judiciário e suas novas ferramentas para a resolução de conflitos.
262

Com a Era das descodificações a descentralização dos códigos com suas


diretrizes normativas, consolida-se uma forte tendência dos microssistemas, diante
da necessidade e da utilidade voltada ao contigente massificado, a tecnologia
representa um “meio” eficaz de sistematização, integração, unificação e
uniformização do Direito. Inclusive de um Direito produzir legislativamente segundo
as regras de um sistema digital. Segundo Barroso (2008, p. 9),

O Direito Constitucional define a moldura dentro da qual o intérprete


exercerá sua criatividade e seu senso de Justiça, sem conceder-lhe,
contudo, um mandato para voluntarismos de matizes variados. De fato, a
Constituição institui um conjunto de normas que deverão orientar sua
escolha entre as alternativas possíveis: princípios, fins públicos, programas
de ação.

O limite ou a delimitação Constitucional representa o espaço do aceitável


como justo. Se isso é uma informação que tem aceitabilidade no plano da
legalidade, legitimidade e licitude, é possível que se projete por intermédio de uma
linguagem de programação dentro dos critérios de regras e exceções adotados, as
respectivas leis do ordenamento jurídico.
Também se pode, a partir de decisões pacificadas e que respeitam a
classificação de “cases”, pela moldura Constitucional, que um sistema tecnológico
possa classificar por identidade de semelhança (precedente) e, a partir dessa
catalogação, estabilizar uma escolha uníssona de Direitos para as demandas
repetidas, portanto, que tenham correlação de fato e de Direito.
Com isso, o Direito como técnica de criação humana para pacificação social
passa pelo crivo da instrumentalidade do poder de dominação de classes, para um
instrumento de estabilização pela inclusão e pela conscientização da sociedade
digital.
Por esse vetor, torna-se se possível que o projeto do Estado Democrático de
Direitos e Garantias Fundamentais se pontifique e com ele se consolide o Estado
Constitucional idealizado, valendo-se dos “meios” tecnológicos para pontificá-lo.
Essa nova ferramenta do conhecimento é fruto da inteligência humana e da
sua capacidade para a descoberta. O desenvolvimento de um novo meio de
canalização do Direito e da Justiça faz desse patrimônio social um diploma com uma
maior publicização.
263

O exercício constante participativo aumenta a legitimidade em decorrência de


maior consciência dos Direitos e das Garantias Fundamentais e com isso a
certificação da legalidade dos dispositivos legais.
A tecnologização do Direito afirma uma crítica acentuada ao revelar a
violência a qual o sistema jurídico sofre desde os tempos mais remotos, de uma
injustiça embrionária que, com esse novo meio, passa a ser um tira-teima, um
replay, da forma pela qual o Direito é mediado pela inteligência humana.
O desnível da linguagem utilizada para a disseminação social do Direito e seu
funcionamento sempre esteve a reservar o diálogo restritivo entre os seus
operadores oficiais, com isso não favorecendo a essencial pedagogia de
transformação, em que o Direito deve ser reconhecido como conhecimento teórico e
prático de uma agenda educacional cidadã.
Ao contrário, é instrumento que tem submetido a sociedade às torturas da
catequização; essa nova teorização metodológica estaria vocacionada a
constitucionalizá-la, pela via do acesso aos Direitos e às Garantias Fundamentais.
O canal da tecnologia abre espaço para a inclusão, a participação, a
reivindicação, o apontamento das ilegalidades e, com isso, para o importante papel
da legitimidade.
Pode, ainda, ser um meio idôneo e capaz de otimizar a jurisdição tanto como
auxiliar como em substituição à jurisdição ordinária, em que o Direito e os fatos
jurídicos tenham cristalizado um entendimento conclusivo objetivo no firmamento da
tese, conforme está incorporado no novo reformado CPC.
Resta sempre em tais hipóteses não mais um caráter interpretativo, mas
simplesmente aplicativo/repetivo do Direito, de forma objetiva, que pode ser
realizado via sistema tecnológico de interface juridiscional digital.
Embora a jurisdição estatal seja um Direito e uma Garantia em respeito ao
princípio do Juiz natural, ela não é exclusiva. O que o sistema Constitucional exige é
que qualquer meio de fazer Justiça preserve e garanta os Direitos e as Garantias
Fundamentais.
264

A função da jurisdição ordinária é de proteção, de vigilância, de guardiã, nem


sempre materialmente concretizada por razões de sua natureza e dos limites
impostos a ela, mas que não afastam a significativa contribuição tanto da função
principiológica como do tipo de inteligência que a referida espécie cultiva.
Reconhece, todavia, outros tipos de jurisdição, tais como a especial, a
extraordinária ou a anômala.
Portanto, a tecnologia como “meio”, não menos suscetível a “erros” ou
“falhas” não pode ser penalizada pela desconfiança estabelecida nem pelo
preconceito da cognição da inteligência humana.
Condição existente e inerente, independentemente das distinções entre
princípios e regras de Direito, dos mecanismos de ponderação, o certo é que a
preservação e as garantias para a segurança do Estado de Direito para a
concretização da Justiça exigem critérios de adequação na formulação de
mecanismos que precisam da efetividade Constitucional.
Nesse contexto, a inteligência humana vale-se de sua capacidade cognitiva
para interpretar a interlocução do sistema normativo. Esse processo, tratanto-se de
Direito Constitucional como célula mater de referência para todo o ordenamento, a
inteligência humana, nesse processo hermenêutico de avaliação e validação,
segundo Barroso tem a seguinte compreensão (2008, p. 30):

A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas em geral e


as normas constitucionais em particular, enquadram-se em duas grandes
categorias diversas: os princípios e as regras. Normalmente, as regras
contêm relato mais objetivo, com incidência restritiva às situações
específicas às quais se dirigem. Já os princípios têm maior teor de
abstração e uma finalidade mais destacada no sistema. Inexiste hierarquia,
entre ambas as categorias, à vista do princípio da unidade da Constituição.
Isto não impede que princípios e regras desempenhem funções distintas
dentro do ordenamento.

Superada a importância e a essencialidade dos preceitos constitucionais, o


problema então passa para a aferição, o ajustamento e a concretização do
idealizado Estado Constitucional. A legalidade passa a ser compreendida como
legitimidade e licitude.
265

A moldura estabelecida passa a estar delimitada dentro da orla estalebelecida


pelo diploma Constitucional em qualquer concepção. Isso se dá pelo objetivo
máximo que se busca para a preservação e a efetiva realização dos fins difundidos
pelo escopo da mencionada carta política.
A inteligência em língua, linguagem e todo o arcabouço que faz com que tal
processo de comunicação se materialize e palmilhe neste sentido tem avançado nas
últimas décadas, ganhando destaque a tecnologia, cuja agenda de desenvolvimento
vem a cada dia demonstrando que por trás da inteligência humana existe – em
suas ações intelectivas ou mecânicas – uma fórmula com variáveis e propriedades
que estabelecem e condicionam o comportamento dessa espécie, tornando possível
entender e compreender como se dá a lógica de suas ações e reações
esquematicamente.
A tecnologia e toda a estrutura engendrada pela Inteligência Artificial possui
mecanismos capazes de formular “meios” adequados a auxiliar a jurisdição ordinária
ou atuar como jurisdição especial cibernética na mediação para a solução de
conflitos.
Em sendo avalizada pelo Estado, incoporando essa modalidade de jurisdição
desde que filtrada e compatível com o Direito Constitucional, apresenta-se como útil
sua oferta à sociedade como um todo. O Direito é uma criação humana para
condicionar, regular e corrigir comportamentos em busca de equacionar o equilíbrio
social, evitando ou combatendo conflitos.
A tecnologização do Direito representa uma ferramenta capaz de extensionar
a solução para casos idênticos e repetidos, de forma mais adequada para uma
quantidade maior de jurisdicionados ou massa de casos identidários, com isso
evitando os riscos da interpretação caso a caso e das decisões conflitantes,
hereditária da dogmática jurídica com sua dinâmica. Para Queiroz Assis (1995, p.
101). “A positivação do direito segue-se a concepção de sistematiza-lo e que
implicou na valorização pelos juristas dos preceitos legais surgindo, em França, já no
século XIX, a Escola da Exegese”.
Os “meios” tecnológicos apresentam-se em um formato de inteligência distinto
e diferenciado, e surge em um momento em que o projeto do Estado Democrático de
Direito encontra-se fragilizado pelas vicissitudes da inteligência humana e suas
ações comportamentais.
266

A corrosão do caráter (Richard Sennet) é tamanha que o Estado


Constitucional, embora existente, não alcança o plano material de forma plena. O
Estado é indisciplinado por excelência e se revela com problemas sérios e profundos
em sua estrutura, principalmente por se posicionar de forma alienada a realidade
vigente, afastando-se de suas responsabilidades. Segundo Adeodato (2011, p. 83).

Outro importante precursor do realismo é Thomas Hobbes, cuja defesa do


absolutismo, curiosamente, fundamenta-se numa teoria contratualista e na
soberania popular. O Estado constitui-se como resultado do contrato social
e, por não ser parte, não se obriga sequer a ele. Os cidadãos, não
suportando o estado de natureza do homem como lobo do homem,
entregam ao soberano todos os seus direitos naturais. Logo, não há direitos
acima da soberania constituinte, nenhuma amarra prévia às opções do
Leviatã, também um postulado básico do positivismo que estava por vir.

Todavia, em uma concepção mais abalizada do ponto da vista da atualidade,


o Estado em sua essência além de ser a soma dos cidadãos, parte-se do
pressuposto de que o Estado passa a ser o maior interessado na instrumentalização
tecnológica da sua estrutura. O desfiliamento dos aspectos partidários e a supressão
dos preconceitos geram um solo propício à condução de novas ideias aos seus
novos propósitos.
No âmbito do Judiciário, a crise existente deve levar as cabeças oficiais a se
afastarem de debates infindáveis e se posicionarem amparados em uma nova
cognição capaz de garantir uma razoável duração do processo, tendo na
tecnologização das formas a celeridade necessária e essencial para a tramitação
dos Direitos.196

196 Segundo Coutinho e outros, “A questão da revisão das relações funcionais se coloca no centro do
debate de uma teoria do/para o Estado Constitucional que considere, além dessa recomposição da
especialização de funções, os problemas e dificuldades que se apresentam, para a realização dos
projetos constitucionais contemporâneos. De forma explícita, a necessidade de reconstrução das
respostas clássicas acerca da realização do Estado Constitucional se apresenta como o [um dos]
problema (s) fundamental (is), considerando-se como dito acima, um ambiente de escassez e de
emergência e de mudanças paradigmáticas. / Neste último aspecto parece-nos fundamental que se
estabeleçam instrumentos adequados para o que se poderia caracterizar como mecanismos de
informação Constitucional,através dos quais o juiz Constitucional teria melhores condições para
promover o desvelamento da norma Constitucional, o que, entretanto, não é suficiente para
solucionar o déficit democrático presente neste âmbito de ação estatal (COUTINHO, Jacinto Nelson
de Miranda; MORAIS, José Luis Bolzan de; Streck, Lenio Luiz (Org.). Estudos constitucionais. Rio
de Janeiro: Renoar, 2007, p. 170)”.
267

A preocupação sinaliza para um primeiro momento da necessidade de se ter


uma infraestrutura judiciária capaz de auxiliar o Estado/Juiz no processo de
disseminação para uma conscientização Constitucional pelo canal da
informatização.
Todavia, a questão posta não supera o problema do déficit democrático
proposto pelo Estado para a concretização idealizada dos Direitos. Essa questão
ainda ganha maior relevo, porque, na medida em que a promessa não se faz
cumprir, torna-se sintomática a sensação de que o Direito estatal vai-se esmaecendo
frente aos seus fins.
A materialização dessa atmosfera é visível, uma vez que o Estado passa a
ser o primeiro descumpridor de seus propósitos institucionais e, de maneira reflexiva,
passa a influenciar a sociedade a não cumprir os comandos legais, a sequer
interessar-se por sua compreensão para conduzir a uma participação política-jurídica
efetiva.
Os “meios” implementados são lentos, visto serem burocratizados pela
participação humana. Com isso, o fosso da não emancipação por uma consciência
crítica e consciente dos Direitos e das Garantias Fundamentais dividem o espaço
com um projeto de Estado Democrático de Direito em crise, porque insiste em fazer
a travessia dos novos tempos utilizando-se de “meios” não mais eficazes. Para
Morais e outros (2007, p. 159):

Deste contexto emerge uma disputa profunda no entorno do Estado


Constitucional, como Estado Democrático do Direito, seja no que diz com
uma crise de realização como crise estrutural de políticas públicas voltadas
à concretização de suas promessas, seja, e até mesmo em razão desta,
uma crise funcional que se expressa por uma disputa pelos espólios da
capacidade de gestão e de regulação, deste mesmo Estado, como
fenômeno moderno, tal qual antes desenhado. Além do que, neste
emaranhado, a própria tradição do constitucionalismo se vê constrangido,
por uma insuficiência, profunda em dar resposta adequadas a tal dilema.

A crise do Estado cobra do Judiciário uma posição de porta-voz da


Democracia. Ao chegar ao Judiciário, sociedade tem encontrado um modelo que não
representa a Justiça idealizada nem tampouco a pretendida para o atendimento das
questões de Direito.É fruto de uma crise que tem suas origens nas entranhas de um
Estado sodado pela ausência de um planejamento público de que lhe é dever/fazer.
268

É necessário que os oficiais pensadores da Justiça reconheçam a


necessidade de fundir uma nova política judiciária e com ela um sistema judiciário no
qual a estrutura normativa seja escrita em uma linguagemcapaz de acompanhar
uma nova tendência de Direito e de Justiça.
É inevitável que o sistema se valha dos “meios” tecnológicos, desde que
preservem as garantias estabelecidas na carta política Constitucional, podendo fazer
com que o projeto do Estado Democrático de Direito seja alcançado por todos, sem
que a dialética da evolução seja interrompida dentro de uma agenda histórico-social
que faz em si e por si com a participação ativa dos atores humanos e não humanos.
Acredita Hannah Arendt (2003, p. 03) “ser evidente que o homem é dotado, de uma
maneira altamente maravilhosa e misteriosa, do dom de fazer milagre”. A saber, ele
pode agir, tomar iniciativa, impor “um novo começo”.
Há uma tensão que dificulta o Estado e seus oficiais juristas em aceitar um
novo modelo de Justiça e de Direito gerido ou gestado a partir da tecnologia; é
possível enxergar neste comportamento uma situação normal, diante do
desconhecido e não previsto na tradição formadora.
O novo ou o desconhecido em geral causam afastamento, preocupação e
desconfiança, efeitos que demonstram o quanto a ancestralidade antropológica do
passado ainda habita a espécie humana. São atitudes, no entanto, superáveis com o
processo de emancipação pela permissão dos novos conhecimentos. Para Arendt
(2003, p. 29),

Pois nenhum homem pode viver sem preconceitos, não apenas porque não
tem inteligência ou conhecimento suficiente para julgar de novo tudo que
exigisse um juízo seu no decorrer de sua vida, mas sim porque tal falta de
preconceito requereria um estado de alerta sobre humano.

O preconceito que contamina e influencia a inteligência humana, do ponto de


vista Constitucional não encontra referência, uma vez que o Estado de Direito
encontra-se protegido pelo desejo latente do cumprimento dos Direitos e das
Garantias Fundamentais impressos no diploma Constitucional.
O uso da Inteligência Artificial em semelhante processo não subtrai do Estado
seus princípios basilares plasmados no artigo 37 da CF, pois qualquer lesão aos
Direitos e às Garantias são passíveis de que o Estado – por intermédio da jurisdição
– se movimente para a devida correção.
269

A jurisdição, nesse sentido, como já feito menção anteriormente e que volta


ao comento, tem previsão Constitucional nos incisos XXXVII (não haverá juízo ou
tribunal de exceção) e LIII (ninguém será processado nem sentenciado, senão pela
autoridade competente).
São ambos capitaneados pelo artigo 5º da CF, bem como pelo artigo 95 do
mesmo diploma, que consagram as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e
irredutibilidade de subsídio, dispositivos que consagram o princípio do Juiz natural.
Esse princípio também encontra proteção no rol das cláusulas pétreas como
já mencionado, no entanto, sua existência é apenas uma condição como forma
disponibilizada ao jurisdicionado pelo Estado para a resolução de conflitos e
proteção dos Direitos e das Garantias Fundamentais, como esclarecem Zaiden Neto
e outros.197
No mais, em relação aos outros princípios, tais como o da dignidade da
pessoa humana, inciso III, art. 1º, inciso I, do art. 3º, inciso LXXVIII, do artigo 5º
dentre outros não menos importantes, em respeito ao princípio da unicidade e da
integridade constitucional, enfatiza-se a presença da jurisdição estatal como forma
de obter uma resposta a uma questão de Direito, considerando a priori a proibição
da autotutela e a inafastabilidade do Poder Judiciário como guardião da ordem
Constitucional.
Disso vaza a oportunidade de que se possam buscar outros “meios” para uma
solução de conflitos, questão superada pela doutrina e pacificada pelo STF quando
da análise do confronto entre o inciso XXXV, do artigo 5º da CF e a lei 9.307/96 e
desde que os Direitos e as Garantias Fundamentais sejam respeitados. Para
Couture (2010, p. 112) a jurisdição estatal representa um modelo, uma forma de
subordinação do jurisdicionado a ordem estatal de Direito:

197 “Não se percebeu que, se no Estado Liberal seu campo de atuação era limitado ao de
solucionador de conflitos que se desenrolavam fundamentalmente no espaço privado e onde o uso da
lei seria privilegiado, confundida que era ela, a lei, com o conceito maior de justiça,no Estado
Democrático de Direito social sua atuação é outra, passando ele – Juiz – a julgar conforme os
critérios de justiça plasmados na Constituição. / Este quadro justifica a necessidade de se cunhar um
novo modelo de juiz e, consequentemente, de um novo Poder Judiciário, que necessita se posicionar
de modo diferente daquele até então adotado, já que todo o seu fundamento de atuação passa a ser
justificado não mais pela conjugação política, mas sim pela proteção dos direitos fundamentais
previstos no texto maior (GERAIGE NETO, Zaiden. O princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional: art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2003, p. 106)”.
270

Tiendo, esto así, no puede hablarse entonces de relación entre las partes y
el juez, ni entre ellas mismas. El juez sentencia, no ya porque esto
constituya un derecho de las partes, si no porque es para el, um deber
funcional de caráter administrativo y politico: las partes no están ligadas
entre si, sino que existen apenas estados de sujección de ellas para orden
jurídico em su conjunto de possibilidades, de expectativas y de cargas. Y
esto no configura una relación, sino una situación, o sea, como se há dicho,
el estado de una persona frente a la sentencia judicial.

Afinal, sendo o fim precípuo do julgamento a Justiça, ou seja, decidir sobre


algo é um ato de julgar, esse movimento embalado por este verbo “julgar” em
qualquer circunstância deverá fincar sua base nos preceitos constitucionais.
É necessário ultrapassar a igualdade para atingir a liberdade em Direito, que
é o fim político-jurídico objetivado pelo Estado, denominado Justiça Constitucional,
que é o cálculo feito pelas regras do Direito para o fato social apresentado para o
aquilatamento.
Para semelhante procedimento, a Justiça estatal ordinariamente convoca o
Juiz natural para realizar a mediação do Direito na entrega da prestação
jurisdicional, afasta a priori a concepção de relação e matiza a ordem de sujeição do
jurisdicionado para a ordem jurídica estatal, conforme aduzido por Couture, que
corrobora neste sentido o entendimento de Gusmão Carneiro (2012, p. 35).198

198“No magistério de Cândido Dinamarco, “a jurisdição é a atividade pública e exclusiva com a qual o
Estado substitui a atividade das pessoas interessadas e propicia a pacificação de pessoas ou grupos
em conflito, mediante a atuação da vontade do direito em casos concretos. Ele o faz revelando essa
vontade concreta mediante uma declaração (processo de conhecimento), ou promovendo com meios
práticos os resultados por ela apontados (execução forçada). A jurisdição é, pois, manifestação do
poder estatal (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed.
São Paulo: Malheiros, 2010, p. 115. v. 1)”. E complementa o mesmo doutrinador, “O princípio do juiz
natural, segundo Nelson Nery Junior (com remissão a Karl Schwab, Gomes Canotilho, Vital Moreira e
Celso Bastos), consiste na exigência de determinabilidade, que é a prévia individualização dos juízes
por meio de leis gerais; na garantia de justiça material, decorrente da independência e imparcialidade
dos juízes; no estabelecimento de critérios objetivos para a fixação da competência dos juízes e na
exata observância das determinações referentes à divisão funcional interna. Resta vetada, destarte, a
designação, substituição ou convocação de juízes por parte do Poder Executivo ou do Poder
Legislativo, tarefa reservada com exclusividade ao próprio Poder Judiciário, em seu autogoverno
(RePro, 101:107). / Taxativamente proibidos que são, pela Lei Maior (art. 5º, XXXVII), os “juízos” e
“Tribunais de exceção”, a jurisdição somente pode ser exercida por pessoa legalmente investida no
poder de julgar, como integrante de algum dos órgãos do Poder Judiciário, previstos no artigo 92 da
Constituição Federal (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6.
ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 37. v. 1)”.
271

Nas duas condições trazidas pelo posicionamento doutrinário citado por Athos
de Gusmão Carneiro, na primeira citando Dinamarco, tem-se que a
substitutibibilidade é feita pelo Estado no gozo da atribuição da jurisdição e na
segunda hipótese, citando Nery, o Juiz de forma independente e imparcial
desenvolve por intermédio e em nome do Estado, na condição de Estado/Juiz a
jurisdição.
A jurisdição, sob esse aspecto, é o procedimento disponibilizado pelo Estado,
regulado por intermédio de um sistema processual cuja simetria se alinha aos
preceitos constitucionais.
Quanto a esses aspectos, é certo que a jurisdição estatal delimita o âmbito de
atuação e as competências de seus agentes, no entanto, fica claro que a referida
jurisdição, embora exclusiva quanto à sua natureza estatizada, não é a única no
sentido de mediação e conciliação do Direito para o alcance da Justiça.
É evidente, entretanto, que o cerne operacional de mediação do Direito pela
inteligência humana realizada pelo Estado/juiz tem rendido fartas discussões, na
medida em que a ponderação de que se vale essa tecnologia mediadora, muitas
vezes é influenciável e gera disfunções (instabilidade dos meios) quando da
objetivação da subjetivação da equação entre Direitos e fatos.
Isto registra certa preocupação, mas, ao mesmo tempo, torna público que a
operação, embora arriscada pela imprecisão e pela instabilidade, goza sempre de
uma delimitação aceitável do ponto de vista Constitucional.199É esse um dos fatores
que levaram o sistema a admitir outros “meios” alternativos para a resolução de
conflitos, afastando o caráter absoluto da jurisdição estatal para o ato de julgar,
porém mantendo-a como última racio, na ostensiva e minudente missão de vigiar os
Direitos e as Garantias Fundamentais.

199 Como esclarece Barroso, “O risco de tal disfunção, todavia, não a desmerece como técnica de
decisão nem priva a doutrina da possibilidade de buscar parâmetros mais bem definidos para a sua
aplicação. No estágio atual, a ponderação ainda não atingiu o padrão desejável de objetividade,
dando lugar a ampla discricionariedade judicial. Tal discricionariedade, no entanto, como regra deverá
ficar limitada às hipóteses em que o sistema jurídico não tenha sido capaz de oferecer em tese,
elegendo um valor ou interesse que deva prevalecer. A existência da ponderação não é um convite
para o exercício indiscriminado do ativismo judicial. O controle de legitimidade das decisões obtidas
mediante ponderação tem sido feito através do exame de argumentação desenvolvida (BARROSO,
Luís Roberto (Org). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e
relações privadas. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 350)”.
272

Sendo assim, outros “meios”alternativos para resolução de conflitos vêm


sendo adotados e tolerados pelo Estado, tais como arbitragem, mediação,
conciliação, dentre outros que não colidam e não violem os Direitos e as Garantias
Fundamentais, embora tais modelos alternativos tenham como operador central a
inteligência humana.
No entanto, nada impede que sejam implantados “meios” tecnológicos,
programados pela inteligência humana, a partir do desenvolvimento de plataforma
tecnológica jurídico-normativa e de interface em tecnologia como recurso alternativo
de mediar o Direito, devidamente regulado, avaliado e certificado pelo Estado.
Isso pode ocorrer sem que se violem os princípios e as garantias previstos na
Constituição Federal, utilizando-se dos recursos tecnológicos para auxiliar a
jurisdição (Estado/juiz), que atua de forma independente e com imparcialidade para
a resolução de conflitos. Segundo Willis Santiago (2007, p. 17),

Essa circunstância, por si só, já justifica que se veja a Constituição como um


processo, tal como propusemos em outra oportunidade. Sim, porque a
simples elaboração de um texto constitucional, por melhor que ele seja, não
é suficiente para que o ideário que o inspirou se introduza efetivamente nas
estruturas sociais, passando a reger com preponderância o relacionamento
político de seus integrantes. Também é importante a percepção de que a
realização efetiva da organização política idealizada da Constituição
depende de um engajamento maciço dos que dela fazem parte nesse
processo, e um Estado Democrático de Direito seria, em primeiro lugar,
aquele em que se abre canais para essa participação.

Não restam dúvidas de que os “meios” tecnológicos representam uma


ferramenta hábil e eficaz no processo Constitucional de inclusão social para a
emancipação da sociedade, bem como meio adequado e útil para a participação da
sociedade, fazendo com que a moeda da legitimidade passe a ter um novo
peso.200Esse movimento participativo poderá fadigar os operadores do Direito, que
veem cada vez mais a presença de seus interessados em busca de saber as razões

200 É o que se infere do trecho de lavra de Jane Pereira: “Portanto, desde a ótica da sociedade
aberta de interpretes, a Constituição passa a ser entendida como processo público, como “um vestido
que muitos bordam, não somente o jurista constitucional”. / Essa concepção reflete, de certo modo, a
progressiva interação entre as duas categorias que, em suas origens, revelam-se aparentemente
antitéticas e inconciliáveis: a democracia e o constitucionalismo. Com efeito, a tese do pluralismo
interpretativo confere lastro democrático à interpretação Constitucional, diminuindo o déficit de
legitimidade que lhe costuma ser imputado (PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação
constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos
fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 59)”.
273

e os motivos que levaram a determinado posicionamento de Direito perante as


cortes de julgamento.
Isto implica dificultar muitas vezes os canais em que a acessibilidade desse
contigente será ainda maior bem como fazer dos “meios” tecnológicos mecanismos
ou ferramentas que não somente auxiliem a estrutura judiciária como assumam
papéis vitais no desenvolvimento de programas que possam proporcionar um novo
“meio” alternativo para a resolução de conflitos.
O Direito aos “meios” tecnológicos tem simetria com o dever de proteção
Constitucional, isto é, se existe atualmente um comprometimento da estrutura
normativa do Poder Judiciário em decorrência de um atendimento de carga
parcialmente material, tal fato se destaca porque não somente as normas infra-
constitucionais não atingem seus fins bem como se encontram em déficit no Estado
Constitucional.
É obrigação do Estado gerir uma política-jurídica pública capaz de viabilizar
mais do que o acesso, mas a entrega dos Direitos materiais em um tempo razoável.
Se isso não acontece, significa que se tem prova evidente de que os “meios”
disponibilizados estão a sacrificar o Direito e a Justiça.
Exige-se do Estado, por essa maneira comportamental, o dever de proteger
a sociedade contra a lesão ou a ameaça aos Direitos e às Garantias Fundamentais
em decorrência da omissão estatal, como destaca Barroso (2008, p. 154):

[...] a teoria dos deveres de proteção, desenvolvida posteriormente,


reconduz o problema da tutela dos direitos fundamentais às relações entre
indivíduo e Estado. Segundo essa formulação, a dimensão objetiva dos
direitos fundamentais impõe comandos aos poderes públicos, que devem
atuar no sentido de evitar lesões aos bens jurídicos fundamentais. Assim,
partindo dessa noção é possível extrair da dimensão objetiva um direito
subjetivo, consubstanciado no poder de reclamar do Estado uma atuação
consistente em resguardar os direitos fundamentais de ameaças, mesmo
que perpetradas por particulares.

O reclamo recorrente ao Estado não pode mais ser ouvido e respondido com
a edição inflacionária de leis. A melhor lei já se encontra posta, é preciso, portanto,
viabilizar uma política judiciária em que haja efetiva tutela dos dispositivos
constitucionais já consagrados. O inciso LXXVIII do artigo 5º da CF autoriza
expressamente a adoção do uso da tecnologia da Inteligência Artificial como uma
das espécies de “meios”.
274

A Inteligência Artificial representa um “meio” dentre vários outros. Certo que é


o único respeito que deverá conservar sagradamente que sejam os Direitos e as
Garantias previstos na Constituição Federal liturgicamente respeitados em
conformidade com os interesses sociais dos seus reais destinatários.
275

11 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO ATUAL PARADIGMA (DE/DA)


JUSTIÇA

11.1 Uma Justiça com natureza judiciária

O aspecto Constitucional demarca a validade das leis que se encontram


dentro da estrutura do ordenamento jurídico do Estado. A relação entre
procedimento e substancialidade das leis quando de sua aplicabilidade são
parametrizadas pela ideologia garantista e dirigista da lei Constitucional.
Com base nesses parâmetros que se demarca o referencial do Estado
quando da governabilidade, da validação e da aplicação das leis, enquanto força
autorizada. Pois, mais do que regras, as leis somente se justificam por serem leis na
qualidade de racionalizadoras de segunda ordem; têm como pressupostos
condições legislativas estruturantes que as trasvestem de legalidade
(obrigatoriedade).
A carga valorativa, os fatores principiológicos e o amparo proporcionado por
esses fatores representam divisores de água no contexto da Democracia
Constitucional, aliás, são pontos relevantes e fundantes que dão elementos de
polaridade ao referido diploma no cume da pirâmide ordenamental.201

201 Para Streck,”O poder judiciário, em especial, a justiça constitucional, passa a ter um papel de
absoluta relevância, mormente no que é pertinente à jurisdição Constitucional. O Poder Judiciário não
pode assumir uma postura passiva diante da sociedade e na perspectiva substancialista, concebe-se
ao Poder Judiciário uma nova inserção no âmbito das relações dos Poderes do Estado, levando-o a
transcender, as funções de checks and balances, ou seja, como bem lembra Vianna, mais do que
equilibrar e harmonizar os demais poderes, o judiciário, na tese substancialista deve assumir o papel
de um intérprete que põe em evidência, inclusive contra as minorias eventuais, a vontade geral
implícita, no direito positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios como de valor
permanente na sua cultura de origem e no do Ocidente – o universalismo mais presente em
Cappelletti do que em Dworkin, este último mais próximo de um republicanismo cívico”. E ainda
esclarece reprisando pedagogicamente o mesmo autor (2007, p. 45), “Em síntese, a corrente
substancialista entende que, mais do que equilibrar e harmonizar os demais poderes, o judiciário
deveria assumir o papel de intérprete que põe em evidência, inclusive contra as minorias eventuais, a
vontade geral implícita, no direito positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios,
selecionados como de valor permanente na sua cultura de origem e na do Ocidente (STRECK, Lenio
Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7.
ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 46)”.
276

A definição proposta é um destaque que se apresenta ao modelo


predominante da estrutura judiciária e que atende aos anseios do legislador e de
como pretende supri-lo junto à sociedade, como destinatária final e maior
consumidora dos serviços jurisdicionais encampados pelo referido paradigma. 202A
questão evidenciada no caso do Brasil é a de compreender prima facie se existe
dentro do sistema da Justiça judiciária uma sedimentação do modelo substancialista
em detrimento do modelo procedimentalista, segundo Streck (2007, p. 50-51),

[...] no plano do agir cotidiano dos juristas no Brasil, nenhuma das duas
teses (procedimentalismo e substancialismo) é perceptível. Ou seja, se
estamos longe da postura substancialista – e a prática nos tem
demonstrado tal assertiva em face da inefetividade da expressiva maioria
dos direitos sociais previstos na Constituição e da postura assumida pelo
Poder Judiciário na apreciação de institutos. Como o mandado de injunção,
a ação de inconstitucionalidade por omissão, além da falta de uma filtragem
hermenêutica constitucional das normas anteriores, a Constituição Federal,
por outro lado, também não se pode afirmar que convivemos com uma
prática procedimentalista do tipo proposto por Habermas. Ora, a submissão
do congresso à reiterada utilização indiscriminada de medidas provisórias
por parte do Poder Executivo deixa claro o quanto estamos distantes de
promover o que Habermas denomina de “combinação universal e a
mediação recíproca entre a soberania do povo institucionalizada e não
institucionalizada”, enfim, o quanto estamos distantes da criação
democrática de direitos e da garantia da preservação dos procedimentos
legislativos aptos a estabelecer a autonomia dos cidadãos.

202 Para Streck, “O conceito de Estado Democrático de Direito aqui trabalhado pressupõe uma
valorização do jurídico, e, fundamentalmente, exige a (re) discussão do papel destinado ao Poder
Judiciário e (a Justiça Constitucional) nesse (novo) panorama estabelecido pelo constitucionalismo do
pós-guerra mormente em países como o Brasil, cujo processo Constitucional assumiu uma postura
que Cittadino denomina de “Comunitarista” onde os Constitucionalistas (Comunistaristas) lutaram
pela incorporação dos compromissos éticos- comunitários na Lei – Maior, buscando não apenas
reconstruir o Estado de Direito, mas também “resgatar a força do Direito””. Em arremate, afirma
Streck (2007, p. 39): “A noção de Estado Democrático de Direito está, pois, indissociavelmente ligada
à realização dos direitos fundamentais. É desse liame indissolúvel que exsurge aquilo que se pode
denominar de plus normativo do Estado Democrático de Direito. Mais do que uma classificação de
Estado ou de uma variante de sua evolução histórica, o Estado Democrático de Direito faz uma
síntese das fases anteriores, agregando a construção das condições de possibilidades para suprir as
lacunas das etapas anteriores, representadas pela necessidade do resgate das promessas da
modernidade, tais como: igualdade, justiça social e a garantia dos direitos humanos fundamentais. A
essa noção de Estado se acopla o conteúdo das Constituições através do ideal de vida,
consubstanciado nos princípios que apontam para uma mudança no status quo da sociedade. Por
isso, como já referido anteriormente, no Estado Democrático de Direito a lei (Constituição) passa a
ser uma forma privilegiada de instrumentalizar a ação do Estado na busca do desiderato apontado
pelo texto Constitucional, entendo assim no seu todo dirigente principiológico (STRECK, Lenio Luiz.
Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed.
rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 38)”.
277

O modelo gerado a fim de proteger os interesses individuais, interindividuais e


transindividuais é limitado às Garantias e aos Direitos Fundamentais, somente em
alguns casos pelo aspecto substancialista.
Por essa razão, o não acontecimento da cidadania dentro do atual paradigma
é notório, tornando-se de fácil constatação, uma vez que não existe uma definição
concreta e ações eficazes para o cumprimento do que se propõe na Constituição
Federal, inclusive no sentido emancipatório, o que geraria a possibilidade de
concretização do aspecto procedimentalista.
O imaginário abstrato gerado no cotidiano faz do sistema judiciário uma
espécie de “gigantes do ring” em um faz de conta na aplicação da lei e do outro lado
em um faz de conta de satisfação pelo recebimento (aplicabilidade) da ordem
normativa.
Exsurge dessa relação o problema da Justiça judiciária denominada Justiça
Constitucional, a partir de 1988, que despontou como um certo modismo da
constitucionalização do sistema nas últimas décadas como uma panaceia aos
Direitos.
É de serem ilustrados em seus pormenores, entretanto, precavendo-se do
hábito do argumento ou contra-argumento retórico que, quando não se perfaz no
âmago das palavras em um culto por uma razão cínica, vazia, somente gere uma
expectativa formal do Direito que demarca em muito a realidade do sistema
vigente.203

203 Em trecho de fôlego, segundo o professor Lênio Streck, é possível tornar evidente a afirmação:
“[...] reservando-se a intervenção do judiciário apenas para facultar aos excluídos da participação do
acesso direto aos “poderes políticos”, a realidade brasileira aponta em direção contrária: o assim
denominado Estado Social não se concretizou no Brasil (foi, pois, um simulacro), onde a função
intervencionista do Estado serviu para aumentar ainda mais as desigualdades sociais; parcela
expressiva dos mínimos direitos individuais e sociais não é cumprida; o controle abstrato de normas
apresenta um déficit de eficácia, decorrente de uma “baixa constitucionalidade”, os preceitos
fundamentais que apontam para o acesso à justiça continuam ineficazes (basta lembrar,
exemplificadamente, afora a “ciência” de uma morte anunciada “ocorrida com o mandado de
injunção, que a arguição de descumprimento de preceito fundamental somente foi regulamentada
anos depois da promulgação da CF); no âmbito do parcelamento, aprovam-se leis por voto de
liderança, um voto de um eleitor de uma pequena unidade federada chega a valer dezesseis vezes o
voto de um cidadão das unidades maiores, fazendo com que uma estranha matemática transforme a
maioria em minoria; tais fatores – entre tantos outros que poderiam ser assinalados e que já foram
examinados anteriormente, naquilo que denomino de crise de paradigmas do Direito e do Estado –
denotam a inaplicabilidade das teses procedimentalistas, as quais, por sua especificidade formal,
longe estão de estabelecer as condições de possibilidade para a elaboração de um projeto apto à
construção de uma concepção substancial (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m)
crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. rev. e atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007, p. 52)”.
278

A Justiça judiciária está baseada na relação de lei e de sua interpretação: as


palavras, as frases, as sentenças, declarativas ou não, costumeiramente correm o
risco de ser corrompidas pela empiria das interpretações convictivas do Estado/Juiz
partidário de suas ideologias.
O mal da inação qualitativa da Justiça judiciária no Brasil também guarda
fundamentos na postura do próprio Estado, que se mantém em boa parte de suas
ações no descumprimento da lei por cuja produção ele mesmo foi responsável.204A
manobra das discricionariedades somada à liberdade de se convencer pela
justificação da fundamentação é fato evidente; o procedimento de “julgar” destaca
com esse comportamento irracional (permitido) a existência de atividades legislativas
nos atos de decidir.
Os cientistas do Direito têm observado e noticiado esse fenômeno, porém,
rendidos, reproduzem ou produzem uma cultura oficiosa do Direito porque seguem a
simetria das discricionariedades divorciadas do texto legislativo e dos equívocos
concretizados pela razão irracional do poder judiciante.
O Estado de Direito pode ser compreendido, parafraseando Seabra
Fagundes, como Estado de lei injuridicidade. Na contemporaneidade, passa a ser
algo “misterioso” longe da realidade idealizada constitucionalmente e ao mesmo
tempo distante do presente idealizado, é inseguro no agora e incerto quanto ao
futuro, porque a lei, ao ser dado start, nem sempre se reconecta em seus aspectos
diretivos que a constituíram.
Os discursos envolvendo as discussões da proteção, da eficiência e da
máxima efetividade são inundantes, mas não acontecem com frequência no plano
material, como é categórico nas lições de Warat (1997, p. 129):

204 Conforme esclarece Siqueira Castro, “O próprio Estado, nessa ótica legalista, é visto como
instituição jurídica limitada ao direito, não obstante soberana e representativa da comunidade
nacional, cuja formação, segundo o escólio insuperável de Georges Burdeau, dá através do processo
de institucionalização legalizante do poder, mediante a qual este transfere da pessoa do governante
(o monarca absolutista) para essa entidade abstratamente concebida pelo Direito Público. Nessa
linha de ideais insere-se o conhecido magistério de Jellinek, para quem “O Direito é o poder jurídico
limitado...” O poder do Estado não é, portanto, pura e simplesmente, um poder, é um poder exercido
dentro de certos limites jurídicos – por aí – é um poder jurídico. Por tudo isso, a carência de
legalidade, assim entendida como inexistência de previsão legal para o exercício das prerrogativas da
autoridade, significa dever de abstenção, de sorte que a atuação do Estado e seus agentes sem
guarida legal importam em abuso de poder (CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido
processo legal e a razoabilidade das leis na nova constituição do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p. 91)”.
279

Como expressão do lado destrutivo da condição transmoderna, os “usos


simulados” de um direito para os oprimidos” não constituem outra coisa que
uma hiper realização do direito oficialmente instituído pelo Estado: um efeito
psicodélico de criação de direito (um sabor selvagem, uma sensual
perversidade, um certo tom de blasfêmia, como o eco de uma missa negra
[...] toda, para criar o magnetismo próprio de uma transgressão vulgar). A
Fascinação pelo Kitchs insinuando, alternativos, seus encantos, para o
mundo jurídico: um imaginário que, na medida em que não admite o
trabalho das diferenças, favorece a aceitação inconsciente dos valores da
exploração.

A vivência pelo ideal imaginado como verdadeiro, como possível, mas não
realizável do ponto de vista da concretização, contamina e alucina os protagonistas
da teatralidade dos palcos da Justiça, compostos de advogados, juízes, promotores
e todos os demais auxiliares da Justiça, sem deixar para trás os interessados pela
obtenção da tutela.
É um discurso embebedador, um alucinógeno, um drama gerado além das
realidades surrealistas, que só encontra guarida no conforto do justificado pela
justificação. A verdade é convencionada por meio da magia que habita a aldeia das
palavras, uma espécie de maldição gerada pelos conflitos ideológicos que tomam o
“espírito” dos letrados.
Nesse ambiente, as decisões são fundamentadas e entregues às pressas
pela demanda excessiva que recai sobre o sistema judiciário, que combate a
injustiça em seus efeitos.
Como fechar a contabilidade de sentenças em uma das varas da Justiça
desse país, em que entram 500 (quinhentos) novos processos mensalmente e são
promovidas quantida inferior de sentenças mesmo sobre as linhas de produção
fordista ou taylorista de auxiliares?
A pesquisa não se serve a denunciar o lamentável Estado de simulação do
Direito e da Justiça que toma o Estado brasileiro. Simular segundo a concepção
baudrilardiana sinteticamente seria fazer aparecer uma coisa que não existe na
realidade.
O estudo traz em suas bases teóricas nas linhas de pesquisas e propostas a
importância da espécie humana que compõe as fileiras das comunidades científicas
das ciências jurídicas em mover esforços para fazer com que as tecnologias em
inteligência não humanas possam servir de “meio” adequados e seguros aos fins
científicos.
280

Como verdadeiro condutor de informações e elemento substancial para a


construção de maquinarias para a gestão e a realização de ações, a inteligência
humana tem-se revelado demasiadamente inficiente e ineficaz.
À guisa de esclarecimento, países como Holanda e Austrália já se servem
das tecnologias em Inteligência Artificial para realizar a gestão previdenciária da
sociedade e a gestão pública de verbas, receitas e suas respectivas destinações,
metas e controles. E os EUA têm estudos avançados e aplicados no âmbito do
Direito e da Justiça, conforme arestos colecionados.
Esse fenômeno de apatia científica no âmbito jurídico faz-se presente e tem-
se agravado porque a sociedade, em sua grande maioria, vê-se rendida pela nuvem
do desconhecimento, fator responsável pela geração de problemas diversos.Trata-
se de um mal que tem acometido com maior frequência os países em
desenvolvimento, como o caso do Brasil.
É nessas condições que o modelo de Justiça judiciária se encontra
estabelecido, por isso, a Justiça, nos moldes propostos, ao mesmo tempo em que
verbaliza as diferenças, a escamoteia, como forma de sobreviver dos valores
inconscientes da exploração.
Se tudo isso acontece, não restam dúvidas de que todos são, se não
comparsas, coautores de uma situação histórica presente que se perpetua desde os
tempos mais remotos, que se sustenta ao longo do processo histórico do Estado de
Direito, como é assertivo nas lições de Warat (1997, p.121):

Todo um truque de subversão à ordem jurídica vigente, que conta com a


cumplicidade de diversos grupos de professores de direito que preferem
adquirir prestigio tecendo alianças, em detrimento do que seria seu natural
esforço para pensar com profundidade (de um modo cremos panfletário e
mais clarificador). Todo um espírito corporativo de esquerda que faz da
produção de elogios mútuos e da publicidade de certas imagens
revolucionárias uma atividade lucrativa”.205

205 É legado pelo mesmo autor, (1997, p. 156), “O Estado de Direito é o nome para a impossibilidade
jurídica, o significante, transcendental que determina o modo simbólico de sua realização social: a
metafísica do poder jurídico, constituída por uma história que se oferece idealizada. Um “visto e
decidido” que traduz para o presente sentidos de lei do direito, alucinando uma plenitude originária”.
281

Os modelos jurídicos, por conseguinte, são concretizações, por exercerem


uma realidade prática da Justiça em ação, mais do que uma teoria; os modelos
jurídicos representam o modus operandi do atual paradigma de Justiça importante,
como bem define Fernando Coelho (1991, p. 207).

Os modelos jurídicos propriamente ditos resultam de uma opção, que tanto


pode ser do legislador quanto do juiz ou do indivíduo no uso de seu poder
negocial, consoante o princípio da autonomia da vontade. Tais atos
volitivos, que importam numa decisão a respeito da solução normativa a ser
adotada, estão sempre jungidos à prescrição de consequências, que
permitem a efetivação dos comportamentos desejados, permitidos ou
proibidos. A linguagem do direito consagra o termo sanção para aludir a
estas consequências. Enquanto os modelos dogmáticos são constituídos
pela doutrina jurídica, “como estruturas técnico-compreensivas do
significado dos modelos jurídicos e de suas condições de vigência e de
eficácia na sistemática do ordenamento jurídico”.206

A manutenção dos conceitos e das formas dos direitos universais e imutáveis,


e os que se alteram em total descompasso com a realidade pós-moderna são um
retrato de uma estrutura que alimenta a Justiça judiciária.
É o que produz a Justiça e com ela o resultado que se alcança, melhor
explicando, a forma como o Direito é tratado em sua ponderação, e seu manejo
justifica essa Justiça tardia.
Se o Direito como ente racionalizador tratou de comunicar as demais ciências
da importância das regras dada a complexidade das ações humanas, não pode se
fechar em seu ostracismo a ponto de perceber o quanto a tecnologização pode
contribuir para sua estabilização e extensão de modo mais seguro e previsível,
contrastando, assim, com o modelo atual, retratado por Bittar (2009, p. 76-77):

206 Ainda citando Fernando Coelho: “[...] com sustentação em Weber, o direito é racionalizado pelas
necessidades sociais, dada sua complexidade. Segundo Weber na interpretação de sua obra por
Freund, o direito foi levado a racionalizar-se em virtude dos problemas jurídicos que a própria
evolução social suscitava, isto é, pela necessidade de regulamentar as relações sociais cada vez
mais complexas e numerosas; por outro lado, num processo de retorno, que os atuais funcionalistas e
técnicos da informática traduziram como retroalimentação ou “feed back”, o direito assim produzido
como regulamentação social das outras atividades teria acarretado novos problemas, apresentando-
os aos diversos setores da vida social de forma a torná-los conscientes da importância crescente do
direito (COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1991, p.
307)”.
282

A legalidade, a par de ser uma questão fortemente presente no pensamento


kelseniano, com sua pirâmide de normas jurídicas, trata-se, acima de tudo
de uma invenção do século XIX. Aliás, deve-se ressaltar que a matriz de
toda esta concepção acerca do Estado de Direito e da política remonta a um
contexto histórico anterior ao vivido por Hans Kelsen. Essas concepções
foram gestadas quando do assentamento da ordem burguesa, da
hegemonia econômica do capitalismo, do racionalismo científico positivista e
do liberalismo político, se tornando fatores que reclamam a formação de um
direito seguro, estável, documental, rígido e formal, capaz de salvaguardar a
sociedade dos arbítrios do soberano e de conferir igualdade formal a todos
indistintamente, permitindo que o mercado seja por suas próprias forças,
sob a proteção de direitos e garantias.

Essa forma e suas conjunturas definem o caráter domesticador e regulador


das relações estabelecidas junto ao Estado de Direito, todavia, em última instância,
compromete-se pelas porosidades que corroem a proposta que a sustenta, o que se
constata ao serem avaliados o repertório histórico e os indicadores de satisfação
quanto à confiabilidade como instituição orgânica do Estado, como esclarece
Bittar.207
A neutralização do Direito em codificações trouxe condições suficientes e
favoráveis ao controle nos sentidos da lei pela nascente ciência dogmática do
Direito. O sistema jurídico passou a funcionar como uma espécie de sistema
garantidor, racionalizador da eficácia das pressões advindas dos sistemas
econômico, político e social, declaradas no século XIX.
A estabilização do projeto moderno reclama a lei escrita e codificada como
projeto próprio para a unificação dos direitos e, mais do que isso, para a
estratificação das relações sociais em conteúdos controláveis de realização de
poder, conferindo, assim, efetivo controle normalizador.

207 “De inspiração moderna, a ideia de um Estado de direito, decorre exatamente de uma concepção
liberal burguesa de domesticação do poder pelo direito, na medida em que o princípio da legalidade
se insculpe após a Revolução Francesa, como uma espécie de libelo antimonarquia, o que é
traduzido na tradição posterior com o um libelo antiarbítrio. Se há regras predeterminadas, se há um
sistema de leis previamente dado, se existem normas que regulamentam a vida social, será segundo
essas regras que haverão de se definir as condutas, seja de cidadãos (povo), seja de exercentes do
poder (Estado). É parte, portanto, do ideário do Estado Moderno o princípio da legalidade”. O mesmo
autor ainda enfatiza (2009, p. 64): “O direito é ingrediente cada vez mais importante da ideia de
normalização. O trajeto da modernidade se declara a partir do século XVII em diante é um trajeto em
que o direito haveria de estar presente como garantidor de oposição ao Estado (ao Soberano, ao
Monarca, aos abusos de poder, à não intervenção sobre o indivíduo como agente liberal do
Mercado), ao mesmo tempo que como codificador da unidade massificadora de comportamentos
sociais, que deveriam se estandardizar em uniformidades favoráveis ao desenvolvimento do controle
normalizador (BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. 2. ed. ver. atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 74)”.
283

A ideologia encampada pela semântica da lei trazia a ideia do


desenvolvimento a partir do controle normatizante (regras). Essas passavam de ser
simplesmente a expressão de um Direito neutro textual, para, numa análise crítica,
significar a expressão do poder Estatal.
Mesmo que isso fosse o responsável por descredenciar o crédito da Justiça
judiciária, dadas as condições de manutenção da tirana democracia com que o
sistema administra suas funções, o que francamente pouco dissuadiu das demais
formas de governo que a atual visava substituir. Para Bittar (2009, p. 58-59) o
Direito.

Quando se pensa que o direito pode ser uma espécie de instrumento neutro
de controle social, na medida em que olha objetivamente os conflitos sociais
e procura pacificar-lhes o confronto, deixa-se de pensar que, já em seu
nascedouro, o direito nasce comprometido com a ordem burguesa e liberal
em ascensão, como parte de um panneau de grandes demissões
amplificado por grandes teorias, justificado por sistemas de pensamento e
desejado por grandes contingentes humanos, especialmente pelas elites
detentoras de riquezas. O direito passa a assumir um papel fundamental na
constituição da arquitetura moderna. De fato, quando se fala mesmo em
modernidade e especialmente em modernidade jurídica está-se a falar que
“a modernidade representa o equivalente a um certo e inusitado grau de
complexidade que a organização do direito adquiriu em nossa civilização.”
De acordo com Adeodato, pode-se mesmo falar que a modernidade traz
consigo os pressupostos, pois a afirmação paulatina do direito, quais sejam:
o monopólio da produção normativa; a sobrevalorização das fontes formais
do direito com relação a fontes espontâneas do direito; a autorreferibilidade
do direito como sistema sobre si mesmo.208

Na clausura da racionalidade normativa, o sistema orgânico da lei em todas


as suas vertentes somente se faz conhecer por dentro da moldura teórica
desenvolvida para seu funcionamento a partir dos ideais que a originaram.
O intelectual do Direito vive em um mundo “mitômano” que ele mesmo
fundou, dentro de uma realidade permitida pelo sistema, pensando por vezes, que
está dentro da racionalidade e a serviço de um mundo pelo qual deveria labutar. 209A

208 Para Warat, duetando com Bittar: “Existem duas formas de fazer filosofia do Direito. Uma
predominantemente e outra com muito menos ibope. A primeira consiste em uma gama de reflexões
vinculadas a uma concepção normativista do Direito, a outra em uma busca da desconstrução das
ideais e conceitos que foram acumulados numa cultura dominante, até se transformarem em
estereótipo, lugares comuns, que aprisionam os juristas em uma forma de pensar e fazer o Direito
absolutamente fora da realidade, uma contundente e avassaladora fuga do mundo e de qualquer
possibilidade de sentir os homens e seus vínculos (WARAT, Luis Alberto. A rua grita Dionísio!
Direitos humanos da alteridade, surrealismo e cartografia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.
49)”.
209 Para Warat, “A riqueza ideológica do encantamento dos discursos e do imaginário dos juristas é
infinita e muito provocativa. Inclusive coincidindo com a legenda no sentido de que os saberes do
284

estrutura normativa é algo além das frases que compõem os artigos, no entanto, as
injustiças podem se dar pelo vértice de uma limitação que estaria buscando pré-
definir as ações do órgão judicante em uma espécie de arbitrariedade.
Essa preocupação não deixa de cultivar uma outra que margeia a ausência
de neutralidade e imparcialidade no movimento de manobra do sistema ainda
quando o operador arbitrariamente se encontra condicionado as regras gerais de
interpretação do Direito para gerir e aplicar as leis aos casos concretos.
As dimensões das normas são verdadeiros conceitos do que se pode e não
se pode fazer, gerando uma consequente reprimenda, em caso de descumprimento
normativo.
Juntamente com essa proposta, Alexy trouxe em sua doutrina a teoria da
argumentação racional contemporânea que, em suma, seria o controle racional
intersubjetivo em que os mecanismos da linguagem se encarregaram de neutralizar
a persuasão dos métodos retóricos calcados nas ideologias.
De certa maneira, não se realiza em sua totalidade essa precípua finalidade,
visto que a referida teoria incorpora em sua estrutura certo espaçamento para a
mobilidade intersubjetiva quando da veiculação das regras normativas, em suma,
dada a inafastabilidade da presença humana.
O controle racional da argumentação jurídica é algo difícil de concretizar-se;
as condições cognitivas do homem ante suas cognições e os fatores sociais ou não
perfilham sua vida, contribuindo decisiva e responsavelmente. Para Warat. (2010, p.
64),

Direito constituem o ponto forte dos chamados conhecimentos humanistas ou sociais”. E


complementa o mesmo autor (2010, p. 57): “Basicamente o racionalista da concepção normativa do
direito trata de estabelecer as condições de produção de uma espécie de inteligência emocional para
o Direito, quer dizer, formas da razão que permitam evitar as decisões emocionais e decisões
arbitrárias. Dessas tarefas impossíveis, além de serem profundamente prejudiciais, sobretudo, a
confusão entre sensibilidade e arbitrariedade, em nome da necessidade de controlar a arbitrariedade
do julgador o racionalismo abortou, as possibilidades de uma interpretação e de decisões sensíveis,
extirpou dos operadores do direito a sua sensibilidade. E a magistratura decide de forma insensível
não deixa de ser uma forma de decidir arbitrariamente. Uma decisão distante da justiça (WARAT, Luis
Alberto. A rua grita Dionísio! Direitos humanos da alteridade, surrealismo e cartografia. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 50)”.
285

O direito coercitivo nasce da necessidade de construção simbólica de uma


segurança na convivência gregária. Por outro lado, o caráter linguístico do
Direito nos coloca à frente ao dilema de ter que admitir que a linguagem,
sob qualquer circunstância, pode apresentar algum tipo de garantia. Não
existem autoridades, órgãos, juízes que possam nos proporcionar a mínima
garantia da linguagem: é a crise da modernidade que se abre diante de
nossos olhos incrédulos e assustados.

A linguagem recebe, inadvertidamente, influência dos sentidos. O Direito,


quando verbalizado, é instável, influenciável e, por consequência, inseguro, pois
produz e reproduz no limite dos sentidos de quem produz a linguagem, com isso a
garantia das regras definidas são estremecidas.
A linguagem da Justiça judiciária, embora embasada no Direito normativo
quando operada pelo homem com suas faculdades mentais psicologizadas, é
suportada e, por consequência, aceita, porém sem nenhuma garantia.
Concorde com o comando, mediado pela linguagem vocalizada, isso se dá
porque o indivíduo, no fundo, é rendido; primeiro reconhece sua falibilidade humana,
sua fácil influência humana, sua fácil influência sobre o meio ambiente em que
reside e, com medo de se pôr em questionamento a si mesmo, silencia nas regras
estabelecidas simbolicamente pelo cenário da Justiça.
A relação entre homem e norma faz que uma linguagem influencie a outra,
portanto o texto da norma passa a ser como o homem, ou seja, tudo fala, fala
diferente, fala incerto, divaga, oscila, perpetua-se no tempo, mesmo se o indivíduo
não mais está ali.
Embora esteja esse discurso do Direito assentado sobre a retórica
Constitucional, uma certeza é evidente: a de que o Direito não pode limitar-se a uma
ginástica retórica ou a uma semântica da linguagem condicional de interesses.
Nesse aspecto, o Direito, passa a sentir, que no campo aberto da pós-
modernidade enfrenta uma diversidade inconstante de realidades.Em sua visão
linear, pretende impedir possíveis incompletudes.
Por isso, compreender a sociedade em que venha a advogar como
instrumento da solução de conflitos existentes é uma missão que a cada dia se
encontra prejudicada.
Se o faz, o faz em sua parcialidade, pelo fato de não poder prever e, com
isso, garantir a entrega dos resultados de um Direito constitucionalmente garantido
em sua individualidade ou coletividade quando da sua respectiva partilha.
286

O problema não parte do Direito, mas do sistema que o monopoliza em


operacionalizar sua compreensão e aplicação, uma vez que não existe uma
aplicação direta do Direito em conformidade com a proposta matricial.
O problema é gerado em decorrência da interposta presença do homem como
agente operador, que reconstrói, valoriza e direciona a partir de um convencimento
fundamentado, a partir de uma justificação pessoal e/ou subjetiva.
A norma, por conseguinte, é fragmentária, dadas as realidades a que deve
atender. Se é uma constante da condição do sistema do Direito, sua constituição em
cada caso é um discurso argumentativo, controlador e mediador das situações em
que se exige a aplicação da lei.
A operação revela-se inconsistente porque força o jurista, além das suas
condições cognitivas, a interpretar o conjunto normativo de cada situação, todavia a
sociedade posiciona-se em outra mão.
Para o indivíduo a lei e a solução buscadas são símbolos prontos e acabados
denominados Justiça, já que a concepção pós-moderna parte da premissa de uma
predefinição à espera de um resultado solucionador.
Ao contrário do paradigma clássico do Direito que parte de um Direito
idealizado, previsto em seus digestos em uma busca implacável, em reconstruir a
partir de um caso concreto, a reconstrução do Direito.
Isso aconteceu e acontece, porém é uma via tortuosa, arriscada pela
incerteza, insurança e inacessibilidade plema ao jurisdicionado! Quase sempre se
revela inviável porque pode colmatar mais um dano em vez de de efetiva solução.
O normativismo existente, portanto, longe de emancipar o homem, ainda o
mantém como representante de um estado de exceção e de ilusão, como
catalogado por Warat (2010. P, 84):

O normativismo então funda sua particular e eficaz visão do Direito apoiado


em uma identidade erguida na ideia da força: a do Direito apoiado em uma
identidade erguida na ideia de força: a do Direito e o Estado, claramente
enunciado por Kelsen como um dos pilares conclusivos da sua teoria pura.
O principal efeito dessa identidade foi a legitimação simbólica do monopólio
da coerção Estatal, um grande passo preliminar para a fundação da
denominação moderna. A partir desse momento, tornamo-nos
impossibilitados para pensar no exterior dessa concepção, nos caminhos da
emancipação. Estando aberto o caminho para esta postura, neste palmilhar
que a experiência também permite ao homem se encontrar com seus pares
e consigo mesmo, com sua própria estima e lhes permite constituir vínculo
de cuidado e acesso com os outros, quer dizer: estabelecer os vínculos de
atividade, com outras palavras.
287

Como um conjunto conceitual, a emancipação das experiências radicais de


alteridade é entendida como última expressão, como a possibilidade de estabelecer
vínculos, de cuidado e afeto.
Porém, além de qualquer distorção léxica que nos torne reciprocamente
dependentes, codependentes ou alienados por essa seara, as ideias de coerção que
legitimou a caricatura simbólica do Estado soberano passariam a germinar uma
reflexão sobre o atual modelo e um outro que possa atender melhor a um novo
conceito de Justiça.210
Dessa forma, além de todos os fatores, é de se considerar que o sistema da
Justiça judiciária, ao remontar a história, encontra-a definida na racionalização de
sua época, em cujo período é recortada em um modelo para atender às
circunstâncias e às contingências sociais demandadas.
Os excessos de formalismo e a estreita relação da Justiça com as novas
realidades vêm naturalmente criando um abismo cada vez maior entre o Direito e
Justiça.
A crise, além de evidente, a cada dia sinaliza para a necessidade de estudos
voltados a compreender cientificamente as melhores formas de enfrentar as novas
tendências sociais.

210 Segundo Streck, “A crise do modelo (modo de produção do Direito) se instala justamente porque a
dogmática jurídica implica sociedade transmoderna e repleta de conflitos transindividuais, continua
trabalhando com a perspectiva de um Direito cunhado para enfrentar conflitos interindividuais, bem
nítidos em nossos códigos (civil, penal, processo penal e processual civil, etc). / Esta é a crise de
modelo (ou modelo de produção) de Direito dominante nas práticas jurídicas de nossos tribunais,
fóruns e na doutrina. No âmbito da magistratura, é meio de o raciocínio poder ser estendido às
demais instâncias de administração da justiça. Ele faria apontar dois fatores que contribuem para o
agravamento da problemática: “o excessivo individualismo e o formalismo de uma visão de mundo:
esse individualismo e o formalismo representam uma visão do mundo: esse individualismo se traduz
pela convicção de que a parte precede o todo, ou seja, de que os direitos do indivíduo estão acima
da comunidade; como o que importa é o mercado, espaço onde as relações sociais e econômicas
são travadas, o individualismo tende a transbordar em atomismo: a magistratura é treinada para lidar
com diferentes formas de ação, mas não consegue ter um entendimento preciso das estruturas
socieconômicas onde elas se relacionam. Já o formalismo decorre do apego a um conjunto de ritos e
procedimentos burocratizados dos impessoais, justificados em norma da certeza jurídica da
segurança do processo. Não preparada técnica, nem doutrinariamente, pois ao compreender os
aspectos substitutivos dos pleitos a ela submetidos, ela enfrenta dificuldades para interpretar os
novos conceitos dos textos legais típicos da sociedade industrial, principalmente os que estabelecem
direitos coletivos, protegem os direitos – difusos – e dispensam tratamento preferencialmente aos
seguimentos economicamente desfavorecidos (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m)
crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. rev. e atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007, p. 35)”.
288

Reordenar a Justiça em um reconceito significa mais do que mudar um nome,


mas toda a infraestrutura e a estrutura do Direito, coordenando uma dinâmica
tecnologizada de acesso a um novo modelo de Justiça, como bem esclarece
Rouanet (2003, p. 127):

“Racionalização da justiça: foi a campanha de Beccaria contra a práticas


penais anacrônicas, a de Voltaire contra os procedimentos medievais
utilizados para condenar Carlos à fogueira. A racionalização das leis: foi a
cruzada contra o direito costumeiro, contra a proliferação de leis regionais,
que variavam de províncias em províncias e de senhoria a senhoria. Para
Voltaire o que torna as leis variáveis, defeituosas, inconsequentes, é que
elas foram todas estabelecidas segundo necessidades passageiras, como
remédios aplicados ao acaso, que curavam um doente e matavam outros”

No registro da história, o Direito exigiu ao menos uma forma racionalizante


para estabelecer as bases de diretrizes e estabilizar a Justiça, de modo a
salvaguardar os indivíduos de cada época, da subjetividade e pessoalidade dos
encampadores de poder nas províncias e condados.
Mais do que passageiros, os problemas são transitórios e simultâneos. Se
passam, aparecem em outros lugares; comumente se aparecem em vários ou
diversos lugares concomitantemente, talvez essas condições em dimensões tão
amplas não poderiam ser constatáveis nos tempos do “antigamente”.
As novas condições exigem que a integração aliada à racionalidade normativa
aconteça de modo a aglutinar e definir regras e comportamentos pre-definidos. Para
isso, a padronização e a uniformização somente podem acontecer se o Direito
reconhecer e aceitar que sua estrutura precisa ser cingida por uma ciência que, ao
mesmo tempo distinta, tenha a neutralidade capaz de transportar a racionalidade
daquela sem comprometer sua natureza.
Isso significa que as formas de transporte, condução, gestão e demais ações
operadoras exigem uma participação ativa da tecnologização. Sendo assim, dada a
sobreposição do Estado como órgão legislador, controlador e aplicador das leis,
detentor da autonomia e independência dos indivíduos, que no curso da história
renunciou em troca de um Direito positivo, racionalizado dentro de um modelo
denominado de Justiça judiciária, espera-se uma movimentação pela mudança de
modelo.
289

Pense-se que o ativismo de uma campanha contra a Justiça é dispensável,


porque os dados por si só evidenciam uma campanha negativa pelo descrédito da
Justiça.
Uma das constatações do reconhecimento do sectarismo do sistema é o
registro da Reforma do Judiciário, pois reformar é utilizar as mesmas bases para
construir o novo ou simplesmente restaurar o velho.
A partir da emenda Constitucional de n.º 45/04, o sistema judiciário passou a
contar com o Conselho Nacional de Justiça, cuja característica é de regulamentação
do sistema judiciário o qual, inclusive, vem sucessivamente desde sua criação
emitindo normativos complementares a seu contínuo aprimoramento para o alcance
dos seus fins.
Essa dialeticidade revela não somente uma incompletude do sistema mas
uma ausência de estrutura para atender às questões judiciárias de forma satisfatória,
inclusive quando da edição (ano) da fase conclusiva da presente pesquisa, o
resultado que se tem do CNJ não é muito promissor quanto à sua real finalidade.
Ainda que seu papel tenha sido significativo, porém, diante de uma demanda
acentuada cuja gestão operacional dependa exclusivamente em grande parte da
intervenção da inteligência humana, o referido órgão já apresenta sinais de
ineficiência devido à massiva demanda que lhe sobrecai.211O Poder Judiciário,
dentre os poderes do Estado, evocou para si o poder pela intermediação,
ponderação e controle das decisões jurídicas. O mito da decisão, como se somente
a ele fora dado o credenciamento de decidir por intermédio do Estado/Juiz, tem
previsão Constitucional.

211 Para Oliveira Freitas, “Há, por óbvio, questões que merecem um olhar mais crítico, justamente
para se buscar o aperfeiçoamento das atividades do Conselho. Nesse sentido, podemos sublinhar o
fato de que os resultados positivos da atuação do Conselho propiciaram grande credibilidade e
expectativa de eficácia com relação às decisões dele emanadas. Todavia, considerando o gigantismo
do Poder Judiciário e das demandas que a ele são dirigidas, convivemos, atualmente, com reflexos
negativos do sucesso da atuação do Conselho, quais sejam maior lentidão na solução dos
procedimentos e desproporção da estrutura física das necessidades prementes. Em relação às
questões operacionais a ausência de previsibilidade das datas de julgamento (há diversos
procedimentos que são inseridos em pauta, mas demandam inúmeras sessões para serem julgados)
e as alterações procedimentais ocorridas a cada alteração de Presidência do Conselho dificultam,
sobremaneira, a atuação da advocacia e, por conseguinte, o exercício da cidadania (FREITAS,
Arystóbulo de Oliveira. O Conselho Nacional de Justiça e a advocacia. In: Revista do Advogado,
ano XXXV, n. 128, p. 07-12, dez. 2015, p. 11)”.
290

No entanto, entre o século passado e este têm ganhado destaques outros


meios alternativos criados como medidas paralelas não somente para salvar o atual
sistema e com isso conservá-lo, como para dar meios aos jurisdicionados de se
chegar a Justiça de forma mais célere.
Uma das questões interessantes e que precisam ser destacadas é de saber
em nossa contemporaneidade se é concebível somente aceitar uma decisão com
resultado efetivo por intermédio do Estado/Juiz, em outra forma de se expressar.
O que se põe no centro da discussão é a reavaliação do sistema de
ponderação, avaliação, análise e aplicação das normas, sua exclusividade e o
contraste com os resultados obtidos diante das demandas não atendidas do ponto
de vista material. Elas são geradoras de insatisfação e de uma erosão degenerativa
do sistema judiciário por insuficiência de credibilidade mencionadas.
É uma questão que excita, e merece atenção científica, dado nosso estágio
latente pela implementação de uma modernidade tecnológica, hipótese essa, objeto
do trabalho.
Portanto, seja passível de crítica ou não, é relevante destacarmos nossa
descrença fundamentalista pela veneração de tomar como verdadeiras somente as
decisões decididas pelo Estado/Juiz, dadas a insuficiência e a falibilidade que
envolve sua condição “humana”, mesmo que travestida de uma onisciência e uma
onipresença hipoteticamente criadas desde o estado burguês e replicada nos
ideários doutrinários, inclusive da Teoria Pura do Direito, e que influenciou as
principais famílias do Direito, tanto da escola romanística como a anglo-saxã.
A modernidade acenada quase sempre não passa de uma concepção tardia,
e a pós-modernidade simetricamente acompanha essa mesma logicidade, aqui
parafraseando o professor Lênio Streck.
Na medida em que o modus operandi existente, além de não integrar, pouco
faz por uniformizar o sistema cada vez mais demandado por questões repetitivas de
massa, ou até mesmo comuns do cotidiano.
São questões individualmente idênticas que se reproduzem diante da
dimensão do território nacional, mas que recebem tratamentos díspares,
sintomáticos de uma Justiça que não funciona quanto à sua estabilidade em
previsibilidade.
291

É o retrato de um Estado carente de uma tecnologia em Inteligência Artificial


capaz de sistematizar, dando com isso unicidade e organicidade ao sistema de
fatos e leis. Exige-se, portanto, inovação em tecnologia para produzir a evolução em
qualidade e quantidade na esfera do Direito e da Justiça.
A questão gravita, quase sempre, na legalidade da decisão que, entretanto,
está vinculada à lei que, em última instância, deve ser aplicada pelo Estado. Nesse
sentido, a Justiça judiciária desde longa data serve-se de seu serviçal Juiz para
realizar seu desejo de Justiça, em uma espécie de Justiça da e/ou pela súplica, em
total incompatibilidade com os ideais do Estado Democrático de Direito.
Essa forma antiga de entregar a Justiça, ou melhor, de promover a decisão
aos conflitos sociais parece ainda existir e resistir, graças à persistência de uma
insistência paradigmática do sistema atual de Justiça.
Busca com todas as suas forças não somente garantir sua legitimidade, mas
se autolegitimar em um espaço que lhe é outorgado, cuja finalidade é a de entregar
resultados por intermédio de soluções para as demandas apresentadas.
Talvez seja essa a síndrome das formas, ou seja, da forma única e exclusiva
metodologia de se julgar, corolário histórico, com bases lastreadas em um Estado
imposto pelas forças de uma sociedade elitista, cujos interesses se destacaram para
legitimar o paradigma de Justiça ainda vigente, porém que não mais se sustenta.
Esse modelo, quanto aos atributos de previsibilidade, certeza, estabilidade e
eficácia, vem convocando os cientistas das ciências jurídicas a promover nas últimas
décadas vastos estudos e com eles realizar microrreformas, bem como reformas, no
sistema normativo e na gestão de funcionamento do Poder Judiciário.
O empreendimento acadêmico e profissional está, sem dúvidas, a serviço de
uma tentativa de salvação e validação do paradigma atual, movimento que evidencia
a existência da predominância de uma pseudo Justiça.
Aliás, é de se refletir, se não uma confusão terminológica ou nominalista entre
a concepção de Justiça e resultado justo, na medida em que a entrega da Justiça se
confunde com o resultado justo.
Na atualidade e, em última instância, receber um resultado justo é o que a
pós-modernidade reconhece como Justiça, independentemente de como ela é
gerida no contexto operacional do Estado, que é o responsável pela administração.
292

Resultado justo, significa receber simplesmente uma resposta rápida,


concreta e eficaz ao problema identificado, as predefinições são condições pré-
estabelecidas eticamente por esse perfil social, onde a praticidade, a economia, a
simplificação das formas e a volatilidade são ícones presentes.
O Estado por intermédio de seus mandatários da lei, embora, bem
preparados e de formação em qualidade ímpar, não acompanham essas diferenças
em suas raízes.
Por isso, entre a Justiça pretendida e a Justiça entregue, habita uma Justiça
inconsciente que trabalha para o aprofundamento das desigualdades, a exploração
da miséria, sem uma perspectiva de retomada as propostas insculpidas
constitucionalmente.
A Justiça praticada no cotidiano forense tem rosto, tem nome, tem identidade,
tem partido, enfim, é uma Justiça em que o Direito se faz pela força de uma
linguagem, onde a única garantia que se tem é de não poder garantir os resultados
diante da imprevisibilidade. Por outro lado, seria desimportante saber quem julga,
caso o resultado justo sempre que demandado fosse entregue. Aliás, os fins
justificariam os “meios”.
A uma curiosidade ou outra não estaríamos imunes, porém a estabilidade e a
tranquilidade estariam a serviço de minimizar o segundo problema de quem busca
em nossa atualidade a Justiça.
O paradigma vigente expõe os jurisdicionados a uma loteria certificada pelo
Poder Judiciário, pois, cada vez que se busca uma decisão de um problema análogo
a exposição de uma grande probabilidade de ser ter uma decisão díspare se revela
possível.
A concessão outorgada de poder ao Estado/Juiz, mais uma vez revela que
quem recebe o poder o exerce segundo suas convicções com base em uma lei de
ordem estatal.
O Estado se faz representar, no entanto, uma representação que em seu
curso perde a autenticidade da originalidade, porque se a vontade do Estado é a de
entregar o Direito por intermédio da Justiça, essa raramente acontece por força de
uma força interposta do homem/Juiz, que intercede segundo uma convicção
secundária de sua pessoalidade e da subjetividade que o mina.
293

Nessas condições, o poder exercido pelo Estado/juiz é um não poder, pois o


poder do Estado é indelegável, porém, quando exercido por representação ou
delegação por expressa autorização Constitucional, se eivado pelos efeitos da
ineficácia na aplicabilidade, em decorrência do arrepio dos comandos normativos, ou
seja, se não dentro dos limites da lei, perde a condição de poder. O poder do
Estado/juiz está adistrito aos limites da lei, como todos os cidadãos. Siqueira Castro
(2010, p.91) é categórico:

Por isso, em não havendo competência, o que há, para o Poder Público é
incompetência, impossibilidade de agir, inação compulsória. Isto significa
dizer, com Pontes de Miranda, que o “direito à chamada liberdade de fazer
ou não fazer é direito à lei como limite”. O próprio Estado, nessa óptica
legalista, é visto como instituição jurídica limitada pelo direito, não obstante
soberana e representativa da comunidade nacional...

A lei, embora passe pelo crivo da legalidade da outorga pelas casas


legislativas, não goza da mesma estabilidade na legitimidade de seu exercício
prático de interpretação.
Parece, que a forma de aplicação existente exige uma mudança de
afastamento no método na reconstrução como exercido pelo sistema Judiciário, o
que pode implicar em ilegalidade se o conteúdo e sua respectiva finalidade forem
vilipendiados.
A completude – como sinônimo de sistema – é tida nas últimas décadas como
comprometida, na medida em que, dentro da teoria de sistema, não é possível que
ele não goze desta.
Sinaliza para esse sintoma o comprometimento da redundância em buscar se
autorregenerar ou de dar conta de sua estrutura em sua integralidade totalizante. As
falhas, os erros e os equívocos no funcionamento tem demonstrado uma certa
insuficiência para atender de forma plausível ao paradigma vigente.
A forma de entrega e recepção da Justiça, embora seja um modelo, ou
melhor, um modelo ainda vigente, evidencia uma ausência de completude em
efetividade diante da falta de previsibilidade dos resultados.
294

Talvez porque o Estado/Juiz tem poder de decidir por intermédio de uma


outorga de um poder formal previsto em lei, pouco exigido na instância da
materialidade ou de uma materialidade aparente, já que suas decisões devem
obedecer ao critério da fundamentação da decisão, demonstrando o binômio do
convencimento e da convicção e não de uma fundamentação voltada para a
materialização da decisão tomada.212
Na primeira forma, o Juiz fundamenta para si, afastando-se do risco do vício
da nulidade, na segunda, estaria fundamentando para quem se destina seu ato de
julgar, mais do que se desvencilhar do risco do vício.
Tal comportamento seria o de incorporar sua decisão com a materialidade da
lei no aspecto mais profundo do ponto de vista da vinculação do seu ato de decidir e
seus efeitos na orientação e na formação pedagógica dos jurisdicionados.
No atual modelo, a Justiça material somente acontece a cada decisão dada –
reconstrução do Direito por intermédio das técnicas hermenêuticas de interpretação
–, em uma incessante busca pelo resultado justo acontecer, ou seja, a Justiça se
reencontrar com o Direito.
Nas condições do paradigma mencionado a Justiça não tem conexão com o
Direito a priori mas sim com o resultado de uma decisão que exige simples
fundamentação, isso porque depende, ao final do procedimento, ou seja, de que
essa dinâmica possibilite reencontrá-lo com a lei conforme alhures mencionado.
A revelação das constantes, frustradas e episódicas ocorrências geraram
diversas mudanças no sistema de leis e do judiciário como órgão operador, isso para
fazer prevalecer essa forma faceada de entrega de soluções para as demandas
existentes.

212 Para Calamandrei, “O contraste entre a consciência do magistrado e a lei chega, às vezes, a tal
exasperação que produz até nos juízes sob diversas formas, um fenômeno semelhante ao que se
verifica no Parlamento quando a polêmica política chega a ponto de fazer esquecer as regras da
correção parlamentar. Também no processo assiste-se, às vezes, a casos em que parece que o juiz,
a fim de se subtrair às consequências a que foi, logicamente o deveria conduzir a fiel aplicação da
lei, está disposto a passar por cima de normas elementares da correção processual: aquele “dever de
lealdade” que art. 88 do CPC lembra às partes e aos defensores, mas não aos juízes, pois sempre se
considerou que não era necessário que os juízes fossem lembrados disso. Pelo contrário, nestes
últimos anos, viram-se diversos casos de sentenças cuja motivação deixa transparecer que o juiz não
teve dúvidas em seguir, no exercício de sua função, tortuosos caminhos com o fim de burlar a lei.
Este é um assunto que necessitaria de um longo discurso, e devo, aqui, limitar-me a alguma amostra
desse fenômeno que poderia denominar-se a ‘crise da motivação’ (CALAMANDREI. Piero. A crise da
justiça; tradução Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2003, p. 28)”.
295

O atual modelo também se faz lembrar pelos resquícios de uma concepção


paternalista estabelecida pelo Estado secularmente, sob a pseudo ideia de proteger
os mais fracos, quando, ao contrário, explora essa miséria como bases que
fundamentam e sustentam sua existência.
Tudo indica que o descomprometimento e as falhas do Estado também são
herdeiras de uma política assistencialista, que enfraqueceu o tecido social de tal
modo a fazer daquele em vez de um aplicador de leis um gestor na criação de
cargos, dentre eles o do Estado/Juiz que, para cada conflito existente nas cercanias
de seu condado, passa a reconstruir os fatos e operar como um adivinhador da
Justiça.
O Estado/Juiz, por sua vez, não tem demonstrado garantidamente
capacidade de reconstruir os fatos conflituosos que lhe são submetidos para a
pacificação social, na medida em que esse fenômeno somente é digno de
retratabilidade, ou diante das circunstâncias de sua ocorrência ou por participação
direta de seus interessados, ou seja, que somente a quem os vivencia é dada a
legitimidade de reconstruí-los.
Isso é evidente na medida em que há as partes do Direito de escolher a forma
de Justiça que almeja e a performance de seu mediador. Esse movimento pela
flexibilização da sistemática processual é noticiado por Garjadoni e também se
encontram raízes no novo reformado CPC em seu artigo 190, no que tange ao
denominado “negócio processual”. Para Garjadoni (2008, p. 215),

Não me parece que o extremismo de parte da doutrina pátria na


manifestação pela cogência das regras procedimentais seja compatível
com o ideário instrumentalista e com os escopos do processo, tampouco
com o princípio da liberdade, que é base de nosso sistema constitucional.
Se por um lado, como regra, as normas processuais no todo (incluídas as
procedimentais) são de ordem pública e, como tal, de observância
obrigatória por todos os atores processuais – com o que não discordamos
em princípio –, por outro, inúmeras situações ligadas ao direito material, à
realidade das partes, ou simplesmente à inexistência de prejuízo, devem
permitir a eleição do procedimento, inclusive pelas próprias partes.

Se isso é uma verdade, o ônus da parte é o de conduzir não ao Juiz, mas ao


Estado os fatos que lhes dizem respeito e nesse mesmo contexto reivindicar por
uma solução.
296

Não menos verdade é que esse procedimento não obrigatoriamente passa a


ser de interesse de seus destinatários, de que seja ponderado e avaliado pelo
homem/ Juiz, cujo ranço de falibilidade tem causado espécie aos que arbitrariamente
dependem dessa via una e irracional, já em crise motivacional como noticiado por
Calamandrei.
Portanto, o paradigma atual gira no sentido anti-horário da pós-modernidade.
Têm-se, então, a ineficiência e os infindáveis argumentos retóricos inebriantes de
que as novas leis estariam chegando para proporcionar resultados mais justos,
rápidos e eficazes.
O que não corrobora com uma nova geração de pessoas que fertilizam o
tecido terrestre, que têm em mente uma definição clara, objetiva e simplificada de
como pretendem que suas contendas sejam solucionadas.
Essas pouco se preocupam com critérios, tendo mais vivacidade em seu
espectro de interesses voltados para uma pauta de situações predefinidas, tanto na
forma como pretendem conduzir suas vidas, como da forma pelas quais suas
reprimendas devem ser aplicadas.
Semelhante artificialismo com que os problemas são tratados no cotidiano
forense destaca uma equidistância já presente, transmitindo uma sensação de total
descompromisso e desinteresse pelos problemas alheios.
O efeito da nova dinâmica, ao contrário, deixa para trás o rito pernóstico que
cotidianamente se imprime nos anais do judiciário, com resultados injustos, porque
está na análise das variáveis advindas da complexidade das demandas aliada à
transitoriedade e simultaneidade dos conflitos.
Tem-se deparado com uma limitação cognitiva que, influenciada pelas
condições insalubres da própria estrutura do Judiciário, somente está a serviço do
atraso, do retrocesso e do comodismo.
Isso não é difícil de provar, visto que muito poucos têm buscado junto ao
Poder Judiciário pela Justiça judiciária. Aliás, a decisão judiciária, eivada pelas
vicissitudes de seu operador, além de afastar seus consumidores, ainda contribui
para a baixa confiabilidade desse poder estatal. É o que retratam as pesquisas
mencionadas na presente pesquisa científica.
Dessa maneira, se a decisão está na força da lei, a que serviço está o
Estado/Juiz? Se nessa redoma social quem grita por Justiça ou pelo resultado que
essa deve prover é a parte lesada ou ameaçada.
297

Torna-se fácil inferir que o maior necessitado pela entrega de uma prestação
de serviço de Justiça não é o Estado/Juiz, mas os que buscam a tutela aos seus
Direitos lesados ou ameaçados.
Assim, parece que as questões envolvendo a melhor adequação técnica, a
colaboração e a cooperação do acesso pela busca de resultados, a clareza e a
objetividade de informações e dados dispensam a portabilidade de um mensageiro
humano, o qual nem sempre está apto a decodificar as pretensões a que o
interessado o submete, demonstrando falhas no controle da marcha da
processualidade como instrumento hábil constitucionalmente para a gestão da
legalidade.
A finalidade pública do Estado, portanto, vem sendo sodada pela forma como
o modelo atual de Justiça judiciária, seja na microgestão, seja na macrogestão dos
processos, vem acontecendo. A vontade da lei emanada pelo Estado não consegue
ser cumprida dentro do paradigma reconhecido e legitimado em sua própria
estrutura.
Se isso acontece, é porque os operadores e todos os seus auxiliares são
constantemente coniventes, outrora dominados ou condenados à servidão das
condições impostas pelo próprio Estado, que se encontra soterrado na
periculosidade e na insalubridade públicas.
Essas personagens curvam-se ao “sempre foi assim” ou simplesmente
seguem uma rotina secularmente mantida como padrão para o alcance de uma
ideologia de Justiça a ser alcançada futuramente, vinculado ao mentecapto adágio
de que o Brasil é um país do futuro.
Essa condição imposta pela instituição estatal conserva-se
insubordinadamente, mesmo contrariando sua missão-fim, mesmo que esse poder
esteja alicerçado na ausência de razão emancipada e que seria condição primordial
para o exercício da soberania de uma Justiça estabelecida em simetria com dos
reais interesses e fundamentos da própria lei.
Esse tribunal, independentemente de todos os poderes, traz uma simbologia
kantiana, a concepção de “tribunal da razão”, pois a especulatividade tem de
justificar-se em comunhão com a Justiça das leis, segundo Rouanet (2003, p. 163):
298

[...] o êxito foi tão completo que, em 1775, Malesherbes podia dizer, em seu
discurso de recepção na Academia: “Surgiu um tribunal independente de
todos os poderes que todos os poderes respeitam, que aprecia todos os
talentos, que se pronuncia sobre todas as pessoas de mérito’. A mesma
ideia é repetida por Condorcet, em plena Revolução: ‘Formou-se uma
opinião pública, poderosa pelo número dos que a compõem, enérgica,
porque todos os motivos que a determinam agiam ao mesmo tempo sobre
todos os espíritos. Assim, viu-se elevar, a favor da razão e da justiça, um
tribunal independente de todos os poderes, do qual era difícil entender algo
e de que era impossível esquivar-se’. Essa opinião pública é moldada pelos
intelectuais, que fazem através da palavra escrita o que os oradores gregos
e romanos faziam da palavra oral. É o que diz Malesherbes, para quem
‘num século esclarecido, em que cada cidadão pode falar à nação inteira
por meio da imprensa, aqueles que têm talento de instruir os homens e o
dom de comovê-los, os homens de letras, em uma palavra, são no meio do
público disperso o que eram os oradores de Atenas e Roma no meio público
reunido’. A imprensa tem assim o dom de unificar um público que não pode
mais ser integrado pela oratória.

O atual sistema da Justiça judiciária não garante a objetividade e a


normatividade das leis, aliás divorcia-se constantemente, uma vez que a mesma lei
aquilatada em momentos e contextos diversos está sempre a receber conotações
diversas da gravura de sua impressão, em uma espécie de polifonia. Para [...]
(Rouanet, 2003 p. 258) “a polifonia é uma rede de diálogos múltiplos, com muitas
vozes, o que certamente nos protege contra uma voz única, mas não nos aproxima
da verdade. Nela, muitos atores falam – mas não um com o outro”.
De certo modo, a tecnologia da inteligência escrita superou a da oralidade,
uniu os povos e os fez evoluir. Tamanha foi a evolução que a referida técnica
descobriu seus limites e tem no último século trabalhado na descoberta da
tecnologia da Inteligência Artificial para suprir os abismos criados por sua
predecessora.
A questão, por outro vértice, exige saber se o sistema encampado pela atual
estrutura judiciária – cuja tecnologia predominante em gestão e decisão tem sido
objeto de questionamento – estaria buscando ao menos harmonizar-se com a ética
discursiva harberniana.213

213Conforme ilustra Rouanet: “O ponto de partida da teoria da ação comunicativa é o mundo vivido
(Lebens welt): o lugar das relações sociais espontâneas, das certezas pré- reflexivas, dos vínculos
que nunca foram postos em dúvida. As relações sociais que se dão no mundo vivido assumem,
caracteristicamente, a forma de ação comunicativa: um processo interativo, linguisticamente
mediatizado, pelo qual os indivíduos coordenam seus projetos de ação e organizam suas ligações
recíprocas. Na comunicação normal, invocamos sempre, implicitamente, pretensões de validade
(Gultigkeitsanspruche) com relação a todos os enunciados. Quando falamos, estamos sempre
asseverando, tacitamente, que nossas afirmações sobre fatos e acontecimentos verdadeiros, que a
norma subjacente ao enunciado linguístico é justa, e que a expressão do nosso sentimento é veraz.
Na comunicação que se dá no mundo vivido, as três pretensões de validade se entrelaçam. O
299

As discussões cognitivas problematizam as teorias e as normas na sua


condição de aplicabilidade no cotidiano, o que acaba tornando o sistema instável
diante da insegurança constituída pela ausência de garantia, quando da
reconstrução da norma segundo a técnica hermenêutica interpretativa utilizada na
oralidade e/ou na escrita.
Esse problema advém da linguagem e da operacionalidade pela qual o Direito
se canaliza para atender à Justiça. Os fatos, por sua vez, passam por uma condição
crítica hipotética de discussão, investigação, avaliação e julgamento do Estado/juiz,
que atua entre os interessados para validar a verdade.
Isso aponta para uma determinada instabilidade nas relações porque o
homem/ juiz se vê no poder de exercitar o juízo de compensação em entender que
uma das partes encontra-se fragilizada. Esse ativismo ou flexibilismo judicante
transforma o Estado/juiz em um interventor da vida privada, porque se subentende
que a Justiça é um ideal a ser perseguido e alcançado por este ator.
No campo da validade teórico-normativa, a Justiça é fragmentada e
reprocessada pela ação-problematização. Nesse aspecto, primeiro reconhece o
problema apresentado como existente e, por conseguinte, verdadeiro, passando
ulteriormente a ser justificado pelas condições ou garantidas pela manutenção
vigente das condições de Justiça em equação com as regras do Direito, se
presentes na validade teórico-normativa.
A consensualidade entre esses métodos valida a proposição de Justiça, como
é possível inferir das lições de Rouanet (2003, p. 260). “A intersubjetividade é
simétrica e assimétrica dada a diferença na polaridade sofisticamente sustentada
pela ética da argumentação”

processo comunicativo se vincula sempre a três “mundos”: o mundo objetivo das coisas, com relação
ao qual cabem pretensões de verdade (Wahrheitsanspruche); o mundo social das normas e
instituições, com relação às quais são invocadas pretensões de justiça (Richtigkeitsanspruche); e o
mundo subjetivo das vivências e sentimentos, com relação ao qual alegam pretensões de veracidade
(Wahrhaftigkeitsanspruche). / A coordenação comunicativa entre os interlocutores se dá através da
expectativa de que, se necessário, cada interlocutor poderá justificar essas pretensões de validade. A
validade da pretensão de veracidade só pode ser demonstrada pela consistência entre as palavras do
interlocutor e os seus atos. Mas no caso das outras duas, ele precisará apresentar provas e
argumentos – dentro de um quadro teórico geralmente aceito, no caso das proposições descritivas,
ou dentro de uma ordem normativa existente, no caso das proposições prescritivas. Por exemplo, ele
dirá que as primeiras são verdadeiras porque se apoiam numa teoria aceita sobre o mundo físico, e
as segundas são corretas porque se apoiam numa norma vigente. A situação muda quando o que se
contesta é a própria validade da teoria ou da norma. Sua problematização requer o abandono do
mundo vivido e o ingresso num tipo de argumentação sui generis. É o discurso (ROUANET, Sergio
Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 259)”.
300

O fascista argumento da imparcialidade também endossado pelo discurso da


ética de argumentação é o que compromete o sistema da Justiça judiciária e a torna
nanica diante dos ideais que defende, sobrevivendo, ou melhor, mantendo-se da
eloquência carismática de personagens que corporificam uma messiânica forma de
Justiça assentada em ideologias sectárias.214
Isso decorre pela própria condição estrutura do homem enquanto ator nas
relações que se apresenta, como bem esclarece Marx e Hillix (2008, p.19).

O ser humano recebe um curso semelhante de adestramento no que


concerne a observação. Ele passará a olhar alguns aspectos dos objetos e
eventos como significativos e outros como insignificantes. Diferentes
culturas dão a seus membros diferentes cursos de estudo da observação;
exemplos impressionantes, para os cidadãos dos Estados Unidos, por
exemplo, são as numerosas espécies de neve que os esquimós podem
distinguir e a perícia dos pigmeus para seguir o rastro de um animal.
Infelizmente, não é muito provável que o cientista se impressione com a sua
própria e extraordinária sensibilidade para certos aspectos dos eventos ou
com a sua igualmente notável sensibilidade, em alguns casos. É difícil
avaliar as nossas próprias peculiaridades, a menos que possamos comparar
o nosso comportamento com os de outros.

A Justiça precisa libertar-se da condição judiciária. Essa conotação deu-se


porque a instituição – como local ocupado por atores humanos, como seres livres–
se encarregou de transferir suas vicissitudes a uma Justiça que tem uma artimética
em um Direito enquanto realização consensual de uma comunidade científica de
legisladores.
Nesse ponto, ela é objetiva inegavelmente em virtude do consenso de seus
membros. A tecnologia da Inteligência Artificial é um “meio” que garante os fins, e
esses justificam o “meio” escolhido como mecanismo/instrumento capaz de cingir o
Direito e a Justiça em uma linguagem adequada, segura e útil, na concretização dos
valores angulares conquistados e consagrados pela espécie humana.

214 Conforme destaca Rouanet: “Cumpre observar, preliminarmente, que a simples afirmação de que
os valores de “nossa” cultura devem ser desativados durante a observação não garante de modo
algum que esse resultado seja alcançado. Todos sabemos que na prática nenhum observador
consegue, realmente, deixar de avaliar, mesmo quando julga estar apenas descrevendo, e que nessa
avaliação os preconceitos culturais; mesmo inconscientemente, desempenham um papel decisivo. O
relativismo metodológico se baseia numa ficção, e se expõe aos mesmos impasses do positivismo:
agir como se todas as culturas fossem equivalentes e como se dentro da mesma cultura todos os
elementos fossem válidos não oferece nenhuma garantia de que na prática essa ficção possa manter-
se (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003, p. 264)”.
301

12 PROCESSO CIVIL E SEUS ASPECTOS RELEVANTES SEMPRE IMANENTES

12.1 Aspectos principiológicos do processo

O Processo é um bem: se destinado a um bom fim ou aos fins das causas


que forjaram sua existência instrumental, terá atingido o objeto que é fazer com que
a processualidade de seu sistema garanta a reparação de uma ameaça e/ou de uma
lesão de Direito quando de sua ocorrência.
Atualmente, ou melhor, de algumas décadas para cá, passou-se a exigir que
seja o processo repensado de forma não meramente residual, mas científica, com a
preocupação voltada para que sua estrutura – no que concerne à sua precípua
finalidade – alcance a concretização material no território demarcado pelo Estado de
Direito.
Esse comportamento representa uma tendência natural de uma sociedade
mais madura, que passa a exigir a plena funcionalidade do Direito, a partir de uma
interpretação mais rente da realidade sociológica entre Estado, sociedade, Direito e
Justiça.215A concepção de processo é estofada pela ideia de solução ou de “meios”
adequados e úteis a este fim. Esse é seu objetivo papel, mas, para que aconteça a
emancipação social, exige que aconteça uma inclusão para o aprendizado e o
aprimoramento de novos conhecimentos.

215Segundo Nojiri, “Embora Émile Durkheim (1857-1917) seja considerado o verdadeiro fundador da
escola sociológica jurídica, foi Eugen Ehrlich (1862-1922) o responsável pela publicação da primeira
obra sistemática sobre o assunto. O seu livro, Grundlegung der Soziologie des Rechts (Fundamentos
da sociologia do direito), que inaugurou, de fato, um novo caminho para uma ciência social do Direito,
é considerado por alguns como o maior trabalho da sociologia jurídica escrito até hoje. / Para Ehrlich
não é o Estado o único responsável pela criação do Direito; na realidade, a maior parte do Direito
encontra-se no seio da sociedade, entre as relações sociais, como o matrimônio, a família, os
contratos, etc. Em sua concepção, a norma jurídica está condicionada pela sociedade, sendo sua
aplicação dependente de um pressuposto social. Esse precursor da sociologia do Direito defendia a
ideia de que o centro de gravidade do desenvolvimento do Direito não se encontra na legislação, nem
na ciência jurídica, nem na jurisprudência, mas na própria sociedade (NOJIRI, Sergio. A
interpretação judicial do direito. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 59)”.
302

Pois, assim, as ações comportamentais com a produtividade apontada para


os reclamos e as regularizações das questões processuais ainda por se
concretizarem serão perceptivamente notadas. A esse respeito, em diálogo com
Dinamarco (2009, p. 22), é possível compreender melhor a partir de seu magistério:

É preciso, no entanto, não se ofuscar tanto com o brilho dos princípios nem
se ver na obcecada imposição de todos e cada um a chave mágica da
Justiça, ou o modo infalível de evitar injustiças. Nem a segurança jurídica,
supostamente propiciada de modo absoluto por eles, é um valor tão elevado
que legitime um fechar de olhos aos reclamos por um processo rápido, ágil
e realmente capaz de eliminar conflitos, propiciando soluções válidas e
invariavelmente úteis.

E complementa assertivamente o mesmo autor, em trecho contínuo de sua


lavra:

A adoção dessa premissa metodológica manda, em primeiro lugar, que


todos os princípios e garantias constitucionais sejam havidos como
penhores da obtenção de resultados justos, sem receber um culto fetichista
que desfigura o sistema. Manda também que eles sejam interpretados
sistematicamente e em consonância com os valores vigentes ao tempo da
interpretação.

Muitas vezes é preciso sacrificar a pureza de um princípio, como meio de


oferecer tutela jurisdicional efetiva e suficientemente pronta ou tempestiva; muitas
vezes, também, é preciso ler uma Garantia Constitucional à luz de outra, ou outras,
sob pena de conduzir o processo e os Direitos por rumos indesejáveis. A
interpretação, nesse sentido, precisa ser bem feita, mais do bem falada, como já
dizia Benjamim Franklin.216A ansiedade, ou melhor, o excesso de proteção, muitas
vezes atrofia ou até mesmo fulmina o próprio “Ser” – o destinatário dos Direitos e
das Garantias Fundamentais – que se põe a proteger, no caso, em se tratando de
uma estrutura normativa em que a Constituição ilumina o melhor caminho a
palmilhar, é ínsito que seja a tomada das decisões realizada a partir desta Lei Maior.

216 Para Nojiri, ”Por considerar insuficiente o Direito. Esse conceito, que ele próprio chegou a
reconhecer trata-se de uma inovação “imprecisa e fecunda”, foi, pela primeira vez, empregado no
Direito por um alemão de nome Runde. Escudado nesse autor, Gény afirma que os elementos
factuais de toda organização social trazem consigo as condições de equilíbrio, revelando ao
investigador atento a norma que deve aplicar. Todavia, adverte que, para o preenchimento das
lacunas, não basta apenas considerar as circunstâncias de fato submetidas ao conhecimento do juiz,
sendo necessário não perder de vista os ideais de Justiça e a utilidade comum que o legislador
procurou atingir (NOJIRI, Sergio. A interpretação judicial do direito. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2005, p. 63)”.
303

Todavia, o que se tem enfrentado no dia a dia conspira contra a fluidez de um


sistema que, a partir de sua pedra angular, fonte de inspiração da interpretação do
ordenamento jurídico, tenha uma grande dificuldade em fazer com que inclusive os
Direitos e as Garantias Fundamentais sejam não somente preservados, mas
cumpridos materialmente.
Os princípios Constitucionais em vários dos seus comandos representam as
bases de um Estado Processual Constitucional, exaustivamente perfilhado no
capítulo e seus subitens 10, 10.1 e 10.2 da presente pesquisa.
No entanto, o que se tem colhido da interpretação dos dispositivos na
tentativa de fazer com que o Estado Constitucional se concretize, de um certo modo
é o deslocamento desse eixo Maior. Infelizmente, tem-se afastado da ideologia
proposta e sedimentada no bojo Constitucional, diante da insegurança, da ineficácia
e da incerteza de uma Justiça emperrada pela dinâmica de funcionamento um tanto
morosa e imprevisível.
O problema neste cotejo por certo não está nos princípios e no sistema após
sua existência concebida por meio do processo legítimo da casa legislativa ou, às
vezes, até mesmo de forma anômala em trabalho integrativo oriunda das decisões
judiciais, porém é possível que a melhor ideia de produção de leis quanto à sua
sistematização não mais seja essa.
O sistema exige certo desapego e, em alguns momentos pela
conscientização, como bem alertado por Dinamarco de “um fechar de olhos aos
reclamos por um processo rápido, ágil e realmente capaz de eliminar conflitos,
propiciando soluções válidas e invariavelmente úteis”, entretanto, às vezes,
indesejavelmente não resolvido devido aos preconceitos que cultivam as falsas
verdades, muitas vezes intransponíveis, em decorrência das amarras de uma
tradição, já em vias de ruptura.
304

Semelhante comportamento ofusca a luz de nova alternativas. Talvez esse


verniz incorrigível tenha, como uma celadora, bloqueado a mente da espécie
humana responsável por dar as notas por um processo simplificado, objetivo e
rápido, sem que tenha volitivamente concorrido com culpa.
O dogmatismo processual tal como outros vícios com os quais a espécie
humana frágil se vê, uma vez de domínio, encarregou-se de colocá-lo em
relativização, para definir-se uma postura flexível em busca de sanear as infindáveis
discussões sem mesmo dar conta do sofrimento amargado pelos seus reais e mais
necessitados destinatários. Para Arendt (2003, p. 33),

Todas as interpretações pressupõem, de forma tácita, que só podem exigir


juízos dos homens onde eles possuem parâmetros; que a capacidade de
discernimento não seja nada mais do que a capacidade de agregar, de
modo correto e adequado, o isolado ao geral que lhe corresponde e sobre o
qual se chegou a um acordo.

Assim sendo, os princípios Constitucionais são vinculados ao Processo Civil


Constitucional, segundo Baptista da Silva (2010, p. 41) “O relacionamento do direito
processual civil com o direito constitucional é, por assim dizer, o mais intenso e
marcante”, e disso se tem que a reciprocidade se mantém na mesma intensa e reta
direção, porém exige uma leitura e uma interpretação voltadas para a libertação dos
Direitos.
Somente a partir deles é que as garantias podem encontrar-se em locais
seguros. No âmbito do Direito Processual, é vital que os “meios” insculpidos do
inciso LXXVIII da Lei Maior tenham (os meios) reconhecida interpretação de que a
tecnologia é um “meio” dentre os “meios” capaz de dar a solução efetiva à
morosidade, à incerteza e à imprevisibilidade do sistema processual.
O sistema processual precisa ser refundado a partir de novos conhecimentos,
cuja missão é a de desenvolver outro sistema para a mediação do Direito e da
Justiça, em uma outra modalidade de tecnologia em inteligência ao enfrentamento
da nova Era social.217

217 Esse entendimento é extraído de Fux: “A Constituição Federal, por sua vez, no art. 37 consagra o
princípio da eficiência na administração pública, princípio que se impõe a todos os Poderes, inclusive,
por óbvio, ao Judiciário. Um processo ineficiente, portanto, é inconstitucional, ferindo as garantias
fundamentais do acesso à Justiça e do devido processo legal (art. 5º, inc. XXXV e LIV da Constituição
Federal). Relembrem-se as palavras de Canotilho de que a proteção jurídica dos tribunais implica a
garantia de uma produção eficaz. / Importa dispensarmos o processo civil da ótica positivista, para
começarmos a pensá-lo sob o pós-positivismo, fazendo sua filtragem constitucional pela dogmática
305

Para Fux, em arremate, é conveniente, deixar esboçada a valoração dada aos


aspectos principiológicos da Constituição de 1988, para que não haja quaisquer
dúvidas sobre a orientação principiológica que deve balizar o Processo Civil no
plano da materialidade, consagrando, assim, os fundamentos da razão dos
princípios.218
O processo é trinômio de instrumentalidade, constitucionalidade e
assertividade em coalisão pelo efetivo resultado, estando tais valores preservados,
protegidos e garantidos, e considerando não existir restrição quanto aos aspectos
formais. Há espaço para consolidar-se como mecanismo alternativo por intermédio
da tecnologia em Inteligência Artificial, superando os estágios de armazenamento e
a gestão de dados para atuar como sistema de auxilio, mediação e decisão.

principialista. / Importa inserir no diploma processual civil a principiologia consagrada na Constituição


de 1988, através da qual os princípios deixaram de ser regra secundárias para se transformarem em
norma superiores, orientando a interpretação das leis; não sendo demais repetir as palavras de
Bandeira de Melo de que no conflito entre a norma e o princípio, deve optar por este (FUX, Luiz (Org).
O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa: reflexões acerca do projeto do novo código
de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 174)”.
218 “Por princípios sempre se entendeu a origem, o ponto de partida, aquilo de que deriva a outra
coisa: principium est primum a quo aliudoritur. / Como empregado nas ciências humanas, e
particularmente no Direito, princípio é a origem, a base, a razão fundamental que inspira certa
doutrina, a qual, por sua vez, caracteriza um sistema ou influi na interpretação. A adoção solene de
certo princípios, ou a sua adoção reiterada – está sempre verificada a posteriori –, “consciente ou
inconscientemente dão forma e caráter “aos sistemas”, no nosso caso, aos sistemas processuais.
Afirmam Ada Pelegrini Grinover, Araújo Cintra e Dinamarco que “é do exame dos princípios gerais
que informam cada sistema, que resultará qualificá-lo naquilo que tem de particular e de comum com
os demais, do presente e do passado”. / Daí a noção de síntese crítica que lhe atribuem os escritores,
explicando o efeito de certas generalizações encontradas nos ordenamentos e métodos processuais.
/ Princípios há ditados por razões de ordem prática ou técnica; outros, enraizados na própria origem
do Direito, são éticos na sua essência. Não discrepa do seu conceito, portanto, o fato de assumirem
caráter programático ou conotações sociopolíticas, quando circunstâncias históricas e culturais o
exijam. Hoje o Direito processual civil vive a fase da instrumentalidade, cujo ideário concebe a
jurisdição e o seu instrumento, o processo, como meio de concretização da ordem jurídica, da
pacificação da convivência humana e da efetivação dos direitos e garantias constitucionais. Procura
atender-se ao brado de Mauro Cappelletti: “Os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas
processuais servem a funções sociais. ” Segundo a visão instrumentalista, não se concebe mais o
processo como um fim em si mesmo, indiferente aos efeitos que deve produzir em relação ao
indivíduo particular, à sociedade e ao Estado. Hoje se quer um processo civil de resultados, no
sentido de que a forma do procedimento só se justifica enquanto serve a apuração da verdade para a
decisão sobre o mérito do litígio ou propicia a satisfação concreta do titular do Direito em todo o seu
direito e só aquilo a que tem direito, conforme declarado no título respectivo e constante do seu
pedido (FUX, Luiz (Org). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa: reflexões acerca
do projeto do novo código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 198)”.
306

12.2 A relevância Constitucional processual

A participação enfática na orla processual da carta Maior tem seus históricos


lastreados no modelo de Estado consubstancializado em seu processo de evolução.
Pelo limite do escopo do trabalho, não será realizado um verdadeiro, amplo e denso
proselitismo sobre a temática.
Todavia, de forma objetiva, é possível deixar os sinais reticulares de uma raiz
cujo cerne está voltado para a relevância Constitucional e, em simetria, seus reflexos
ao diploma processual civil.
O Estado Constitucional tem como principal característica a proteção e a
preservação dos Direitos e das Garantias fundamentais, cujos propósitos estão
voltados a fazer com que a carta política atinja a concretização de seu conteúdo
programático de forma substancial.219
A Constituição, em tais condições, representa não somente a limitação do
Estado ao Direito, como dispõe de diretrizes que habilitam as relações sociais a
seguirem pressupostos que convirjam com seus reais objetivos do Estado e de seus
poderes, dentre eles o Poder Judiciário.
Quanto a esse Poder, observa-se sua essencialidade não somente como
guardião da ordem da carta política Maior, mas soma-se a essa missão a condição
de viabilizador e otimizador do Direito e da Justiça. É um Poder no/em Direito que o
legitima.

219 Segundo Coutinho e Silva, “O Estado liberal, também chamado de Estado legalista ou positivista,
nasceu no século XIX com a ascensão da burguesia, atendido de movimentos filosóficos que
contestavam o poder absoluto monárquico (ancien régime). / Desde a Segunda Guerra Mundial,
houve toda uma evolução até chegar ao Estado Constitucional, ou Estado de Direito Constitucional:
“De governo de homens (Estado Absoluto) evoluímos para o governo das leis (Estado legalista) e
deste estamos nos dirigindo para o governo do Direito. / Somente com o iluminismo e o
jusnaturalismo racionalista, explica Gustavo Binenbojm, é que surge o constitucionalismo moderno,
consagrando a ideia de separação dos poderes do Estado, como forma de contê-los, e de proteção
de direitos individuais, “que precediam ao próprio Estado e deveriam ser reconhecidos pela ordem
jurídica”. / A transição do Estado liberal para o Estado social trouxe uma alteração significativa na
concepção do Estado e de suas finalidades, que, como afirma Ada PellegrineGrinover, passa a
atender ao bem comum e a satisfazer direitos fundamentais, estes já como a segunda geração de
direitos fundamentais (direitos econômico-sociais, de modo que ao dever de abstenção do Estado
substitui-se seu dever a um dar; facere, praestare, por intermédio de uma atuação positiva e que
realmente permitisse a fruição dos direitos de liberdade da primeira geração, assim como os novos
direitos (SILVA, Ana de Lourdes Coutinho. Motivação das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2012, p. 12)”.
307

A Jurisdição, como um meio pelo qual o Estado atua para a orientação, a


regulação e a pacificação social, passa a exigir que o instrumento de funcionamento
da máquina judiciária seja fundido sob os auspícios dos Direitos e das Garantias
Fundamentais.
Por essa seara, busca a máxima eficiência em efetividade do sistema no
plano material. No entanto, para que isso aconteça, exige-se (cobra) um contínuo e
constante aperfeiçoamento do sistema, porém para sua validade que esteja
arraigado no terreno da ordem Constitucional.
Sendo assim, as leis em todos os seus aspectos, devem submeter-se ao filtro
dos elementos e dos pressupostos constitucionais – regras, princípios e diretrizes –
nos campos teórico e prático, para a partir de então encontrarem-se habilitadas a
exercerem sua função dentro do sistema judiciário. Para Scarpinella (2010, p. 124),

Os “princípios constitucionais” ocupam-se especificamente com a


conformação do próprio processo, assim entendido o método de atuação do
Estado-juiz e, portanto, método de exercício da função jurisdicional. São
eles que fornecem as diretrizes mínimas, mas fundamentais, do próprio
comportamento do Estado-juiz. É esta a razão pela qual, no
desenvolvimento deste trabalho, a menção à expressão “modelo
constitucional do processo civil”, sem qualquer ressalva, quer se referir mais
especificamente a este primeiro grupo de normas, o relativo aos “princípios
constitucionais do direito processual civil”, a uma das partes, pois, que
integram o “modelo constitucional do direito processual civil”

A Constituição é fôrma para a fecundação, a certificação e a regulação, e isso


faz com que os operadores do Direito de uma forma geral passem sempre a
posicionar-se criticamente a qualquer alteração ao sistema.
De uma forma ou de outra, trouxe um maior senso de responsabilidade
quando das alterações, dos acréscimos ou das supressões de ferramentas legais na
estrutura ordenamental em qualquer hierarquia.220Dessa forma, sendo o processo

220 Nesse sentido, é esclarecedor Dinamarco: “Um significativo fator de abertura para as
preocupações éticas com o processo foi o crescimento do interesse de parte da doutrina pelos temas
constitucionais do processo civil e verdadeira imersão de alguns no direito processual constitucional.
Enquanto os processualistas permanecessem no estudo puramente técnico-jurídico dos institutos e
mecanismos processuais, confinando suas investigações ao âmbito interno do sistema, era natural
que prosseguissem vendo nele mero instrumento técnico e houvessem por correta a afirmação de
sua indiferença ética. Quando passa ao confronto das normas e institutos do processo com as
grandes matrizes político-constitucionais a que estão filiados, é, todavia,natural que o estudioso sinta
a necessidade da crítica ao sistema, inicialmente feita à luz dos princípios e garantias que a
Constituição oferece e impõe – e com isso está aberto o caminho para as curiosidades metajurídicas
decorrentes da conscientização dos valores que estão à base dessas exigências constitucionais
(DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 127. v. 1)”.
308

meio instrumental de condução do Direito material para o alcance da Justiça, é


condição natural que a estrutura processual esteja em harmonia com o diploma
Constitucional para sua validade funcional.
Do ponto de vista de um sistema, inclusive após a emenda 45/2004,
observou-se uma busca significativa no melhoramento da organização da estrutura
jurisdicional e de seu aparelhamento.
É perceptível a ansiedade. A produção legislativa em ascensão indica ou
carência de lei (s) ou, por um outro lado, certa deficiência de como dar juridicidade
na medida certa, dentro de um Estado cuja territorialidade e densidade demográfica
apresentam-se com inescusável gigantismo.
As mudanças tiveram o intuito de fortalecer o Poder Judiciário, dando
melhores condições de funcionamento, com isso criando e desenvolvendo
mecanismos de controle, de distribuição, de racionalização e de sistematização do
funcionamento do Poder Judiciário, em busca de dar mais efetividade à prestação
dos serviços da Justiça. Para Nelson Jobim (2015, p. 88),

O CNJ surge como órgão de controle integrante da própria estrutura do


Poder Judiciário, embora não composto exclusivamente por magistrados.
Na sua posição o CNJ reflete todas as vertentes do Poder Judiciário através
da inclusão de representantes de seus órgãos de cúpula. De outra parte,
como forma de afastar, definitivamente, qualquer risco de tendência
corporativista proveniente da monopolização do controle pelos próprios
membros da magistratura, a EC nº 45 incluiu representantes do Congresso
Nacional, do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Assim, a questão da “separação dos poderes” desapareceu, pois o novo
órgão integra o mesmo poder.

A constitucionalidade do sistema e seu regular funcionamento são


fundamentais para que o projeto de Estado Constitucional ou Estado de Direito
Constitucional possa alcançar a cristalização dos objetivos ideologicamente
pretendidos com a gestão de um Estado Constitucional.221

221Segundo Dinamarco, “É natural que uma Reforma Constitucional do Poder Judiciário atue com
expressiva intensidade sobre a ordem processual, dada a notória filiação do direito processual à
Constituição e dada a íntima relação existente entre os modos de exercício da jurisdição e a
configuração funcional dos órgãos e organismos que a exercem (organização judiciária). Só isso
bastaria para que a emenda constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004, responsável pela
chamada Reforma do Poder Judiciário, tivesse relevante atuação sobre o sistema do processo
brasileiro, ao menos como reflexo das alterações impostas à estrutura e ao funcionamento dos
organismos jurisdicionais. Mas também diretamente a emenda atuou sobre o processo civil, ditando
uma série de regras tipicamente processuais relevantes (DINAMARCO, Cândido Rangel.
Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 197. v. 1)”.
309

Além das alterações promovidas pela reforma noticiada no âmbito processual,


em breve digressão a partir de 1988, observa-se que traz a lei Maior princípios que
balizam todo o funcionamento de todo o sistema, dando expressiva importância,
para que a Justiça se torne de fácil acessibilidade, célere e eficaz.
Acima de tudo, aufere-se a obrigatoriedade de se estar sempre em
conformidade e vinculação com a Constituição Federal ou é simplesmente
inconstitucional.222
É tamanha a relevância da Constituição no cenário judiciário pátrio não só
porque o diploma cristaliza e evoca – sempre que instado – as conquistas históricas
dentro de um processo de Estado de Direito, mas porque não deixa dúvidas de que
os preceitos Constitucionais são irrenunciáveis e inegociáveis.
Sem processo, porém, em havendo a Constituição, já se revela o suficiente
para, a partir dessa carta política, tratar de quaisquer controvérsias ou conflitos de
Direito, porém, sem Constituiçao, sequer haverá que se cogitar a existência de
processo.
Isso se dá por força da essencialidade da Lei Maior na manutenção da ordem
justa e, consequentemente, de seu desenvolvimento no desenho, na estruturação e
toda evolução da legislação processual.
O novo-reformado CPC tem albergado destaque por trazer em seu bojo de
forma expressa os princípios constitucionais como dispositivos essenciais que
devem nortear sempre em primeira chamada ou nota, todos os atos pertinentes ao
desenvolvimento válido do processo.

222 Para Scarpinella Bueno, “Assim, além de o processo ter de “ser” conforme ao modelo
constitucional do processo, ele deve ser interpretado e aplicado com os olhos voltados à realização
concreta de valores e situações jurídicas que são a ele exteriores, passando, necessariamente, pelos
valores que a própria Constituição exige que, pelo processo, sejam devidamente realizados. / Dos
diversos princípios do processo civil, pensamos que, para os fins do presente trabalho, dois devem
ser colocados em primeiro plano: o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) e o do contraditório e da
ampla defesa (CF, art. 5º, LV). / Ainda que haja autores que reputam suficiente a previsão do
princípio do devido processo legal, porque todos os outros princípios seriam dele decorrentes, não há
como negar a explícita opção política do direito brasileiro quanto à previsão expressa de uma série de
princípios do processo civil, ainda que eles possam, em cada caso concreto, ter incidência conjunta. /
Importantedestacar, a propósito, que os princípios constitucionais do processo são dados de Direito
positivo. Longe de pretender suscitar questões típicas da filosofia do Direito ou da teoria geral do
Direito nesta sede, não podemos duvidar de que esses princípios, embora sejam valores, são “direito
positivo”, “direito posto”, e, por isso mesmo, nada têm de metafísico ou, quando menos, de
metajurídico. Eles, como normas jurídicas que são, vinculam o intérprete e o aplicador do Direito
(BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático.
2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 45)”.
310

Esse caráter pedagógico de sistematização do processo demonstra a


relevância e, ao mesmo tempo, reforça os valores principiológicos e regratológicos
insculpidos na Constituição Federal, convidando seus operadores e destinatários a
exercitá-los diuturnamente no ambiente teórico e prático do Direito e da Justiça.
O comportamento regulatório Constitucional filtra molecularmente o processo
em todas as suas etapas, buscando garantir ao sistema processual transparência
pública no sentido de maior coerência. Esse compromisso com o Direito conspira em
favor da assertiva Justiça Constitucional.223A Constituição nesse processo é norma
inspiradora de regulação, portanto, sua relevância de direção traduz-se na
obrigatoriedade vinculativa das demais normas em estarem em simetria com seus
propósitos ou se terá inconstitucionalidade reflexa. Para o sistema processual, a CF
oferta mecanismos/instrumentos genuínos por meio de seus princípios e regras que
catalisam um processo constitucionalizado.
Portanto, qualquer técnica processual que germine por intermédio de um novo
instituto obrigatoriamente é criteriosamente perfilhado pelo diploma Constitucional
para a análise e a avaliação de sua compatibilidade, seus efeitos e reflexos aos
Direitos e às Garantias Fundamentais.

223 Segundo Nojiri, “O Direito regula sua própria criação, na medida em que uma norma jurídica
determina o modo em que outra norma é criada e também, até certo ponto, o conteúdo dessa norma.
Como uma norma jurídica é válida por ser criada de modo determinado por outra norma jurídica, esta
é o fundamento de validade daquela. A relação entre a norma que regula a criação de outra norma e
essa outra norma pode ser apresentada como uma relação de supra e infraordenação, que é figura
espacial da linguagem. A norma que determina a criação de outra norma é a norma superior. A ordem
jurídica, especialmente a ordem jurídica cuja personificação é o Estado, é, portanto, não um sistema
de normas coordenadas entre si, que se acham, por assim dizer, lado a lado, no mesmo nível, mas
uma hierarquia de diferentes níveis de normas (NOJIRI, Sergio. A interpretação judicial do direito.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 73)”.
311

13 PROCESSO CIVIL E SEU NOVO-REFORMADO ESTATUTO

13.1 Os aspectos desde a estrutura ao novo-reformado CPC

O segredo de todo bom começo tem reduzido a simplicidade dos bons


ensinamentos. É desse bom senso que os sábios têm extraído do inimaginável o
supremo contemplável.
No trato do Direito processual, a seara desde a estrutura do sistema
processual tem concebido inigualáveis e relevantes aspectos que demonstram a
evolução dessa ciência. Nesse sentido, Dinamarco tem contribuído com a clareza e
a objetividade de seu magistério (2010, p. 245):

O conhecimento científico do Direito processual e seus institutos exigem a


prévia e consciente determinação de certos princípios fundamentais. Não
pode o processualista, como de resto cientista algum pode, dispensar-se de
conhecer e tomar posição acerca de regras e noções gerais e fundamentais
que informam e comandam toda a disciplina que pretende dominar, dando-
lhe unidade e verdadeiro sentido sistemático.

A história do Direito processual é um convite ao conhecimento dessa ciência,


que não pode o cientista do processo dispensar-se, ainda que en passant deixar de
tomar notas em agenda seria considerado um crasso equívoco, uma vez que serão
balizas fundamentais durante todo o percurso da viagem jurídica. Também
proporcionarão indicadores que irão contribuir para conferir a evolução do referido
instituto, auferirindo o atual estágio de desenvolvimento.
O processo em suas origens não gozava de autonomia e independência. Não
detinha uma condição de sistema visto ser incorporado pelo Direito Civil. Sua falta
de sistematização ante a ausência em métodos e regras procedimentais pouco
assegurava as partes envolvidas nos conflitos de Direito.
312

Era impossível valer-se da segurança de conceitos, regras e procedimentos


claros na empreitada do esclarecimento de possíveis conflitos.Todavia, com o
descortinamento da obra de Oscar Von Bullow, como cita Dinamarco, o processo
passou a receber um novo tratamento.224
A obra tem destaque por sua característica denunciativa quanto ao
formalismo procedimental, a valoração das partes e a necessidade de um sistema
protetivo garantidor e, a par desse contexto, dá real importância ao aspecto
metodológico científico. Gesta, com isso, um sistema autônomo e independente do
Direito substancial. Supera, nessa perspectiva, a polêmica travada entre Winscheid-
Muther no que concerne à lesão e à ação enquanto Direito Público subjetivo.225Com
a visão de Von Bullow, o caráter público do processo passa a demarcar novos
contornos, a figura do Juiz passa a ter significância para a objetiva consolidação do
Direito e da Justiça.
A relação interpartes passa a conter elementos objetivos definidos e o
desenvolvimento a conter a exigência de certos pressupostos para a viabilidade e a
validade do exercício do que passa a ser denominado de jurisdição disponibilizada
pelo Estado para a solução de casos.

224 “Mas eis que, em 1868, Oskar Von Bullow edita um livro que haveria de instaurar verdadeira
revolução no Direito processual Die Lehre von den Proce Beinrenden und die Proce
Bumavassetzungen). Este livro constitui verdadeiro assento de nascimento da ciência processual
como tal; afastando-se do mero procedimentalismo sem diretrizes e certamente com os sentidos
alertados pelas novas verdades agitadas na polêmica que Windscheid e Murthen travaram na década
antecedente, pode Von Bullow inaugurar o estudo científico do processo (DINAMARCO, Cândido
Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. 1, p. 261)”.
225 Segundo Chiovenda, “É conhecida a viva polêmica de Windscheid e Muther. Este último pareceu
refutar a nova teoria dos conceitos dominantes; na realidade, não fazia mais do que completá-la,
dedicando-se à investigação do elemento negado por Windscheid. A direção de tal investigação está
talvez explicada pelas polêmicas então acesas sobre os direitos públicos subjetivos (fazia pouco
tempo que havia aparecido o livro de Gerber); do mesmo conceito inerente ao klagerecht, antes
obscuro e, na verdade, da ideia de que o direito subjetivo pressuponha originariamente o obrigado.
Muther chegou, assim, a conceber o direito de acionar como um direito do Estado na pessoa de seus
órgãos jurisdicionais, como um direito à formula ou, para nós, à tutela jurídica. A esse direito subjetivo
público, que tem por pressuposto um direito privado e sua violação, corresponde, no Estado, não
somente o dever a respeito do titular do direito de dividir-lhe a tutela, mas também um direito subjetivo
seu – leia-se: público –, de realizar contra o particular obrigado a coação necessária para obter o
cumprimento de suas obrigações. Esse direito de acionar é, pois, diverso do direito privado lesionado,
seja a respeito do sujeito passivo, seja a respeito do conteúdo. Mas, posto que o direito de acionar
tende a obter que o Estado exercite seu direito contra o demandado, assim também a actio deve se
referir mediantemente ao obrigado do obrigado, e se diz que corresponde contra o particular. E, uma
vez entendida a ação como um direito que nasce com o direito privado condicionalmente à violação
deste, chega-se, em Roma, a considerar actio como sinônimo de obligatio (CHIOVENDA, Giuseppe.
A ação no sistema dos direitos; tradução Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2003, p.
13)”.
313

É sustentável que, entre o início da idade média e o renascentismo, a


sociedade jurídica tenha experenciado movimento jurídico suficiente ao despertar de
um novo modelo capaz de dar à espécie humana um tratamento humanista dos seus
Direitos.
Períodos como o das Ordálias e do Longobardos são, esclarecidos por
MiclelleTaruffo em sua obra filosófica sobre o papel dos Fatos, do Juiz e da Verdade,
demonstram a precedência bem como a contribuição dessas fases ao nascimento
do cientificismo processual de Von Bullow em sua teorização processual.
Esse movimento de época forja o alçamento do processo ao status da
modernidade, iluminando uma via legal ao Direito de acesso ao imperativo
jurisdicional do Estado com regras procedimentais predefinidas.
Em que a liturgia se afeiçoa melhor com a essência do que seja o Direito e a
Justiça. O Direito de tutela, de socorro ao exame de uma ameaça ou lesão de Direito
são reconhecidos, a partir do Direito de acesso à Justiça.
Nesse caminhar, ainda é importante relembrar sinteticamente a teoria
processual de Wach como contribuinte da processualística contemporânea. Para ele
o direito de ação é autônomo contra o Estado, desvinculado da subjetividade, da
lesão ou ameaça do direito. Sua concepção concreta, porém, reconhecia a
existência da ação em caso de decisão procedente.
Para Chiovenda, consoante o legado do mestre Wach, o direito de ação é
autônomo, entretanto contra o ofensor; funda assim a teoria potestativa da ação
enquanto poder legitimado em albergue à lei.
O Estado estaria a garantir o funcionamento jurisdicional para o cumprimento
da lei, sendo assim, a ação é o exercício do próprio direito material. Contrária,
portanto, à teoria abstrata da ação de Degenkolb em que – independentemente do
resultado material – o direito de ação era garantido pela mera afirmarção de um
dano, ameaça ou lesão de um direito reivindicado.
Por derradeira e apertada síntese, a teoria eclética em que o direito de ação é
uma composição de autonomia e abstração, deve preencher a categoria das
condições da ação com os requisitos da possibilidade jurídica do pedido; legítimo
interesse em utilidade e adequação; e legitimidade para agir, categorias não mais
prevista do novo-reformado Código de Processo Civil nos termos do inciso VI do
artigo 485.
314

Nesse palmilhar e em um salto de algumas somas de décadas, com exame


entre os lindeiros CPC’s de 1973 e 2015, o estudo por vezes teve por hastear a
bandeira de uma nomenclatura que talvez não se completasse em sua totalidade.
Trata-se como novo algo que irradia partes de um antigo.
Isso implicaria não somente em uma imprecisão terminológica, mas também
uma incompletude semântica, por isso, adotou-se chamar nos limites da presente
pesquisa a legislação processual que se encontra em seu período de vacacio,
insculpida pela lei 13.105/15 do novo-reformado Código de Processo Civil.
Além da manutenção ontológica da estrutura anterior, a exclusão de alguns
institutos e a implantação de outros se deram, na primeira hipótese, pela fraca
contribuição para resolução dos fins do processo.
E, em uma segunda hipótese, pela compreensão dos novos tempos em que a
jurisprudência e a doutrina nacional superam o estágio de meros mecanismos de
estímulo ou de convenciomento orientativo do Juiz e passam a destacar-se com
proeminente poder vinculativo, considerando as alterações processuais das últimas
décadas.
Uma questão importante que não pode passar despercebida é a dificuldade
que o sistema jurídico nacional tem em reavaliar sua própria estrutura e em
apreender com a equiparação de modelos, dada a rigidez Constitucional
estabelecida.
O novo-reformado Código de Processo Civil não tratou de acompanhar em
todo o seu pontificado da realidade social tecnológica que enraíza a atual sociedade
global, cuja importância é notória e que indica dever sobrepor-se ao
convencionalismo secular nos próximos anos.
É um entendimento que se harmoniza com a sistematização já exigida em
uma nova etapa da ciência processual, sucedânea da fase teoleológica ou
instrumental a processual tecnologia digital, muito embora não se possam negar as
conquistas obtidas alhures, como ilustra Dinamarco.226

226“O processo civil moderno é o resultado de uma evolução desenvolvida, no mundo de cultura
romano-germânica, a partir de um longo período no qual o sistema processual era encarado como
mero capítulo do Direito privado, sem autononomia; passou por uma riquíssima fase de descoberta
de conceitos e construção de estruturas bem ordenadas, mas ainda sem a consciência de um
comprometimento com a necessidade de direcionar o processo a resultados substancialmente justos;
é só em tempos muito recentes, a partir de meados do século XX, começou a prevalecer a
perspectiva tecnológica do processo, superado o tecnicismo reinante por um século. Falamos por isso
em três fases metodológicas na história do processo civil: uma de sincretismo, uma autonomista ou
315

Semelhante contexto impôs à jurisdição estatal uma herança cingida por


experiências, as quais exigiam dos processualistas não somente a denúncia pela
infuncionalidade dos fins objetivos, mas a necessidade de obter, por meio da
jurisdição estatal, o melhoramento necessário para o alcance dos resultados mais
justos.227
Em todas as circunstâncias modelares do processo civil, tem-se observado
ser o foco dessa ciência a garantia da efetividade do direito material por intermédio
do procedimento processual em uma plataforma jurisdicional estatal, em
consonância com a evolução idealizada em busca de consolidar o Projeto
Democrático Constitucional do Estado de Direito. Segundo Gusmão Carneiro (2009,
p. 376),

conceitual e, finalmente, uma teleológica ou instrumentalista (DINAMARCO, Cândido Rangel.


Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. 1, p. 124)”.
227 Segundo Coutinho Silva, “Mas até que se visasse na jurisdição uma função pacificadora do Estado
diante de situações conflituosas, algumas teorias buscaram explicá-las e defini-las, voltadas apenas
para o resultado jurídico do processo. / Para Chivenda, adepto da teoria dualista, a jurisdição, como
função da soberania do Estado, teria o escopo “da atuação da vontade concreta da lei por meio da
substituição, pela atividade de órgãos públicos da atividade de particulares ou de outros órgãos
públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva. A
jurisdição, portanto, segundo Chiovenda, objetivaria a situação prática da vontade da lei, ideia que foi
seguida por Liebman para quem a jurisdição seria a atividade dos órgãos do Estado, destinada a
formular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, seguindo o direito vigente, disciplina
determinada situação jurídica. Na visão chiovendiana, o verdadeiro poder estatal estaria na lei e na
jurisdição na mente se manifestaria a partir da revelação da vontade do legislador, assim, o juiz
apenas aplicaria a vontade da lei ao caso concreto. / Já para Carnellutti, que adotava premissas
unitárias, a jurisdição buscaria, a justa composição da lide, um regimento concreto para aquele
conflito de interesses. O juiz, por meio da sentença, criaria a norma individual para o caso concreto,
mediante “um processo de adequação da norma já existente – ao caso concreto”, sem, todavia, criar
um direito que ainda não existia”. / Também Calamandrei, que aderia à teoria unitária do
ordenamento jurídico, sustentava que a lei se individualizaria por meio da sentença, o que leva à
conclusão, anotada por Marinoni, de que, embora filiado a teoria unitária do ordenamento jurídico, as
concepções de Carnellutti e de Calamandrei não se afastaram da ideia de que a função do juiz
estaria estritamente subordinada à do legislador, devendo apenas declarar a lei: “na verdade, a
distinção entre a formulação de Chiovenda e as de Carnellutti e Calamandrei está em que, para a
primeira, a jurisdição declara a lei, mas não produziria uma nova regra, que integra o ordenamento
jurídico, enquanto, para as demais, a jurisdição, apesar de não deixar de declarar a lei, cria uma regra
individual que passa a integrar o ordenamento jurídico (SILVA, Ana de Lourdes Coutinho. Motivação
das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 8)”.
316

Importa para o tema presente evidenciar, ainda que em breve linhas, a


evolução do pensamento do direito processual civil, isto é, seu “estudo
científico”, porque é a transformação deste pensamento ao longo do tempo
que se apresenta como um dos fatores determinantes para compreender,
na atualidade, as diretrizes mais amplas do direito processual civil como um
todo. Elas refletem, de outra parte, a própria modificação do Direito
legislado, razão pela qual a apresentação de sua síntese é providência
inafastável. Elas permitem, por fim, uma melhor identificação das razões de
uma renovada forma de pensar, estudar e, consequentemente, sistematizar
o direito processual civil.

A busca pela garantia daquilo que o indivíduo tem de Direito sem que tivesse
de recorrer ao Poder Judiciário revela-se como uma ideologia dos tempos passados,
destaca-se novamente atual o novo-reformado Código de Processo Civil como uma
esperança a ser concretizada superando os Direitos meramente idealizados ao
encontro dos materializados.
Os aspectos estruturais da nova legislação processual inclinam-se no sentido
de valer-se de uma linguagem mais objetiva, de fácil compreensão, de uma
ductibilidade mais plastificada, de uma maior autonomia quanto às regras definidoras
a serem adotadas pelas partes para a resolução dos conflitos.
Tudo isso constitui incentivo por um maior estímulo para os meios
alternativos, dos quais o da conciliação consolidando os trabalhos de evolução do
sistema processual e do CNJ nos termos da resolução 125/2010. À guisa de
reflexão, ideia que subjaz embrionariamente, essa postura do Estado é eliminar o
conflito, pois, econômica e financeiramente, não parece muito atrativo do ponto de
vista econômico e financeiro ao erário público.
Retomando o escopo, o pensamento chiovendiano deixou seu legado e
apresenta-se como um elemento estimulador desses novos propósitos, afastando-
se, assim, de uma promessa secular que costumeiramente esbarra em vários tipos
de entraves, os quais inviabilizam o acontecimento de um processo modelo, não
mais questionado pelos inúmeros aspectos negativos, dentre eles o da morosidade,
da inefetividade e da imprevisibilidade quando do trato do Direito e da Justiça.
Para o novo-reformado Código de Processo Civil em traço preponderante em
suas raízes, ou seja, o que fermentou e fomentou com a exclosão da reforma e dos
trabalhos advindos foi a necessidade de uma melhor sintonização entre o Direito e
as Garantias Fundamentais existentes na Lei Maior e um sistema processual melhor
e mais bem-acabado em viabilizar a consolidação dos valores constitucionais como
prática de uma Justiça mais próxima da realidade social.
317

O que se observa é a existência de uma nova-reformada estrutura


processual, no entanto, não se pode afirmar a existência de uma nova e efetiva
estrutura processual que possa debelar não somente os sintomas, mas as causas
dos reconhecidos e sabidos problemas do atual sistema processual.
Qualquer mudança exige o reconhecimento de certa infuncionalidade
sistêmica que não mais se suporta, dados os danos oriundos dos problemas
conhecidos e sabidos em detalhes.
É da espécie humana o destaque ímpar do enredo dado à cantiga das
questões que mais a afligem, dando-lhes um tratamento tão moroso que, ao término,
tem-se outra necessidade, ou seja, a discussão é tanta que se esquece dos
verdadeiros e essenciais fins.
Tem-se uma sensação de que o legislador esteve o tempo todo ilhado em
uma realidade desconexa da evolução das ciências e da sociedade, de um modo
geral no plano mundial, até porque, em outros lugares existem Direito, Judiciário e
Justiça enquanto universais na concepção realista e conceitualista.
É possível notar que houve – em que pesem as mudanças pontuais e
importantes realizados – uma perda de oportunidade de colocar-se o novo-
reformado Código de Processo Civil na era tecnológica digital.
Não menos importante, o debate do CPC fora feito de forma tão afobada ao
atropelo das técnicas legislativas que se corre o risco de tornar-se um sistema
processual que mal entrou em vigência e contará com emendas e reformas
demonstradoras de que faltou empenho de qualidade.
318

Diferentemente do discurso sofisticado do Ministro Luiz Fux, um código


nessas condições é possível que até mesmo ultrapasse os seus 50 anos de
existência, porém “data maxima venia”, meramente como figura decorativa no
museu dos processos.228

228 Conforme ilustra Dellore: “O NCPC tramitou no Congresso por mais de 5 anos – e, frise-se, houve
indevidas alterações mesmo após o término de sua tramitação. Porém isso não significa que o debate
e, especialmente, as reflexões quanto às modificações foram suficientes. / O fato é que, ao lado de
boas inovações, o NCPC tem uma série de novidades que trarão problemas. Listo algumas dessas:
mudanças na coisa julgada, ordem cronológica no julgamento, audiência (quase) obrigatória de
conciliação ou mediação, regime da tutela de urgência, fundamentação exaustiva da sentença, rol
taxativo do agravo de instrumento, IRDR e o fim da admissibilidade dos recursos na origem. /
Conforme o prazo da vigência do NCPC se aproxima, com o estudo mais detido do Código, os
problemas começam a preocupar a comunidade jurídica como um todo (e não apenas os
processualistas mais engajados no tema). / Nesse sentido, ciente dos transtornos que o NCPC
causará aos Tribunais Superiores, STF e STJ se movimentam para sua alteração. Seja pelo simples
aumento do prazo da vacatio legis, seja pela modificação do texto. Vejamos cada uma dessas
propostas separadamente. / O aumento da vacatio legis. No final de junho, a imprensa
especializada divulgou que o Ministro Gilmar Mendes, do STF, sugeriu o aumento da vacatio legis do
NCPC, para mais 3 a 5 anos. Dois seriam os principais pontos de preocupação dos ministros, pois
isso seria capaz de acarretar um aumento brutal na quantidade de processos submetidos aos
tribunais superiores: (i) o fim da admissibilidade na origem (vide item abaixo) e (ii) o aumento das
hipóteses de cabimento da reclamação. / A proposta não foi bem recebida por parte dos
processualistas, como pode se perceber, por exemplo, em manifestação de William Santos Ferreira. /
De qualquer forma, não se tem notícia, até o momento, de projeto legislativo nesse sentido. / Cabe
lembrar que a história dos Códigos no Brasil também apresenta situações como essa. Em 2002, no
segundo semestre, cogitou-se de alongar a vacatio legis do atual Código Civil. Mas o projeto acabou
não sendo aprovado, e o CC02 vigorou a partir de janeiro de 2003. / Algo mais curioso aconteceu no
final dos anos 1960. / O Código Penal de 1969, que pretendia substituir o Código Penal de 1940, foi
promulgado pelo Decreto-Lei 1.004/1969, e entraria em vigor no dia 1º de janeiro de 1970. Contudo,
sucessivas leis alteraram sua redação e o início da sua vigência – até que, finalmente, o CP/1969 foi
revogado pela Lei 6.578/1978… Ou seja: um Código que foi sem nunca ter sido. A volta do juízo de
admissibilidade na origem, para o recurso especial e extraordinário. / O que temos de concreto no
momento é a proposta legislativa para alterar a admissibilidade dos recursos para tribunal superior. /
Na sua redação atual, o NCPC não mais prevê a admissibilidade de qualquer recurso na origem.
Especificamente em relação ao REsp e RE, o assunto está assim regulado no Código (grifos nossos):
Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para
apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão remetidos ao
respectivo tribunal superior. Parágrafo único. A remessa de que trata o caput dar-se-á
independentemente de juízo de admissibilidade. / As justificativas para essa modificação seriam (i) a
diminuição de um recurso – ao argumento de que na maior parte das vezes a parte ingressa com o
agravo contra a admissão e (ii) a maior celeridade que isso traria na tramitação. Ademais, afirmou-se
que a ideia teria sido de um ministro do STJ – o que, contudo, foi rechaçado pelo próprio magistrado.
/ Propôs o STJ alteração do NCPC quanto a esse aspecto, ora tramitando no Senado. Trata-se do
PLS 414/2015, que tem a seguinte ementa: Dispõe sobre o juízo de admissibilidade do recurso
extraordinário ou especial e instaura o recurso de agravo de admissão, nos próprios autos, dessa
decisão, alterando dispositivos da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.
/ O projeto propõe a alteração de 3 artigos do NCPC: 994, VIII; 1.030, p.u. e 1.042. / Em relação ao
p.u. do art. 1.030, busca-se voltar ao sistema hoje existente, de admissibilidade na origem. A redação
proposta é a seguinte (grifos nossos): Parágrafo único. Findo esse prazo, serão os autos conclusos
para admissão ou não do recurso, no prazo de quinze dias, em decisão fundamentada. / As demais
alterações se referem ao agravo da decisão de inadmissão. No sistema original do NCPC, existe o
“agravo em recurso especial ou extraordinário”, de utilização restrita, cabível basicamente em relação
a decisões envolvendo recursos repetitivos. / Na reforma proposta, volta-se ao sistema hoje existente,
com o recurso – agora denominado de “agravo de admissão” (alteração do art. 994, VIII) – sendo
cabível da decisão de inadmissão do REsp ou RE. Assim, o art. 1.042 é todo reformulado pelo PLS
414/2015 – em parte semelhante ao atual art. 544 do CPC73: Art. 1.042. Não admitido o recurso
319

Sem dúvida, é patente e atônica a invencível luta do processualista brasileiro


em quixotescamente tentar vencer a invencível realidade processual por esforços de
suas próprias forças.
Como já retratado desde Kuhn em sua metodologização do desenvolvimento
das ciências, em sua concepção de paradigma, o modelo processual vigente no
decorrer da história veio demonstrando sinais de fadiga e consequente
infuncionalidade.

extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de admissão para o Supremo Tribunal Federal ou
para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso. 1º Na hipótese de interposição conjunta de
recurso extraordinário e recurso especial, o agravante deverá interpor um agravo para cada recurso
não admitido. 2º A petição de agravo de admissão será dirigida à presidência do tribunal de origem,
não dependendo do pagamento de custas e despesas postais. 3º O agravado será intimado, de
imediato, para oferecer resposta. 4º Havendo apenas um agravo de admissão, o recurso será
remetido ao tribunal competente. Havendo interposição conjunta, os autos serão remetidos ao
Superior Tribunal de Justiça. 5º Concluído o julgamento do agravo de admissão pelo Superior
Tribunal de Justiça e, se for o caso, do recurso especial, os autos serão remetidos ao Supremo
Tribunal Federal, para apreciação do agravo de admissão a ele dirigido, salvo se estiver prejudicado.
6º No Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o agravo de admissão poderá ser
julgado, conforme o caso, conjuntamente com o recurso extraordinário ou especial, assegurada,
neste caso, sustentação oral, observando-se o disposto no respectivo regimento interno, podendo o
relator, se for o caso, decidir na forma do art. 932. / Por fim, assim prevê o PLS, em seu artigo 2º:
Esta Lei entra em vigor na data de 17 de março de 2016. Isso é relevante, pois indica que o
legislador, ao menos neste momento, entende que o início da vigência do NCPC é 17 de março, tema
que já é objeto de rica polêmica. / Acompanham a justificativa do projeto de reforma do NCPC
números do TRF4 quanto à recorribilidade, afirmando-se que cerca de um terço das decisões de
inadmissão não seriam objeto de recurso pelas partes que interpuseram o REsp. /
Independentemente da quantidade de recursos, parece-me que esse não é o único – nem o principal
– problema com o fim da admissibilidade do RE e REsp na origem. No meu entender, os principais
pontos negativos do sistema que hoje se encontra no NCPC são os seguintes: (i) com maior ou
menor qualidade (conforme o tribunal e magistrado), atualmente há uma triagem em relação aos
recursos para tribunal superior, realizada por 32 desembargadores (27 TJs e 5 TRFs), cada um com
sua equipe de assessores. Isso vai deixar de ser feito na origem para ser realizado por 33 ministros
no STJ e 11 no STF? / Claro que seria possível uma adaptação, mas não no prazo curto de 1 ano
(que, agora, são apenas 8 meses). E, especialmente, não em um momento de grave crise econômica
pela qual passa o País, em que se é necessário corte e não aumento de gastos. Nesse contexto,
como se falar em aumento da estrutura dos tribunais superiores? / (ii) o fim da admissibilidade na
origem é um estímulo a se recorrer. Isso porque o advogado, ciente de que alguém em Brasília (seja
ministro, assessor ou estagiário) irá analisar o recurso, pode ter a esperança do provimento. / Alguns
poderiam dizer que isso é mera conjectura. Em termos. Basta ver o que aconteceu com o agravo de
instrumento em 1995. A L. 9.139/1995 previu que o agravo de instrumento seria interposto
diretamente no tribunal, com a possibilidade de efeito suspensivo. Um dos objetivos da alteração
legislativa era tentar acabar com o uso do mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo ao
agravo. Isso de fato acabou – mas, como efeito colateral, houve uma explosão no número de agravos
de instrumento. Afinal, com a possibilidade de obter a manifestação do relator, o recurso na
modalidade de instrumento passou a ser muito mais utilizado – o que gerou inúmeras reformas
posteriores. / Portanto, no meu entender, é boa a reforma proposta pelo PLS 414/2015. Muda algo
que não deveria ter sido alterado. / Contudo, um ponto da reforma do NCPC chama a atenção
negativamente. Como já exposto, a versão original do Novo Código previa o recurso para a hipótese
em que havia indevidamente a retenção. Na nova versão, isso deixa de ser previsto – e, assim, a
dificuldade hoje existente perdurará (DELLORE, Luiz. Novo CPC: já a reforma da reforma?
Disponível em: <http://jota.info/novo-cpc-ja-a-reforma-da-reforma#_ftn1>. Acesso em: 17 nov. 2015)”.
320

As reformas são tentativas de salvamento produzidas no período denominado


de ciência normal, porém a ruptura (são marcadas por insatisfação, caos, etc),
inevitável diante da clara e notória situação endêmica de inefetividade material
Constitucional.
É preciso que os processualistas permitam experimentar um pouco menos de
dogmatismo, de modo a colocar os pés no futuro em participação e colaboração de
um novo conhecimento. Com esse gesto, poderão perceber que é impossível na
atual conjuntura do desenvolvimento das ciências construir o futuro do Direito e da
Justiça a partir de uma única e exclusiva forma de ciência.
É essêncial que percepção do cientista do Direito note que o novo mundo que
o envolve exige uma participação considerável e efetiva em tecnologia. Em uma
etapa de evolução o Processo Civil, esse nascerá em uma linguagem 100% (cem
por cento) digital, inaugurada por uma Plataforma Digital Processual em integração e
conciliação aos Direitos e as Justiças de forma sistematizada.

13.2 Uma teoria procedimental simplificada para a resolução dos conflitos

O novo-reformado Código de Processo Civil, desde seu anteprojeto e toda


sua tramitação pelas casas legislativas, e a vida “clínica” dos juristas que se
envolveram direta e indiretamente na empreitada estiveram envoltos na busca de
dar ao sistema processual um melhor e maior tratamento.
A preocupação teve sua atenção voltada para os problemas que sempre
assolaram o Poder Judiciário brasileiro, tais como morosidade, incerteza e
insegurança jurídica, dentre outros assuntos controversos de natureza secular.
Quanto à finalidade precípua do sistema processual no âmbito do Poder
Judiciário, certamente se seguiu o mantra da finalidade material em detrimento do
formal como “carro chefe”. O tratamento representa um tempero que não se
desgarra da língua nem da linguagem processual ou então não é processualista.
No entanto, o tempo das pressas, das vaidades e da necessidade da urgente
e beligerante disputa por roubar uma cena pela atenção tem feito a espécie humana
deixar para o destempo o que poderia fazer de melhor.
321

Trata-se de uma oportunidade de criar mecanismos ou valer-se de técnicas


que libertassem a espécie humana do mundo desnecessariamente complexo que
todos os dias está a cultivar. Para Teresa Wambier parece que a preocupação do
alvoroço dos juristas esteve presente em suas meditações e reflexões processuais
(2015, 198-199):

Mas, voltando a nossa pergunta: o que se pode esperar do NCPC?


Fundamentalmente que cumpra três finalidades 1ª) que resolva o problema
das partes definitivamente; 2ª) que o faça com agilidade; 3ª) e que haja
melhora na performance do judiciário, no que diz respeito a dois aspectos: a
sua lentidão e a incapacidade de gerar segurança jurídica, no sentido de
previsibilidade.

Sem uma imersão detalhada, em cada instituto da lei Maior, até porque tais
aspectos já foram tratados no ambiente Constitucional, todavia, ao menos nos
ditames desse comento é possível e exigível que o sistema processual esteja em
simetria com os princípios e as regras constitucionais.
Deve ser considerado que os Direitos e as Garantias Fundamentais precisam
atender aos ideiais de uma Justiça que se amolde aos interesses de seus
destinatários.
A concatenação do espírito que envolveu os processualistas a dar início e
conduzir todo o processo legislativo do novo-reformado Código de Processo Civil
conforme ilustra Gusmão Carneiro.229
Basicamente, é o que o jurisdicionado quer ou presume-se ser o “estado da
arte” para uma nova realidade social que o sistema contemple fluidez, dinâmica e
resolução simplificada com segurança jurídica e isonomia, principalmente frente à
massa de conflitos homogêneos a luz dos dispositivos constitucionais de proteção e
defesa.

229“Não se pode, porém, começar sem o expresso reconhecimento da necessidade de respeitar as


conquistas teóricas das eras anteriores da evolução do direito processual civil. Assim, por exemplo, a
separação entre os casos de extinção do processo sem resolução do mérito e com tal resolução; as
modalidades de intervenção de terceiros; a regulamentação dos limites da coisa julgada, entre outros
pontos da boa técnica processual regulados pelo vigente Código de Processo Civil exige,
evidentemente, que as novas gerações olhem para a frente postadas sobre os ombros de gigantes. /
Há, porém, novas bases teóricas que devem ser levadas em conta na elaboração do novo Código,
sobre as quais passo a fazer breves considerações. A meu ver, a primeira dessas bases é a
constitucionalização do Direito processual civil, a que já fiz anteriormente referência. É preciso que o
Novo Código de Processo Civil seja destinado a desenvolver os princípios que compõem o modelo
constitucional de processo civil (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (Org). Bases
científicas para um renovado direito processual. 2. ed. Salvador: Jus Podium, 2009, p. 38)”.
322

Os percalços dos expedientes marcados pelas nulidades e pelos incidentes


representam arestas a serem tratadas com o escopo de dar às partes a
possibilidade de sempre alcançar o mérito. O homem médio pouco está interessado
em preliminares, quando o fruto a ser colhido, aquele que brilha em suas
expectativas e incendeiam os seus olhos, é o mérito da causa o “seu” Direito
propriamente dito.
Espera-se do novo-reformado Código de Processo Civil que os operadores
deixem os espetáculos para os momentos íntimos entre os pares e que compareçam
com a solução predefinida para quem quer saber somente do desfecho do
espetáculo.
É recorrente o adágio propalado nos corredores dos fóruns nacionais, quando
se ouve a menção: “Dr. ganhei”. Isso retrata o quanto o arcaísmo e o colonialismo
dificultam a compreensão do que realmente acontece em meio à realidade judiciária
em seu cotidiano.
Portanto, o que os juristas precisam entender é que a ductilidade, a
linearidade e a objetividade em todos os aspectos devem incorporar os novos
diplomas legais. O novo-reformado Código de Processo Civil, ao menos em
expectativa, tem como objetivo atender a uma realidade social de maneira mais
próxima, com imediatismo na solução dos conflitos, evitando que o desconforto do
demasiado tempo de espera transforme o Poder Judiciário em um “SUS” da Justiça.
A comutação dos procedimentos e a simplificação das etapas concentradas
devem fomentar a alfabetização dos consumidores da Justiça, que – pelo costume
da rotina e pela previsibilidade comportamental do sistema – prezam conviver com o
senso básico de Justiça sem floreios e com mais presteza.
Ou então, não há acesso, mas monopólio do conhecimento jurídico,
inviabilizando a fundação, o desenvolvimento e a consolidação de um Poder
Judiciário. Em que os protagonistas sejam cooperadores e colaboradores no
estímulo e, consequentemente, atores das melhores práticas processuais.
Se a proposta é de melhora, significa dizer que os problemas podem ter sido
superados, e os novos tempos devem permitir discussões de ajustes e sintonia com
base em nova cartilha, novos conceitos e novas práticas.
Espera-se que o novo-reformado Código de Processo Civil seja pedagógico
na implantação de um sistema judiciário democrático participativo, contendo
somente as regras necessárias para a solução definitiva dos conflitos sociais.
323

As regras do jogo devem ser predefinidas e objetivamente concretizadas,


dentro de um plano de metas em que todos estejam direcionados ao mesmo alvo.
Para isso, os “meios” adotados precisam ser os mais aptos em adequação e
utilidade, o que representa a convergência da teorização Constitucional processual
adotada com a flexibilização instrumental tecnológica.
Embora não expresso, é possível haurir tal entendimento do artigo 4º da lei
13.105/2015 combinado com o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal. A
observação encontra assento incondicional com o Princípio da legalidade como
comando que hasteia o Estado Constitucional de Direito.
Em que pesem as falhas humanas na tentativa de fazer realmente de uma
reforma algo melhor, a perda de uma oportunidade pelo legislador nacional é
evidente. Poderia ter idealizado uma gestão do sistema processual por intermédio de
uma plataforma digital processual nacional integrativa, unificadora e expansiva.
Mesmo sabendo que o tema da tecnologia não tenha recebido a devida e
enfática atenção, tal como encampada em tratamento fulcral na presente Tese, ele
tem sido objeto de estudos em vários outros continentes, inclusive com forte
participação do professor Mario Lozano, discípulo de Norberto Bobbio, na Itália, na
temática da informática jurídica.
A oportunidade, sem uma capitulação dedicada ao processo civil digital, ainda
que fosse limitado por normas constitucionais de eficácia limitada ou contida, recebe
e inspira potencialmente o “meio” tecnológico como espécie e forma dentre os
“meios” nos termos do artigo 5º, inciso LXXVIII da lei Maior artigo 4º do novo-
reformado Código de Processo Civil.
Esse entendimento consolida uma interpretação conforme aos princípios da
unicidade e da integridade do sistema Constitucional, sem que conflite com as
regras de competência e de territorialidade demarcadas já pelo sistema, como bem
verbalizado por Nelson Jobim (2015, p. 91):

[...] a Jurisdição, enquanto manifestação da unidade do poder soberano do


Estado, tampouco pode deixar de se uma e indivisível, [...] o Poder
Judiciário tem caráter nacional, não existindo senão por metáfora e
metonímias, ‘Judiciários estaduais’ ao lado de um ‘Judiciário Federal’.
324

Sendo assim, é válido afirmar que a competência e a territorialização dos


Tribunais em verdade são demarcações organizacionais que tendem a se
dissiparem com o advento da sistematização da Justiça – com as novas inteligências
em tecnologia – que é de ordem nacional, sem que tenha oposição ou reivindicação
de quaisquer violações de ordem Constitucional.
Considerando o plano da evolução, podem ter uma redemarcação em todos
os sentidos, uma vez respeitados todos os procedimentos legislativos. O novo
paradigma estaria a socorrer as denúncias feitas pela ilustre processualista Teresa
Arruda Alvim Wambier (2015, p. 201):

A situação que se instalou hoje, no país, é de extremo desrespeito ao


princípio da isonomia. Os tribunais interpretam de maneira diferente a
mesma regra jurídica a torto e a direito. É extremamente comum que
tribunais, no mesmo momento histórico, decidam a mesma questão jurídica
de maneiras diversas, o que gera extrema insegurança jurídica. Fala-se,
portanto, da falta de uniformidade da jurisprudência no país, o que acaba
comprometendo o princípio da isonomia, porque, se a lei deve ser a mesma
para todos, é evidente que a interpretação da lei deve ser a mesma para
todos também. Senão a regra fica totalmente desmoralizada.

Denota-se pelo “observatório” da história que a não uniformidade do Direito


ao acatamento da Justiça incorre, pela inexistência de institutos ou técnicas
processuais, em nosso ordenamento jurídico, o que possibilita uma mais efetiva
categorização. A temática mereceu melhor tratamento e matização quando do
estudo da jurisprudência, das súmulas e dos precedentes.
Destaca-se que muitas técnicas trazidas por institutos consolidados em outros
países foram utilizadas parcamente com “déficit de uso”, de modo acanhado e com
total falta de interesse “comprometimento profissional”, a ponto de não convencer de
sua real importância.
Atribui-se a isso também a falta de inserção de mecanismos tecnológicos
como meios aptos na condução dos serviços jurídicos em todas as etapas. Os
meios tecnológicos são bons tanto quanto a concepção de Instauração de Incidente
de Resolução de Demanda Repetitiva, instituto utilizado na Alemanha que se crê
tenha se espelhado em outros como comparação ou equiparação, a exemplo da
common law.
325

Como segundo plano, fica o pensamento: Como fazer tudo isso? Tão
somente pelo esforço da vontade e dos recursos limitados e esgotáveis da espécie
humana, sem a entronização dos meios tecnológicos como mecanismos técnicos
capazes de dar a real dimensão ao sistema judiciário normativo.
A responsabilidade do monopólio do Estado é a de atender a tal agenda
essencial e de utilidade pública de ordem nacional de forma plena e concreta, no
que concerne aos serviços da Justiça.
Para isso, a adequação dos instrumentos processuais junto ao Poder
Judiciário exige mais do que “leis”! Elas nós já temos em excesso! É fazê-las cumprir
a precípua missão pedagógica por inclusão, formação, orientação, socialização e
pacificação social. Por intermédio de um meio simples e seguro que aproxime
efetivamente seus destinatários.

13.3 O papel do Estado/Juiz no novo-reformado CPC na ponderação dos valores

Mais importante do que aprender é recordar. O juiz representa o elemento


central dentro do modelo jurisdicional vigente, como representante do Estado junto
ao Poder Judiciário e em sobreposição aos interesses das partes com forte
vinculação com a lei criada pelo Poder Legislativo.
Resulta ser a máquina humana do Estado/Juiz a responsável por processar
os fatos e os dispositivos legais e dessa alquimia promover por intermédio de si e da
capacidade cognitiva que detém o processamentodo Direito para o alcance da
Justiça.
Essa é sua real e finalística missão. Para o desempenho dessa função
pública, o Estado/juiz nutre-se de uma poderosa roupagem estrutural fornecida pelo
Estado – segundo as normas norteadoras que alimentam o Poder Judiciário para
seu funcionamento –, conforme prevista da Constituição Federal e na Lei Orgânica
que regulamenta sua atividade.
326

Ao analisar e comparar a relação entre os estatutos processuais de 1973 e


2015, passa a ser atividade colegial de suma importância no sentido de extrair dessa
atividade pedagógica o substrato do que pode se esperar do papel do Juiz, a partir
do novo-reformado Código de Processo Civil.230
De uma forma direta e incisiva, essas atividades representam as linhas
norteadoras da cartografia que demarca a dinâmica dos trabalhos do juiz e seu
papel à luz da legislação ainda vigente até o instante do desenvolvimento do
presente estudo.
Todavia, encontra-se em vacatio, o novo-reformado estatuto processual,
cristalizado pela lei 11.305/2015, o qual tem trazido comentários e questionamentos,
inclusive quanto ao aspecto formal do processo legislativo e aos demais aspectos
pertinentes ao surgimento de qualquer tema que envolva o campo do Poder
Judiciário nacional.
Distante do detalhado e comentado contexto dos aspectos constitucionais
legislativos, o que parece plausível de atenção ao limite do presente capítulo é
perscrutar como ficou o papel do Estado/juiz à luz da nova sistemática processual.
Segundo Puoli (2015, p. 132), o juiz,

Em sua missão de criar regras de “sobre direito”, a Lei de Introdução às


Normas do Direito Brasileiro (LINDB) estipula em seu art. 5º que, “na
aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociaisa que ela se dirige e às
exigências do bem comum. Esta diretriz se endereça ao campo da
interpretação das normas jurídicas, deixando claro que o juiz, ao
empreender a atividade intelectual de buscar pelo sentido efetivo dos textos
legais deve ater-se não apenas à exata expressão gramatical, posto que
deverá ter em mente, também, a finalidade social da norma. Inclusive, cabe
observar que, no referido artigo da LINDB, parece haver repetição
desnecessária de palavras, eis que, smj, a finalidade social das normas se
confunde com a busca pela realização do bem comum que, no “frigir dos
ovos”, corresponde ao objetivo último do próprio Direito.

230 Segundo Didier et al. (2011, p. 103-104): “O Código de Processo Civil de 1973 e suas sucessivas
modificações, preveem, em artigos distintos, os poderes do juiz, tanto na direção do processo quanto
no que se refere à instrução processual propriamente dita. Assim estabelece o art. 125 do código
que: O juiz dirige o processo, competindo-lhe: I – assegurar às partes igualdade de tratamento; II –
velar pela rápida solução do litígio; III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da
Justiça; IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes. / Veja-se que os incisos do art. 125
apresentam cláusulas abertas, cabendo ao intérprete apontar qual o real conteúdo do poder
intrínseco a “velar pela rápida solução do litígio”, por exemplo. / Além do art. 125, art. 445,
especificamente no que tange às audiências de instrução e julgamento, estabelece que o juiz exerce
o poder de polícia, competindo lhe: I – manter a ordem e o decoro na audiência; II – ordenar que se
retirem da sala de audiência os que se comportarem inconvenientemente; III – requisitar, quando
necessário, a força policial. Ainda no tocante aos poderes instrutórios do juiz, fixa o art. 342. O juiz
pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o cumprimento pessoal das partes, a fim
de interrogá-las sobre os fatos da causa”.
327

O novo-reformado Código de Processo Civil explicita de forma objetiva um


comportamento humano da vida laboriosa do profissional juiz na lida com o sistema
normativo que outrora já vinha sendo captado pelos estudos comportamentais do
magistrado brasileiro, conforme citado por Castelar e que aparelha aqui o objeto dos
estudos científicos.
Posto avaliar a questão do Estado/juiz, aquilata-se que o Estado
Constitucional de Direito tem como objetivo filtrar pela lei Maior um resultado prático
em que, norteado pelos dispositivos garantísticos, se alcance o Estado social
efetivamente, o que seria o objetivo do Estado de Direito.
Em resultado inverso, seria forçar o intérprete a partir do Estado social
(Justiça social) para legitimar sua ação em uma lei abstrata que estaria a justificar a
posição tomada. Seria o mesmo que primeiro decidir e depois fundamentar.
Na nova atmosfera, nota-se o registro de uma obrigação maior do Estado/juiz,
uma participação mais ativa, interativa e proativa na contemporização dos conflitos,
através de ações reais no campo teórico e prático, ou melhor, prático-teórico, no
exercício da judicatura.
Todavia, operando por mecanismos de contenção e “calibração” do sistema
de uma forma menos rígida à luz da legalidade e mais afeta ao Estado social.
Acredita-se que as circunstâncias vão indubitavelmente influenciar como também
determinar o tipo de Justiça, segundo a ocasião ou causalidade.
A tarefa hércula atribuída ao magistrado completa-se com os seguintes
adágios “É a responsabilidade maior do que a compensação do cargo” ou “Como é
que vou dar conta de tudo isso?”
De fato, diante de uma inexistente política judiciária – que deveria tratar da
infraestrutura do Judiciário em busca de cauterizar problemas recorrentes – é mister
implantar mecanismos novos e mais eficazes do que os já
existentes.231Indispensável também adotar uma agenda de compromissos

231 Segundo Mancuso, “Impõe-se, presentemente, o implemento de uma renovada e arrojada política
judiciária, focada na ampla divulgação sobre os modos auto e heterocompositivos de solução de
controvérsias, como uma alternativa à secular cultura judiciarista, cujas nefastas consequências hoje
se fazem sentir tanto sobre o Estado como sobre os jurisdicionados. Neste sentido, a avaliação de
Carlos Alberto Salles: ‘Para fins da questão central, [...] qual seja a de saber quanto a viabilidade
jurídica de se restringir o acesso à justiça em benefício de mecanismos alternativos, deve-se
considerar a existencia de um forte elemento de opção política no tipo de proposta sob exame. Não
por outra razão fala-se em políticas de limitação de acesso à justiça, buscando evidenciar não se
cuidar de escolhas estritamente técnicas, mas submetidas direta ou indiretamente a critérios
valorativos e condicionados a limites jurídicos’ (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos
328

judiciários, projetar e cumprir metas possíveis em soluções definitivas. O juiz,


enquanto meio humano para a operação do Direito e da Justiça, em seu novo papel,
parece estar sendo conduzido ao hiperbólico.
Sedimenta-se essa realidade pela simples impossibilidade de execução dos
fins técnicos de sua função, diante da insuficiência humana dos meios, ou seja,
para a realização das propostas trazidas pelo novo-reformado Código de Processo
Civil parafraseando Marinoni não basta somente um novo CPC.
A dificuldade de encontrar o ponto de equilíbrio ou equitativo em cada caso na
ponderação dos aspectos sociais geraria em primeira ordem a hostilização do
princípio da legalidade.
Esteio do sistema Constitucional, além de comprometer as conquistas e os
demais princípios basilares que dão sustentação ao Estado de Direito. A estrutura
encapsulada em diálogo entre o artigo 8º e art. 140 e os parágrafos da lei
11.305/2015 força o juiz a ir além da interpretação dos dispositivos legais.
Essa ginástica hermêutica interpretativa dá-se pela incessante busca da
concretização pela força imperativa das leis ao alcance do Estado social, que deve
ser de responsabilidade de todos os poderes, mas que coloca o Judiciário e seu
protagonista central como a última via a dar efetividade concreta aos problemas não
tratados pela administração pública. Siqueira Castro (2010, p. 245-246) denuncia o
fim da separação de poderes:

Todos esses exemplos de transposição constitucional de competências


institucionais revelam a pouca rigidez do cânone da separação dos poderes,
deixando em evidência sua fragilidade teórica para servir como fonte de
monopólio por cada Poder do Estado do exercício da competência orgânica
respectiva. Daí afirmar José Afonso da Silva, que “a ampliação das
atividades do Estado Contemporâneo impôs nova visão da teoria da
separação dos poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos
legislativo e Executivo e deste com o Judiciário, tanto que atualmente se
prefere falar em colaboração de poderes, que se fundamenta na conciliação
de duas técnicas: independência orgânica e harmonia dos poderes.

Uma ênfase maior deveria ser destinada ao Poder Executivo e ao plano de


governo voltados para uma administração e uma gestão pública com planos e metas
para a infraestrutura, a educação, a saúde e a economia, dentre outras áreas afetas
ao desenvolvimento e ao crescimento quantitativo e qualitativo do Estado.

conflitos e a função judicial no contemporâneo estado de direito. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2009, p. 151)”.
329

O tratamento dado pelo novo-reformado Código de Processo Civil nos


aludidos dispositivos não tem uma sistematização científica com a realidade vigente,
demonstra que a reforma em alguns aspectos mexeu onde não deveria ter mexido e
causa, assim, um desarranjo em nítida demonstração de falta de técnica legislativa
por insuficiência de conhecimento de causa.
A ansiedade do legislador em colocar na estrutura do novo-reformado Código
de Processo Civil todos os suprimentos para torná-lo uma ferramenta suprema,
estabilizadora, eficaz e, por consequência, útil à manutenção da segurança, da
máxima acessibilidade, da igualdade de trato com os conflitos sociais não se deu por
completo.
Essa postura legislativa refletiu mais do que o desconhecimento dos
desníveis sociais da realidade brasileira. A carência de pesquisas e estudos
balisados evidencia a inexistência de uma política judiciária bem alicerçada e
estruturada capaz de atender, com o apoio de especialistas, às reais causas
motivadoras dos problemas da Justiça brasileira.
Observa-se que o momento não permite mais ensaios e testes. É de
conhecimento prático e teórico a endêmica morosidade e a incerteza judiciária.
Resta evitar exigir do Estado/juiz a prática de ações que fogem de seus reais
propósitos e possibilidade, a ponto de desvirtuar suas reais funções, ou seja,
atuando mais para a assistência social do que para a proteção e a manutenção do
Estado de Direito. A manobra legislativa de uma certa forma reprisa o conteúdo
encapsulado pelo Estado de Direito Constitucional.
Contemporaneamente, a técnica da explicitação é tida como simplificação e
objetivação dos textos legais, porém expandiu exageradamente a função do
Estado/juiz no sentir do conteúdo dos dispositivos que molduram suas funções.
É importante que o Estado/juiz possa contar com o levantamento de dados e
informações de outras ciências devidamente atualizadas, além de estudos
comparativos. O aporte de produção intelectual contribui decisivamente na melhoria
não só do conhecimento dos problemas originários como de institutos e técnicas
processais.
330

O cerceamento desses conhecimentos em decorrência do desvio de função


que se faz imaginar pela nova sistemática processual por vezes faz obliterar o
Direito. Se a perspectiva é dar acessibilidade, estabilidade e segurança à Justiça, a
condução do Estado/juiz com dilatada discricionariedade social implicará
instabilidade decisória.
O novo design do Estado/juiz se não moderado poderá sem dúvidas
prejudicar a conjugação do plano, do projeto e do desenvolvimento de modelos
compatíveis com o sistema normativo de grande extensão que visa à estabilização
dos Direitos, graças à possibilidade de uma melhor juridicidade em tempo razoável.
Embora extensa e complexa, a Justiça precisa dar-se em tempo razoável,
previsível e segura.232
No adágio antigo “Na panela em que muitos mexem, a comida desanda”, tem-
se a subsunção da ordem forjada pelo parágrafo único do art. 140 do atual novo-
reformado Código de Processo Civil.
Não se pode, de fato, suplantar dos jurisdicionados os Direitos e as Garantias
Fundamentais conquistados, nem tampouco engessar a atividade do magistrado na
lida com a lei e a realidade social que ele enfrenta, no lavor da rotina judiciária.
Os critérios que representam “as regras do jogo” exigem maior clareza e
objetividade, melhores do que a obscuridade e os infortúnios da incerteza, o que,
além de retrocesso, não teria aderência ao cotejamento sistemático da lei Maior,
principalmente para os que nela buscam socorro. Caso contrário, os jurisdicionados
observariam que o diploma processual não serviria de meios protetivos, como
esclarece Puoli (2015, p. 134):

232 Para Tucci, “Diante desse importante fenômeno, houve, como era notório,um vertiginoso
crescimento da demanda perante o Poder Judiciário. Os números alarmantes são de conhecimento
geral. E isso tudo agravado pela circunstância de que a constitucionalização de um conflito tão
ousado de garantias, sem a consecução consistente de políticas públicas e sociais correlatas, tem
propiciado, sem dúvida, maior judicialização dos conflitos. / A sincronização do sistema judiciário pelo
ato de julgar representa uma ação de dilatação agregada ao dispositivo, com o escopo de dar à
aplicação da lei o alcance necessário ao caso concreto. Todavia a influenciabilidade a que se
submete a espécie humana nos contextos sociais faz com que o próprio sistema seja colocado em
risco. / Considerando que as garantias sociais são normas com carga material de aplicação imediata,
é necessário que o sistema processual contenha mecanismo que gere um procedimento claro e
objetivo, para que os julgados contenham critérios que oportunizem sempre a rapidez, a
previsibilidade e a segurança jurídica, ou simplesmente, somente os desavisados irão tocar o sinete
do Judiciário (TUCCI, José Rogério Cruz. Nota dos Coordenadores. In: Revista do Advogado, ano
XXXV, n. 126, p. 7, mai. 2015, p. 144)”.
331

Afirma-se isto sem medo de erro, eis os vários valores da dignidade


humana, da proporcionalidade e da razoabilidade, por sua pouca densidade
normativa, não podem servir de pretexto para que em todo e/ou qualquer
caso, possa ser desconsiderada a lei. Se isto fosse permitido, haveria
aniquilação de valor segurança, posto que o uso indiscriminado de tais
princípios levaria a inúmeros julgamentos subjetivos que, sem a devida
legitimidade, retirariam validade das escolhas feitas pelos canais políticos
de deliberação, a respeito das condutas que devem ser prestigiadas e/ou
reprimidas em nossa sociedade. Deste modo propugna-se que, como já tem
sido ensinado, continuem tais valores a ser invocados como normas, de
contenção, aplicáveis apenas em situações limites, nas quais a norma
positivada estiver levando a verdadeiros absurdos não tolerados pelo
sistema.

A nova sistemática processual propõe mais do que um Estado de Direito, mas


um Estado de Direito de juízes. O que se extrai desse contexto, com o aumento do
poder nas mãos do Estado/juiz, é haver um gradual acréscimo de risco.
O que significaria dizer, de uma certa forma, que a lei sofre um desvalor ao
seu imperativo pelas inúmeras formas permissivas de técnicas hermenêuticas de
que o aplicador pode valer-se ao interpretar o dispositivo legal em favor de sua
pessoalidade ou subjetividade.
O Estado social levará muito em consideração a formação de cada
Estado/juiz, o que contribuirá inexoravelmente para sedimentar a denúncia feita no
presente estudo diante da relação entre limite cognitivo e a Justiça imprevisível.
Essa tendência já vinha introjetada pelo projeto de lei 166/10 e acaba
concretizando-se com a edição da nova lei do estatuto processual civil. É preciso
acreditar, no entanto, que o brocardo latim iuranovit curia tenha o condão de fazer
com que os magistrados partam da Lei para o Estado social.
Caso não seja essa a logística operacional processual adotada, ter-se-á
como consagrada não uma Justiça, mas “Justiças” de cada caso, porque a
circunstâncias de cada caso podem permitir interpretações e resultados diversos.233

233 Todavia, afirma Fux: “O projeto de Lei n. 166/10, que propõe o novo sistema processual, traz
dispositivo elencando e ampliando os poderes do magistrado, reforçando a função do juiz de dirigir o
processo assegurando o tratamento isonômico às partes, velando pela rápida solução do litígio e
adequando as fases e atos processuais às especificações do conflito, de modo a conferir maior
efetividade à tutela do bem jurídico. / Os poderes do juiz manifestam-se durante todo o processo,
contudo há momentos de concetração do exercício desses poderes que permitem uma
sistematização básica, pelo tempo, circunstâncias e características da fase processual em que se
verificam. / São cinco as espécies de poderes do juiz: 1) o poder de admitir, ou inadimitir a demanda,
iniciando ou não o processo; 2) o poder de adequar o procedimento, estabelecendo como será o
curso processual; 3) o poder de estruturar a acervo probatório, deferindo e indeferindo provas,
fiscalizando sua produção e determinando-a de oficio, quando necessário; 4) o poder de julgar os
pedidos e extinguir o processo inapto a prosseguir; 5) o poder de coerção, que concretiza a decisão
judicial pelo exercício da força do Estado, no caso de recalcitrância de quem deva cumprí-la (FUX,
332

A segurança exarada pelo entendimento fuxiano apresenta-se muito seguro


de si, porém comporta-se com certo sofisma, o que significa dizer que o teor do seu
entendimento é quase o equivalente a tirar a verdade a partir de si e reproduzi-la aos
demais.
O que não parece ser a melhor técnica para o que se tem de concreto junto à
realidade judiciária pátria, em que é atribuída aos tribunais a estabilização do Direito.
Em contraponto e com incomensurável experiência da labuta, explica Dinamarco
(2010, p. 90):

À vista das particularidades e exigências que em cada caso concreto


identificar, o juiz formulará ele próprio o juízo de valor que entender
apropriado, decidindo conforme essa convicção; no Direito brasileiro
exemplifica-se com a fixação de alimentos a disposição sobre a guarda dos
filhos, o arbitramento de honorários da sucumbência etc. Mas a liberdade de
escolha do juiz não chega ao ponto de confundir sua atividade com a do
legislador: pauta-se a deste por um insondável critério político de
conveniência, ao passo que ao juiz consiste sempre em buscar em algum
lugar, ainda que no mais recôndito dos sentimentos da sociedade, a norma
geral de que se origina a regra do caso concreto; e tanto isso é verdade
que o juiz tem o dever de motivar a sentença dispositiva, a qual ainda
sujeita aos recursos normais.

Da forma como posto no novo-reformado Código de Processo Civil, o


alargamento do poder, em que pese a vinculação motivacional exigida, a mesma
como denunciado por Calamandrei, não faltarão exemplos de cumprimento ou
distanciamento do Direito.
A confusão legislativa entre Estado social e Estado de Direito exige que onde
se lê aquela expressão se entenda esta. Mais do que isso, como já ensinava
Hannah Arendt, é preciso antes de decidir avaliar os critérios, pois quase sempre os
relegamos ao esquecimento.
Nesse contexto, o Direito na pós-modernidade exige que os critérios adotados
sejam de um meio que possibilite a presença da estabilidade para produzir um
resultado estável, previsível, enfim seguro.
O Estado/juiz não pode ser desprezado, todavia precisa ser repensado não
enquanto função, porém enquanto meio de mediação do Direito ao alcance da
Justiça. Para Oliveira Neto (2015, p.), o novo-reformado Código de Processo Civil
silenciou a respeito do princípio da identidade física do juiz, senão vejamos.

Luiz (Org). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa: reflexões acerca do projeto do
novo código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 198)”.
333

Há de ser ressaltado, por fim, que o atual diploma silenciou quanto a um dos
princípios expressamente previstos no anterior, denominado identidade
física do juiz, razão pela qual o magistrado que conclui a instrução não está
mais vinculado ao julgamento da causa, que poderá ser feito por outro juiz.

O excerto firma o entendimento de que existe o risco de influenciabilidade do


Estado/juiz em decorrência do envolvimento com a causa e as provas produzidas.
Outrossim, confirma o Estado de Direito como métrica guia a ser seguida pelo
Estado/juiz.
Posiciona o Estado/juiz como detentor de uma função precípua de vigilância
do Estado de Direito ao seu exímio cumprimento. Disso pode se ressaltar que o
silêncio do legislador dá a entender seis possibilidades.

a) O Estado/juiz instrui o caso e julga conforme seu convencimento e convicção.


b) O Estado/juiz atua na fase preparatória e, estando o caso apto para decisão, um
outro Estado/juiz que não tenha participado da fase de preparação decidiria o
caso.
c) De flexibilizar o sistema operacional de mediação do Direito na fase preparatória
– podendo ser utilizado outro meio, no caso o tecnológico, em que as partes se
encarregariam de produzir as provas por suas próprias responsabilidades até o
ato decisional; estando o caso instruído, o Estado/juiz decidiria;
d) De flexibilizar o sistema operacional de mediação do Direito na fase decisional –
nesta hipótese o Estado/juiz instruiria o processo com as partes e abasteceria
um sistema mediado por meio tecnológico que decidiria a questão.
e) De flexibilizar o sistema operacional na fase preparatória e decisional – nesta
hipótese um sistema (meio) programado a partir de uma tecnologia em
Inteligência Artificial estaria modelada para receber as informações de fato,
avaliar as provas produzidas, podendo exigir a complementação, avaliar,
ponderar e decidir segundo a legislação vigente.
f) De flexibilizar a partir do firmamento da tese com base em Direito e a
consequente formação de precedentes, constituir um sistema programado em
Inteligência Artificial capaz para nesta hipótese a cada novo caso que tenha
identidade com o precedente gerar automaticamente uma decisão mediada pela
tecnologia jurídica.
334

14 ASPECTOS GERAIS PARA UM MODELO ESTRUTURAL PROCESSUAL


TECNOLÓGICO

14.1 A verdadeira função do conhecer para a devida programação

Antes de qualquer mudança, é natural que a resistência se apresente como


primeiro estágio. Em seguida, juntamente com a resistência, é comum também que
as críticas façam parte de ordem do dia por um longo período.
Porém, com o tempo, aos poucos os olhos começam a notar que a nova
ordem passa a demonstrar sua aptidão e com isso tem-se por superada a alteração
temida. É assim a ação comportamental da espécie humana: dá-se diante do
desconhecido, em uma espécie de proteção.
A cada momento da história, as respostas coligidas têm relação com o
contexto em que se encontram e é nessa atmosfera que os fenômenos acontecem,
por isso, qualquer interpretação fora do contexto se releva anacrônica.
É preciso, portanto, compreender os fatores sociais, antropológicos,
sociológicos, dentre outros não citados, mas que por serem de grande relevância,
acabam por influenciar os resultados e explicar os fins.
No âmbito do Poder Judiciário, tais questões suscitadas e rapidamente
“caricaturadas” têm consumido do sistema as mais diversas combinações,
alterações, inserções, restaurações e reformas.
Com o objetivo maior de fazer com que, dentro da estrutura de organização
estatal vigente de Justiça, um de seus poderes possa alcançar as propostas feitas
secularmente quando o tratamento em questão envolve o indivíduo e suas
complexas relações, com brevidade, previsibilidade e segurança.
É dentro delas que os conflitos germinam, tornam-se problemas e muitas
vezes se eternizam, em decorrência de uma não resolução efetiva do Estado. O
homem, em semelhante processo, é o centro de maior preocupação.
335

Juridicamente, o que o sistema judiciário deve fazer é protegê-lo e, ao mesmo


tempo, permitir que sua vida navegue sem que possíveis conflitos ou suas
existências transformem-se em eterno pesadelo. Simples assim! Esse é o objetivo e
nada mais!
Nesse sentido, é função do Poder Judiciário servir bem o cidadão; para isso,
os meios que o Estado tem encontrado para a resolução dos conflitos é a jurisdição,
sem que haja por parte dela a desconsideração de outros meios alternativos.234
A jurisdição revela-se como um meio dentre outros pelo qual, no fim da
prestação jurisdicional, seja com o resultado positivo ou negativo, realizado o ato de
mediação do Direito para o alcance da Justiça conforme idealizado
constitucionalmente e que acontece ao menos em tese.
O Estado garante a disponibilização de um mecanismo para a resolução de
conflitos e busca dar efetividade, porém, caso não se concretize, não implica essa
inefetividade a dissolução ou a desconstrução da jurisdição estatal. Por este viés, o
Estado garante os meios e não os fins.
O máximo que se constata é o empenho e o desempenho pelo
desenvolvimento de técnicas para a concretização material do projeto do Estado
Constitucional de Direito.
Semelhante situação pode ser observada diante das sentenças contendo
erros ou injustiças: sua existência no plano material não afeta o processo, que se
conserva a ser utilizado em outros casos em que haverá outras decisões. Como
retrada Lacerda (2008, p. 31):

234 Como esclarece Coutinho Silva: “A violação das normas de conduta traçadas pelo direito material
impõe a atuação do dever estatal de prestar a tutela jurisdicional, pacificando os conflitos. / Com a
elaboração das leis, afirma Liebman, não se considera ainda plenamente realizada a função do
Direito. Embora a lei dite as regras de conduta que devem ser observadas pelos membros da
sociedade, essas normalmente possuem conteúdo geral e abstrato, de modo que “é preciso
assegurar, na medida do possível, a sua estreita observância, em nome da liberdade e dos direitos de
cada um na ordem objetiva da convivência social”; em outras palavras, é necessário, sempre que
falte a observância espontânea, identificar, declarar e dar atuação a essas regras, caso por caso, nas
vicissitudes concretas da vida de cada dia, eventualmente até meios coercitivos (SILVA, Ana de
Lourdes Coutinho. Motivação das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 19)”.
336

GOLDSCHMIDT apresentou uma análise muito certa daquilo que é peculiar


ao Direito processual. Mas toda esta visão não destrói, absolutamente, a
teoria de que no processo existe uma relação jurídica de Direito público
entre as partes e o Estado, representado pelo juiz. O juiz é um
representante do Estado, a relação jurídica não é com a pessoa do juiz;
efetivamente, é como o Estado no exercício de sua função jurisdicional, e
esta função é exercida por um juiz. Nota-se que no curso do processo o juiz
pode mudar sem que se altere a relação jurídica de Direito público. O
problema da sentença injusta, da senteça errada, em nada afeta a natureza
jurídica do processo como uma relação, evidentemente típica, que possui
estas características dinâmicas.

Nessa dinâmica ao final, de forma acertada ou não, existe uma decisão


realizada pela jurisdição. Muito embora o ato de decidir não seja da natureza da
jurisdição, ele encampa essa condição decisória porque o Estado a definiu como
instituto adequado ao exercício da Justiça, sendo ela administrada pelo Estado na
pessoa de um juiz.
Duas questões interessantes e relevantes destacam-se: a) O ato de decidir
conflito não é exclusivo da jurisdição, que o faz por força de princípios e garantias
constitucionais. b) se os erros ou atos injustos não desnaturam nem o processo em
si como técnica instrumental para obtenção da Justiça que acontece por intermédio
da jurisdição que também é estatal, tanto a jurisdição como o processo nada mais
são do que técnicas conceituais/procedimentais desenvolvidas para atender aos fins
da Justiça.
Pressupõe-se, portanto, que as técnicas existentes nesses institutos são
escritas por esquemas teóricos de dados e informações para atingir determinado fim.
Isso leva a pensar a possibilidade de que partes ou totalidades possam ser
desenvolvidas pela linguagem da tecnologia, considerando a identificação de todas
as bases de dados e informações existentes e todos os detalhes de funcionamento
do mecanismo jurisdicional.
O Poder Judiciário é um poder de conexão do Estado no exercício de um de
seus poderes em sua organização. Observa-se que é dever do Estado servir bem o
cidadão aos serviços da Justiça.
Sendo a jurisdição um atributo da Justiça estatal, o compromisso do Estado
ao seu cumprimento tem natureza iminentemente política, ou seja, a Justiça estatal
faz parte de um programa Democrático Constitucional que busca garantir os Direitos
e as Garantias Fundamentais por intermédio de seu eficaz funcionamento: ao menos
essa é a proposta insculpida na lei Maior.
337

O Estado, nesse processo, vem notando que o atendimento aos conflitos


sociais está a cada dia se fazendo de forma deficitária, em que pesem os esforços,
os mecanismos gerados e todas as medidas adotadas pelas políticas judiciárias
vigentes com a edição de novas leis, institutos e técnicas jurídicas que por eles
germinam.
Têm-se detectado mais retrocessos do que avanços, principalmente porque
as medidas adotadas não estão vocacionadas para dar o tratamento adequado às
estruturas dos sistemas e as técnicas processuais que os investem, quando muito
buscando contemporizar os efeitos, o que muitas vezes pouco resolvem.
A partir da emenda constitucional n. 45/2004, o ordenamento encampou o
inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição e a lei novo-reformado Código de
Processo Civil à luz da lei 13.105/2015 em seu artigo 4º que, em suma, defendem a
ideia de que a prestação dos serviços da Justiça deve dar-se por “meios”que
garantam uma duração razoável.
Ilustra ainda que os referidos dispositivos dialogo com tratados e convenções
internacionais, legislações comparadas e até mesmo com o sistema processual de
1973, encampado em grande parte pelo atual CPC de 2015, ainda não vigente.
Considerando esses e outros fatores já expostos na pesquisa, não se revela
pretensioso que os “meios” ventilados no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais
da Lei Maior não possam ser interpretados no sentido de reconhecer a tecnologia
como “meio” apto a gerir o sistema processual cuja natureza ainda tem grande
predomínio dos resquícios da convencionalidade hereditária das sistemáticas que o
antecederam.
O avanço avaliado seria a inauguração de um sistema processual digital em
que as regras ordenadoras pudessem estar programadas dentro de uma plataforma
em tecnologia capaz de processar todas a informações de fato e de direito.
A tecnologia, por si só, com exceção de modelos tecnológicos mais modernos
– capazes de produzir inteligência – exige que o sistema seja programado e
alimentado com informações e dados que lhe dão condições de funcionamento.
A tecnologia apresenta-se como um bem em si, pois se nutre da qualidade de
rapidez, eficiência e segurança, é meio que pontifica fins que são comuns à natureza
da informática, ou seja, a tecnologia é uma ciência que oferece ao sistema judiciário
habilidades e competências para que possa fazer com as leis possam cumprir seus
fins, desde que exista um projeto encampado por uma politica judiciária tecnológica.
338

O ambiente tecnológico nutre ainda plasticidade e ductibilidade o que torna


possível a integração de várias linguagens, permite a comunicação plena no limite
das intersecções culturais – limite do suportável.
A vantagem de um sistema processual digital é a possibilidade da
implantação de uma política intelectual da soma, ou seja, de tudo que foi produzido,
a fim de o sistema registrar e promover as devidas acomodações para o pleno
funcionamento feito para este objetivo.
O uso adequado desse meio facilita a realização dos serviços antes
realizados de forma artesanal pela espécie humana, atividade a cada dia mais difícil,
em decorrência da complexidade e da diversidade contigencial.
A missão das interfaces é a de tornar as ações intuitivas da inteligência
humana de fácil compreensão e reprodução pelos meios tecnológicos. Em uma
rápida análise, quando a espécie humana trata do sistema de leis, denota em regra
que se têm teses antagônicas, mas que, ao final, existe uma convergência a favor de
uma posição dominante ou majoritária.
Isso no campo da tecnologia é compreensível e administrável, considerando a
previsibilidade do comportamento humano que se apresenta com identidade similar.
Por isso, é possível programar a superação dessa instabilidade, inclusive
condicionando o posicionamento ao entendimento predominante como forma de
adesão ao critério da consensualidade por maioria, ideia essa heditária da lógica da
Democracia.
A previsibilidade indicada demonstra que, independentemente da
complexidade e da diversidade, a espécie humana não é uma espécie cujas
peculiaridades representem mutabilidade impossível de ser usada com parâmetros.
Além de que, em se tratando de Direito e Justiça, a necessidade de
estabilização do entendimento dos dispositivos faz com que as diversidades sejam
objetivadas pela sedimentação de uma tese ou do comportamento previsível.
As distorções ou diferenças são rapidamente equalizadas, pois, uma vez
identificadas como diferentes, passam a ser padrões de referencial aguardando que
uma identidade similar passe a gerar uma modalidade diferente de família
comportamental.
Portanto, a espécie humana é clausterizel, isto significa dizer que existem
gostos e padrões iguais, e isso é passível de identificação e catalogação por um
sistema informatizado.
339

Essa repetição é que faz com que o computador, a informática e a Inteligência


Artificial como um todo possam identificar, classificar, categorizar, registrar e
reproduzir o comportamento humano.
Sendo as normas abstratas e portadoras de conceitos indeterminados e
considerando-se a imprevisibilidade e a complexidade sociais, a partir do momento
em que a tecnologia passe a captar as adversidades e as complexidades da
inteligência humana, com isso conhecendo-as melhor, o sistema normativo pode
passar a receber outra conotação.
É possível correlacionar! Não se trata de invasão de privacidade, mas de
trazer da privacidade a previsibilidade comportamental social, estudá-la melhor e dar
tratamento adequado à atmosfera do Direito.
Em condições como essas citadas, até mesmo o processo legislativo passaria
a ser influenciado pela tecnologia, pois passaria a dar melhores condições para que
tal poder estivesse em sintonia mais próxima da realidade social, editando normas
compatíveis com a sociedade cujo conteúdo pretende atender.
Atualmente, a compreensão e o alcance normativo são realizados pela teoria
da argumentação jurídica, em que o hermeneuta é levado ao estresse, ao realizar
ginástica intelectual em esforço muitas vezes de impossível conclusão.
É tensionado seu limite cognitivo e/ou capacidade intelectual em cognição
especializada, dada sua capacidade cognitiva, em busca de contextualizar o real
alcance normativo, sem muitas vezes sequer conhecer seu destinatário.
O destino do Direito e da Justiça tem pela frente o desafio de um novo “meio”,
a tecnologia que revolucionou a história do homem, levando-o para lugares
demasiadamente distantes; sinaliza para mudar o destino do Estado, de seus
poderes e de suas funções.
Considerando a proposição já verbalizada de que o Estado deve servir bem o
cidadão, a tecnologia como meio de condução das informações e dados para a
realização de uma Justiça menos custosa, de fácil acesso, mais célere e eficaz,
representa uma proposta irrecusável.
Tem-se que o sistema tecnológico já está inserido dentro do ordenamento
jurídico por intermédio da emenda Constitucional 45/04 e da lei 11.417/06, porém
utilizada como auxiliar equidistante do objeto do Direito e da Justiça, mesmo com
bases consolidadas no diploma Constitucional e processual já plasmados.
340

Atualmente, a tecnologia judiciária matém em sua plataforma de forma não


integrada entre as Justiças e os processos eletrônicos, tratando do armazenamento
de dados estruturados e não estruturados.
Semelhante modelo de loteamento sistêmico aqui denunciado não provém da
concepção da tecnologia, que visa sempre integrar, sistematizar, unificar, centralizar
e padronizar. Significa dizer que retrata o mau uso ou o uso inadequado da
tecnologia.
Aqueles representam em torno de 6% (tema, assunto, números
identificadores, partes e demais dados cadastrais) e esses, em torno de 94%,
contendo efetivamente as informações a que os operadores atualmente precisam ter
acesso para deliberar sobre quais ações devem realizar.
É assim a realidade de dados e informações com que a espécie humana lida
em seu cotidiano, além do que é verbalizado cotidianamente entre os homens
comuns, em torno de mais ou menos 2.500 (duas mil e quinhentas) palavras e,
entre as mulheres, o dobro.
Tecnologicamente, é possível com a décima parte dessa quantidade atingir os
objetivos pretendidos, o que significa dizer que a comunicação humana da forma
como instrumentalizada gera demasiado desperdício de tempo aos fins objetivados.
No atual estágio da tecnologia e com o acúmulo do capital intelectual em que
se encontra o desenvolvimento social, o conhecimento dessas inteligências, ou
melhor, a união dessas inteligências possibilita que a inteligência humana tenha
descoberto na Artificial uma fonte reprodutora da inteligência humana.
Como isso, pode-se dizer que a Inteligência Artificial possa com a tecnologia
em linguagem de programação e demais formas em inteligência extrair dos textos
informações e dados e deles fazer uso e/ou produzir novos conhecimentos a partir
de uma matriz semântica, correlacionando ao contexto e aos fins que se objetivam.
Uma mecânica cibernética dessa dimensão oferta a produção de textos objetivos e
sua rápida condução pelos canais da tecnologia.
Programar o Direito e a Justiça não parece algo impossível, pois a
necessidade de concretização dos preceitos constitucionais até então severamente
hostilizados pela ineficácia representa fruto de uma necessidade cuja realidade se
comprova em qualquer uma das Justiças existentes e disponíveis dentro do território
nacional.
341

Aliás, como já citado, a avaliação do Poder Judiciário feita por seus


consumidores diretos dispensa as argumentações de qualquer jurista pátrio, por
melhor que seja.
Em que pese a tamanha qualidade que ele ofertou deter em cognição, se ao
sistema que serve seu conhecimento pouco contribui para a resolução definitiva de
uma anomalia que perdura por mais de século na morosidade, ineficiência e
imprevisibilidade.
Em semelhante cenário, tem-se observado por meio de/das informações
transmitidas por pesquisas que a taxa de repetibilidade é uma variável comum,
dentro da identidade de fatos e de Direito.
E que para cada caso universal exige-se uma decisão que possa universalizar
a categoria de casos, cuja identidade de fato e de Direito tenha gerado uma família
específica no âmbito do Direito e da Justiça.
Conhecida essa realidade, o Estado, a partir de uma política judiciária
tecnológica, pode mover-se produzindo meios capazes de dar auxílio e apoio no
que se revelar necessário ao pleno funcionamento do novo sistema de resolução de
conflitos.
Uma plataforma dessa dimensão permitiria a inserção de conteúdo, a
produção, o funcionamento e o controle, instituindo com isso o desenvolvimento da
relação entre indivíduos e as informações e dados produzidos pelos documentos
que se materializam no cotidiano social.
Uma instituição dessa grandeza permitiria maior produtividade em respostas à
procura por Justiça, geraria uma participação mais inclusiva, possibilitaria a
mensuração da produtividade judiciária, armazenaria a produção intelectual jurídica.
De modo a dar acessibilidade pelos mesmos meios, integraria a produção nos
planos nacional e internacional. Está dentro dos limites das credenciais
internacionais e promoveria a padronização do conteúdo jurídico.
Uma Justiça com essa envergadura evitaria a reprodução de trabalhos
repetidos, fomentaria uma melhor homogeneização a partir de uma juridicidade
integral.
Teria condições de entregar uma maior publicidade, conteria o
dimensionamento quantitativo e qualitativo e a visualização de indicadores reais
ativos em várias formas e formatos.
342

Em tais condições, a tecnologização do Direito e da Justiça representam um


meio de flexibilizar o sistema judiciário, permitindo que os “meios” tecnológicos
possam servir a Justiça de uma forma diferenciada, cumprindo, assim, mais uma
meta da sua agenda de desenvolvimento.235Em síntese, a inteligência humana, em
uma dimensão menor, tem a mesma dinâmica, pois, o sistema reproduz, a partir de
uma programação na qual o modelo matricial é produzido pela inteligência humana.
A espécie humana guarda suas informações no limite máximo de sua
memória, enquanto a plataforma tecnológica conta com um repositório de hard-disc
onde os conhecimentos ficam disponíveis, sendo resgatáveis quando pesquisados,
uma vez que todo o conteúdo é indexado a partir de determinadas categorização e
classificação.
A espécie humana e sua produção intelectual em grande parte têm sua
reprodução por intermédio da empiria, enquanto o sistema tecnológico dispõe de
redes bayesianas que são programações (IA) de probabilidades condicionais, em
uma relação de sugestão dinâmica extraídas da base comportamental.
O resultado para essa espécie de inteligência para cada produção tem sua
total integração, conduzida para o repositório, enquanto a inteligência humana, se
não exercitada, aos poucos começa a ter o conteúdo dissipado pelo não uso ou pela
ausência de uma complentação.
Enquanto a Inteligência Artificial possui estrutura sofisticada, que é o
aprendizado obtido pelo fluxo de trabalho do sistema e a produção das redes que
transacionam em torno de quase 2 bilhões de documentos por segundo de
pesquisa, que parece ser humanamente inalcançável.

235 Para Gajardoni: “Eis aqui o fundamento da flexibilização das regras, de forma ainda que prevista
genericamente e rigidamente pelo sistema. / De fato, os procedimentos abstratamente previstos pelo
legislador são um modelo formal cujo principal escopo é debelar a crise de direito material. Se a
variação ritual se impõe para a solução mais rápida e adequada do litígio, então não há espaço,
apesar do vício de forma, para se falar em nulidade, já que o escopo do procedimento foi plenamente
atingido (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo enfoque para
o estudo do procedimento em matéria processual, de acordo com as recentes reformas do CPC. São
Paulo: Atlas, 2008, p. 104)”.
343

Portanto, é possível afirmar que tudo que é conhecido pela espécie humana
pode ser programável em uma outra linguagem por intermédio de um meio em
tecnologia de Inteligência Artificial. Disso também pode se inferir que o Direito e a
Justiça se veem a cada instante convidados a se alfabetizarem ao idioma da (IA),
para o cumprimento dos seus fins.

14.2 As súmulas, a jurisprudência e os precedentes, seus papéis sistêmicos


processuais embrionários de linguagens tecnológicas

A ideia maior que habita por trás dos institutos que de alguma forma
cristalizam o entendimento sobre a relação complexa de fatos, sua diversidade e o
Direito que deve perfilhar os casos idênticos caminham rumo à essencialidade
jurídica de ter-se efetivamente uma Justiça imparcial, prevísivel e segura. É direito
do Cidadão ter Direito!
Para isso é importante desenvolver mecanismos e estruturas cujas técnicas
possuam meios adequados e compatíveis para a realização de centralização,
unificação, integração, uniformização, padronização e sistematização operacional do
Direito e da Justiça, com isso garantindo ao jurisdicionado, ou melhor, aos
envolvidos, uma Justiça material.236
A concepção de uma Justiça previsível se afilia à ideia de segurança jurídica,
de isonomia, de acessibilidade concreta e descomplicada de um Direito que tem
vocação para popularidade. De acesso livre e a todos.
Um Direito já interpretado em seu entendimento para o fácil uso. Isso muitas
vezes se vê sacrificado pelo esforço cognitivo de interpretações que somente
atendem a uma posição isolada.

236 Segundo Didier Jr. e outros (2011, p. 16), “[...]atualmente, o sistema de controle de
constitucionalidade das leis no Direito de nosso país, notadamente essa função da chamada
“objetivação” do recurso extraordinário, que, muito embora seja um instrumento de controle difuso de
constitucionalidade das leis, tem servido, também, ao controle abstrato. / A “objetivação” do recurso
extraordinário, ao lado de outros expedientes (ex: criação da súmula vinculante – CF, art. 103 A-;
repercussão geral do recurso extraordinário – CF, art. 102, par.3º; julgamento dos recursos especiais
repetitivos – CPC, art. 543 C, aumento do poder dos relatores – CPC, art. 557–, julgamento liminar
de improcedência – CPC, art. 285–A; demonstra, claramente, a tendência de uniformização da
jurisprudência, verticalização das decisões judiciais e valorização dos precedentes no ordenamento
jurídico brasileiro”.
344

E que nem sempre representam o entendimento consolidado sobre o Direito


cultural nacional em questão, de uma Justiça tomada mais pela espetacularidade
pelo prazer do duelo do que pela materialidade Constitucional pela satisfação da
própria lei, que é a prevenção ou a pacificação de um conflito.
A massificação do Direito e da Justiça é uma realidade inquestionável, mas se
tem cura pela via da classificação e da categorização dos casos e dos dispositivos
afetos a sua resolução.
Esta metodologização conduzirá a consolidação de uma Justiça pautada para
dar aos iguais o mesmo Direito e isso passaria a acontecer com a cristalização
normativa decidida pelos tribunais.237
Semelhante comportamento cientificamente se apresenta como uma
alternativa de fluxo-esquemático-objetivo ao sistema processual e que se contrapõe
ao desestimulante sistema gerado por um fluxo-esquemático-subjetivo, em que as
“regras do jogo” deixam a desejar quanto à certeza e à previsibilidade. São causas
idênticas com decisões não idênticas.
Por isso as técnicas processuais de estabilização do Direito
embrionariamemte se assemelham às regras de programação da inteligência
computacional, ou seja, detêm diretrizes de previsibilidade normativa por força de
um prévio e objetivo estabelecimento das regras que devem parametrizar as
relações.

237 Conforme esclarece Carmona: “Atribuir efeitos normativos aos tribunais é, em verdade, uma
tendência do Direito brasileiro. Mesmo antes do advento da súmula vinculante, o Supremo Tribunal
Federal já dispunha do poder normativo expresso na competência, regular e seguidamente exercida,
para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos federais e estaduais, cassando-os ou
determinando a cassação de sua eficácia. / Entretanto, para qualificar de normas jurídicas as súmulas
vinculantes, é necessário, primeiramente, estabelecer o conceito de norma jurídica. Segundo Kelsen,
“normas jurídicas são normas de um sistema que, para o caso de violação da norma, prevê, no final,
uma sanção, isto é, uma força organizada, especialmente uma pena ou uma execução. Dentre as
características das súmulas vinculantes que a qualificam como norma jurídica, podemos incluir seu
formato geral e abstrato, similar ao texto legal. Entretanto, é o efeito vinculante, imposto ao Poder
Judiciário e à Administração Pública, que impõe maiores observações (CARMONA, Carlos Alberto
(Org). Reflexões sobre a reforma do Código de Processo Civil: estudos em homenagem a Ada
Pellegrini Grinover, Cândido R. Dinamarco e Kazuo Watanabe. São Paulo: Atlas, 2007, p. 274)”.
345

Mesmo na ação humana, é presente uma certa racionalização


comportamental pelo número de combinações desenvolvidos pelo próprio
comportamento. Por isso, é possível que a tecnologia em Inteligência Artificial por
meio de programação converta a racionalização humana em outra linguagem.
O projeto por um sistema mais bem forjado pelos princípios da legalidade, da
isonomia e da segurança já vinha ganhando corpo expressivo no ordenamento
nacional brasileiro, conforme comentado por Scarpinella em sua obra Amicus Curiae
no Processo Civil Brasileiro.238
Um sistema que preserve critérios estabilizador propõe melhores soluções
bem como o encaminhar para que as novas gerações de profissionais passem a
exercitar uma posição menos mortaliana e carnelluttiana do processo, assentando-
se em uma postura mais participativa, colaborativa e cooperativa em busca de definir
o entendimento definitivo sobre o Direito.
As ondas de reformas movimentaram, ao que tudo indica, a inspiração do
legislador processual, ao inserir no sistema processual a Instauração de Incidente de
Resolução de Demanda Repetitiva em busca de estabilização e previsibilidade no
sistema judiciário.

238 “Não há mais razão para olvidar a importância que, mesmo para um “país da civil law”, como o
nosso, a força, quando menos, “persuasiva” dos julgados, sobretudo dos tribunais superiores, mas
também dos tribunais de segundo grau de jurisdição, assumiram nos últimos anos. E até, em alguns
casos, o caráter vinculante daquelas decisões. / Desde sua introdução lenta, com a Lei n. 8.038/90,
até a Emenda Constitucional n. 45/2004, o nosso processo civil passou a conhecer a possibilidade de
que, uma vez resolvidos uns poucos casos sobre dada questão, outros a eles similares acabariam por
ser resolvidos da mesma forma; até mesmo, diante daquela “jurisprudência”, passou-se a admitir
certos “atalhos” procedimentais, o mais notório deles os julgamentos monocráticos no âmbito dos
tribunais, estampados, dentre tantos dispositivos do nosso Código de Processo Civil, no seu art. 557.
/ Não nos cabe aqui criticar ou elogiar essas modificações legais ou constitucionais. Suficiente,
também aqui, constatarmos essa realidade normativa. Seja porque determinadas decisões têm
efeitos vinculantes, seja, quando menos, porque têm efeitos “meramente persuavivos”, nunca, para a
nossa experiência jurídica, foi tão importante saber o que e como os tribunais decidem as mais
variadas questões. E saber como eles decidiram para saber como eles vão decidir nos sucessivos
“novos’ casos que lhes são postos para julgamento (BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no
processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.
36)”.
346

Scarpinella, em sua obra o Novo Código de Processo Civil Anotado (2015, p.


612-613), ao referir-se ao art; 976 em suas anotações, assim dispõe:

O incidente de resolução de demanda repetitiva, proposto desde o


anteprojeto elaborado pela comissão de juristas, é, sem dúvida alguma, a
mais profunda modificação sugerida desde o início dos trabalhos relativos
ao novo CPC. / O instituto quer viabilizar uma verdadeira concentração de
processos que versa sobre uma mesma questão de direito no âmbito dos
tribunais e permitir que a decisão a ser proferida nele vincule todos os
demais casos que estejam sob a sua competência territorial do tribunal
julgador.

Distancia-se da discussão dogmática de competência e territorialidade ou


sobre a inconstitucionalidade formal ventilada pelo mesmo doutrinador, consoante
as disposições encampadas pelo parágrafo único do artigo 65 da CF.
E o conflito oriundo da supressão dada quando do cotejamento do artigo 977
e o artigo 986, decorrente da relação entre legitimados para o requerimento da
instauração do incidente e dos legitimados para a revisão da tese firmada.
O que adere ao escopo de pesquisa do presente trabalho é a possibilidade de
o novo-reformado Código de Processo Civil pugnar pela existência de uma
linguagem capaz de não somente sintetizar seus ideais, mas de dar vida à ideologia
que encampa por integração, unificação, uniformização e padronização necessárias
ao cumprimento de um sistema processual cingido pelos preceitos constitucionais do
acesso concreto, da celeridade, da previsibilidade, da segurança e da eficácia.
Aventa-se pelo instituto apontado a possibilidade de se cristalizar pela
Instauração do Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva que as decisões
tenham simetria com o tribunal que lidere feudalmente o entendimento definitivo em
sua competência e territorialidade.
Dá, desse modo, atendimento prioritário ao precedente que alcança a
consolidação da tese firmada, assim com os demais membros da família (súmulas,
jurisprudências, enunciados, dentre outros).
A comutação do sistema predominante da civil law em nosso ordenamento ao
que sinaliza parece estabelecer uma harmonização com o sistema da commom law
com a inovação e a inserção do instituto (IIRDR).239

239Como esclarece Nobili, “O sistema jurídico pátrio segue a civil law, diante de sua origem romana,
sendo orientado pela aplicação de normas estabelecidas pelo Poder Legislativo. Significa dizer que
as decisões são baseadas em diplomas legais, previamente estabelecidos e públicos, que pretendem
prever as situações da vida cotidiana, subsumindo-se a elas. / Do outro lado, tem se o commom law,
347

Essa posição é de real importância e respeitabilidade pelo poder de


vinculação e, consequentemente, obrigatoriedade pelo grau de supremacia em
verticalidade, além de trazer em sua essência a potencial natureza da
tecnologização dos meios e das formas. Segundo Nobili (2014, p. 20),

Para garantir a amplitude da participação dos interessados, o projeto prevê


a mais ampla publicidade possível, conforme artigo 931 do projeto,
determinando o registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça, bem
como nos bancos eletrônicos especializados. / O banco de dados será de
sua importância para que o sistema que resultado do incidente de
uniformização de jurisprudência funcione. Se o objetivo é criar uniformidade,
que tem se fornecida ferramenta atualizada que permita a pesquisa pelo
aplicador do direito das jurisprudências dominantes.

A ordem Constitucional plasmada na carta política tem forte preocupação com


a proteção e a gararantia do Estado de Direito, sendo assim, o meio tecnológico se
vê essencial como linguagem capaz para alcançar a unificação, a integração e a
uniformização do instituto Instauração de Incidente de Resolução de Demanda
Repetitiva.
Inclusive na estabilização das teses idênticas que devem chegar perante os
tribunais distintos e que exigem para efeito de conformidade Constitucional dar ao
mesmo Direito uma única interpretação. Segundo Scarpinella (2008, p. 37), “como
alguém pode ser afetado de maneira tão intensa por um julgamento do qual não
participou, do qual não podia participar e sequer sabe que existiu? ”
Para que a nova sistemática processual se consolide em nosso sistema, é
elementar que haja sem dúvida uma participação efetiva do uso da tecnologia para
que possa dar eficácia ao instituto em comento, inclusive reconhecendo a
necessidade de gerar um sistema processual pelas bases da própria tecnologia em
uma linguagem adequada à sua funcionalidade.

que possui raízes na cultura anglo-saxônica. Neste a decisão judicial baseia-se em outras decisões
anteriores, em precedentes, nos usos e costumes de determinada localidade. Há aplicação de
decisão em processo similar em outros ainda em julgamento. Nesse caso não há diploma legal
estabelecido, votado pelo Poder Legislativo (NOBILI, Juliana Teixeira. Comentários sobre o regime
das ações repetitivas. Artigo (Pós-Graduação Lato Sensu em Direito). Escola da Magistratura do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014, p. 5)”.
348

Quer-se dizer detalhadamente que é gerar estrutura hábil e com competência


precisa para que possa classificar, identificar e selecionar o “DNA”, ou seja, a
identidade dos casos com base na tese em Direito firmada. A confusão entre o
parecido e o idêntico pode causar ao sistema judiciário ainda maiores problemas na
medida em que haverá recursos inevitavelmente contra falhas dessa natureza.
Essa dinâmica visa evitar os “gap’s” sistêmicos por ausência de centralização,
integração, unificação e padronização. Consolida, assim, a ideia subjacente que visa
à aglutinação e à uniformização do Direito no ambiente de alcance dos dispositivos
legais vigentes.240
Consoante essa essencialidade, a manutenção da vida útil da Constituição
Federal está inclinada para sua coesão e coerência jurídica, como alardado por
Scarpinella, quando sinalizando para o problema da omissão do sistema de como se
dará a revisão da tese firmada pelo incidente anteriormente fixado. A compreensão e
a interpretação devem dar-se sempre conforme os preceitos constitucionais.
Além do fator de como fazer a referida revisão, tomando de empréstimo a
emblemática questão que toma a cena, precisa-se saber em que velocidade se dará
a revisão da tese, diante da nova realidade social.
Acredita-se que o velho e retrógrado mecanismo de discussões infindáveis
que retrata a liturgia do manuseio artesanal dos tempos empíricos dos tribunais
(conflitos ideológicos eterno envolta das infindáveis técnicas hermenêuticas de
interpretação) precisa ceder a oportunidade à participação do uso da Inteligência
Artificial que, por meio de uma plataforma em tecnologia, as memórias dos
conhecimentos armazenados e somados possa consolidar cada vez mais uma
posição de consensualidade.

240 Conforme esclarece Fux desde o projeto 166/10: “O novo incidente analisado no contexto
instrumentalista processual predispõe-se, ao lado de outros instrumentos, à realização conjunta de
tais valores. A uniformidade na interpretação da lei é medida de segurança, na medida em que torna
previsível o comportamento que o Estado espera seja adotado pelo cidadão no que toca a um dado
tema jurídico (previsibilidade das expectativas estatais). Ao mesmo tempo, aplicando-
seisonomicamente a lei, promove-se a justiça. / A ideia, com o incidente, é a de aglutinar em um só
procedimento a resolução de questão pertinente a um universo abrangente de pessoas, para que
sobre ela o Judiciário se pronuncie uniformemente. E, por tal ponto de vista, o incidente se constituirá,
inegavelmente, em favor de efetividade do valor igualitário no processo, de que adiante se falará. A
igualdade perante a lei pressupõe, evidentemente, também a igualdade na sua aplicação. Restaria
esvaziada a cláusula isonômica se a lei, apesar de única, igual para todos, fosse aplicada
diferentemente para cada qual, sem que se pudesse dizer razoável ao discrimen.O incidente, pois,
permitirá concretizar o tratamento igualitário imposto abstratamente pela Constituição (FUX, Luiz
(Org). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa: reflexões acerca do projeto do novo
código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 447)”.
349

Proporcionando o afastamento de divergência no ambiente da aplicação do


Direito, as causas – porque tanto uma quanto as outras já estão desenhados em
uma matriz semântica – já têm gravadas suas identidades.
Com isso, passando a ser capaz de gerir, dando efetiva consolidação ao
Direito e à Justiça, pois o custo e o tempo do trabalho estão para a programação de
um sistema que possa centralizar, integrar, unificar e uniformizar as informações dos
tribunais. Tanto quanto o custo e o tempo do trabalho das técnicas de interpretação
para cada caso.
Há uma diamentral diferença não somente em equipotencialidade
(manutenção da dinâmica programada), a tecnologia em Inteligência Artificial é um
meio estável em que os fins que se propõem (programados) são previsíveis, ou seja,
também estáveis.
O monopólio do Direito exige superação dos meios em detrimento do
resultado; a tecnologia representa um mecanismo, a flexibilização do sistema
processual e do Direito como um todo, pois, não há motivo para uma rebelião
revolucionária das formas tradicionais, entretanto é necessário olhar o futuro com os
olhos do futuro, a partir de outros instrumentos e mecanismos.
Um sistema processual digital em que o Direito possa ser mediado pelo uso
da tecnologia representa apenas um ritual distinto que, se cercado dos Direitos e
das Garantias Fundamentais, propõe resultados que socorram os maiores
problemas da Justiça. Acredita-se que, assim, se terá por satisfeito o próprio Direito.
É mudança de um ator por outro, ou seja, a substituição de uma tecnologia
em inteligência humana por uma tecnologia em Inteligência Artificial. Não se discute
a função do Estado/juiz, pois de relevância na vigilância e na proteção dos Direitos e
Garantias Fundamentais, inclusive dos meios adotados como via alternativa para a
mediação do Direito.
A Constituição Federal tem como gizada pelo ato em potência dispositivos
que avalizam que a cartografia das competências e das territorialidades sejam
redefinidas, redemarcadas virtualmente – tráfego de informações e dados – em prol
da manutenção do princípio da integridade, da unicidade e da conformidade
Constitucional.
Para isso não mais basta somente uma interpretação coesa, mas uma coesa
redefinição do sistema, de modo a atender a um Direito material mais fluido e
universal.
350

Busca-se uma evolução legislativa capaz de dar coesão ao sistema judiciário,


possibilitando que os institutos vocacionados para a unificação, a integração, a
uniformização e a sistematização do Direito e da Justiça possam consolidar-se, sem
que enfrentem os obstáculos de um dogmatismo romanístico decadente.
A sedimentação da segurança jurídica está para a consolidação da existência
de uma única ordem Constitucional e não para um mosaico de ordens
constitucionais ou Justiças, como denunciara Nelson Jobim:
O rompimento desse monopólio não afeta a ordem constitucional nem
tampouco a Justiça ou a função do Estado/juiz. Os meios tecnológicos têm
reservado os Direitos e as Garantias Fundamentais Constitucionais em concordância
com o modelo de Direito e da Justiça almejado de preservação e proteção. O
controle é do Estado e do Estado/juiz que o conduziu ao posto de guardião da CF.
Isso vem de encontro ao entendimento jusfilosófico, parafraseando
Dinamarco, de que o caráter universal e eterno de um sistema não subsiste nem ao
tempo, nem à sua imutabilidade. Revela, assim, a necessidade de reerguer uma
nova estrutura por intermédio de novas competências e habilidades e com elas uma
nova linguagem.
A lei Maior tem atuado na procura de uma direção e na orientação dos novos
tempos. Diante de um novo mundo, tem-se encarregado de apresentar com maior
relevância sua posição angular, inclusive dando ao sistema processual uma moldura
capaz de estruturar o processo de tal modo que os conciliem e dessa comunhão
possam consolidar o Estado Constitucional projetado desde 1988.
Neste contexto, a jurisprudência, como os demais mecanismos de orientação
madura na interpretação da lei, com conspícuo esforço, veio rompendo com o
retrógrado e polarizado entendimento de que os precedentes, as súmulas e os
reiterados julgados calcados em reiteradas decisões que consolidam a interpretação
do Direito estariam a solapar a independência e a autonomia do Estado/juiz
Em verdade, essa pejorativa e egoística forma de compreender a realidade
jurídica dos tempos modernos predominou por um longo período às custas de um
marco pelo individualismo descompromissado de uma Justiça previsível e segura.
Segundo Tucci (2010, p. 87), em considerações pertinentes.
351

Os processualistas mais ortodoxos que escreveram há algumas décadas


seguiram também essa corrente de pensamento que sempre preponderou
nos países de direito codificado. Alfredo Buzzaid, à luz do sistema
processual vigente, assevera que os precedentes judiciais (exemplos), por
mais prestigiados que sejam, não podem obrigar os juízes, que
permanecem independentes, livres de qualquer subserveniência hierárquica
superior no exercício da atividade jurisdicional. E é exatatamente este
espelho que afasta a subordinação aos arestos dos autos tribunais. / Esta é
também a concepção de Roberto Rosas, ao defender que a jurisprudência é
a reiteração de casos análogos passados para o rol dos fatos consumados,
que apenas sãopossíveis de revisão por força de motivos relevantes ou de
mutações nas duas origens ou fontes emanadoras: a lei ou a doutrina:
Apenas nesse ponto vislumbramos o entendimento da jurisprudência, já
consolidada e incorporada aos repertórios jurisprudenciais, qual um código
norteador de decisões a seguir.

O entendimento demonstra que a jurisprudência tem em sua essência o


germe da consolidação e de sua desnaturação vinculados não somente à qualidade
dos acórdãos que a originam, mas também ao inexorável efeito da temporalidade.
Esses pontos balizam a relação dialética de consolidação e mutação, diante
de uma sociedade fluida e dispersa pela tecnologização de uma nova cultura
dominante.
Isso exige que os “meios” de canalização e condução do Direito e da Justiça
atendam ao Poder Judiciário por intermédio de um mecanismo capaz de aglutinar de
cada Justiça judiciária as informações e dados.
Com isso centralizando e compartilhando o entendimento interativo do Direito
e da Justiça de forma concentrada, conciliada e consolidada, para assim garantir e
preservar a homogeneidade da interpretação das leis, a normatividade e uma
juridicidade materialmente verticalizada e horizontalizada.
Com essa dinâmica, a vinculação do entendimento sobre a integrativa
interpretação do Direito passa por um processo simplificado e de objetivação mais
célere, matizando assim o preceituado dispositivo do artigo 5º, inciso LXXVIII da CF
e artigo 4º do novo-reformado Código de Processo Civil.
O importante disso está para a matriz ideológica do sistema processual, pois
não apresentará rachaduras e nem o risco do rompimento com a lei Maior, além de
garantir a concepção de unidade e integridade normativa Constitucional.
As ideias por trás das ações são provindas da inteligência humana em todos
os sentidos. O que se distingue é a mecânica do fluxo para o funcionamento do
sistema que passa a ser realizado pela linguagem tecnológica da programação.
352

O processo em qualquer linguagem é uma variável que consiste em um


começo e um fim. As súmulas, a jurisprudência e os precedentes são ferramentas
(técnicas) processuais de estabilização da eficácia normativa que germinam da
identidade do dispositivo jurídico quando da classificação e da categorização dos
fatos e do Direito, muito embora tenham suas peculiaridades.241
Sendo a lei uma condicionante comportamental, isto se dá porque encontra
na sociedade um valor referencial e o converte em lei.Significa dizer que ela é eficaz
para a regulamentação de um comportamento e, a partir de então, passam a
consolidarem-se técnicas processuais para que sejam otimizadas, tais como: as
súmulas, os precedentes e as jurisprudências.
Extrai-se dessa relação a possibilidade concreta de que o comportamento é
tão previsível quanto a lei que o regula e isso acontece quando o entendimento do
dispositivo começa por vários caminhos hermêuticos-interpretativos a chegar no
mesmo destino, ou seja, retoma ao começo “a norma legal”.
As ferramentas de estabilização do Direito podem ser, portanto, escritas em
uma linguagem tecnológica, desde que estejam em consonância com a carta política
Constitucional.
Significa dizer que os resultados são os mesmos, restando alterado o ritual
procedimental de funcionamento que tem como escopo sanear os maiores e
conhecidos problemas da Justiça – acessibilidade concreta, morosidade,
imprevisibilidade e segurança.

241 Explicita Fux: “Inegável a grande importância que o emprego da jurisprudência e do precedente
tem no direito de todos os ordenamentos jurídicos. O fundamento de que o sistema da commomlaw
se baseia no precedente e que o sistema do civil law se baseia na lei é coisa do passado, já que
neste existe referência à jurisprudência e naquele faz-se amplo uso da lei escrita. / De fato, o papel
da jurisprudência, tanto nos países do common law quando nos países da civil law está sofrendo
alterações. Nestes, há uma tendência de valorizar o papel da jurisprudência como instrumento de
revelação e ordenamento dos usos e costumes da sociedade, em prejuízo da supremacia absoluta da
lei. De outro lado, os países de tradição anglo-americana abandonam este direito exclusivamente
consuetudinário e passam a elaborar normas legislativas de caráter geral. Segundo Taruffo, há que
se observar duas dimensões do fenômeno que estamos tratando, quais sejam, o teórico e prático.
Teoricamente, os precedentes representam marcos que orientam a interpretação da norma e só se
compreendem quando ligados diretamente ao fato concreto a ser decidido. Ao contrário, na prática o
precedente jurisprudencial constitui o ofício cotidiano do jurista, que é facilitado através do emprego
de banco de dados e da informática. / Numa primeira aproximação, utilizam-se, de forma a simplificar
o estudo, os termos precedentes e jurisprudência como se fossem sinônimos. Contudo, já podemos
apontar algumas distinções de caráter quantitativo e qualitativo entre eles. / A primeira diferença, de
caráter quantitativo, consiste na aplicação do precedente a um caso concreto, ao contrário da
jurisprudência, em que há pluralidade de decisões relativas a vários e diversos casos concretos.
Neste caso, é difícil estabelecer qual é a decisão realmente relevante para o julgador na hora de
aplicar a jurisprudência (FUX, Luiz (Org). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa:
reflexões acerca do projeto do novo código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 526)”.
353

A crise da morosidade da Justiça não será superada com a criação de novo


código processual ou da inserção de institutos que, por melhores que sejam,
encontram travas desde logo na maleficência da cognição humana e de sua
vocação para a hipocondrização do do Direito e da Justiça, dada a infuncionalidade.
Observa-se que outros mecanismos foram questionados, porém gestados e
concebidos em nosso ordenamento jurídico processual em virtude de emendas
constitucionais ou pela edição de leis tutoras de novos institutos de Direito
processual, tais como: as tutelas antecipadas, o cumprimento de sentença, as
súmulas vinculantes dentre outros institutos detentores de técnicas processuais.
A superação da letargia judiciária, diante da colossal demanda aos serviços
da Justiça, precisa abrir caminhos para uma educação dos Direitos e das Garantias
à cidadania desde suas bases em informação e formação.
É preciso que os estudos conduzam a um melhor entendimento intelectual,
para que a inteligência humana possa enxergar além dos horizontes da “ilha” jurídica
que a cerca no ambiente jurídico nacional.
Com isso, passa a ser possível romper o monopólio escravocrata de um
Direito e de uma Justiça estatal elitistas, que somente se movem quando os seus
interesses merecem tutela.
Com a evolução do espírito jurídico, é evidente que haja o reconhecimento da
existência de uma nova sociedade, de novos valores, objetivos e de uma vida
predominantemente dominada pelo uso da tecnologia.
Disso se extrai que a tecnologia representa um “meio” pelo qual se pode ter
Direito e Justiça de forma segura, rápida e previsível. É uma inteligência forte e
capaz de consolidar o neoprocessualismo com as virtudes dos aspectos
principiológicos constitucionais efetivamente realizados no plano material. Para
Nobili (2014, p. 14),

Inicialmente, sobreleva notar que o neoprocessualismo vem, cada vez mais,


inserido no próprio bojo da matéria normas principiológicas do direito
constitucional. Tal fato resta plenamente demonstrado pelo texto do projeto
do novo Código de Processo Civil, que passa a incluir expressamente em
sua redação princípios constitucionais processuais. Esclareça-se que não
se pretende, por óbvio, afirmar que antes tais princípios não eram aplicados
ao processo amplamente, apenas que, tamanha a sua expressão na
matéria, será tomada explícito na novel codificação.
354

É possível que, para tal finalidade, exija-se a programação de várias técnicas


advindas de institutos jurídicos, codificando-os por intermédio de algoritmos
inteligentes que realizem atividades tais como as realizadas pela inteligência
humana.
A técnica processual digital com capacidade e habilidade para interpretar
dispositivos jurídicos passa, a partir das novas práticas, a produzir processualistas
com competências nas áreas de tecnologia de informação e programação
tecnológica que iniciem uma nova etapa processual, ou seja, teorizem os
dispositivos de lei em esquemas teórico-práticos em linguagem tecnológica.
A Instauração de Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva já vem
trazendo em sua concepção o reconhecimento da necessidade de classificar-se e
categorizar as causas idênticas com base no firmarmento de tese de Direito.
A concepção por trás do indigitado instituto jurídico tem em sua essência
conceitos tecnológicos de unificação, integração, padronização e sistematização.
Para o eficaz uso do instituto, existe a preeminente necessidade de se criarem
ferramantas capazes de dar o pontencial desenvolvimento para o alcance de sua
finalidade.
Não desenvolvida ações nesse sentido, será uma técnica processual de
excelente qualidade, porém abandonada pelo desuso, conforme aconteceu com que
dispunha o artigo 476 do CPC de 1973.242

242 Tucci destaca em seu magistério: “O regime de precedente judicial opera em todo o sistema
jurídico a partir da interação de vários fatores, que podem ser classificados segundo esquema de
Michele Taruffo (1994, p. 387-388), pelos seguintes vetores: 1) a dimensão institucional; 2) a
dimensão objetiva; 3) a dimensão estrutural e 4) a dimensão da eficácia. / A primeira delas – a
dimensão institucional – deve ser analisada à luz da organização judiciária e a forma pela qual a
relação de subordinação hierárquica entre os tribunais é escalada. [...]a dimensão objetiva do
precedente, por outro lado, diz respeito à determinação de sua influência na decisão de casos futuros
[...] já no tocante à dimensão estrutural, ou seja, ao conceito substancial do precedente, exige-se,
normalmente, um número considerável de decisões similares, para chegar-se à concepção de
“jurisprudência consolidada” “dominante” ou “unânime” [...]. Finalmente, a dimensão da eficácia deriva
do grau de influência que o precedente exerce sobre a futura decisão em um caso análogo, ou ainda
da técnica instituída pela legislação, quanto à sua respectiva eficácia (vinculante ou persuasiva)”.No
mais, em trabalho recente e de lavra do mesmo doutrinador retrocitado, extrai-se a ênfase dada ao
tratamento dos reais propósitos dos mecanismos de estabilização e unifomização da interpretação da
lei. Tucci (2015, p. 146): “E tal inequívoca função nomofilásica foi reiterada, em tom de exortação,
pelo ministro Humberto Gomes de Barros, em conhecido voto proferido no Agravo Regimental no
Recurso Especial n. 228.432 RS, julgado pela Corte Especial. / “O Superior Tribunal de Justiça foi
concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação,
em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se
manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de quem o
Superior Tribunal de Justiça é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém
sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao
sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós –
355

No mais, outra análise à luz do novo-reformado Código de Processo Civil, no


que se refere ao seu novo instituto denominado de Instauração de Incidente de
Resolução de Demanda Repetitiva, revela-se oportuna.
Nessa esteira, cumpre ainda observar que do teor do artigo 976, I existe uma
supressão expressa das questões de fato, ou seja, o (IIRDR) tem de firmar-se com
base em tese de Direito.
Este modelo fere inescusalvemente o princípio da isonomia no sentido de não
identificar o objeto de fato do incidente, o DNA do fato. A particularidade do fato,
sua real identidade, se violada, impede a concretização material da segurança do
sistema jurisdicional.
O fato tem imanência para a “dimensão estrutural” citada por Tucci, com base
nas lições de Taruffo, ou seja, “ao conceito substancial do precedente, exige-se,
normalmente, um número considerável de decisões similares”. Para Taruffo em
referência direta (2015, p. 426-427),

Da mesma forma, a referência a máximas, chamando-as de precedentes,


significa não levar em conta o fato de que o “verdadeiro” precedente baseia-
se na analogia entre os fatos do caso anteriormente decidido e os fatos do
caso que deve ser decidido, já que somente quando se verificar essa
analogia o juiz do segundo caso aplicará a racio decidendi com base em
que fora decidido o caso anterior. Sem aprofundar aqui esses temas, que
requereriam uma análise bem mais ampla, basta observar que
evidentemente o legislador não tem uma noção confiável do significado dos
termos que usa. Em todo caso, com o fim de prosseguir o discurso, poder-
se-á adotar uma convenção estipulativa em função da qual “precedente”
inclui em seu significado italiano qualquer referência a qualquer decisão
que, mesmo em forma de mera máxima, refira-se à sentença pronunciada
em outro caso.

os integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando
sinal para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo
isso, perde sentido a existência da nossa Corte. Melhor será extingui-la”. Todavia, a despeito dessa
premissa notória, o exercício profissional revela que, acerca de inúmeras questões importantes, há
flagrante e indesejada instabilidade nos precedentes dos tribunais superiores. E isso ocorre – o que é
pior – num mesmo momento temporal e sem qualquer justificação plausível! / É indiscutível que o juiz
não pode ser escravo do precedente judicial, porque certamente haveria aí uma abdicação da
independência da livre persuasão racional, assegurada pelo art. 131 do Código de Processo Civil
(CPC). / Contudo, se o tribunal resolver desprezar o precedente judicial, cabe-lhe o ônus do
argumento contrário. Gino Gorla (1990, p. 11-12), em um de seus últimos ensaios, pondera, acerca
desse verdadeiro dever, que seria até temerário permitir, sem uma argumentação consistente, que
um posicionamento jurisprudencial sedimentado deixasse de ser aplicado em hipótese similar.A tutela
do cidadão, que confiou no Judiciário, não pode jamais ser relegada a pretexto do poder discrionário
da magistratura! (TUCCI, José Rogério Cruz. Nota dos Coordenadores. In: Revista do Advogado,
ano XXXV, n. 126, p. 7, mai. 2015, p. 150)”.
356

A substancialidade do precedente tem a ver com a real moldura do objeto que


reclama o Direito por ameaça ou lesão de Direito. Neste aspecto, tem-se o germe da
essencialidade de um sistema cuja inteligência seja capaz de captar as
peculiaridades em suas raízes mais rentes. Identificando, com isso, o objeto do fato
para a sua correspendente vinculação ao incidente em decorrência da identidade
marcada pelas características do fato.
Esta aderência concatena a dimensão objetiva e de eficácia, ou seja,
simplificada e respectivamente a relação que “diz respeito à determinação de sua
influência na decisão de casos futuros” e “deriva do grau de influência que o
precedente exerce sobre a futura decisão em um caso análogo”.
Para esse controle envolvendo as dimensões Institucional, estrutural, objetiva
e de eficácia, é essencial que o sistema possibilite que haja uma predeterminação e
uma predefinição de classificação e categorização dos fatos e suas respectivas
identidades.
É importante definir o objeto real do fato e não somente formal pela
interpretação de um caso especifico à luz do Direito, pois nem sempre a tese
fundada em matéria de Direito, quando vasculhada a identidade sobre os fatos,
corresponde à equiparação dada. Há um risco iminente de se corroerem os
princípios da isonomia, da legalidade e de outros encapsulados na CF.
Isso significa dizer que, em tese, terá uma sobreposição quantitativa sobre o
aspecto qualitativo, na medida em que os aspectos que geram a identidade do
incidente preenchem o aspecto material com relação ao caso decidido.
No entanto, quando projetado a casos futuros, seu grau de influenciabilidade
será fadado a inconsistências no âmbito da segurança e da igualdade, essenciais
quando o tema trata da uniformização e da estabilização da Justiça.
Isto porque serão inúmeros os casos, principalmente os que não favorecem
as pretensões do autor no sentido de demonstrar que o seu caso “a identidade do
fato” é distante da encampada pelo precedente firmado com base na tese de Direito.
O precedente referendado somente sobre a questão de Direito faz inferir um
Direito ao Direito, sem que haja uma espécie humana para ser protegida em suas
complexidades, peculiaridades e particularidades, o que reforça o embrião de uma
linguagem tecnológica para atender à complexa e dinâmica massa de cliente da
Justiça.
357

Corrobora com esse entendimento de uma linguagem capaz de dar conta a


complexidade de trabalho que o Poder Judiciário haverá de enfrentar com o início da
vigência do novo-reformado Código de Processo Civil e a obrigatória participação do
Ministério Público na emissão de pareceres.
Para vencer o invencível trabalho repetitivo em suas identidades, exige-se
que os dispositivos legais passem a ser desenvolvidos a partir de matrizes de casos,
que teriam comunicação com classificação e categorização rigorosas na definição
dos fatos (suas identidades) e do Direito. Com a possibilidade de se definirem as
teses de Direito por sistema ou por discussão exaustiva entre os pares e, ao fim,
consolidado o entendimento, definindo assim os precedentes.
Uma vez definidos os precedentes, ter-se-ia sua comunicação por intermédio
de um sistema tecnológico de precedentes que seriam os responsáveis por dar os
parâmetros para a formatação das matrizes de casos.
Que, por sua vez, passariam a dar vinculação aos fatos, pois sua
classificação e respectiva categorização encontraria automaticamente uma decisão
em consonância com o precedente e que gerou respectivamente uma matriz do caso
que se amolda à questão de fato e de Direito examinada.
Semelhante realidade tecnológica já se encontra retratada no modelo de
sistema normativo proposto por Alchourrón y Bulygin no desenvolvimento e
aprimoramento da lógica booleana, que compõe o sistema Sapiens implantado em
tecnologia similar junto ao TRF4 aqui no Brasil em auxílio a seus procuradores.
Sem uma sistemática desse nível, é certo que dada a demanda em escala
que assola o judiciário brasileiro, novamente estaremos mais uma vez diante de um
Instituto de Direito Processual que funciona plenamente no sistema alienígena,
porém, quando adaptado à nossa realidade, perderá sua qualidade em eficiência e
eficácia.
358

14.3 O desembarque da IIRDR (Instauração de Incidente de Resolução de Demanda


Repetitiva) no sistema processual e suas perspectivas no cenário processual
brasileiro

Antes de incursionar no que se pode compreender sobre o novo instituto


encapsulado pelo novo-reformado Código de Processo Civil denominado
Instauração de Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva, é importante fazer
uma rápida e breve digressão sem qualquer pretensão exauriente.
O instituto apontado não é tão novo assim, pois, em nosso ordenamento,
alguns dispositivos nas últimas décadas vieram trazendo com as reformas
processuais a inclusão de uma ideologia que pudesse contribuir com a estabilização
interpretativa do Direito (uniformização), maior celeridade e previsibilidade dos
julgamentos.
Por exemplo: a doutrina, conforme esclarece Dinamarco, denominou a
comparação dos casos como tese jurídica idêntica de julgamento por
amostragem.243
Assim, analisando de forma percunciente o trabalho de folêgo de José
Rogério Cruz e Tucci, é possível extrair em resenha a dinâmica de como a temática
sobre os precedentes judiciários remontam por séculos.
Pois a citação de trechos somente levaria a fragmentar o liame dado ao seu
entendimento e que aos propósitos do presente trabalho se revela essencial a
tomada de sua doutrina pela perspectiva do estilo literário mencionado.

243 “Além das súmulas vinculantes e em associação com a exigência da repercussão geral como
pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário (CF. art. 102, par. 3º), o art. 543-C do
Código de Processo Civil instituiu interessante mecanismo destinado não só a agilizar os julgamentos
no Superior Tribunal de Justiça, como também a propagar a outros casos ou recursos o resultado
desses julgamentos, ou seja, mecanismos destinados a coletivizar julgamentos desses tribunais.
Trata-se dos julgamentos por amostragem, admissíveis quando em um número significativo de
recursos especiais (os chamados repetitivos) repetem-se as mesmas questões de direito
infranconstitucional. O tribunal toma um ou alguns recursos como paradigmas, e a tese jurídica que
ali vier a ser fixada repercutirá nos processos pendentes perante os Tribunaisde Justiça ou Regionais
Federais, (a) para que não tenham seguimento os recursos especiais já interpostos contra acórdãos
portador de decisão coincidente com a orientação do STJ (art, 543-B, par. 7º, inc. I) ou (b) para que
os acórdãos divergentes da posição assumida pelo STJ sejam reencaminhados pela turma julgadora
(inc. II) (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. v. 1, p. 243)”.
359

Em nosso sistema judiciário, inicialmente a dificuldade do predomínio do


tratamento não dogmático deu-se por força da não consolidação do entendimento
dominante sobre determinada interpretação.
Em linhas mais estreitas e objetivas – seja em decorrência da cultura ou
outros fatores reptilianos, – o jurista nacional é sempre arredio em aceitar o
entendimento da maioria sobre o argumento de ter sua autonomia e independência
violadas.
Essa postura demonstra uma não superação aos preconceitos riscados sob o
prisma da antropologia e da sociologia contemporâneas, no mau uso da
Democracia participativa nas questões envolvendo a orla jurídica ou o evidente
processo de maturação que vivem as jovens Democracias como a do Estado
brasileiro, que pende de emancipação plena.
Isso ocorre com muita frequência, embora não se contenham “as jovens
Democracias” para qualquer questão de ordem em se verbalizar invocando a
Constituição Federal.
Sem, muitas vezes, sequer conter em seu posicionamento uma real e eficaz
compreensão de seu teor em compreensão e de como desenvolver o raciocínio
jurídico em conformidade com os princípios da integridade e unicidade constitucional
em uma verdadeira alegoria.
Nessa esteira, é importante se apropriando dos ensinamentos de Tucci, como
já resvalado, traçar primeiro em linhas gerais um organograma, retratando a história
dos precedentes a luz da realidade jurídica pátria.
A partir do Regulamento 737, de 1850, o Brasil teve sua emancipação da
coroa portuguesa em matéria de organização judiciária e leis que dessem
parâmetros ao funcionamento dos processos, porém quanto aos dispositivos em
questão não havia uma voz que entoasse a figura dos precedentes judiciais.
Considerando a natureza neófita do sistema judiciário, o Brasil transplantou
os assentos preexistentes de jurisprudência que Portugal tinha em seu ordenamento
jurídico, conforme esclarece o Decreto 2.684, de 23 de outubro de 1875.
Esta sistemática procurava ao mesmo tempo suprir a ausência de repositórios
jurisprudenciais da época bem como contribuir com a segurança da ordem jurídica, a
partir do balizado de casos análogos e de seus julgamentos.
360

O processamento perante o sistema judiciário da época ainda monárquica


avalizava a emissão de assentos pela Casa de Suplicação do Brasil, o que dava por
força do artigo 2º a orientação e a estabilização aos julgados do Supremo Tribunal
de Justiça, tendo como referência o mencionado Decreto. O regime de assento
persistiu até o advento da República.
Com a fratura do sistema autoritário da Casa de Suplicação do Brasil, a
evolução fez com que o sistema judiciário em espelhamento ao sistema norte
americano writ of error, por intermédio do Supremo Tribunal Federal, surgido em
1891, pudesse dar aos julgados uma conformidade universal para a Constituição
Federal tirada do instituto do Recurso Extraordinário.
O embrião do controle sobre os órgãos inferiores estava dessa forma
plantado em nosso ordenamento jurídico, tendo consolidação lastreada no Decreto
16.273, de 20 de dezembro de 1923, como a criação do instituto de prejulgado, que
se limitava à Corte de Apelação do então Distrito Federal.
A Corte Suprema avocava a questão de Direito controvertida, dos órgãos
fracionários do tribunal, para a apreciação de todos os integrantes em plenário. O
sistema perdurou até o advento da Reforma Judiciária de 1926, mas logo teve o
entendimento do prejulgado revivificado por força do Decreto 19.408, de 18 de
novembro de 1930.
Como não se tinha uma legislação processual nacional, destaca-se para São
Paulo a adoção em seu Código Processual Estadual a figura do prejulgado em seu
artigo 1126, buscando evitar a existência de julgados divergentes.
Em 1936, a lei 319 universalizou o prejulgado para o âmbito nacional para
evitar os problemas causados pelas interpretações que em suma tendenciavam para
a divergência do entendimento sobre a lei.244

244 Citando Tucci na integra, é de se obervar: “É interessante notar que o art. 103, par. 1º, do velho
Decreto 16.273, determinada que o prejulgado era obrigatório para o caso concreto “e norma
aconselhável para os casos futuros, salvo relevantes motivos de direito, que justifiquem renovar-se
idêntico procedimento de instalação das camaras reunidas”. / Já o art. 7º do Decreto 19.408,
dispunha que o prejulgado se destinava a “uniformizar a jurisprudência das câmaras reunidas”.
Frisava-se então que o prestigio e o grau de persuasão do julgamento uniformizador, para a solução
de litígios análogos no futuro era de ordem eminentemente ética. / No entanto, parece-nos que sob a
égide da Lei 319, o prejulgado possuía eficácia vinculante intramuros, e, portanto, horizontal, porque,
a teor do art. 1º, letra b, se porventura uma das turmas contrariasse a regra jurídica antes fixada pelo
tribunal pleno, era cabível, contra o acórdão, recurso de revista (TUCCI, José Rogério Cruz. (Org).
Direito processual civil europeu contemporâneo. São Paulo: Lex, 2010, p. 60)”.
361

Tem-se que o sistema jurídico brasileiro, do ponto de vista histórico de que se


extraem as diretrizes da evolução normativa, marca uma realidade divorciada do
sistema de vinculação aos precedentes.
Muito embora o que poderia surgir e que de fato passa a ter uma nova
compreensão a partir do momento em que a carta política constitucional passa a
conferir a partir de si a permissividade vinculante dos prejulgados.
Em flashback processual, observa-se no teor do artigo 861 do CPC de 1939
que houve a institucionalização do prejulgado com o escopo de dar aos tribunais
uma estabilidade por força da uniformidade interpretativa dos dispositivos jurídicos,
embora isto não vinculasse os tribunais.
O Regimento interno do STF, por força de Emenda Constitucional, calcificou
as denominadas súmulas da jurisprudência predominante com o objetivo de
uniformizar a precedente jurisprudencial dominante.
A partir de 1964, do STF já contava com 370 súmulas, porém não detinham o
soberano poder da vinculação, servindo-se tão somente para a influência persuasiva
de seu teor. Registra-se ainda a busca por mais de um século pela estabilização de
julgados através de súmulas ou prejulgados em natureza ou formato nominalistas.
Como pináculos dessa incessante busca envolvendo os prejulgados,
precedentes, as jurisprudências e súmulas, ainda é de se considerarem os trabalhos
de Haroldo Vadão com o Anteprojeto de Lei Geral de Aplicação das Normas
Jurídicas de 1964.
O entendimento do referido jurista recepcionava a ideia de um sistema de
Resolução Unificadora da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, bem como o
Anteprojeto do CPC de 1973, em seus artigos 516 usque 520, que previam a
uniformização de jurisprudência vinculativa para a extensão nacional.
Todos esses esforços encontraram dificuldades, por ausência de base
Constitucional, o que sinaliza qual o caminho primeiro a ser percorrido, quando a
questão de fundo exige mudança estrutural.
Exige se uma primeira mudança no âmbito do Direito Constitucional, para que
possa todo o sistema ter harmonia simétrica com o instituto a ser inserido no sistema
jurídico.
362

Neste sentido, no caso do Brasil, o precedente como gênero ao longo de sua


trajetória veio ganhando diversas formas e características, as quais merecem ser
retratada para dar sustentação ao instituto germinado no bojo do novo-reformado
Código de Processo Civil com natureza hierarquicamente vinculativa.245
A partir de então, nota-se a abertura, a importância e a vinculação admitida
aos precedentes dentro da ordem Constitucional pátria. Com essa nova atmosfera,
os artigos 476 usque 479 do CPC de 73 revigoraram o entendimento de
uniformização jurisprudencial, como comenta Marcato.246
Neste cotejo ainda subsiste a súmula impeditiva de recurso, conforme
disciplinada pelo artigo 557 do CPC de 73 e do parágrafo 1º, do artigo 555 do
mesmo diploma processual e também retratada pelo ilustre processualista em aresto
do mesmo trecho.247

245 Segundo Tucci, “Importa sublinhar que essa aludida reforma, no parágrafo 2º do art. 102,
determinou ainda que: “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia
contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder
Executivo. / Observa-se, assim, que a primordial razão política inspiradora do Legislativo Federal foi,
sem dúvida, a de instituir um mecanismo destinado a subordinar o desfecho de demandas em curso
perante juízos inferiores – monocráticos e colegiados – à decisão do Excelso Pretório Pátrio. O
procedimento da referida ação declaratória de constitucionalidade somente foi regulamentado pela
Lei 9.868, de 1999, que também disciplinou aquele da tradicional ação direta de inconstitucionalidade.
Pois bem se verifica que esse diploma legal acabou ampliando de modo expressivo a eficácia
vinculante dos precedentes do Supremo Tribunal Federal no tocante ao controle direto de
constitucionalidade das leis (TUCCI, José Rogério Cruz. (Org). Direito processual civil europeu
contemporâneo. São Paulo: Lex, 2010, p. 70)”.
246 “Sobre o papel reservado à jurisprudência no ordenamento jurídico: recentemente, não sem
polêmicas, os processualistas vêm discutindo a necessidade de se reconhecer um papel mais
relevante à jurisprudência. Entre nós, tradicionalmente, a jurisprudência vinha sendo utilizada para a
tentativa de induzir o magistrado a proferir julgamento conforme determinado posicionamento adotado
pelos nossos tribunais e que esposasse a tese da parte que o invocava. O verdadeiro significado da
expressão jurisprudência, por mais completo, deve adotar os elementos da definição de Rubens
Limongi França, incansável estudioso das denominadas formas de expressão do direito, ou seja, a
jurisprudência deve ser vista “como o conjunto de decisões uniformes de um ou vários tribunais,
sobre o mesmo caso em cada matéria, e forma constante, reiterada e pacífica” (MARCATO, Antônio
Carlos (coord.). Código de processo civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 1.631)”.
247 “Não obstante, o resgate da importância da jurisprudência vem sendo institucionalizado em
algumas importantes oportunidades de nossa história legislativa recente, seja no plano constitucional,
seja no plano infraconstitucional. Assim, a emenda à CF (Emenda n. 3/93), passando pelas Leis n.º
9.868/99 e 9.882/99 já referidas, que conferiram efeitos vinculantes aos julgados das ações
declaratórias de constitucionalidade e de inconstitucionalidade, bem assim da arguição de violação a
preceito fundamental, chegando a nosso CPC que, pelo menos em duas oportunidades destaca a
importância da jurisprudência (ver art. 557, com redação que lhe deu a Lei n.º 9.759/98 e o art. 558,
paragrafo 1º,com a redação que lhe deu a Lei n.º 10.352/2001), há uma nítida e expressa consciência
da necessidade de se conferir maior importância a precedentes jurisprudenciais. / Importantíssimo
anotar – e a anterior edição desse código comentado não a mencionou – a importância das
denominadas súmulas de efeitos vinculantes. A Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de
2004, modificou o nosso ordenamento, reconhecendo, finalmente, a importância que se deve devotar
aos julgados. / Além da adoção das súmulas vinculativas ou vinculantes, a referida EC n 45, também
acabou disciplinando, por exemplo, novos requisitos para o conhecimento dos recursos
363

Disso se observa que o precedente, na ordem jurídica do novo-reformado


Código de Processo Civil de 2015, somente matizou o caminho que havia tanto
pisado e repisado pelos sistemas anteriores.
É possível que a extenuação do erro causado pelo atraso cognitivo dos
juristas que antecederam a posição legislativa ora adotada tenha cedido espaço
para que a voz da realidade passasse a ser reconhecida pelo Instituto da
Instauração do Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva.
Com atenção aos dispositivos do novo-reformado Código de Processo Civil, é
possível enxergar melhor a sistemática disposição dos artigos e da forma como
devem funcionar, embora ainda tenha o capítulo em comento, extenso contexto de
discussão que será apresentado após a superação da apresentação onomástica dos
dispositivos legais.248

extraordinários. Atualmente (consoante o par. 3º do art. 102 da Constituição Federal – fruto da EC


45), os recursos extraordinários submetem-se ao requisito da “repercussão geral das questões
constitucionais”. Deseja-se, com essa exigência, confirmar a vocação do STF como um tribunal
constitucional e não apenas um outro e eventual grau de jurisdição predisposto às partes. Realizando
a exigência da demonstração da repercussão geral que um caso possa revelar, proporciona-se: a) o
não conhecimento de recursos extraordinários que veiculem insatifações particulares das partes
sucumbentes em graus de jurisdição anterior; b) a possibilidade de orientar a formação de súmulas, a
partir da compilação de julgados destinados a temas relevantes, porque de repercussão geral para a
sociedade; c) possibilita-se verificar a constitucionalidade – diante da identidade de propósitos – v. g.,
da lei 11.276/2006 que, alterando o Código de Processo Civil, criou as denominadas “súmulas
impeditivas de recursos”, disciplinando a possibilidade de o magistrado de 1º grau de jurisdição
sequer conhecer da apelação interposta, diante da vigência de súmula do STJ ou STF que ostente a
interpretação do direito material envolvido no caso concreto (MARCATO, Antônio Carlos (coord.).
Código de processo civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 1.631)”.
248“LIVRO III – Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação – Das Decisões Judiciais –
Título I – Da Ordem dos Processos e dos Processos de Competência Originária dos Tribunais –
Capítulo I – Disposições Gerais:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais
editarão enunciados de súmula correspondentes à sua jurisprudência dominante.
§ 2oAo editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos
precedentes que motivaram sua criação.
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas
e em julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos.
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria Constitucional e do
Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados;
§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1 o, quando decidirem
com fundamento neste artigo.
364

Percebe-se claramente a imperatividade vinculativa do precedente conforme


prevê a Constituição Federal em seu artigo 102, I, l, agora estatuída a reclamação
também do âmbito processual por força do artigo 988.249
O legislador, ao que parece, foi tomado por um espírito de maior
racionalidade diante do real, inescondível e incomensurável existência de uma
realidade que exorbita a individualidade processual.

§ 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos


repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou
entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos
tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação
dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em
julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica,
considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
§ 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida
e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida
em:
I – incidente de resolução de demandas repetitivas;
II – recursos especiais e extraordinários repetitivos.
Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou
processual”.
249 “Capítulo IX – Da Reclamação
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I – preservar a competência do tribunal;
II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III– garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade;
IV – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em
julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.
§ 1o A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão
jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir.
§ 2o A reclamação deverá ser instruída com prova documental e dirigida ao presidente do tribunal.
§ 3o Assim que recebida, a reclamação será autuada e distribuída ao relator do processo principal,
sempre que possível.
§ 4o As hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não
aplicação aos casos que a ela correspondam.
§ 5o É inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão.
§ 6o A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão
reclamado não prejudica a reclamação”.
365

O fenômeno da massificação do Direito e da Justiça diante de uma gigante


clientela que se acumula nos escaninhos do judiciário, precisa encontrar
mecanismos que possam desobstruir o acúmulo de processos.250

250 O artigo 976 e seguintes do novo-reformado CPC assim dispõem:


“Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver,
simultaneamente:
I – efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente
de direito;
II – risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
§ 1o A desistência ou o abandono do processo não impedem o exame de mérito do incidente.
§ 2o Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá
assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.
§ 3o A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de
seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente
novamente suscitado.
§ 4o É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais
superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese
sobre questão de direito material ou processual repetitiva.
§ 5o Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas.
Art. 977. O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal:
I – pelo juiz ou relator, por ofício;
II – pelas partes, por petição;
III – pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.
Parágrafo único. O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à
demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.
Art. 978. O julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles
responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.
Parágrafo único. O órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará
igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se
originou o incidente.
Art. 979. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica
divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.
§ 1o Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre
questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de
Justiça para inclusão no cadastro.
§ 2o Para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro
eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos
determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.
§ 3o Aplica-se o disposto neste artigo ao julgamento de recursos repetitivos e da repercussão geral
em recurso extraordinário.
Art. 980. O incidente será julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos,
ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.
Parágrafo único. Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspensão dos processos prevista no
art. 982, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário.
366

Art. 981. Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu
juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976.
Art. 982. Admitido o incidente, o relator:
I –suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na
região, conforme o caso;
II – poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto
do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias;
III – intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1o A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes.
§ 2o Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o
processo suspenso.
§ 3o Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II
e III, poderá requerer ao tribunal competente para conhecer, do recurso extraordinário ou especial, a
suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem
sobre a questão objeto do incidente já instaurado.
§ 4o Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual
se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência prevista no
§ 3o deste artigo.
§ 5o Cessa a suspensão a que se refere o inciso I do caput deste artigo se não for interposto recurso
especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.
Art. 983. O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades
com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada
de documentos bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito
controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.
§ 1o Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir
depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.
§ 2o Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente.
Art. 984. No julgamento do incidente, observar-se-á a seguinte ordem:
I – o relator fará a exposição do objeto do incidente;
II – poderão sustentar suas razões, sucessivamente:
a) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 (trinta) minutos;
b) os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) minutos, divididos entre todos, sendo exigida
inscrição com 2 (dois) dias de antecedência.
§ 1o Considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado.
§ 2o O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à
tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.
Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:
I – a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que
tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados
especiais do respectivo Estado ou região;
II – aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de
competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.
§ 1o Não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação.
§ 2o Se o incidente tiver por objeto questão relativa à prestação de serviço concedido, permitido ou
autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora
competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese
adotada.
367

O apontamento dos dispositivos demonstra ao menos em parte a vitória


legislativa em consolidar o incessante buscar pelas técnicas processuais que
pudessem gerar a estabilização/uniformização da Justiça.
Considerando a relevância do instituto e a não mais novidade existencial
conforme espelhamento dado por outros institutos alhures verbalizados em
assemelhadas identidades.
Crê-se que a Instauração de Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva
tem como escopo atender quantitativa e qualitativamente o princípio da
inafastabilidade do Poder Judiciário e o seu conhecido problema com o
contingenciamento de processos que assolam a Justiça nacional, como esclarece
Oliveira Neto (2015, p. 108):

Em todas essas hipóteses, nota-se clara preoculação do legislador em, de


um lado, criar mecanismos processuais que, de modo efetivo, possam dar
vazão ao volume, muitas vezes invencível, de processos que o Poder
Judiciário brasileiro é obrigado e por força do princípio da inafastabilidade
da jurisdição, prescreve no art. 5º, inciso XXXV da CF – a enfrentar e julgar
diuturnamente, e que geram a tão propalada morosidade da Justiça.

De outro lado, e ainda mais importante, está a necessidade de, cada vez
mais, se consolidar e uniformizar a jurisprudência dos tribunais pátrios, de
modo a obter não apenas a desejada e necessária segurança jurídica, como
também garantir a isonomia entre os jurisdicionados. Casos idênticos
devem ser tratados e decididos de maneira similar, sob pena de violar, em
ultima instância, o princípio da igualdade, um dos pilares do Estado
Democrático de Direito, tal como dispõe os arts. 1º, caput, e o 5º, caput e
inciso I, da CF.251

Art. 986. A revisão da tese jurídica firmada no incidente far-se-á pelo mesmo tribunal de ofício ou
mediante requerimento dos legitimados mencionados no art. 977, inciso III.
Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o
caso.
§ 1o O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional
eventualmente discutida.
§ 2o Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo
Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou
coletivos que versem sobre idêntica questão de direito”.
251 Destaca ainda o mesmo doutrinador que a nova sistemática garante: “[...] possibilidade de
julgamento liminar de improcedência do pedido. Essa sistemática pode ser aplicada aos casos cuja
“matéria controvertida, for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total
improcedência em caso idênticos” (grifo nosso).Daí é que “poderá ser dispensada a citação, e
proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada”, como possibilita o art. 285 A
do CPC (grifo nosso). O mecanismo, como pontua a doutrina, permite a resolução superantecipada
da lide viabilizando o julgamento de imediato, de mérito (Trayo, 2011, p. 312). Em tais hipóteses, a
sentença liminar de rejeição da demanda poderá estar vazada não em verdadeiros precedentes,
368

O que importa da nova técnica processual é que a decisão, em caso de


IIRDR, esteja em entendimento de Direito, cuja tese tenha sido firmada por
interpretação e entendimento predominante pela definitividade. Isso reflete não
somente um avanço, mas mecanismo que vem de encontro com os princípios
constitucionais mencionados.
Outra questão pertinente pela relevância é que de uma certa forma o
monopólio da competência e da territorialidade historicamente vem sofrendo uma
mutabilidade, como se deduz do parágrafo 1º, do artigo 557 do CPC de 73, que
flexibilizou o princípio da colegialidade.
A alteração dá-se de forma gradual, na medida em que o relator passou a
gozar de autonomia e independência para julgar monocraticamente as questões
manifestamente inadmissíveis em grau de recurso ou provê-lo quando o caso estiver
assentado em jurisprudência dominante.
Na conjuntura estrutural do novo-reformado Código de Processo Civil, os
casos repetitivos, desde que não afetados pelos tribunais superiores, podem ser
conhecidos pelos tribunais de Justiça e Regionais Federais.
Exigem, todavia, que se pense mais a fundo e de forma integrativa em uma
ferramenta que possa integrar, unificar, centralizar, uniformizar, padronizar e
sistematizar operacionalmente o incidente em relação aos tribunais, dada a força
vinculante dos precedentes e a importância do seu cumprimento. Segundo Fux
(2011, p. 10),

O incidente tem a vantagem de permitir a solução de milhares de demandas


com idêntica questão jurídica, por meio da solução única, mercê de tornar
obrigatória a normação adotada que vai influir inclusive na admissibilidade
de eventuais recursos para os tribunais locais ou superiores, portanto fixada
a tese, a sua adoção será obrigatória.

O escopo do sistema como desde tenra data visa atender às demandas de


forma célere, isonômica e previsível, para a gestão de um instituto dessa
envergadura, considerando a forte e crescente demanda que se tem por parte dos
jurisdicionados.

como estamos acostumados a tratar (isto é, decisões que já tenham sido reexaminadas em grau, ou
graus superiores, e que representem, de maneira efetiva, o entendimento consolidado dos tribunais),
mas sim, em decisões singulares do juízo de primeiro grau (OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS
NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil.
São Paulo: Verbatim, 2015, p. 109)”.
369

Exigem-se o desenvolvimento e a implantação de bases tecnológicas para o


tráfego de informações e dados, bem como a possibilidade do relacionamento de
identidade entre os milhares de causas distribuídas diariamente, podendo
automaticamente serem identificadas com os precedentes já firmados ou em via de
firmação.
O sistema informaria instantaneamente uma posição “decisão” sobre a tutela
pretendida. Portanto o “sabe que existiu” do jurisdicionado, conforme aporia
suscitada pelo mestre Scarpinella, já seria “sabido que existiu” pela via de
sistematização, centralização, integração, unificação e uniformização de um sistema
processual digital adequado, útil e compatível.
A gestão do Instauração de Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva e
demais institutos de natureza processual, os quais desembarcam no novo-reformado
Código de Processo Civil, exige o desenvolvimento dessa técnica processual por
intermédio da linguagem da Inteligência Artificial.
Visa permitir uma maior velocidade, equiparando-se à concepção de um
sistema processual integrativo, como esclarecem Bianchi (2008, p. 51): “Trata-se de
um sistema de processo integrativo, em que as diversas normas relativas ao tema
formam um conjunto em que, mais do que se subsidiarem, interpenetram-se de
forma harmônica (teoria do diálogo das fontes normativas) ”.

14.4 O Processo Civil enquanto instrumentalidade com características


tecnologizadas e sua eficaz utilidade

A instrumentalidade do processo em sua finalidade precípua desde suas


origens, ou melhor, desde que seus estudiosos começaram a preocupar-secom sua
real importância como instrumento essencial para garantir a efetividade do Direito
material,tem encontrado limites não em si, mas nos meios pelos quais ele se
viabiliza.
Seu funcionamento, ao ser tomado pela razão do homem, transformou sua
genuína natureza e primordialfuncionalidade em uma complexa, desnecessária e
confusa equação em que, antes do homem, vitimiza-se o Direito e a Justiça que esta
mesma espécie se propõe alcançar.
370

Essa disfunção entre tecnologias é sinal de certa anomalia sistêmica, a qual


representa um quebra-cabeças em que a extensão da história (o inquérito) de
informações e dados das ciências processuais tem-se deparado como de dificílima
superação.
A demonstração de uma crise no âmbito do judiciário é notória e ocupa
discussões das mais diversas naturezas, tornando-se, ao longo do tempo,
agravadas, a ponto de atingir-se o nível do inaceitável,mesmo assim, persistindo na
produção desenfreada de reformas em busca de salvar o paradigma existente.
A reinvenção – a partir de um novo modelo – é uma proposta capaz de
reconduzir o processo aos seus fins, todavia, sua base de conhecimento deve ser
alicerçada a partir de uma estrutura cognitiva ainda não conhecida e distinta,
conforme já verbalizaram Kuhn e Bertalanffy, aqui matizado.
É um novo modelo com uma concepção de uma ideia nova para progresso do
Direito e da Justiça, a partir de então, proporcionandouma dinâmica estratégica
material que não pode ser medida a partir da atual existente.
Porém, com carga valorativa eficiente e suficiente para a condução de um
novo mundo no âmbito do judiciário, para isso, é vital que o Direito e a Justiça
estejam umbilicalmente envolvidos com as ciências e toda a evolução proposta por
força de suas grandes descobertas que, de uma forma ou de outra, influenciam a
realidade social.
Aliás, um projeto com a missão de por um fim aos problemas recorrentes e
não resolvidos em sua totalidade no que concerne à acessibilidade, à morosidade e
à imprevisibilidade da Justiça. Segundo Calamandrei (2003, p. 43),

Uma criação constante de um novo Direito supõe, quando for ativa, uma
crença no valor da evolução. Essa crença diz respeito à ideia de que o
Direito progride transformando-se. É uma ideia nova a do progresso do
Direito. A antiguidade situava o ideal no passado, e não no futuro.

A simplificação das formas e a instrumentalidade proposta pelo mecanismo


processual como ferramenta na descoberta da verdade enfrenta em seu percurso
dentro do modelo em exercício o arriscado trabalho participativo da razão humana
quando da cognição entre fato e o Direito.252A celeuma da participação do homem

252Para Watanabe: “Em cada um dos dados trinômios, há sempre dois objetos distintos de
conhecimentos, que são o de direito e os fatos. Às vezes, os fatos são considerados in status
371

no mundo do Direito e da Justiça perfaz-se porque a estrutura ofertada pelo Estado


para a organização judiciária e–consequentemente – do sistema jurídico depende,
em suas junções moleculares e em toda a sua cadeia produtiva para o efetivo
funcionamento, do “homem”e da “interpretação” por ele promovida.
Trata-se da função intelectual responsável peloprocesso dereconstrução
doDireito e simultaneamente por dar concretude ao processo justo e devido,
balizado pelo ordenamento processual, a quem tem uma lesão ou ameaça do seu
direito. Segundo Scarpinella (2015, p. 50),

É inócuo falar em um “processo justo” ou em um “processo devido” dando-


se a falsa impressão de que aqueles atributos tendem a se esgotar com a
tão só observância da correção do meio de produzir a decisão jurisdicional
apta a veicular a tutela jurisdicional. O “justo” e o “devido”, com efeito, vão
além do reconhecimento jurisdicional do Direito.

A ideia que subjaz é a de que esse Direito se materialize à luz dos preceitos
Constitucionais e que essa dinâmicaseja canalizada e, ao mesmo, mutabilizada pela
“efetividade do Direito pelo e no processo”.
O meio tem de nutrir plenas condições a partir de suas técnicas de consolidar
os valores reais que se encontram por trás das palavras “justo” e “devido”, em sua
forma e essência ou simplesmente serão apenas palavras desprovidas de conteúdo.
A garantia que se espera do sistema processual para a resolução dos
conflitos é de que, ao final o processo, se possam dar condições de efetividade do
Direito (resolução da lide).
Isso contribui com o entendimento da Tese, ao observar que os olhos estão
voltados para o Direito, sua afirmação, confirmação e reconhecimento, portanto, o
acontecimento da Justiça, uma vez que essa somente acontece por intermédio do
Direito.

assertionis, (nos itens que cuidam das condições da ação, o tema é abordado mais amplamente).
Outras vezes, os fatos são submetidos a efetiva cognição. Sobre isso, diz Liebman, com muita
propriedade, que a operação “tem caráter histórico, porque seu escopo é descobrir a verdade
relativamente às circunstâncias de fatos relevantes para a causa”. A cognição sobre a matéria de
direito abrange, antes de mais nada, a regra jurídica em sua abstração e, em seguida, a valoração
jurídica dos fatos com o estabelecimento das consequências jurídicas aplicáveis ao caso concreto.
Deve o juiz, preleciona Liebman, “escolher e individualizar as normas aplicáveis ao caso, interpretá-
las corretamente e, por fim, fazer a sua precisa aplicação concreta”. O Direito e os fatos podem
aparecer na causa como pontos conhecidos e incontroversos, ou a respeito dele surgirem dúvidas e
controvérsias, quando então receberão o nome de questões (WATANABE, Kazuo. Cognição no
processo civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 81)”.
372

Isso exige uma sensível preocupação no sentido de que a logística do Direito


e a dinâmica de funcionamento do sistema ao alcance da Justiça tenham
inteligência suficiente para uma melhor conscientização pedagógica das leis – juízo
de prevenção – e possam reparar a ocorrência do dano com brevidade – juízo de
reparação.
Como Calamandrei deixou em seu legado, no século passado (1989, p. 47):
“O Direito progride na medida em que as leis impedem o dano ao próximo e
garantem a cada um o que lhe é devido”. Para isso o ideal de desenvolvimento deve
encontrar sua evolução no futuro.
Os meios para esse evento, ou seja, para a concretização do Direito e com
ele o alcance da Justiça – realizado pelo processo–são possíveis e aqui se aventa
que a civilização humana e os cientistas processuais conheçam-no por outro
paradigma.
Em rápida suspensão do juízo, é possível compreender dentro dos clássicos
do Direito e da Justiça uma tentativa dos grandes expoentes como Calamadrei,
Carnellutti, Mortari, Chiovenda e outros tratarem as ciências jurídicas com um
particular isolamento, na medida em que a leitura feita do presente esteve em
grande parte balizada com os olhos do passado.
Retomando e acompanhando a eloquência e a fluidez do pensamento de
Scarpinella, bem como de outros pensadores atualizados, os meios somente
passam a ser importantes desde que possam alcançar os fins, com essa posição,
também não se quer admitir que as realizações sejam tomadas de formas
inconsequentes, mas exigem uma nova perspectiva.
Fora isso, observando o processo de funcionamento, sem a existência da
interpretação mediadora da máquina humana, toda a performance de
desenvolvimento aproxima-se de uma categorização lógica.
Encadeada e concatenada do fenômeno social por intermédio das regras,
cuja reprodução o Direito no máximo exige, uma vez que o sistema normativo tem
autonomia e independência em si e por si.
No caso dos precedentes, conforme reticulado consoante a nova legislação
processual da lei 11.305/2015, o firmamento da tese encerra temporalmente a
necessidade de um juízo consciente de interpretação, restando tão somente a
inconsciência da reprodução após o firmamento da tese.
373

Sob tal aspecto, é possível que a organização e a sistematização tecnológica


possam atender a gestão de funcionamento para o efetivo funcionamento do novo
Instituto de Direito Processual Civil (IIRDR).
Há ainda a observar que a evolução da tecnologia e o caráter de plasticidade
ofertados pelas lógicas e as interfaces cognitivas que a cada instante se
harmonizam com as psicologias do comportamento humano se revelam úteis para
as ciências do processo.
Podem, com sucesso, harmonizar-se, demonstrando e atualizando o sistema
normativo como mapeando, classificando e categorizando as mudanças
comportamentais balizando assim todo o funcionamento.
O processo de interpretação no contexto mínimo, médio e global das normas
jurídicas e do exercício da cognição no âmbito dos fatos tem levado a Justiça não
somente a incertezas, mas às eternas divergências conclusivas, principalmente nas
questões em que existe uma identidade de fato e de Direito e que pugnam por uma
reprodução resolutiva imediata da questão.
As percepções do homem, em suas variáveis, influenciam os instrumentos
regulatórios do sistema processual.A intermediação da razão humana nesse
processo tem dificultado comque o Direito e a Justiça se firmem como elementos
certos e estáveis, como alerta Watanabe (2012, p. 69):

Na verdade, o que ocorre na maioria das vezes é o juiz sentir primeiro a


justiça do caso, pelo exame das alegações e valoração das provas, e
depois procurar os expedientes dialéticos, que o caso comporta e de que
ele é capaz, para justificar a conclusão. E nesse item, embora
predominantemente lógico, entram também inúmeros outros fatores, como o
psicológico, volitivo, sensitivo, vinvencial intuitivo, cultural e outros mais...

O processo de meio, ou melhor, os meios pelos quais o processo desenvolve


sua instrumentalidade, seja nos moldespublicista ou garantista, constantemente se
vê envolvido em questões prejudiciais e de fatores elementares externos e internos
que prejudicam e a lógica da operação de dedução do Direito para o alcance da
Justiça e nela interferem.
A classificação em uma atmosfera como essa é uma constante incerta,
variável e alternada em que, ao final, as regras do sistema processual estão mais
para as razões humanas, do que efetivamente para a razão do Direito e da Justiça.
374

Tais fatores colidem com as tendências de uma Justiça predominantemente


coletiva e cujos protagonistas têm caráter de acentuada exigência em
predeterminação para a segurança.
Destarte, a inteligência do sistema processual embrionariamente alberga uma
concepção tecnologizada na qual se vislumbra a possibilidade de categorizar e
classificar as normas por intermédio de uma linguagem algoritima de programação
bem como dos fatos que as regras devem atender, poupando-as da influência da
inteligência humana quando posicionada a operar. Com isso promovendo a solução
sem a participação da jurisdição. Nesse sentido, ensaia Scarpinella (2015, p. 41):

Uma coisa é negar, o que é absolutamente correto, que nenhuma lesão ou


ameaça a Direito possa ser afastada do Poder Judiciário. Outra,
absolutamente incorreta, é entender que somente o Judiciário e o exercício
da função jurisdicional podem resolver conflitos, como se fosse esta uma
competência exclusiva sua.

E complementa o mesmo autor (2015, p. 50) “Não há, de qualquer sorte,


como querer compreender o inciso LXXVIII do art. 5º da CF como sinômino de
celeridade”.Extrai-se dessa expressão serem impossíveis o Direito e a Justiça,
abarcados pela estrutura judiciária existente.
Passe como num “passe de mágica” de um dia para outro a atender não
somente aos inúmeros processos que aguardam há anos, por juntada, instrução ou
julgamento, como os novos ingressantes processos a serem mediados por uma
logística capaz de absorver o contigente do sistema.253
Embarcado nas referidas lições doutrinárias, embora não explicitados, os
conceitos tais como racionalização, otimização, eficiência, resolvem o maior número
de conflitos de interesses de uma só vez, o que significa a simplificação por
intermédio da categorização e da classificação de identidades.

253 Segundo Scarpinella em sucessivo parágrafo: “O que deve ser revelado nele, a despeito do texto
constitucional, é verificar como “economizar” a atividade jurisdicional no sentido da redução desta
atividade, redução do número de atos processuais, quiçá, até, da propositura de outras demandas,
resolvendo-se o maior número de conflitos de interesses de uma só vez. O que o princípio quer,
destarte, é que a atividade jurisdicional e os métodos empregados por ela sejam racionalizados,
otimizados, tornados mais eficientes (o que, aliás, vai ao encontro da organização de toda atividade
estatal, consoante se extrai do caput do art. 37 da CF e do “princípio da eficiência” lá previsto
expressamente), sem prejuízo, evidentemente, do atingimento de seus objetivos mais amplos
(BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p.
50)”.
375

Existem nessas terminologias clara e evidente interação com os princípios da


tecnologia da informação, portanto, indicam uma instrumentalização tecnológica do
sistema processual e, consequentemente, do Direito e da Justiça.
A imperatividade do julgar constantemente no âmbito jurisdicional cobra uma
revogação da desaponsentação do sistema vigente, todavia, desde que
recondicionado em muitas das esferas do Direto nas quais há Justiças
Especializadas a aderirem ao modelo tecnológico para a otimização de seus fins ou
de estarem aposentadas ou simplesmente exigem uma aposentadoria compulsória.
O alicerce do império da incerteza do sistema vigente está em ruínas, pois
opera às custas de menos regra e mais percepção intuitiva, considerando que essa
quase sempre predomina sobre o pensamento reflexivo lastreado da memória
cognitiva.
Esse hiato ainda se enlarguece, considerando que a atividade intelectual da
cognição tem relação com a ordem de grandeza intelectual de cada julgador e sua
concreta disparidade.
A motivação do ato volitivo do Estado/juiz no desenvolvimento cognitivo da
construção e da justificação de sua conclusão, quando do ato de decidir, tem-se
transformado em um antídoto capaz de revelar o ato falho, proporcionado
pelaparcialidade, em que o interesse estimulado pela percepção intuitiva conduz o
homem/Juiz a tomar uma posição distante do idealizado pelo Estado de Direito, que
é em si o próprio o Direito social.
Observando em alta resolução, o Estado de Direito é o Estado social de
Direito e não dois Estados ou dois Direitos, mas apenas um só. A cognição humana,
influenciada pelo juízo intuitivo, pode conduzir o homem à contradição de sua
própria função.
Embora a linguagem técnica seja uma redoma que visa minimizar o mal maior
da discricionariedade a-normativa, esse fenômeno da influência sobre as questões é
evidente e tem-se tornado costumeiro, dada a vulnerabilidade indefensável da
cognição humana.254Essa falha ou equívoco do sistema representa a

254Segundo Taruffo, “Trata-se, evidentemente, de modos de qualificação do discurso justificativo, ou


de algumas de suas partes, que partem de critérios heterogêneos. Contudo, não é impossível
coordenar esses aspectos do ponto de vista da estrutura da justificação, em especial se concerne
mais à racionalidade interna do discurso justificativo do que à racionalidade externa, constituída pela
correspondência de seu conteúdo aos valores dos seus usuários. Sob esse perfil, o núcleo da
justificação é constituído pelas partes que aparecem modeladas segundo formas lógicas: onde isso
ocorre, de fato, a validade da justificação é controlável a partir da correção lógica dos seus
376

infuncionalidade do sistema atual. Isso se dá porque o caráter particularista da


presença humana nas relações sociais e a equação do conteúdo de valores vem
cedendo espaço à participação coletiva, na qual a identidade passa do particular ao
coletivo (reclassificando, recatalogando e reposicionando a equação do conteúdo de
valores em outra perspectiva). Por isso, uma sociologia e uma psicologia
tecnológica podem despontar em poucas décadas.
Um novo Direito e uma nova Justiça também são suscetíveis de emergir. Não
é uma posição nova para o processo enquanto instrumento de regras claras e
predefinidas para atender e socorrer os conflitos sociais.
Considerando que o Direito e a Justiça são convenções, o estabelecimento de
um Direito e uma Justiça alicerçados em bases epistemológicas distintas,
representaria uma revolução.
Dentro dos processos demarcados pelo desenvolvimento das ciências na
concepção kuhniana e seus conceitos, o contexto estaria a registrar o período das
ciências extraordinárias.
Em que o destaque para um dos modelos destaca-se enquanto potencial
paradigma capaz de substituir o existente, consolidando, assim, um novo modelo de
Direito e de Justiça reconhecido pela comunidade científica. Para Derrida (2010, p.
42),

Tudo seria ainda simples se essa distinção entre justiça e Direito fosse uma
verdadeira distinção, uma oposição cujo funcionamento permanecesse
logicamente regulado e dominável. Mas acontece que o Direito pretende
exercer-se em nome da justiça, e que a justiça exige ser instalada num
Direito que deve ser posto em ação (construído e aplicado pela força
enforced). A desconstrução se encontra e se desloca sempre entre ambos.

A presença do Estado no exercício do monopólio da estabilidade das relações


sociais, na distribuição da Justiça para a pacificação social, exige que a
instrumentalidade para a aplicação do Direito material seja eficaz, ponto esse manso
e pacífico.
Outrossim, a redoma do monopólio não pode servir de barramento ao
desenvolvimento do próprio Estado na tomada de ações proativas em busca de

argumentos. Quando essa subsiste, tem-se o ponto máximo de objetivação e racionalização do


argumento justificativo, na medida em que é mais intensa a sua estruturação lógica segundo módulos
de validade geralmente reconhecidos (TARUFFO. Michele. A motivação da sentença civil; tradução
Daniel Mitidiero; Rafael Abreu; Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 249)”.
377

vencer seus próprios problemas e com isso superar seus maiores obstáculos.255Se a
simbiose entre Direito e Justiça atingiu um estágio no qual a fusão desses institutos
se tornou ineficaz na condução da ordem social material, é de se notar que o
repensar a reconstrução dos meios para os fins exige uma proatividade acentuada
por parte do Estado.
Caso contrário, os sintomas da ruptura de semelhante modelo estariam
passando ao largo do desenvolvimento, seja pelo desconhecimento ou
simplesmente pela desconsideração da realidade.
É de observar-se que os meios alternativos representam mecanismos
embutidos de técnicas processuais não jurisdicionais e desformalizados da jurisdição
estatal, com o fito de solucionar os conflitos entre as partes, sem afastar o Estado do
jus vigilandi no animus protetivo da legalidade, nos termos no inciso II do artigo 5º da
Constituição Federal.
Há ainda a dimensão indeterminada para o termo “meios” na dimensão da
presente Tese, diante da contribuição ofertada pelas ciências cognitivas, para cujo
atual estágio a tecnologia proporcionada pela Inteligência Artificial apresenta-se com
potenciais condições de revolucionar muitas áreas científicas que sempre se
valeram do combustível da inteligência humana para seu funcionamento.
No entanto, a tecnologia, com sua evolução, vem destacando-se e
apresentando condições reais e seguras para promover dentro do Direito – como
mecanismo de proteção e reparação dos danos oriundos das relações sociais – o
fluxo “meio” de gestão para o pleno funcionamento do sistema de regras
comportamentais.
A Inteligência Artificial também vai além e permite que sua linguagem absorva
todo o esquema teórico jurídico processual em uma linguagem de programação.
Possibilita, assim, que os resultados – embora não mais recortados nas
formalidades dos rituais tradicionais de um Direito – possam ser atingidos sem que
se firam os Direitos e as Garantias Fundamentais insculpidos na Lei Maior.
Se este fenômeno se concretiza, o Processo Civel Digital é salvo para dois
grandes papéis, ou seja, primeiro como “meio”, ou seja, fluxo de funcionamento do

255 Segundo o escólio de Scarpinella, “É incorreta essa compreensão totalizante do Poder Judiciário
e, por isso mesmo, que o estudo dos chamados meios alternativos (no sentido de não jurisdicionais) é
tão importante, inclusive para a formação do estudante e do estudioso do direito processual civil como
quis frisar, não por acaso, desde o n. 1 supra (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de
processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 41)”.
378

sistema enquanto mecanismo hábil e competente para armazenamento de


informações e dados contribuindo em toda sua sistematização de funcionamento.
Um segundo papel seria o da possibilidade, a partir das bases científicas
existentes do Processo Civil, desenvolver um sistema processual digital já escrito
desde sua estrutura em uma lógica semântica tecnológica capaz de fornecer os
elementos, os pressustos, os atributos e os indicadores ao sistema judiciário, além
de promover com maior rapidez e qualidade a gestão da Justiça, inclusive em
tecnologia de decisão.
Seria um sistema de Direito com regras justas em outra perspectiva, o que
dispensaria o envólucro da Justiça que para ser em si ou por si precisa do auxílio da
cognição interpretativa em caráter de reconstrução.
Na perspectiva um Direito ativo, somente se constrói em cada caso,
individualmente. Essa particularidade, ou melhor, essa Justiça morosa, custosa,
imprevisível e insegura não atende satisfatoriamente à demanda simples, diga-se de
passagem, sequer a de dimensão massificada em ascendência.
O Direito pode em si ser justo, pode em si ser definido, claro e objetivo. A
classificação com base em uma nova configuração social faz dele um instrumento
sempre atual, isto porque o Direito é um corpo vivo que a sociedade está produzindo
cotidianamente.
Ele tem em sua natureza um caráter evolutivo por ruptura, pois, se os arranjos
de reformas, emendas e demais ações legislativas não alcançam as demandas
sociais satisfatoriamente.
A base cognitiva precisa ser alterada para o atendimento de uma nova
sociedade que não mais atende a um modelo de sistema que, já em sua estrutura, é
abastecido por um tipo cognitivo estagnado.
Portanto, em uma nova Era do Direito, em uma primeira etapa em que as
regras postas e utilizáveis sem a necessidade de reconstrução intelectual, porque se
estabilizaram o Fato e o Direito em questão por força da convenção dos atores, que
legitima ruptura.
Esse Direito pronto “interpretado” é um precedente modelar vinculativo que
permite um Direito em série de reprodução, concretizado a partir de uma estrutura
processual tecnologizada.
379

Trata-se de uma máquina não humana, portadora de uma Inteligência


Artificial capaz de mediar o Direito segundo as regras processuais instrumentais
escritas pela linguagem de programação.
Esse diastema entre o passado e o presente na orla do processo vem
preordenado de uma razão tecnologizada. Isso se dá pela necessidade de afastar
todos os sistemas da corruptividade humana, conforme os canais midiáticos têm
constantemente informado, e não menos intensa apresentação são retratadas nas
literaturas que delatam as fraudes, os conchavos espúrios que acontecem às
margens da lei.
O sistema processual, quando instrumentalizado pela razão do homem,
tornou-se tirânico e totalitário, a Justiça passou a esquecer seus fins, afastou-se das
regras normativas e passou com isso a ganhar os palcos das discussões infindáveis.
Nesse dinâmica, as conclusões provisórias são levadas a outros
intermináveis começos sem que efetivamente possam estabelecer uma ideologia
previsível, certa e eficaz do processo e em cujo cerne o justo torne-se
evidentemente tangível em seu cerne. Segundo Aroca (2011, p. 17),

Para mi si em siglo XX loscuerposlegalesprocesalescivilesestaban


traspassados de autoritarismo, y regulabanel processo civil desde elpunto
de vista deljuez (Estado) que aplica su ordenamento jurídico, nuestra LEC
habia conseguido superar esa etapa y regula el processo desde la
perspectiva delciudadano que acude al juez (Estado) para que se
haganefectivos sus derechos subjetivos.

A necessidade de tecnologizar o sistema processualvem de encontro com


uma vital tendência para a concretização material do justo, conjugado com uma nova
razão social, o que equivale a atender suas perspectivas de Direito e de Justiça.
Para isso, o ordenamento jurídico precisa reconhecer o direito dessa via
alternativa de mediação do Direito e, a partir de então, ser reconstruído nos moldes
de uma nova realidade, a esperança de que se materializem os atributos almejados
ideologicamente no diploma Constitucional.
Com a mudança do Estado totalitário para um Estado Democrático social, em
que uma nova categoria de Direitos e Garantias Fundamentais ganha em tese força
e efetivo reconhecimento, as ferramentas para a concretização do alcance precisam
ser remodeladas ou serão somente sonhos.
380

A reconstrução de uma estrutura cognitiva que possibilite o reconhecimento


do Estado social de Direito almeja mais do que garantir, tem como objetivo dar
condições de fortalecimento do próprio sistema judiciário, pois, na medida em que a
lei não é cumprida, ela passa a ser enfraquecida, desestabilizando
consequentemente o ordenamento jurídico.
Os choques culturais exigem uma tradução simultânea em uma linguagem
universal e toda uma aparelhagem em que as desigualdades possam se
igualizarclassificadamente.
Em que pese a diversificação dos meios e das formas, é possível sistematizar
de tal modo que o Direito, como elemento de aritmética social, possa ser distribuído
sem que sirva as desigualdades totalitárias. A esse respeito, para Derrida (2010, p.
30),

O Direito não é justiça. O Direito é o elemento do cálculo, é justo que haja


um direito, mas a justiça é incalculável, ela exige que se calcule o
incalculável; e as experiências aporéticas são experiências tão improváveis
quanto necessárias da justiça, isto é, momentos em que a decisão entre o
justo e o injusto nunca é garantido por uma regra.

Essa questão somente pode ser verdade, na medida em que o sistema


normativo foi constituído para cada situação exigir que a regra seja calibrada
segundo as regras estabelecidas para o funcionamento do Direito para o alcance da
Justiça, considerando para tanto uma sociedade em que a razão não se destacava
pelo predomínio da tecnologia, precisamente em um tempo em que a incerteza
predominava em decorrência do nível de avanço das ciências e do conhecimento
produzido por essas. Com os novos tempos, o desconhecido relevou a face do
conhecido.
Por outro vértice, se as regras do cálculo forem reconfiguradas a partir de
uma calculabilidade lógica predefinida, surge então uma Justiça calculável, uma
Justiça em que a decisão não representa um fruto de uma resconstrução intelectual
do Direito.
Sob semelhante hipótese, a decisão passa a ser aplicação lógica objetiva,
dando com isso condições maiores de previsibilidade e certeza, pois nesse caso, as
regras encontram-se postas, com isso resolvendo a incerteza que uma garantia não
pode possuir.
381

O Estado precisa reconhecer a necessidade de que a organização judiciária


precisa ser modificada: não se trata de fazer um novo modelo aproveitando o velho
molde ou se valendo das velhas e ultrapassadas ideias.
A atual sociedade, na qual os comportamentos dimensionam uma história
social ainda não escrita, exige que os conceitos, as definições, sejam construídas
para assim fundar uma nova ordem judiciária.
Bem como refazer toda a dinâmica cognitiva em que uma estrutura distinta da
vigente passe a determinar e delimitar um funcionamento de um sistema capaz de
atender à demanda existente, segundo Watanabe (2012, p. 28):

Aspecto que não pode ser negligenciado é a organização judiciária, certo é


que, por mais perfeitas que sejam as leis materiais e processuais, será
sempre falha a tutela jurisdicional dos direitos, se inexistirem juízes
preparados para aplicá-las e uma adequada infraestrutura material e
pessoal para lhe dar o apoio necessário.

A importância do reconhecimento das necessidades e das essencialidades


não atendidas revela que a situação econômica e financeira de um Estado influencia
sua forma de Direito e de Justiça.
Isso se dá porque a base de uma política voltada para a educação, o
planejamento e a gestão da coisa pública não conseguem acompanhar nem o
presente nem tampouco visualizar ou reconhecer as tendências de um novo mundo
que a cada dia acontece.
O atrofiamento dos órgãos faz com que se estabeleça um discurso assentado
em uma falsa realidade bem como no cultivo de uma ideologia de um
desenvolvimento e um crescimento sempre tardios, projetando-se nos terrenos da
simulação ou dissimulação.
Devido a isso, são ineficazes por expelirem uma sensação de que, em que
pesem os esforços, todo o trabalho árduo de gerações tornara-se em vão.256São

256 Segundo Damaska, “De los esfuerzos por relacionar el processo legal com la organización
económica y social de los Estados Modernos, han surgido claras líneas de investigación sobre las
formas de procedimento. Pese a que mucho aspectos de la administración de justicia pueden ser
provechosamente estudiados desde esta perspectiva (por ejemplo que, resultados obtienen em
juicios aquellos que tienen recursos económicos y aquellos que, no los tienen, há resultado
sumamente difícil relacionar el diseño del processo con alguma classificación de los Estados según
las variables socieconomicas. Esto puede ilustrar bien por los infecundos que han resultado los
estúdios “modos de produción” (feudalismo, capitalismo, socialismo, etcétera) como determinantes
últimos de las instituciones sociales, incluyendo el sistema legal (DAMASKA, Mirjan R. Las caras de
la justicia y el poder del Estado. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 2000, p. 8)”.
382

questões que passam pelo desconhecimento ou são relegadas à desimportância,


porém impactam o funcionamento da Justiça. O não conhecimento claro das regras
da organização judiciária faz com que o exercício comportamental da procura dos
serviços judiciários enfrente sérios problemas em decorrência da insciência das
regras de Direito material.
Isso marca, ou seja, registra a dificuldade do homem em compreender o
Direito que o assiste e, por isso, também contribui para a produção do problema do
conflito. Por outro lado, a morosidade ofertada pelo sistema de gestão do Direito
material (sistema processual) em que a mediação do Direito acontece e que se dá
por intermédio da inteligência humana transforma-a em uma associada/cotista do
Estado na constituição do crédito da ineficácia do Direito.
Diante de tal contexto, denota-se que o Estado insiste no conceito do Direito
de ação por meio do uso da sectária máquina humana, limitada, e
ideologicamenteinfluenciável.
Proporcionando com isso que o Direito venha a não cumprir seus reais
propósitos em frente a uma demanda massiva e que exige uma efetiva sustentação
de equipotencialidade.
A prestação da atividade jurisdicional, ou melhor, do serviço de acesso à
resolução de problemas pode dar-se por outros meios, dentre eles pela construção
de uma rede inteligente em que a Inteligência Artificial possa, a partir de uma
programação específica realizada, tratar dos dados e das informações do Direito.
Essa alquimia entre fato – comportamento social –, e norma – regras de
conduta –, valendo-se de mecanismos tecnológicos, pode sem censura promover o
ato de medição e decisão, devidamente credenciados pelo Estado em um estágio
em que haja efetiva emancipação social.
No entanto, no âmbito dos precedentes judiciais, a mediação do Direito e da
Justiça pelos “meios” tecnológicos se mostra plausível do ponto de vista de uma
tangibilidade imediata, além de possibilitar ao Judiciário um plano processual
nacional tecnológico entre as Justiças, outorgando organicismo, centralização,
sistematização, uniformização e padronização do Direito.
383

Sobretudo, a manutenção da processualística não seria


desacreditada.Mesmo realizada tecnologicamente, a substituição da inteligência
humana pela Inteligência Artificial ainda resistiria à concepção de cognição que
sinteticamente é a cristalização de um ato de inteligência humana transmutada em
uma linguagem de programação, cuja finalidade se mantém reproduzida no ato
volitivo cibernético de decidir. Para Watanabe (2012, p. 67),

A cognição é precisamente um ato de inteligência, consistente em


considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas
partes, vale dizer, que as questões de fato e as de direito que são
deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do
judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo.

O exercício intelectual do sistema processual, tratando-se de Inteligência


Artificial, estaria atrelado à objetivação dos fatos, categorizados, e a objetivação da
lei – a definição – das regras de conduta cristalizadas a partir de sua reprodução,
que tem a participação direta dos cientistas do Direito como contribuintes
inafastáveis na emissão de pareces, críticas e opiniões do desenvolvimento das
matrizes tecnógicas de um sistema processual.
É a atividade lógica intelectual jurídica para uma atividade lógica intelectual
artificial em um diálogo das cognições, com o escopo de promover a programação
do sistema sobre a questão posta.
Com a vantagem de estar sempre mais próxima à realidade avaliada por uma
tendência efetiva e natural ofertada pela sistematização, pela integração e pela
uniformização de informações e dados, em que se oferta uma atualização em um
tempo mais simplificado.
A tomada da decisão como algo que se faz por intermédio de uma
reconstrução do Direito traveste-se de uma convenção em via de ruptura,
principalmente por força das tensões do indicidível ou de decidível duvidoso.
O Direito e a Justiça ainda reinam e predominam como um discurso autêntico
e necessário. Eis que a sociedade ainda dependente do algoz das rédeas da
dominação, no entanto, não nos moldes bárbaros ofertados!
É preciso suplementar com as pedagogias da emancipação, porém nessa
fase clínica do atendimento aos conflitos exigem-se mais agilidade, abreviação e
prestatividade, além de igualdade e segurança.
384

O processo é o instrumento que precisa garantir resultados efetivos. Suas


propriedades estão para as propriedades do Direito e com estas suas variáveis
exigem ainda maior atenção do sistema processual cujo objetivo é dar estabilidade
para a concretização da Justiça que, segundo as lições de Derrida, faz-se pelo
Direito, embora essa concepção de equilíbrio, de coisa justa, seja também
denunciada por este mesmo autor (2012, p. 44):

Para ser justa, a decisão de um juiz, por exemplo, deve não apenas seguir
uma regra de direito ou uma lei geral, mas deve assumi-la, aprová-la
confirmar seu valor, por um ato de interpretação restaurador, como se a lei
não existisse anteriormente, como se o juiz a inventasse ele mesmo em
cada caso.

Nesse contexto, a característica tecnológica do processo revela-se latente,


pois a garantia pregada pelo processo à aplicação do Direito material ao caso
concreto é a busca de uma lógica para questões semelhantesseja única, após
exaustiva interpretação e consolidação do valor do Direito evocado tal como se
perfaz na formação do precedente.
Dessa forma, a resolução não estabilizada se convola em uniforme com o
firmamento do entendimento, sendo desnecessária a reprodução em série pela
intervenção humana.
Quanto à antítese entre a Justiça reproduzida e a Justiça reconstruída, essa
questão pode ser dissipada pela convenção de um novo conceito de Direito e de
Justiça, desde que avalizado pelo Estado, o qual detémsoberana competência para
legislar.
E o já fez, uma vez que concluiu demonstrativamente que as desigualdades
geradas pela Justiça reconstruída nas individualidades contribuíram para o aumento
estatístico das injustiças. A espécie humana, portanto, é previsível, possível de uma
métrica capaz de gerar efetivo controle.
Todavia, se tal fenômeno acontece, ou seja, se os casos semelhantes ou
idênticos às decisões são os mesmos, o Direito e a equação que os reconhecem
com unicidade e universalidade passam a ser um cálculode medida universal.
O que indubitavelmente pode ser alcançado pela intervenção tecnológica a
partir do desenvolvimento e da criação de uma rede artificial em que se programe,
em conformidade com o Direito, consolidando assim um Estado de Direito que é o
mesmo que um Estado de Justiçaem Direito.
385

Considerando que, em última instância, a Justiça em que o homem é o


mediador representa uma etiqueta da justificação de uma posição adotada, portanto,
de uma verdade convencionada a cada caso.
A partir de uma reconstrução intelectual do homem em sua árdua tarefa
laborial em torno de um Direito– a alternativa de um sistema mediador do Direito
valendo-se do uso da linguagem de programação, da tecnologia desenvolvida pelo
próprio homem, se revela legal e legitima.
Põe-se então a necessidade de o Estado sentir a essencialidade de se
mobilizar em uma tarefa que lhe é de competência.O vigente paradigma de Direito e
Justiçaestá minado em sua efetividade e nas garantias que lhes são pertinentes.
É preciso que as questões identidárias, as iguais, que possibilitam uma
abreviação e com ela uma celeridade, instrumentalizem medidas que possam
atender ao critério de efetividade jurídica – e que não o fazem– conforme denuncia
Cappelletti (2008, p. 8).257
Tal estrutura de gestão, se é que essa denominação seja a mais acertada,
somente se afasta da realidade social, além de ser omisso quanto a realizar a
criação de meios mais adequados ao seu enfrentamento.
O sistema mediador da Justiça– fruto de uma organização judiciária
burocrática – não encara os problemas nem os combates de uma forma
planejada.Ao contrário, vivem os protagonistas da consumida estrutura e perpetuam-
se em seus meandros na crença de que ainda não tenha chegado o momento de
produzir uma política judiciária que possa criar e ativar mecanismos tecnológicos a
cumprir com uma gestão dos conflitos com maior eficiência e, comisso, com menos
burocracia.

257 “Trata-se, além do mais, de um fenômeno que não poderia permanecer isolado. O “gigantismo” do
legislador, inevitavelmente, foi acompanhado por aquele da administração e da burocracia. Os
poderes de intervenção da administração Pública foram também estes, enormemente dilatados. Os
órgãos e funcionários administrativos, os mais disparatados, centrais, regionais, locais, assumiram
um papel sempre mais amplo, na regulamentação da nossa vida de todos os dias. Uma razão da
reconhecida inevitabilidade de tal fenômeno encontra-se simplesmente, no fato de os parlamentares
não terem nem tempo nem a competência e conhecimentos necessários, a fim de colocarem em obra
(e, tanto menos, para o “pontual” controle de adimplemento), uma disciplina suficientemente precisa
nos vastos campos e nos quais o Estado moderno reteve o teor de interior. O resultado está neste
Estado moderno, o sucessor do Estado liberal não intervencionista e invariavelmente definido como
Estado Social ou Estado Assistencial, E’tade providence ou welfarestate, que, fosse pelo uso
intensivo de seu instrumento legislativo caracterizou-se de único como “Estado Legislativo” acabou
transformando-se num Estado sempre mais acentuadamente caracterizável como “administrativo” e
“burocrático” (CAPPELLETTI, Mauro. Processo, ideologias e sociedade; tradução Elício de Cresce
Sobrinho. Porto Alegre: Fabris, 2008. v.1, p. 8)”.
386

A inversão de competência faz com que o homem/Juiz se interesse cada vez


mais pela produção de leis, sem que seja de sua real competência, quando, neste
tempo, sequer o Direito e a Justiça possam garantir a estabilidade e a uniformidade
de um resultado previsível e certo.
Segundo Cappelletti (2008, p.17), “A ambiguidade é um elemento inevitável
da linguagem humana; e a complexidade encontra-se na própria natureza das
relações humanas que a lei deseja regular”, por outro lado, complementa o mesmo
autor (2008, 18-19):

Finalmente, não se pode olvidar o fato de que, segundo uma opinião assaz
difusa, os juízes ordinários, especialmente aqueles das cortes Superiores,
por temperamento, educação e idade, são, geralmente, muito
conservadores para poderem absorver, adequadamente, uma tarefa
dinamicamente criativa num mundo em rápida transformação.

Isto demonstra que a Justiça vigente ofertada, realizada por uma dinâmica
processual mediada pela inteligência humana, sequer se aproxima de uma Justiça
legal ou legítima, em decorrência da demora ou da ausência de garantia de uma
concepção atualizada, sistematizada, integrada e unificada. Eis que se registra o
divórcio entre Justiça e Direito, oriunda a impossibilidade jurídica do Direito.
A trajetória da passagem do Direito para a solução do conflito, essa via
instrumentalizada pela razão humana em busca da concretização material da
Justiça, deixa de acontecer com frequência. O estreitamento dessa seara, diante de
uma constante transformação, fulmina a possibilidade da ocorrência do advento do
Direito.
No passado ou simplesmente em períodos remotos, a quantidade menor de
demandas e a existência amena de fluxo junto ao Poder Judiciário permitiam que a
tarefa da mediação do Direito fosse realizada pela inteligência humana.
Com o advento da tecnologia, as formas de vida se alteraram, os costumes,
os hábitos e toda uma cadeia de atividades que antigamente eram realizadas
artesanalmente tornaram-se ineficazes em sua grande maioria para o atendimento
de seus propósitos.
O conhecimento de que a inteligência humana se apropriou e se valeu para
seu destaque e posicionamento como “racio suprema” representa apenas uma das
formas ou espécies de cognição.
387

Esse modelo cognitivo é caracterizado pelo repouso e sua constante


repetição para a fixação dos elementos cognitivos, todavia o conhecimento
emergente de uma transformação rápida e constante tem em si uma natureza
distinta da base estabelecida, que fundou a estrutura histórica do homem, algo
jamais conhecido e cuja forma sedimenta uma Gestalt ímpar.
No campo do sistema judiciário, a presença da forma de aprender o Direito e
a Justiça, de conhecê-los e de exerciá-los operacionalmente tem-se apresentado
como uma afronta e, ao mesmo tempo, um estado de alerta para a comunidade
científica do reino.
Processualmente falando, sua instrumentalidade vem sinalizando para
alterações versadas na simplificação e na integração do sistema. Tal tendência vem
de encontro com a extinção de vários institutos do sistema processual, sistema
responsável por carregar o Direito material em sua concretização, melhor
explicando, para sua efetividade.
O que a Justiça da reconstrução, dentro da orla da massificação das formas
comportamentais que implicam a reprodução identifica das ações faz com que a
Justiça passe a exigir reproduções uniformes.
Reinscrever as leis processuais com as canetas da tecnologia (linguagem de
programação) é levá-las a uma nova e distinta base de conhecimento, em que a
linguagem possa oferecer a possibilidade de que o Direito consiga acompanhar a
acelerada transformação do cotidiano e, ao mesmo tempo, dar respostas imediatas
e contextualizadas temporalmente, com isso, proporcionando sempre uma Justiça
atualizada.
Este Direito promoverá uma Justiça calculável, previsível, certa e
condicionadora de uma sociedade predominantemente forjada e estabelecida em
outros valores.
Essa reflexão revela o quanto o Direito está atrasado em nosso Estado. Quiçá
a Justiça, em um modelo amorfo de regras que se convertem ao desuso ou à
ineficácia porque a dinâmica da mediação realizada pela inteligência humana está
para o aspecto formal do Direito formal.258

258Conforme ilustra Aroca: “Muy atinada es, a mi juicio, la idea de Montero Aroca de que, a efectos de
indagar o clarificar las bases ideológicas de um proceso civil determinado, hay que distinguir
netamente entre los poderes materiales y procesales del juezlos primeiros afectan al contenido de la
sentencia, mientras que los segundos afectan a la conducción del proceso. Otorgar al juez mayores,
indiscriminados y nos mediatos poderes materiales netamente tiene su base en uma concepción no
388

A instabilidade provocada pela constante volatilidade do homem/Juiz


demonstra que o sistema jurídico passa muito mais tempo buscando acertar um
equilíbrio na forma como esse agente do Estado deve atuar (comportar-se em suas
ações), do que efetivamente com o Direito e a Justiça.
Parte-se constantemente de ideologias em busca do elo perdido de uma
Justiça idealizada, ou seja, de que se possa fazer com que a lei processual faça com
que o Direito material se concretize.
Enquanto isso, o fator tempo e o tempo da história fazem com que as
ideologias somente sejam substituídas por outras sem que se consiga uma
realização capaz de estabelecer uma ordem jurídica concretamente eficaz.
É evidente o anseio dos processualistas em busca de umdistinto e profundo
trabalho que possa proporcionar ao sistema processual facilitar a concretização o
Direito material aglutinando concomitantemente, com rapidez, segurança e eficácia.
Para Aroca (2011, p. 85),

En la realidad, no es que prevalesca una o otra ideologia. Es que el proceso


sea civil, sea penal, es siempre visto como un instrumento de garantia y,
firme este valor insustituible, en lo demás se trata de encontrar modelos que
permitan uma justicia em lo posible rápida y eficaz. Pero si esto es verdade,
sera necessário, inspirando-se em las enseñanzas de Vocino, tomar los
mitos por lo que son: princípios que manifestan tendencias o, diretamente,
formulas sugestivas com las cuales se busca aglutinar consensos.

O que importa ao Estado e ao instrumento desenvolvido para a Justiça do


Direito é a efetiva entrega do bem da vida objetivado. Os meios nesse caso não se
justificam, porém os fins, desde que legais, justificam os meios – ainda que não
formais – de boa qualidade, segurança, rapidez e eficiência quanto ao resultado, em
consonância com a flexilibidade já consolidada.
Não sendo esta a ideia que move o Estado, significa dizer que a mudança de
paradigma não acontece por capricho das clássicas mentalidades, as quais não
podem transferir a conta ou fazer dos tempos atuais uma extensão do arcaísmo à
sociedade.

liberal del processo. No obstante al ondando em los distingos, seguramente hay que distinguir entre
los poderes del juez respecto de la introducción de hechos no alegado y los poderes del juez respecto
de la prueba de los hechos alegados por las partes (MONTERO AROCA, Juan et al. Derecho
Jurisdiccional II: proceso civil. 20. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2012, p. 51)”
389

Uma jurisdição que tenha seus fundamentos em Inteligência Artificial, ou


melhor, um sistema aparelhado pela tecnologia, em que o processo civil se
apresenta orientado por regras devidamente programadas por uma linguagem
diferente, não pode ser empecilho ou obstáculo a impedir a marcha do
desenvolvimento.
Ao contrário, os cientistas devem unir-se, ao menos as forças intelectuais em
comum para que as tendências se tornem realidades. Nesse sentido, a jurisdição
processual Constitucional defendida pelo Estado e pelos processualistas visa
concregar o acesso da Justiça ao acesso do resultado do Direito no plano prático
material almejado.
Não mais pela reconstrução, mas pela reprodução de uma realidade que se
combina integrativamente com seu cotidiano. O processo, enquanto técnica
instrumental, é plenamente transmutável em linguagem de programação em
Inteligência Artificial em sua generalidade ou especialidade.
Agora é preciso baixar as correntes que mantêm os portões do castelo da
comunidade jurídica em sua autopoese e convidar os informatas das ciências
cognitivas para escrever o processo em linguagem artificial, sob o olhar atento de
todos os cientistas envolvidos.
390

15 O LIMITE COGNITIVO DO PODER JUDICANTE

15.1 Uma anomalia da natureza humana

Frente ao desconhecido e no imenso universo da vida em sociedade, os


problemas enfrentados revelam que o limite cognitivo é uma realidade presente e
inerente à condição existencial. É um problema significativo a ser considerado pelo
homem, promotor de sua realidade social.
Para o operador do Direito e da Justiça, esse fator tem sido durante os
séculos objeto de vasta discussão, porém, como um postulado, a soberana razão
nutrida pela inteligência humana vem-se mantendo incólume. Parafraseando
Nietzsche, talvez a verdade do Poder Judiciário a cada um de seus julgamentos,
seja uma espécie de erro sem o qual esse poder não se subsistiria.
Os problemas da cognição, embora passados ao largo do interesse de uma
grande maioria, representam uma realidade a ser considerada em todas as
circunstâncias da vida.
Para os fins do trabalho objeto da Tese, circunscreve-se sua relevância
dentro do aspecto forense no ato exclusivo de julgar ou decidir para alguns, em
cumprimento do exercício da jurisdição estatal, na medida em que a inteligência
humanamente produzida começa a sinalizar de modo a comprometer o sistema que
gerencia.
O âmbito do cotidiano jurídico supera a circunstancialidade, desde tenra data,
talvez por estar a serviço de um regime de privilégios em que o homem defendido ou
ao menos mencionado como detentor de direitos de uma defesa à ameaça ou lesão
de seus Direitos não passe de um ser abstrato, transitório e simultâneo aos olhos de
seu assemelhado, de seu outro (em gênero), que está legitimado a objetivá-lo pelo
poder da posição que ocupa e pelo limite do seu poder de conhecimento.
É importante a atenção nos detalhes da cognição humana, pois se encontram
presentes no cotidiano, portanto, são relevantes, essenciais e influenciam os
resultados da vida do homem, principalmente quando o conhecimento é convocado
pelo tribunal da razão para o importante ato de julgar.
391

Os pormenores proporcionados pelos detalhes contemplam elementos


constituintes de uma verdade que deve ser considerada e verificada se pode ser
sopesada como um padrão orientador. A questão em análise é a garantia, é a
validade do real alcance da verdade produzida pela cognição humana.
Se é possível avaliar as instabilidades e as adversidades que possam incidir
sobre a cognição do homem, isso se mostra uma atitude relevante, pois garantir a
estabilidade objetiva dos padrões de um conhecimento proporcionaria o afastamento
das arbitrariedades e toda a relatividade imposta pelas subjetividades e
pessoalidades comuns da cognição do homem.
Negar a inteligência humana, ao menos em tese, parece impossível, porém
afirmar que ela não apresenta critérios de estabilidade é uma certeza, talvez, seu
ponto mais delicado, frágil, e que exige importante atenção quando colocado na
posição de decidir a vida de outrem.
No âmbito do Poder Judiciário, que não difere de outras classes de
especialistas, a ortodoxia desses grupos que dominam o poder, e, no caso do
Judiciário, o poder de decidir ou julgar.
Esse órgão trouxe à sociedade, em uma viagem de mais ou menos 300
anos, problemas como a falta de confiança, a instabilidade, dentre outros fatores
que comprometem a hegemonia do Poder da Casa das Leis, forçando-nos a
concordar com que se trata de um problema do conhecimento do homem e sua
estrutura de funcionamento. Como bem esclarece Humberto Ávila (2008, p.75):

O importante é que a distinção entre as regras e os princípios remete a


conhecimento e capacidades diversos do aplicador, relativamente ao objeto
e ao modo de justificação da decisão de interpretação. As regras e os
princípios divergem relativamente à sua força justificativa e ao seu objeto de
avaliação.

O retrocesso apontado é significativo, pois registra-se o escancarado risco


para que se tenha medidas iguais e com pesos diferentes, o que não permite que
seja deixado no desconhecimento da falta de importância, passando a exigir
acurada atenção ao seu estudo científico no âmbito do Direito e da Justiça.
A limitação cognitiva é a causa das maiores injustiças que um poder pode
praticar, pois, o contrassenso já faz parte desde a concepção desse modelo de
conhecimento, à medida que a limitação existente faz com que o atributo “poder” não
possa predicá-lo, ou seja, “poder” limitado não é poder, mas “ditadura do poder”.
392

Significa dizer que o poder nasce da razão e não a razão do poder, todavia
que poder é esse cuja razão se vê limitada em sua própria essência em decorrência
da limitação cognitiva ou o exerce de forma incerta e imprevisível.
A manutenção e o predomínio do “poder” dado ao homem como elemento
central na operação do sistema judiciário, durante todo esse período noticiado, tem
relação com a ignorância de domínio de um tradicionalismo – e características dela –
ao não desapego proporcionado pela própria cátedra judiciária e seus protagonistas.
Isso comprova que os interesses grupais, em determinados momentos,
comportam-se com perversidade e obstam o desenvolvimento daquilo que acham
estar protegendo.
Verifica-se nesse aspecto certo comodismo daqueles que do sistema estão a
beneficiar-se. É um comportamento comum ao senso da individualidade, que
contraria o aspecto da coletividade e a hegemonização do sistema.
No âmbito do Poder Judiciário, o ato judicante de “poder” de decidir ou julgar,
além das condições do limite cognitivo já mencionadas, pedagogicamente sempre
que oportuno é reprisado. Ainda existe a impossibilidade do Estado/Juiz de
reconstruir os fatos: isso representa uma vã, vazia e postulatória tentativa da prática
desses atos.
Esse costume é comum no âmbito da Justiça, mesmo que de efeito material
de pouca positividade, porém ainda é realizado ritualisticamente, porque o
homem/Juiz, no exercício de suas atribuições, tem-se revelado um tirano com
relação ao ordenamento jurídico na medida em que o desconsidera.
Tem cultivado uma crença de ser ele a encarnação da lei, ou aquele que a
cada caso – visando à Justiça social – busca, segundo sua convicção, fazer o que
chama de Justiça, conforme esclarece Armando Castelar Pinheiro em artigo
científico sobre “Judiciário, Reforma e Economia: A Visão dos Magistrados”.259

259 “Sadek (1995) mostra que 73,7% dos juízes entrevistados “concordam inteiramente” ou
“concordam muito” com a opinião de que “o juiz não pode ser um mero aplicador das leis, tem de ser
sensível aos problemas sociais”, ainda que “apenas” 37,7% tenham se posicionado da mesma forma
sobre a opinião de que “o compromisso com a justiça social deve preponderar sobre a estrita
aplicação da lei”. Esses resultados contrastam com a visão tradicional que se tem dos juízes em um
sistema de civil law, preocupados, acima de tudo, com a correta aplicação da lei (ver Djankov et alii
(2001)]. Eles introduzem também a ideia de que a prática judiciária pode levar ao sacrifício da
previsibilidade, isto é, da certeza jurídica, em favor da justiça social. / A não-neutralidade dos
magistrados e outras questões por Sadek (1995) são retomadas por Vianna et alii (1997), que
analisam ampla pesquisa com 3.927 magistrados, 3.166 dos quais em atividade. Os magistrados que
participaram da pesquisa distribuem-se por todas as regiões do país e pelas justiças militar, federal,
trabalhista e estadual, e 2.947 dos respondentes pertencem a este último ramo do Judiciário.O tema
393

Isto porque o que se busca, em verdade, é reconstituir o evento concreto já


acontecido. Como isso é temporalmente impossível, os fatos narrados não podem
ser considerados como eventos concretos; são enunciados, embora, se houvesse
efetiva participação soberana volitiva das partes, poder-se-ia cogitar tal
possibilidade.
No mais, em complemento ao arriscado tipo de prestação jurisdicional
ofertado, ainda habita a lindeira ausência de fidelidade aos dispositivos jurídicos pela
omissão ou pela supressão.
Como é evidenciado por intermédio do recente caso objeto de julgamento
pelo Estado/juiz que abaixo se transcreve a síntese, o que comprova a manutenção
do comportamento já noticiado recortado do objeto de pesquisa trazido a baila por
Castelar quanto ao Judiciário, Reforma e Economia: A Visão dos Magistrados
datado de 2003.260
Portanto, sendo mais um dos elementos limitantes para a condição de quem
julga, misteriosamente realizado nas cercanias judiciárias, expõe a crise da
segurança e da confiabilidade do sistema.

da neutralidade é introduzido em duas questões da pesquisa. A primeira delas, cujas respostas são
reproduzidas na Tabela 1, mostra que 83% dos magistrados concordam com a assertiva de que “o
Poder Judiciário não é neutro, e que em suas decisões o magistrado deve interpretar a lei no sentido
de aproximá-la dos processos sociais substantivos e, assim, influir na mudança social”. Observe-se
ainda que essa posição é amplamente majoritária entre os magistrados de primeiro e segundo graus
e entre os ministros de tribunais superiores (PINHEIRO, Armando Castelar. Texto para discussão nº
966. IPEA. Rio de Janeiro, jul. 2003, p. 6. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0966.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2015)”.
260 “Liminar garante a uma paciente fornecimento de substância pela USP- São Carlos. / O ministro
Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar suspendendo decisão do
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que impedia uma paciente de ter acesso a substância
contra o câncer fornecida pela Universidade de São Paulo (campus de São Carlos). No caso em
questão, a Presidência do TJ-SP havia determinado a suspensão da tutela antecipada anteriormente
concedida pelo juízo da Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Carlos que garantia o
fornecimento à paciente da fosfoetanolamina sintética. / No entendimento do ministro, proferido na
Petição (PET) 5828, o caso apresenta urgência e plausibilidade jurídica, o que justifica a concessão
da liminar. O tema relativo ao fornecimento de medicamentos sem registro na Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) aguarda pronunciamento da Corte em processo de repercussão geral
reconhecida – Recurso Extraordinário (RE) 657718 – o que garante plausibilidade jurídica à tese
suscitada no pedido. “O fundamento invocado pela decisão recorrida refere-se apenas à ausência a
ausência de registro na Anvisa da substância requerida pela peticionária. A ausência de registro, no
entanto, não implica, necessariamente, lesão à ordem jurídica”, afirmou o ministro. Quanto ao
periculum in mora, ele destacou que está evidente nos autos a comprovação de que a espera de um
provimento final poderá tornar-se ineficaz (PINHEIRO, Armando Castelar. Texto para discussão nº
966. IPEA. Rio de Janeiro, jul. 2003. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0966.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2015)”.
394

Volta e meia estão ou voltam a se realizar, em nítida manobra do sistema,


sobre os auspícios do “argumento da interpretação”, para se justificar uma Justiça
social com distorções acentuadas do referencial da Justiça de Direito ou do Estado
de Justiça social de Direito. A respeito, Marx e Hillix, dialogando com Edwin Guthrie,
são categóricos:

Edwin Guthrie foi um psicólogo que afirmou, clara e vigorosamente, que


tanto os fatos como as teorias são verbais. Sabemos que algumas coisas
originalmente aceitas como fatos são mais tarde rejeitadas; assim, parece
que os fatos não podem ser considerados sinônimos de eventos concretos.
Os eventos não podem ser “verdadeiros” agora e tornar-se logo “falsos”,
embora os enunciados e seu respeito possam ser aceitos num determinado
momento e não num outro. Eis o que Guthrie teve a dizer-nos sobre o
assunto (1946, pág.1): Os objetos e eventos não são fatos, eles são,
meramente, objetos e eventos. Só passam a ser fatos depois de serem
descrito por pessoas. E é na natureza dessa descrição que reside a
quintessência do fato. Só quando um evento recebe um gênero muito
específico de descrição é que se converte num fato. Quando dizemos,
“Passemos agora aos fatos”, o que estamos dizendo é muito mais de que
devemos observar, ou ouvir, ou cheirar, ou tocar em objetos reais, ou de
que devemos todos observar um acontecimento. O que realmente estamos
propondo é que procuremos todos descobrir certos enunciados sobre os
quais possamos concordar unanimemente. Os fatos são a base da
cooperação humana.261

A tentativa de vencer as condições limitativas da cognição para certificar-se


do conhecido e ultrapassá-lo faz do processo de observação na formação da relação
processual, ou seja, da construção dos fatos por intermédio do Estado/Juiz uma
condição de incerteza.

261 E complementam os mesmos autores (2008, p. 18): “Esta concepção dos fatos rouba muito da
solidez e imutabilidade que frequentemente consideramos que eles possuem. Vacas e corpos
cadentes não são fatos; só os enunciados ou descrições feitas sobre eles são fatos. Como os fatos
são verbais, a maneira como eles são enunciados ou descritos é arbitrária. Aos enunciados a que
chamamos fatos também costumamos chamar “verdadeiros”; assim, a verdade, tal como a usamos a
palavra, terá o mesmo elemento de arbitrariedade e de relatividade que os fatos têm. O que é
verdadeiro para um grupo de pessoas pode não ser verdadeiro para um outro grupo. Além disso,
para qualquer grupo de pessoas os fatos mudam e a verdade muda, quando reformulamos os nossos
enunciados sobre o universo e à medida que os nossos conhecimentos aumentam (MARX, Melvin; H;
HILLIX, William. A. Sistemas e teorias em psicologia; tradução Alvaro Cabral. 17. ed. São Paulo:
Pensamento/Cultrix, 2008, p. 18)”.
395

É uma construção realizada de forma arbitrária por esse agente do Estado,


valendo-se dos recursos cognitivos daquele instante. Isso por ser tal processo
gestado a partir da relação entre observação e experiência, e nessa relação tem-se
uma mescla de pessoalidade e subjetividade que compromete a estabilidade do
processo da construção do fato e toda a cadeia até o ato decisório. 262A influência
sobre os sentidos e sobre a observação dos sentidos do homem, além de uma
detida observação de como ele constrói ou reconstrói suas convicções, reflete
incontestavelmente como esse homem organiza suas ideias, seus pensamentos e
trata das questões objetivas apresentadas.
Em verdade, as objetividades da realidade social são perfilhadas por suas
pessoalidades e subjetividades, por isso, a denúncia ao formalismo tem-se
incendiado nas últimas décadas em detrimento do materialismo urgente exigido, e
pouco concretizado.
Isso acontece pela forma como este “Ser” enxerga, encara e constrói o
mundo que habita. Segundo Barroso, tal problema tem fundamento vinculado ao
materialismo histórico marxista, às descobertas científicas e à psicanálise freudiana,
conforme esclarece em citação de fôlego.263

262 Envolvendo essa temática, esclarecem Borkowski: “Uma dificuldade importante surge a respeito
dos fatos porque a observação é sempre a soma das experiências imediatas de alguém e das várias
operações mentais que se seguem logo às experiências para proporcionar identificação e
interpretação. Como assevera Agassi (1966), “não há fatos indiscutíveis nem fatos inidôneos”, o que
quer dizer que os fatos conhecidos mediante observação contêm as concepções ideológicas e as
tendências teóricas do cientista, bem como as sensações puras. Consequentemente, o sentido de
qualquer observação, sejam quais forem as condições em que ela se faz, é determinado, em parte,
pelas teorias e concepções do mundo a que está ligada (Feyerabend, 1970). Corrobora essa noção a
pesquisa que ora se realiza sobre a memória e que mostra poderem os planos mentais ou pontos de
vista que representam nossas concepções do mundo determinar a maneira com que descrevemos
nossas percepções. A influência dos nossos pontos de vista sobre o que observamos nos leva a
reconstruir o significado dos eventos à luz da nossa concepção do mundo (Bransford&McCarrell,
1974) (BORKOWSKI, John G.; ANDERSON, Chris D. Psicologia experimental: táticas de pesquisa
do comportamento; tradução Octavio Mendes Cajado. São Paulo, Cultrix, 1977, p. 12)”.
263 “Sem enveredar por um debate filosófico feito de sutilezas e complexidades, a verdade é que a
crença iluminista no poder quase absoluto da razão tem sido intensamente revisitada e terá sofrido
pelo menos dois grandes abalos. O primeiro, ainda no século XIX, provocado por Marx, e o segundo,
já no século XX, causado por Freud. Marx, no desenvolvimento do conceito essencial à sua teoria –
materialismo histórico – assentou que as crenças religiosas, filosóficas, políticas e morais dependiam
da posição social do indivíduo, das relações de produção e de trabalho, na forma como estas se
constituem em cada fase da história econômica. Vale dizer: a razão não é fruto de um exercício de
liberdade de ser, pensar e criar, mas prisioneira da ideologia, um conjunto de valores introjetados e
imperceptíveis que condicionam o pensamento, independetemente da vontade. / O segundo abalo
veio com Freud. Em passagem clássica, ele identifica três momentos nos quais o homem teria sofrido
duros golpes na percepção de si mesmo e do mundo à sua volta, todos desferidos pela mão da
ciência. Inicialmente com Copérnico e a revelação de que a Terra não era o centro do universo, mas
um minúsculo fragmento de um sistema cósmico de vastidão inimaginável. O segundo com Darwin,
que através da pesquisa biológica destruiu o suposto lugar privilegiado que o homem ocuparia no
396

Nesse cenário, influenciável e muitas vezes com o entendimento sodado por


fatores que o afastam da luz do dispositivo, o Estado/Juiz deixa de cumprir seu ofício
como funcionário categorizado e responsável pelo ato de decidir conforme a lei.
Enquanto interposto em nome do Estado, põe-se no meio da sociedade
tendo como missão, em determinada circunscrição, exercer seu poder de jurisdição
para a pacificação social mediante a aplicação das regras normativas previstas no
ordenamento do Direito, o que por vezes não acontece.
O Juiz, ao negar o Direito, em que pese a necessidade Constitucional pela
fundamentação, ou melhor, a justificativa da sua justificação (decisão concreta)
conjugada a seu livre convencimento no exercício da sua posição, por vezes se
desancora da lei.
Tal fenômeno invariavelmente acontece porque sua capacidade cognitiva em
integração dos conhecimentos corrobora no sentido de que o direito de acesso ao
Direito não se pontifique, pois nem sempre sua capacidade cognitiva atinge esse
nível de conectividade, deixando para trás o jurisdicionado e o Direito.
A negação ao Direito somente é racional(compreensível)se considerada pela
sua limitação cognitiva diante do seu limitado espectro de formação sobre o seu
próprio mundo, enquanto é irracional, se – e somente se – for mensurada a partir de
uma visão de integração, padronização e uniformização do sistema normativo, por
obrigatoriedade legal.
Essa condição, enquanto regra condicionante da vida em sociedade, que sua
condição não permite concretizar, diante da complexidade em todos os sentidos que
envolvem a vida pós-moderna a qual leva ao náufrago sua tentativa em interpretar a
lei, aproxima-a da realidade social. Segundo Arendt. (2003, p. 34),

Hoje, tal suposição se impôs amplamente dentro dos estabelecimentos de


ensino acadêmico, como se pode reconhecer pelo fato de as disciplinas que
têm a ver com a história do Mundo e com aquilo que sucede nela terem sido
diluídas primeiro nas ciências sociais e depois na psicologia. Isso não
significa nada mais do que a renúncia do estudo “histórico” do mundo.

âmbito da criação e provou sua incontestável natureza animal. O último desses golpes – que é que
aqui se desejaria enfatizar – veio com o próprio Freud: a descoberta de que o homem não é senhor
absoluto sequer da própria vontade, de seus desejos, de seus institos. O que ele fala e cala, o que
pensa, sente e deseja é fruto de um poder invisível que controla seu psiquismo: o inconsciente
(BARROSO, Luís Roberto (Org). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos
fundamentais e relações privadas. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 6)”.
397

A tentativa de fazer o sistema normativo ter funcionalidade efetiva a partir de


um sistema operacional já superado – por intermédio da criação de mecanismos
jurídicos ultrapassados nas atuais circunstâncias – revela que em muitos aspectos o
homem, para muitas das funções que ocupou no passado, chegou a seu limite e
precisa reconhecer esse fenômeno, ou o futuro não acontece em seu presente,
levando ao sacrifício de si e de seus assemelhados.
Tal comportamento, contrário às novas tendências, tal postura quixotesca do
pensar estar imerso na racionalidade imutável ou, quando muito, salvadora dos
modelos obsoletos.
Negando com esse comportamento uma satisfação do próprio Direito e que a
Justiça aconteça a partir de seus próprios interesses, exige providências ativas a
partir de ações concretas, com isso se afastando da menoridade individualista em
detrimento de uma maioridade que visa à coletividade. Para isso, é necessário que
se emancipe. Reconhecer a insuficiência e a falibilidade é o primeiro passo para a
emancipação.
Isso demonstra que o conhecimento gestado por séculos no constructo dos
sistemas teórico-normativos representa o nível máximo do patrimônio da sociedade
como esquema sistêmico teórico-normativo para a resolução de conflitos.
Todavia, ao mesmo tempo exige que esse arcabouço seja
democramecanizado por intermédio de uma tecnologização não humana, capaz de
integrar, unificar e uniformizar todo o sistema teórico-normativo.
Assim, dando à sociedade a previsibilidade clara e exata das regras legais
que regulam as relações sociais e com elas a efetiva certeza jurídica que são
funcionais ao balizamento comportamental, a fim de sedimentar uma Justiça de
extensão social.
A Justiça, visto ser movimentada com o objetivo de concretizar-se, busca, em
última instância, a aplicação de uma lei ou leis, o reconhecimento normativo de
regras que regularizam a pretensão do agente.
398

É o Direito concreto, é a cristalização da Justiça enquanto resultado efetivo da


alquimia fundida entre o Direito e o mundo, esse ocupado pelo “indivíduo”, não mais
pelo singular no sentido literal, mas uma nova versão do singular, do singular
coletivo, uma espécie de universal humano, na medida em que todos estão
vinculados pelas mesmas causas, efeitos e conseqüências. Há, por isso, a
necessidade de um sistema macro cognitivo que possa conectar, integrar e
universalizar as adversidades advindas da coletivização das massas.
O Estado, sob esse aspecto, vê-se no dever/fazer de uma proteção
fiscalizatória, reparatória e, quando inevitável, modificatória de paradigmas.
Reconstruir o Direito e a Justiça é uma incumbência que somente àquele é
reservada.
Considerando-se as razões históricas de sua existência que o legitimam a
convocar mudanças e fazê-las acontecer sempre que essenciais ou necessárias em
seu ato maior de liderança das questões do Estado, cumprindo assim sua verdadeira
função, conforme preceitua sua teoria, como esclarece Dalari (2015, p. 17):

Basta isso para se perceber que para a formação do jurista contemporâneo


o estudo da Teoria do Estado é indispensável. O Estado é universalmente
reconhecido como pessoa jurídica, que expressa sua vontade através de
determinadas pessoas ou determinados órgãos. Nesse dado é que se
apoiam todas as teorias que sustentam a limitação jurídica do poder do
Estado, bem como o reconhecimento do Estado como sujeito de direitos e
obrigações jurídicas. O poder do Estado é, portanto, poder jurídico, sem
perder seu caráter político.

Nesse âmbito de poder fazer, o Estado está vinculado à lei; sua


desconsideração é fragmentar as teorias que o justificam enquanto poder de direitos
e obrigações como verbalizado.
Sendo, portanto, o poder do Estado o poder jurídico, significa dizer que o
“jurídico” é o que o faz realizar suas atribuições nos limites do que o sistema jurídico
permite em toda a sua estrutura ordenamental
Existe o dever de reestruturar e/ou implementar ações, modelos, pouco
importando o modo e a forma, desde que legais, previstos e públicos, pois o
cidadão, enquanto administrado, exige e cobra por um resultado prático concreto
também na ordem legal.
399

Sendo assim, em sendo o modelo da Justiça judiciária existente inadequado


aos fins e propósitos de sua responsabilidade maior, é inevitável a obrigação de que
sejam realizadas as medidas que proporcionem uma melhor solução e que essa se
concretize. Nesse aspecto, são inquestionáveis as lições de Goldstein (2008, p. 21):

[...] a inevitável incompletude até de nossos sistemas formais de


pensamento, isso demonstra que não existe um fundamento sólido que
sirva de base a qualquer sistema. Todas as verdades – mesmo aquelas que
pareciam tão certas a ponto de serem imunes a toda possibilidade de
revisão – são essencialmente manipuladas. De fato, a própria noção da
verdade objetiva é um mito socialmente construído. Nossas mentes
cognoscentes não estão entranhadas na verdade. Pelo contrário, toda a
noção de verdade está entranhada em nossas mentes, elas próprias os
laicos involuntários de formas organizacionais de influência. A epistemologia
nada mais é que a sociologia do poder. Assim é, de certa forma, a versão
pós-moderna de Godel.264

Portanto, ainda distante de uma teoria da mente humana, ciente de que ela
não pode ser um sistema digital – um computador – e esclarecido de que a reflexiva
e densa descoberta da verdade é um ato próprio e exclusivo do ser humano.
Tal circunstância força a observação concreta de que essas afirmações a
priori não negam sua oposição – seria plenamente possível que em um dado
momento isso possa acontecer – na medida em que uma teoria de mente viesse a
desmistificar “os processos de descobertas”, considerando-se a limitação conclusiva
até o momento aceita.
Por outro lado, é cediço que a mente humana, dada sua natureza, é
vulnerável e suscetível às mais diversas formas de deformações quanto às ideias e
formas de pensamento que possa produzir.

264 No mais, complementa a mesma referência com Adorno em Godel, senão vejamos: “Outros
pensadores argumentam que, no tocante à natureza da mente humana, as implicações dos teoremas
de Godel apontam para uma direção totalmente diferente. Por exemplo: Roger Penrose, em seus dois
best-sellers, Theemperor’s news mind. A mente nova do rei] e Shadow softhe mind Sombras da
mente], tornou os teoremas da incompletude fundamentais ao seu argumento de que nossas mentes,
sejam lá o que forem, não podem ser computadores digitais. O que os teoremas de Godel provam,
afirma, é que, mesmo em nosso pensamento mais técnico, regido por regras – ou seja, a matemática
–, os processos de descoberta da verdade não podem ser reduzidos a procedimentos mecânicos
programados nos computadores. Observe que o argumento de Penrose, frontalmente oposto à
interpretação pós-moderna do parágrafo anterior, entende que os resultados de Godel deixaram o
conhecimento matemático em grande parte intacto. Os teoremas de Godel não demonstraram os
limites da mente humana (basicamente, modelos que reduzem todo o pensamento ao “seguir regras”.
Não nos deixam a deriva na incerteza pós-moderna, mas negam uma particular teoria da mente)
(GOLDSTEIN, Rebecca. Incompletude: a prova e o paradoxo de Kurt Gödel; tradução Ivo
Korytowski. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 21)”.
400

Sendo assim, para afastar-se de uma forma mais segura da falibilidade e


insuficiência da mente humana, é possível, a partir de um mundo em que as ações e
os problemas já previstos com regras de correção pré-definidas e (valoradas) sejam
mediadas por uma forma inteligente não humana.
Que não busque a verdade, como fruto de uma construção interpretada,
considerando as peculiaridades da inteligência humana, mas tão somente a aplique
à verdade (definida), a partir de critérios lógicos predefinidos, o que não colocaria em
rota de colisão as respectivas inteligências, considerando a logicidade de cada uma
delas.
A manutenção segura da relação entre a inteligência da descoberta e a
inteligência da procedibilidade predefinidas pelas razões de sua natureza
categorizadamente organizadas a partir dos algoritmos de uma linguagem
tecnológica garantiria a simbiose das inteligências e, com isso, a segurança pela
previsibilidade dos resultados na esfera do Direito e da Justiça.
Dessa forma, distanciando-se da instabilidade do poder judicante em que o
homem participa como peça central da mediação, de forma não neutra conforme
estudo científico resvalado.
No processo de mediação, esse ator se vale de uma verdade semântica, a
qual inevitavelmente produz resultados incertos, fraturando quase sempre a
previsibilidade do resultado almejado, mesmo que a baliza esteja fincada
meridianamente na lei.
Em outra forma inteligente, em que os valores encontram-se preestabelecidos
e definidos, o critério de dedutibilidade ou verdade dedutiva garante uma maior e
mais acentuada previsibilidade nos resultados.
Porque a suficiência das informações e dos dados encontra-se disponível e
em constante manutenção pela retroalimentação do sistema, seja pelo ato próprio
da ação humana, seja pelas formas tecnológicas estruturais instrumentais da
integração, da unificação e da uniformização das bases cognitivas cibernéticas.
É perceptível que o atual sistema de Justiça ofertada pelo Estado, além de
ineficiente por todas as mazelas adjetivadas existentes as quais ganham corpo nos
comentários midiáticos diante do caos social estabelecido.
401

Ainda demonstra estar na contramão da modernização, numa espécie de


antimodernidade, contribuindo com a não emancipação da sociedade, na medida em
que a atitude postural paternalista do Estado/juiz o faz viver no imaginário de que,
além de estar fazendo Justiça, está estabelecendo a paz social. A esse respeito, as
lições de Rouanet são categóricas (2003, p. 122):

Quando verbaliza que “mas também não é moderna, no sentido iluminista,


quando a autonomia dos indivíduos se subordina à eficácia dos sistemas”.
Pior que se submeter à eficácia dos sistemas é a realidade vigente em que
os indivíduos encontram-se substituídos em suas pretensões legítimas,
onde a instabilidade do sistema, além de colocar o Estado/Juiz como parte,
interposto na entrega da Lei ou sua aplicação, como verdadeiro legitimado
substituto mandatário na entrega do resultado legal, enfrenta o risco maior
da subjetivação do interesse como se a decisão tomada fosse a si próprio e
não de quem pleiteia.265

Não se discute sobre condená-lo ao degredo, ao contrário, a incineração


dessa espécie virótica precisa ser dizimada, a ponto de tornarem-se as instituições
sociais, os órgãos e as demais espécies de poder do Estado imunizadas desse mal,
que remonta aos séculos remotos, chegando a nossos tempos.266

265 A antimodernidade ainda é destacada por Rouanet com objetividade descritiva: “Para a
modernização funcional, racionalizar significa injetar a razão instrumental nos mecanismos decisórios
da empresa ou do Estado. Para a modernização iluminista, racionalizar significa, também, injetar a
razão emancipatória no próprio tecido da organização social. Conceito de modernização iluminista
não é uma construção arbitrária. Ele foi derivado das três configurações históricas que servem de
substrato à ideia iluminista: a ilustração, o liberalismo e o socialismo. / A ilustração é o primeiro elo
dessa sequência histórica. Ela propôs um grande projeto de modernização do Ocidente, no qual
figuram pela primeira vez os objetivos gêmeos da eficácia e da autonomia. Enquanto “herdeiros” da
ilustração, o liberalismo e o socialismo incorporam à sua maneira esses dois vetores, atualizando-os,
redefinindo-os, aprofundando-os, adaptando-os e concretizando-os em maior ou menor grau em seus
respectivos processos de modernização. / O maniqueísmo infindável entre o tradicionalismo arraigado
em nossas instituições precisa ser banido, dando passagem para a pós-modernidade e com ela as
novas tendências e os novos paradigmas (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade:
ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 122)”.
266Como cita Rouanet: “[...] os parlaments representavam todas as irracionalidades do velho aparelho
judiciário, com sua processualística ineficiente, as demoras intermináveis no julgamento das causas,
o uso do direito costumeiro, a não-proporcionalidade entre a pena e a culpa, e as práticas de
apuração dos fatos, como a tortura, que só excepcionalmente podiam levar à descoberta da verdade.
Além disso, atacar os parlaments era contribuir do modo mais decisivo não só para a modernização
da máquina judiciária em si, mas para a modernização social em seu conjunto, porque eles
encarnavam em sua pureza os entraves à modernidade representados pelo sistema de privilégios,
pela divisão da sociedade em ordens, pelo provimento de cargos segundo critérios econômicos e
estamentais – em suma, eram a própria essência da dominação tradicional, bloqueando o advento
da dominação legal, ponto terminal da modernização política (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na
modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 153)”.
402

O compromisso com a indolência provocada pelo amainamento da tradição


consolidou grande parte do retrocesso, propiciando que os problemas, além de se
avolumarem, tratassem de ser a causa e a justificativa de outros problemas, como o
atraso, bem como tornando-se responsável por diversos outros questionamentos.
Não que o questionamento advindo da liberdade de expressão não seja
legítimo, como um dos elementos do Estado Democrático de Direito, comum nos
ambientes em que a liberdade da vivência e da convivência em sociedade é
destaque.
Todavia, na medida em que a normalidade começa a dar espaço para a
anormalidade, esses sintomas veiculados pelos meios de comunicação sociais
existentes registram de uma certa forma a falta de estabilidade no funcionamento do
sistema.
Nota-se que a metodologia e sua funcionabilidade estão cada vez mais
comprometendo a Democracia e os valores defendidos por ela, como verbaliza
Assagioli (1973, p. 25-26):

Esta qualidade da vontade é demonstrável principalmente no estágio de


deliberação. A falta de decisão e resolução é uma das fraquezas dos
sistemas democráticos, nos quais a deliberação tende a ser um processo
sem fim. Sabemos o quanto é difícil induzir uma grande assembleia e
chegar, se não à unanimidade, pelo menos a uma decisão majoritária.
Existem exemplos históricos conhecidos da ineficácia das assembleias; um
deles refere-se ao Senado Romano: dizia-se que Dum Roma e consultur,
Seguntum expugnatur: “Enquanto os Senadores romanos extravagam-se
às consultas, o inimigo conquistava a cidade de Seguntum”. O outro
exemplo engraçado é o dos cardeais reunidos para eleger um papa, em
Viterbo. Discutiram e contenderam durante meses, até que finalmente o
povo se impacientou e, irritado, destelhou a sala onde estavam reunidos os
cadeais. Depois disso, eles chegaram logo a uma decisão.

A burocracia empreendida pelo sistema é indutora do negligenciamento do


ato de decidir; o decidir errado ou equivocadamente em muitos aspectos tem relação
com o tempo levado em todas as fases que o sistema absorve para sua efetiva
conclusão.
Portanto, quando do evento, por vezes a substancialidade alcançada já se
encontra dissipada, pois a busca pretendida no sentido de obter-se um resultado
positivo, estável e equânime não aconteceu.
403

O modelo de procedibilidade dos atos ao reconhecimento, a análise, a


avaliação e a integração de todos os dados e informações são morosos porque
ainda dependem em grande parte da intervenção humana nos atos preparatórios,
organizatórios, fiscalizatórios e decisórios.
Uma outra questão relevante focada na demora de decidir converteu-se em
um entrave da própria decisão. Quando se atrasam duas coisas, nenhuma delas
acontece, ou seja, a ação para a realização do ato e o ato que se espera em si.
Esse episódio tem sido nas últimas décadas muito prejudicial ao sistema da Justiça
judiciária.
Com isso, é possível deduzir que o desejo de falar-se em Justiça, em fazê-la,
em defendê-la tornou-se um discurso vazio e irreal frente à falta de existência
concreta de sua realização no plano da realidade judiciária.
Gerando quase sempre uma espécie de razão cínica pela aceitação das
condições negativas, uma rendição da razão no sentido de que o modelo é o único
proporcionado, devendo ser aceito sem ressalvas, em uma modalidade de
inadmissibilidade de comportamento diverso imposto pelo atual sistema.
O cenário da Justiça composto por coisas e pessoas nos moldes existentes
não pode deixar de ser considerado como um modelo, embora coerentemente
questionado por ter-se tornado ultrapassado frente à nova realidade social.
O mapeamento realizado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) forja uma
aparente realização de Justiça a partir de números e de uma tentativa de implantar
no sistema uma forma moderna de administrar, a qual não passa de resultados
estatísticos no cumprimento de metas formais, que já se encontram engessados por
ausência de mecanismos capazes de absorver a demanda a que é submetido.
Uma quase transmutação empresária ao negócio público, por intermédio de
uma gestão em administração do Poder Judiciário, contém planejamento, controle,
metas, dentre outros mecanismos inerentes a uma gestão.
No entanto, em que pese a intencionalidade positiva, a aplicação das leis
ainda se vê frustrada dentro dessa proposta de gestão da Justiça, na medida em
que a legitimidade passa a ser questionada pela forma como é aplicada –
parcialidade, imprevisibilidade, incerteza, gerando com esses resultados uma
desobediência em vários sentidos ao próprio sistema.
404

A lei, neste contexto, também deixa de acontecer no plano da realidade


porque a sociedade, por mais que esteja recrudescida pela ignorância
proporcionada pelo Estado em sua formação, encontrou pelos canais tecnológicos o
acesso ao mínimo de informação, embora pouco em formação.
Esse novo canal tem promovido se não realização por mudanças ao menos o
questionar (por expressões de insatisfações diversas) para as mudanças
acontecerem no campo da Justiça.
A Justiça externalizada, ou seja, a verbalizada no cotidiano é de natureza
semântica, das palavras, dos discursos infindáveis, das sessões sacralizadas pela
exorcização do tempo quando os pares e toda a multidão se dispersam em seus
smartfones, tablets, notebooks e ao final aplaudem com o vigor erudito da bela
aparência, pouco se importando com a constatação da realidade, em uma espécie
de cristalização da descrença, de que algo efetivo possa acontecer.267Esse ponto ou
muitos dessa natureza se limitam à visão de parte da totalidade, que se reduz a
justificar em afirmar que o limite do conhecimento produz muito mais injustiças do
que Justiças.
Tal posição exige uma revisão na forma de encarar a realidade da Justiça,
pois o problema não é a Justiça, mas sim a forma como está estruturada (aspectos
fundantes da construção): organizacionalmente e operada, ainda calcada nos
moldes dos séculos passados.
O crescimento demográfico, as diversidades culturais, a globalização, a
internacionalização, a mundialização, o rompimento das culturas, as mutações e
com esses fenômenos as complicações advindas da complexidade das relações
sociais, a escalabilidade destacada pelas grandes massas, as variáveis invisíveis
que se multiplicam em problemas diversos dos previstos e ao mesmo tempo
definindo situações predefinidas conjugadas com a demanda crescente geram

267Para Wilber, isso é: “Nosso problema, aparentemente, é que criamos um mapa convencional, com
seus limites, do verdadeiro território da natureza, que não tem limites, e depois confundimos
completamente os dois. Como Korzybski e os semantistas gerais demonstram, nossas palavras,
símbolos, sinais, pensamentos e ideias são apenas mapas da realidade, não a própria realidade,
porque “o mapa não é o território”. A palavra “água” não mata nossa sede. Mas vivemos num mundo
de mapas e palavras como se fosse o mundo real”. Ainda para o autor (2007, p. 32): “[...] quando se
cinde o universo em sujeito e objeto, num estado que vê e num estado que é visto, alguma coisa
sempre fica de fora. Nessas condições, o universo “sempre se esquivará parcialmente a si mesmo”.
Nenhum sistema observador pode observar-se enquanto observa. O vidente não pode ver-se vendo,
todo olho tem um ponto cego (WILBER, Ken. A consciência sem fronteiras: pontos de vista do
Oriente e do Ocidente sobre o crescimento pessoal; tradução Kátia Maria Orberg; Eliane Fittipaldi
Pereira. São Paulo: Cultrix, 1979, p. 45)”.
405

instabilidade a uma Justiça construída a partir dos critérios e dos interesses das
classes elitistas e do próprio Estado.
Trata-se de um sistema que surgiu – e não há como esconder, porque a
história é a maior delatora – pelos interesses dos grupos minoritários que
comandavam a política, a economia e os demais postos de comando em tempos
passados, uma Justiça de natureza tipicamente colonial, cultivada sobre o solo
burocrático.
A linguagem, a forma de tratamento, a rotinização, os rituais e as
formalidades são indícios de que existe toda uma codificação para aproximação, de
modo a opor obstáculos para acesso ao processamento e ao alcance dos resultados
sociais.
No campo do ato de julgar, a contaminação com o sistema operacional é
instável e insegura, porém ainda é reservada a cota de conformidade, por certo, pela
fácil influenciabilidade intuitiva em que o homem enquanto ator e receptor das
decisões se encontra imerso.
A certeza já não é tão certa, porque, além de questionada, começa nos novos
tempos a ser objeto de estudos científicos. Além do mais, com a integração das
cognições, os sistemas, sejam quais forem suas funções, passaram a ser
convocados a prestar contas ao atendimento dos resultados concretos, que
estiveram a tutelar.
A sabotagem da inteligência humana e das demais faculdades que lhe
outorgam o status de um Ser racional se fragiliza por vários meios: nos atos de
pensar, de refletir e de decidir, passando a exigir um modelo em substituição que
atenda aos problemas até então não resolvidos, e que implique prejuízos aos que
dependem de uma Justiça que vem atendendo muito bem aos critérios de letargia,
com ausência de neutralidade, rica em parcialidade e paupérrima em eficácia.
Ela sacrifica a previsibilidade e prejudica uma certeza jurídica em detrimento
de uma Justiça social conforme verbalizado por Pinheiro em estudo já passado.
Os problemas tidos em decorrência da falibilidade da razão cognitiva são
vieses que entremeiam de forma refratária e silenciosa a mente do homem, porque é
um Ser com limitações, porém relegado em segundo plano pela sociedade. Durante
muitos anos, a sociedade atribuiu as falhas, os erros e os equívocos a outras
causas, tais como problemas espirituais, sociais, raciais, dentre outros.
406

A substituição heurística, promovida pela retórica nas resoluções dos


problemas, diante do desconhecido, operou como facilitadora e ao mesmo tempo
substituta de uma decisão por outra em decorrência da associação que se realiza
dentro do limite da capacidade cognitiva da memória.
Essa limitação encontra-se presente no ser humano, uma vez que ele ousa
dela sempre desacreditar, isso porque sua condição de insuficiência, ou melhor, a
ignorância – em não se conhecer – revela-se como algo peculiar que a grande
maioria das pessoas pensam não possuir em si mesma.
A racionalidade humana dificilmente visualiza o mundo de forma sistêmica, o
que representa um outro problema da cognição do homem, portanto sua natureza
não projeta integração, unificação e uniformização, uma vez que sua visão é parcial:
a partir de uma visibilidade obtida das partes do mundo que habita, passa a ter na
parte, um todo.
Semelhante perfil contribui para que o foco de seu campo visual, além de ser
estreito, contribua para um certo déficit de perda no campo periférico. A percepção
tida é critério que contribui para escapar da verdade e acreditar na ilusão.
A facilidade na associação das ideias para a obtenção de pensamentos e
obtenção de conclusões muitas vezes está contaminada por informações falsas que,
devido ao limite do conhecimento fazem com que o caminho que se apresenta como
verdadeiro seja na verdade uma intuição aparente gerada pela ilusão da percepção,
comprometendo assim a inteligência e o pensamento.
Por isso, a assertiva de que “o Poder Judiciário não é neutro, e que em suas
decisões o magistrado deve interpretar a lei no sentido de aproximá-la dos
processos sociais substantivos...” é um risco ao próprio ordenamento jurídico que se
vê, referem-se à imprevisibilidade e à incerteza.
A estrutura da forma de pensar e de como pensar a Justiça junto ao Poder
Judiciário, ou como ele se forma, a partir do ordenamento jurídico que a cada ano se
torna ainda maior.
407

Vem ao longo dos anos sendo uma causa não tratada pelo sistema judiciário,
aliás de en passanta pífia literatura séria existente no Brasil delata que o Judiciário é
um sistema com ínfimo estudo científico voltado para o seu próprio conhecimento. É
o que retratam os estudos de Faria nos idos dos anos de 1990 sobre: “O Poder
Judiciário no Brasil: Paradoxos, Desafios e Alternativas” (1996, p.19)

Diante desse cenário, o Estado brasileiro parece estar chegando ao limite


ou esgotamento de seu processo de intervenção fiscalizadora e reguladora
na sociedade, na medida em que sai atuação tem sido pautada por
diretrizes desordenadas e erráticas, que o impedem de corrigir as graves
distorções sociais, regionais e setoriais, de assegurar um mínimo de
organicidade e coerência lógico-formal em seu ordenamento jurídico e de
formular um projeto jurídico político minimamente consistente para a nação.

Isso significa que nas últimas décadas todas as mudanças de lei ou reformas
não alteram a autoridade de quem aplica a lei ou consideram quantitativa ou
qualitativamente a estrutura, o hábito da judicialidade nacional, o investimento e
outros fatores preponderantes, nem tampouco avaliam se sua utilidade operacional
encontra-se no campo da concretização de forma satisfatória, com isso, perdendo
força as vozes que vociferam contra problemas contundentes existentes.
Muitos aplicadores, quando do processo legislativo, ao acompanharem a
tramitação legal, já se posicionam por negar o imperativo da lei por causas pessoais
e subjetivas que abalam sua convicção, tirando do sistema a estabilidade padrão
que se defende e que é vital para que a instituição do Poder Judiciário possa gozar
de respeitabilidade. Melhor explicando, se a instabilidade parte endogenamente do
Poder Judiciário, em que condições ficam a relação exógena com este “poder”?
Portanto, a contaminação de negativa do Direito é um germe que está
embrionariamente instalado no próprio Estado/Juiz, na medida em que ele questiona
a normatividade da lei ou opera na função de parte, na reconstrução do fato de que
ele nunca foi parte sob o manto do mito da imparcialidade e da neutralidade ou se
apresenta como um genuíno intérprete da lei para o alcance da Justiça.
408

Esse influenciar ou não está no domínio, no controle da decisão como


destacado por Kahneman,268 em sua obra premiada com o prêmio Nobel de
Economia. Nessa citação, fica evidente que a sedução da ilusão e do controle da
percepção são fatores que influenciam uma posição sobre determinado objeto, de
cuja traição nem mesmo o homem/Juiz está a salvo.
Na observação de rotina das aulas em todos os estágios, desde a graduação
até as titulações mais elevadas, nos encontros de jornadas, palestras, simpósios ou
seminários, a questão de fundo sempre esteve envolvendo algumas máximas
irredutíveis, geradoras de incógnitas fronteiriças e limitadoras do verdadeiro acesso
a uma verdade como padrão sobre as questões envolvendo o Direito e a Justiça.

268 “Nem todas as ilusões são visuais. Há ilusões de pensamento, que chamamos de ilusões
cognitivas. Quando ainda estava na universidade, frequentei alguns cursos sobre arte e ciência da
psicoterapia. Durante uma dessas aulas, o professor nos agraciou com uma pitada de sua sabedoria
clínica. O que ele contou foi o seguinte: “De tempos em tempos, você vai ter um paciente que vai lhe
contar uma história perturbadora dos múltiplos equívocos cometidos em seu tratamento prévio. Ele
passou por inúmeros médicos e nenhum deu tratamento certo. O paciente pode descrever
lucidamente como seus terapeutas o compreenderam mal, mas que ele percebeu rapidamente que
você é diferente. Você partilha dos mesmos sentimentos, está convencido de que o compreende e
que vai poder ajudar.” Nesse ponto meu professor ergueu a voz e disse: “Nem sonhem em pegar
esse paciente! Chutem-no para fora do consultório! Ele muito provavelmente é um psicopata e você
não será capaz de ajudá-lo.” Muitos anos depois descobri que o professor nos advertira contra o
charme psicopático e a principal autoridade no estudo de psicopatia confirmou o conselho do
professor era sensato. A analogia com a ilusão de Muller-Lyer é próxima. O que estava sendo
ensinado não era como devíamos nos sentir em relação ao paciente. Nosso professor partia da
certeza de que a simpatia que sentiríamos pelo paciente não estaria sob nosso controle; ela brotaria
do Sistema 01. Além do mais, não era para aprendermos a desconfiar de um modo geral de nossos
sentimentos em relação aos pacientes. A lição era que uma forte atração por um paciente com um
histórico repetido de tratamentos fracassados é um sinal perigoso – como as setas nas linhas
paralelas. É uma ilusão – uma ilusão cognitiva – e me foi ensinado (Sistema 2) a reconhecê-la e ficar
de sobreaviso para não acreditar nela nem agir com base nisso. E complementa o autor, (2011, p. 38-
39): “A pergunta que se faz com mais frequência sobre ilusões cognitivas é se elas podem ser
dominadas. A mensagem desses exemplos não é encorajadora. Como o Sistema 1 opera
automaticamente e não pode ser desligado a seu bel prazer, erros do pensamento intuitivo muitas
vezes são difíceis de prevenir. Os vieses nem sempre podem ser evitados, pois o Sistema 2 talvez
não ofereça pista alguma sobre o erro. Mesmo quando dicas para prováveis erros estão disponíveis,
estes só podem ser prevenidos por meio do monitoramento acentuado e da atividade diligente do
Sistema 2. Como um modo de viver sua vida, porém, vigilância continua não sendo necessariamente
um bem, e certamente impraticável. Questionar constantemente nosso próprio pensamento seria
impossivelmente tedioso, e o Sistema 2 é vagaroso e ineficiente demais para servir como substituto
para o Sistema 1 na tomada de decisões rotineiras. O melhor que podemos fazer é um acordo:
aprender a reconhecer situações em que os enganos são prováveis e se esforçar mais para evitar
enganos significativos quando há muita coisa em jogo (KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas
formas de pensar; tradução Cassio de Arantes Leite. Rio de Janeiro. Objetiva, 2012, p. 38)”.
409

Entre o encurralado e o estreito funil da previsibilidade e da garantia de uma


Justiça simétrica, as regras do Direito “dependem de como o judiciário vai
interpretar”, dependem de como “O juiz vai entender”, “dependem do contexto e da
situação em concreto”, mesmo quando as situações em concreto guardavam o
mesmo padrão de problema outrora enfrentado e consolidado, ou seja, a simetria em
última instância sempre se apresentou incompleta.
Pode-se inferir que essa situação é proposital, dada a natureza humana do
Estado/juiz, até porque o próprio judiciário em denúncia espontânea se autodeclara
por intermédio de seus representantes quase que unissonamente em verbalizar que
“o Poder Judiciário não é neutro...” corrobora o risco do ativismo judicial no resultado
na Justiça. Segundo Kahneman (2011, p. 58), a condição biológica humana é um
indicador limitante da capacidade cognitiva:

Uma demonstração perturbadora dos efeitos do esgotamento no julgamento


foi relatada recentemente nos Proceeding of National Academy of Science.
Os participantes inadvertidos do estudo eram oito juízes da condicional em
Israel. Eles passam dias inteiros revisando pedidos de condicional. Os
casos são apresentados em ordem aleatória, e os juízes dedicam pouco
tempo a cada um, numa média de seis minutos. (A decisão default é a
rejeição da condicional; apenas 35% dos pedidos são aprovados. O tempo
exato de cada decisão é registrado, e os períodos dos três intervalos para
as refeições dos juízes – a pausa da manhã, o almoço e o lanche da tarde –
durante o dia também são registrados.) Os autores do estudo fizeram um
gráfico da proporção de pedidos aprovados em relação ao tempo desde a
última pausa para refeição. A proporção conhece picos após cada refeição,
quando cerca de 65% dos pedidos são concedidos. Durantes as duas
horas, mais ou menos, até a refeição seguinte dos juízes, a taxa de
aprovação cai regularmente, até chegar perto de zero pouco antes da
refeição. Como era de se esperar, esse é um resultado indesejável e os
autores verificaram cuidadosamente muitas explicações alternativas. A
melhor explicação possível dos dados é uma má notícia: juízes cansados e
com fome tendem a incorrer mais fácil posição default de negar pedidos de
condicional. Tanto o cansaço como a fome provavelmente desempenham
um papel.
410

Dos trabalhos de Kahneman269 é possível inferir que a complexidade orgânica


do Estado/Juiz e todos os demais fatores que compõem seu sistema psicológico e
neurológico o fazem representante de uma máquina de resultados incertos cuja
decisão a cada caso pode ser influenciada por variáveis visíveis e invisíveis que de
cada resultado em última instância tem-se uma incógnita.
A aceitação da limitação cognitiva não é uma aceitação pacífica na espécie
humana, existe sempre uma reação incomum como esclarece Kahneman (2011, p.
68):

A ideia de que temos acesso limitado às operações de nossas mentes é


difícil de aceitar porque, naturalmente, é estranha a nossa experiência, mas
é verdadeira: você sabe muito menos sobre si mesmo do que sente saber.
Opriming é um estimulo que revela que as ações e as emoções têm
influência por eventos captados pela consciência sem a clara
percepção.Como na consciência nascem as ideias, estas acabam sendo
influenciadas gerando ações, efeito este denominado ideomotor, o qual
reflete a forma como agimos em decorrência das informações e dos dados
que recebemos.270

Somos influenciados a aceitar com maior facilidade o que nos faz felizes,
somente após a aceitação do que será submetido à verificação, o que significa dizer
que tais características demonstram que a conclusão se deu de forma precipitada.

269 “Essa complexa configuração de reações ocorreu de forma rápida, automática e fácil. Você não
desejou e não pode detê-la. Foi uma operação do Sistema 1. Os eventos que tiveram lugar como
resultado de você ver as palavras aconteceram por um processo chamado ativação associativa:
ideias que foram evocadas disparam muitas outras ideias, numa cascata crescente de atividade em
seu cérebro. O traço essencial dessa série complexa de eventos mentais é a coerência. Cada
elemento está conectado, e cada um apoia e fortalece os outros. A palavra evoca lembranças, que
evocam emoções, que por sua vez evocam expressões faciais e outras reações, tais como um
aumento geral de tensão e uma tendência a evitar algo. A expressão facial e o gesto de evitar
intensificam os sentimentos aos quais estão ligados, e os sentimentos por sua vez reforçam ideias
compatíveis. Tudo isso acontece rapidamente e tudo de uma vez, gerando um padrão autorreforçado
de reações cognitivas, emocionais e físicas que são ao mesmo tempo diversas e integradas – isso é
chamado de associativamente coerente (KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de
pensar; tradução Cassio de Arantes Leite. Rio de Janeiro. Objetiva, 2012, p. 67)”.
270No campo da conclusão precipitada – Kahneman: “Tirar conclusões precipitadas com base em
evidência limitada é tão importante para a compreensão do pensamento intuitivo, e aparece com
tanta frequência neste livro, que vou usar uma abreviatura desajeitada para isso: WYSIATI, as iniciais
de what you see is all there is, ou “o que você vê é tudo que há”. O Sistema 1 é radicalmente
insensível tanto à qualidade como à quantidade da informação que origina as impressões e intuições
(KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar; tradução Cassio de Arantes Leite.
Rio de Janeiro. Objetiva, 2012, p. 112)”.
411

Nesse contexto, ainda é de se considerar com apoio no mesmo ensinamento


que a coerência da evidência leva à confiança da decidibilidade segundo
Kahneman.271
Parafraseando Humphrey (1976), a forma como o homem se exterioriza para
o mundo dá-se por intermédio de um fluxo da consciência, uma ficção
contemporânea na tentativa de materializar-se o funcionamento psicológico da
mente.
É na fase preverbal que a consciência individual é influenciada, conduzindo a
mente associativa na direção moldada pela ditadura da técnica do meio onde
topograficamente esse ser se encontra.
A fala que se propõe a dialogar com o mundo é o desnudamento de uma fase
psíquica que se faz evidente por intermédio do fluxo da consciência. A percepção do
mundo logo dá ao homem condições de saber que, dentre as espécies, sua
condição é de fragilidade como os demais, segundo Assagioli (1973, p. 7).

Notaria logo o homem, não obstante o impotente grau de domínio sobre a


natureza, que possui um controle muito limitado sobre o seu interior.
Perceberia que esse mágico moderno, capaz de descer ao fundo do oceano
e de projetar-se até a lua, é, em larga medida, ignorante do que se passa
nas profundezas do próprio inconsciente e incapaz de se elevar aos
luminosos níveis da supraconsciência, tornando-se cônscio de seu próprio
self. Verificar-se-ia que esse pretenso semideus que controla grandes forças
elétricas com o mover de um dedo e inunda o ar de sons e imagens para
divertimento de milhões de pessoas – é incapaz de lidar com as próprias
emoções, impulsos e desejos.

Avaliando a forma dada às repartições ou às partes da estrutura estatal,


torna-se perceptível que em alguns cargos ou funções ou no caso do homem/Juiz no
exercício de suas atribuições o poder que o legitima tem como base reciprocidades
totalizantes do positivismo uma imposição que estaria em tese ou dando a ele,
durante longos séculos, um “poder” acima de qualquer questionamento.

271 “Os participantes tinham plena consciência do arranjo, e os que escutavam apenas um lado
poderiam facilmente ter produzido o argumento para o outro lado. Entretanto, a apresentação de
evidência unilateral tinha um efeito bem pronunciado nos veredictos. Além do mais, os participantes
que viam evidência unilateral mostravam maior confiança com seus veredictos do que aqueles que
viam ambos os lados. Isso é exatamente o que seria de se esperar se a confiança que as pessoas
sentem é determinada pela coerência da história que conseguem construir a partir da informação
disponível. É a consistência da informação que importa para uma boa história, não sua completude,
na verdade, você vai descobrir que saber pouco torna mais fácil ajustar tudo que você sabe em um
padrão coerente (KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar; tradução Cassio
de Arantes Leite. Rio de Janeiro. Objetiva, 2012, p. 113)”.
412

Estratégia ou não, seja porque o Estado não poderia multiplicar-se para ser
um ator julgador, então um dos seus dias de criação assim verbalizou: tu serás o
juiz, terás poder, julgarás em meu nome os seus semelhantes que são os meus
súditos, mas que se curvarão às tuas determinações decisórias, porque eu te
legitimo.
As circunstâncias das razões da época se justificaram como um modus de
organização para cessar a instabilidade diante da necessidade de dar à sociedade
um regramento racionalizador ao seu modelo comportamental social, ou seja, pela
razão de transição em busca de estabelecer metas ao desenvolvimento da
sociedade para a travessia até as terras da emancipação e da tecnologização da
sociedade.
A questão é que a limitada condição humana fez desse ator um mal-estar
para a humanidade, visto que sua limitada compreensão o faz ser um instrumento de
desequilíbrio social.
Isso acontece porque mais do que tiranizar as condições psicológicas do
sistema cognitivo humano de um profissional que é demandado por algo de cujo
papel sequer tem claramente consciência, é primordial que seja avaliado em que
condições é gerado o modelo de um sistema judiciário de Justiça, em que se tutelam
as limitações simbolizadas pela soberania do poder.
Nesse contrassenso histórico, antes de ingressarmos em seus pormenores é
preciso entender as generalidades, ou seja, a compreensão delas, para se concluir
pelas limitações daqueles, para isso, exige-se que se faça uma incursão em uma
compreensão mais ampla do ponto de vista cognitivo do sistema judiciário.
As dificuldades presentes sinalizam para a existência de dificuldades não
somente no atual estágio da vida social, mas também dos problemas oriundos dos
sacrifícios aos quais o indivíduo fora e é submetido ante um racionalismo mal
interpretado, bem como do individualismo e do universalismo em que o modelo
estatal se estabeleceu.
A imposição coercitiva em que se consubstancializou o Poder Judiciário
transformou seu maior ator em um repressor da coletividade individual dos auxiliares
da Justiça e de seus destinatários, pelas razões já esposadas.
413

No anseio de impor as regras, a liberdade dos homens foi sacrificada e com


ela sacrificadas a previsibilidade e a certeza jurídica embrionária da própria lei. Os
homens foram afastados da emancipação e dominados a qualquer preço pela
imposição racionalizadora do sistema judiciário.
O pensamento cultivado está para aceitar as condições estabelecidas sem
contestar os modelos apresentados. Na limitação das reações ao poder, o Poder do
Estado/juiz encontra força para impor seu modelo de Justiça e é nessas condições
que o limite cognitivo encontra espaço para propagar-se, mesmo não atendendo de
forma plena aos interesses da Justiça.
Tudo isso acontece e se faz presente porque a razão humana de propriedade
das cognições, inclusive do Estado/Juiz, não é um tribunal pleno e capaz de
autoconhecer-se, a ponto de renunciar à sua vocação do ato designatório de decidir.
Mesmo sabendo que essa função está muito mais propensa a uma prestação
insegura pela imprevisibilidade do que de uma ação plenamente previsível, conforme
ilustra citação extensa, mas propícia, extraída das lições de Rouanet.272

272 “O racionalismo da psicanálise é muito especial. Ela tem a consciência de que os filósofos não
tinham da precariedade da razão. Ela sabe que, filogeneticamente, a razão é uma aquisição recente,
uma recém-chegada no largo itinerário da hominização. Ontogeneticamente, a razão é um simples
verniz na superfície do córtex, associado a uma forma de funcionamento da vida psíquica a dois
processos, secundários, reino da energia ligada onde se dão as atividades do pensamento que
“descendem” diretamente de outras esferas, a dois processos primários, caldeirão de bruxas em que
a energia livre domina os entraves. A razão é orientada pelo princípio da realidade, mas também este
é uma simples metamorfose do princípio do prazer, a substituição de uma descarga imediata, mas
disfuncional por uma gratificação diferida, mas segura. Em termos tópicos, a razão é a atividade por
excelência do ego, mas o próprio ego está em parte sujeito aos processos primários, só em parte o
ego opera conscientemente, enquanto sede dos mecanismos de defesa. O trabalho do ego é quase
sempre inconsciente. O ego pode ser a desrazão a serviço da razão, como ocorre mais
especificamente em mecanismos de defesa como a racionalização e intelectualização, e como se dá
na resistência à terapia pela qual o ego tem a responsabilidade principal. A própria inteligência crítica,
atributo mais alto da razão, pode ser mobilizada pelo ego em sua qualidade de achado da doença, a
relação clínica assume então o aspecto de uma luta entre a razão terapêutica e a razão de um ego
que mobiliza toda a sua capacidade crítica para entrincheirar-se em sua patologia. O mesmo ego
inconsciente que acionou dispositivos automáticos de defesa se defende contra a cura, interpretando-
a como o reaparecimento dos mesmos riscos contra os quais deflagra no passado a defesa. / O lugar
da razão, ego não tem força necessária para executar sua tarefa. Ele se comporta, de fato, como um
monarca constitucional, cuja sanção é necessária para que uma lei possa entrar em funcionamento,
mas que hesita muito antes de vetar um projeto do parlamento. É em grande parte um monarca
nominal, cujos poderes são limitados por três “formas”: a realidade, o superego e o id inscrito neste
sistema de dependência, a atividade intelectual do ego é necessariamente precária. É um ego
somente uma parte consciente: de que decide o que deve tornar consciente, um ego em parte
irracional que resolve se é ou não racional transformar e em ação determinados impulsos; é um ego
submetido a pressões internas mais ou menos perturbadoras que têm de exercer sua função de
exploração da realidade exterior e, com base nas informações adquiridas, abrir ou fechar a barreira
da consciência (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003, p. 104)”.
414

Diante dessa cartografia da cognição humana, é de suspeitar-se da


precariedade, é de conferirem-se limites muitas vezes insuperáveis. A
vulnerabilidade que envolve os processos que essa estrutura, esse tribunal da razão
habita os descredencia da condição de decidir de forma segura sem que a
mutabilidade possa influenciar o homem. Essa é uma das questões mais
controversas, que tem revelado a insegurança jurídica dos tempos atuais.
A condição psíquica humana do consciente e do inconsciente é o que faz
esse viajante do tempo ser um dos problemas para a efetividade de uma Justiça
edificada. A possibilidade a exposição de problemas da neurose o limita a ponto de
não ser o estereótipo fiel de algo perfeito, pleno, completo quanto à Excelência
desejada e por vezes exigida para seu tratamento.
A limitação cognitiva é uma das condições para que a irracionalidade esteja
mais presente do que ausente na vida humana, atribuindo à razão a suspeita de ser
tão frágil e influenciável, como verbaliza Rouanet (2003, pag. 105):

[...] Tende à credibilidade: as leis do pensamento são monótonas, as


comprovações empíricas requerem esforço, os prazeres vestidos pela
razão, são tentadores a razão que nos recusa tantas possibilidades de
prazer se converte em inimiga. O homem descobre como é agradável
escapar dela, pelo menos por algum tempo cedendo as seduções do
absurdo.

O risco da decidibilidade justa está comprometido pela limitação do


conhecimento e da experiência, além das influências que perfilham a razão do
homem.273Pelo elemento do “próprio interesse” tem-se a precariedade dos fins
coletivos, visto que a individualidade é castradora de uma visão holística dos
interesses comuns do coletivo.

273 Para Rouanet: “O único padrão racional suscetível de orientar a autoridade pública é o maior bem
do maior número, e a única função do legislador é maximizar a felicidade individual e coletiva, o que
só pode ser alcançado se ele compreender a essência da psicologia humana, que é a busca do
próprio interesse.Essa condição do “próprio interesse” é pressuposto da condição da natureza do
homem; para alguns a condição do “próprio interesse” é elemento da psique humana, se essa se
comprova o homem/Juiz não é imparcial ao ponto de decidir para outro na medida em que o “próprio
interesse” é seu limitador como prova evidente e sua irracional precariedade (ROUANET, Sergio
Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 129)”.
415

A concepção rousseauniana de que o poder emana do povo e que a


soberania é indivisível e indelegável é falaciosa, porque a exclusão marcada pelas
desigualdades sociais, pela não efetiva participação e pelo “interesse próprio” jamais
consagrará a plenitude de uma Democracia que não passou e não passa da
abstração. A Justiça pelo modelo que está moldada não ultrapassa os limites do
abstracionismo.
A vivência e a convivência em sociedade são mais do que fenômenos sociais,
são condições sociais em que os indivíduos multiplicados entre si encontram-se em
um estado social de regras e condutas. Tal como outras formas de vida, a
comunidade se apresenta como estrutura do relacionamento estruturante e
estruturado.
Considerando a existência de uma estrutura e, consequentemente, a sua
falibilidade, é possível que seu rompimento para a constituição de um outra seja uma
hipótese defensável no modo de operacionalização.
Também o conceito de lei e Justiça em que exista uma participação comum
entre os interessados, pela substituição, a partir da desconstrução e da reconstrução
do conceito de lei e da Justiça, representa um dado positivo, conferindo uma
comunicação estável e uma funcionalidade provável.
Outrossim, sua metodologização em linguagem de sistema possibilita a
padronização das formas e sua eficiência mediada por uma inteligência da
aplicabilidade.
Isso não afasta que a subjetividade e pessoalidade das descobertas
realizadas pela inteligência humana não sejam objetivadas, atendendo a um padrão
legal de consensualidade humana.
Sendo uma das principais características de que sua legalidade e sua
legitimidade evitem a desobediência ao seu cumprimento pelos imprevistos da
mutabilidade incessante em que a sociedade se assenta, considerando sua
dificuldade cognitiva em integrar, unificar e padronizar dados e informações.
Dar estabilidade à previsibilidade a partir de cenários do Direito é o mesmo
que reenquadrar as ações sociais em modelos preestabelecidos e condicionados às
regras e às condições preestabelecidas.
Atendendo com isso a uma racionalidade lógica diferente, que se dissuade
dos modelos passados, o que fundamenta a exigibilidade de um paradigma que
compreenda uma compatibilidade entre a relação de decidir, Direito e Justiça.
416

Com isso, a objetividade universal recebe uma característica sistêmica de


administração racionalizada nas leis em seu sentido puro, afastando também por
esse aspecto da racionalidade humana quando da aplicação da lei, ou seja,
suspendendo a interpretação de um Direito que não necessita mais de interpretação,
mas simplesmente de aplicação ao caso concreto.
O modelo da Justiça judiciária em rota de ruptura é uma típica representação
do que se pode denominar de “velho aparelho judiciário”. Essa definição não se
acoberta com as simples e às vezes profundas tentativas de dar-lhe eficiência em
agilidade e eficácia. O problema é estrutural, é das partes mais singelas às mais
complexas aquelas em que encontramos sinais de falência, como bem ilustra
Rouanet (2003, p 153):

[...] os parlamentos representam todas as irracionalidades do velho aparelho


judiciário, com sua processualística ineficiente, as demoras intermináveis no
julgamento das causas, o uso do direito costumeiro, a não
proporcionalidade entre a pena e a culpa, e práticas de apuração dos fatos,
como a tortura, que só excepcionalmente podiam levar à descoberta da
verdade.

O problema posto é que esta normatividade expõe, ou melhor, descreve uma


situação que perdura há mais ou menos 300 anos; são mais ou menos 15 gerações
sustentando-se na concepção de uma falsa Justiça.
Um dos maiores problemas a se considerar na situação de instabilidade não é
a desfuncionalidade do sistema da Justiça judiciária, mas o que isso representa em
retrocesso no processo de aceitação de um novo paradigma.
O alarme científico é objetivo, a ciência não descansa, ela envereda
madrugada adentro, dias a fio sem pestanejar, é no lampejo dos insights que as
ideias são descobertas.
A limitação da cognição humana, como um problema na natureza humana, é
o dato de não retirar o atributo de inteligência dessa forma de inteligência,
“inteligência da descoberta”.
Questiona-se sua estrutura dinâmica, sua fragilidade, sua limitação
integrativa, unificadora e uniformizadora de processabilidade, todavia permite-se que
essa reconheça outras formas cognitivas que possam ampliá-la, conduzi-la e
transportá-la para outros níveis de racionalidade, permitindo o avanço do
desenvolvimento da espécie humana.
417

Valendo-se da concepção khuniana do estágio da ciência normal, nota-se que


todos os eventos e os acontecimentos históricos, toda a inflação legislativa do
sistema apenas buscam no tempo salvar o atual modelo.
No entanto as anomalias marcam não somente o surgimento de uma ciência
extraordinária que simboliza novos modelos, novas formas, como registra a latência
de uma ruptura diante da insustentabilidade marcada pelo caos (período
revolucionário) proporcionado pelo paradigma atual.
A história já sinalizava à época da possibilidade de fusão, para os tempos
futuros, como já se constata nos dias hoje, dos tempos atuais, no sentido de que o
sistema normativo possa espelhar fielmente a opinião social asfixiada, como bem
ilustra Rouanet .274
Dessa maneira, caso se considere que o sistema judiciário é um órgão
representante do Estado de Justiça, sua realização de Justiça ainda não se realizou
completamente, dada a forma como sua estrutura proporciona a entrega das
soluções dos conflitos.
O progresso em uma concepção moderna é evidente, talvez não existente, no
sentido positivo da efetividade. Por outro lado, o homem não tem a Justiça que
busca, o resultado que seu meio contempla sem autonomia e sem ter condições de
conquistá-lo, vive daquilo que o sistema positivo posto entende como melhor.
O Estado/Juiz como preposto do Estado na designação da Justiça judiciária é
um representante de previsibilidade incerta, visto que o Estado somente reconhece
grande parte das Justiças distribuídas por intermédio de suas decisões e que às
vezes não acontece.

274“A diferença entre “opinião pública” e “opinião do povo” considerando a primeira como uma fonte
de progresso e a segunda como bárbara e retrógrada, não é central para o conceito ilustrado de
opinião pública, e foi Kant que apontou o caminho para a dissolução dessa antítese. “Falta ainda
muito, no ponto em que entre estão as coisas; para que os seres humanos tomados em conjunto já
estejam em condições [...] de utilizar com proveito e discernidamente sua própria razão sem o socorro
dos outros”. Nessa formulação, Kant não está traçando uma barreira de direito entre “público” e
“popular”, mas reconhecendo a existência de uma fronteira de fato, no “ponto em que estão as
coisas”. Barreira transitória, superável, cuja remoção está na lógica da ilustração e cujo
desaparecimento leva a coincidência entre o “público leitor” e “sociedade civil universal”. O século que
testemunhar essa fusão não será apenas em zeitaltr der aufklamung, mas também um
aufgeklarteszeitspter (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 165)”.
418

Isso também contribui para que a sociedade se posicionasse na sombra da


reflexão e se desenvolvesse para encontrar, em sua maturidade, autonomia para
avaliar e conscientizar-se sobre o reconhecimento de seus erros e necessidade de
suas correções, tendo buscado por uma jurisdição substitutiva por intermédio das
conciliações, mediações, arbitragens e outros meios.
O Estado apequena-se frente à sua falência recursal (substancialidade
procedimental), relegando ao indivíduo o direito subjetivo de obter respostas
objetivas e diretas às suas responsabilidades essenciais, de que o Estado deve
prover, quando indagado sobre a possibilidade:
 O conceito de Direito e Justiça atende à racionalidade da lógica social
vigente?

 É possível fazer Justiça a partir do modelo vigente?

 É possível atingir a Justiça a partir do modelo de processo civil existente,


considerando o homem/Juiz como instrumento central operacional para
esse pontificado?

 Qual o modelo de procedibilidade processual se exige para que se


possa atingir a Justiça?

Semelhantes questões e outras podem ser reconhecidas como modelos


extraordinários, paradigmas que estão se constituindo dentro de um processo de
desenvolvimento do sistema, porém são modelos que ainda não se parecem fortes o
suficiente para romper com o vigente.
Aponta-se, nesse sentido, que a implantação da tecnologia, no sistema
judiciário, representa uma mudança de linguagem, forma e modo organizacional no
acompanhamento das novas tendências.
Entretanto não surpreende que o reconhecimento do limite cognitivo no ato de
decidir, do limite estrutural esteja em rota constante de conscientização para
transpor a lei em uma linguagem sistêmica e pragmática a serviço da decisão.
É algo que aponta para um paradigma de entrega de resultados: a
aglutinação e a condensação das questões apresentadas sinalizam para uma
ruptura do sistema judiciário. É óbvio que isso exigirá uma responsabilidade maior
de toda a sociedade e será cobrado de forma estrutural.
419

Padronizar é caminhar para o universalizar. Já há tempos que a tecnologia se


apresenta em substituição do homem pelo homem. As máquinas fazem veículos,
transportam-nos nos ares, operam doenças, realizam exames, diagnosticam
catástrofes dentre outras realizações.
Isso porque foi dado a elas o devido treinamento, ou melhor, foram
programadas pelos homens a partir de convenções subjetivas, promovidas por suas
descobertas, valoradas e objetivadas de forma consensual pela comunidade de
pesquisadores.
Aliás, toda forma de interferência e substitutibilidade do homem dentro do
sistema demonstra mais do que um simples poupar-se, é constatador de sua
limitada capacidade cognitiva.
Isso significa que não se revela impossível estabelecer parâmetros a partir de
contextos da expressão do homem em sociedade, modelos que possam
tecnologicamente, a partir de conceitos preestabelecidos de forma universal
reconhecer ou não um Direito para cada contexto, evitando assim a influência
subjetiva do mito da imparcialidade, atitude denominada de relativismo
metodológico.
O procedimento pelo qual o pesquisador age como se todos os elementos da
cultura fossem válidos, por mais que fora do contexto específico da pesquisa, leva-o
ao risco de sustentar uma opinião oposta.
Toda forma de interferência e substitutibilidade do homem dentro do sistema
demonstra mais do que um simples poupar-se, é constatadora de sua limitada
capacidade cognitiva devidamente provada e comprovada.
A crise proporcionada pelos limites reflete naturalmente o surgimento de uma
mudança ao modelo de Justiça.275

275 Conforme ilustra Minayo: “[...] na abordagem sistêmica, a visão de mudança se relaciona à crise e
aponta para várias saídas. Segundo Prigogile (1991; 1984), à medida que surge uma crise e o
sistema deixa seu curso natural, escolhe outras alternativas disponíveis. Nesse ponto de bifurcação
provocado pela crise, são produzidas mudanças quantitativas e qualitativas. Mas o rumo dessas
transformações é em princípio imprevisível, pois existem várias possibilidades de escolhas
disponíveis nos sistemas complexos. As escolhas dentro dos sistemas complexos são opostas às
variáveis visíveis e invisíveis, no entanto, no caso dos sistemas legais, se constata com frequência
que as ditaduras das culturas que refletem na qualidade do produto social humano inflexibiliza e
inviabiliza a institucionalização de sistemas tendentes a universalizar as culturas que implicam
práticas diversas no tratamento de situações semelhantes na aplicação do Direito. Essa forma de
tratamento tribaliza o Direito no sentido de desenvolver o homem moderno às escuras nas entranhas
da caverna de Platão; aceitar essa condição é reconhecer a relatividade do Direito, ou simplesmente
meio Direito, por essa razão que dada a dimensão intercontinental do Estado “Brasileiro” mesmo de
posse de um diploma nacional a compreensão, a interpretação e a decisão são expectativas incertas
420

Constata-se disso uma concepção de uma visão clássica do positivismo que


acredita ter em seu domínio ausência de ambiguidade, imprecisão e
mensurabilidade, no entanto, não o consegue, na medida em que essas
expectativas são criadas por atores que julgam realizar suas ações sob a égide da
neutralidade e da objetividade das leis.
O que não acontece dado o seu ativismo intenso no intuito de influir no
contexto social. A supremacia dessa soberba racionalidade do homem moderno, que
se posiciona como soberano, tem sua maior representatividade questionável, como
verbaliza Minayo (2010, p. 120-121):

Tanto Lukács como Goldman não compartilham do racionalismo à moda


dos séculos XVIII e XIX e vigente ainda na atualidade, para quem a razão é
a única instância do conhecimento adequado em que sensações,
sentimentos, experiência, ideia e imaginação seriam destinados a papéis
subordinados ou mesmo enganadores na hierarquia do material específico
para estudo das ciências sociais. As concepções teóricas desses autores
(Lukács, 1967) Goldman (1990), não admitem exagero da supremacia da
razão, assim como do subjetivismo, pois atuam com a mútua relação de
interconexões entre fatores objetivos e subjetivos e entre instância material
e espiritual em sua unidade dialética. Lucas crê que os conhecimentos
produzidos são apenas aproximações da dinâmica do mundo social e, por
isso mesmo são sempre relativos.

Essa aproximação, por ser muito próxima da realidade externa do homem


(faculdades psicológicas do homem), recebe o status de realidade objetiva absoluta,
porém não é uma verdade no sentido tautológico.
A questão que sobressai ao modelo de Justiça judiciária e que não se parecia
evidente no início do século XX, mas que aos poucos veio à eclosão se destaca pelo
não cumprimento dos propósitos idealizados.
Com a criação do constitucionalismo como sugestão dos modelos de Estados
propostos, advindos dos processos finais de colonização, modelos imperialistas,
fascistas e ditatoriais, em muitos Estados se concretizou parcialmente, sendo o
problema da Justiça um dos indicadores.
A pressão existente consiste na forma operacional que se dá ou como se
forma; a estrutura do funcionamento do sistema de leis valida a insatisfação
aliançada na falta de confiança do sistema judiciário.

(MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12


ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 134)”.
421

A concepção constitucionalista em Estados com densidade demográfica


relativamente baixa apresenta-se de uma forma eficiente em relação aos modelos
anteriores, como uma panaceia aos problemas políticos, sociais e estruturais.
No entanto, com o passar do tempo, a pressão formada pela participação
ativa da sociedade faz do Poder Judiciário uma válvula de deliberação pela
pacificação e de solução de conflitos intermitentemente, ou seja, em constante e
acentuada demanda.
O modelo substancialista da interpretação e da reinterpretação das leis e a
proteção do Estado Democrático de Direito e todas as Garantias Constitucionais
previstas, na lei Maior, faz com que o sistema experimente daquilo que ele passaria
a ser o maior tomador, “o regime escravocrata”. A pressão é tamanha que, além de
o sistema operar no seu limite, não atende à mutabilidade das necessidades a qual
surge em demasia, para resolver-se.
Fica evidente que o modelo encampado pela Justiça judiciária prima pela
opção ao substancialismo parcial, ainda que não plenamente definido do ponto de
vista da concretude, fenômeno que também é refletido nas mesmas condições do
procedimentalismo. Segundo Streck (2007, p. 43):

Habermas propõe um modelo de democracia constitucional que não se


fundamenta nem em valores compartilhados, nem em conteúdos
substantivos, mas em procedimentos que asseguram a formação
democrática da opinião e da vontade e que exige uma identidade política
não mais ancorada em uma “nação de cultura”, mas sim, em uma “nação de
cidadãos”. Assenta crítica a jurisprudência de valores e a perseguição
tecnológica ao sentido fim das leis, reforça. Que o Pluralismo democrático
está a desserviço da própria democracia na medida em que a simetria dos
indivíduos não possibilita compatibilizar e se ter um direito substancialmente
uníssono, no máximo procedimental.276

276 Ainda citando Streck, é de se observar o recorte delimitativo do Poder Judiciário: “[...] o
procedimentalismo de Ely ancora-se na premissa de que “o controle absoluto de normas deve referir-
se, em primeira linha, às condições da gênese democrática das leis iniciando pelas estruturas
comunicativas de uma esfera pública legada pelos meios de massa, passando, a seguir, pelas
chances reais de se conseguir espaço para vozes desviantes e de reclamar efetivamente direitos de
participação formalmente iguais, chegando até a representação simétrica de todos os grupos
relevantes, interesses e orientações axiológicas no nível das corporações parlamentares e atingindo a
amplitude dos temas, argumentos e problemas, dos valores e interesses, que tem entrada nas
deliberações parlamentares e que são levadas em conta na fundamentação das normas a serem
decididas, e o paradigma procedimental harbesiano do Direito pretende apenas assegurar as
condições necessárias a partir das quais os Membros de uma comunidade jurídica, por meio de
práticas comunicativas de autodeterminação, interpretam e concretizam os ideais inscritos na
constituição, “onde” a função da corte Constitucional, originária ou não do Poder Judiciário, seria a
de zelar pelo respeito aos procedimentos democráticos para a formação da opinião e da vontade
422

Dessa forma, se a racionalidade humana está para o sistema jurídico,


significa afirmar que seu operador está adstrito às limitações impostas pelo
ordenamento jurídico, não o seguindo, então a lei não teria razão de existir.
O que significa ilustrar que, além das limitações impostas pelas faculdades do
juízo, essas aparecem também frente à procedibilidade da demanda consoante a
carga de “conflitos” submetidos à sua análise, à sua avaliação e à sua decisão, que
nem sempre estão em simetria com a lei.
O crescimento e a natural complexidade das próprias relações sociais exigem
do sistema jurídico determinada racionalidade com o encadeamento das leis,
afastando com isso a própria onipresença e onisciência do jurista operador, na
medida em que o Direito aliado à Justiça possui uma racionalidade de sua própria
natureza, como afirma Fernando Coelho (1991, p. 298):

O princípio da racionalidade se exige em pressuposto ideológico a partir do


movimento em que o senso comum projeta sua própria razão, isto é, o
modo como ela se manifesta subjetivamente nos seres humanos, para o
Direito objetivamente considerado: não é o jurista ou os sujeitos das
relações jurídicas que são racionais, o próprio Direito, em suas expressões
normativas, ornamentais e decisionais que dotado de uma racionalidade
imanente, o qual o jurista pode e deve captar.

Os argumentos de que o Juiz é um homem do seu tempo e que por essas e


outras razões deve inserir-se nas relações sociais na perseguição da verdadeira
Justiça estão travestidos de uma argumentação retórica que tenta de todas as
maneiras esconder, ou melhor, escamotear a insuficiência de um poder tirano,
decadente que, dadas suas condições em não alcançar os objetivos efetivos para a
resolução de conflitos, quiçá a Justiça, o coloque como “animador partícipe” de uma
teatralidade da Justiça porque acontece às custas da traição da própria lei, a qual
deveria ser a primeira a ser reconhecida e aferida em sua aplicação. 277Dessa

política, a partir da própria cidadania, e não a de se arrogar no papel de legislador político, não
devendo, portanto, transformar-se a justiça Constitucional em “guardiã de uma suposta ordem
suprapositiva de valores substanciais. Reservando-se a intervenção do judiciário apenas para
facultar aos excluídos da participação o acesso direito aos poderes políticos, a realidade brasileira
aponta em direção contrária; o assim denominado Estado Social não se concretizou no Brasil (foi,
pois, um simulacro), onde a função intervencionista do Estado serve para aumentar ainda mais as
desigualdades sociais; parcela expressiva dos direitos individuais e sociais não é cumprida; o controle
abstrato de normas apresenta um déficit de eficácia, decorrente de uma “baixa constitucionalidade”
(STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. 7. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 51)”.
277Segundo Uhlmann, “Conceito de UMWEIT (Ambiente). Sua indução literal é “mundo ao redor”
Jakob Von Vexkull – Biólogo e filósofo, oriundo da nobreza do Báltico e sem dúvidas um dos mais
423

máxima depreende-se que as ciências, em particular a biologia, interpretam os


fenômenos com os “olhos” de quem as observa, ou seja, a observação acaba sendo
“contaminada” pelas crenças.
Os valores do observador (características do subjetivismo), em outras
palavras são influenciados pelos efeitos da memória (retenção de informações –
visão de mundo do sistema observador) com a experiência acumulada.
A influência do meio sobre o homem o faz vulnerável a suas certezas, refém e
ao mesmo tempo escravo de sua razão irracional que sofre, por intermédio de seus
sentidos, a contaminação dos fatores internos e externos.
Por isso, o ato de decidir o bem feito deve estar em comunhão estrita com lei
e não uma lei constituída a cada caso com as implicações das influências subjetivas
e pessoais da operacionalização humana. A realidade subjetiva da Justiça social
que se infere tem a mesma medida da subjetividade social que tem seu observador
da realidade. A lei, em tal cenário, tem valor secundário.
Não basta que as leis sejam elaboradas sob os auspícios da “Justiça”, em
consonância com os fenômenos do seu tempo, é vital que sejam aplicadas nos
mesmos moldes, no entanto, a forma e a atmosfera pela qual isso acontece, ou seja,
operacionalizada pelo Estado/Juiz, inevitavelmente se vê precária em precisão e
objetividade.
A efetividade da prestação jurisdicional e o acesso à Justiça, embora sejam
comunheiros do devido processo legal, vêm ao longo do tempo tendo as relações
estremecidas pela crise do Direito e da Justiça diante da ausência de condições
estruturais e infraestruturas do poder Judiciário. Para Nalini (1994, p. 6):

frutíferos pensadores do séc. XX. A sua obra principal “Theoretsche Biologic” (1958) é considerada
como uma obra precursora do construtivismo (ou construcionismo da literatura anglo-saxônica – o
emprego de constructos – construções lógicas). Na base das suas considerações localiza-se a
máxima “Alle WirklichkeitIst Subjetive Ers Cheinung (toda realidade é um fenômeno subjetivo)
(UHLMANN, Wilhelm Günter. Teoria geral dos sistemas: do atomismo ao sistemismo; uma
abordagem sintética das principais vertentes contemporâneas desta proto-teoria. São Paulo: Versão
Pré-Print, 2002, p. 39)”.
424

Para que a justiça se aproxime mais do povo, torne-se mais ágil, Nalini
sugere a utilização de recursos da informática, pugna pelo aperfeiçoamento
do apoio administrativo ao juiz, quer que a simplificação de procedimentos,
a especialização de juízes e o estabelecimento de tribunais especiais, a
formação de magistrados em cursos adequados, a serem ministrados pela
Escola da Magistratura e a observância de formalidades essenciais. Isto
quer dizer que aquilo que não se constitui em formalidade essencial deve
ser afastado, dado que o apego exagerado à forma polui o Direito, pondo
em segundo plano a relação de direito material.

O sistema judiciário, dessa forma, é acometido de asfixia operacional em que


a inoperância vigente sinaliza a substituição de um sistema por outro que detenha
uma tecnologia capaz de dar maior fluidez ao Direito há tanto represado.
Sendo assim, é de considerar-se que o Estado/Juiz, na condição de operador
central, compreendido em sua estrutura como um sistema orgânico aberto, tenha
suas funções e atribuições legitimadas pelo poder lei.
Nesse sentido, nada obsta que por força de lei se incorpore ao sistema
judiciário sua instrumentalização das funções de mediação das regras normativas,
gerida por intermédio por um sistema eletrônico modulado pela Inteligência Artificial.
Sendo a lei um bem de consumo para a concatenação da paz social, como
um remédio circunscrito a determinadas circunstâncias sociais, destinado à cura da
doença social denominada conflito.
Para que o fenômeno da cura possa tomar o corpo do paciente “indivíduo” ou
“parte”, é necessário que o acesso se dê de forma irrestrita, pedagógica e
compreensível. Para isso, os meios mais simplificados e menos custosos sejam uma
tônica a predominar.
O afastamento do Poder Judiciário não está totalmente ligado ao custo. O
custo maior é a incerteza da entrega do direito frente à postura do órgão judicante. O
problema e a solução são faces de uma mesma moeda que nos tempos pós-
modernos são convertidos em bases inseguras; a influência pessoal e subjetiva é
realizada com deformidade, muitas vezes ao total arrepio da lei. Segundo o IPEA em
trabalho realizado (SIPS) Sistema de Indicadores de Percepção Social, as análises
são esclarecedoras.278

278 “As primeiras análises sobre a percepção social da justiça no Brasil produzidas no âmbito do
projeto “Sistema de Indicadores de Percepção Social” (SIPS), do Ipea mostram ao menos três
direções nas quais pesquisas de opinião pública podem oferecer importantes subsídios a processos
de reforma e modernização nesse setor. / A primeira está associada à imagem pública das
instituições da justiça. Neste aspecto, quer pela “nota média” atribuída à justiça pelos respondentes
da pesquisa (4,55 numa escala de 0 a 10), quer pela avaliação que estes fazem sobre dimensões
específicas da justiça, na qual se destaca um juízo mais negativo em relação às dimensões de
425

A viagem da interpretação da lei feita pelo Estado/Juiz é morosa, custosa e


viciada por sua pessoalidade e subjetividade, portanto havendo uma linguagem
pronta para aplicação, sem a necessidade de ser decodificada, pouparia o
jurisdicionado da peregrinação da incerteza, oportunizado a um acesso fácil a seu
Direito, ou melhor, a um Direito previsível.
É necessário que seja reconhecido o valor da lei em detrimento de sua
interpretação ou de sua reconstrução. A implantação de processos informatizados
nutridos de uma maior responsabilidade das partes já emancipadas em um nível
intelectual que os credencie a portar-se perante o Poder Judiciário Cibernético
tornar-se-ia condição para o credenciamento. Para Nalini (1994, p. 23):

O juiz inquieto assim compreendido, o que não se conforma com a


observância burocrática de seus deveres, mas nutre o ideal de se aproximar
da verdadeira justiça – pode então mergulhar no árduo mister de questionar
a constitucionalidade dos atos normativos com os quais se defronta,
amparando-se na lógica jurídica da razão.

Percebe-se que a racionalidade do homem/Juiz é o que conduz pelos


caminhos de sua própria consciência, nutrida nas bases de um conhecimento
cooptado não somente pelos seus sentidos como também pela experiência nutrida
pelas escolas do conhecimento que o acompanha em sua formação para se tornar
um operador de um sistema de leis.279

rapidez, imparcialidade e honestidade, foi possível verificar que essa imagem é relativamente frágil
entre os cidadãos e que a reversão desse quadro exigirá mais que o aumento puro e simples da sua
produtividade. / A segunda está associada à relativa constância da avaliação negativa entre
diferentes estratos da sociedade brasileira. Quando se detalha a “nota média” em função de variáveis
sociodemográfica (região, raça/etnia, sexo, escolaridade e renda), bem como da experiência prévia
dos respondentes no trato com a justiça (como autor, réu ou sem experiência), percebe-se que, em
princípio, a relativa fragilidade na imagem pública da justiça é generalizada na população e tende a
ser mais negativa entre os que buscaram ativamente a justiça para a resolução de conflitos ou a
realização de direitos. / A terceira, por fim, está associada à identificação de novas áreas ou questões
prioritárias, tanto para estudos quanto para a formulação de políticas públicas. Exemplo disso foi a
emergência da qualidade da justiça (operacionalizada na pesquisa como “capacidade de produzir
decisões boas, que ajudem a solucionar os conflitos de forma justa”) como tema tão impactante na
melhora da percepção da área pelos entrevistados quanto a rapidez. Isto abre a oportunidade para
que temas sempre tidos por fundamentais na construção de uma nova política pública para a oferta
da justiça – como o recrutamento e a formação de magistrados ou a busca por mais proximidade
entre as instituições e os cidadãos – retornem a agenda pública, hoje dominada por preocupações
com a aceleração dos procedimentos e a melhoria da alocação de recursos (INSTITUTO DE
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Sistema de indicadores de percepção social SISP.
Brasília, 31 mar. 2011, p. 3. Disponível em:
<https://www.academia.edu/13191549/Percep%C3%A7%C3%A3o_social_da_justi%C3%A7a_2011>.
Acesso em: 13 jul. 2015)”
279Neste sentido complementa Nalini: “O que se entende por razão? Em princípio, é a faculdade que
tem o homem de estabelecer relações lógicas, de avaliar, de raciocinar, de ponderar ideias
426

Nesta perspectiva do silogismo ao logicismo dedutivo clássico dentre outras


formas críticas e integrativas ao reconhecimento e à aplicação do Direito, observa-se
que a razão humana, embora não seja a essência do Direito, representa uma
faculdade humana, uma forma de inteligência pela qual o Direito acontece. Nesse
aspecto, Nalini (1994, p. 25):

Precursores como J. Holmes e Roscoe Pound qualificaram-na de


“fundamentalismo jurídico”, “formalismo”, “dedutivismo”, “teoria fonográfica
do direito”, “jurisprudência mecânica”. Mas foi Wassertrom quem talvez
melhor tenha sistematizado os argumentos utilizados pelos realistas contra
a lógica como fonte primária e básica do julgamento: “a teoria dedutiva
necessariamente é incorreta porque: a) não leva em conta o fato de que
jamais existem dois casos idênticos; b) não leva em consideração que a
operação de classificação dos fatos nos conceitos é o crucial e que esse
fenômeno não é um fenômeno dedutivo, e c) ignora que possa não haver
regras jurídicas prévias para aplicar.

Hoje se distingue perfeitamente o papel da lógica dedutiva como elemento


necessário, embora não único, da sentença. Operar sem lógica significa erro, mas a
pura lógica não significa verdade.280
O reconhecimento da razão como processo de primeira ordem a conduz a ser
uma suprema forma de sistematizar, ordenar e aplicar os princípios gerais e
abstratos de Direito em um processo judicial em busca de uma Justiça que, em
última instância, é o reconhecimento da existência de regras e de seu efetivo
cumprimento, que deveria ser denominado de primeira ordem.

universais. A razão invocada pelos juristas tem variado, todavia. Pode ser o lunch da literatura norte-
americana ou ser concebida como “a razão real” sempre como “elemento explicativo” do subjetivismo,
no estudo da formulação das normas pelo juiz (NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à
justiça.São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 230”.
280Para Nalini: “Miller e Howek resumiram perfeitamente a corrente, que disseminou: “A razão[...] não
é a vida do Direito. É realmente parte do Direito. Mas que vida? Não, se por razão entendemos a
derivação lógica a partir de princípios gerais e abstratos, então o processo judicial não atua assim;
nada obstante, se entendemos por razão um processo de observação disciplinado, unido e um
reconhecimento de que existe uma eleição entre valores alternativos e o estado das possíveis
consequências da decisão, então a razão tem um papel de primeira ordem (NALINI, José Renato. O
juiz e o acesso à justiça.São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 25)”.
427

Seu descumprimento nesse processo valorativo, direto ou de alternativas não


lógicas, mas considerado como um processo cognitivo humano cercado pelas
teorias de um sistema jurídico, a decisão legal, passa a ser um processo racional
eivado de irracionalidade, dadas as influências que o tribunal da razão pode sofrer.
Uma hipótese para a salvação do Direito seria dar vida própria a si mesmo,
afastando-o da razão para que a cada ato se revivificasse em um caso concreto,
erigindo-se na Justiça.
Essa questão puxaria uma outra, que não será aventada ao menos nesse
momento, identificada como a natureza do Direito existente. Talvez sua
desconstrução e reconstrução sejam vias a reestabelecer o conceito de Direito
denominado Ciberdireito ou Biodireito.
Nutrir a razão de uma segurança certeira para assumir o papel de primeira
ordem no ato de decidir, relegando o Direito a uma ordem secundária, na qual a
razão humana, gerada por intermédio de um processo de observação, tem-se
constatado no desenvolver da história do homem como algo cercado de inúmeros
riscos, uma vez que é falto em suas ações de morforgênese, resiliência e
unidirecionalidade. Considerando-se a facilidade pela qual a razão humana é
influenciável, estaria a serviço da primeira ordem na destituição do Direito.
A percepção dessa realidade dentro do sistema da Justiça Judiciária cujas
ações perpassam pelo centro operacional humano do Estado/Juiz demonstra não
somente a fragilidade como a incerteza quanto aos resultados pretendidos da
Justiça.
A desmistificação surge de uma uníssona preocupação que se detecta diante
da falibilidade oriunda dos casos concretos do cotidiano; outrossim fatores como a
inacessibilidade, o custo, os riscos quanto à eficiência e à eficácia, dentre outros
geram a descrença não somente do sistema como um todo, mas principalmente da
inteligência central responsável pela operacionalização, que se limita a formar suas
convicções ideológicas nos limites de seu limitado espectro cognitivo.
428

Fisicamente, aparenta outra modalidade de limitação, por não conseguir


atender à massificada demanda intentada por indivíduos e sua complexa forma,
formal e material de manutenção. Para Nalini (1992, p. 16):

Por isso, cresce a preocupação, que é geral, e alcança os países


desenvolvidos da Terra, de pesquisar e estabelecer dados e providências
que superem ou atenuem as notórias falhas existentes. O esforço para a
melhoria da situação reinante há de começar por substancial eliminação do
nível do ensino jurídico. E prosseguir com rigorosa seleção dos que buscam
ingressar na magistratura; e com permanente atualização dos que
venceram essa etapa.281

Nessa incubadora em que a razão humana se vê envolvida, fincam-se as


bases da preocupação oriundas do processo de formação e das influências
proporcionadas pela política, pela economia e outros em que os jogos de interesses
e do poder são presentes.
A preocupação por si só registra uma insuficiência histórica recorrente a ser
superada, comum inclusive em todos os demais sistemas judiciários em que se tem
como operadora a espécie humana.
A crença da escolarização e do aprimoramento continuado revela a
incompletude para a obtenção de respostas satisfatórias, são questões
apresentadas e devolvidas sem soluções satisfatórias. A ideia de um sistema
solucionador é temperada por uma ideologia argumentativa do convencimento
retórico passional dos que se beneficiam em todos os aspectos.
Entretanto, quando muito, tem-se uma Justiça formal requintada pelos
temperos idealistas das cartas legais que conduzem seus interessados para uma
cruzada inconsciente de que essa é a forma legítima e legitimada por um ideário
hipotético de uma norma fundamental que sequer sabe o que é, e que se deve
reconhecer como um dogma inconteste da supremacia máxima das leis.

281E complementa Nalini: “Longe de pacificar-se nos países de mais longas tradições e de adiantado
grau de civilização e cultura, o problema adquire intensidade angustiante naqueles em que o Poder
Público é associado à corrupção e à pouca seriedade, e em que dos juízes se exige, por isso,
atuação mais eficiente e pronta. Nesse estágio de desenvolvimento, o judiciário – que também se
ressente do descrédito do sistema político – é, paradoxalmente, a derradeira perspectiva
institucionalizada de resolução de conflitos antes da opção por métodos não convencionais e, por
isso mesmo, não acolhidos pelo Direito (NALINI, José Renato. Recrutamento e preparo de juízes
na Constituição do Brasil de 1988. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1992, p. 16)”.
429

A insegurança e a instabilidade fazem eclodir manifestações tendenciosas a


mudanças. As trincas no sistema são a sinalização para rupturas, indícios de que o
sistema judiciário é acometido por uma espécie de osteoporose judiciária. 282
Com o avanço tecnológico e a necessidade de se acoplar às ciências do
Direito a transversalidade de outras ciências e com elas outras linguagens de
conhecimento não somente a explicar a realidade social, mas de dar resolução as
complexidades vigentes que a instituição judiciária quanto à sua forma operacional,
todos seus níveis e seguimentos exigem uma nova infraestrutura e estrutura.
Considerando a máxima “que o exemplo começa com quem é responsável”,
passa seu representante central a ser questionado pela tecnologia quanto à sua
essencialidade e à sua indispensabilidadee quanto ao seu ato de decidir. Incumbe o
Estado como gestor e responsável por avaliar se os atos decisórios estão a
acompanhar-se de instrumentos adequados para a execução do ato de decidir.
A manutenção endógena no sistema operacional do Poder Judiciário é
tributária de fatores que ao longo do tempo tem contribuído para seu descrédito
como instituição de respeito e credibilidade do Estado.
Com a integração de informações e de dados, a possibilidade de cibernetizar
a mediação ponderadora para a aplicação das leis por intermédio de instrumentos
tecnológicos passa a ser uma realidade possível.
Segundo Nalini (1994, p. 37), “Todos os benefícios da nova tecnologia vêm
chegando, todavia, de maneira tímida ao judiciário. Há necessidade de aceleração
na implementação de uma política de utilização de seus recursos na atividade fim e
não apenas na atividade meio”.283

282 Segundo Nalini, “Ao aparecimento de uma tendência que se preocupou com a ampliação do
acesso dos homens ao equipamento oficial destinado à composição de conflitos, costumava-se
atribuir relativa importância aos aspectos práticos dessa alteração de enfoque, subdividido na tríplice
reforma: Normativa, Institucional e Processual. / Não é tarefa simples empreender-se uma
reformulação normativa: Os próprios formuladores das teorias que se desenvolveram sob a
denominação ampla de movimento de acesso à Justiça vieram a considerá-la inviável. Ou, quando
menos, acometida da característica de perpetuidade que qualifica a empresa que os americanos tão
bem denominam de endlesstask.Adverte Cappelletti ser “intrínseca à” ideia em si mesma de acesso a
constatação de que uma reforma do direito substancial é ilusória, se não acompanhada de
adequados instrumentos de execução da mesma (NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à
justiça.São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 31)”.
283 E complementa Nalini: “O admirável mundo novo já existe. Unidades federadas como São Paulo
podem se permitir experimentações que talvez sirvam para o delineamento de um judiciário novo,
mas atuante e preparado para os desafios do terceiro milênio que, afinal está a menos de seis anos
destes dias. / A informática permitirá a substituição do processo corpóreo por um processo
inteiramente informatizado. [...] será um sonho? Ou o Judiciário deverá se adequar– inevitavelmente –
à modernidade, sob pena de parecer e vir a ser substituído por formas alternativas de resolução de
430

O reconhecimento da ineficiência e a consequente falência de um modelo não


significam um retrocesso, ao contrário, significam que uma cultura amadure a ponto
de exigir um novo modelo a suprir suas necessidades.
Significa dizer que aquele atendia, agora não atende mais às novas
necessidades. A simplificação das formas é possível de se obter com a segurança e
a garantia das formas por intermédio de meios informatizados, cujos algoritmos são
isentos de vulnerabilidades, dá parcialidade e da não neutralidade.
Se por um lado o próprio Poder Judiciário preocupa-se em aprimorar o
Estado/Juiz em todas suas etapas desde o processo inicial de seleção, isso significa
que a cognição desse instrumento ainda está por se completar.
Se, porventura, conduzida ao seu limite, apresentar-se deficiente aos seus
propósitos, esses sintomas estão a mostrar que o paradigma sinaliza para seu
rompimento.
Portanto, fica evidenciado que a limitação cognitiva é notória, bem como o
tempo demandado em suas funções operacionais passa a ser limitado, não
atendendo adequadamente a seus fins, diante da complexidade proporcionada pela
demanda existente.
O tempo perdido ou destinado a uma batalha cuja vitória se revela desde o
começo impossível poderia ter um melhor aproveitamento a partir do
aperfeiçoamento profissional intelectual, na medida em que, em vez de preocupar-se
com a operacionalização da função de decidir, passaria essa incumbência a uma
forma de conhecimento organizado tecnologicamente que iria gerenciar,
sistematizar, integrar e aplicar as regras legais do sistema: função de guardião
Constitucional.
O Poder Judiciário tornar-se-ia uma base pacificadora de conflitos sociais com
eficácia mais ampla, inclusive setorizando a Justiça e com ela especializando as
respectivas áreas.

conflitos? / Todos os benefícios colocados à disposição do homem pela ciência devem servir ao
Judiciário, pois o papel reservado a este é garantir a existência digna do ser humano. Motivo de
descrédito da Justiça é a sua paralisação, submissa à força inercial, desde o Medieno ainda tem
chance de recuperar o tempo perdido, em cuja busca não se esmera, salvo esforços isolados. Basta
a vontade política. A vontade de ousar e eliminar os preconceitos (NALINI, José Renato. O juiz e o
acesso à justiça.São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 38)”.
431

Em condições como essa, uma base cognitiva tecnológica detentora de uma


Inteligência Artificial aglutinaria por meio das redes as mais diversas ciências
cognitivas, contribuindo exponencialmente com o conhecimento sobre as causas
submetidas à decisão do sistema. Nesse sentido, é esclarecedor Nalini (1994, p.
49):

A formação clássica do juiz não o preparou para o enfrentamento dessas


situações que precisam de soluções rápidas. Omisso o Judiciário,
desaparelhado mental e estruturalmente para esse novo tipo de demanda,
pode surgir a ocupação do vazio decisório por outras instâncias de
composição do litígio, esvaindo-se a competência, a credibilidade e o
prestígio da função estatal preordenada à resolução de controvérsias.

Fragmentar e conduzir a ruptura do monopólio desse operador é uma


condição natural a qualquer outra espécie de império. Existe uma certa resistência.
As mazelas da monopolização dão-se pela via única de acesso à resolução, da
inexistência de instância recursal, da reclamação e da resolução, da deformidade
mórbida de determinado modelo sem que haja possibilidade de substitutibilidade, e
da rejeição de acolhimento de propostas que divirjam dos interesses dos
controladores, entre outros.
A formal e material estrutura do modelo do sistema judiciário ontologicamente,
parafraseando Hannah Arendt, visa proporcionar o direito a seus Direitos, inclusive
de estar a serviço de seus fins.
Infere-se, dessa forma, que a logística do Poder Judiciário no que se refere à
forma como se constitui sua operação na pós-modernidade não representa estar em
conformidade com as matrizes da modernização.284

284 Segundo Nalini, “A escola da magistratura deriva de imperativo constitucional. Tem por objetivo
institucional a manutenção de cursos de preparação a carreira, cursos de reciclagem para os juízes
nela integrados e a realização de estudos a nível de pós-graduação que, nos estatutos da Escola
Paulista, se denomina “Altos Estudos”. / As dificuldades existentes em relação ao Juiz do interior
serão enfrentadas com o acompanhamento à distância, indicando os orientadores a leitura e a
elaboração de trabalhos que periodicamente serão apresentados (NALINI, José Renato. O juiz e o
acesso à justiça.São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 61)”.
432

Esses e outros mecanismos são ilusões de que o homem moderno não


consegue realizar senão à custa de muito sacrifício, renúncia e abnegação. A
contemporaneidade e os dias “achatados” pelas necessidades diversas, entre
essencialidade e futilidades, bombardeiam todas as classes, inclusive a do
homem/Juiz que se vê fustigado e seduzido como qualquer comum da espécie
humana.
É comum suas tarefas serem realizadas às pressas, na última hora, sem uma
prévia e acurada reflexão, e sua razão passa a ser marcada por uma irracionalidade
irreflexiva desde sua própria condição humana até ao limite que se estende a decidir
sobre a irracionalidade de seus assemelhados: quem julga também se coloca como
um dentre todos, por vezes sob critérios distintos.
Nessa incerteza, ou melhor, nessa transitoriedade ou simultaneidade pós-
moderna, torna-se evidente que a racionalidade do Estado/Juiz tem seu pensamento
relativizado pela incerteza de suas certezas ou simplesmente tem, em cada certeza
formada em seu pensamento, certa dose de relatividade que o faz vítima de um mal-
estar psicológico oriundo de uma excessiva demanda.
O inadequado excesso compromete a estrutura de sua razão, que
infelizmente não faz Justiça, visto não representar um mero tribunal em que a
inteligência humana em tese deve acontecer. A razão, porquanto, não é o Direito,
não o sendo, a Justiça torna-se uma incerta eventualidade.
A dificuldade de estabelecer-se uma metodologia estável para a realização do
Direito torna os meios para tais fins inseguros, seja no manejo da lógica formal, da
lógica material, da dialética, do bom senso, da razoabilidade, da flexibilidade, da
igualdade ou de outros meios que possam contribuir para a formação de critérios
justos para validação da verdade como pressuposto do conhecimento do Direito
previamente definido.
433

Os sintomas perversos dessa realidade são reconhecidos desde os


processos realizados durante a seleção de seus operadores, bem como durante o
preparo e a efetiva integração no plano prático da Justiça, como esclarece Fernando
Coelho (1979, p. 172):

Que tipo de pensamento é o mais adequado a tal concepção? E que


critérios podem servir para fundamentar a validade ou a verdade desse
pensamento? São problemas que situam o conhecimento que os tem por
objeto na dimensão lógica, embora sob aspecto outro que não o da lógica
formal, e a doutrina germânica chamada lógica material (Sadlogisk). Esta
espécie de lógica jurídica – que parece, como veremos no decorrer deste
estudo, estaria toda a lógica jurídica dada à insuficiência do pensamento
analítico para a solução dos problemas jurídicos concretos – configura elo
de ligação entre as diversas tarefas do jurista e parece confundir-se com a
própria ciência do Direito, mas o estudo de procedimentos intelectuais
atinentes àquela criação e realização, tendo em vista o aspecto crítico, vale
dizer, do ponto de vista da sua verdade.

A operacionalização compreensiva do Direito subjaz aos procedimentos


intelectuais para o alcance de um Direito já definido pelo conjunto de regras
formadoras de um ordenamento jurídico. Portanto, a cada aplicação, o exercício
prático do Direito é influenciado por um processo dispendioso e arriscado realizado
pela razão humana.
Isso se dá em decorrência da insuficiência cognitiva humana que exige para
sua compreensão intelectual do Direito que ele, mesmo existindo como regras, como
uma linguagem normativa reguladora, seja submetido aos procedimentos
intelectuais e aos métodos conhecidos para a realização do Direito por intermédio da
inteligência humana.
Essa reconstrução para alguns ou construção para outros pensadores do
Direito revela que a atuação entre as regras do Direito e sua realização no mundo do
fenômeno social é mediada por uma operação humana ineficaz para as
necessidades de uma nova realidade da sociedade.
Tal fato se torna visível na medida em que a erudição vazada do conceito de
Justiça reclama por uma operação mais célere, eficiente e eficaz na entrega dos
resultados, ou seja, por uma resolução efetiva dos conflitos existentes.
Caso seja de todo verdade que a ciência jurídica não pode ser reduzida a
uma única forma de conhecimento, soma-se a tal afirmação que as estruturas
lógicas são imanentes a uma complexa rede formadora da jurisprudência do Direito.
434

É mais verdade ainda que, por mais avançado que seja o capital intelectual
humano, ainda assim se mostra insuficiente para realizar essa gestão com precisão
e objetividade integrativas.285A conectividade entre tais núcleos representa uma
celeuma insuperável para a condição do homem/Juiz, um obstáculo à concretização
material da juridicidade. A inteligência humana do ponto de vista racional
(neurológico/psicologizado) se estabelece a cada fato social por perspectivas
diversas, ainda que a comunicaçãoaliançada pelos núcleos do conhecimento
epistemológico, científico, dogmático e lógico seja convocada a participar.
A finalidade social última do Direito não se realiza com uniformidade, com
segurança, com plena estabilidade a cada aplicabilidade, isso afasta, portanto, o
Estado pleno de Direito, na medida em que ele não acontece de modo efetivo e,
sempre que instado a participar aos seus propósitos fins, vê-se envolto na incerteza.
O ideário de Justiça pelas vias do Direito, desde os tempos remotos, é
condicionado aos instrumentos intelectuais gerados pelos cientistas das ciências
jurídicas. Em semelhante trabalho incansável e diuturno, o próprio Direito com
independência e autonomia gerou mecanismos para sua própria concretização:
disso se tem a concepção de sistema jurídico contendo todos seus atributos com os
quais se faz peculiar.
A inconsistência entre o sistema jurídico e o operador do Direito, o
Estado/Juiz vem-se apresentando de modo a prejudicar a concepção de sistema,
segundo Fernando Coelho (1999, p. 19):

Deve ser considerado, porém, que o ser do Direito suporta essa


dinamicidade intrínseca; o fato de ele autorrealizar-se enquanto é Direito e
utilizando-se de processos metodológicos que, na medida em que são
colocados em prática, já implicam o seu próprio existir como fenômeno. O
jurista é aqui partícipe do fenômeno, pois ele se realiza enquanto o conhece
e opera com as formas de juridicidade para a consecução dos seus fins e de
seus próprios objetivos de jurista, que são compatíveis ou se confundem
com os do Direito.

285 Observam-se neste contexto as lições de Fernando Coelho: “Que o pensamento jurídico está
estruturado em 04 (quatro) dimensões: a) existe um conhecimento epistemológico, que relaciona o
“eu” cognoscente com o processo de conhecimento do Direito, considerando esse processo em si
mesmo; b) existe um conhecimento científico que relaciona o “eu” cognoscente com o objeto de cada
uma das diferentes ciências jurídicas; c) existe um conhecimento jurídico dogmático que transforma o
“eu” cognoscente em partícipe do objeto da ciência do Direito; d) existe um conhecimento lógico, que
fornece o instrumental necessário ao trabalho jurídico (COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e
interpretação das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 16)”.
435

A condição de partícipe é significativa para a vida, para a sobrevivência do


Direito e de seu desenvolvimento dentro e a partir do seu próprio ser (o Direito
possui corpo e vida próprios).
Sua estrutura e sua operacionalidade não estão condicionadas ao
Estado/Juiz, enquanto inteligência humana, por não dependerem parasitariamente
da inteligência humana a fim de existir.
Sendo assim, esse processo pode ser realizado comumente por intermédio
de uma Inteligência Artificial, nutrida de morfogenia, resiliência e unidirecionalidade
social, atributos que não gozam (a razão, estabelecida pela inteligência humana), de
forma plena e eficaz, em virtude dos riscos de influência que essa razão possui.
O processo de conteudilização do Direito e sua aplicabilidade prática são da
natureza de sua própria teoria. Sua captação e sua materialização são suscetíveis
de serem sedimentadas por mecanismos tecnológicos, organizando-os,
sistematizando-os e respaldando as normas e o ordenamento.
A compreensão dialética pode ser reestruturada, na medida em que os atores
empiricamente participam da realidade social. A base de dados e informações
contribui para a aplicação lógica e dogmática do Direito.
Que pode ser realizada por intermédio de uma Inteligência Artificial mediadora
das relações jurídicas, de forma pura, neutra e imparcial, com isso se afastando da
vulnerabilidade típica da racionalidade humana.
A inteligência cibernética passaria a participar do fenômeno social, a
contribuir, a responsabilizar-se pelas ações típicas do Direito em seu cotidiano
considerado como instrumento de primeira ordem, pronto para ser aplicado às
realidades sociais em que for convocado a reestabelecer a ordem ou prevenir a
desordem, evitando, assim, os riscos das escolhas proporcionadas pelos inúmeros
processos seletivos da judicatura.286

286Para Nalini, “A grande e normal via de acesso à magistratura é o certame público. Os candidatos
se submetem a provas escritas e orais e, quando da avaliação, os títulos podem influir no resultado
classificatório. O recrutamento por concurso público é considerado o meio sujeito à álea, sempre
presente na nomeação por indicação ou mesmo na eletividade. Mas não deixa de merecer críticas,
das quais as mais acerbas provêm do próprio judiciário. / A sistemática de provas consegue detectar,
no universo dos candidatos, aqueles que detêm um mínimo de conhecimento jurídico, credenciados
para uma aprovação, mas essa habilitação nem sempre coincide com as expectativas nutridas pelas
cortes de justiça quanto ao profissional que vai receber seus quadros (NALINI, José Renato.
Recrutamento e preparo de juízes na Constituição do Brasil de 1988. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1992, p. 86)”.
436

A adoção de um indicador, ou indicadores mínimos, é exemplo de uma


Justiça nanica, tacanha e reduzida a uma insuficiência intelectual incapaz de
reproduzir um espelhamento Constitucional condigno com os objetivos
principiológicos compromissados pelo Estado de Democrático de Direito, quadro
esse estereotipado por intermédio dos estudos científicos realizados e compulsados
no bojo do presente estudo.
Os problemas são diversos, todavia, sorrateiramente solapados pelo
desconhecimento social e por seus respectivos destinatários que têm no Estado/Juiz
o referencial da Justiça.
O desconhecido fica à mercê de uma Justiça bloqueada, tardia e que ao final
deixa de realizar seu objetivo precípuo, ou seja, dar aos conflitos sociais sempre
uma melhor solução e orientação, dado o caráter pedagógico que não pode afastar-
se das instituições estatais para a formação, a correção e a reestruturação do
costume judiciário. Segundo Nalini (1992, p. 89):

[...] o resultado final pode ser desalentador. Pois, a cada concurso, algum
dos aprovados vem a demonstrar inaptidão, da mais diversa ordem, para o
desempenho da judicatura. É o juiz que não consegue julgar, grande parte
às vezes em virtude de bloqueios psicológicos, mas não rara mercê de
formação religiosa rígida e profunda vulnerabilidade dos atributos de sua
personalidade. O magistrado devota muito do esforço pessoal à carreira.
Permanece no fórum por períodos suficientes ao desenvolvimento de um
razoável trabalho. É um bom preparador, realiza audiências, mas não se
desvencilha dos laços que o impedem de sentenciar, ou ao menos de fazê-
lo de forma, quantitativamente compatível com as necessidades de sua
carga de trabalho.

A fragilidade racional e a insuficiência formam um liame típico dos sistemas


orgânicos a conduzi-los à realização mínima, quando não comprometida pela falta
de condições para a realização de seu ofício. É essencial a exposição caricatural
dos estereótipos de juízes que compõem o centro da Justiça judiciária, aliás os tipos
de peças centrais que operam o Direito na consecução da
jurisdicidade.287Parafraseando Renato Nalini, a diversidade de configurações,

287 A esse respeito, discorre Nalini: “ a) O juiz que se excede na autoridade passa a exercê-la
arbitrariamente convertendo-se em déspota no microcosmo que vai servir. É ríspido no trato,
humilhando os subalternos; impõe condutas desvinculadas de qualquer preceito, de maneira a obter
subserviência na função e pessoalmente, pelo mero fato de exercê-la; b) Da experiência do Des. José
Liberato Costa Polvora, ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins, extrai-se que “o
pedantismo de certos magistrados antipatiza a Justiça, além de manter afastados aqueles, que
buscam a confiança de uma decisão justa. É deplorável o vírus da “juizite”[...]; c) Existe juiz burocrata.
Provindo de categorias funcionais que se caracterizam por encargos dos quais se exige pouca
437

passível dos não vocacionados, tornaria impossível determiná-los; isso é algo


próximo do que os americanos denominam de end less task.
A influência da razão na pré-formação do caráter juiz, além de torná-lo
vulnerável, é um ponto que coloca o sistema da Justiça judiciária em um conflito
eterno, pois, nestas cercanias a equidade, a consensualidade e o equilíbrio
intelectual não habitam.
Pior que reconhecer tal situação desarrazoada é manter o Estado/Juiz
amparado por força da disposição legal com a vitaliciedade imposta ao cargo, por
força Constitucional.
A decadência do sistema operacional e a falta de opção de outra forma de
realizá-lo confrontam-se com os princípios democráticos do Estado de Direito. Sem
opção para os jurisdicionados, nota-se a presença de uma certa imposição.
Portanto, algo que contradiz a essência do Estado de Direito defendido.

autoridade, senão da observância rígida de rotinas sedimentadas, transfere ele para a função judicial
a deformação adquirida na origem. Dificulta a tramitação dos papéis, num fluxo processual já em si
complicado. Inadmite distinguir, dentre as providências que lhe são requeridas, aquelas suscetíveis
de uma decisão imediata justificável pela relevância dos interesses em questão. Tudo há de se
desenvolver dentro de uma ordem preestabelecida, que desconsidera a poliédrica fisionomia da
realidade; d) Subcategoria identificável do burocrata é a do juiz estatutário. Enquadra-se na categoria
dos funcionários públicos, para justificar a mediocridade do desempenho. Fiel cumpridor dos horários,
pretende permanecer no fórum durante o tempo necessário a configurar a jornada. Não leva
processos para casa. Reclama continuamente da remuneração. Critica aqueles colegas que se
preocupam com a qualidade da outorga e se sacrificam para vencer a sobrecarga. Tem consciência
tranquila quando afirma trabalhar para viver e não o inverso. Orienta o cartório a lhe fazer a conclusão
de número certo de processos e invoca suas demais necessidades pessoais – a saúde, a família, a o
lazer – como escusa para o acervo de processos que não consegue vencer; e) Magistrados há que
se identificam de imediato com as teses corporativistas e passam a investir todo o talento e
disponibilidade na defesa de sua concretização, a preocupação permanente e como reajuste de
vencimentos e demais vantagens. Formulam hipóteses que permitam a extensão ao quadro dos
magistrados de qualquer benefício auferido por outra categoria. Interpretam favoravelmente as
disposições, recorrem a uma análise assistemática para a conclusão que beneficia seus interesses,
conjugam Leis conflitantes para delas extrair soluções que a explicitude normativa não lhe garante.
Tornam-se insensíveis à reivindicação de outras classes e à realidade nacional. O universo se reduz
a aspectos retributários de função e em torno desta órbita deve gravitar tudo o mais; f) Há o juiz que
se esquece na fogueira da vaidade e inverte em si, preocupando-se com a divulgação de suas
decisões, adota posturas exóticas para garantir publicidade e desvincula seu acrescentamento
cultural do retorno necessários em torno de eficiência na prestação jurisdicional; g) Outra vertente é
aquela que se manifesta no exercício da política local – A interferência nas questiúnculas
comarcanas, a adesão a grupos partidários, o desequilíbrio da imparcialidade que é pressuposto da
função judicial; h) O juiz carreirista pretende chegar rapidamente aos últimos estágios da função,
independentemente de preparo ou de poder atropelar, nessa corrida, colegas mais antigos ou, até,
mais capazes; i) Seu antípoda, o juiz acomodado, pouco se interessa pela carreira. Dedica-se a
outras atividades, descuida-se do aprimoramento, oferece o mínimo de si e considera o seu ingresso
como final de uma batalha árdua, que lhe assegurará a permanência vitalícia no quadro dos que
dizem o direito independentemente de atributos pessoais aferíveis posteriormente à posse (NALINI,
José Renato. Recrutamento e preparo de juízes na Constituição do Brasil de 1988. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 1992, p. 90)”.
438

A situação é remansosa e encontra-se instalada há séculos, porém abafada


pelo interesse dos comuns que preferem habitar a incerteza do caos a reconhecer a
falibilidade existente do sistema operacional da Justiça que, sectário, já não mais
atende aos critérios de rapidez, previsibilidade, certeza e confiança, pois enquanto
aplicador das regras normativas é o que verbaliza Nalini (1992, p. 95):

A constatação da falibilidade nos métodos de provimento das vacâncias no


quadro da judicatura não é recente; no limiar da década de sessenta o Prof.
Egas Moniz de Aragão já proclamava: “A carreira da Magistratura,
infelizmente, não tem o condão de atrair os mais preparados e capazes.
Bem ao contrário, para ela se voltam alguns desiludidos da vida profissional,
outros não conseguiram vencer, ou que intentaram um sucesso
excessivamente rápido, finalmente há os que buscam apenas estabilidade
de um subsidio constante. Poucas são, na realidade, as verdadeiras
vocações de juiz.

No que tange à carreira de magistrado – escreveu Frederico Marques –


cremos que em breve precisaremos imitar a igreja e fazer intensa campanha
em prol das invocações judiciárias. “Bem exata é a sua observação. Embora
o vencimento inicial possa ser aumentado, constituindo-se, pois, no menor
problema, há outras dificuldades, a igual do que ocorre com os religiosos,
que afugentam os candidatos da vida de juiz, vida dura, inçada de
sacrifícios, em certas ocasiões tão penosas quanto a dos ascetas, o que
espanta obviamente quem divise um triunfo mais cômodo.

Nessa seara inóspita, árida e escaldante missão, a tarefa homérica, ainda que
predita constitucionalmente, é a de manter o operador da Justiça ávido pela
constante atualização, devido ao contexto estafante e extenuante da vida pós-
moderna.
O palmilhar com o fardo que conduz o operador da Justiça ao cargo, embora
uma conquista, gradativamente se torna um sistema obsoleto, dado o
comprometimento que sua limitação cognitiva oferece aos fins do Direito e da
Justiça, principalmente quanto às garantias previstas nas leis. A nostalgia da
investidura e as condições ofertadas pelo cargo exigem mais do que o acesso e as
atribuições.
439

Uma reforma do sistema operacional da Justiça em busca de um sistema


mais célere, eficiente e eficaz, contribuiria não somente para o melhoramento da
Justiça como pouparia a sociedade do imenso tempo destinado a contornar as
inúmeras falhas que a Justiça apresenta quando instrumentalizada pelo
Estado/Juiz.288O sonho enfrenta suas próprias limitações, que não conseguem ser
ultrapassadas, nas quais os limites da razão instrumental do Estado/juiz não
permitem que ele se desvencilhe da avalanche atordoante de uma demanda
humanamente invencível.
A descoberta de meios para superar a limitação rumo à satisfação da
realização da Justiça vale-se de um aparato tecnológico cuja inteligência permite a
soma de conhecimentos diversos para a reflexão e a apuração de uma decisão.
Nesse contexto, agregar aspectos filosóficos, sociológicos, antropológicos,
dentre outras cognições de forma unificada e integrada permitiria o melhoramento
dos resultados fins.
A integração das bases de conhecimentos é tarefa hercúlea que somente
pode ocorrer por meio de um sistema de tecnologia em Inteligência Artificial, no qual
informações e dados possam dar respostas imediatas sempre que pesquisadas as
mais diversas questões consultadas.
É essencial que a objetividade, a presteza e a segurança no exercício da
judicatura possam concretizar-se, aliás, a judicatura enquanto ato próprio de julgar
por si só, independentemente dos meios que proporcionarem sua realização.
É convidativo o momento em que a própria judicatura possa dialogar de forma
mais estreita com as novas ciências, possa dialogar com a tecnologia, possa
reconhecer que os novos tempos pugnam por modelos diversos, procedimento e
realizações condizentes com uma nova geração de conflitos.

288 Ainda estribado nos ensinamentos de Nalini: “A Escola de Juízes é a concretização de velho
anseio de cultura da Justiça de interessados no aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. O
Ministro Aliomar Baleeiro já asseverava, em conferência realizada em Belo Horizonte em ciclo sobre a
Reforma do Judiciário patrocinado pela UFMG e pela PUC/MG, que, numa palavra, não bastam os
meios materiais, os Palácios da Justiça, os computadores, os aparelhos de microfilmagem, os
equipamentos: há sempre o problema do juiz como homem. E o Min. Carlos Mário da Silva Velloso,
ao propor a instrução atualizatória constante para os Juízes, assinalava que os cursos serviriam a
despertar o Juiz “Para a grandeza de suas funções, e sua independência há de ser tal que, mesmo
em situações adversas, possa ele cumprir o seu dever, sem vacilações, denunciando aquilo que está
impedindo ou dificultando o exercício de suas funções” (NALINI, José Renato. Recrutamento e
preparo de juízes na Constituição do Brasil de 1988. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1992,
p. 98)”.
440

A questão epistolar do exercício do ato de decidir precisa ser desmistificada


de tal modo a encontrar e dar sentido a uma nova exigência. Decidir por meio de
novas práticas sem deixar de se cumprir com o justo de forma integrada e definitiva,
dando estabilidade ao sistema, revela-se um futuro presente, desde que haja
interesse efetivo pelas mudanças. Segundo Bittar (2009, p. 85):

A razão instrumental está a serviço do poder do espírito de criar, e o


controle aparece como o modo de realizar realizações jurídicas. E isso que
permite dizer que o agir, mais que tudo, avança sobre o pensar. E para isso
contribui à flagrante tecnização e pragmatização dos valores e das relações
sociais. Então a atitude do jurista, segundo Kelsen, deve consistir num partir
da norma jurídica dada para chegar à própria norma dada.

Sem enfrentar as incongruências ou as divergências de uma teoria pura do


direito em Kelsen, os atos de julgar e de decidir em tempos distintos do passado são
suscetíveis de reconhecer que a tecnização e a pragmatização atendem muito
melhor do que a ideia de uma Justiça divorciada de uma sociedade transitória e
simultânea, considerando-se as novas regras sociais, nas quais o jogo social
espelha uma nova realidade da sociedade.
Tem-se uma sociedade de massa em que as soluções devem ser imediatas
em busca de uma pacificação dos conflitos diversos; a tecnização pragmática
operaria sobre a validação das regras de regulação a partir de sua
utilidade/efetividade, de seu resultado.
Em que pese fauna e flora social coexistirem com valores diversos,
convergentes ou divergentes, a estabilização das regras normativas por intermédio
da tecnologia, em que essa medeia (pondera) as interposições de interesses
(distintos) e aplica as regras predefinidas de forma sistematizada no âmbito jurídico,
representa mais do que uma solução, mas uma opção de se franquear a sociedade
a mais um canal disponível para a resolução de conflitos. Destaca Bittar (2003, p.
214):

Visto no tempo e no espaço, pode se entender mesmo que um sistema


jurídico válido, ao possuir relevância se esta intrinsecamente ligado a seu
tempo, ou seja, ao presente. Se ele é inadequado para sua época, se é
risco fruto do passado, funcionais como tal, ou seja, como relíquia histórica
– Se está no compasso das necessidades sociais para o presente e coloca-
se afinado com o futuro, é sim um ordenamento em que transparece força
por meio de suas normas.
441

A pacificação dos conflitos sociais e a mediação das relações por intermédio


de aparatos tecnológicos, se existentes e aprovados, corroboram para comprovar a
eficácia do ordenamento jurídico. A implementação sobre as luzes da morfogênese,
da resiliência e da unidirecionalidade tem grandes oportunidades de romper com um
sistema jurídico “cultivado ao centro e às margens de uma cultural senhorial”, como
verbaliza Marilena Chauí.
A Justiça judiciária em sua nascente já traz em si o germe de uma burocracia
que alimenta seus interessados, em si representantes da encarnação de um sistema
feito para proteger seus próprios interesses, além, desse protecionismo estender-se
ao Estado que o gestou e concebeu.
Outrossim, se subdesenvolvido é o Estado, no caso, o Estado Brasil, há de se
ter também na mesma medida, ou seja, em simetria, uma Justiça subdesenvolvida
que justifique o culto a um sistema operacional normativo que não garante que o ato
de decidir comece na lei e termine na lei.
Nesse caso, o problema da corrosão do Direito não está no Direito, mas na
forma como ele é operado, mais precisamente em seu operador. A ineficácia do
sistema jurídico quanto à sua inoperância é evidente, porque sua eficiência e
eficácia não se concretizam diante das ideias ilusórias de um operador que vive
imerso de forma altruísta em seu “purismo metodológico”.
A racionalidade do homem é questionável. Se isso é um fato, torna-se
possível, a partir de elementos de provas catalogados pela História enquanto
ciência, conduzi-lo ao julgamento. Aceitar que as decisões sejam políticas, aceitar
que a parcialidade e a intencionalidade participem ativamente do palco da Justiça é
negar sua própria condição de ação justa.289A administração feita pela racionalidade
humana como tribunal de julgamento tem conduzido a sociedade a um perecimento
gradual e, por conseguinte, ao seu padecimento. A ideia de que o comportamento
da razão esteve em toda a sua trajetória comprometida com a ideia de Justiça, de
paz e de igualdade não passa de uma ideologia contraditória em si mesma.

289 Segundo Horkheimer: “A crise atual da razão consiste basicamente no fato de que até certo ponto
o pensamento ou se tornou incapaz de conceber tal objetividade em si ou começou a negá-la como
ilusão. Esse processo ampliou-se gradativamente até incluir o conteúdo objetivo de todo conceito
racional. No fim, nenhuma realidade particular pode ser vista como racional per-se; todos os
conceitos básicos, esvaziados de seu conteúdo, vêm a ser apenas invólucros formais. Na medida em
que é subjetivada, a razão se torna também formalizada (HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão;
tradução Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Centauro, 2002, p. 13)”.
442

É notória e propícia a assertiva de “ideologia contraditória”, na medida em que


a lei não é cumprida por não deter força de fazer-se cumprir, inclusive pelos próprios
órgãos que a aplicam: a racionalidade do próprio Direito passa a ser uma
irracionalidade, visto que seu operador contribui para a não concretização do próprio
Direito. De tal fato advém o fenômeno da não concretização da Justiça, isso porque
a razão contamina degenerativamente o Direito.
O modelo da Justiça judiciária passa a ser uma tentativa de transformar-se o
conflito em solução. O desenvolvimento de etapas, da implantação de regras por
meio de um processo racional e sistemático redunda de uma ideologia formal, porém
sem conteúdo material que satisfaça seu destinatário.
A não entrega dos resultados práticos e materiais aceitáveis dá-se porque a
carga normativa coercitiva está divorciada do compromisso pedagógico do Direito de
uma ciência comprometida com a compreensibilidade da realidade social, dedicada
à educação e à formação de uma consciência real, voltada para a teoria e a
experiência prática do próprio Direito enquanto regras de convívio em sociedade.
A Justiça judiciária proposta operada pelo homem/Juiz não é o Direito em
ação concreta, é o homem e sua razão em ação. Ao passar pelo filtro operacional,
ele deixa de ser Direito e passa ser uma ideia de Direito condicionada aos meios
cognitivos de seu aplicador. Segundo Warat (2010, p. 68),

[...] os juristas, em seu afã normativista, tratam as normas ignorando que,


todo o texto (legal) tem sua escrita, ou seja, o trabalho do corpo desse
sujeito. A linguagem escrita como inscrição do corpo na linguagem é para
mim o ponto de partida da minha retórica-psico-semântica. A escrita jurídica
como objeto, campo temático de minha retórica (sem perder de vista que a
escrita começa significante). E complementa o mesmo autor (2010, p. 73)
“Nenhum operador do Direito adquiriu consciência da necessidade de
formalizar as dimensões psicanalíticas das experiências que os
comprometem enquanto juristas”.

Algumas das condições que materializam essa realidade são as metodologias


do ensino e aprendizado do Direito sendo meios e formas responsáveis pela
manutenção e perpetuação do dogmatismo jurídico de todas as suas formas, em
que o Direito se apresenta como um sistema perfeito de verdades perenes,
incontestáveis e irradiosas de uma ideologia política do Estado para sua gestão,
organização e punição.
443

O que poderia ser dissuadido pelos cientistas do Direito é que é uma posição
pouco tomada, uma vez que os grandes expoentes, já consagrados e com sua
situação intelectual, financeira e econômica resolvida, pouco se importam com o que
se parece com as futuras gerações.
Muitos dessa plêiade não passam de repetidores amorfos de concepções
legais retrógradas e ineficazes, ainda que válidas do ponto de vista positivista. A
questão é mais acentuada e margeia o grito do desespero, no que se destaca a
limitação cognitiva quando o operador do Direito enfrenta outros conhecimentos.290
A integração e a unificação dos conhecimentos são algo que passa distante
da possibilidade humana, ainda mais do homem pós-moderno, seja pela quantidade,
seja pela transitoriedade, seja pela simultaneidade dos novos tempos. Essa
complexidade constitui uma racionalidade cínica do errado, mas considerada normal.
Portanto, no limite da espécie humana, de sua disposição em produzir, que o
caminho alternativo de uma outra forma de pensar, de tornar-se inteligível, ainda que
artificialmente, pode apontar sinalizando para uma outra via positiva.
Além de ser mais uma opção dada à espécie humana, como uma
possibilidade efetiva de neutralidade e imparcialidade de julgar e ser julgado,
destarte, de um Direito e de uma Justiça previsível e certa quanto aos aspectos
legais balizadores.
Importante destacar, ainda, que, dentro da orla judiciária, o cenário do
conservadorismo e da imobilidade são comportamentos perversos, que asfixiam o
reconhecimento das deficiências da organização judiciária.
Os sinais de ineficiência são tratados como se os maiores problemas fossem
a implementação de leis materiais e processuais com maior consistência e vigor
para a resolução dos conflitos, como bem pontua Watanabe.291

290 Conforme esclarece Warat: “Convém insistir em que todo conhecimento só pode ser depurado,
desenvolvido e orientado para a objetivação, na medida em que é produzido com uma visão
interdisciplinar. Por isso mesmo, o que reivindica para a construção de uma metodologia do ensino
jurídico não é uma maniqueísta e castradora seleção de teorias que rejeitam e excluem o
conhecimento produzido em outras áreas. Também, na prática educacional, a utilização da teoria que
esta disciplina conformará não afasta o recurso, a outras teorias, que, compatibilizadas com a
primeira, devem orientar os processos de ensino e aprendizagem (WARAT, Luis Alberto; CUNHA,
Rosa Maria Cardoso da. Ensino e saber jurídico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1977, p. 56)”.
291 “Nesse âmbito, os estudos que vem sendo desenvolvidos não se limitam ao mero aspecto
organizacional, sua estrutura e funcionalidade. Novas estratégias de tratamento dos conflitos de
interesses têm sido analisadas e até mesmo postas em prática, procurando-se soluções alternativas
aos meios tradicionais em uso, como o juízo de conciliação, os juízos arbitrais e a participação de
leigos na administração da justiça. Lamentavelmente no Brasil, as tentativas de busca de novas
alternativas esbarram em vários obstáculos dos quais os mais sérios são o imobilismo e a estrutura
444

A par disso, a criação de técnicas alternativas vem de encontro a estudioso


interesse científico de superar a cultura da sentença para implementar a cultura da
resolução, o que exige reconhecer e dar passagem a outras formas de linguagens e
outros mecanismos, inclusive tecnológicos que possam atender à excessiva
demanda em relação à baixa oferta.
O consenso promovido pela conciliação e pela mediação no solo da
hipossuficiência educacional tem produzidos frutos positivos, porém não suficientes,
porque em muitos casos essas medidas são frustradas, diante da resistência de uma
população de demandantes que exige uma resposta do sistema por meio da decisão
a qual tem como simetria o Direito existente.
Coletar dados e informações de uma forma publicista é algo que pode mudar
o sentido da Justiça, o que não acontece com a velocidade de que se precisa por
razões claramente evidentes que se justificam desde a forma de mediar as regras
com a de sistematizar as decisões de questões análogas que dispensam qualquer
juízo de erudição intelectual humano.
Para isso, a participação ativa de mecanismos tecnológicos do trazer
(transportar) esses novos elementos pode inescusavelmente produzir uma nova
consciência do que possa ser mais adequado do ponto de vista da eficiência e da
satisfação.
Tanto a sociedade clama por isso, promovendo a estabilização do Direito,
que exige a aceitação de seu destinatário e, ao mesmo tempo, evitando a
esquizofrênica inflação legislativa.

mental marcada pelo excessivo conservadorismo, que se traduz no apego irracional às formulas do
passado, de um lado, e à inexistência, por outro de qualquer pesquisa interdisciplinar sobre os
conflitos de interesses e as demandas (no sentido das ações ajuizadas), suas causas, seus modos de
solução ou acomodação, os obstáculos ao acesso à justiça e vários outros aspectos que propiciem o
melhor entendimento da realidade social por parte dos responsáveis pela melhor organização da
justiça (WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 28)”.
445

16 CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DA PRIMEIRA REFORMA DO


PODER JUDICIÁRIO

16.1 Os motivos históricos do sistema operacional judicante e a centelha da


tecnologização proposta entre os pontos e contrapontos da reforma

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) existe em nosso ordenamento jurídico


por força de lei e seu espaço, segundo uma das posições majoritárias, decorre dos
problemas apresentados pelo Poder Judiciário em conseqüência de falta de gestão
e controle, argumentos destacados à época da criação do referido órgão de
fiscalização, atualmente catalogado na Constituição da República Federativa, daqui
por diante, simplesmente (CRF).
O foco da chamada reforma do judiciário, tributária da originária PEC n.º
96/92 e outras, que mesclou e girou sobre a necessidade de se alterarem alguns
diplomas legais, dentre eles a Constituição Federal, o Código de Processo Civil e a
Código de Processo Penal, foi implantar uma Justiça funcional do ponto de vista de
uma melhor gestão administrativa, em suma, uma Justiça otimizada, capaz de
superar os conflitos insuperáveis da sua administração.
O objetivo da proposta era o de dar uma maior transparência ao processo de
apuração, avaliação e validação dos trabalhos do Judiciário e com isso torná-lo
público à sociedade.
Fornecendo dados e informações sobre o desempenho da Justiça, que há
décadas se apresentava não transparente, morosa e pouco eficiente. As demandas
existentes e as ações do judiciário eram submetidas a uma espécie de “caixa preta”
vulgarmente denominada.
Assim, a ideia de um paradigma judiciário com forte segurança normativa em
que o fortalecimento do sistema somente poderia advir a partir do momento em que
a Justiça pudesse, proveniente de seus precedentes sumulares, veicular decisões
padronizadas e uniformizadas.
Alimentou muitos dos discursos e discussões nas casas legislativas.Com isso,
o movimento para a aprovação da reforma que perdurava por mais de duas décadas
passou a ganhar força até sua efetiva aprovação.
446

Isso se deu graças ao entendimento que começava a tomar ainda mais


consciência, dados e informações obtidos dos levantamentos; constatavam a
predominância de uma Justiça lotérica e imprevisível das causas, junto aos tribunais.
As demandas judiciárias repetitivas também chamavam a atenção em
decorrência do processo natural e gradual do crescimento demográfico social e a
procura por uma Justiça pacificadora.
Devido a esses problemas de incerteza, imprevisibilidade e morosidade, há a
essencialidade em buscar-se manter posições análogas sobre casos cujo desfecho
pugnava pelo mesmo desiderato, gerando não somente uma estabilidade, mas com
ela uma credibilidade ao sistema. Semelhantes problemas já haviam sido apontados
teoricamente nos estudos feitos por José Eduardo Faria, nos idos de 1990.
Com tais propósitos, o pacote da reforma do Judiciário também trouxe a
importância da introdução da tecnologização dos meios judiciários em todos os
aspectos, inclusive implementando um gerenciamento capaz de traduzir a Justiça
em números.
Foram esses os fatores centrais da reforma, sendo eles os responsáveis pela
criação e pela implantação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), mesmo que o
poder em suas hierarquias se tornasse unidades em constante tensão diante da
pressão gerada a partir de órgão fiscalizador.
A proposta de gestão e de um maior controle abriu as portas para pôr em
prática as tecnologias e com elas não somente a organização e a sistematização
dos procedimentos, mas também a mecanização e a parametrização dos atos dos
órgãos judiciários.
A discussão dos Direitos e Garantias Fundamentais tornou-se uma discussão
pífia e maltratada, ante os interesses do próprio Estado em produzir relatórios, dados
e informações, portanto substituindo muitos dos aspectos positivos, porque se
suprimia o qualitativo em detrimento do quantitativo da “Justiça em números”.
O interesse do Estado em apresentar uma gestão e com ela as
procedibilidades pairava além dos indicadores de dados e informações, porém no
interesse de criar mecanismos de funcionalidade do sistema de modo a aumentar o
controle e a fomentar a cada momento uma vida autossuficiente do sistema judiciário
e da sociedade gerenciada do ponto de vista legal.
447

Por trás dessa perspectiva, ainda sobejava um tendência natural de um


Estado mínimo, somente ocupando a posição de gerente “mediador”, como
resvalado, conseguindo que a complexidade advinda do crescimento pudesse
encontrar seu próprio ponto de estabilidade.
Em uma espécie de acomodação do sistema por ausência de opção, à
medida que a força em movimento, em todos os sentidos e que envolve todos os
envolvidos, em que estes assumissem responsabilidades anteriormente
capitaneadas só pelo ente “Estatal”, na figura do Poder Judiciário.
Nesse aspecto, a ingerência e a disfunção das funções do Estado quanto a
suas irresponsabilidades no trato da Justiça levam a pensar serem elas um
comportamento proposital, ao menos por um prisma.
O Estado sai de uma era paternalista e passa a assumir uma posição de
“madralista” daqueles que por muito tempo esteve a tutelar: a sociedade. Tal
posição, se não na totalidade, ao menos em parte justifica o reposicionamento
proposto pela reforma do Judiciário.
Aliás, a ineficiência e os meios alternativos de Justiça representam uma nova
forma de Justiça e sua gestão, em que a sociedade assume uma maior parte da
responsabilidade.
O peso da responsabilidade e a responsabilização da sociedade contribuem
para que venha a acontecer um amadurecimento mais célere, além de encaminhar a
sociedade para a sua autorregulação, uma espécie de emancipação.
Estranhamente, porém, ela parece fadada ao insucesso, porque a garantia de
acesso e a efetiva formação educacional substancial de base ainda representam
uma proposta muito distante de concretizar-se no contexto histórico educacional da
realidade brasileira.
No processo de manifestação da reforma do Judiciário, a crença de que o
esse representa ainda o melhor e exclusivo caminho para se alcançarem os
preceitos garantidores e fundamentais da dignidade humana também se manteve no
centro das discussões, reforçando ainda mais a proposta da necessidade de uma
melhor gestão em administração e controle do sistema judiciário.
Dessarte, se houvesse que sintetizar os motivos da reforma do judiciário, o
resumo motivador estaria lastreado na busca de um posicionamento sobre as
questões em que a divergência surge na forma de conflito insuperável.
448

O judiciário, como operador e mediador dos problemas legais, não estava a


atender os conflitos existentes, ainda que fugissem de sua alçada problemas de
ordem educacional e política, dentre outros. Os indicadores eram relegados ao
esquecimento e a fatos advindos de um processo histórico os quais também ocupam
os anais do processo noticiados na reforma.
No período militar, por exemplo, o apontamento de um caminhar do sistema
judiciário assentado em um conservadorismo arcaico típico das classes jurídicas
reinantes retratava essa época.
A ponto de o regime ditatorial determinar por Decreto que a competência do
judiciário quanto às questões de ordem política do próprio interesse do regime fosse
redirecionada à Justiça militar, poupando assim muitos magistrados do próprio
regime.
O Judiciário não tinha uma participação ativa e relevante, atuava na orla da
superficialidade das causas, combatendo os efeitos e relegando aquelas para
momentos futuros.
Firmado na manutenção das causas no mundo do desconhecido ou do
esquecimento, é evidente o distanciamento do Judiciário das realidades conforme se
extrai do trecho do diário do Congresso Nacional (seção I) 7851, sexta 1º, Maio
1992:

Por um desses absurdos inerentes a todo processo revolucionário, o


Judiciário foi o único dos poderes do Estado que manteve uma estrutura
praticamente inalterada, enquanto o Legislativo e o Executivo foram
modificados e, diga-se de passagem, nem sempre de maneira feliz – o
Judiciário foi esquecido. Acusou-o do reflexo de tais transformações, sem
ter colhido seus eventuais benefícios. E permaneceu como fora concebido,
para atuar dentro de um esquema menos ambicioso, de uma sociedade
estável, onde valessem realmente os precedentes na apreciação dos casos
levados à Justiça. A caducidade dos conceitos anteriormente esposados é
que urgia, afinal, o evidente: uma extensa e profunda revisão, para que se
possa, de novo, dar a cada um o que é seu.
449

No processo de reforma, são evidentes os problemas, do operador do sistema


há tanto sinalizado, como atesta o Diário do Congresso Nacional (seção I) 7851,
sexta 1º, Maio 1992:

O despreparo dos juízes é, sem dúvida, causa de preocupação, mas, de vez


que estes não julgam de ofício, deve preocupar igualmente o despreparo de
promotores e advogados, a formação intelectual do juiz não poderá, de si
só, remediar a injustiça em que redundar uma causa, por mal posta ou mal
preparada. / O ato do juiz é distribuir Justiça na medida em que aplica as
regras de direito preestabelecidas, outrossim da leitura dos dispositivos
Constitucionais que se infere a competência do órgão cupular do STJ e do
STF em rever suas súmulas, ou até mesmo cancelá-las dentro dos moldes
previstos em Lei; isto se amolda à tipicidade fechada de um sistema
judiciário onde os dados e informações tendenciam a um
preestabelecimento de regras e condições a serem exercitadas
cotidianamente aos casos apresentados.

Por trás das ideias extraídas das tendências, existem as ideologias que
apontam para a emancipação geradora de um novo sistema Judiciário, no qual a
consagração efetiva dos Direitos alcança esse estatuto, uma vez que a jurisdição
oferta ao jurisdicionado a garantia da aplicação das regras do Direito quando
evocadas.
O Estado representa parte relevante, não como agente realizador do Direito,
como corpo identificador e canalizador de mudanças que acontecem a partir dos
interesses sociais.
A jurisdição, a Justiça e a pacificação social passam a ser problemas de
políticas públicas, que representam uma condição da realidade inerente do Estado.
Desse mosaico, os indivíduos, as classes e as comunidades participam e se
convergem, gerando uma sinergia promotora do futuro.
O Estado passa a ser um indivíduo “singular” coletivo, cuja autonomia e
independência precisa ser reconceituada, redefinida para os novos tempos. A
Justiça também passa a ser um microssistema dentro de um sistema, em que os
novos modelos representam uma política de opção ou novas possibilidades, cujo
desejo impulsionado por vetores internos e externos do Estado possibilita uma nova
concepção de Justiça, uma nova alternativa ou um novo paradigma.
A nova perspectiva busca romper com a hegemonia de um sistema reinante,
de uma estrutura que, desde os seus fundamentos, esteve embasada em uma elite
institucional e burocrata, forjada para atender os propósitos estatistas e de pessoas
de sua redoma.
450

A reforma implementada a partir da emenda Constitucional 45 pode ser


reconhecida como a primeira grande alteração dos séculos do sistema Judiciário
brasileiro, entretanto não deve parar por suas cercanias. É possível inferir que as
mudanças oriundas do processo reformador representam mais do que uma
inquietude ou incomodação contra o velho modelo.
Sinaliza para em um futuro próximo o rompimento do atual modelo, na medida
em que a reforma, além de trazer a concepção de gestão e tecnologização do
sistema, trouxe em seu âmago reformador a busca por superar as insatisfações
frente às ineficiências existentes perante o Poder Judiciário.
É essencial meditar sobre um novo modelo ou um meio alternativo diverso
dos existentes a partir da contribuição da tecnologia, desde que não se afaste do
destinatário as demais opções já existentes.
Em que pese a reforma existente, ela não tratou do sistema a partir da
operacionalização, quando muito apontou os problemas mais gritantes, propôs a
incidência do sistema de gestão de empresa e abriu as portas a implantação da
tecnologização.
Todavia, os meios tecnológicos ainda somente incidem quanto às ferramentas
auxiliares nos lugares em que o complexo como um todo é operado pelo homem em
quase todas as suas etapas.
Sendo a espécie humana o centro operacional do sistema das principais
decisões, infelizmente as pressões e as influências desferidas sobre ele tendem a
refletir de forma decisiva sobre os resultados da Justiça.
A exemplo de questões como essas mencionadas, está o fato existente e
inconteste de, no auge da ditadura militar, o Poder Judiciário haver tido sua
competência redirecionada por intermédio de Decreto Lei para que as decisões não
viessem a colidir com os interesses do sistema vigente, conforme já comentado.
Disso se conclui que a orientação do Estado/Juiz quando de sua edição
embrionariamente esteve sempre orientada a atender em primeira ordem aos
critérios estabelecidos pelo Estado e só posteriormente direcionadas aos fins
sociais, desde que os interesses do Estado fossem definidos por ele mesmo e que
não houvesse conflito com suas disposições.
Em qualquer das hipóteses, a contaminação da parcialidade está a prejudicar
a neutralidade e a imparcialidade pelo fato de ser o homem/Juiz o responsável pela
manutenção e pela aplicação das regras legais.
451

Portanto, o resultado final da prestação jurisdicional em tais condições esteve


sempre eivado de vicissitudes pessoais ou subjetivas dos interessados do Poder do
Estado.
Pôr os olhos nessa realidade e suas peculiaridades distorcidas demonstra
que os elementos basilares da Justiça sempre foram pressupostos inexistentes,
máxime postulados conceitualmente constituídos e postos para justificar uma Justiça
formal.
A reforma do judiciário quando muito tratou de melhorar as condições
externas da Justiça quanto à sua otimização e à sua sistematização, deixando
incólumes todos os nefastos e sectários elementos ideológicos estruturantes de sua
tipologia, ou seja, a reforma tratou de aproveitar o mesmo sistema incrementando
alguns meios e alternativas na tentativa de salvamento pelo melhoramento do
modelo vigente.
Muito embora o processo reformador tenha advindo em decorrência da
reabertura política e social proveniente do processo de redemocratização com a
Constituição da República Federativa de 1988.
Os resquícios e suas mazelas ainda se mantiveram presentes, tratando “com
primor” os interesses primeiros do Estado em detrimento dos interesses sociais das
minorias consumidoras da Justiça que, em verdade, representam a grande
coletividade de indivíduos abstratos.
A participação ativa de órgãos internacionais, classes e instituições do Estado
brasileiro foram efetivas, entretanto ainda não suficiente para romper com o
monopólio da operacionalização da Justiça.
Por trás da reforma e sob o auspício da certeza e da segurança jurídica das
decisões para a manutenção das Garantias e dos Direitos Fundamentais, a
modernização agitada ainda manteve as velhas estruturas do Poder Judiciário.
A criação de mecanismos de gestão, de tecnologização, a criação de súmulas
para a estabilização das decisões, o reconhecimento de outros meios alternativos
para a resolução de conflitos.
Com a criação do CNJ para o controle como um todo do Judiciário dentre
outras implantações correntes no movimento de reforma do Poder Judiciário, não se
dissiparam o controle central da Justiça das mãos do Estado/Juiz, nem tampouco
deixaram de primar pelo interesse político, econômico e financeiro do próprio
Estado.
452

A instabilidade operacional, ainda que criticada e reconhecida, mesmo assim


sempre é acomodada pelo esquecimento ou pelo arrastamento e desconcentração
do foco, para causas diversas da questão apontada, subterfúgio retrógrado, mas em
afinado uso político estratégico.
O litígio e as controvérsias sociais existentes ainda representam
metaforicamente um alimento, um combustível interessante para a sustentação do
sistema judiciário secularmente ineficiente. O Judiciário representa, de certo modo,
um centro de domesticação dos indivíduos em sociedade.
O ciclo vicioso representa tipicamente um sistema que alimenta o próprio
sistema, que posa de guardião dos Direitos da coletividade, no entanto, quando
muito defende a si mesmo contra a invasão bárbara dos que tentam tirar dele o que
ele deveria espontaneamente oferecer, Justiça por intermédio da pacificação, Justiça
por intermédio da educação, Justiça por intermédio da entrega de resultados
satisfatórios que no mínimo seria dar uma resposta aos ditames da lei, dando a cada
um o que realmente é seu.
Por isso, se a reforma do Judiciário tinha como proposta a gestão de uma
estrutura condicionada aos critérios preestabelecidos pela Constituição Federal,
agindo com independência e autonomia, proporcionando não somente o acesso,
mas a manutenção e a entrega segura da Justiça, isto não aconteceu, nem ao
menos parcialmente.
O atrofiamento proporcionado pelos interesses do próprio Estado, que tendem
a financiar a insegurança e a falta de credibilidade por ausência de uma postura
proativa na gestão monopolística do Direito, cede espaço para uma gestão de
interesses do próprio Direito, no qual a Justiça acontece somente do ponto de vista
argumentativo da retórica.
Em semelhantes condições, a reforma foi mal concluída e exige uma outra,
principalmente para reconhecer que o monopólio operacional do Poder Judiciário
precisa ser temperado com uma inteligência diferente: integrada, uniforme e
automatizada, tanto no processo de gestão quanto na aplicação e no cumprimento
da lei, ao menos como um caminho alternativo que funcione eficazmente.
A comunicação tecnológica e as demais estruturas e formas que a tecnologia
pode proporcionar foram tratadas com um certo idealismo pragmático na reforma de
2005. E aos poucos aparecem a ela incorporadas após quase 11 (onze) anos, de
forma tardia e acanhada.
453

Os conflitos que participam do cotidiano desse Estado, a violência em elevada


escala são sinais de um Estado pouco interventor, um Estado mínimo e pouco
inclinado para o Estado social, do ponto de vista da eficiência e da eficácia de seus
propósitos.
A participação mínima do Estado cobra dele que, na outra ponta da relação,
esse agente público ostente uma orientação com regras claras, objetivas e de
resposta imediata.
A massificação faz com que ou o Estado seja ativo na orientação – evitando
a repressão – e o Judiciário se esvazie dos seus fins, ou, sendo ineficiente a
orientação em formação pedagógica e educacional, a repressão judiciária torne-se o
instrumento aparentemente eficaz, porque o acesso e as respostas acabam
chegando sempre com atraso, ante a ausência de integração, unificação e
padronização, impossíveis de se concretizarem, dadas as limitações da espécie
humana em atender às demandas que superam seus limites.
O esvaziamento pela ausência de confiança da sociedade demonstra que o
modelo de Justiça judiciária não atende com o vigor exigido, relegando as margens
por sua inutilidade instrumental, com isso, proporcionando o surgimento de um novo
modelo alternativo que possa atender à transitoriedade social.
Se, no passado, o Estado, em vez de torturar magistrados por colidirem com
seus ideários de Justiça com o regime, proporcionava a suspensão da competência
daqueles para entregar uma injustiça voltada aos interesses estatais.
Na pós- modernidade a limitação cognitiva que supera sua condição humana
legitima o Estado, ao menos em proporcionar outros meios alternativos para a
obtenção da Justiça, sem que haja uma participação direta do Estado/juiz no ato de
decidir.
Portanto, a reforma do judiciário tratou da importância da tecnologia à época
como gênero, quando as espécies com o desenvolvimento dos aparatos da
tecnologia foram deferidas para o futuro, que precisa receber atenção para a
concretização do seu auxílio.
O Estado está credenciado ao redirecionamento de uma Justiça Cibernética
para gerir – a partir de uma Inteligência que integre dados e informações capazes –
e em poucos minutos apresentar uma solução sobre as questões conflitantes
apresentadas, patrocinando por intermédio desse novo canal um novo modelo de
Direito, de Justiça e de julgamento.
454

Isso seria o mesmo que redirecionar a competência do operador humano para


o operador tecnológico. A diferença é que não haveria supressão do Estado/Juiz, ao
contrário, a nova inteligência estaria atuando cooperativamente como tendência de
todas as novas e modernas legislações do mundo e o Estado/juiz, cumprindo sua
real função de guardião da ordem Constitucional.
Seria cooperar para melhorar, e a escolha pelo sistema seria de
responsabilidade de seu usuário, respeitando com isso a essência da Democracia,
que é a de criar opções e oportunizar seu efetivo exercício do ponto de vista
material.
Se opção ou sobreposição, somente o tempo e o próprio homem serão
capazes de responder. A questão de uma reforma efetiva e real tem por bem
afiançar uma posição garantidora de um sistema em que a efetividade do Direito se
concretize.
Percebe-se que, após o Estado globalizado, a próxima fronteira é o Estado
tecnologizado, o que colocaria a todos em plena conexão e integração, inclusive dos
Direitos.
Ressalta-se que a reforma do Judiciário representa mais do que a
recolocação de um poder na evolução e no desenvolvimento dos tempos pós-
modernos. Seu registro e sua ocorrência são indicadores do desprestígio do próprio
Poder Judiciário que, como já dito, apresentava condições de ineficiência em sua
atenção aos Direitos da sociedade em geral.
Esse fator também é indicativo de como o Estado trata suas instituições, ou
seja, ao mesmo tempo em que contribui para seu sectarismo a ponto de colocá-las
na contramão da história, expõe-nas junto à sociedade como forma de diminuí-las,
fragilizá-las e impor uma redefinição de suas funções nos moldes tornados
obrigatórios pelo próprio Estado.
A inculcação da sociedade de que o sistema judiciário não contribui e nem
tampouco pouco atende com efetividade à resolução dos problemas, maquia a
realidade, fazendo crer em seu próprio enfraquecimento e, assim, seu controle está
a serviço dos interesses do Estado e não da sociedade como um todo.
Simultaneamente, o Estado transfere à sociedade a responsabilidade em
participar de um processo que ela desconhece e para o qual não foi convidada a
participar, mesmo após o processo de redemocratização da República do Brasil.
455

Os meios alternativos para a resolução de conflitos tornaram-se uma


panaceia correta do ponto de vista estratégico para o trato dos problemas. Um Poder
Judiciário menor transformou-se em um Poder Judiciário controlado e – em tese –
sem poder, por ter mostrado que a Justiça não é um ato exclusivo do Judiciário e
pode ser realizada por outros mecanismos legais previstos em lei, portanto não
obrigatoriamente pela via da jurisdição estatal.
Com esse modelo, o Estado também deixa de realizar os investimentos na
estrutura já existente e na geração de novas. O Estado afasta-se e deixa que a
sociedade, mesmo em conflito, passe a adotar o modelo de Justiça que melhor lhe
convenha, sempre distanciando-se do Estado/Juiz, aliás, colocando a Justiça
judiciária com última racio para a resolução dos conflitos.
A tecnologia aparece dentro de um cenário em que a diminuição e o
afastamento de uma ação mais ativa do Estado apresentam-se sempre menores
como uma estratégica a ser considerada.
Observa-se que a digitalização dos processos, a distribuição eletrônica das
ações, a distribuição eletrônica de mandados, a definição eletrônica de escala dos
auxiliares, a liquidação de sentenças via sistema, a unificação e a uniformização das
decisões, dentre outras ações, demonstram ser implementação da tecnologia
sinalizadora de uma gestão totalmente digital, ou melhor, de uma Justiça
tecnologizada.
A extinção de cargos e funções começou a dar visibilidade com maior clareza
aos arquivos físicos. Logo que todos os processos forem digitais, dispensarão o
investimento em espaço físico e de contingente profissional para sua manutenção, e,
com o procedimento de citação com a tecnologização da sociedade, o próprio
sistema tratará de cruzar as informações e destinar a informação das partes da
existência de processos. Os órgãos públicos e privados assumirão a conexão pela
publicidade e pelo cumprimento das determinações legais: no caso do último, por
delegação.
O cumprimento das medidas será obrigatório, visto que a indisponibilidade via
sistema da base patrimonial do devedor será atingida, à proporção que qualquer
operação passe a exigir a identificação do vendedor e do comprador.
456

Com isso, o Estado passa a ter controle a partir de uma base de dados
contendo todas as informações do indivíduo e de seus bens, os impostos serão
integrados e não haverá declaração de renda, ao contrário, haverá apuração de
tributos anualmente calculados pelo próprio sistema em decorrência do extrato
digital de acréscimo patrimonial.
O Estado é um articulador, e a Justiça passa a ser moldada da forma como
melhor lhe aprouver. O indício e a materialidade da diminuição da Justiça judiciária
desde a instalação da reforma do Judiciário são evidentes.
Se os meios alternativos e a tecnologia são considerados ferramentais
manejados pelo Estado em sua atuação como gestor dos seus interesses e da
sociedade, o tratamento dos problemas jurídicos começa a passar para uma nova
conotação.
Uma das hipóteses defensáveis e incontestáveis é a de que os problemas
têm natureza social por surgirem dentro da própria sociedade. Os conflitos, portanto,
são formas perturbadoras da higidez mental do indivíduo, tornando-o depressivo,
estressado e com outros sintomas negativos.
O desencadeamento de semelhante processo tem levado o Estado a tratar os
problemas jurídicos como doenças sociais cujo combate ou tratamento mais eficaz
passa ao largo das portas do Poder Judiciário.
E os cidadãos começam a ser encaminhados a clínicas psiquiátricas, a
consultórios de profissionais da psicologia, entre outros estabelecimentos que
possam resolver problemas físicos e psicológicos. É evidente o estrangulamento da
Justiça, pois, quando viabilizada pelos canais midiáticos, é apresentada com forte
conotação negativa.
A reforma como vem sendo feita ao longo dos anos, a avaliação de como o
Estado vem tratando o Poder Judiciário a partir do regime militar, a implantação de
meios alternativos de gestão e tecnologização, a alquimia pela qual os problemas
jurídicos passam a ser tratados, ou seja, para tornarem-se doenças sociais, com
sintomas, catalogação e receituário clínico de tratamento e prescrição médica,
geram o desprestigio do Poder Judiciário como um todo.
E também apontam para o rompimento do monopólio da Justiça judiciária
que, embora ainda resista, é possível ter sua ruptura prevista, como qualquer
criação realizada pela espécie humana.
457

Longe de examinar todos os elementos que estruturam e movem o sistema


da Justiça judiciária, é possível inferir que a materialização das mudanças encontra-
se arraigada dentro de um interesse maior do Estado.

 No Estado mínimo, o ticket– custo financeiro e econômico – começa a ser


menor, já que a sociedade passa a dividir com aquele a responsabilidade
por sua autogestão.Tratando-se de Justiça, o enfraquecimento do Estado
demonstra que historicamente a estratégia esteve a serviço dos interesses
do próprio Estado, que se mantém como um Poder acima dos poderes.

Em uma visão radical, poder-se-ia sustentar que inexiste Poder Judiciário. O


que se pode defender é a existência de um órgão Judiciário do Estado para a
tomada de medidas legais, na “tentativa” de resolução de conflitos com a qual se
obteria pacificação social, até o limite que o Estado tem julgado oportuno e
conveniente.
O mecanismo de controle pelo enfraquecimento é histórico e recorrente. A
peça central operacional do Poder Judiciário é o Estado/Juiz, no entanto, caso tal
poder passe a ser menos demandado a cada dia, é possível que em algum
momento sua extinção seja uma consequência e, com ela, haja o surgimento de um
novo poder judicante aparelhado pela tecnologia em Inteligência Artificial.
O enfraquecimento da sociedade pode ser considerado como um agente
reagente que faz com que as diferenças possam ser niveladas, assim, massifica-se
pela força do enfraquecimento e as questões comuns daquele grupo passam a ser
idênticas, com os mesmos sintomas comportamentais.
Exigirão, dessa forma, a execução de mecanismos compatíveis e similares,
os quais somente poderão ocorrer se o sistema judiciário atender aos critérios de
unificação e uniformidade pelo processo de integração dos dados e informações via
sistema.
458

A movimentação do Estado sinaliza para novas reformas, para a


reestruturação e não apenas para mudanças que seriam aproveitar as velhas bases
com suas qualidades e defeitos quase sempre incorrigíveis. Com essa tendência,
novos modelos serão invitáveis; para Paiva (2012, p. 136):

Quanto maior a repercussão da reforma junto à opinião pública, menor foi a


capacidade de o corpo burocrático tratar a questão como algo restrito à
administração estatal. A prestação de contas, que a sociedade passa a
exigir do Judiciário, é um todo, é um indicativo de maturidade democrática,
maior controle social e republicanização das instituições.

A sociedade passou a não querer mais Justiça nos moldes da antiga, e sim
uma Justiça diferente, de resultados, aliás, mais resultados do que efetivamente
Justiça. A “Republicanização” é um nome representativo da tecnologização e da
mecanização dos Direitos e Garantias Fundamentais por intermédio da implantação
de uma nova sistemática operacional.
A emenda 45/04 é um marco tardio que não eclodiu em 1992. A implantação
da mecanização tecnológica ou da tecnologização da Justiça sinaliza para a ruptura
da ordem vigente.Onde a base da Justiça judiciária em sua larga escala ainda é uma
rotina absorvida pelo Estado/Juiz de primeira instância.
O qual representa uma base de pouca utilidade quanto ao posicionamento do
entendimento legal, por serem as instâncias superiores as responsáveis pela
validação e pacificação dos entendimentos no processo “interpretatório” da lei,
reserva a essa, à exclusividade dos Tribunais de cúpula e de sobreposição.
A tecnologização é um fenômeno comprovável cientificamente, por isso,
concreto no sentido de definir a nova natureza da Justiça. A padronização é a
constatação de uma horizontalização do sistema em Inteligência Artificial capaz de,
em segundos, atualizar, integrar, unificar, uniformizar e padronizar os parâmetros
das questões de ordem legal.
459

A coletivização do acesso tende a contribuir para formar uma nova


consciência, compromissada com o coletivo, com o universal e, com esses e outros
propósitos, contribuir colaborativa e cooperativamente para com o melhoramento da
sociedade como um todo. Segundo Rouanet (2003, p. 228-229):

O individualismo ético da ilustração se baseava efetivamente numa


separação ilusória entre indivíduo e sociedade, e não formulou com clareza
a relação entre a autorrealização do indivíduo e o interesse coletivo. Mas
estaríamos condenados necessariamente a perder, com o fim do
individualismo, duas de suas consequências mais valiosas: o direito à
felicidade, sacrificado ao bem-estar da sociedade e ao julgamento moral
autônomo, absolvido na eticidade?292

292 Por outro lado, nesse excerto, em contraponto, esclarece o mesmo autor, em citação extensa, mas
propícia à reflexão realizada: “A Ética discursiva não aceita o individualismo, mas pode oferecer um
caminho para preservar essas duas conquistas do individualismo. O individualismo é incompatível
com a teoria da ação comunicativa. Para ela o homem é um ser plural. Ele nasce numa comunidade
linguística e organiza as relações com seus semelhantes sobre o pano de fundo de um mundo vivido
intersubjetivamente compartilhado. Mas se a teoria discursiva não é individualista, ela está longe de
atribuir à comunidade um poder de tutela. / Isso significa, entre outras coisas (I) que o indivíduo tem
direitos complementares ao da comunidade, e (II) que as normas e instituições da comunidade não
podem esquivar-se de uma investigação crítica. O indivíduo só existe em interação, mas essa
interação pressupõe o reconhecimento da dignidade e integridade de cada participante. Em cada
processo comunicativo, Ego e Alter aspiram a ser reconhecidos como individualidades únicas e
insubstituíveis. O homem tem direitos como indivíduo, que não podem ser cancelados pelos direitos
da comunidade. / Entre esses direitos do homem como indivíduo, e não apenas como membro da
comunidade, como homme e não apenas como citoyen, na terminologia da ilustração, está o direito à
autorrealização, segundo seu próprio estado e sua própria concepção de felicidade. / Habermas está
tão consciente desse direito que se afasta, nesse ponto, do modelo kantiano, sem dúvidas, com todo
o seu pietismo, Kant não negou que o desejo de felicidade fosse legitimo. Ele simplesmente negou
que a felicidade fosse um telos para a ação moral. Não era uma questão suscetível de ser regulada
pelo imperativo categórico, que se ocupa apenas de preceitos aplicáveis a todos os homens. As
concepções de felicidade variam de indivíduo para indivíduo, e não podem ser universalizadas. / Não
obstante, é certo que há elementos autoridade excessiva na ética kantiana. A separação radical entre
a esfera do dever e a da inclinação entre a razão e a sensibilidade tem algo de externa, mas implica
uma repressão autoimposta. Consequentemente, Habermas abandonou esses elementos. Os
desejos e efeitos, excluídos por Kant, são readmitidos pela ética discursiva, sob a forma de interesses
generalizáveis. O conceito monológico de autonomia é substituído por um conceito intersubjetivo,
segundo o qual o livre desdobramento da personalidade de cada um depende da liberdade de todos
os outros. / Isso não basta, evidentemente, para incluir a questão da felicidade no âmbito de ética
discursiva. Nisso, ela segue o modelo kantiano. A autorrealização é estritamente individual e lida com
uma esfera que não é acessível à ética discursiva e à dos valores. Qualquer esforço de interferir
nessa área teria caráter repressivo e dogmático. A felicidade não pode ser deduzida de nenhum
imperativo categórico. O que ela pode fazer é delimitar o espaço dentro do qual podem desdobrar-se
os projetos de autorrealização de indivíduos e grupos de indivíduos. Esse projeto não pode violar os
elementos universais de moralidade, contidos no princípio da universalidade, como a igualdade de
direitos de todos os homens. / Essa limitação não exclui as experiências contraculturais, as formas
alternativas de vida, a livre sexualidade. Mas exclui aqueles projetos de autorrealização que violem o
princípio kantiano de tratar os homens como fins e não como meios – a violência, a intolerância, a
opressão, e mesmo ao desrespeito e esforços de autorrealização tentados por outros grupos de
indivíduos (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003, p. 228)”.
460

A intersubjetividade da ética discursiva é a garantia da norma aplicada; sua


reinserção na vida social em um Estado mínimo representaria a ética da
responsabilidade, afastando-se da ética da convicção que, em última instância, é
uma repressão à individualidade coletiva realizada pelos próprios indivíduos.
A consciência das consequências da aplicação da lei é um passo que
antecede o cumprimento das obrigações do dever rigoroso da própria lei, ou seja, a
lei deve começar em si e terminar em si, porque isso representa um ideário kantiano
da visão hipotética de categorias.
Na ética discursiva/ética da responsabilidade, os atores encapsulados ao
princípio U, têm consciência de queconsideram as “consequências e os efeitos
colaterais”. Nesta emancipação, o indivíduo pode alcançar a felicidade pela via da
coletividade, com isso, validando a ética discursiva.
O entendimento ganha validade tomando como base o cenário atual em que
as normas são ineficazes, uma vez que a legitimidade não encontra o
reconhecimento da legalidade junto a seus destinatários.
A par disso, o Estado tem notado que a base do sistema judiciário ao longo
dos tempos vem perdendo estabilidade, a ponto de não alcançar de forma efetiva a
resolução de conflitos, mesmo quando do uso regular de suas normas, componentes
de seu ordenamento jurídico.
Os problemas são dos mais diversos, mas nenhum supera o volume maciço
de demandas – frente o gigantismo nacional populacional – e a limitação da
infraestrutura e da estrutura física e intelectual do sistema judiciário.
Afirmar que não são objetos de questionamentos e de reflexões esses
problemas tornariam correto constatar que a ausência de inovação para sobrepor os
velhos paradigmas ainda seria uma questão por acontecer.
O desprestígio e o desrespeito dispensam comentários, aliás corriqueiros, e
curiosas são as “cenas da justiça ao vivo” quando o crime organizado banaliza a
estrutura judiciária.
Seus colaboradores auxiliares e até mesmo seu operador em alguns casos
relativizam de forma prevaricatória suas atribuições por “medo” das consequências
advindas das retaliações do poder paralelo.
Se no passado o desprestigio foi uma arma decisiva do próprio Estado para
contribuir na facilitação dos entraves e das arestas encontrados na fase de reforma
do poder Judiciário.
461

Agora o Estado, servindo-se do mesmo “remédio”, encontra-se oprimido. Os


efeitos tardios da política do “enfraquecimento proporcionado pelo desprestígio”
apontam para a necessidade da inovação acentuada do Judiciário em seu sistema
operacional para decidir.
A integração e a uniformização bem como a participação cada vez maior de
sistemas virtuais forjados em uma linguagem tecnologizada ganham espaço junto à
realidade humana.
A tecnologização como uma mediadora do ato de julgar passa a ser uma
opção de abreviação, de eficácia, de efetividade, além de ser uma escolha válida,
que poderá atender, e muito, aos interessados que deixam atualmente de recorrer
ao Judiciário, devido à falta de confiança que nutrem por seu julgador.
Do Boletim AASP n.º 2933. (2015, p. 5): “Regulamentados os procedimentos
para julgamento de incidentes de uniformização de jurisprudência (TST)”: A
tendência constante a tal tipo de procedimento leva somente a um fim, de que a
Justiça judiciária em sua base tem em um certo espaço de tempo buscado por
introduzir soluções preestabelecida em casos comuns.
Promover a transposição dessa base de dados, informações e cognições para
um Poder Judicante Uniformizado com o uso da tecnologia em que o Direito passa a
ser mediado por intermédio de uma Inteligência Artificial – a Era das plataformas
digitais. Essa posição representa um novo paradigma alternativo de acesso para a
obtenção da Justiça.
A impenetrabilidade do Judiciário já há muito tempo fora superada, a
identificação de problemas e a consciência de que seus serviços são essenciais por
causa da natureza pública e monopolística exigem um entrega efetiva.
Se, por algum fator, sinalizam uma entrega em que o quantitativo e o
qualitativo não se fazem presentes ou quase sempre o fazem de forma parcial, além
de revelar a ausência de efetividade, demonstram claramente que o modelo de
Justiça judiciária não participa de forma plena da realidade social, contrariando
frontalmente a (CRF).
A democramecanização já se vê presente, todavia somente como um
coadjuvante, um aparato auxiliar do sistema operacional da Justiça na obtenção dos
fins a tornará completa.
462

Esse processo precisa atingir o alvo central que é o operador do sistema


judiciário, com a implementação de dados, informações, integração e uniformização
em busca de que o entendimento e o julgamento possam tornar-se efetivamente
previsível.
Com essa nova performance e dinâmica, a Justiça passa a ter em seus meios
para seus fins uma democramecanização tecnológica que possa gerir o
ordenamento jurídico de forma integrada e unificada, evitando, assim, dentre tantos
outros males, a clivagem judicial, criada quando da aplicação das leis.
Semelhantes distorções também são tributárias de uma forte verticalização do
Poder Judiciário em suas instâncias. A rivalidade e a falta de simetria entre seus
operadores (de instância para instância) são claras, notórias e evidentes (uma
tensão política), tratando-se entre si como se fossem Justiças, acepção errática
denunciada por Nelson Jobim em artigo colecionado na revista AASP n. 128, ano
2015, citado nesta pesquisa.
Tal comportamento se consolida devido à liberdade institucional do livre
convencimento e da formal fundamentação que o Juiz deve reservar-se quando do
ato de julgar. Pouco importa se tal ato frutificou a solução ou simplesmente se deu
mediante uma reposta obrigacional do seu ofício, desde que fundamentada.
Além, é óbvio, da forma desenhada e disposta na (CRF) com relação à
organização judiciária, mal semelhante que acomete a Teoria Geral do Estado ao
entendimento da conjugação dos Poderes do Estado, em que não mais se admite a
interpretação de “separação” mas sim de cooperação e colaboração reservadas à
autonomia e à independência, em virtude das respectivas funções e finalidades de
tais órgãos.
A não insubstitutibilidade do operador, do Estado/Juiz, seja porque sua
ineficiência em escalabilidade/demanda cedeu espaço a outros meios alternativos
sob a mitômana máxima dos meios alternativos à realização da Justiça, na verdade
indicaria ser mais coerente afirmar que os até então “meios alternativos” são
indicadores e demonstradores da ingerência e da infuncionabilidade da Justiça em
seu efetivo funcionamento.
463

Os meios alternativos de acesso a uma Justiça acabam atuando como


complemento ou suprimento de uma inação judiciária. Esse diagnóstico aponta para
a falência do seu modelo, dada a falência do sistema operacional da Justiça, a
falência do homem como carrasco do seu eu – outro, porque trata da lei (quando de
sua aplicação) com menos interesse da Justiça e muito mais pessoalidade e
subjetividade, no intuito de atingir uma mudança social que nem sempre é, foi ou
será parte efetiva para compreender as razões e as reais mudanças a serem
introduzidas.
A Justiça em números representa o estereótipo de uma Justiça de “bacia” ou
“container-izada”, plena de dados estatísticos, simplificada, de quantidade,
padronizada pela uniformização destinada a somente dar respostas à psicopatia do
Estado, que tem preocupação com a quantidade e pouco com a qualidade, em uma
espécie de se livrar do “problema” ao qual, em tese, deveria dar a melhor solução.
Por isso, o sistema processual civil tem de vencer a barreira da
instrumentalidade e galgar rumo à digitalidade em estrutura operacional. Dado o
nível de avanço e o desenvolvimento das ciências cognitivas nas últimas décadas, é
possível sustentar teoricamente os cientistas podem edificar um novo conceito em
Processo Civil com uma outra metodologia.
Não se revela com tal modelo, diz-se o convencional com tal forma de
atuação: dominar e ofertar o atributo da previsibilidade, da garantia, da eficiência e
da eficácia, porque as formas de integração, unificação e uniformização são
realizadas ainda de maneira arcaica e rudimentar, conforme se pode constatar dos
julgamentos realizados nos tribunais nacionais.
Caso se considere nesse contexto que a menor preocupação é o
compromisso com o “justo”, a manutenção do custo operacional de um Juiz, não se
justifica mantê-lo nos quadros do judiciário na posição em que se encontra,
produzindo o resultado que proporciona.
Sua capacidade e funcionabilidade (expertise nas ciências jurídicas) para os
fins de uma Justiça que se repete em precedentes pode ser redirecionada a outras
funções para o aperfeiçoamento do próprio Direito e da Justiça dentro do critério de
formação continuada.
464

Também, em sendo a integração, a unificação e a uniformização processos


ainda realizados de forma manual, a quantidade, a simplificação, a padronização e
outros atributos encontram-se comprometidos, dada a limitação do sistema
operacional responsável pela gestão dos dados e informações de interesse do
Poder Judiciário.
A reforma do judiciário foi um passo, um “tidbit” que delatou um pouco do
caótico quadro de um dos poderes essenciais do Estado. Nesse contexto, a reforma
faz prova dessa realidade!
O sistema do Poder Judiciário não comporta outra reforma, uma vez que a
estrutura existente não suporta as infindáveis tentativas de remodelagens plásticas
da Justiça judiciária ofertadas e disponibilizadas.
Nas reformas, não encontramos espaço para rupturas, modelos que possam
substituir outros porque são melhores no atendimento das necessidades e das
essencialidades.
Por certo, o Poder Judiciário caminha para uma Revolução do Judiciário, um
recorte mais profundo. São novos conceitos, um novo sistema, uma nova ideologia,
uma nova forma de funcionamento.
Neste instante, o Judiciário não pode ser considerado no sentido filológico da
palavra um “Poder”, é, portanto, máxime um sistema gerido em condições
predefinidas a partir de um conjunto de regras legisladas e aprovadas pelo Estado
por meio de seus representantes. Essa antítese aparente se dá devido à ineficiência
em cumprir com os seus fins idealizados na CRF.
O Judiciário é uma extensão do Poder do Estado, o qual está legitimado a
observar e avaliar o funcionamento de seus órgãos de regulação, manutenção e
punição. O Judiciário em si é uma mera casa de aplicação das leis, como já
chamada no passado “Casa das Leis”.
Atualmente, é portador de uma Justiça denominada para fins desta pesquisa
científica como Justiça judiciária, o que não afasta o Estado de incorporar isolada ou
concomitantemente o reconhecimento, a implantação e o funcionamento de outro
modelo de poder judicante, na medida em que o ato de julgar não é privativo da
jurisdição como afirmado pelo já citado Liebman.
465

A assertiva vem amparada em pesquisa científica inquestionável, de


avaliação séria, realizada pelo IPEA. Mais uma vez, constatou-se a falta de
credibilidade de um sistema em que a reforma somente tratou de maquiar suas mais
profundas e incorrigíveis distorções, diante da “Percepção social do brasileiro sobre
o sistema judiciário”, segundo pesquisa do IPEA”.293

293 “Percepção social do brasileiro sobre o sistema judiciário, segundo pesquisa do IPEA: Pesquisa
realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) traz novas informações sobre como a
população avalia o sistema judiciário brasileiro.Depois do primeiro SIPS Justiça (Sistema de
Indicadores de Percepção Social), divulgado em novembro de 2010, a segunda edição, realizada pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), traz novas informações sobre como a população
avalia o sistema judiciário brasileiro. / No estudo, foram apresentados dados relacionados à
percepção pública da atuação de promotores, juízes, defensores públicos, advogados e policiais civis
e federais. Nenhum deles foi bem avaliado. As polícias civis são o segmento do sistema de justiça
com pior avaliação por parte da população. / A pesquisa analisou alguns hábitos de justiciabilidade
dos brasileiros. Verificou-se que a procura pela justiça para a resolução de conflitos ou a realização
de direitos está associada a atributos sociodemográficos ou a tipos de problemas enfrentados. Os
tipos de problemas mais sérios relatados pelos entrevistados são os problemas de família, vizinhança
e relações de trabalho. / Há muito se sabe que a justiça nem sempre é acionada pelos cidadãos para
resolver todos os conflitos. Estes achados fazem emergir questões importantes para a reflexão sobre
como esse fenômeno ocorre no caso brasileiro. / O estudo também demonstrou a relativa fragilidade
da imagem pública da Justiça entre os cidadãos, a avaliação negativa da justiça é generalizada na
sociedade brasileira e tende a ser mais negativa entre os que buscaram ativamente a Justiça para a
resolução de conflitos ou a realização de direitos. / A pesquisa revelou um sistema de Justiça
marcado por investigações policiais “bastante críticas” e por critérios como rapidez, imparcialidade e
honestidade abaixo de níveis médios em uma escala que vai de zero a quatro pontos. A polícia
judiciária aparece com a pior avaliação entre o grupo analisado. Uma das queixas mais frequentes da
população diz respeito ao mau atendimento nas delegacias. / Notas atribuídas pela população à
Justiça brasileira: Escala de 0 a 10: A população dá nota 4,55 à Justiça brasileira. Escala de 0 a 4: (i)
As pessoas ouvidas deram nota 1,81 para a polícia civil; (ii) 2,2, foi anota atribuída à Polícia Federal e
à Promotoria; (iii) Os juízesreceberam nota 2, 14; (iv) Os defensores públicos 2, 0; (v) Os advogados
receberam 1, 96. A pesquisa ouviu 2.770 brasileiros em todos os Estados do país *05/2011
(Disponível em: <http://www.probono.org.br/percepcao-social-do-brasileiro-sobre-o-sistema-judiciario-
segundo-pesquisa-do-ipea.> Acesso em 06 jul. 15.)”
466

17 A EXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO PARADOXAL NA CONCEPÇÃO DE


JUSTIÇA

17.1 Por uma redefinição de Justiça, uma alquimia fundida a partir da cultura, do
homem e da linguagem para a edificação de um plano Constitucional social concreto

O novo modelo proposto, de uma Justiça mediada pela Inteligência Artificial


em que a tecnologização se encarregará de integrar uma base de dados e
informações no âmbito nacional e internacional segundo as regras gramaticais e
semânticas dessa nova linguagem, guarda em si grande probabilidade de esbarrar
no enfraquecimento ou na extinção de uma cadeia de jurisdicionados pendentes,
dependentes e completamente desconexos das novas regras propostas para a
redefinição de uma nova Justiça.
Está aí um sofrimento inevitável, promovido pela relação paradoxal entre uma
Justiça que se destrói e uma que se constrói, porque a espécie humana, a fim de
aceitar uma situação ou sua condição, precisa hodiernamente mais do que uma
resposta, mas de uma confirmação por intermédio de regras com carga resolutiva de
efetividade material concreta, que conduza a uma decisão denominada Justiça,
todavia distinta de uma ideologia meramente programática. Para Derrida (2010,
p.05): o processo da desconstrução do paradigma de Direito e de Justiça é doloroso,
porém necessário.

O sofrimento da desconstrução, aquilo de que ela sofre e de que sofrem os


que ela faz sofrer é talvez a ausência de regra, de norma e de critério
seguro para distinguir, de modo inequívoco, direito e justiça. Trata-se, pois,
de conceitos (normativos ou não) de norma, de regra ou de critério. Trata-se
de julgar aquilo que permite julgar, aquilo que se autoriza o julgamento.

Embora esse seccionamentodecorrente de certa ruptura, ofertada por um


novo modelo, permita encontrar no seio da vacância uma regra de transição que
possa ser modulada a ponto de evitar sempre um mal maior, porém não totalmente.
Mudar significa que a permanência física será substituída, no caso do sistema
jurídico suas bases.
467

O temor da falta de um paradigma pela destruição causada pela ruptura exige


uma resposta com carga de efeito material, o preenchimento de um corpo cognitivo
que garanta o estabelecimento, que autorize o ato de decidir ou julgar, sendo
inconcebível o vazio.
O desencaixe, ohiato que se abre, é um abismo incontornável para uma
solução proposta a partir de um novo modelo, condição natural de uma ruptura
paradigmática na cultura e na linguagem do homem, no surgimento de um novo
sistema de operacionalização para a ocorrência do evento Justiça.
Não poderia ser diferente no contexto das ciências jurídicas, em especial na
temática envolvendo o Direito e a Justiça que são (epicentros), pois a eles também
se estendem os efeitos de transição.
Esses são sintomas comuns a todas as mudanças de conceitos e da
dinâmica a serem redefinidas, principalmente no ambiente das leis, uma vez que os
novos diplomas visam atender a uma nova realidade social a partir de uma
linguagem mais adequada.
Traz com isso, de uma forma geral ou específica, instrumental implacável
para minimizar os entraves até então enfrentados e, com isso, otimizar toda a
procedibilidade possível para a concretização dos objetivos materiais do
ordenamento jurídico em suas diversas áreas, em consonância com a carta Magna,
seu maior referencial.
Parafraseando Warat, a cartografia dos sentidos precisa ser redesenhada
para a aceitação e o exercício das novas práticas sociais. As formas de refletir, ler,
ouvir, escutar, interpretar, argumentar, sentir e definir o Direito e a Justiça são
contingenciais (temporais), portanto, passageiras (uma construção). Há, por essa
perspectiva,sempre um novo mundo à espera do jurista, que esse acaba por
descobrir.
A revisitação do conhecimento precisa ser concretizada sempre que
necessária. É um fardo comum a quem envereda por essa seara, somente assim os
propósitos discutidos e rediscutidos da autonomia e da eficácia poderão encontrar
um solo propício à sua fertilização.
Em que os novos conceitos tragam em si uma carga maior de materialidade
descritiva e orientativa no campo do ordenamento jurídico, afastando o paradoxo
entre a Justiça formal e a concreta, e entre o Direito formal e o material.
468

É essencial que o Estado garanta o exercício prático da liberdade intelectual


normativa sem tornar-se obstáculo para sua efetividade, mesmo que tenha de rever
seus próprios conceitos (mudança dos mecanismos do seu próprio sistema orgânico
de gestão ou de uma cultura do Direito e da Justiça), quando perceptível a falência,
podendo, tanto o sistema como a cultura, em ser atingidos pelos efeitos da
mudança.
Nesse sentido, torna-se necessário que o Estado reveja sua própria estrutura
e reavalie – “juízo de reconsideração” – suas antigas formas de lidar com os agora
“problemas atuais”, não só no trato da aplicação da lei, como na entrega do
resultado amparado na lei em que se baliza, em respeito ao princípio da simetria
normativa, até o efetivo alcance da Justiça proposta.
A partir de então, é considerável que as decisões modelares precisem
representar as ideias críticas frente aos problemas noticiados pelo paradoxo, de
modo a satisfazer seus destinatários, de maneira que o Estado e a sociedade civil
estejam dentro dos limites definidos pela lei.Com isso, a autonomia estaria
acontecendo no plano real, superando as articulações discursivas heurísticas
retóricas, pelo fato de a satisfação preponderar.
É imprescindível que a calculabilidade e a previsibilidade esperadas estejam
presentes no campo teórico e no prático, e, com isso, seja alcançada em um estágio
de tempo razoável a redefinição da Justiça e da forma pela qual será
procedimentalizada, tendo no mesmo sentido as regras do Direito como critérios
orientadores para a concretização da Justiça.
A sociedade passaria à condição de alforriada do arbítrio subjetivo das
decisões judiciais, afastada da pessoalidade revestida de uma imparcialidade
mística, pouco confiável e de conceituação imperfeita ou duvidosa.
Isso passa a ser possível na medida em que a tecnologização força a
redefinição dos conceitos de Direito e Justiça, e a mediação de toda a estruturação
para a materialização dos serviços disponibilizados pelo sistema judiciário, para que
aconteça efetivamente, porque o mecanismo responsável atinge de forma fulcral
toda a logística judiciária, ou seja, da definição das regras, da mediação, da
aplicação até seu efetivo cumprimento.
O sistema judiciário passa, assim, a ser submetido a critérios objetivos e
concretos de funcionamento, a partir de um novo paradigma de Justiça, enquanto
estrutura para seu acontecimento e seu conceito.
469

A temporalidade que envolve as definições e as conceituações sociais em


alguns momentos são inevitavelmente atingidas pela incomensurabilidade
proporcionada pela ruptura. Portanto, se “o tempo não para, tudo consequentemente
passa”, e um modelo supera o outro.
Não se trata de uma cruzada contra a Justiça, visto ser um instrumento
essencial e imanente do Estado no controle, na manutenção e na integração da
ordem social, todavia, para que isso aconteça, as regras de Direito precisam ser
otimizadas, sob pena de sacrificar o próprio Direito e a Justiça, há tanto clamada e
esperada.
A implementação de um sistema mediado pela tecnologia representa mais do
que um compromisso assumido pelo Estado, mas a oportunidade dada por esse a si
mesmo em operacionalizar as regras a partir de um modelo que retrate as
perspectivas dos novos tempos, tanto em demanda como na satisfação dessas,
cumprindo, assim, com as propostas democráticas legislativas, constitucionalmente
gravadas na carta Maior, de que o Estado é sentinela.
O império da lei e sua aplicação precisam ser garantidos, conforme menciona
Rouanet (2003, p. 128): “Monopólio da autoridade, contra os particularismos
judiciários, legislativos, militares, e racionalização dessa autoridade[...]”. É um Direito
do cidadão ter um Direito material e concreto destinado exclusivamente a ele e sem
censura, ou melhor, onde o sujeito passa a ter uma perspectiva tangível e efetiva de
estar sob o império da lei, ou então se convive com o caos.
Para tal acontecimento realizar-se dentro de uma concepção moderna de
Estado, a geração de mecanismos instrumentalizados tecnológicos para esses fins
representa uma prática vital para a manutenção de sua própria soberania, inclusive
no processo de integração, unificações e uniformização do sistema dentro de um
plano nacional de política legislativa judiciária.
O Estado deve garantir a diligência funcional de seus fins, sob pena de ser
questionado a ponto de ser deposto por um outro ou uma outra forma de controle
em sua gestão organizacional judiciária.
A pós-modernidade tão falada incendeia o estopim da pós-modernidade real,
ainda não deflagrada. Essa pós-modernidade não desfrutada representa uma
complementação ao direito de gozo, uso e fruição do Direito.
470

A via crucis para a consagração da pós-modernidade que ainda não houve


deve acontecer em sua totalidade dentro do ambiente do Judiciário. Para isso, é
essencial que a constatação de resultados coloque em questionamento o próprio
Estado/Juiz, cuja elementariedade tem historicamente comprometida a própria
Justiça social tutelada constitucionalmente.
Na pós-modernidade, tanto quanto na modernidade, a finalidade última
significa otimizar, fazer acontecer, divorciar-se dos padrões retrógrados e
infuncionais de um modelo ultrapassado, sectário e que se vê estagnado no
absolutismo das vozes de uma “modernidade tardia” como verbaliza Lênio Streck.
Na imensidão das palavras, esquece-se da substancialidade das formas, no
sentido aristotélico do termo, com a acentuada distinção de que na modernidade a
revolução esperada se daria a partir dos homens e na pós-modernidade se dará com
eles e as máquinas, sendo essas auxiliares essenciais se treinadas por aqueles.
O plano da estrutura do paradoxo da Justiça constitucional vigente engloba a
“liberdade-autonomia”, considerada já existente nessa, a autodeterminação como
conceito que abarca a concepção de “modernização-autonomia”, firmada a partir do
conceito de “modernização-eficácia”.
Semelhante conceito, mal interpretado, deu ensejo à gestão de um poder das
minorias e de seu controle, criando suas próprias condições sob a pseudo pretensão
de estar garantindo os Direitos e as Garantias Fundamentais desde as declarações
dos Direitos do homem.
A ingerência das minorias e a má gestão no controle e na administração dos
Direitos sociais no funcionamento do Estado é clara e evidente no exercício de seu
cotidiano.
Merecendo destaque a não conquista dos resultados eficazes propostos
constitucionalmente, diante da ausência de autonomia dos governados para o
exercício de uma postura procedimentalista calcada na substancialidade
Constitucional.294

294 Para Rouanet, “Na ótica da autonomia, em suma, a modernização do Estado não visava à
implantação de um Leviatã burocrático, reduzindo os governados a peças de uma engrenagem
incompreensível, e sim à criação de um Estado a serviço da liberdade e da autodeterminação. Na
prática, a modernização-autonomia acabou coincidindo em larga medida com a modernização–
eficácia.Um dos primeiros efeitos da modernização política introduzida pela Revolução com base nas
ideias da Ilustração foi a extinção das irracionalidades administrativas do Antigo Regime, mas a prova
de que essa coincidência é contingente foi dada pelo Estado bonapartista, eficaz mas não livre. Para
a Ilustração, a intenção não era substituir o Estado burocrático ineficiente de Versalhes por um
Estado burocrático eficiente em Paris, e sim um Estado circunscrito em seu poder e legitimado por
471

A incompreensão do que seja efetivamente “autonomia” tem gerado os efeitos


maléficos dos motins, das guerras civis em muitos tipos de Estados, a destruição de
monumentos, de órgãos públicos e privados.
O que exige que o Estado pense e aja em conjunto com a sociedade para que
a médio e a longo prazo consiga recolocar nos trilhos da pós-modernidade um povo
consciente de suas responsabilidades, alcançando, assim, a concretização da
modernização-autonomia, em que a eficácia não esteja tão dependente do controle.
A integração das ciências é uma condição dos novos tempos, uma vez que os
novos conhecimentos e sua incessante mutabilidade passam a exigir e a contribuir
para novas soluções, pautadas no equilíbrio de expectativas previsíveis, a partir de
um conjunto de regras já valoradas e condicionadas em uma nova sistemática,
operacionalmente tecnologizadas.
A ciência da retórica que, durante muito tempo, recebeu aplausos e manteve
seu espaço cativo com suas honrarias, cede espaço para um mundo vivido, um
mundo real em que o conhecimento das ciências exige resultados reais e efetivos,
capazes de não somente resgatar a credibilidade do Estado mas de fornecer-lhe
condições de implantar e implementar novos modelos de controle na solução dos
conflitos em que ele deve dar a última resposta.
O homem do Direito é um homem do mundo, e o mundo é feito de uma
totalidade com suas particularidades e seus universais, por isso, a padronização é
uma condição de um futuro já presente.
O risco da ingerência promovido pelas pessoalidades e pelas subjetividades
exige que sejam criados mecanismos legais, capazes de dar respostas rápidas,
seguras e eficazes, dando às adversidades sociais segurança pelo plano da
estabilidade concreta. Para isso, instrumentais sistêmicos convertidos a esses
objetivos se revelam essenciais.
Na compreensão das propriedades internas e externas dos atos sociais,
reside uma estrutura cognitiva para as decisões e suas efetivas soluções; dessa
alquimia raia a concepção de Justiça como algo transcendental.

algum tipo de participação dos governados. Um Estado que se limitasse a deter o monopólio da
violência e do fisco, e a administrar de acordo com os critérios formais de competência seria
considerado moderno, segundo a lógica da eficácia, mas não segundo a lógica da autonomia
(ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003, p. 159)”.
472

Nesse modelo de Justiça judiciária, as decisões, muitas vezes inconcebíveis,


são “aceitas” “como decisões portadoras de resultados efetivos, que acomodam os
anseios do homem em sociedade, quando, em verdade, representam
autoritariamente uma imposição ao indivíduo, forçando-oa silenciar, por ausência de
opção.
Isso se dá porque o homem, já cansado de esperar, extenuado, tungado,
precisa acreditar que chegou ao fim de uma longa e insólita busca, pois mais nada
tem a perder.
Disso se conclui que a Justiça social proposta constitucionalmente exige
redefinição, por intermédio de um caminho alternativo que possibilite sua
concretização, passando do campo ideológico para o mundo ontológico.
Por essa razão, a dessacralização da forma de ver e enxergar o mundo
aponta para uma ruptura do tradicionalismo em que aquele se viu imerso por
séculos. Segundo Rouanet, desde a modernização a racionalização dos processos
estava para otimização, portanto, modernização significa dizer, em última instância,
eficácia.295 Universalizar a padronização da ação humana em todos os segmentos
da vida social é algo que busca afastar a instabilidade e aproximar a previsibilidade
dosresultados; isso se concretiza quando os entes conscientes dos mesmos
propósitos e fins passam a ter o mesmo entendimento.
A eficácia fomentada pelo advento da modernização, no plano da pós-
modernidade, para acontecer imprescindivelmente deverá estar alinhada na
tecnologização das formas, sair do trivial, do relativo, para fundar, com um novo
conceito, uma nova posição do entendimento sobre a Justiça na pós-modernidade, é
o que se pode extrair das lições de Rouanet (2003, p. 273):

295 Como bem cita o autor, “[...] verificamos que para Weber, modernização significa principalmente o
aumento de eficácia. Mesmo quando outros valores parecem estar em jogo, como a democracia ou a
autonomia da razão, o que se esconde atrás deles é sempre um desempenho mais eficaz do sistema
econômico, político ou cultural. Esse conceito de modernização é o que prevalece na literatura e nas
políticas de desenvolvimento econômico e social. Modernizar significa melhorar a eficácia do sistema
tributário, educacional, de saúde, de transporte, de alimentação. Modernizar é melhorar a eficiência
da administração pública, das instituições políticas, dos partidos. É um conceito funcional de
modernização, no sentido literal: numa sociedade moderna as instituições funcionam melhor que em
sociedade tradicionais (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 121)”.
473

Mas não têm faltado, também, as críticas políticas. Logo depois da guerra,
por exemplo, a guinada universalista foi alimentada pela indignação moral
provocada pelos crimes do nazismo: um padrão não relativo de julgamento
foi considerado necessário para condenar essas atrocidades, qualquer que
fosse o seu condicionamento cultural. Mas foi preciso esperar a década de
1970 para que essa crítica política assumisse a forma que nos interessa
agora: a de que o relativismo era intrinsecamente conservador.

A imutabilidade principiológica e cultural não se sustenta ante a necessidade


de alteração da estrutura modelar de Justiça, uma vez que o paradoxo entre formal e
concreto precisa ser superado e distinguido. As culturas também não subssumem a
imutabilidade, pois, em ambas atmosferas, a ruptura dos novos tempos em algum
momento pede passagem, segundo Rouanet.296
Evitar a padronização é um discurso relativista de uma acepção antropológica
baseada na cultura da visualização dos tempos que não estão mais presentes; a
velocidade da era em que a sociedade está introjetada exige um processamento e o
implemento das normas quase que instantaneamente para que elas não passem a
conter a exigibilidade de se justificarem enquanto imperativo normativo.
Para isso, a predefinição dos problemas e das possíveis hipóteses de solução
são racionalizantes de uma nova lógica. Na contemporaneidade, o que se coloca em
questionamento, mais do que a norma e sua validade, o que se põe em evidência é
o sistema judiciário, no qual habitam o sistema operacional judicante, o Direito e a
Justiça.

296 “[...] a tese de que o homem é de tal maneira impregnado pela cultura que não pode descentrar-
se, contestando os seus valores de base. Ora, do ponto de vista comunicativo, o descentramento é
uma consequência necessária à própria interação, cuja problematização requer a entrada no
discurso. A argumentação moral suspende a validade dos contextos espontâneos de ação e submete
à crítica o sistema normativo e institucional. As evidências comunitárias são postas entre parênteses.
O que era inquestionado se torna hipotético, as certezas culturais se tornam problemáticas. Com que
direito, entretanto, o homem se julga habilitado a examinar criticamente a sua Lebenswelt – a sua
“cultura”? Com o direito que lhe é concedido pela própria forma de estruturação de Lebenswelt. Ela é
atravessada por processos comunicativos que repousam em pretensões de validade, entre as quais a
de caráter normativo. Quando pratico um ato linguístico de caráter regulativo – ordem, proibição,
recomendação –, estou pronto a justificar meu direito de praticar esse ato, se questionado por meu
interlocutor. Na comunicação normal, se essa situação ocorrer, farei essa justificação alegando que
estou obedecendo a uma norma intersubjetiva aceita. Mas se a própria norma for contestada, esse
argumento deixará de ser suficiente. Terei que ingressar num discurso prático, no qual todos os
interessados porão à prova a validade da norma: é uma argumentação de segundo grau, em que a
norma não serve mais de justificação, pois é ela própria que precisa ser justificada (ROUANET,
Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003,
p. 274)”.
474

O repensar cognitivo tem ou enfrenta limites, é filtrado, ponderado e


considerado como condição para avaliar o sistema de mediação do Direito para o
alcance da Justiça, no entanto, não restam dúvidas de que a pesquisa não poderia
deixar de atender às preocupações afetas às anomalias do sistema vigente.
Esse reposicionamento quanto à inovação trazida em algum momento do
Direito e da Justiça como elementos construídos pela sociedade viria à tona, através
da redefinição e da reconceituação dos institutos mencionados.
É de se considerar, também, que essa mudança inevitavelmente aconteceria
em tempo e espaço distintos daqueles que a geraram, fator comum e aceitável aos
aspectos da evolução humana, principalmente quando essa assume a
responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento.
O acordo comum e universal de uma comunicação com assentamento
padronizado é possível porque o homem detém uma estrutura de linguagem, em
que pesem as diversidades culturais e de costumes, que não afastam uma
possibilidade suscetível de ser concretizada.
Parafraseando Mead, a possibilidade de cada participante coloca-se na
situação de vida e constelação de interesses de todos os outros pela via do telos da
compreensão é plenamente possível.
Dessa forma,a circularidade de que os homens são iguais porque se
comunicam e se comunicam porque são iguais tem relação com a teoria
comunicativa, responsável por fraturar com a teoria historista fundadora de redomas,
de abismos e dos mais diversos esconderijos de que o homem se imbuiu na história
para ser diferente de seu outro.
A discussão da validade cultural como entrave à universalização não pode
encontrar mais defensores, como outrora sufragou o regime hitleriano, isso dadas às
circunstâncias contingenciais de caos e conflitos que germinam em toda as malhas
soberanas dos Estados.
O conceito de cultura sem universalidade, sem simbiose passa a ser herético
e intolerável em nossos dias e nos que se sucederão, nos quais a sociedade
passará a exigir a existência de um único mundo, pois a sua sobrevivência exige
integração, unificação e padronização estrutural de valores e demais vetores da
viagem existencial.
475

Com isso, o questionamento de segunda ordem contra a soberania da própria


norma deixa de existir com tanta constância, devido à uniformização contributiva das
culturas na compreensão da estrutura normativa.
Passa, portanto, essa norma a não mais se justificar, quando tem em si toda a
racionalidade lógica de interesses dos partícipes de um coletivo social. Nisso,
dispensa a reconstrução e dispõe-se à aplicação imediata da lei (norma), sem ter de
justificar-se.
Uma vez havendo a universalização pela padronização gestada a partir da
contribuição participativa dos indivíduos, é inevitável que a aceitação das regras
postas não sejam mais questionadas, restando tão somente sua aplicabilidade, visto
que a crítica fixada à lei fica suspensa em decorrência do efeito da consensualidade
participativa. Cita Rouanet (2003, p. 276):

A psicologia já demonstrou há muito tempo o que ainda não é claro para


muitos antropólogos: que em todos os indivíduos existe uma progressão,
condicionada pela faixa etária, que o leva de um estágio em que a moral
comunitária é aceita como fundamento último de julgamento ético, para um
último estágio, em que o homem julga segundo critérios gerais e abstratos
que transcendem de todo a ordem social. As pesquisas interculturais
provaram a validade desta tese em todas as culturas, mas mostraram
também que em algumas os valores culturais impõem uma regressão a
estágios psicogeneticamente já ultrapassados. A cultura bloqueia aquelas
estruturas de personalidade exigidas pela situação discursiva.Nessa
hipótese, é prestar um péssimo serviço às forças renovadoras que existem
potencialmente dentro de cada cultura reforçar, pela abstenção ou
aprovação tácita, como fazem os relativistas, as forças que inibem a
atualização dessa competência. O homem não pode viver fora da cultura,
mas ela não é o seu destino, e sim um meio para a sua liberdade. Levar a
sério a cultura não significa sacralizá-la e sim permitir que a exigência de
problematização inerente à comunicação que se dá na cultura se
desenvolva até o telos do descentramento. Não somos humanos fora da
cultura, mas não seremos homens livres se não pudermos sempre que
necessário assumir uma posição de exterioridade com relação ao mundo
social.297

297 Para Wilber: “É precisamente no dualismo de “criar dois mundos de um” que o universo se corta,
mutila e, consequentemente, se torna “falso para si mesmo”, como assinalou G. Spencer Brown. E a
própria base deste “criar dois mundos de um” é a ilusão dualística de ser o sujeito fundamentalmente
separado e distinto do objeto. Como vimos, foi exatamente nessa maneira de ver que os citados
físicos esbarraram, a maneira de ver culminante de 300 anos de pesquisa científica persistente e
consistente. Ora, isto é da máxima importância, pois, tais cientistas só poderiam compreender a
impropriedade do conhecimento dualístico reconhecendo (por mais obscuramente que fosse) a
possibilidade de outro modo de conhecer a Realidade, um modo de conhecer que não opera
separando o conhecedor do conhecido, o sujeito do objeto. Eddington explica o segundo modo de
conhecer: Temos duas espécies de conhecimento, que chamo de conhecimento simbólico e
conhecimento íntimo... [As] formas mais costumeiras de raciocínio foram desenvolvidas apenas para
o conhecimento simbólico. O conhecimento íntimo não se sujeita à codificação e à análise; ou,
476

Uma questão curiosa que merece atenção é a posição de Marx e Hillix (2008,
p. 18) para o sentido de conferirmos o padrão para resguardar a estabilidade das
coisas, senão vejamos:

Não podemos insistir em que arranhar a superfície de uma folha de papel ou


os padrões de pressão vocalmente produzida no ar sejam verdadeiros; os
arranhões e os padrões de pressão constituem estímulos que são úteis ou
não para orientar o comportamento de pessoas e que produzem ou não a
resposta “verdadeira”, sob condições apropriadas, nas pessoas que ouvem
ou leem o que foi escrito no papel. Se os padrões de estímulo
desempenham bem suas complexas funções nas situações de
aprendizagem em que adquiriram significado e nas situações em que
orientam o comportamento, então os padrões tendem a persistir e podemos
considerá-los verdadeiros. No caso contrário, eles acabarão sendo
substituídos por outras verdades, outros fatos. Mesmo aqueles enunciados
que continuam sendo chamado de verdadeiros, porque formulam previsões
rigorosamente corretas, são suscetíveis de eventual substituição por
verdades superiores que fazem as mesmas previsões de um modo mais
simples e, assim, permitem codificar a “verdade” mais economicamente.

A forma substancial e visual com que homem precisa o mundo, para atingir o
nível do padrão consensual, se substituída por uma realidade falada de
participações conjunta para que se possam estabelecer os padrões a serem
seguidos, representa um método da ética discursiva.
Com a padronização a partir de uma observação indiferente, separada pela
distância do sujeito-objeto exige que seja refundada a relação de intersubjetividade,
devidamente categorizadas e catalogadas. Com isso, os dados e as informações
passam a relacionar-se com as normas de forma sistêmica, contribuindo para o
processo de aplicabilidade, bem como para a avaliação do efetivo cumprimento da
norma realizada pelo processo de retroalimentação.
O debate com a realidade faz com que a técnica-normativa não seja
questionada quando de sua aplicação, todavia esse debate não se dará a partir dos
padrões da antiguidade.

melhor, quando tentamos analisá-lo, perde-se a intimidade, que é substituída pelo simbolismo.
Eddington chama “íntimo” ao segundo modo de conhecer porque sujeito e objeto estão intimamente
unidos em sua operação. Entretanto, assim que surge o dualismo de sujeito e objeto, a “intimidade se
perde” e é “substituída pelo simbolismo”, e caímos instantaneamente de volta ao mundo comuníssimo
do conhecimento analítico e dualístico. Dessarte – e dentro em pouco o descreveremos miudamente
– o conhecimento simbólico é o conhecimento dualístico. E uma vez que é ilusória a separação entre
sujeito e objeto, o conhecimento simbólico que dela se segue, em certo sentido, é igualmente ilusório
(WILBER, Ken. O espectro da consciência; tradução Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix,
2007, p. 35)”.
477

Debate normativo é o processo acareativo da norma com a norma, do fato


com o fato. Da apuração de cada processo se tem uma conclusão e, somente assim,
se gera estabilização pela uniformização.
O que se pretende elevar como padrão de Justiça, aliás o que se chama de
Justiça na medida em que ela não encontra sua função frente ao paradoxo do formal
e do material, é, ao que parece, sua relação de correspondência que vem sendo
minada pela rejeição da concretização material da norma legislada.
A insistência é conflituosa e a objetividade carregada pelo comando das
normas perde sua objetividade pela participação subjetiva e pessoal do homem
como agente mediador do ordenamento, na dimensão tamanha: a dimensão
diminuta da individualidade humana o faz um incoerente vaticinador do sistema.
Tem-se, então, um dos grandes problemas, a ausência da comunicação ou a
falta de efetiva representatividade entre o legislador e a sociedade; esse é um dos
grandes problemas a serem superados.
Acredita-se que a comunicação acenada precisa ser mais bem avaliada, ou
seja, a comunicação que se deve entender como causa das disfunções normativas
entre fato e norma advém da precariedade com que ainda as leis sãocriadas,
gerenciadas, sistematizadas, aplicadas e cumpridas.
Em muitos momentos, o mediador humano toma para si essa função.
Incorporado na condição de legislador da norma e de Justiça, realiza um
procedimento paralelo em busca de uma realização pessoal e pouco jurídica.
Contrariando o sistema, dando a ele ainda maior vulnerabilidade sobre o
manto da discricionariedade, de tal forma que a função dos demais operadores e
auxiliares passa a não ter mais parâmetros, uma vez que sendo a lei a regra
orientadora para mediar, sua desconsideração por intermédio de seu maior
interessado (mediador) faz com que o sistema se desintegre estruturalmente.
O comprometimento dos interlocutores ou atores exige uma consciência dos
valores estabelecidos como condição inquestionável dada por intermédio de um
diálogo franco.
Isso evitaria infrutíferas tentativas de estabelecer a soberania da retórica
discursiva, em que a reserva mental dos interesses subjetivos está na maior parte
das vezes a serviço da supremacia do simplesmente vencer por vencer na acepção
terminologicamente shopenhauriana.
478

O modelo colonialista de entregar o resultado, de entregar à Justiça tardia tem


revelado que na discussão do que se entende por justo ou do como fazer para se
fazer o milagre da Justiça encontra-se nas mãos de uma minoria elitizada.
Portanto, a caricatura da Justiça não é popular, é fidalga. De uma Justiça que
tem “rosto” e cujos “olhos” encontram-se desvendados, cientes e conscientes de
uma dinâmica intelectual limitada e que urge correção.
Ao contrário de uma estética predominantemente das classes mais
abastadas, a questão emblemática é que na maior parte das vezes em situações
comuns ou tidas como corriqueiras o homem/Juiz representa, ou bem dizendo, é um
interposto do Estado que sequer sabe ou tem a humildade de consultar seu juízo
para tomar consciência do que efetivamente o homem das massas precisa receber
no invólucro denominado Justiça.
A visão tridimensional apresenta-se entre o que se pensa que seja, o que se
quer receber e o que efetivamente se recebe como Justiça. Para tal sujeito de
Direitos sequer a embalagem é importante.
Uma vez que o que ele quer, na verdade, é um conteúdo prático de resultado
resolvedor que pacifique imediatamente sua angústia, suspenda as chagas que o
consomem para viver com dignidade segundo a lei do Direito. Ilustra Rouanet (2003,
p. 259):

O ponto de partida da teoria da ação comunitária é o mundo vivido


(lebenswelt): o lugar das relações sociais espontâneas, das certezas pré-
reflexivas, dos vínculos que nunca foram postos em dúvida. As relações
sociais que se dão no mundo assumem caracteristicamente a forma de
ação comunicativa: um processo interativo, linguisticamente mediatizado,
pelo qual os indivíduos coordenam seus projetos de ação e organizam suas
ligações recíprocas.

É de se observar que essa sistemática aponta a bem da verdade para a oferta


da uma validação antes mesmo do fluxo do ganho da fala. Para melhor fazer-se
entender, na contemporaneidade toda nossa comunicação é estabelecida sobre a
pretensa autorização da validade.
479

Singelamente, as ações são ditas porque são verdadeiras com base em um


conjunto teórico-normativo. Sob esse aspecto, partimos do pressuposto de que o
que afirmamos é justo por estar sustentado em uma regra “lei”, e que as afirmações
de fato estão em consonância com as regras apontadas e que essa combinação tem
uma conotação de justa, reveste-se de justa pela subsunção da regra.
No entanto, se oposta uma comunicação, a regra é questionada quanto à sua
validade. Se questionada, a validade da regra é exposta à comunicação como não
validada, não justa. É desse modo, ou melhor, é em semelhante modelo que
alimentamos o padrão de Justiça judiciária atual.
A dependência de validação no modelo sectário apontado é um problema
indissolúvel. Se a tentativa for de salvá-lo como se tem incessantemente operado
com reformas, microrreformas e o inflacionário sistema legislativo que diuturnamente
está a trabalhar na construção da colcha de retalhos legislativa, sob o auspício de
proteger a tábua Constitucional, a resolução que se espera não se concretizará.
Uma das tentativas que o Estado encontrou ao longo dos séculos inspirada
nos modelos pretorianos desde a Grécia antiga foi o de colocar entre o sistema do
Poder Judiciário e o seu destinatário um representante da lei, o Estado/Juiz.
No entanto, a relação entre a oferta e a procura por Justiça não era
massificada como nos dias atuais e, por consequência, complexa pelo volume e pela
mutabilidade das formas sociais e culturais.
Um novo modelo para suprir os velhos paradigmas, ou simplesmente no
curso da história promover o rompimento com o estado atual, representa um
movimento adequado e exemplarmente defensável diante da insatisfação dos
indivíduos coletivos.
Opor-se à subserviência do poder totalizante do paradigma de Justiça
judiciária é mais que um Direito, é o reconhecimento de que a ciência e os cientistas
estão objetivamente a serviço da pós-modernidade, como delatores e construtores
de ferramentais atualizadas às novas necessidades.
480

A ruptura com o comodismo, a tranquilidade da apatia do estar bem ou bom


costumeiramente alimentante de uma condição antropomórfica é condição para o
surgimento e o convencimento de que a ordem estabelecida não atende de forma
satisfatória e eficaz à solução das contendas, ou melhor, a pretensão resistida tem
nos últimos tempos gerado raízes da intolerância e da problematização do próprio
sistema que no passado fora criado para lhe dar conta. Para Minayo (2010, 89-90),

[...] o papel do cientista social deveria ser o de tornar evidente, para seus
contemporâneos, a dinâmica da sociedade em que vive e o sentido de sua
participação específica. A utilidade das ciências sociais seria dada pela sua
capacidade de transformar os grandes problemas vividos pelo povo em
questões públicas, em favor de mudanças sociais, tornando os cidadãos
capazes de saírem de seus limites individuais e se sentirem parte de uma
história à qual a sua biografia está estreitamente vinculada.

A incapacidade da mudança é um campo a ser transposto imediatamente,


porque o homem tem como potencialidade elevar-se, a partir do novo conhecimento
além dos tabloides das estruturas matemáticas como números ou simplesmente
resultados informativos estarrecedores, envolvidos pela liberdade da inércia.
A crise global é um indicador forte da fragilidade das instituições, inclusive do
Judiciário, conforme ilustra o artigo veiculado pelo IBRAJUS (Instituto Brasileiro de
Administração do Sistema Judiciário).298
Em novos tempos, a visão exige uma sensibilidade suficiente para as
compreensões diferentes. A fenomenologia advinda do cotidiano pelos problemas
enfrentados dentro da estrutura do sistema judiciário exige essa situação face a
face, fundada dentro do espaço e do tempo em que a experiência do dia é a
realidade, em que a realidade é o produto vivo da pesquisa, em que os instrumentos

298 Disponível em: <http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=117 > Acesso em: 06 jul. 15.


“Hoje o funcionamento das instituições políticas e jurídicas dá o suporte para o atual estado da
técnica e sua utilização limitada e o desafio a enfrentar é justamente encontrar novas técnicas que
nos permitam superar os limites impostos pela forma que lidamos com o capital. Conforme observa
Santos, ainda não temos essa visão sistêmica, mas com a atual crise já estão deflagradas a
perversidade e a fraqueza discursiva do sistema financeiro que atua sob o interesse expansivo sem o
compromisso ético, produzindo a contradição e a incoerência visíveis na crise iniciada nos Estados
Unidos e suas consequências pelo mundo afora. Santos, de maneira esperançosa, propõe uma
mutação filosófica do homem a partir de um amadurecimento da crise, de um olhar crítico sobre a
história que vivemos e uma ressignificação do nosso papel como pessoa, como consumidor, homem
integral e cidadão. Seria apenas o início de uma nova história de reconstrução vertical do mundo (de
baixo para cima), com a implantação de um novo modelo econômico, social, político e jurídico de uma
nova globalização baseada em uma diferente distribuição dos bens e serviços. A partir daí poderemos
falar em novos modelos institucionais, capazes de retratar uma realidade diferente, menos caótica e
seguramente mais legítima”.
481

de aferição são rotineiramente testados e comprovam que a estrutura se encontra


compromissada. Nesse contexto, são vitais os apontamentos de Minayo ao citar
Weber e Schutz (2010, p. 144-145):

[...] Segundo Schutz, as pessoas não costumam questionar as coisas e


acontecimentos, simplesmente vivem-nos como estruturas significativas que
atribuem sentido a sua existência. O mundo cotidiano apresenta-se para
Shutz, nas tipificações construídas pelos próprios atores sociais, que
expressam suas próprias relevâncias ao classificar a realidade. Essas
tipificações incluem tanto o universal e o estável como o específico e o
mutável. Aqui se observa uma diferença radical entre Schutz e Weber.
Enquanto para este o tipo ideal é uma constatação analítica criada pelo
cientista para se aproximar do real, os “tipos” e as “tipificações” tais como
pensados por Schutzdizem em respeito à construção do ser humano
comum quando busca compreender a realidade em que vive e se comunica
com seus semelhantes. / Schutz (1964), embora, em consequência de sua
proposta de tipificação, que os dados primários colhidos em campo pelos
cientistas sociais já em estruturados e interpretados pelas pessoas e grupos
que eles pretendam compreender, pois a realidade social possui sentido
para os que vivem nela. Dessa forma, diz ele, os objetos das ciências
sociais são constructos da segunda potência (1964, p. 300). Dizendo com
outras palavras, a matéria-prima para a investigação sociológica são os
constructos de primeira “potência” elaborados pelos membros de uma
sociedade ou comunidade na sua vivência que inclui presente, passado e
projeção para o futuro.

Portanto, a criação de um tipo ideal ou tipificação acompanhando os


conceitos estereotipados permite que o meio social do indivíduo, sua vida e o seu
grau de conhecimento sejam considerados, avaliados e participados com
antecedência.
O classificar para padronizar é ainda possível, além de que as questões
subjetivamente relevantes sejam consideradas na nova estrutura concebendo uma
determinada estabilidade.
A questão qualitativa experenciada pelo conhecimento empírico da vivência é
distinta em qualquer circunstância, sendo inclusive impossível de ser retratada por
intermédio de uma construção parcial estabelecida no modelo de Justiça judiciária.
A classificação da realidade é uma condição comum e transportá-la a um
sistema gerenciador controlado por tecnologia é possível e perfeitamente aceitável,
evitando por intermédio desse procedimento as divergências que colocam em risco
diante do não alcance do seu telos.
482

A verdade é que a regulamentação de alguns elementos responsáveis pela


manutenção da experiência e do conhecimento necessita de correção e
conformidade para se que possam fortalecer as bases das uniformidades
classificatórias. Segundo Minayo (2010, p. 147),

[...] todos vivem num grupo determinado, recebem a maior parte de seus
conhecimentos através dos pais, professores e predecessores. Recebem
também uma visão de mundo, maneiras de classificar e tipificar a realidade,
criando um universo vivencial específico, de tal forma que seu saber vai do
“familiar” ao “anônimo” a partir da situação “face a face” e da vida prática,
por meio das quais se relacionam com o mundo.

A possibilidade de objetivar as subjetividades já não era apreciada por Villey,


na medida em que os cientistas sociais sempre utilizavam a sociedade como teste e
elemento hipotético para as avaliações e as análises conclusivas, para assim
estabelecer padrões sociais de comportamentos e nesse contexto gerar as regras de
controle.299Não há que se reconhecerem as regras de validade por intermédio das
ciências criadas pelos contratualistas, mas, ao contrário, pelas regras de controle
criadas pelos indivíduos, validadas por estes, elevando tal conhecimento gerado ao
nível de científico, inclusive regrando-os a partir de critérios definidos.
A premência de um sistema cognitivo, estabelecido por parâmetros estáveis e
previsíveis dentre vários fatores, tem como objetivo eliminar a concepção totalitarista
de poder pelo poder e do poder do homem sobre o homem.
Nestsas condições, se porventura o positivismo jurídico tal qual o capitalismo
estão em seus limites, a reinvenção pela invenção inovadora pede espaço para um
novo Direito e uma nova Justiça em busca de perenemente proteger estes institutos,
independente de seus conceitos.
Não menos importante é o afastamento do comportamento da imposição pela
convenção, fazendo emergir a imposição consensualizada, o reconhecimento de
uma integração social restabelecendoa universalidade.

299 Segundo Santos: “A proposta de Villey visa a algo de diferente, a ponto de colocar o homem como
centro. Embora os direitos do indivíduo, no início pareçam ser ilimitados, encontram no outro suas
limitações; mais do que isso, delatam uma falha gravíssima no direito positivo, revelam que sua
gestação coisificada é, indiscutivelmente, inadequada ao homem, quando o que se busca é dar
guarida à subjetividade deste. O autor, em um lampejo, capta a dificuldade e, ao mesmo tempo, a
crise na qual o positivismo jurídico se encontra em decorrência de sua inelasticidade (SANTOS, Fabio
Marques Ferreira. Conversão do direito positivo ao direito subjetivo moderno. In: Revista Em tempo.
Marília, v. 11, n. 11, 2012, p. 42)”
483

E, ao mesmo tempo, reconhecendo comprovadamente o positivismo, mesmo


na modalidade flexibilizada que, em última instância, nada mais é do que uma ilusão
da participação e da compreensão dos atores do seu estado social.
A neutralidade hipotética dos modelos deve ceder espaço às leis sociais e
não mais à aceitação das leis estatais, que se tornam, porém, dotadas de uma outra
natureza.
É necessário que se tenha no corpo das normas uma notória e evidente
participação dos observados (suas subjetividades prédefinidas) e não simplesmente
o reducionismo pragmático do observador. Esse, ao realizar essa interação pessoal
e subjetiva, o faz de modo inseguro a um custo muito alto (risco da
imprevisibilidade). Tal engenharia humana, forjada em um sistema que condensa os
dados e as informações resultantes de cada inteiração a partir de suas ideologias,
não garante a padronização esperada “erga omnes”, conforme ilustra trecho do
artigo “O Judiciário e a Credibilidade da Justiça”, do Des. Marcus Antônio de Souza
Faver:

[...] desde as conferências realizadas por Couture, na Universidade de


Paris, nos idos de 1950, ficou evidenciado que as decisões judiciais
deveriam ser encaradas em dois níveis: um micro e outro macroprocessual.
Significa dizer que Couture já identificava a existência de um efeito, de um
extravasamento, para fora do processo, do conteúdo da decisão judicial ao
decidir um conflito. Quando um juiz é guindado à solução de um conflito de
sua decisão surgem dois níveis de repercussão. O primeiro nível, de
conteúdo interno, que poderia ser denominado de efeito microprocessual –
o juiz decide a questão que lhe foi colocada e dá solução ao conflito de
acordo com a sua técnica, a sua análise prolatória e os parâmetros
jurídicos. Ao assim proceder, coloca no âmago da decisão muito da sua
convicção ideológica, de sua interpretação pessoal e de sua formação como
pessoa humana, mesmo porque, como dizia Cappelletti, não há uma
decisão judicial neutra, pois inexoravelmente, ao proferir uma decisão, o juiz
coloca sobre ela toda a sua formação ideológica, política, religiosa, pessoal
e moral, ou seja, a interpretação do Direito está impregnada pela formação
global que o juiz, como pessoa humana, possa ter. Todavia, ao estabelecer
a decisão a nível microprocessual, o juiz não pode se esquecer de que há
na decisão um conteúdo macroprocessual, pois a sociedade irá tirar
daquele pronunciamento, uma orientação de conduta em outros litígios
assemelhados partindo da orientação jurídica, anteriormente delineada por
aquela decisão, por aquele juiz.300

300
Cf.: FAVER, Marcus Antônio de Souza. O judiciário e a credibilidade da justiça. In: Revista
EMERJ, v. 4, n. 13, 2001. Disponível em:
<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista13/revista13_11.pdf>. Acesso em: 13
jul. 2015
484

É necessário criar um novo significado teórico-normativo para restabelecer


sua importância, a importância da norma como agente regulador constitucionalmente
compromissado com sua finalidade.
A eticidade normativa precisa ser restituída ao seio da sociedade e que a
ciência verdadeira seja gerada pela própria sociedade que se desenvolve sobre os
contornos principiológicos de seus próprios valores, conforme é possível inferir do
mesmo artigo retromencionado.301
Mormente se acontece efetivamente o rompimento com o historismo ético-
normativo, responsável pelo desastroso arrastamento da difícil realidade “ilustrada
pelo representante do próprio sistema”e autoriza um universalismo ético-normativo,
um resgate do sistema judiciário, com o estabelecimento de um novo conceito de
Direito, um novo conceito da Justiça.

301 “A meu ver, o Direito está em crise quando ocorre o seu afastamento da realidade social pela
ruptura de coerência que, nesse aspecto, deveria manter, pela decadência do seu conteúdo ético que
o conduz à sua finalidade e à realização de Justiça. Esse é um conceito cultural e histórico que afeta
o aspecto ético e psicológico da sociedade. Há assim Crise do Direito em decorrência da má
elaboração e da má execução das leis por ocasião da sua aplicação. Enfrentamos, então, em nossos
dias um verdadeiro “marginalismo jurídico”, caracterizado pela falta de sintonia entre a realidade
social, que o Direito imperfeitamente procura refletir, e pelo seu caráter esotérico, com pertinência ao
desconhecimento pelas massas, que nele não vêem um conteúdo humanístico nem o catecismo de
que falava Bentham e a posição de vanguarda de alguns institutos para os quais o povo ainda não
amadureceu conscientemente. Resulta disso tudo que o Direito às vezes se encontra em dissonância
com o meio social, por estar aquém dos anseios da sociedade, repercutindo negativamente na
coletividade a fratura entre o Direito posto e os anseios da sociedade decorrente basicamente da
fragilidade político-ideológica dos nossos representantes que elaboram as leis. Surge, então, um
adágio popular no Brasil que reflete essa situação – “leis que pegam e leis que não pegam”. Há uma
desarmonia entre a estrutura legal e a vontade consciente e natural que o cidadão tem de que a sua
conduta seja ditada por leis que estejam de acordo com o sentimento e a vontade da própria
sociedade. Essa crise do Direito torna-se até dramática quando situada no plano da eficácia das leis.
Na verdade, quando os princípios declarados implícita ou explicitamente nas normas legais e
correspondentes quase sempre a ideias liberais injustas são confrontados com a realidade cotidiana,
ocorrem a perplexidade, o choque social e a frustração da sociedade, o que é dramático. É
necessário acentuar que obviamente a lei nasce para ter uma eficácia real, ou seja, para atingir e
atender os fins sociais para os quais foi editada. Se, no entanto, ao ser aplicada, o conteúdo da
motivação ou do texto legal deixa de ser consagrado ou sendo até mesmo contraposto pelas práticas
sociais, a lei será ineficaz na medida e na proporção desta discrepância, provocando uma verdadeira
crise do Direito.Penso assim que, na realidade brasileira, estamos vivendo uma crise do Direito. Há
uma angústia de buscar o Direito justo e eficaz que corresponda aos anseios da nossa sociedade.
Entretanto, ao lado da crise do Direito há a discussão palpável em relação ao Direito Penal, a
sociedade está agitada numa situação em que se aumenta o índice da criminalidade e afrouxamos
sistemas legais, aumentando a sensação de impunidade. Então, a sociedade vive uma angústia
decorrente da crise do Direito e que acarreta, no seu desdobramento, o que se denomina Crise de
Justiça, que não consegue dar à população uma resposta aos seus anseios. (Destaques são nossos)
(FAVER, Marcus Antônio de Souza. O judiciário e a credibilidade da justiça. In: Revista EMERJ, v. 4,
n. 13, 2001, p. 16. Disponível em:
<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista13/revista13_11.pdf>. Acesso em: 13
jul. 2015)”.
485

Ensejando a partir de um aparato de mediação tecnologizado condizente com


as novas realidades sociais, condições de cessar os paradoxos que o sistema
apresenta a partir de novas redefinições e com essas a sintonização entre o Direito,
a Justiça e a Sociedade.
Como isso, a afirmação de que o sistema judiciário precisa mudar ganha
expressão maior e com ela a confirmação da assertiva afirmativa “pela mudança”, à
medida que a sociedade desacredita do judiciário
E os cientistas do Direito por mais que busquem manter o atual paradigma,
não conseguem extrair dele respostas que possam satisfazer as pretensões de
Justiça e da Justiça.No caso brasileiro, a adversidade de culturas exige a
consideração de todas dentro de uma única.
O Direito e a Justiça não podem discordar nem tampouco esquecer esse fator
e as implicações albergadas por aqueles.O etnocentrismo contextualiza bem o
cenário, uma vez que considera todos os envolvidos tutelados pelo Estado,
conforme ilustra Rouanet.302
É um pensamento mantenedor desse comportamento social
embrionariamente responsável pela forma das ações, produções, definições e
demais atos que participam da constituição do Direito e da Justiça.

302 “Nem todos os conservadores são relativistas, mas apesar de discrepâncias individuais podemos
dizer que todo relativismo tende a posições conservadoras. A afirmação de que não há princípios
éticos universais de que o que é válido numa cultura não é válido em outras, de que não há padrões
de medida que permitam a uma cultura julgar a outra, e outros itens da vulgata relativista, derivam em
linha reta do historismo alemão inspirado em Herder. Para o historismo, toda moral finca suas raízes
no Volksgeist, e como cada povo tem o seu Geist, os valores são necessariamente múltiplos, únicos e
incomensuráveis. Ora, esse historismo foi uma reação ideológica conservadora contra o tufão
universalista que soprava da França. Afirmando os valores da particularidade, os historistas estavam
se defendendo da razão universalista do Iluminismo, que queria refazer em toda parte a cidade dos
homens, à luz de princípios universais de justiça. / Foi o mesmo esquema historista que levou Burke a
repudiar a Revolução Francesa, invocando the rights of theEnglisman, produzidos pela história e
portanto legítimos, em contraposição aos droits de I’homme, universais e portanto, abstratos. Foi o
esquema que presidiu o pensamento ultralegitimista que se seguiu à Revolução, para o qual só
existem homens particulares, e não homem em geral, com a consequência de que a Declaração dos
Direitos do Homem era vazia, porque não tinha destinatários concretos. Foi o esquema que
impregnou a escola histórica alemã, para a qual só contam os valores “orgânicos”, inseridos na
particularidade da família e da nação. Foi o esquema do nazismo, que opunha a particularidade do
“sangue e do solo” ao universalismo apátrida dos judeus cosmopolitas. É o esquema dos
autoritarismos latino-americanos, que repudiam as “doutrinas exóticas” em nome da realidade
nacional (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003, p. 268)”.
486

Ponto irradiador que mentoriza determinantemente o modo como a sociedade


forma sua cognição sobre o mundo (cultura) que a envolve, gerando suas
sensações, suas percepções e suas reações. Já não é mais a raça ou a concepção
de nação que dá a uma sociedade seus parâmetros, são os valores que essa
sociedade cultiva.
Portanto, um terceiro gênero em que os envolvidos/interessados possam
evitar a sobreposição da cultura e ao mesmo tempo considerar o homem
concretamente enseja-lhe possibilitar que esse chegue à conclusão de que o Direito
e a Justiça são critérios que precisam ser repensados dentro de uma estrutura em
perspectiva micro e macro para os novos tempos.
A participação ativa dos interessados, e somente dessa forma, contribuirá,
para implementar um sistema mediador do Direito distinto do existente, para que a
mediação do critério aludido possa justificar o meio (novo paradigma) que o levará a
conduzir a uma respectiva inovação na construção de Justiça.
Conforme evidencia Santos (2012, p. 43) em artigo intitulado “Conversão do
Direito Positivo ao Direito Subjetivo Moderno”: “Os defensores do direito positivo não
conseguem encontrar o direito subjetivo emtoda a sua extensão, no bojo do direito
positivo, uma espécie de falsa representação onde o alcance do desejo de proteção,
em sua totalidade, acaba por não acontecer[...]”
Portanto, para que haja superação dos desvios, é necessário que uma
tecnologia em inteligência de linguagem que possa superar as culturas rompa o
distanciamento promovido por aquelas.
Por esse processo, torna-se-á possível conciliar as subjetividades e as
objetividades consensualizadas. O Direito como um dos frutos desse processo
passa a não ser paradoxal, tanto quanto a Justiça que possa produzir.
487

18 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DE UM NOVO PARADIGMA DE JUSTIÇA

18.1 A epistemologia das decisões mediadas por um sistema tecnológico orientado a


partir de uma Inteligência Artificial

A democracia é uma força social e, para que ela se consolide, é essencial as


pessoas dela participem ativamente. Nesse espaço no qual a força social acontece,
devem-se semear e cultivar propostas concretas, com o objetivo de que germine um
Estado social de Direitos conferidos dentro da moldura de um Estado Democrático
de Direito materializado constitucionalmente.
Enquanto forma, representa um modelo adotado por uma sociedade para
poder desenvolver suas relações, pacificar seus conflitos, mediar suas tensões em
meio ao poder das maiorias e das minorias, seja na ordem do poder ou das
fraquezas sociais, culturais e econômicas.
Para que isso se firme, é necessário que os valores morais estejam
presentes, pois somente assim a relação entre governantes e governados poderá
estabelecer-se de forma plena.
A sociedade, nesse processo, precisa estar próxima do poder, para validá-lo e
também para operar colaborativa e contributivamente com o processo de
estabelecimento da Democracia: a omissão da sociedade compromete o sistema em
todos os níveis, gerando a não concretização objetivada.
O confronto travado na estrutura da democracia pela participação ativa da
sociedade é quase uma ilustração de um maniqueísmo, no entanto, examinando
melhor, é possível notar-se que o poder totalitário do Estado e de seus interessados,
nos contornos desse regime político, quando questionado e contrariado, tem a
função de atuar arrefecendo o totalitarismo do próprio Estado. Portanto, os
interesses dos representantes e dos representados quando em oposição ao Estado
evitam que suas totalidades se aperfeiçoem.
A ideia de que houvesse na Democracia uma internalidade central partiu de
um conjunto de ações procedimentais capaz de dar aos Direitos e Garantias
Fundamentais através de seus instrumentais substanciais conjugados a uma
interpretação condizente com as propostas estabelecidas pela carta Maior.
488

Foi uma promessa ideológica, em parte ainda não concretizada, conforme


esclarece Warat (1997, p. 100): “Quando penso na democracia, quero simplesmente
me referir às formas em que a sociedade se reinventa para resistir ao totalitarismo;
veja nesta resistência o sentido da democracia e na democracia o sentido da
resistência”.303Dessa maneira, as regras que devem garantir um jogo estável para as
decisões são submetidas constantemente a questionamentos infindáveis, gerando,
consequentemente, instabilidade, sedimentando com isso a crise do Direito.
Nessa substancialidade- “instabilidade” noticiada, se não rompida a
hegemonia, por uma substancialidade procedimental fundada na “estabilidade”,
dificilmente se alcançará um estágio no qual os preceitos constitucionais sejam não
somente conhecidos, mas reconhecidos e aplicados em sua integralidade, em suma,
ultrapassado o aspecto formal e consolidado o aspecto material.
O modelo Democrático interventor do poder Totalitário, para ver-se
compensado para a concretização da prática imaginária, fermentou do ponto de
vista jurídico “controle por intermédio das leis”, um sistema consubstanciado na
eleição de uma Justiça judiciária participativa de todos os atores que protagonizam
em seu palco.
A ideologia típica do regime Democrático participativo, fundada em uma
norma hipotética Constitucional na qual o idealizado está por acontecer, vem ao
longo dos séculos revelando que a promessa não se concretiza.
O sistema astuciosamente se reinventa por outros nomes, porém conserva
em sua essência a mesma estrutura vergastada pela não funcionalidade, com isso,
cai no descrédito daqueles que seriam seus maiores admiradores, “a sociedade”.
A disfuncionalidade em eficiência e a eficácia em ascensão, motivadas pela
substancialidade da “instabilidade” gerada por um sistema em que a interpretação e
a definição são colidentes, fazem com que o “caos” aos poucos comece a ganhar
repercussão.

303E complementa o mesmo autor, estribado em Ross, Kelsen e Bobbio: “Recorrem Ross, Kelsen e
Bobbio ao que se denomina uma concepção puramente procedimental da democracia. Em nenhum
momento estes atores pensam a democracia como o conteúdo de uma determinada ordem social e
econômica que se propaga com o melhor e mais justo. Os três aludidos autores veem a democracia
como o conjunto de regras ou procedimentos, aqueles que amiúde se chamam “regras do jogo”, que
permitem tomar as decisões coletivas. Estas no sentido de que se dirigem a todos os membros de
uma coletividade e que, além disso, são vinculantes (WARAT, Luis Alberto. Introdução geral aos
direitos fundamentais: o direito não estudado pela teoria jurídica moderna. Porto Alegre: S. A.
Fabris, 1997. v. 3, p. 100)”.
489

A falta de controle pela falta de “crença” de que o sistema possa atender à


ideia primeira proposta pela carta Constitucional encontra forças de forma estrutural,
à proporção que os problemas indiciários da corrosão da estrutura são identificados,
porém deixados pelo esquecimento da transitoriedade de uma razão cínica que
invade o tecido social em todos os seus níveis.
A simbólica ideia de que as decisões, ou melhor, de que as demandas
filtradas pelo Estado/Juiz exaram decisões forjadas na mais neutra e imparcial
legalidade é demonstração material e notória de um ledo engano.
Essa situação está muito mais para um modelo procedimentalista do que para
um substancialista. No entanto exige-se um melhor esclarecimento. O problema não
está radicado como se não houvesse participação dos verdadeiros interessados e
destinatários da lei em todo o arcabouço ético/normativo, em uma espécie de total
omissão.
Ao contrário, porém, o sistema como definido tanto oferta menos respostas
em tempo significativo para as demandas que lhe são submetidas – gerando com
isso o descrédito proporcionado por uma Justiça tardia – como também, por ter
solapado historicamente o homem do seu dever ético/discursivo, conseguiu gerar
uma participação consciente e responsável da construção de uma Justiça lastreada
a partir de ações justas.
Um evento dessa magnitude contribuiria – e muito – com o sistema judiciário,
pois, em vez de tratar dos conflitos, trataria da validação das ações
comportamentais, que estariam em sintonia com as regras (as leis) predefinidas e
conscientemente disseminadas e correspondidas pelo tecido social pela coletividade
de indivíduos.
Essa não constatação existencial no plano real leva o conjunto ético/
normativo sempre ao questionamento, relegado à desconfiança e à insatisfação,
reproduzindo infinitamente o adjetivo de injustiça, de que a Justiça é injusta.
Isto acontece porque a vocação do sistema não está para substanciar
satisfatoriamente a quem individual ou coletivamente busca por um resultado
positivo. A burocracia imanente ao sistema está estrategicamente equacionando
uma tentativa de equilibrar o mínimo de acesso, dado o mínimo de condições em
proporcionar respostas às demandas existentes, visto haver deficiência limitativa da
infraestrutura e da estrutura disponibilizadas para operar o sistema judiciário.
490

Uma mudança de modelo do sistema operacional das leis não estaria próxima
de algo que se desconhece, mas, ao contrário, estaria a serviço do cumprimento do
que se conhece por intermédio de estudos científicos, e que se define como
proposta consciente para o alcance do bom e do justo.
E que já é ponto pacífico tanto por parte da sociedade como do próprio
sistema operacional de aplicação das leis, como ilustram os anexos I e II *
(Judiciário, Reforma e Economia: A Visão dos Magistrados 07/2003); ** (Sistema de
Indicadores de Percepção Social 05/2011), através das informações e dos dados
coletados.
A lei Constitucional exige que sua substancialidade seja concretizada, sob
pena de o “caos” judiciário abrir uma vala ainda maior. É vital o que se deduz das
novas legislações, a importância de se implantarem mecanismos tecnológicos que
proporcionem integração, unificação e uniformização para a concessão de uma
resposta mais célere, eficiente e eficaz.
Essa proposta, ou seja, o atrelamento do bom e do justo, independentemente
da forma como será processada, considerando o cenário da tecnologização,
mediada por uma nova forma de inteligência, contribuirá para o afastamento de
parte dos problemas.
Nos dias atuais, a participação do homem na mediação do sistema está
prejudicada devido a um empobrecimento intelectual cultivado nas últimas décadas.
Esse enfraquecimento é o responsável pelo rebaixamento do nível da qualidade
estrutural em todos os níveis e demandará décadas para se reestabelecer.
Uma organização operacional tecnológica promoverá a demonstração precisa
de falhas, erros e equívocos ainda acobertados. A justaposição – a partir da
integração – produzirá dados e informações mais precisas sobre o cenário da
Justiça, demonstrando com maior exatidão as positividades e as negatividades do
sistema em menor tempo.
Com isso, o estabelecimento de um plano de ações proporcionará que as
infindáveis e desnecessárias discussões sejam substituídas por tempo suficiente
para o homem voltar sua atenção ao estudo das ciências do Direito e repensar seu
papel.
491

Além de trabalhar arduamente por uma Justiça social em dimensões ainda


não alcançadas, pois pensa estar realizando Justiça em detrimento do
descumprimento da lei, ao reconstruir a lei junto ao caso concreto, na intenção de
atingir os fins sociais proclamados no jaez normativo.
Este parece ser um momento adequado de polarização do sistema, quando
os beneficiários passem a ter uma efetiva participação não somente na cobrança de
resultados, mas responsáveis pela contribuição e pela produção de resultados.
O acesso a um novo modelo de Justiça cobrará maior responsabilidade de
todos os envolvidos, em uma espécie de cobrar e fazer juntos. A sociedade terá de
passar do individualismo “falido”, ao solidário “compartilhado”, tendência natural para
um novo mundo capaz de garantir a estabilização da espécie humana.
Note-se que o enfraquecimento do regime Democrático exige uma releitura da
literatura e uma retomada para a realização de novas ações, de um refazer de forma
diferente, de inovações.
Mesmo consciente da simultaneidade e transitoriedade cognitiva, todavia, o
que se busca é ter em mente a espinha dorsal do sistema para não se perder na
trajetória.
Pensar como no passado – em que substituir a obrigação alheia era sinônimo
de um início libertário do Estado Liberal para o Estado Democrático – impediria
perceber com o passar do tempo a ruptura de diversos paradigmas.
A ruptura do regime Democrático de Direito e da Política revela que
demandaram por novas estruturas, novos conhecimentos e novos desdobros para a
conjugação e a adaptação das novas realidades, no entanto, ainda não
concretizadas.
Não basta esforçar-se, a burocracia da manutenção dos “Direitos”
“formalmente” esvaziados demonstra a ineficiência do sistema e,
consequentemente, a fragilidade da “casquinha de ovo” com que temos construído
os poderes Estatais, inclusive do Poder Judiciário, portanto, atitude da mais pura
irracionalidade.
492

Vale dizer, dessa forma, que a Democracia se estabeleceu parcialmente, na


medida em que o Estado afastou seu principal cliente do tratamento das questões
que lhes são afetas, comprovando pela exclusão, sua limitação em atender a uma
agenda constitucionalmente existente, da Justiça. Segundo Warat (1997, p. 102):

Para Bobbio as decisões coletivas precisam ser tomadas através de regras.


Ou seja, trata-se de regras que estabelecem quem deve tomar as decisões
e como deve tomar. A esse autor, a regra fundamental da democracia é que
as decisões devem ser tomadas com o máximo consenso daqueles aos
quais as decisões afetam.

Nesse sentido, o modelo existente não atende aos anseios, mediários ou


finais, porque as regras predefinidas para a tomada de decisões são vilipendiadas
pela intervenção humana, cuja limitação cognitiva compromete a efetividade e a
eficácia das regras.
O homem representa o risco ao Estado Democrático de Direito quando a ele é
confiada a aplicação das regras. Em um brocardo menos formal ou até mesmo
eivado de toscalidade, seria o mesmo que deixar o “lobo cuidando das ovelhas e
acreditar que ao final da história estariam todas elas salvas do coiote”.
O afastamento do destinatário da Justiça do processo participativo direto
mesclado com o indireto historicamente foi proposital; promoveu, com esse
comportamento, o afastamento da responsabilidade central não somente pela
construção do Direito e da Justiça, a qual poderia ter se constituído de forma
diferente com a prática de uma ostensiva vigilância participativa.
Como tomadora desses serviços públicos de ordem social, a sociedade
obteve pouca consciência do processo e da substancialidade tanto do Direito como
da Justiça, até mesmo pela deformação de seu processo pedagógico e educacional
de base na sua formação.
Ambas, ou seja, a procedibilidade e a substancialidade, são exercícios,
porque são ações do homem enquanto ser social, todavia, praticadas de forma
irregular, comprometem o resultado pretendido, no caso o brasileiro.
A situação ainda é mais grave, porque a consciência advinda por uma
“educação em direitos” além de precária não acompanha a complexidade das
relações sociais.
493

Esse hiato abre a oportunidade para que outro modelo inexoravelmente possa
eclodir, e, em uma posição menos radical, coexistir, até que gradualmente seja
mantido como mais uma opção alternativa de acesso à Justiça ou assuma de forma
majoritária a posição modelar suprema na operacionalização do sistema normativo,
que somente poderá ser constatado em um presente que ainda não aconteceu
materialmente.
Um novo paradigma de mediação para a ocorrência da Justiça propõe que o
indivíduo tenha o máximo de participação do processo de definição/conceituação do
Direito e da Justiça. O afastamento dos aspectos formais é um demonstrativo do
contato material; dessa forma, a substancialidade procedimental acontece em
consonância com os ideários constitucionais.
O retrato de um novo paradigma ganha força na medida em que o espaço
anteriormente preenchido vem apresentando esvaziamento em sua eficácia e
efetividade.304E complementa o mesmo autor (1997, p.138): “A repetição do passado
impede receber os sinais do novo, determina a morte do pensamento, do sentimento
e da ação”. Pode ser concebido como algo que nos alivia, nos exclui, ou nos devora.
Repetir o passado seria uma forma de esgotar o presente, de desestimar sua
força criativa e introduzir uma pulsão destrutiva, uma forma de instalar o cinismo
como condição da transmodernidade.
Seria um eterno presente de sobrevivências e um futuro indecifrável. Não é
mais possível reservar-se ao silêncio da inércia e de uma aforia vã. É importante que
se tome uma ação criativa, crítica e construtiva de um parâmetro que se vê
reticulado nas erupções da fraude e da não eficácia do modelo já suplantado.

304 Para Warat: “Importa notar, aqui, que sempre se produziu uma usurpação retórica da regra da
maioria. As decisões coletivas não deixam de produzir heteronomamente quando se invoca
ficticiamente a vontade majoritária. As maiorias manipuladas suportam, em seu próprio nome, o
funcionamento heterônomo das decisões coletivas. Sobre a base da vontade da maioria, se cria uma
aparência de autonomia que serve para ocultar o caráter heterônomo das decisões coletivas. Em
nome da autonomia os juristas conseguem legitimar a contribuição heterônoma dos sujeitos de direito
e das significações jurídicas, deixando nas suas mãos de instâncias institucionais a formação de
prática política e jurídica da sociedade (WARAT, Luis Alberto. Introdução geral aos direitos
fundamentais: o direito não estudado pela teoria jurídica moderna. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1997.
v. 3, p. 103)”.
494

As inúmeras reformas e a inflação legislativa perpétua, a que é submetida a


casa das leis, não consegue superar a natureza de uma necessidade emergente
existente e produz inexoravelmente crises endêmicas e pandêmicas ao Poder
Judiciário.
A ruptura é por vezes arrefecida pelas ideologias subversivas e
apaziguadoras de regimes que somente atendam aos efeitos de sua própria
ineficiência, tratando os efeitos e relegando as causas às gerações futuras,
eximindo-se de suas reais responsabilidades.
Todavia, reconhece o sistema judiciário vigente, por intermédio de estudos,
embora ainda poucos, devido às críticas e às discussões travadas, de que seria
importante realizar ações materialmente solucionadoras para a geração de um
sistema capaz de atender às novas tendências e com elas as novas realidades de
uma sociedade da tecnologia.
Ao traçar uma linha comparativa entre o regime Democrático e o regime da
substancialização do sistema jurídico defensor de um Estado de Direito, é evidente
que, por força de uma decisão ou de uma posição, o paradigma da Justiça judiciária
representa uma sucessão de elementos e ações simétricas de alianças
combinatórias do modelo eleito, no qual – em ambos os contextos – a presença do
homem é marcante e decisiva, porque a ele residualmente paira a responsabilidade
por dar as respostas finais.
O arranjo que a História se encarregou de realizar quanto ao modelo
mediador para a resolução de conflitos demonstra que a ruptura está acontecendo,
pois a demanda a que é submetido o Poder Judiciário, por não responder às
contendas do cotidiano satisfatoriamente, afasta do dever de seus usuários a
obrigação de fazer o que deve ser feito, exigindo uma ação includente para o
nivelamento social no cumprimento das ações legais de mecanismos alternativos.
O contingenciamento humano decorrente de sua multiplicação exige que os
atores contribuam de forma ativa em todos os processos do procedimento
existencial. Nesse aspecto, não há que sustentar a afastabilidade do Estado de
suas atribuições e de suas responsabilidades, ao contrário, a responsabilidade
somente existe e se constitui quando as forças se encontram na convergência dos
mesmos propósitos.
495

A maturidade do indivíduo é pressuposto de que a reflexão e a compreensão


de sua realidade possam ser reconhecidas e exercitadas de uma melhor forma.
Melhorar a condição humana não se faz simplesmente ao ser conhecedor de
seus Direitos, mas daqueles dos outros, bem como ser um ator ativo de suas
obrigações para as realizações individuais e transindividuais.
O pensamento de dominar pelo enfraquecimento das bases representa uma
assistência, uma coordenação e uma condução promovidas pela cegueira da
ignorância.
Pensar que os benefícios de tal estratégia pudessem gerar somente
resultados positivos sem que pudessem promover gratuitamente reflexos negativos
é romper com a lei da causa e efeito.
O Direito, embora dogmático, exige que o indivíduo participe de sua realidade,
sob pena de ele não acontecer. São corpos que guardam suas peculiaridades,
porém, no plano de eficácia e efetividade, exigem uma comunhão de compreensão e
de exercício em suas práticas, pois elas são válidas se pressupuserem em suas
ações o respeito à dogmática anteriormente circunscrita. Essa é a realidade do
homem do Direito e do Direito do homem.
Romper com tal dogmatismo representa uma forma de colocar o homem em
contato com sua própria realidade, isso seria um afastamento da realidade dessa
tipologia de Direito.
A questão demonstra o divórcio de realidades, ao mesmo tempo em que
denota que o homem deve participar como agente consumidor e também construtor
do seu Direito. Tal indivíduo, porém, exige um Direito com regras claras e objetivas
com carga social concreta.
Em que as normas já estão valoradas em decorrência de uma participação
ativa dos interessados geradores de precedentes. A casuística é evidente e
dispensa interpretação para construção de um Direito desconexo das ideias
originais, contrário à própria lei, porque se afasta do critério de estabilidade.
496

As realidades por esse prisma passariam a coexistir. Por outro lado, como já
denunciado, uma vez que tal homem não participa dos processos essenciais da
construção de seus próprios dogmas, confiar na imparcialidade e na neutralidade
daquele que buscará por intermédio dos meios eruditos de interpretação conferir a
subsunção entre as realidades para a fundição de uma Justiça apresenta-se como
algo irrealizável. Segundo Warat (1997, p. 142):

É hora de não fechar os olhos e denunciar que a falta de proteção abstrata,


dada pela lei de direito, lei da impunidade, permite que a teoria latino-
americana seja repetidamente estimada pelo horror; condenado aos que
nela vivem a ser esquecidos do mundo.

A barbárie e as circunstâncias da caótica realidade registram que é preciso


um novo paradigma. Os meios alternativos são simples tentativas para salvar um
modelo que não mais atende às necessidades sociais como deveria, em decorrência
do contingenciamento não superado, graças à demanda recorrente e à
complexidade que a cinge.305Este método de julgar não permite que o julgador no
ato de julgar não suprima (anule) em muitas vezes o anseio/desejo de quem se
destina. Em que pese a estrutura dogmática que também é uma forma propositiva
de fazer com que a Direito se realize na lei, tal mecanismo é comprometido pela
intervenção humana em todos os seus aspectos.
Percebe-se que nessa linguagem, ou melhor, nessa comunicação linguística,
a função maior da comunicação está para colocar o homem em conexão com o
mundo que habita bem como estabelecer em suas relações uma vinculação
tecnológica capaz de colocá-los entre si, permitindo-lhes a possibilidade de reduzir-
se socialmente.
De uma outra maneira, a linguagem humana como instrumento de
comunicação cumpre a singela missão de conectar o homem com o homem, e esse
com o mundo.

305 Esclarece Warat: “Fazer referência ao recurso dogmático implica postular um legado de um
presumível saber como condição indispensável para o exercício da função de julgar. É dizer: a
significação imaginária da magistratura, dada como uma busca de sentido e não como um atributo do
que tem que julgar: A neutralidade como uma possibilidade (desejada) de que o que julga pode
controlar seus sentimentos. A famosa figura do Juiz neutro, vista com abstinência e não como um
sujeito sem desejo. A abstinência como distância e não como falta de responsabilidade com o que se
interpreta (WARAT, Luis Alberto. Introdução geral aos direitos fundamentais: o direito não
estudado pela teoria jurídica moderna. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1997. v. 3, p. 143)”.
497

Por ser esse o fim último da comunicação, não parece impossível que a ela
não possa ser estabelecida por intermédio de uma linguagem tecnológica integrada
por uma Inteligência Artificial sem prejudicar a realidade concreta do indivíduo e das
mudanças recorrentes.
A emancipação do indivíduo dá-se também a partir de uma participação em
outra linguagem e de outra forma de inteligência, a partir de uma dialética ativa
participativa, na qual o Direito passa a ser mais concreto devido a uma concreta
participação do indivíduo na construção consciente da sua realidade.
Tanto no campo da individualidade como no da coletividade, para os quais o
resultado dessa dialética contribui – e não somente para a atualização dessas
relações como para a formação de um novo estoque de novos conhecimentos
nutridos de um maior nivelamento cognitivo – também são participativas a
integração, a unificação e a uniformização de dados e informações. Esclarece
Fernando Coelho (1991, p. 82):

A filosofia da linguagem acaba assim por desembocar no pensamento


crítico, ao ser vislumbrado seu objeto não como instrumento de uma
comunicação interdescritiva, dependendo de um hipotético significado
intrínseco e autônomo do mundo exterior, mas como a primeira tecnologia
por meio da qual o homem se separa do mundo e dele se apropria para
colocá-lo a seu serviço.306

A aglutinação dos valores funde novos modelos jurídicos, de modo que a


conceituação e a sistematização possam ser transportadas para outra base de
linguagem que seja a tecnologia linguística, linguagem inaugural que deve
transpassar a pós-modernidade à ultramodernidade da Inteligência Artificial, embora
outras que antecederam mereçam consideração e as que se sucederão também,
que agora são sinalizadas.

306 E complementa o mesmo autor: “Segundo Luhmann, o sistema social é uma estrutura cuja
complexidade envolve a totalidade dos comportamentos possíveis dentro da sociedade, com
possibilidade de variação, contradições e alternativas; mas ela pode ser reduzida pelo próprio
sistema, por meio de um processo de seletividade, implicando a redução do âmbito das
possibilidades sem acabar com elas. Os critérios dessa seletividade são os valores, os quais estão,
todavia, encerrados nas instâncias de normatividade que constituem os meios pelos quais ocorre a
participação decisória do poder; quando esta seletividade, levada a efeito pelo poder a partir dos
valores e revelada pelas instâncias normativas recebe a adesão de uma maioria grupal significativa,
de modo a ser erigida em pressuposto das próprias decisões individuais, ocorre a concretização
jurídica dos valores (COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 2. ed. Porto Alegre: Fabris,
1991, p. 202)”.
498

Estando a técnica e a cientificidade do sistema garantidas, se depreende que


a ciência jurídica não se enxergue comprometida simplesmente porque venha a ser
substituído seu porta-voz, ator-mediador.
A fixação – dogmática ou não – a fixação valorativa ou não, estando atrelada
a um paradigma, faz dessa união conceitos teóricos que preencham os modelos de
maneira que a linguagem tecnológica absorva.
E, ao mesmo tempo, alcance o meio social a partir da alimentação e da
retroalimentação fomentadora do abastecimento do sistema, com uma nova
categoria de linguagem organizacional para as relações sociais.
Esse processo ocorre na fase inicial e perpetua-se cotidianamente pela
complementação da corrente de coleta e atualização oriunda das funções de
funcionamento, como possibilidade de alterações, dadas as demandas que possam
surgir.
Essa concepção modelar tecnologizada do sistema jurídico, em que o Direito
propõe-se a condicionar o comportamento humano e todas as suas ações por
intermédio de certa previsibilidade representa um ferramental metodológico que
reconhece uma outra espécie de dogmática, dadas a transitoriedade e a
simultaneidade das relações e das decisões que trafegarão por intermédio das
bases do Poder tecnológico judicante.
A interpretação e as adequações normativas também serão reconceituadas,
considerando que as referidas ações intelectivas no passado eram atividade de
exclusividade do intelecto humano.
Com a conservação e a manutenção das informações e dados em base
tecnológica do Direito em nada mudam a estrutura das obrigações legais, como
pressupostos universais de quaisquer regras que definam parâmetros
comportamentais previamente definidos pelas vias legítimas atuando seletivamente.
Um novo paradigma judicante sem dúvida enfrentará o árduo e incessante
processo de recapacitação de suas finalidades normativas. Na experiência teórica e
prática, o modelo tecnologizado não deixará de captar os novos valores, os novos
posicionamentos, as novas tendências.
499

As tendências e com elas as mudanças, são inevitáveis, conforme ilustra um


trabalho desenvolvido pela IBM, em que os estudantes criam um "advogado virtual"
baseado em um supercomputador da IBM.307
Em estágio de desenvolvimento avançado, a IBM já conta com a participação
ativa da nova tecnologia realizando testes e demonstrando que a tecnologia no meio
jurídico veio para ficar, simplificar e agilizar as questões de ordem paralegal e legal,
como destaca o repositório jurídico nacional Conjur: “Estudo prevê que robôs farão
trabalho de novos advogados e paralegais”.308

307 “Um grupo de estudantes da Universidade de Toronto criou um "advogado virtual" com base no
Watson, o supercomputador da IBM.Chamado de Ross, o sistema está sendo apoiado pela própria
IBM e será oferecido para advogados e escritórios de advocacia como um serviço baseado na nuvem
que pode responder questões jurídicas. / O usuário faz uma pergunta e o sistema gera uma resposta
concreta, citando um precedente, além de sugerir leituras relevantes ao tema e uma porcentagem de
chances de que aquela resposta esteja certa.
Se um novo caso que seja relevante entre no banco de dados, o Ross irá alertar seu usuário no
smartphone. / "Basicamente, o que nós construímos é o melhor pesquisador jurídico do mundo. Ele é
capaz de fazer em segundos o que um advogado levaria horas", afirma Andrew Arruda, um dos
criadores do Ross. A IBM anunciou que irá dar aos estudantes livre acesso à plataforma do Watson e
ainda estuda realizar um investimento na startup que eles formaram para vender o serviço.
Para criar o Ross, a equipe da Universidade de Toronto alimentou o sistema da IBM com um grande
volume de precedentes jurídicos e leis do mundo inteiro.Mas o que torna a máquina poderosa é a
capacidade de computação cognitiva que possui, ou seja, de continuar aprendendo e melhorando à
medida que os advogados a usem. / Agora, a intenção dos estudantes é fazer acordos com tribunais,
para que eles alimentem o programa assim que novos julgamentos e processos estejam disponíveis
em seus sistemas”. Disponível em: <http://info.abril.com.br/noticias/tecnologia-
pessoal/2015/01/estudantes-criam-advogado-virtual-baseado-em-supercomputador-da-ibm.shtml.>.
Acesso em: 29 jan. 15.
308 Por João Ozorio de Melo: No início dos anos 1970, uma célebre mensagem na porta de um
banheiro na Universidade de Brasília dizia: “Quer mais uma vaga para engenharia? Mate um
japonês”. A frase causou polêmica, mas era um reconhecimento à inteligência e à dedicação aos
estudos dos nisseis. Houvesse “x” japoneses matriculados no vestibular para cursos de ciências
exatas, sabia-se que a mesma quantidade de vagas seria ocupada por eles. Cabia aos demais
vestibulandos disputar as restantes. Existem situações em que a competição é “ingrata”. Dentro de
alguns anos, por exemplo, uma situação semelhante poderá se repetir para estudantes de Direito —
em relação a emprego, porém. A mensagem na porta do banheiro da faculdade poderá ser, então:
“Quer criar uma vaga em um escritório de advocacia? Quebre um robô”.Uma outra possibilidade é
aparecer escrito: “Mate o Watson”, o robô com inteligência artificial, inventado pela IBM. O site do
Watson explica que ele é, na verdade, é um sistema de computação cognitiva que entende a
linguagem natural e não precisa ser programado: aprende com o uso, a cada dia.Ou então: “Mate o
Ross”, o “primeiro advogado artificialmente inteligente do mundo”. O Ross foi criado por estudantes
da Universidade de Toronto. Ele foi gerado de uma “costela” do Watson — isto é, criaram um
aplicativo que resultou em uma versão do Watson, um robô especializado em serviços jurídicos.Para
tornar a perspectiva ainda mais assustadora, o Ross foi “adotado” pela maior banca do mundo, a
Dentons, de acordo com o jornal The Globe and Mail e o site Ars Techinica. “Como um ser humano, o
Ross está passando por um período de experiência em um escritório de advocacia, está aprendendo
e ficando melhor a cada dia”, disse ao jornal o cofundador da Ross (que criou uma start-up com o
nome do robô) Andrew Arruda.Qualquer que seja o nome, o fato é que, dentro de dez anos,
praticamente todos os serviços jurídicos executados hoje por advogados de primeiro ano de prática e
por paralegais (ou auxiliares jurídicos) serão executados por robôs. Então, o Watson e o Ross
poderão ser peças de museu, por conta da velocidade em que a tecnologia evolui. Mas a certeza é
que em cinco anos, robôs mais evoluídos já darão sinais de vida.A previsão é para os Estados Unidos
e foi feita por administradores ou “líderes” de escritórios de advocacia, em uma pesquisa realizada
500

Com semelhante processo ativo, a linguagem jurídica e a estrutura do Direito


como sistema ganharão melhores resultados quantitativos e qualitativos, em
decorrência da otimização proporcionada por uma base tecnológica em que a
integração de dados e informações seja realizada em tempo real.
O poder tecnológico desenvolvido segundo uma codificação em linguagem
vinculada à Inteligência Artificial tem como objetivo contribuir e, em algum momento,
afastar o homem de um exercício no qual o limite de suas faculdades mentais
começa a comprometer não somente seu desenvolvimento, mas seus próprios
Direitos.
Não concordar com tais condições é aceitar que a sociedade hiberne em uma
espécie de razão cínica como verbalizado pela doutrina harberniana. É necessário
encarar as mudanças que a vida proporciona, registradas pelo processo histórico,
que registra momento de destruição e outrora de reconstrução.
Quando o mundo gira, o conhecimento fica para trás, é necessária uma nova
base cognitiva para descobrir e compreender o desconhecido, por isso, o homem
está condenado até os seus últimos instantes “existenciais” a não titubear no ofício
da pesquisa pela dádiva do conhecimento.
A estrutura cognitiva tecnológica não exclui o homem nem tampouco está
preocupada com a disputa de cargos e colações, pois, por tratar-se de um sistema
fechado.

pela Altman Weil. Todos os anos, essa firma entrevista os “líderes” das bancas americanas, para
analisar as transições que estão a caminho – e que irão ocorrer — nas atividades cotidianas da
advocacia, para se prever o futuro. Se concorrer com japoneses no vestibular para engenharia já é
uma tarefa difícil, concorrer com o Ross pode ser uma missão impossível. Ele pode “varrer” milhões
de páginas de jurisprudência e legislação em segundos, para responder questões jurídicas — ele
ganhou um concurso no programa Jeopardy, de perguntas e respostas, nos EUA, fazendo
exatamente isso. / Nem todos os “líderes” da advocacia americana apostam no sucesso dos robôs.
De todos os entrevistados, 35% acreditam que o trabalho dos novos advogados será feito por robôs
no futuro. E 47% acreditam que os paralegais perderão o emprego. Mas, em 2011, apenas 23%
pensavam assim, em relação a novos advogados, e 35%, em relação aos paralegais. Uma boa parte
dos advogados, em todo o mundo, no entanto, ainda são resistentes à computação e à adoção de
novas tecnologias. Mas à medida em que os robôs se comprovarem eficientes, reduzirem os custos
do escritório, trabalharem quantas horas por dia forem necessárias sem reclamar, eles devem mudar
de ideia. A guerra do homem contra a máquina, pelo trabalho, não é nova, evidentemente. Teve
grande expressão na Revolução Industrial, como se sabe. A máquina sempre irá prevalecer. E o
homem sempre encontrará uma saída, mesmo que seja pela tangente. A adoção do Ross pela
Dentons é um alerta para a classe e para as faculdades de Direito se prepararem para a transição
que virá — e estarem prontas para ajudar a salvar pelo menos os novos advogados. As previsões são
de que esses robôs vão invadir, primeiramente, o espaço dos advogados do primeiro ano de prática;
depois do segundo ano de prática; depois do terceiro. Quantos aos paralegais (ou auxiliares
jurídicos), eles poderão fazer parte, dentro de algum tempo, de uma classe em extinção”. Disponível
em: <http://www.conjur.com.br/2015-out-29/estudo-preve-robos-farao-trabalho-advogados-
paralegais?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook.>.
501

Exige-se muito mais do homem que deve converter seu tempo em regime
escravo/social, em que se tem muita aparência e pouca essência, para que o
sistema jurídico possa ganhar qualitativamente a partir do aprofundamento obtido
através do estudo efetivo dos institutos legais que regram as ações do indivíduo
coletivo na sociedade pós-moderna.
A integração em uma base de dados virtuais do receituário jurídico das regras
de relacionamento social em todos os aspectos de forma categorizada representa
um ferramental dos novos tempos (ultramodernidade tecnologizada).
É de se observar o presente com as vistas voltadas para o passado. Como
eram os relacionamentos pessoais, os meios de transportes, os sistemas de
telefonia. Será que somente o Direito, a Justiça e toda a sistemática que os
envolvem seriam tomadas por uma estrutura anacrônica ou petrificada pela
imutabilidade?
No processo de inovação, a produção intelectiva enfrenta sérios problemas
quando a sociedade em que germina uma “ideia” enxerga a proposta como algo
fundamentalista, desconexa e até mesmo “louca”, todavia o que se encontra em
conflito e em risco na área do Direito é próprio Direito.
Seja no campo de sua aplicação ou no da busca pelo justo, em jogo estão os
interesses inclusive dos resistentes em transformar a Justiça em algo melhor, a partir
da instauração de um novo modelo que acompanhe os novos tempos e que possa
dar à sociedade uma Justiça dentro dos moldes previstos na lei, sustentando assim
materialmente o adjetivo da “previsibilidade real”.
A nova concepção de Justiça tem como base a unificação das regras, das
decisões, da justaposição dos casos, da organização e da divisão dos conflitos por
especialidade, catalogação, enfim, a categorização do Direito pelos meios
tecnológicos contribuirá além de tudo para que o Estado possa andar à frente de seu
tempo.
Diferentemente da repressão, deve promover políticas públicas com
planejamento, pois, com as novas condições, será possível que os diagnósticos
estejam sempre atualizados para a tomada de ações proativas, decisões certas e
coerentes, gerando maior credibilidade, confiança e pacificação social concreta.
502

A comunicação integrada em tempo menor tem como campo de visibilidade


prática o atendimento aos conflitos com respostas mais rápidas, devolvendo à
sociedade a expectativa de uma Justiça rápida, ou seja, bem mais célere que ao
atual modelo.
Com o nivelamento das estruturas públicas, privadas e sociais, em todas as
classes, o conhecimento passa a ser obrigatório, participativo, integrativo e
colaborativo.
A estrutura normativa, em que as regras são estabelecidas pela
acessibilidade consultiva, de formação e informação, também deverá passar por
mudanças, dando à sociedade como um todo de forma clara e objetiva a noção de
proibitividade, permissividade e punição, conforme bem ilustra Fernando Coelho
(1991, p. 209):

Considerando que as normas devem ser intrinsecamente ligadas aos


diretivos, e que a explicação do conceito de norma deve possibilitar o
factum da existência de certas normas, como “um direito que se encontra
em uma relação de correspondência com os fatos”. E assim, o discurso
diretivo do direito é uma forma linguística que expressa uma ideia – ação
concebida como forma de conduta. Isto é, não importa que a norma jurídica
tenha sido primariamente expressada como imperativo; importa, isto sim,
que ela seja aceita como imperativo; importa, isto sim, que ela seja, aceita
como imperativo, isto é, que sua expressão linguística funcione como
imperativo a nível pragmático.

Parafraseando Capella, se a condição da existência do Direito é ser


formulável em linguagem, porque não em uma linguagem sistematicamente digital,
em um sistema virtual, em que os dados comunicados via sistema ou o formulário
digital de contendas possam ser planilhados pela alteridade das normas ali
sistematicamente organizadas e disponibilizadas.
Contém, outrossim, redundância para a pendência de avaliação e resposta
quando houver falta de elementos concretos para definição dos critérios da contenda
relacionados com os critérios normativos.
Por outro lado, acredita-se que a linguagem utilizada seria simplificada, diz-se
linguagem a do Direito, na medida em que a metalinguagem – tanto a normativa
quanto a não normativa – seria englobada por uma linguagem simples do Direito
descritivo por força da convenção de seus destinatários “criadores, avaliadores,
aplicadores e recebedores” de suas próprias regras.
503

Com isso, serão afastados do risco maior da instabilidade interpretativa


oriunda do limite cognitivo de um único homem/Juiz.
A sociedade seria reeducada, a partir de uma conscientização para uma
compreensão mais simplista e objetiva das formas, provando que a atitude
comportamental do contrário senso foi gestada com o único e exclusivo propósito da
dominação pela dominação, não mais concebível nos tempos atuais, que prima pela
clareza, simplificação e objetividade.
Sendo o Direito uma ordem racional nutrido por outra ordem em sua
constituição estrutural, não é afastável. É, portanto, plenamente possível que possa
ser compreendido, gerido e aplicado por intermédio de uma racionalidade
tecnologizada, por uma Inteligência Artificial.
O Direito, após ser concebido, passa a ter vida própria, sua própria
racionalidade, e torna-se um corpo normativo de regras descritivas de regulação
positiva ou negativa.O homem, nesse processo, participa da criação e também dele
mesmo, agente de Direito, por isso, sendo ambas as racionalidades distintas, nada
impede que a primeira possa ser utilizada, quanto à sua base de dados, informações
e aplicação em uma outra estrutura cognitiva.
Uma plataforma racional tecnologizada para gestão e aplicação do Direito faz
florescer a possibilidade de um alcance prático e efetivo de neutralidade e
imparcialidade falaciosamente incutidas no modelo em que o homem/Juiz é o
representante central e operador.
Essa nova forma de gestão para a aplicação do Direito tem eco na
possibilidade de se teorizar a mente humana a partir de bases computacionais. Isso
não seria o mesmo que fazer com que as máquinas se tornem homens ou vice-
versa. Mas a possibilidade de transferir às maquinas a operacionalização de um
sistema que por séculos esteve confinada ao monopólio da cognição humana.
Nesse sentido, o trabalho científico sobre Representação Mental, publicado
pela primeira vez aos 30 dias de março de 2000, com revisão substantiva em 11 de
dezembro de 2012, é esclarecedor.309

309“A versão contemporânea do líder representacional da mente, a teoria computacional da mente


(CTM), afirma que o cérebro é um tipo de computador e que os processos mentais são computações.
De acordo com a CTM, estados cognitivos são constituídos por relações computacionais para
representações mentais de vários tipos, e os processos cognitivos são sequência de tais estados. /
CTM desenvolve RTM por tentativa de explicar todos os estados e processos psicológicos em termos
de representação mental. No decurso da construção, detalhadas teorias empíricas da cognição
animal humana e outros, e o desenvolvimento de modelos de processos cognitivos implementáveis
504

Tais critérios, quando aplicados às regras, projetam no Direito uma ação com
maior estabilidade e confiabilidade em todos os aspectos; a transparência na
aplicação do enunciado prescritivo normativo isentaria a racionalidade do Direito da
racionalidade “irracional” subjetiva, ou melhor, da racionalidade-pessoalidade
decisional. Neste contexto, as lições de Fernando Coelho (1991, p. 324-325) são
pontuais:

O raciocínio do jurista, assim concebido, vale-se principalmente dos


argumentos lógicos tradicionais, a maioria, a minoria, e a contrário, aos
quais se atribui caráter apodítico, porque pressupõe os princípios da
identidade e de não contradição. / Ocorre todavia que a lógica jurídica
igualmente considera argumentos para-lógicos, que não têm o caráter
apodítico dos anteriores, mas assentam sua força de convicção na forma
analítica de que se revestem, assim, o estabelecimento de um significado à
norma ou à conduta a partir do mero título ou súmula da lei (a rubrica); a
referência à opinião de jurisconsultos e a autoridade da jurisprudência (ab
autoritate); exame dos trabalhos preparatórios, para quacultara opinião do
legislador (pro subjecta materia); apego dogmático ao texto da lei (ration
legis stricta); a ampliação do significado da lei, de modo a abranger
situações não previstas (a generali sensu); a analogia; todos esses
procedimentos, largamente empregados na lógica do direito, interferem na
formação das premissas para estabelecer a racionalidade decisional, cujo
ideal seria entregar os julgamentos das ações humanas a um computador
que fosse absolutamente neutro em sua racionalidade pura.

Considerando o longo e arriscado caminho por onde se desenvolve o


raciocínio humano para a realização do ato de julgar, não parece coerente que as
decisões continuem a refugiar-se em bases instáveis e influenciáveis que justifiquem
essa forma de posição como modelo inatingível ao questionamento e sua impossível
substituição ao modelo orgânico do sistema judiciário.

em sistemas de processamento de informações artificiais, os cientistas cognitivos têm proposto uma


variedade de tipos de representações mentais. / Embora alguns destes possam ser adequados para
ser relato mental de estados psicológicos, senso comum, alguns – os chamados “subpessoal” ou
“subdoxástica” não são representações. Apesar de muitos filósofos acreditarem que a CTM pode
fornecer as melhores explicações científicas de cognição e comportamento, há divergências sobre se
tais explicações vãoreivindicar as explicações do senso comum psicológicos da RTM precientífica. /
De acordo com Stich (1983), “Teoria da Mente sintática”, por exemplo, as teorias computacionais de
estados psicológicos devem se preocupar apenas com as formais propriedades dos objetos. Esses
estados são relações com compromisso com a relevância explicativa de conteúdo, no entanto, é para
a maioria dos cientistas cognitivos fundamentais (Fodor 1981a, Pylyshyn 1984, Von Eckardt 1983),
que os processos mentais são computações, que os cálculos são governados por regras sequências
de objetos semanticamente avaliáveis, e que as regras se aplicam aos símbolos, em virtude do seu
conteúdo, são princípios centrais da ciência cognitiva”. Disponível em: <Fonte:
http://plato.stanford.edu/entries/mental-representation/>. Acesso em: 15 jan. 15.
505

A estabilização do ato de decidir pela prática mediadora tecnológica passa a


proporcionar e representar mais do que um Direito universal a isonomia e a
concepção fim de Justiça como uma forma concreta de equilíbrio na distribuição do
Direito.
Um novo modelo de Justiça, entretanto, ou um novo meio para sua
realização, que promova o desenvolvimento válido de um mecanismo pragmático de
decisões estáveis que garantirão uma maior segurança em previsibilidade das
decisões e, com ela, a concretização do Direito, passa a ser mais relevante.
É possível existir maior rapidez no resgate do crédito ao sistema Judiciário
pelo aumento de eficiência e pela eficácia do novo modelo de mediação do Direito
no alcance da Justiça.
A premissa normativa não se afeiçoa às influências sintáticas e semânticas da
linguística. Caso isso aconteça, o resultado de cada resultado será recepcionado
como uma caixa de surpresa, na medida em que se terão resultados diferentes para
casos semelhantes devido à influência pessoal que afeta a objetividade das
premissas.
Isso ocorre porque, na reconstrução dos fatos, na arrecadação das provas e
em todo o processo, a interferência da interpretação passa a ser vítima dos atos
volitivos pessoais e subjetivos da intervenção do homem, agente mediador e
ponderador do sistema jurídico.
A interpretação como exercício prático da psique humana muitas vezes é
golpeada pelas pseudoverdades constituídas no tribunal da razão humana. Sendo
assim, a interpretação passa ser uma falsa erudição em busca da apuração da
realidade, em vez de aliar-se à premissa normativa e contribuir para sua efetividade:
ao contrário, a corrói, chegando muitas vezes a distorcer a essência da
racionalidade objetiva da lei.
A interpretação quando no exercício racional em busca de realizar suas
funções – ou as funções que se objetiva que ela realize – representa uma
ferramenta psicológica fundada pelo poder do mais forte (dado o seu conhecimento)
para compreensão, interpretação e obtenção de um juízo decisão.
Tal fenômeno ocorre porque de um indivíduo para outro as diferenças são
existentes, de fácil constatação, além de ser pressuposto que justifica o
apontamento da instabilidade do ato de decisão.
506

Pode-se afirmar existirem “Justiças”, porque há “Juízes”, cada um fazendo


uma de acordo com seu livre convencimento e sua convicção. A decisão final é a do
homem: nessa atmosfera de liberdades, a única coisa a ser tratada e dificilmente
sedimentada é a construção de uma Justiça estável, previsível e una.
A espécie humana, portanto, é subdividida em uma espécie de casta
comunicativa a qual se subdivide em níveis que na maioria das vezes não
convergem, dados os desníveis cognitivos existentes entre cada nível.
Tais distorções não somente demonstram serem os indivíduos distintos em
capacidade cognitiva entre si, como também revelam que a racionalidade humana
se desenvolve a partir de uma logicidade bastante instável, sejam pelas condições
de identidade de cada indivíduo, sejam pelos reflexos que o meio social em que ele
se encontra refletem sobre ele.
Sendo o sistema jurídico um complexo lógico com sua própria racionalidade,
a tentativa de racionalizar a linguagem humana com suas peculiaridades e com suas
incompreensões, conflitos e disfunções comum de sua racionalidade, representa
uma medida propositiva.
A operação ofertada pela racionalidade humana na condução do
sistemajurídico é manipulada pelas ideologias pessoais e subjetivas típicas da
natureza do homem enquanto ser social, seja na individualidade ou na coletividade.
O Direito, quando perpassado por tal sistemática, não é aplicado
instantaneamente, ao contrário, é reconstruído, fazendo uso da linguagem, da
interpretação e dos meios racionais de que a faculdade cognitiva se vale para
realizar suas operações do conhecimento. Somente após todo esse percurso se
verifica pela aplicação da lei a favor ou a desfavor do interessado.
Observando atentamente, de forma clara e distinta, a realidade dominante
para a reconstrução do Direito não é reconstruída de forma coerente, na medida em
que a atmosfera não assegura o resultado prático pseudo assegurado
ideologicamente na lei Maior.
Não porque não exista a intenção, mas são os meios que impossibilitam a
conclusão dos fins. Para isso é necessário que seja instituída uma nova concepção
filológica e semiológica quanto aos meios que o Direito deve trafegar para poder
atingir um nível aceitável (previsível e certo) de Justiça.
507

Afastar-se das ideologias perversas da racionalidade humana para a


reconstrução do Direito rumo à Justiça é uma nova condição. A sociedade existente,
dado o grau de desenvolvimento e evolução, sente que a tecnologia da informação
em comunicação pode realizar-se a partir de um modelo em que a intervenção
humana seja afastada, evitando, com isso, as mazelas das intencionalidades
pessoais ou subjetivas.
As resistências a mudanças dão-se porque as tradições do modelo secular,
no qual o a criatura humana é a gestora central, estremecem politicamente toda a
estrutura do Judiciário, principalmente porque a estrutura nos órgãos de cúpula ou
de sobreposição são politicamente vinculados aos interesses do próprio Estado.
Todavia, essa tensão tem forte tendência a dissipar-se, visto que o Estado
pode reservar-se, a partir de um novo modelo de Justiça em que Direito é mediado
pela utilização de uma tecnologia de gestão das regras em deter o controle tal como
realiza junto às cortes constitucionalmente existentes.
O desconforto da mudança é um fenômeno imanente à espécie humana,
além de que se apresenta mais acentuado quando atinge diretamente o interesse
dos que se beneficiam dos modelos instituídos.
Passados alguns séculos,mais precisamente a partir do século XVIII, e
observando o comportamentalismo sistêmico do Poder Judiciário, é evidente a forma
como se dá a gestão: por assenhoramento serviçal, acrítico em sua forma, estrutura
e funcionalidade.
O dirigismo dos atos decisionais muitas vezes já se encontra predefinido e
contém o “estofamento” de uma fundamentação que justifica a posição tomada,
ainda que contrária à lei, para evitar que os efeitos da nulidade não alcancem o ato
decisório.
São denunciantes as sessões nos Tribunais de Justiça, que já se arrastam
por décadas, onde acontecem os julgamentos de centenas de recursos em menos
de hora. Isso significa que a regra da massa exige a implantação da tecnologização
dos meios, pois os Tribunais têm adotado como critério de padronização
manualmente praticado o uso da categorização dos casos, pela natureza da matéria,
pelo rito e outros métodos.310O rompimento com o modelo existente representa o

310Nesse aspecto, é esclarecedor Fernando Coelho: “A subsunção jurídica, embora se possa


conceber que ela se reduza a ato decisional, ao menos na sua forma escapa o fato de que a escolha
das premissas não corresponde as mais das vezes a outras subsunções. O enunciado deôntico ou
508

afastamento de uma Justiça obsoleta, margeando uma “corrupção judiciária” (no


sentido de entregar algo diferente do prometido na carta Constitucional) como seria
evidente e de fácil prova.Caso o Judiciário fosse objeto não somente de uma
reforma em suas bases, mas também tivesse realizado uma auditoria em todas as
suas instâncias. Isso não seria autorizado pelo próprio judiciário, seja pelo
impedimento ou suspeição ou por outras justificativas que endossassem a posição
negativa de abrir a racionalidade da Justiça (como funciona a máquina em sua
internalidade).
A concepção atual de Justiça é antiga e desde Aristóteles era observada, pois
o modelo se apresentava como um risco à sua não obtenção, considerando a
condição relativa da personalidade da espécie humana como ilustra Gilissen (2003,
p.77). “Aristóteles é um dos primeiros a admitir a relatividade humana: uma forma de
governo pode ser boa ou má conforme o grupo social ao qual se destina”.311

indicativo da lei, resultado da interpretação jurídica é isto muito mais complexo do que a decisão em
si, o mesmo se podendo dizer dos enunciados indicativos das situações sub-judice, em cujo processo
de elaboração intervêm fatores coletivos e irracionais. Finalmente, o próprio silogismo judicial pode
significar que a decisão concreta é anterior a todo raciocínio analítico, isto é, o enunciado das
premissas é somente um apoio lógico-formal que o próprio juiz elabora para fundamentar a posterior
a decisão que ele já tomara; destarte, ao invés de a subsunção traduzir a interpretação do caso
concreto à luz da lei, o que pode ocorrer é um processo inverso, a interpretação da lei ser feita à luz
do entendimento que o juiz tem a priori do caso concreto, embora tal entendimento possa até ser
inconsciente (COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1991, p.
335)”.
311 E para Bittar: “O Ilusionismo da razão figurando como uma espécie de cintilante sedutor dos
espíritos modernos, que se tornam criticamente cegos aos defeitos de suas próprias concepções, não
afasta a possibilidade de erro, apenas mascarando a dimensão do que estaria para ser vivido ainda
na dimensão dos anos, em que a modernidade começa a ser colocada em questão. Ao ser vangloriar
a razão, cartesianamente não se sabia que ela seria capaz de criar a bomba atômica? Ao se
vangloriar, a liberdade ética do dever, kantianamente, não se sabia que a liberdade ética é facilmente
em subjetivismo ético? Ao se propugnar a igualdade de todos, rousseanamente, não se sabia que a
igualdade não pode ser cumprida sem grandes injustiças perante aqueles que “são menos iguais que
outros”? Ao se transformar o homem em instrumento das máquinas, não se haveria de perceber que
em certo momento seria substituído por estas máquinas? Ao se transformar a natureza em objeto,
baconianamente, não se poderia entender que haveria de ser colocada à mercê da ganância e da
exploração exauriente humana? Ao se pensar na soberania e na centralidade unitária do Estado,
hobbesianamente, não. Ter-se-ia previsto ser o povo completamente alijado de qualquer participação
na construção da sociedade? Ao se pensar a criação do comunismo, não se estaria a correr o risco
de o próprio Estado – transitivo em direção ao comunismo se transformar, ele mesmo, no novo
detentor dos modos de produção, o que faria, portanto, da burocracia a nova classe burguesa,
invertendo apenas o poder econômico de mãos? É bem cabível aqui, após tantas perguntas, a
afirmativa de Baumann “nós, humanos, somos dotados de tudo de que todos precisam para tomar o
caminho certo, que, uma vez escolhido, será o mesmo para todos. O sujeito de Descartes e o homem
de Kant, armados da razão, não irradiam em seus caminhos humanos a menos que imprimidos ou
atraídos para fora da reta trilha iluminada da razão (BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-
modernidade. 2. ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 52)”.
509

Os resultados da modernidade exteriorizam desilusão, porém, ao mesmo


tempo, apresentam indícios de superação diante do desenvolvimento da sociedade
e dos aspectos que a envolvem, parafraseando Baumann, a maior parte de sua
história, a modernidade viveu naauto ilusão, sem tomar nota dos males de suas
consequências.
É necessário superar a cegueira moderna, uma continuidade da idade média
para que as condições da pós-modernidade possam ser escritas de uma forma mais
positiva. No âmbito do Direito, não se questiona a existência de um poder, mas a
forma como ele é exercida. Para Bittar (2009, p. 85):

Somos esmagados pelo grande número de leis, sabendo-se que as


mesmas são, em sua boa parte, socialmente ineficazes de trazer, os
reflexos concretos, as mudanças sociais necessárias e atingir a vida e as
perspectivas reais nas quais se inscrevem os cidadãos. Eis a preocupação
com a questão da lei na pós-modernidade, menos validade e mais eficácia,
menos forma e mais sentido prático social.

A tendência a exigir uma nova forma para a conquista de um novo sentido no


âmbito jurídico apresenta-se evidente, quando a fonte das respostas existentes não
consegue dar uma resposta satisfatória às questões enfrentadas.
A busca de um sistema compatível com as novas realidades, as das massas
que exigem para a sua pacificação respostas rápidas e eficazes, é demonstrativa de
uma cultura diferente e em constante transitoriedade, portanto, as bases de
integração de dados e informações exigem o aparelhamento da tecnologização dos
meios em toda a sua escala.
Superar a pessoalidade no ato de decidir representa oportunizar o acesso
efetivo dos fins através dos meios da tecnologização, pois a transposição das regras
via sistema tecnológico e a categorização do comportamento humano pelos mesmos
meios é possível, obtendo do cruzamento um resultado lógico e objetivo de
cumprimento ou não da lei.
Parametrizar a linguagem aberta, de forma predefinida isenta de uma dialética
da complementariedade comum à espécie humana, distante das diversas teorias
que se prestam a “infernizar” o Direito ou a torná-lo confuso, a ponto de o sistema
jurídico ser desacreditado, o que exige correção.
Dessa forma, reestabelecida a coesão formal e material entre a ordem jurídica
e a eficácia normativa, é evidente que a cada século encontremos um modelo
510

adotado pelo sistema jurídico.312A validade normativa no século XXI vem há tempos
relegada à ineficácia da norma não devido à sua validade, mas devido à ausência de
efetividade temporal. O fenômeno fato e direito acontece tardiamente pela tentativa
de sua reconstrução a cada caso.
Com esse modo rudimentar, busca incansavelmente atender à demanda
massificada dos interesses individuais coletivos, cujo objetivo paira na busca de
resultados eficazes a partir das leis existentes dentro do ordenamento jurídico,
sendo que em qualquer uma das hipóteses é instrumentalizada artesanalmente pela
elaboração humana do homem/Juiz.
Dadas as condições humanas de seu operador, o não alcance dos resultados
da eficácia representa uma condição natural do evento e gera injustiça pela
qualidade da prestação jurisdicional ou pela via do represamento das litigâncias que
aguardam anos por seu julgamento ou por intermédio de mecanismos de
impedimento legalmente gerados para evitar o acesso desenfreado em busca da
Justiça.
A simplicidade das formas e da concretização rápida dos reclamos exige e ao
mesmo tempo gera a necessidade de um novo modelo preparado para atender
objetivos primários. Na linguagem tecnológica, em que a Inteligência Artificial passa
a dialogar e a mediar o Direito e a categorização das ações humanas de forma
sistematizada, o êxito da Justiça não somente se apresenta possível como a
simplicidade e a concretização do Direito passam a acontecer efetivamente.

312 Segundo Fernando Coelho: “Observa Perelman que, se o século XIX presenciou o domínio do
formalismo no Direito, pari passu com uma concepção Estatal e legalista das normas jurídicas, o
século XX é o século do relativismo e do pluralismo jurídico, onde os princípios gerais do Direito
assumem importância cada vez maior, mercê da influência de consideração de índole sociológica e
metodológica; a teoria do direito, característica deste século, favorece a concepção tópica do
raciocínio jurídico, ontológico ao formalismo, conduzindo ao reconhecimento do papel do juiz na
elaboração do direito e a prevalência da norma sobre a sua validade (COELHO, Luiz Fernando.
Lógica jurídica e interpretação das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 2)”.
511

Seria isso o marco de uma nova Era do Direito: ele passaria a ser, além de
somente uma ciência humana com participação humana, uma ciência humana com
participação tecnológica em seu processo de análise, avaliação e aplicação. O
Direito passaria a ser mediado não pela racionalidade humana, mas pela
racionalidade lógica da tecnologia, promovida por intermédio da Inteligência Artificial.
O Direito até então apropriado pelo processo racional humano de
interpretação, criação, integração e complementariedade – em que o trabalho
hermenêutico nem sempre se concretiza – passaria a ser realizado a partir de outro
modelo de gestão, desde que conservadas as mesmas garantias legais
secularmente conquistadas pela espécie humana e coligidas em seus diplomas
legais.
A sociedade ultramoderna não almeja Justiça; o escopo da nova geração é a
busca da prática útil do Direito, do resultado rápido, eficaz e descomplicado, das
demandas que apresentam a logicidade e a racionalidade dos novos tempos.
Na divergência conflituosa não está a esperar uma próxima “divergência”,
necessita de solução antes mesmo do advento de uma possível recorrência ou
ocorrência, é preciso abrigar no mesmo recinto- “espaço” o Direito e Justiça.
Do clássico silogismo dedutivo resta a estrutura de movimento que é
transportado para uma nova inteligência capaz de realizá-la “zás-trás”, rapidamente.
As clássicas teorias tridimensionais do Direito, da argumentação, dentre outras
foram frutos de uma época romântica do Direito, nostálgica, incapaz de responder a
uma demanda pouco apaixonada da massificação individual ou coletiva.
Em que o homem/Juiz é o operador e se vê rendido ao não responder à
altura, seja pelo limite de sua capacidade cognitiva ou da superior demanda
“quantitativa” que lhe é submetida todos os dias.
A condição humana do operador há tempos desmistificada vem levantando
polêmica ante dos problemas comuns imanentes à espécie, cuja qualidade é
inerente ao homem/Juiz, expondo-o às mesmas e suscetíveis fraquezas e
docilidades, que fazem a espécie humana vulnerável aos desejos e encantos dos
tempos atuais.
512

Sendo assim, o ato recriação do Direito não pode ser de encargo livre do
homem/Juiz, devido ao risco da ilegalidade iminente e evidente a que sua condição
de falibilidade pode expor o sistema. Não é necessário um segundo legislador, o que
se busca e o que se pode obter com a organização tecnológica é a fiel aplicação da
lei consoante a perspectiva de civil law, mantendo, assim, a clareza e a objetividade
das leis.
A relação é paradoxal, até o advento do homem competir com um outro de
sua espécie; os critérios claros e predefinidos selecionam alguns dentre a espécie.
Neste caso, os mais bem preparados passam à frente das fileiras para coordenar os
demais, bem como para orientá-los e julgá-los.
A organização da sociedade é algo que funciona com essa lógica, uma
domesticação, uma dominação, uma docilidade hereditária, que faz dessa
oportunidade a monopolização do poder.
Caricaturando de forma a se valer do pensamento foucauniano, o Poder
Judiciário na modernidade locomove-se em um sentido diverso superado por um
poder imperativo normativo, por um poder disciplinar já naturalmente inseminado
endogenamente nas instituições que socialmente moldam os aspectos
comportamentais da sociedade.
Para uma nova Justiça, é essencial que uma nova sociedade surja,
impossível acabar uma e existir uma outra como em um passe de mágica. Salvos os
eventos históricos impostos pela própria natureza (catástrofes), todavia, a transição
é necessária, embora seja cediço que parte ficará inevitavelmente no fosso do
passado.313A realidade atual da estrutura social é essa e a do judiciário, por ser um
órgão do Estado simetricamente igual, tem como proposta o conhecimento-

313 Em tal sentido, as lições de Boaventura Santos são esclarecedoras: “A realização deste equilíbrio
dinâmico foi confiada a três lógicas da racionalidade atrás mencionadas: a racionalidade moral-crítica,
a racionalidade estética expressiva e a racionalidade cognitivo-instrumental. Vimos, porém, que nos
últimos duzentos anos a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da tecnologia se foi
impondo às demais. Com isto, o conhecimento-regulação conquistou a primazia sobre o
conhecimento-emancipação: a ordem transformou-se na forma hegemônica de saber e o caos na
forma hegemônica de ignorância. Este desequilíbrio a favor do conhecimento-regulação permitiu a
este último recodificar nos seus próprios termos o conhecimento-emancipação. Assim, o Estado de
saber no conhecimento-emancipação passou a estado de ignorância no conhecimento-regulação
(solidariedade foi recodificada como caos) e, inversamente, a ignorância no conhecimento-
emancipação passou a estado, de saber no conhecimento-regulação (o colonialismo foi recodificado
como ordem) (SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2013, p. 79)”.
513

emancipação em sobreposição ao conhecimento-regulação. É imperioso que isso


aconteça no processo de mudança da sociedade.
A solidariedade cognitiva deve ser instituída de forma hegemônica; para isso,
na transição, comprender de um certo nível de caos decorrente da negligência
relativa do conhecimento-regulação passa a ser aceitável, com isso, promovendo a
emancipação do indivíduo singular e/ou coletivo por força da solidariedade cognitiva.
A reconfiguração da forma de conhecimento e a reinterpretação dos sintomas,
dos comportamentos e dos conceitos, por meio das reconceituações, fazem com
que o homem, mesmo em sua precária limitação, consiga enfrentar melhor seu
espaço tempo social, como esclarece Boaventura Santos (2013, p. 57-58):

A um nível mais profundo, esta sensação de insegurança tem as suas


raízes na crescente assimetria entre a capacidade de agir e a capacidade
de prever. A ciência e a tecnologia aumentaram a nossa capacidade de
seção de uma forma sem precedentes e, com isso, fizeram expandir a
dimensão espaço temporal dos nossos atos.

A tecnologização do poder Judiciário deve atingir seu núcleo operacional,


contribuindo em tal processo com o melhoramento de seus resultados em todos os
aspectos, porém sem arranhar o desenvolvimento e as conquistas amealhados
historicamente.
Com isso, o século passa a ser marcado pelo uso da tecnologia em todos os
meios, cumprindo essa nova espécie de conhecimento e inteligência com sua
missão de estar presente em todos os momentos de forma positiva, inclusive na
árdua e primorosa missão de conduzir a sociedade muito além das condições
impostas por sua limitação cognitiva.
É preciso que o Estado volte a colocar cada um de seus órgãos a assumir seu
verdadeiro papel. Fenômenos como a Judicialização da Justiça e sua Politização
somente privilegiam uma das partes, quando a regra inicial, pactuada, colocava-as
em condições de compreender as regras do “jogo”.
A tecnologização do judiciário é condição para manutenção do próprio
sistema da civil law, tornando o conhecido, previsível e mais ágil. A grandeza maior
do Estado é compreender a dimensão funcional dos seus órgãos, fiscalizá-los e
colocá-los no efetivo funcionamento. Fazer Justiça social quando do seu surgimento
se deu de forma irregular pela pressa de atender a uma agenda de ordem política e
não jurídica.
514

Foi indevidamente apropriada pelo órgão do Judiciário, posicionando-se


contrariamente a seus propósitos, caricaturando a Justiça brasileira. É possível
ludiciza-la em uma espécie “Robin Hood” da lei, o que não contribui com a
previsibilidade e com a certeza que um sistema jurídico exige, conforme ilustra o
estudo feito por Castelar.314
Disso se observa que a falta de razoabilidade e proporcionalidade quando de
uma tomada de posição pode conduzir o próprio sistema a não resolver seus
maiores e nefastos problemas. A polarização em decorrência de uma posição
(extremada pode somente inverter os lados de uma mesma moeda. No caso do
Judiciário a invasão do Juiz sobre a lei, no sentido de proporcionar uma Justiça
social, vem a contrário senso, gerando uma Injustiça social.
A sociedade contemporânea busca resultados a partir de regras esclarecidas
e com isso objetivas. As velhas discussões do livre convencimento, da motivação e
de uma viagem desnecessária em busca de uma verdade que já se faz presente
somente podem fazer o sistema voltar ao começo da mesma discussão.
Com isso, uma ultramodernidade jurídica apresenta-se condizente com os
novos propósitos, nos quais mediar, mais do que distribuir, é aplicar as regras
predefinidas aos precedentes já conhecidos.
Parafraseando Habermas, sendo uma das funções da linguagem a lida dos
problemas que surgem no mundo, em determinado momento torna-se essa mesma
linguagem uma forma de criar o próprio mundo, porque ela é dotada de tal poder.

314 “A politização das decisões judiciais foi originalmente pesquisada por Sadek (1995), e depois por
Vianna et alii (1997), na forma de uma não neutralidade do juiz na interpretação das leis. Esses
trabalhos revelam que o magistrado brasileiro vê-se como responsável por promover a mudança
social e, em particular, reduzir as desigualdades sociais, dispondo-se, com frequência, a ignorar não
apenas os contratos mas também as leis na busca desse objetivo.Predomina a visão de que esse é
um papel do juiz singular, mais do que do Judiciário enquanto instituição, é que nesse papel o juiz
deve não apenas impor o direito feito pelo Legislativo, mas fazer ele mesmo o direito, buscando mais
a “justiça” do que a certeza jurídica. Como observam Vianna et alii (1997), ao contrário do que em
geral se imagina, considerando que o Brasil funciona em um sistema de civil law, o magistrado
brasileiro age em larga medida como um juiz do common law, ainda que não aceite limitar-se por
regras de precedentes ou pelas decisões de tribunais superiores, que são os instrumentos que dão
previsibilidade ao sistema de common law. Um resultado importante desta pesquisa é que a não
neutralidade do magistrado, que dá origem a decisões enviesadas ou com pouca previsibilidade,
pode ser um problema, do ponto de vista da economia, tão importante quanto a morosidade. Um
problema agravado pelo pouco conhecimento que se tem dele (PINHEIRO, Armando Castelar. Texto
para discussão nº 966. IPEA. Rio de Janeiro, jul. 2003, p. 46. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0966.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2015)”.
515

No entanto, o risco de se ter nesse (poder) uma perversão oriunda da razão


humana exige que essa não somente seja desqualificada (dado risco), mas afastada
das questões em que se coloque como objeto de análise o próprio homem.
Em tal contexto, que sejam rompidas a tradição histórica do Direito e da
Justiça, da sua linguagem, dos métodos, das formas e dasfórmulas, porque não é
mais concebível que o cientista das ciências jurídicas tenha como parâmetro (o
conhecimento que o orienta) as velhas e superadas lições que lastreiam os
anacrônicos e insuperáveis problemas da Justiça.
É necessário reconstruir o Direito e a Justiça em uma outra linguagem. O
mundo do Direito e da Justiça, a partir de uma linguagem artificial (mediado por
esta), passa a ser uma fonte de conhecimento contemporâneo de uma
ultramodernidade, em que o mundo passa a ser um outro porque responde a uma
nova linguagem.
Para esses fins (a linguagem) do julgamento, dispensa-se a intervenção
humana, mesmo que a Justiça seja para o (homem), como implicitamente é possível
extrair dos dizeres da Gajardoni em artigo de sua autoria - O livre convencimento
motivado não acabou no novo CPC 16/07/2015: “Para nosso bem, na Justiça dos
homens o fator humano é insuprimível. Por isso, enquanto os julgamentos forem
humanos, a livre convicção do julgador, dentro de algumas importantes balizas,
sempre estará presente. ” (Destaques são nossos).
516

19 ASPECTOS MACROCOGNITIVOS

19.1 A relação profusora da Inteligência Artificial com as ciências físicas, neurofísica,


neuroquímica e seus impactos no futuro do destino do Direito e da Justiça

A necessidade relacionada aos interesses e às circunstâncias sociais


estabelecidas e concatenadas força-nos a enxergar que algo de diferente no
contexto social reflete-se materialmente no modelo da Justiça existente, no sentido
de romper com o paradigma atual.
Isso acontece porque a civilização da espécie humana evoluiu e nestas
últimas décadas, após longo estágio em busca de especializar-se sobretudo na
busca de conhecer mais sobre algo, tem percebido que o conhecimento de tudo
encontra-se na via inversa. Conectado nos aspectos macrocognitivos.
Isso se torna presente, na medida em que uma nova realidade circunscreve-
se diante outras estruturas cognitivas já existentes em uma ordem de grandeza
material e não somente abstrata, que possa superar a inteligência humana na
condução de muitas outras realizações, dentre elas do organismo judiciário e de
outros ambientes em que o homem se faz presente.
A mudança que se pode ter em determinada fase da experiência humana
diante da evolução dessa espécie pode dar-se por intermédio de uma mutabilidade
exercida pelos efeitos de uma ruptura de modelos.
No limite da inteligência do homem, parafraseando Hawking, aquele descobre
que a próxima fronteira não é a busca incessante e lenta de um desenvolvimento
biológico que faz parte imanente de sua condição.
Infelizmente, isso se dá porque não pode ser concedido ao homem, como
uma espécie de inteligência capaz de conduzi-lo à perfeição, salvo se essa for
rompida de modo a reconhecer seus limites e, ao mesmo tempo, aceitar, de forma
não velada, que a criação da Inteligência Artificial pode levá-lo além do seu estágio.
Sob esse aspecto, tem-se um paradoxo, ou seja, como uma limitada condição
cognitiva pode respaldar um brilhante instante mutativo de valores, de
conhecimentos, critérios e de uma nova realidade.
517

A única forma de estatuir é reconhecer que a fadiga registrada pela ruptura do


modelo vigente afasta ou simplesmente deixa para trás a falibilidade e a insuficiência
da estrutura cognitiva humana, passando a ser preenchida em concomitância pela
estrutura cognitiva da Inteligência Artificial e de tudo que essa tecnologia como
modalidade de inteligência pode proporcionar em evolução.
No cenário do Direito e da Justiça, a ingerência do sistema faz-se presente,
portanto o modelo vigente não mais se sustenta diante da inefetividade, o que se
deduz pela atual crise do sistema do Poder Judiciário.
É um fato evidente, que atraiu a percepção das ciências cognitivas, devido
aos efeitos e às amostras tão claras, a ponto de as doutrinas, por intermédio de seus
escritores, não saberem mais o que escrever, se não mimeticamente repetir! Na
árdua tentativa de resolver o sistema a partir de seus próprios elementos.
Em rápida síntese, tendo como base os registros escritos nos pergaminhos
dos diplomas processuais plasmados nos CPC’s de 1939, de 1973 e no atual de
2015; a preocupação e a insatisfação voltam a repetir-se, diante das mesmas
dificuldades enfrentadas secularmente pela Justiça.
Os problemas da incerteza, da imprevisibilidade e da morosidade, juntas,
contribuem para a não concretização Constitucional na entrega de uma Justiça
material, vestutamente hibernada no plano ideológico.
Esses problemas ainda ecoam e assombram os mais experientes juristas.
Isso é fato cristalino e inconteste; óbvio que é inegável que, de alguma forma,
distante do ceticismo, se ouçam notícias de um avanço ou de outro no bojo do
sistema judiciário.
A legislação processual, nessa derradeira fase de seu desenvolvimento,
reestrutura-se por intermédio de uma reforma integrativa em que se agrega a
conservação dos bons e efetivos institutos consagrados há tempos.
E se inova, ao integrar institutos advindos de outros sistemas processuais,
mas que foram experimentados e aprovados diante de sua contribuição positiva,
embora – faz-se necessário destacar – em uma outra realidade social, porém bem-
vindos ao sistema processual.
O trabalho da pesquisa científica foi desafiador, cuidadoso nos detalhes,
fincado e obstinado pelas dificuldades de questões polêmicas encontradas,
principalmente quando a espécie humana em sua grande maioria não está ainda
preparada.
518

O desafio encontrado foi o de enfrentar temas que envolvam a integração das


cognições e o desconhecido mundo que raiam pelos tempos futuros da Inteligência
Artificial, em que as dificuldades das línguas em se falarem ainda representam uma
abissal travessia.
Por isso, a essencialidade pedagógica das idas e vindas no trato da questão
envolve o limite cognitivo da inteligência natural e a participação da Inteligência
Artificial como mediadora do Direito para o alcance da Justiça, a partir de um novo
conceito de Direito e Justiça que deve perfazer a estrutura orgânica judiciária.
Disso de destaca a impossibilidade de desenvolver o tema pela via do
microconhecimento de uma única ciência, tendo sido eleita a via macrocognitiva
para a empreita teórica da pesquisa científica.
Concomitantemente, contribuiu essa forma de pensamento para com a
integração das adversidades científicas, que fazem com que a profusão dos saberes
produza novos saberes.
E esses proponham novos instrumentos para espiar o mundo que a espécie
humana habita e o novo mundo que habitará. Nesse contexto, as palavras de
Minayo são esclarecedoras (2010, p. 47):

Defino pesquisa como a atividade básica das Ciências na sua indagação e


construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade do ensino.
Pesquisar constitui uma atitude e uma prática teórica de constante busca e,
por isso, tem a característica do acabado provisório e do inacabado
permanente. É uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que
nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e dados,
pensamento e ação.

Propôs o trabalho a questionar o modelo da Justiça judiciária vigente e os


conhecimentos que a circundam, no intuito de aperfeiçoar e retraçar a cartografia de
seus próprios saberes, muitas vezes acometidos de um reducionismo
aparentemente confuso, fugaz e irreconhecível, proposto pela conformidade da
aceitação ou simplesmente não conciliado com a realidade vigente.
A posição firme e consciente das dificuldades a serem encontradas junto à
comunidade cientifica e de enfrentar um dos temas em questão referente à limitação
cognitiva da espécie humana.
519

Propondo a sobreposição, ao menos restrita, da Inteligência Artificial como


mediadora do Direito ao alcance da Justiça, atrelada somente a uma questão de
tempo, uma vez que a estrutura em grande parte se encontra substituída pelos
aparatos da tecnologia, onde os estudos avançam em constantes aprimoramentos e
testes.
Por vezes, as causas pejorativas da evolução estão cultivadas nas
propriedades desencorajantes não somente ao acesso pelo saber, mas da sua real
importância na construção do mundo, na destruição e em sua reconstrução,
originado por períodos de sombras causadas pelas nuvens do desconhecimento, em
que a esterilidade cognitiva predomina, muitas vezes propositalmente.
As ciências e a técnicas somente podem ser concebidas se aliançadas em
um paralelismo efetivo em nossa contemporaneidade; óbvio que com essa
concepção o passado da divisão, propulsor pelo atraso, somente se ilustrará no
museu das memórias da História.
Com seus métodos e suas linguagens, as teorias ainda devem ser
reconhecidas como importantes, sem desconsiderar outras formas de
conhecimentos. É preciso unir tudo, pelo fato de o conhecimento ser um único corpo!
A nova consciência social fundida na razão responsável por todos,
coletivamente e conscientes da maioridade emancipatória, longe de uma
menoridade infantilizada nos dizeres parafraseantes de Kant.
Encontra correspondência em uma razão instrumental tecnológica, gerada a
partir dessa mesma consciência que renasce em si mesma e reconhece a altivez de
uma razão distinta da humana, tornando-se uma outra forma de vivência.
A autonomia está para a eficácia como a eficácia está para a autonomia,
cultivadas e fertilizadas a partir de um capital intelectual inovador. As raízes do
conhecimento fossilizado do passado revelam que o homem tem história, é um ser
temporal que vive lentamente em seu espaço e, de tempos em tempos, dá um salto
rumo a outro mundo. Isso é sinal de evolução!
O recente conhecimento a partir de uma nova estrutura cognitiva concede-lhe
uma nova mente, ele é, portanto, um novo homem que faz nova sua cultura, que, em
nenhuma hipótese, pode criticá-lo ou sequer condená-lo: é a masmorra do passado
de uma cultura infértil (da promessa) frente ao novo mundo (da inovação) em uma
constante inovação em detrimento da renovação.
520

Por isso, o fermento de ideias calcadas em novos conhecimentos pode e


deve abrir novos portais no universo desconhecido do conhecimento ainda não
dominado, no sentido de proporcionar a inevitável instabilidade proporcionada pela
natureza do desenvolvimento que, de alguma forma, contribui para a evolução.
O estudo é nutrido de elementos que propulsionam o envolvimento do
sistema processual, pelo fato de a mediação do ato de julgar ou decidir encontrar-se
encravada monopolisticamente nos últimos códigos processuais sob o cárcere da
legislação processual, aliás, decidir é parte integrante da teoria filosófica da mente
em correlação com as teorias linguística, psicolinguística e a das neurociências. A
espécie humana é um sistema orgânico, uma maquina biológica e disso não se tem
dúvidas.
Expiam-se os códigos de 1939, 1973 e 2015, nos quais o homem/Juiz fora
outorgado como centro operacional de mediação do Direito para o alcance da
Justiça, devidamente definido por intermédio de uma política legislativa judiciária.
Além dessa questão, aos processualistas e ao processo ficou a
responsabilidade de tornar apta a administração, sem delongas, da Justiça como
concretização Constitucional do Direito material.
Portanto, a hipótese trazida pela pesquisa voltou os olhos para um problema
secular existente no Poder Judiciário, envolvendo o ato de decidir e sua correlação
com a Justiça judiciária vigente e seus aspectos qualitativos.
Isso pode ser observado a partir da correlação entre o ato de decidir – e a
estrutura orgânica desse poder e sua função suprema de julgar, a qual, embora
sempre aventada e remansosamente discutida, mas não resolvida de forma
definitiva, apenas vive-se da contemporização ideologicamente da profética
promessa de uma Justiça Constitucional sempre por acontecer.
Avaliou-se, nos estudos científicos, de forma multidisciplinar e com
transversalidade cognitiva, que a ineficiência do sistema operacional do Direito ao
alcance da Justiça tem seus sintomas relacionados não somente com os conceitos
desses institutos construídos pelo homem como agente de competências e
habilidades intelectuais como também por tê-lo como agente responsável direto, na
reconstrução do Direito no processo de entrega da Justiça, quando de sua
operacionalização.
521

Esse fruto mediador é semelhante em sua natureza a uma concepção


autoritária dos regimes políticos vigentes à época de seu surgimento dentro do
estatuto normativo, que marcaram suas épocas na história.
Simetricamente, o Estado/Juiz acabara sendo coroado por uma autoridade
imposta pela força oriunda do poder que o legitimou, importando dizer que sua
autoridade não advém, por vários fatores, de uma razão pura, visto ser essa razão
ideologicamente controvertida.
Sendo esse agente público um mediador orgânico limitado por suas próprias
condições racionais, natural de sua espécie, em que, tecnicamente dentro da
estrutura orgânica do sistema judiciário possui a outorga do Estado para o
cumprimento da função suprema de julgar, como alhures resvalado.
A pesquisa exigiu aprofundamento e atenção teórica, quanto à possibilidade
efetiva de o sistema ser mediado tecnologicamente por intermédio de uma
Inteligência Artificial, em caráter alternativo, em auxílio ao Estado e aos interesses
da sociedade, o que não deixa de ser frente à tendência que se destaca pela
cooperação e a colaboração.
O paradigma proposto e não aventado na literatura tem como escopo
incorporar ao sistema como um dos meios alternativos para a resolução dos conflitos
um outro modelo, considerando a função magna do Direito no alcance da Justiça,
nem que para isso a ruptura do sistema seja uma condição para inserir uma melhor
solução ou reconhecer, no âmbito da ultramodernidade, uma via oportunizada pela
evolução da tecnologia em que o homem é partícipe.
É exigido, assim, o esforço pela reconstrução da estrutura organizacional do
Poder Judiciário para sua função fim, a partir de uma nova gramática e uma nova
semântica, ambas unificadas, afastando-se dos problemas da granularidade e da
incomensurabilidade geradas pelas ciências que tratam da cognição como elemento
essencial que cultiva o tribunal da razão da espécie humana.
522

Nesse sentido, exige atenção a passagem extraída fielmente da exposição de


motivos para eclosão do Código de Processo Civil de 1973, senão vejamos:

O processo civil é um instrumento que o Estado põe à disposição dos


litigantes, a fim de administrar a justiça. Não se destina à simples definição
de direitos na luta privada entre os contendores; atua, ao contrário, como já
observa Betti, não no interesse de uma ou de outra parte, mas por meio do
interesse de ambas. O interesse das partes não é senão um meio, que
serve para conseguir a finalidade do processo na medida em que dá lugar
àquele impulso destinado a satisfazer o interesse público da atuação da lei
na composição dos conflitos. A inspiração de cada uma das partes é a de
ter razão; a finalidade do processo é a de dar razão a quem efetivamente
tem. Ora, dar razão a quem a tem é, na realidade, não um interesse privado
das partes, mas um interesse público de toda sociedade.

Assim entendido, o processo é um instrumento jurídico eminentemente


técnico, preordenado a assegurar a observância da lei; por isso, há de ter
tantos quantos sejam necessários para alcançar a sua finalidade.
Diversamente de outros ramos da ciência jurídica, que traduzem a índole do
povo através de longa tradição, o processo civil deve ser dotado
exclusivamente de meios racionais, tendentes a obter a atuação do direito.
As duas exigências antitéticas que concorrem para tecnicizá-los são rapidez
e a justiça

Observa-se que a ideia de tecnicidade, de tecnização, de tecnologia e


tecnologização indica inescusavelmente uma demonstração clara e evidente de
afastar a participação humana do processo dos “meios” para o alcance da Justiça.
Para isso, participa o Direito (como regra) e não o homem, principalmente no
processo de mediação/ponderação dos critérios legais.
O intuito do legislador não teria outro sentido se não pensar em evitar a
influência da pessoalidade e/ou subjetividade do mediador e tornar os
procedimentos por meio da técnica previsíveis e consequentemente estáveis.
A participação do Estado/Juiz na mediação do Direito já era antevista como
prejudicial aos fins da Justiça: observe-se que já em 1973 na exposição e nos
motivos daquele Código de Processo Civil pairava uma preocupação curiosa a esse
respeito.
Adornado no trecho destacado da citação acima, é de observar-se que o
processo “atua”, ao contrário, como já observa Betti, ” não no interesse de uma ou
de outra parte, mas por meio do interesse de ambas”. Para esse fenômeno
preponderar, a imparcialidade e a neutralidade do mediador são essenciais, o que
não se coaduna em havendo a intervenção humana.
523

A categorização processual é pressuposto embrionário da sua essência, em


todos os seus fundamentos (técnico, preordenado e simetricamente parametrizado
na lei). A instrumentalidade e sua complementariedade, por intermédio de uma
retroalimentação de informações e dados, garantem a eficiência do instrumento, em
vista da completude que traveste a condição de sistema, tornando-o compatível com
as necessidades e exigências da pós-modernidade.
Os meios racionais, conforme ilustrado, comportam análise, pois os “meios”
são diversos em sua forma, natureza e essência, outrossim, “racionais” podem
também ser diversos em sua forma, natureza e essência também, pois visa como
fim precípuo do sistema, à garantia e à eficácia de atuação do Direito.
São os meios racionais (efetivamente operacionais) os responsáveis por
atingir a rapidez e a Justiça que, na contextualização da pós-modernidade, não se
dissuade de uma tecnologização dos “meios” e da “racionalização” dos instrumentos,
dentre eles a forma pela qual se realizará a mediação do Direito.
O modelo de Justiça judiciária esteve por séculos encapsulado em um padrão
sociocultural limitado às suas condições de conhecimento, conhecidas e
humanamente manuseadas, que proporcionaram uma resistência a tal modelo em
não aceitar duas grandes premissas elementares à aplicação das teorias
normativas.
Uma primeira é a de que sua inacessibilidade à Justiça ou resultado justo não
se faz presente em grande parte dos casos e ao mesmo tempo ocultou em sua outra
face que esse impedimento poderia ser dissipado por intermédio de um outro
paradigma de mediação, por uma outra força mediadora.
No encastelamento, o modelo do Direito para o alcance da Justiça e sua
estrutura orgânica operacional de mediação para seus fins, geridos pelo corpo de
homens “Juízes”, esteve por razões históricas, embora constantemente apontados
os erros e equívocos do sistema, relegado ao esquecimento de uma crítica
acentuada no meio científico pelos próprios cientistas.
Outrora, esses mesmos pensadores estiveram focados em outras pesquisas
voltadas para problemas diversos, nas quais o próprio sistema conspirou contra
todas as outras possibilidades da estrutura judiciária, nelas apontando como sendo
as causas da não concretização da Justiça.
524

Parafraseando Calamandrei, sendo a unidade do Direito uma forma não


excludente de diversidades sucessivas, reina o Direito em um espaço, até que não
mais atenda, face à sua carga imperativa de critérios/regras definidas pelas leis que
ocupa, predefinindo as ações sociais.
O modelo da Justiça judiciária quanto à sua operacionalidade não somente
não reconhece sua limitada condição para seus fins como nega a possibilidade de
outros modelos para executar os seus fins, além dos existentes, e dentro dos limites
impostos.
Também não reconhece, pela incompatibilidade proporcionada pela
linguagem, uma nova forma de estrutura capaz de superar, em todos os sentidos, o
modelo existente em que o Estado/Juiz atua como ator interposto na mediação, no
Direito, do Direito dos destinatários.
Essa deformidade endoprocessual no sistema de decisão foi gestada por
décadas, por um Direito material ilusionário. Tais questões foram retomadas desde
2010 para evento do Código de Processo Civil de 2015. Avaliando historicamente os
CPC’s de 1939, 1973 e 2015, o grito dos excluídos, o grito por celeridade, o grito por
Justiça material, como elementos seculares da mesma discussão são comuns em
todos esses diplomas.
Observa-se que a organicidade e a coesão do sistema não se consolidam
porque a mediação do Direito apresenta problemas estruturais envolvendo a espécie
de inteligência humana, que não tem vocação para a conservação da neutralidade e
da imparcialidade, além de outros atributos essenciais à convalidação de uma
Justiça concreta e rápida.
Essa espécie de inteligência de formação empírica racional não opera de
forma objetiva, em integração, unificação, padronização e sistematização das
informações e dos dados. Seus recursos biológicos neurais limitados e essa
ausência de suficiência globalizante compromete a estrutura judiciária, quando tal
espécie de inteligência natural opera como mediadora.
Na exposição de motivos do Código de Processo Civil de 2015, em
determinado trecho, assim se assevera, “trata-se de uma forma de tornar o processo
mais eficiente e efetivo, o que significa, indubitavelmente, aproximá-lo da
Constituição Federal, em cujas entrelinhas se lê que o processo deve assegurar o
comportamento da lei material”.
525

Questão que diverge é a de dever fazer – assegurar o comportamento da lei


material – e exige observação é que todo o esforço hermético, retórico e
argumentativo voltado para os princípios do Direito no intuito de forçá-lo a garantir a
materialidade é em vão, porque a instabilidade cognitiva da inteligência humana em
sua origem sequer encontra no estatuto da física clássica ou da quântica uma
resposta segura e fundadora de uma teoria de funcionamento do cérebro da espécie
humana.
A causa determinante para que a materialidade se concretize é de “meio”, é
preciso que os institutos e o sistema teórico processual como um todo sejam
transpostos em outra forma de tecnologia de inteligência com habilidade e
competência para que a materialidade consiga atingir a operacionalização desejada.
Responsabilizar o processo ou qualquer outro ramo do Direito pelo
cumprimento da lei é algo arriscado e que margeia a impossibilidade, uma vez que,
para haver semelhante convergência, o meio pelo qual ele é realizado deve garantir
o fim, o que não acontece, dada a interferência humana no processo, como sendo o
primeiro a descumprir a própria lei, frustrando, assim, o plano do imperativo
normativo que busca garantir a lei.
Sendo o processo regras de parâmetro/procedibilidade, visa garantir que ao
fim se concretize algo, porém sua logicidade/racionalidade é comprometida uma vez
que sua operacionalização é realizada por uma dinâmica distinta de sua natureza, o
que compromete a efetividade da Justiça.
A ideologia encampada pelo legislador e por ele verbalizada é “boa”, rica em
intenções de libertação, mas, na prática material, é parcialmente concretizada,
devido à insuficiência dos meios.
O mediador do Direito dentro da estrutura orgânica judiciária, o Estado/Juiz,
quando da realização da operação, vê-se legitimado, por meio do princípio do livre
convencimento motivado, no qual não se pode garantir nem a independência do
destinatário, nem a Justiça que esse receberá. Isso porque a motivação e a
fundamentação não garantem a legalidade da lei. Entre a motivação (interpretação)
e a lei habita um abismo.
526

Assegurar o cumprimento da lei diante da multiplicação de conflitos é um


risco, visto faltar objetividade entre ambas as racionalidades. Para ter-se essa
garantia de objetividade, exige-se uma sincronização do sistema, entretanto, para
isso, o sistema operacional precisa ser repensado diante das circunstâncias da
realidade futura já presente.
A questão ainda consome o princípio da isonomia (igualdade) constitucional,
pois, na medida em que a multiplicação das demandas compromete a estabilização
da Justiça, o sistema judiciário não consegue – ainda que sob a égide de esforços
hercúleos – renúncia e dedicação do homem/Juiz e o estabelecimento de plena
integração, uniformização e padronização das informações e dos dados no universo
dos Direitos e dos casos.
Isso inevitavelmente gera uma mimética repetição de promessas por uma
Justiça materialmente eficaz, célere e previsível, dando azo a uma voz do passado,
que se faz constantemente presente.
Nota-se que a vinda de novos institutos processuais, tal como: o que trata de
Instauração de Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva, diplomaticamente
inserido no novo Código de Processo Civil, não tira a competência do juiz, porém a
redireciona a um órgão central, cujo temor não somente aponta para o risco das
decisões conflitantes como para o descumprimento da lei.
Deseja o sistema judiciário com isso a efetividade Constitucional, integração,
padronização, uniformização e sistematização informática da Justiça, tudo em prol
dos interesses dos destinatários.
A supremacia da vontade do homem – detentor de Direitos – que espera por
Justiça em um novo contexto social, garante em especial a sobreposição dos seus
interesses, inclusive em detrimento da vontade do Estado/Juiz.
Somada a uma funcionalidade predefinida, essa maioridade dispensada pelo
sistema reconhecendo o pragmatismo pós-moderno é indiciária de uma
categorização clara e objetiva das regras das regras (leis), e das regras das ações
do homem; é a tecnologização da vida preconcebida, evitando, assim, a vida de
incertezas e surpresas juridicamente legais, porém esvaziadas de legitimidade.
527

Paralelamente, o comportamento humano e o processo tecnológico da


máquina, coexistem como já sustentava Abraham Kaplan. Também é de se observar
que não se pensa em sustentar que exista um sistema tecnológico que desenvolva
um sentido psicológico ou que, a partir de uma consciência tecnológica, possam se
traçar os sentidos subjetivos-objetivos ou vice-versa, o que também não deixaria de
ser uma hipótese, caso cientificamente seja desenvolvida uma teoria da mente
humana.
No entanto, a catalogação da estrutura psicológica humana pode ser
transportada em uma estrutura de sistema tecnológico capaz de dar um sentido
objetivo para questões universais tomadas e pré-formadas a partir de parâmetros
universais consensualmente definidos pelos indivíduos. Entendem-se indivíduos
para tal propósito o coletivo desses, no sentido de singular universal.
Assim, a demonstração é das deficiências e do colapso que se apresentam
em nossos tempos, é mais que indício material, é prova clara, evidente e notória de
que o atual paradigma não atende às essencialidades, quiçá às necessidades
sociais de Justiça.
Semelhantes impropriedades incendeiam a busca por um novo modelo capaz
de suprir as crescentes demandas para a contemporização dos conflitos sociais, a
partir da entrega da resolução das contendas, principalmente as comuns e rotineiras
responsáveis pelo abarrotamento do sistema judiciário.
A patologia do modelo de Justiça judiciária, portanto, tem cura, no entanto, o
movimento na estrutura será inevitável e alterará, se não o todo, grande parte do
modelo existente, porque inevitavelmente alterará a estrutura cognitiva da
organização do Poder Judiciário, ao menos em parte.
No atual estágio, considerando todos os fatores conjecturais, sociais,
econômicos e administrativos de gestão, é uma tendência diante de uma demanda
de massa a realização da padronização das relações sociais e de tudo que exigir a
participação da individualidade coletiva.
Na medida em todas as ações do homem são realizadas com a participação
do outro. Exige-se assim uma Justiça padronizada para as coletividades e não mais
para as individualidades.
A participação tecnológica no centro operacional do sistema judiciário sinaliza
para um novo conceito de Justiça, em que pesem as razões e toda a engenharia
cognitiva por trás dessa inteligência auxiliar da inteligência natural.
528

Para os visionários de uma solução efetiva o que importa é que seja possível
superar as anomalias existentes na imprevisibilidade, na incerteza e na morosidade
do sistema judiciário.
É essencial, em uma posição radical, que o abandono ao paradigma
ineficiente aconteça e com isso a atenção dos cientistas das ciências jurídicas se
volte à nova proposta, de tal forma como se faz quando existe o abandono de
institutos quando não mais existem razões a sustentá-los no ordenamento jurídico,
ante sua completa ineficácia.
Um acontecimento dessa magnitude importaria em alterar a léxico do sistema
judiciário, seu organicismo e toda sua sistemática de coesão mantenedora de seu
funcionamento.
Nesse aspecto, é interessante a observação extraída da exposição de
motivos do Código de Processo Civil de 1939, em que Francisco Campos coleciona
uma citação de Roscoe Pound, como um comentador do processo nos Estados
Unidos.

Nossa organização judiciária é arcaica e nosso processo atrasou-se em


relação ao nosso tempo. Incertezas, delongas, despesas e, sobretudo, a
injustiça de decisões fundadas exclusivamente em pontos de etiqueta
judiciária – resultado direto da nossa organização judiciária e do caráter
antiquado do nosso processo – criaram nos homens de negócio o desejo de
cada vez mais se absterem de recorrer aos tribunais.

A realidade de uma nova sistemática judiciária, ou seja, uma nova


organização, é marcada por uma situação típica dos efeitos materiais existentes de
tempos em tempos, pela própria natureza das coisas. Do ponto de vista científico, o
mundo material independe de suas relações com os seres humanos.
É importante destacar que o sistema de mediação detectado pela ciência é
independente e autônomo com relação ao homem, a quem resta considerar “o
momento histórico” e aplicar as estratégias das práticas da pesquisa, a isso que
serve a ciência e o laborioso trabalho do cientista.
Circunstancialmente, a autoridade do modelo de mediação do Direito está
comprometida. Estando a autoridade fragmentada, o grupo que a representa afasta
a legitimidade da aceitação do paradigma de Justiça exteriorizado nos moldes
existentes.
529

Por isso os critérios do Direito e da Justiça validarão novos conceitos, além de


erigir, a partir desses novos conceitos, um novo sistema mediador para garantir a
legitimidade dos institutos.
É importante validar o critério de verdade como padrão de verdade, validar o
mundo reificado, classificando-o, validar as normas e as instituições a que a
sociedade se reporta.
Validar a subjetividade das vivências e pretensões de modo classificatório,
sendo que para cada critério de validade seja gerado um padrão, o que afastaria a
necessidade de justificar que os fatos que estarão em consonância com as regras,
que são justas porque tanto elas já estão validadas como os fatos são válidos por
força de uma ética em que não se admite um agir senão pelo cumprimento das
condições postas por uma nova ordem social. Essa cristalização das propriedades e
das variáveis faz parte deste processo informático jurídico.
Para isso, o fortalecimento da cultura, das cognições, a participação e o
envolvimento da sociedade passam a ser as únicas opções no sentido comunicativo-
universal.
Esse processo de comunicação, diálogo e interlocução é marcado pela
validação de seus atores, uma vez que o discurso teórico é estabilizado com a sua
validação.
O consenso entre os envolvidos pressupõe a participação direta, ampla e
significativa, dentre outras regras condicionantes a garantir o processo participativo,
parafraseando Habermas, em uma situação linguística ideal.
Universalizar, ou melhor, instituir a padronização por intermédio das regras é
um princípio de universalização em que a padronização, de como seria apresentada,
além de customizar as estruturas do aparato judiciário ou casa das leis, possa ser
automatizada de tal modo que os indivíduos como construtores da sociedade
tornam-se protagonistas geradores de seus resultados.315

315Citando Rouanet: “O consenso em questões práticas será fundado quando a argumentação for
conduzida segundo uma regra de procedimento derivada dos pressupostos pragmáticos de qualquer
argumentação, prática ou teórica. Essa regra é o princípio da universalização, o princípio “U”. É o
seguinte o enunciado do princípio da U: “todas as normas válidas precisam atender à condição de
que as consequências e os efeitos colaterais que presumivelmente resultarão da observação geral
dessas normas para a satisfação dos interesses de cada indivíduo possam ser aceitos não
coercitivamente por todos os interessados. / O princípio da universalização pode ser fundamentado.
Ele deriva dos pressupostos pragmáticos de toda e qualquer argumentação discursiva. Cada pessoa
que ingressa num discurso prático se obriga intuitivamente a aceitar procedimentos que equivalem ao
reconhecimento implícito do princípio da universalização não posso, sem contradizer pressupostos
gerais da comunicação, aceitar, na argumentação moral, que alguns interessados sejam excluídos,
530

Vencer a barreira da comunicação e da compreensão através do


entendimento de todos com todos é um dos pressupostos de que a linguagem está
atendendo aos seus fins.
A participação na eleição do conjunto teórico-normativo é um facilitador a
afastar o questionamento das próprias regras e demais questões que possam gerar
conflitos pela discordância ou resistência – estabelecer as regras do aceitável.
O pronto e acabado social não será encontrado em nenhuma sociedade; o
avançar para melhorar pressupõe mudar as condições sociais para as atuais e
futuras gerações alcançarem um nível mais avançado.
Para isso, implantar um novo modelo é convocar ao diferente (ideias,
pensamentos e ações), com isso fraturando, com o apartheid gerado e gerido pelo
sistema judiciário que não concretiza a pacificação social por intermédio da
estabilização das normas, porque a elas faltam instrumentos(meios)capazes de
garantir a previsibilidade de Justiça.
A concepção evolucionista da supremacia é um contrassenso em relação ao
desenvolvimento, na medida em que não se tem uma cultura melhor. É da
antropologia que se tem também uma voz pela comunicatividade no sentido de tirar
do eixo os valores postos e reconduzi-los a uma plataforma certa: isso guiará uma
produção discursiva crítica ao paradigma normativo e institucional posto, conduzindo
ao que Habermas e Weber definem como uma ética de responsabilidade de
convicção.
O modelo já efetivo, descrito e imposto pelo Positivismo se enquadraria em
uma argumentação discursiva apontando para um cenário de estabilidade. O
Positivismo do posto, em que a teoria do sistema se justifica pelo ideário hipotético
referencial, já validado.
Quando questionado, porém, tem de justificar-se. Confronta-se a esse espírito
com o critério de consensualidade, como gestado na ética discursiva que supera a
limitação do racionalismo crítico e do modelo apontado, em que é somente válido
aquilo que é posto e aplicado.

que alguns participantes sejam coagidos, que outros não tenham a possibilidade de argumentar em
defesa dos seus interesses, que outros se arroguem o direito de não seguirem a norma (ROUANET,
Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003,
p. 260)”.
531

Na visão de Rousseau, seria possível uma Democracia Totalitária como uma


instituição de uma ética coletiva. Nesse aspecto, a concepção de contrato social
precisa ser repaginada, porque é perceptível que existe uma irregularidade abissal
na forma como a sociedade é experenciada.
A concepção de organicidade é concebida como um arranjo gregário. O
nosso homem continua unitário e se revelaria essencial para esse novo propósito, se
tiver um universal do ponto de vista do animus do interesse social coletivo.
Existe uma necessidade vital para um novo paradigma de que os deveres, os
Direitos e as obrigações sejam universalizadas, mesmo que para isso a estrutura
cognitiva emerja, rompendo e substituindo o atual modelo.
Aceitar e, por consequência, submeter-se a um regime ou a um sistema é
condição para uma universalização, com a linguagem instituída, a vontade coletiva
(pública-privada) deve sobrepor à vontade coletiva privada (pública-individual).
Assim, não há que estimular ou deixar que a crítica imotivada do indivíduo possa
abalar e questionar a própria teoria normativa a que ele aderiu e consensualizou.
A liberdade irresponsável não pode ser reconhecida como direito de liberdade
Democrática de manifestação. Essa liberação, essa liberdade apaixonante e
apaixonada da natureza é um vício advindo do movimento da ilustração iluminista.
A dificuldade de se nivelarem as desigualdades em um processo de
universalização para sistematizar-se e conduzir a um controle universal no sentido
de garantir as desigualdades encontradas dentro da sociedade parece um embuste
enfrentado em qualquer modelo que se busque ser equânime em suas finalidades.
Não é de hoje que o cientista das ciências sociais do Direito tem visto na lei
uma deformidade material dura de amoldar-se perfeitamente às deformidades
subjetivas das relações sociais, além dos problemas gerados pelo isolamento de sua
linguagem com relação às demais ciências do conhecimento.
A moldura rígida da lei criou no sistema da Justiça judiciária mecanismos
cujos objetivos são de conduzir a Justiça ao seu nível máximo de valoração de
justeza, como verbalizado por Tércio Sampaio Ferraz Junior, mas que não se
concretiza, porque a reconstrução do Direito não acontece por si mesmo.316

316 Segundo Ferraz Junior, “Em suma, a justiça do ato de julgar é comandada por duas percepções. /
A primeira é um modo que organiza o conjunto das normas vigentes como uma relação que vai do
genérico ao particular, conforme graus de generalidade. Daí a relação entre lei e sentença. Essa
relação é justa na medida em que consegue delimitar, conforme princípio da igualdade, as
correspondentes competências da autoridade jurídica. Generalidade significa extensão normativa,
532

Nessa trilha, a discricionariedade atribuída ao Estado/Juiz o tem colocado na


condição de parte, de ator gestor, em muitos casos flexibilizando de todas as formas
para fazer com que a entrega da Justiça seja feita em respeito às condições gerais e
específicas do Direito, no sentido de consagrar a finalidade social objetivada.
Isso é realizado por intermédio dos mecanismos hermeuticamente permitidos,
porém irracionais da razão; a limitação cognitiva tem gerado uma instável e não
confiável Justiça no ínterim do processo para seu alcance.
Transformando, ou melhor, revelando a instabilidade, a insegurança e a falta
de critérios objetivos para que as violações de Direitos tenham a real reparação dos
Direitos lesionados, a assimetria do sistema de Justiça judiciária tem como base
referencial a falibilidade do homem em todos os sentidos, inclusive pelo uso da
linguagem discursiva representada.
Além de essa servir de um termômetro para mensurar suas condições,
representa um elemento ou um pressuposto que o qualifica dentro de uma
determinada sociedade cultural que o recebe desde o seu nascimento. Ilustra
Rouanet (2003, p. 285):

Por mais que se diga que todos os participantes são sujeitos da


argumentação, a mesma igualdade de estatuto não se verifica quanto à
matéria da argumentação, que é unilateral tanto na argumentação teórica
como na que visa à mudança, o objetivo é conhecer ou transformar uma das
culturas e não as duas. Nos dois casos, se todos são sujeitos – por isso a
relação é simétrica – só alguns são objetos – por isso ela é assimétrica.

Dessa forma, o que se vislumbra é uma desigualdade genética dentro da


estrutura da linguagem. Por outro lado, como já verbalizado, é pelo diálogo
estabelecido entre os atores que o sistema discursivo busca salvar as condições de
equilíbrio.

sendo geral a norma que se dirige, proporcionalmente, ao maior número de sujeitos: a justiça como
igualdade de todos perante a lei ou o justo como justeza [...]. A segunda organiza o conjunto das
normas vigentes como uma relação uniforme que vai do universal ao específico, conforme graus de
universalidade. Universalidade significa intenção normativa, sendo universal a norma que abarca, na
sua abstração, a maior amplitude de conteúdo. Assim, a ordem é justa na medida em que consegue
delimitar os conteúdos normativos, conforme um princípio material abrangente de inclusão e exclusão
(FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a
liberdade, a justiça e o direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 306)”.
533

É uma relação processual montada em que as partes falam, ouvem,


produzem provas, em que o Juiz ora é um mero espectador, ora parte.
Recepcionando, valorando, reprimindo e decidindo, tem como escopo aproximar-se
do referencial da lei com juridicidade.
Esse intercâmbio de dados e informações proporcionado cultural e
interculturalmente é marcado pela influência pessoal e subjetiva dos produtos
produzidos pelas partes.
É nessas circunstâncias psicologizadas que o raciocínio intuitivo e toda a
estrutura da razão cognitiva do homem que julga se revela ser insuficiente para
transpor sua própria limitação, pois para um dos lados sua vontade penderá
segundo suas regras e máximas de convencimento, cabendo tão simplesmente
justificar de forma fundamentada nos moldes que a carta Maior determina.
Essa é, portanto, é a única condição para a validação da assertividade da
decisão, para que se refugie da nulidade ou do fantasma do questionamento. Se a
linguagem nesse processo é um mecanismo, uma ferramenta de condução para
estabelecer a comunicação, possível que seja realizada tecnológicaticamente.
Onde as regras possam ser produzidas e configuradas de um certo modo por
intermédio de uma linguagem, é inafastável sua condição de dados e informação. Se
o comportamento é objeto das ciências, é porque é visível aos olhos do cientista sua
observação e, consequentemente, sua racionalização em categorias.
Nessas condições, as culturas podem ser representadas por cenários. Suas
regras podem ser estabelecidas segundo critérios de padronização e validação
pelos seus interessados, quando os polos das relações, em pares ou não, sejam
predefinidos, diferentemente do modelo atual em que a validação da norma após
debate, discussões e divergências acirradas é legitimada pela soberania da limitação
cognitiva do Estado/juiz.
Se essa é a maior condição de Justiça, é evidente que é uma representação
frágil, inconsistente e superada de Justiça em seu âmago etimológico, porque as
necessidades dos tempos pós-modernos exigem uma racionalidade eficiente em
todos os sentidos do termo.O abuso na linguagem é que gera o defeito encontrado
na lei (Austin).
A validação das condições de forma prévia é a representatividade real de uma
igualdade que se estabelece por intermédio do discurso obtido das pessoas às quais
as normas se destinam.
534

Transportar em discurso pela convencionabilidade de uma linguagem técnica


padronizada é garantir que a psicologizada cultura humana de definir, determinar e
diferir possa ser padronizada e disponibilizada por intermédio de um sistema de
comunicação em que os atores em consulta e participação possam obter resultados
em seus conflitos, segundo as regras geradas e validadas consensualmente, mas
que se encontram postas e dispostas ao livre acesso.
É possível qualificar – padronizar – por intermédio de recursos das
tecnologias a linguagem, as práticas e as coisas, usando os recursos da
programação tecnológica. Observando as adjacências, nota-se a facilidade com que
isso acontece, devido à tendência humana às adaptações.
Nos últimos anos, os atos ordinatórios, os atos matemáticos de cálculo, os
atos de cumprimento e muitos outros vêm sendo substituídos pelas Inteligências
Artificiais, graças aos recursos proporcionados por essa forma de inteligência.
Talvez estejamos na última fronteira em que a ficção do passado representa o futuro
do presente.317A imprevisibilidade marcada pela pessoalidade e subjetividade
humana pode ser contornada pela padronização da heterogeneidade, na medida em
que se contempla a categorização e, por meio dessa forma de organização, a
classificação das adversidades e das diferenças, gerando para elas uma
catalogação de equivalência.
Com isso a complexidade do desenvolvimento é sempre complementada e
não reavaliada em sua totalidade, mas sim em sua complementariedade. Outrossim,
a recombinação e a reconfiguração podem ser realizadas segundo as regras de
parametrização do próprio sistema programado para tal fim.
Evitam-se, assim, as discussões infindáveis para o restabelecimento das
novas diretrizes e dos padrões comuns às edições de novos diplomas, indicador
claro de que o legislador, ou melhor, o conselho legislativo é coator, não ator.

317 Segundo Minayo: “A linguagem, as práticas e as coisas são inseparáveis na abordagem fins
neurológicos, uma vez que os significados são gerados na interação social no quadro de referência
fenomenológica, o mundo se apresenta ao indivíduo na forma de um sistema objetivado de
designações compartilhadas e de formas expressivas. O marxismo clássico, por sua vez, interpreta a
realidade como uma totalidade onde tanto os fatores visíveis como as representações sociais
integram e configuram um modo de vida condicionado pelo modo de produção específico. Apesar da
pluralidade de interpretações das correntes de pensamentos ditadas, todas têm em comum o
reconhecimento da subjetividade e do simbólico como partes integrantes da realidade social.
Igualmente, todas passam para o interior das análises do indissociável embricamento entre subjetivo
e objetivo, entre atores sociais e investigadores, entre fatos e significados, entre estruturas e
representações (MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa
em saúde. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 60)”.
535

Portanto, a validação se dará a seu tempo. Semelhante celeuma demonstra


com clara evidência a limitação do modelo de Justiça judiciária em toda sua
extensão, da criação normativa à sua aplicação, porque depende sempre de um
exercício intelectual dispendioso e moroso, cercado por vários pressupostos e
fatores incertos para a concretização da lei.
Estabelecer um novo modelo é perquirir a ordem interna da harmonização da
própria sociedade. Nesse aspecto, os sábios, entre os quais professores, cientistas,
operadores práticos têm de sensibilizar-se diante das crises que a ingerência e o
caos acometem à estrutura do modelo de Justiça vigente, ainda que a comunidade
busque salvá-lo. O reconhecimento da infuncionalidade é sinal tendente da sua
superação.
Se a mudança é um processo, a descoberta de novas alternativas é uma
condição que não pode ser olvidada. Não é ingenuidade, mas capacidade de o
cientista reconhecer para distinguir e aceitar aos menos partes de algo novo que se
apresenta como bom, ainda que contrarie o interesse de alguns membros da
comunidade científica, sob pena de se registrarem retrocessos.
A estrutura do modelo de Justiça cultivou por séculos o senso da realidade,
de utilidade, de certeza, do bom senso e da estruturação orgânica do Estado.
Todavia essa forma ceifou da sociedade uma participação direta e um resultado
material concreto.
A Justiça elitizada somente se concretizou nas doutrinas, nos eventos
paritários dos pensadores, deixando de lado a necessidade prática e elementar do
resultado cuja nascente está além das expressões retóricas dos discursos
positivistas.
O ponto cego do sistema da Justiça judiciária é a não entrega de Justiça. O
que se vislumbra é ter um modelo em que mais do que fazer Justiça é possibilitar o
acesso aos resultados da Justiça prometida.
É preciso enxergar o sistema judiciário como um sistema, e para isso a
estrutura do conhecimento que o faz deverá servir-se de uma nova base cognitiva,
conforme ensina Minayo (2010, p. 137 / 138):

[...] o pensamento sistêmico não está propondo teorias técnicas na verdade,


ele se configura como uma visão epistemológica que permite o uso de
recursos desenvolvidos dentro do paradigma da ciência tradicional, mas
esse exige algo muito novo, o exercício de um olhar e uma abordagem
536

diferente que ilumina aquele ponto cego da visão unidimensional, fazendo


enxergar as interações, subverte a mente compartimentalizada, buscando
fazer as diferenças e as oposições se comunicarem, e modificar a prática
antiga que só valoriza regularidade e normas.

Ao contrário, a visão multidimensional e integrativa mostra as coisas que


permanecem e ressalta “o que” muda e “como” as diferenças e oposições se
transformam por uma nova prática da Justiça.
A reconstrução do sistema judiciário a partir da realidade computadorizada a
faz estrangeira! Transformam-na em desconhecida, portanto, não é mais acreditada,
porque, diante de um mundo novo, o conhecimento velho, o modelo que ele
sustenta passa ser ignorância.
É preciso estabelecer uma reciprocidade de perspectiva, uma comunidade de
objetivos e uma convergência na interpretação subjetiva dentro dos constructos de
primeiro nível. É na base que os laboratórios devem ser estabelecidos e
estabilizados.
A homogeneidade proporcionada pela linguagem tecnologia pode edificar um
sistema coerente e funcional, desde que previamente planejado, estruturado e
programado.
O sentido pelo qual a história da humanidade se desenvolve demonstra que
os conhecimentos estão todos miscigenados e mesclados entre si e, por essa razão,
a sistematização tecnológica de uma Justiça é mais que o reconhecimento das
novas tendências: É a demonstração de que a realidade é composta de partes
totalizantes e não de parcelas do saber.
O conhecimento é o exercício das adversidades cognitivas e é dessa relação
que os indivíduos devem participar para que possam validar as regras reguladoras
das realidades estabelecidas.
Isso feito, a transposição de tal estrutura para uma linguagem torna-se
possível e legítima para a resolução de conflitos e sua consequente pacificação
social, por intermédio de uma linguagem tecnológica.
537

É preciso estabilizar objetivamente a complexidade social pelos critérios da


classificação e da diferenciação em consonância, ou melhor, com as mesmas
medidas do sistema teórico-normativo, comunicando-os e estabelecendo o
funcionamento. No entanto, é fundado na reconstrução de um outro e novo conceito
de Direito e de Justiça como padrão comportamental de nova realidade social.
Como discorrido, existe um encampamento material forte e incontestável que
acirra o desmonte da mediação do Direito ao alcance da Justiça pela figura humana
do Estado/Juiz, em que, cientificamente, a pesquisa viabiliza sua demonstrabilidade
comprovando, assim, a falibilidade humana e sua insuficiência cognitiva na
operacionalização do sistema judiciário.
Todavia, em meio a todo arcabouço cognitivo e argumentativo, paira um
silêncio no recôncavo de cada indivíduo – inclusive do que escreve e dos que em
contato estão com o trabalho científico quanto a seu conteúdo – de que efetivamente
somos limitados ou que em algum momento nos limitaremos pelas condições
biológicas de nosso sistema, como o sábio Sócrates já outrora verbalizava:
“Somente sei que nada sei”.
A tentativa de se manter é instintiva e vem pela reprodução em que nos
perpetuamos. É muito grande a luta que a espécie humana severamente se impõe,
influenciando sua própria reprodução e a isso denominamos de “educação”.
No entanto, o fatalismo da incompletude pela perfeição gera o paradoxo da
impossibilidade de a imperfeição evoluir do sentido da perfeição.A mutação nessas
condições é uma incógnita de possível compreensão.
Portanto, a primeira hipótese torna-se mais crível, coerente, confiável e
previsível, na medida em que o limite totalizante da incompletude faz com que o
sistema venha a romper, atribuído à Inteligência Artificial e à sua estrutura como
sistema capaz de garantir um dinamismo cujos atributos possam conceber a
perfeição em processamento, integração, unificação, padronização e sistematização.
A relação entre o homem e a máquina é como vias paralelas que não se
cruzam, são graus cognitivos que não colidem. Por isso, a nova forma de
Inteligência Artificial, mais do que auxiliar o homem, objetiva garantir-lhe uma via
mais rápida e segura em um ambiente ultramoderno com maior precisão e
objetividade.
538

Essa nova estrutura cognitiva permite uma lida com simplicidade e


simplificação das complexidades oriundas da mutabilidade da vida humana, por
intermédio de redes inteligentes devidamente programadas. Em tal contexto, a razão
artificial é superior pela própria natureza, ao ser dotada de uma racionalidade e uma
logicidade diferente da humana.
A distinção da Inteligência Artificial quanto à natureza a isenta de qualquer
comparação radical em relação à inteligência natural. Qualquer tentativa nesse
sentido conduz as distinções e as diferenças a erro, portanto os adjetivos seriam
impossíveis de se correlacionarem, incorrendo qualquer afirmação em ignorância,
pela seara da ausência de aderência diante da incompatibilidade terminológica da
linguagem.
Tratando-se de Inteligência Artificial, sua estrutura é em si e para si
independente e autônoma: exige uma compreensão e um entendimento que
somente se dão por intermédio de uma literatura especializada a partir de então.
Semelhante estrutura cognitiva é uma evolução registrada em um momento
distinto no tempo; é perceptível a veracidade da informação, na medida em que
existe uma incomensurabilidade moderada com relação à cognição humana.
O advento de semelhante modelo cognitivo demonstra uma ruptura entre
inteligências em que cada uma conserva sua natureza, seus limites e suas
logicidades.
No campo do Direito e da Justiça, com base nas ciências jurídicas e sociais,
as razões, os conceitos, a linguagem, a estrutura, a dinâmica e todos os demais
fatores corroboram com a definição de um sistema cunhado a partir da inteligência
humana.
Isso se deu pelas condições históricas e evolutivas comuns ao
desenvolvimento dessa espécie biológica, no entanto, com a complexidade advinda
de sua mutabilidade, o controle por intermédio da estabilização fez com que uma
forma distinta de inteligência surgisse ou se tornasse perceptível aos olhos da
necessidade de um futuro já presente.
No plano jurídico, a universalização exigirá uma mudança completa em toda a
estrutura cognitiva, por isso, repensar uma nova forma de inteligência somente
acontece quando uma estrutura não mais atende à realidade estabelecida.
539

A fadiga do sistema, consoante a proposta de Derrida, está correta em seu


objetivo pela desconstrução do Direito e da Justiça, aqui pela destruição dos
conceitos e da forma substancial e operacional como outrora fora entalhado.
O modelo de Direito e Justiça existente há de ser historicamente cristalizado
como uma criação do homem para atender à relação comportamental da espécie em
determinado estágio.
A forma – ideia – enquanto substância deve de ser mantida, porém o Direito e
a Justiça na literatura do paradigma da Inteligência Artificial devem ser forjados
pelos critérios dessa nova linguagem, em que a estrutura e a dinâmica convirjam
para uma razão e uma lógica de natureza tecnológica, ou seja, a construção de uma
lógica informatizada em que se possam qualificar as propriedades e as variáveis por
intermédio de uma linguagem de programação.
As mentes, e não a mente, porque a mente humana encontra na Inteligência
Artificial uma outra forma de vida, nesse caso de natureza tecnológica. Ela reproduz
o que a consciência da inteligência natural programa.
O que a Inteligência Artificial deve fazer a partir de uma lógica tecnológica de
linguagem. Ambas dividem o mesmo espaço, ingressando na ultramodernidade, que
é marcada pela vida entre homens e máquinas, que auxiliam aqueles em suas
tarefas das mais simples às mais complexas.
O ingresso nessa nova etapa é a aceitação da concomitância de vidas, de
consciências, de razões e de outras faculdades que singularizam cada uma das
estruturas cognitivas e suas respectivas funções e finalidades.
A dificuldade enfrentada neste momento é a falta de literatura a respeito,
aliada às especulações futuristas descalçadas de base científica. A tradição em tal
cenário atua como um fantasma assombrando a espécie humana que, desde tenra
data, sempre temeu o desconhecido por desconhecê-lo.
540

Essa cultura comportamental relativiza a própria importância do


conhecimento, o que evidencia o problema da limitação cognitiva da inteligência
humana, como ilustra Penrose (1991, p. 240): “Se a mente pode, de qualquer modo,
usar elementos ñ-computáveis, então pareceria que tais elementos estão fora da
física clássica”. E complementa o mesmo autor (1991, p. 166):

A teoria quântica – uma teoria cheia de incerteza, de indeterminismo e de


mistérios, que descreve o comportamento das moléculas, átomos e
partículas subatômicas. A teoria clássica é, por outro lado, determinista, de
modo que o futuro é sempre totalmente determinado pelo passado.

A questão é que o problema da mente humana e, por consequência, do


cérebro dessa espécie está atrelado ao nível das informações e dos dados que as
leis da física têm ofertado, o que torna impossível de compreender os elementos
condicionantes do seu funcionamento “a priori”.
No entanto, superada a questão da limitação cognitiva do homem,
considerando inclusive as leis da física na explicação dos fenômenos condicionantes
do funcionamento do cérebro humano, e estando plausivelmente revelado os
aspectos geradores da limitação do conhecimento.
A pesquisa volta sua atenção, no tratamento da questão pertinente à
operacionalização do Poder Judiciário e à sua real possibilidade de ser o mesmo
sistema em que contempla o Direito e a Justiça em ser mediada pela Inteligência
Artificial.
Para Capra (2012, p. 262), “[...] as atividades de uma máquina são
determinadas por sua natureza, a relação inverte-se no organismo, a estrutura
orgânica é determinada por processos”. Existentes ou correlacionados com a
estrutura orgânica de que são comuns como partes, os humanos geram dessa
relação uma mutação em seu processo dinâmico metabólico.
É nessa dialeticidade dinâmica que se perfazem toda a energia e a sinergia
da vida humana, inclusive as relações sociais, responsáveis pela própria
sedimentação da estrutura biológica mencionada.
Essas relações, além de mutáveis conforme mencionado, e a diversidade
produzida em proporção geram uma complexidade estabilizada por intermédio dos
condicionantes extraídos dos racionalizantes do próprio processo dinâmico oriundo
da natureza de que o homem representa uma das espécies.
541

A estabilização é obtida através de regras – categorias – que classificam e


organizam os comportamentos e as relações sociais dessa espécie. A classificação
é cristalizada por meio de leis que, por sua vez, representam em si a evolução do
comportamento social.
Elas passam a ser catalogadas em uma estrutura com o objetivo de
estabelecer mais do que simplesmente regras, mas comprometidas com o equilíbrio
da complexidade existente em todo o processo produzido pela estrutura orgânica
humana.
Quando da eclosão das leis – considerando o seu processo – nota-se que,
em si, tal desenvolvimento alberga uma certa carga valorativa gerada pelas
mudanças produzidas, cujo fim visa garantir a funcionalidade do plano
comportamental que nada mais é do que as leis geradas pelo dinamismo metabólico
do organismo biológico.
Essas regras (leis) sem dúvidas são categorias feitas a partir das relações
orgânicas sociais, que corporificam o próprio comportamento, com a diferença de
que, quando categorizadas e codificadas – estágio posterior e exterior da evolução
biológica – estendem-se e se aplicam “erga omnes” a todos da mesma espécie.
Quando criadas e existentes – as leis – no plano da vigência, sua
aplicabilidade faz-se legal visto estar amparada pela aceitabilidade da aprovação
legislativa. A partir de então, incorporam uma estrutura denominada ordenamento
jurídico.
Em um cenário ultramoderno, a Inteligência Artificial destaca-se como
candidata ao novo modelo, pois representa um paradigma com atributos
suficientemente preparado para reorganizar a regulação da sociedade humana.
Para isso, a lei (regra) como categoria comportamental passaria a ser
absorvida por uma máquina, na medida em que a natureza do comportamento
passe a ser categorizada em sua base de dados e informações.
A sociedade, nesse estágio, teria de redefinir-se quanto a suas ações,
porque, com o uso da tecnologia, elas passariam a ser tecnologizadas, ou seja,
haveria em curto espaço de tempo integração, unificação, uniformização e
sistematização, que passariam a condicionar os valores de forma a universalizar a
vida social.
542

Em que pese o metabolismo comum ao sistema dinâmico da natureza


biológica do homem, a nova estrutura passaria a estabelecer uma linguagem
universal a partir de um novo conceito de Direito e de Justiça.
As regras e os fins por elas estabelecidos estariam previamente definidos, em
premência de uma reconstrução caso a caso – particularismo – em detrimento de
uma regra universal de alcance coletivo – fixação das propriedades e classificação e
isolamento das variáveis não aceitáveis.
Para isso, a racionalidade e a lógica categorial se apresentam como regras
objetivas para ações predefinidas que em si carregam valorações preestabelecidas.
A estrutura previamente programada pela natureza não inibe que o dinamismo
gerado pelo sistema tecnológico seja captado e acrescido da relação dinâmica
subsequente, por meio de uma linguagem de programação.
A Inteligência Artificial, dotada de uma consciência diferente da humana, em
que a incerteza e a imprevisibilidade são suas identidades, passaria por intermédio
da primeira a garantir a certeza e a previsibilidade por meio de uma categorização
de situações de casos, previamente definidos e estabelecidos.
A nova ordem do Direito e da Justiça tem a pedagogia da precedência, da
orientação e da definição das condições prévias do jogo do agir comportamental.
São conceitos que exigem da sociedade uma mudança de hábito porque a razão e a
lógica de funcionalidade passam a ser outras.
Nessa nova estrutura, o paradigma judiciário tecnológico tem em si uma auto-
organização sistêmica, em que a programação da máquina judiciária mantém a
estrutura atualizada. Isso se dá por intermédio das convenções ordenativas e
coordenativas (processos), nas quais as ações dos indivíduos é a reprodução do
próprio Direito e da Justiça.
O sistema tecnológico, além de categorizar, ainda integraria, unificaria e
uniformizaria as próprias ações comportamentais, de modo que a ação seja igual à
regra, todavia a desconformidade é infração detectada e informada. A
retroalimentação estrutural (categorizada), segundo uma classificação predefinida,
atualiza-se a partir das decisões emitidas pelo próprio sistema.
Não há que se questionar o determinismo das máquinas, se elas podem
alcançar o dinamismo do homem ou um padrão aceitável para estabilizar um nível
aceitável de Justiça que comporte a previsibilidade e a certeza em suas decisões.
543

O determinismo está atrelado pela ética humana em ordenar o funcionamento


do sistema, pois a consciência da máquina está delineada por sua programação.
Nesse limite, ela detém um potencial ilimitado.
Por isso, o coexistir da auto-organização entre o ambiente da Inteligência
Artificial e das relações humanas vê-se possível também dentro do organismo do
Poder Judiciário.
Deve-se considerarque as decisões e a sinergia produzidas pelos dados e
pelas informações garantam uma evolução extraída das decisões dos julgamentos
dos homens pelas máquinas em um meta-artificialismo.
Em tal estágio da tecnologia da informação, a espécie humana tem do
sistema tecnológico decisório uma certeza e uma previsibilidade dos seus Direitos,
em que a Inteligência Artificial representa um meio de mediação ao acontecimento
de um valor de natureza humana por intermédio de uma linguagem tecnologizada.
A tecnologização das informações e dos dados devidamente categorizados
garante uma flexibilidade e uma elasticidade a partir dos processos estabelecidos
pela integração, pela unificação e pela padronização devidamente interligados por
processadores que compõem uma rede artificial. No âmbito da Inteligência Artificial,
tal proposição é denominada de conexionismo, conforme ilustra Poerch (2004, p.
442).318
Nesse estágio, o Direito e a Justiça podem ser considerados, a partir de uma
sexta dimensão ou geração, ou seja, da universalização dos Direitos, de sua
tecnologização, de modo a integrar todas as bases de dados e informações,
tornando o acesso por intermédio de todos os meios tecnológicos possíveis, no
plano mundial, a partir de uma racionalização e uma logicidade compreensiva da
nova realidade social, como se tem na área da medicina com o projeto da IBM do
“Watson Medic”.

318 “Muitas dessas redes operam simultaneamente e de forma cooperativa no processamento das
informações. Os neurônios dessas redes mais parecem comunicar valores numéricos do que
mensagens simbólicas, podendo ser considerados como fazendo corresponder dados numéricos de
entrada com dados numéricos de saída. Dessa forma, a rede constitui um processador, totalmente
distribuído, mundo de uma propensão natural para armazenar conhecimento experiencial e torná-lo
utilizável. Assemelha-se ao cérebro sob dois aspectos: 1. O conhecimento é adquirido pela rede
através de um processo de aprendizagem. 2. As forças da conexão interneuronial, conhecidas como
pesos sinápticos, são utilizados para armazenar conhecimento”.
544

Não se trataria de homem/máquina ou robô/homem ou vice-versa, pois os


computadores operam em uma simbologia de bits e bytes, cuja finalidade é o
estabelecimento de padrões rígidos e, a partir deles, “símbolos” realizam o
processamento. No conexionismo em explicação, o mesmo autor de simulações
conexionistas: A inteligência artificial moderna (2004, p. 442) explica com requinte de
detalhes:

[...] o conexionismo (processador de distribuição em paralelo) tem origem


diferente: procura projetar computadores inspirados no cérebro. O número
de neurônios que integram uma determinada rede neuronial está
intimamente ligado ao algoritmo de aprendizagem utilizado para treinar a
rede. Todos os algoritmos estão estruturados em (3) camadas: uma camada
de neurônios de entrada liga-se à camada de neurônios de saída. Entre
essas duas camadas, existem as unidades intermediárias, responsáveis
pelo processo de aprendizagem da rede.

O paradigma cognitivo ofertado pela Inteligência Artificial representa um “X”,


entre as inteligências; a intersecção dessa consoante demonstra que existe de
ambos os lados uma distinção de linguagens, porém uma equiparação ou
comparação na comunicação do homem com o mundo, o que representa a
incomensurabilidade lexical verbalizada por Kuhn em 1962.
A participação do homem com o mundo é um exemplo de conexão. A
linguagem Artificial é uma simbologia tecnológica capaz de reproduzir a
comunicação humana em suas ações a partir de uma literatura peculiar. Sua
natureza é uma questão já superada pela evolução do homem e da própria
Inteligência Artificial que, em sua fase de maioridade, fala em si e por si.
Para o Direito e a Justiça tecnologizados, o novo modelo de catalogação,
armazenamento dos conceitos regulatórios normativos, será dinamizado em uma
estrutura organizacional em que o resgate e o abastecimento atendem aos
propósitos fins de uma sistematização mais adquada e útil.
O cérebro humano realiza o procedimento de modo não computacional, isento
da estrutura tecnológica. Por meio da mente, que gerencia a partir de suas
faculdades intelectuais as ações no cotidiano, tem-se a mente humana.
A Inteligência Artificial tem o potencial de realizar as mesmas ações por
intermédio de uma estrutura tecnologizada de um sistema composto por algoritmos e
toda uma programação preestabelecida – a mente computacional.
545

O avanço da tecnologia tem ultrapassado o campo do determinismo das


máquinas. A possibilidade de replicarem conexionismo (similaridade de
processamento) do cérebro permite que o dinamismo aconteça com efetividade,
portanto, a animação – a sinergia de integração das informações e dos dados – gera
uma mutabilidade do próprio sistema.
A capacidade de armazenamento advinda do processo de integração, uma
vez unificada, pode ser padronizada. Ofertando condições de classificação,
avaliação e com a categorização e seus desdobros, poderá atender a critérios e
indicadores que a mente humana não alcança, porém, como equiparação e não
inspiração, equipotencializam a Inteligência Artificial.319Esse processo corresponde
ao processamento da inteligência natural, em semelhança, todavia com natureza
distinta do clássico empirismo do método de aprendizado, porque, nesse caso, a
espécie humana desde Locke aprende a partir de acertos e erros advindos dos
estímulos do mundo exterior.
Para efeito da linguagem Artificial, o aprendizado parte da inclusão e da
exclusão de dados e informações aceitos e validados a partir de critérios
predefinidos dentro de um sistema esquematizado(simulação), o qual gera um
dinamismo em conformidade com os parâmetros do sistema.
O empirismo cibernético basicamente propõe que a Inteligência Artificial é um
sistema, e o sistema é a “mente” da Inteligência Artificial. O saber é inserido,
compreendido e complementado a partir de novos dados e informações,
diferentemente do homem em cuja mente a dialética empirica marca “impressão”,
armazenando-a em sua memória – faculdade interligada e sempre que precisa
resgatada por intermédio de um exercício mental do relembrar.
A Inteligência Artificial registra, armazena e resgata os dados e as
informações em um sistema tecnológico que opera tecnologicamente por intermédio
de uma engenharia da linguagem tecnologizada desenvolvida em colaboração com
a inteligência humana.

319Para Lévy, “Um mundo molecular e conexionista resistirá melhor às maciças oposições binárias
entre substâncias: sujeito e objeto, homem e técnica, indivíduo e sociedade etc. Ora, são estas
grandes dicotomias que nos impedem de reconhecer que todos os agenciamentos cognitivos
concretos são, ao contrário, constituídos por ligas, redes, concreções provisórias de interfaces
pertencendo geralmente aos dosis lados das fronteiras ontológicas tradicionais (LÉVY, Pierre. As
tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu
da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 185)”.
546

Em meio às identidades de cada inteligência, o trabalho de pesquisa tem


como certa a falibilidade e a insuficiência da cognição humana, principalmente
quanto à sua influencialidade, ponto este exaustivamente perfilhado e adornado em
estudo científico extraído do nobel Judgment under uncertainty: Heurisctis and
biases, de Kahneman, Slovic e Tversky.
Publicada no Brasil e traduzida como “Rápido e Devagar – duas formas de
pensar”, a obra retrata de forma profunda e substancial as condições de
decibibilidade da cognição humana e sua falibilidade, condições que vulneralizam e
conduzem a espécie humana e sua tecnologia em inteligência pela via dos
problemas da incerteza do ato de decidir. Na orla do judiciário, contribui
decisivamente para uma ruptura do modelo de mediação/operacionalização do
Direito para o alcance da Justiça.
Observa-se que a experiência da espécie humana no âmbito da compreensão
das regras, tais como: as encontradas nas diretrizes e nos critérios normativos das
leis que compõem o ordenamento, vêm apresentado sintomas de incertezas e de
imprevisibilidade com maior frequência, dada a exposição da espécie a uma
demanda massiva, situação incompatível com a lenta evolução biológica que tarda a
compensar as necessidades circunstanciais, como bem ilustra Poersch (2004, p.
447):

O cérebro se apresenta como um computador em paralelo de alta


complexidade. Ele é capaz de organizar os neurônios de maneira tal que
consiga realizar certas computações muitas vezes mais rápido do que o
mais rápido computador digital. O que lhe é característico é a capacidade de
construir suas próprias regras a partir da experiência. Essa experiência
corresponde ao aprendizado que ele adquire através dos anos. Nos
primeiros anos de vida essa aprendizagem é dramaticamente significativa
produzindo bilhões de sinapses por segundo. 320

320O mesmo autor ainda complementa explicando como as sinapses de comportam: “As sinapses
são elementos unitários tanto na estrutura quanto na sua função; elas medeiam a interação entre
neurônios” (Hawkin, 1994, p. 2). Um processo pré-sináptico libera uma substancia transmissora que
se espalha na função sináptica entre os neurônios e provoca um processo pós-sináptico. Dessa
forma, um sinal elétrico pré-sináptico é convertido, na sinapse em uma reação química que, por sua
vez, novamente produz um impulso elétrico. Admite-se que as sinapses são conexões que provocam
uma ativação recíproca entre os neurônios. A plasticidade oferecida pelas sinapses constitui uma
característica importante no cérebro. Essa plasticidade permite que o sistema neuronial se adapte ao
meio ambiente. As sinapses instanciam-se por meio de dois filamentos celulares: o axônio e o
dendrito (POERSCH, José Marcelino. Simulações Conexionistas: a inteligência artificial moderna. In:
Revista Linguagem em Discurso. Santa Catarina, v.4, n. 2, 2004, p. 448. Disponível em:
<http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Linguagem_Discurso/article/view/273/287>.
Acesso em: 19 abr. 2013)”.
547

A dicotomia sinalizada por Capra no que concerne ao determinismo das


máquinas e ao dinamismo dos processos que envolvem o organismo humano no
que tange à cognição é possível de se compatibilizar, a ponto de afastar a diferença
quanto aos seus fins.
Se não há dicotomia ou estando essa superada, há o avanço da tecnologia e,
com ele, o desvendamento do funcionamento do cérebro humano: nota-se o
alcance de reproduzir seu funcionamento, com a isenção das influências que tornam
a cognição humana instável, principalmente no ato de julgar.321
No cenário do Direito e da Justiça, o maior objetivo é que seja atingido um
resultado material e não meramente formal. A causa maior que impede a
concretização dos valores Constitucionais garantidos é gerada pelo próprio homem.
Na mediação, ele distancia-se das regras legislativas e cria suas próprias
regras, a partir de interpretações hermenêuticas embasadas em sua experiência
cognitiva. Este ator de duas uma: ou é a soma de todas as medidas ou o fruto do
meio e nessa parábola que vive são reais condições de conhecimento.
Tal instabilidade se dá também porque os pesos sinápticos para o
processamento das sinapses (conexões) variam de indivíduo para indivíduo, uma
vez que a experiência cognitiva de cada um é diferente de seu outro. Segundo Lévy
(2011, p. 157),

Segundo os conexionistas, os sistemas cognitivos são redes compostas por


um grande número de pequenas unidades que podem atingir diversos
estados de excitação. As unidades apenas mudam de estado em função
dos estados das unidades às quais estão conectadas.

321 Para Poersch: “Da mesma maneira como a plasticidade é essencial para o funcionamento dos
neurônios no cérebro humano, também o é nas redes neuroniais, construídas com neurônios
artificiais. Pode-se afirmar que a rede neuronial constitui uma máquina projetada para simular a
maneira como o cérebro realiza determinada tarefa ou função. A rede normalmente é implementada
por componentes elétricos ou simulada em software (programa algoritmo) capaz de realizar
operações através de um processo de aprendizagem que utilize uma maciça interconexão de
unidades simples de processamento. / “Uma rede, neuronial constitui um processador totalmente
distribuído em paralelo que tem uma propensão natural de armazenar conhecimento experiencial e
torná-lo utilizável” (Hawkin, 1994, p.2). O procedimento utilizado para processar a aprendizagem é
denominado de algoritmo de aprendizagem: sua função é alterar os pesos sinápticos da rede a fim de
atingir um objetivo proposto (POERSCH, José Marcelino. Simulações Conexionistas: a inteligência
artificial moderna. In: Revista Linguagem em Discurso. Santa Catarina, v.4, n. 2, 2004, p. 449.
Disponível em:
<http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Linguagem_Discurso/article/view/273/287>.
Acesso em: 19 abr. 2013)”.
548

Por outro lado, se os pesos sinápticos forem estabilizados, processados por


uma rede neuronial em que o conhecimento experiencial parte de uma base
cognitiva predefinida e o fim objetivo proposto está estruturado, o resultado útil
passa a ser certo e previsível.
Importante enfatizar que a tarefa ou a função do Poder Judiciário no que se
refere à mediação do Direito (por meio de uma máquina projetada) devidamente
programada pode processar as regras e com elas evoluir, a partir dos algoritmos de
aprendizagem, que são diferentes do sistema serial sequencial dos simples
computadores. Para Poersch (2004, p. 449):

Semelhantemente ao que acontece com os neurônios reais no cérebro, a


atividade de um neurônio conexionista depende da quantidade de ativação
que o atinge. As sinapses entre os neurônios produzem excitações que
variam num contínuo que vai no máximo até o nulo. O nulo corresponde a
uma situação inalterada, de repouso. O padrão de conectividade de uma
rede conexionista determina a maneira como ela responderá à entrada de
informações vinda de outras redes com as quais ela se comunica.322

Para melhor compreender como se dá o funcionamento do sistema de redes


dos modelos conexionistas, é necessário saber como é estruturado o cérebro
humano no desenvolvimento do conhecimento, conforme ilustra a explicação de
Anelise Leite.323

322 No mesmo sentido, esse pesquisador esclarece que “Um aspecto importante das redes
conexionistas é sua capacidade de aprendizagem. A maioria dos modelos conexionistas vem
equipada com um algoritmo de aprendizagem que os habilita a aprender a partir de suas
experiências. Existe uma ampla variedade de algoritmos de aprendizagem atualmente em uso. Esses
algoritmos alteram a força das conexões na rede como respostas à atividade neuronial proporcionada
por uma informação de entrada sobre outras redes. A alteração dos pesos das conexões entre
neurônios codifica (engrama), na rede, informações vindas de seu meio ambiente. / Os modelos
conexionistas se apresentam sob diversas formas, cada qual com sua própria arquitetura, com suas
próprias regras e premissas de como o meio ambiente é apresentado ao modelo. Todas essas
variáveis restringem a atuação do modelo e sua capacidade de aprender do meio ambiente. Uma
escolha judiciosa da arquitetura da rede e das regras de aprendizagem é tudo quanto é exigido para
assegurar um determinado efeito ao ser dado um conjunto de experiências (POERSCH, José
Marcelino. Simulações Conexionistas: a inteligência artificial moderna. In: Revista Linguagem em
Discurso. Santa Catarina, v.4, n. 2, 2004, p. 449. Disponível em:
<http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Linguagem_Discurso/article/view/273/287>.
Acesso em: 19 abr. 2013)”.
323A fim de compreender como ocorre a aquisição do conhecimento de acordo com o paradigma
(conexionista), é importante saber como o cérebro humano está estruturado e que reações e
processos ocorrem nele. Inicialmente ele é dividido em dois grandes hemisférios – o direito e o
esquerdo. Estes são unidos por feixes de fibras nervosas conhecidas como corpo caloso. Segundo
Jersen (2002), cada hemisfério processa as informações de forma diferente – conhecer a biologia do
cérebro, também é importante para compreender como a língua é processada – segundo Christison
(2002) é necessário, saber a estrutura biológica que compõe o cérebro humano. Entre os principais
elementos a serem considerados, encontram-se os seguintes: Tronco cerebral – responsável pela
549

O mapeamento do cérebro e o surgimento de um sistema de rede paralela


que albergue um modelo diferente de inteligência apresenta-se com potencialidade
de concretização, como os experimentos laboratoriais e testes científicos têm feito
provas.
Tal conexionismo gera a possibilidade concreta e efetiva de estabelecer uma
cognição e uma linguagem por intermédio de seus algoritmos comprometidos com
uma inteligência não humana, mas capaz de desenvolver funções ou tarefas, em si e
por si, portanto, isentas das faculdades intelectivas humanas.
A Inteligência Artificial força que a linguagem seja refundada em seus próprios
conceitos, ainda que para isso exista um auxilio humano. Todavia, a partir de então,
independente e autônoma.
É uma linguagem também reconhecida no meio científico, em uma das fases
do desenvolvimento da linguagem informatizada, como linguagem documentária
diante da capacidade de indexação em sua estrutura, como atualmente já acontece
em vários bancos de dados e sistemas diversos.
O acontecimento como um futuro inevitável, o léxico e todo o comportamento
humano serão repensados, reprogramados para adequarem-se a uma nova
realidade na qual a mediação da tarefa jurídica passa a ser realizada pela estrutura
tecnológica.

regularização de funções essenciais no corpo (respiração e batimento cardíaco são alguns exemplos)
e também responsável pela produção de substancias químicas, como a serotonina, que regula o sono
e a vigilância; Cerebelo – responsável pela postura e por movimentos motores – também se acredita
que traços de memória estão nele localizados, sendo, portanto, considerado o centro do pensamento;
Corpo Caloso – parte do cérebro composta de centenas de milhares de nervos que conectam os
hemisférios; Neocortex – uma fina camada que cobre o cérebro, local onde ocorre o pensamento
lógico e a tomada de decisão. Sistema límbico – localiza-se na zona central do cérebro. Ele é
composto pela amídala, responsável pela emoção pelo hipocampo que está envolvido no
aprendizado e na memória. Além disso, os cientistas também dividem o cérebro em quatro grandes
áreas chamadas lobos frontais, parietal, temporal e, occipital e cada um deles está relacionado às
seguintes funções. Lobo frontal (área anterior ao cérebro) – responsável pelas funções de resolução
de problemas e planejamento; Lobo parietal (área superior da região média do cérebro) –
responsável pelo processamento da linguagem e por funções sensoriais mais elevadas; Lobo
temporal (área inferior da região média do cérebro) – responsável, pela audição, pela memória, pelo
significado e pela linguagem; Lobo occipital (parte posterior do cérebro) – responsável pela visão
(LEITE, Anelise de Souza. O paradigma conexionista na aquisição lexical. In: Revista Revel. vol. 6, n.
11, ago. 2008, p. 2. Disponível em:
<http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_11_o_paradigma_conexionista_na_aquisicao_lexical.pdf>.
Acesso em: 19 abr. 2013)”.
550

Isso implica uma outra espécie de comunicação, de vida e de relações. O


Direito como um fenômeno de condicionamento feito por regras que regulam o
comportamento social não estará imune. Por assim dizer, será reconstruído e, com
ele, a Justiça.
A mutação do Direito e da Justiça em uma plataforma cognitiva tecnológica
propõe que as relações sejam as próprias regras (objetivas), as quais sejam os
comportamentos materializados por si mesmas.
Dispensa, com o avanço e os, testes, assim, a reconstrução ou a integração
valorativa das “regras” como acontece no sistema vigente, em que se exige uma
participação ativa da cognição humana, inclusive na mediação do Direito para o
alcance da Justiça como ato decisional e detentor de outra dinâmica que também
tem albergue operacional pelos trilhos da tecnologia.
Por intermédio da Inteligência Artificial, ao integrar, unificar e padronizar, é
possível produzir a universalização da natureza humana. A estrutura tecnológica e
sua extensão cognitiva artificial propiciam tal feito.
Semelhante concretização se dá à proporção que as naturezas se
homogenizam (natureza do homem), porque a linguagem seria una, garantindo a
universalidade da singularidade coletiva.
A estrutura tecnológica, conforme já mencionado, dispõe de recurso apto a
validar a uniformização da linguagem, da norma e das relações, pois todas se
tornarão uma só, com isso, desativando as pessoalidades e as subjetividades que
conflitam e que relativizam as relações culturais.324

324 Segundo Lévy, Todas as transformações na rede têm, portanto, causas locais, e os efeitos se
propagam pelas proximidades. Para os conexionistas, o paradigma da cognição não é o raciocínio,
mas sim a percepção. Seu mecanismo típico seria o seguinte: - Em um instante toda uma rede se
encontra em determinada situação de equilíbrio; - No instante seguinte, as extremidades da rede de
contato com o mundo exterior (os captadores) mudam de estado; - As mudanças no estado dos
captadores geram, por programação, mudanças de estado em outras unidades da rede; - As
unidades continuam a modificar os estados umas das outras, até que a rede atinja uma nova situação
de equilíbrio. Este estado de equilíbrio global funciona como uma “representação” dos eventos
exteriores ao sistema que ocasionaram a modificação do estado dos captadores. A percepção é o
conjunto do processo de desestabilização e de re-estabilização da rede”. E complementa o mesmo
autor e trecho contínuo (2011, p. 158): É preciso também observar que, segundo as teorias
conexionistas, cada nova percepção deixaria vestígios na rede. Em particular, as conexões que
seriam mais frequentemente percorridas pelo processo de desestabilização/estabilização seriam
reforçadas por ele. Não haveria, portanto, diferenças essenciais entre percepção, aprendizagem e
memorização, mas sim uma única função psíquica que poderíamos chamar, por exemplo, de
“experiência”, mantendo toda a ambiguidade da palavra. A imaginação, ou a simulação de modelos
mentais, seria a ativação de uma pseudopercepção a partir de estímulos internos. Esta simulação
utilizaria, evidentemente, os vestígios, mnésicos deixados pelas experiências anteriores (a memória a
longo prazo) (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da
informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 157)”.
551

Tal processo sinaliza uma transição social em decorrência da ruptura


promovida pela mudança de paradigma. A Inteligência Artificial aplicada à transição
da Inteligência humana induziria a sociedade a novas práticas. É preciso transpor
esse abismo como condição natural da manutenção da espécie humana, diante dos
cenários atuais e dos que se projetam.
Do ponto de vista das físicas – clássica e quântica – os problemas ainda
persistem na espera de uma lei que possa mediar o atual estágio. Tal relação seria
uma seara endógena da estrutura orgânica não aprofundada na pesquisa, no
entanto, mencionada.
No aspecto exógeno, a complexidade e o avanço têm feito o homem acelerar
o entendimento teórico e prático da tecnologia, para futuras transições. Resta, é
óbvio, aceitar essa evolução e nela confiar, sem perder o controle.
Considerando ser o cérebro humano a sede da razão, o avanço para a
compreensão da extensão da inteligência humana para a Inteligência Artificial e a
conjectura da real possibilidade, exige-se compreender em particular o
funcionamento do cérebro, como esclarece Penrose.325
Estando a estrutura de funcionamento esquematizada em detalhes e as
fronteiras delimitadas, o estudo científico se conciliou interdisciplinarmente com
ciências das mais variadas cognições ou não seria possível estabelecer um diálogo
um pouco mais amplo.

325 “Todo o processamento feito pelo cérebro (e também pela coluna vertebral e retina) é realizado,
pelas células notadamente versáteis do corpo, conhecidas como neurônios. Vamos ver com que se
parece um neurônio. Na figura 9.8 há um desenho dele. Vemos um bulbo central, mais ou menos
como uma estrela, muitas vezes como a forma de um rabanete, chamado soma, que contém o núcleo
da célula. Estendendo-se a partir da soma numa das extremidades, temos uma comprida fibra
nervosa – por vezes muito comprida mesmo, considerando-se que nós estamos nos referindo a uma
única célula microscópica (tendo por vezes vários centímetros de comprimento, nos seres humanos),
conhecida como axônio, o “fio” através do qual o sinal de saída da célula é transmitido. Partem do
axônio muitas ramificações neurais, bifurcando-se ele várias vezes. Na ponta de cada uma dessas
fibras nervosas, encontra-se uma pequena vesícula sináptica. No outro extremo da soma, com
frequência estendendo-se pelas ramificações por todas as direções, estão os dendritos semelhantes
a árvores, pelos quais os dados de entrada (os inputs) são levados ao soma. (Ocasionalmente há
vesículas sinápticas também nos dendritos, as chamadas dendrodentrícias entre os dendritos. Não
tomarei conhecimento delas em minha descrição, já que as complicações que acumulam não são
essenciais.) / Toda célula, sendo uma unidade completa em si mesma, tem uma membrana que
envolve o soma, axônio, vesículas sinápticas, dendritos e tudo o mais. Para que os sinais passem de
um neurônio para outro, é necessário que “saltem a barreira” entre eles. Isso é feito numa função
conhecida como sinapse, onde uma vesícula sináptica do neurônio ou então num de seus dendritos
(figura 9.9). Na realidade, há um espaço muito estreito entre a vesícula sináptica e o soma ou
dendrito a que está ligada, chamada de fenda sináptica (figura 9.10). O sinal de um neurônio para o
seguinte tem de propagar-se através dessa fenda (PENROSE, Roger. A mente nova do rei:
computadores, Mentes e as leis da física. Rio de Janeiro: Campus, 1991, p. 431)”.
552

Em busca de afastar-se da sedução do afeiçoamento que enfeitiça os


especialistas e que os leva a erros ou equívocos, face a conclusões precipitadas por
desconsiderar que a constelação de ciências existentes, direta e indiretamente
interligadas, contribui para o melhoramento da ciência e do cientista.
A performance adotada foi integrativa, considerando que o conhecimento é
uno. Recorreu também às informações cognitivas da ciência química, para tecer
breves considerações a respeito das substâncias que trafegam nos processos
sinápticos do cérebro humano.
A atenção a tal detalhe explica por si só o reflexo e os indícios perceptivos por
todas as demais ciências quando do estudo do cérebro humano em sua tomada de
decisões, considerando que as ligações sinápticas não são somente correntes
elétricas percorrendo o sistema neural humano.
Observou-se, com isso, que a natureza é muito mais exuberante e misteriosa
do que se pode imaginar, faceia suas particularidades e outras, não. Talvez essa
dificuldade tenha como razão maior extrair a pedagogia do ensino e do
aprendizado.326A descrição levanta à hipótese de que, se considerarmos que a
natureza é perfeita, o que comporta desde logo oposição em contrário: a
irregularidade marcada pela instabilidade do funcionamento do sistema da
inteligência humana pode ser considerada uma perfeição.
Há razões fisiológicas para aceitar a perfeição apontada pelas linhas
enviesadas e ainda desconhecidas dos mistérios da mente humana, principalmente
com relação ao funcionamento do órgão cerebral humano e toda a sua
complexidade.

326 Para Penrose: “Uma fibra nervosa consiste basicamente de um tubo cilíndrico que contém uma
solução mista de sal comum (cloreto de sódio) e cloreto de potássio, principalmente esse último, de
modo que há sódio, potássio e íons de cloreto dentro do tubo (figura 9.11). Esses íons estão também
presentes fora, mas em proporções diferentes, de modo que fora há mais íons de sódio do que
potássio. No estado de repouso do nervo, há uma clara carga elétrica negativa dentro do tubo (isto é,
mais íons de cloreto do que de sódio e potássio juntos – lembremos que os íons de sódio e potássio
têm carga positiva e os de cloreto, negativa) e uma clara carga positiva do lado de fora (isto é, mais
sódio e potássio do que cloreto). A membrana da célula que constitui a superfície do cilindro é um
tanto “vazante”, de modo que os íons tendem a passar através dela e neutralizar a diferença de
carga. Para compensar isso e manter o excesso de carga, negativa no interior, há uma “bomba
metabólica” que manda, muito lentamente, íons de sódio de volta através da membrana circundante.
Isso também serve, em parte, para manter o maior volume de potássio em relação ao de sódio no
interior. Há outra bomba metabólica que em escala pouco menor manda íons de potássio de fora para
dentro, contribuindo com isso para o excedente de potássio no interior (embora funcione contra a
manutenção do desequilíbrio de carga) (PENROSE, Roger. A mente nova do rei: computadores,
Mentes e as leis da física. Rio de Janeiro: Campus, 1991, p. 432)”.
553

Essa perfeição, no entanto, restringe-se à estética e à sua estrutura funcional,


que ainda em grande parte encontra-se eclipsada pelas nuvens do desconhecimento
científico em diuturno estudo em anseio de dissipá-lo.
Esse desempenho – ausência de linearidade – cristalizado pela instabilidade
de funcionamento das redes neurais é responsável pela incerteza e pela
imprevisibilidade das ações do pensamento e do comportamento. Trata-se de uma
situação incontornável, por ser da natureza do sistema orgânico cerebral quanto a
seu funcionamento.
Nada impede, porém, que, no plano comportamental – plano das ações –,
estando as regras estabelecidas e definidas, a Inteligência Artificial e toda a
estrutura sistêmica permitam classificar, integrar, unificar e padronizar, de modo a
gerar na vida humana ações condicionadamente previsíveis, reservadas às ciências
sensíveis, tais como a psicologia e suas escolas, a filosofia e a sociologia dentre
outras, em seu contínuo estudo.
No plano da estrutura biológica, a imprevisibilidade e a incerteza das ações
humanas têm suas origens, restando às demais ciências catalogar e buscar, por
ausência de efetivo conhecimento de uma explicação do sistema neurológico
humano.
Será essencial criar escolas e/ou teorias capazes de, se não na origem, ao
menos gerar mecanismos que possam moldar, modular e dar equilíbrio às ações
humanas no plano sensível das relações sociais. Esclarece Penrose (1991, p. 441):

[...] há outro aspecto da libertação de neurotransmissores pelas vesículas


sinápticas. Por vezes eles não ocorrem nas fendas sinápticas, mas entram
no fluido intercelular geral, talvez para influenciar outros neurônios muitos
distantes. Muitas substâncias neuroquímicas diferentes parecem ser
emitidas dessa forma – e há diferentes variedades possíveis das
substancias químicas participantes. Certamente o estado do cérebro pode
ser influenciado de maneira geral pela presença de substâncias químicas
que são produzidas por outras partes do cérebro (como hormônios, por
exemplo).

Disso se extraem as dificuldades das escolas clássicas e modernas da


psicologia em fundar uma teoria que possa dar uma exata explicação do
funcionamento da mente e do comportamento humano, por vezes, pouco
reconhecido.
554

Certamente essas escolas e seus signatários pensadores tenham contribuído


para tais explicações, por intermédio de pesquisas científicas e estudos de caso,
inclusive com a participação de pessoas que comprovam a limitação cognitiva e a
influenciabilidade do sistema – inteligência humana.
No campo da neuroquímica e neurofísica, portanto, tem-se uma conclusão
dicotômica e essencial ao estudo. Primeiro, de que a influência comportamental do
homem é fruto de uma combinação química e física que acontece em seu sistema
cerebral, que ainda exige uma teoria que possa explicar em detalhes, de modo a
precisar, antecipadamente o funcionamento cerebral.
Se isso ainda não é presente, ou seja, a existência de uma teoria da mente, é
fato evidente que os neurônios responsáveis pelo funcionamento cerebral são
influenciáveis, por isso, a cognição humana é imprevisível e incerta.
E o que é ela, e como se faz isso? Pode tanto ser a combinação de
substâncias internas do próprio cérebro como a combinação de reflexos externos do
mundo internalizados/captados pelos sentidos que venham a gerar no cérebro
reações diversas, inclusive a geração de substâncias que contribuam para o
funcionamento do sistema cognitivo cerebral.
A cognição humana, portanto, em nenhuma hipótese pode ser definida como
certa e previsível em suas ações e reações, sendo possível afirmar categoricamente
que a incerteza e a imprevisibilidade são imanentes à sua própria natureza
neurofísica e neuroquímica.
O que se tem, no mundo prático das ações, a título de estabilidade em
termos, é fruto de uma convenção comportamental de regras, sociais ou não, que
sinalizam, ditando o como agir.
E em segundo lugar, concluindo o raciocínio dicotômico, a neuroquímica é
complexa e complicada, porém deve ser considerada como elemento-combustível
de funcionamento do cérebro.
O que gera um complicador quase intransponível para a pesquisa científica,
no sentido de demonstrar a possibilidade de replicar – por intermédio da Inteligência
Artificial em detalhes – o funcionamento do cérebro humano.
555

Antes de enfrentar a densa e complexa questão, talvez a mais difícil,


principalmente pela falta de subsídios claros, seguros e evidentes – estágio da física
e da química e das ciências cognitivas correlatas – somada à incerteza e à
insegurança psicologicamente nutrida pelo homem quando enfrenta o
desconhecimento do novo, ainda se exige uma compreensão rápida sobre
plasticidade do cérebro humano e no que ela implica.327O avanço das relações
humanas e suas complexidades já demonstra que essa mutabilidade geralmente
são partes comuns e repetidas de situações anteriormente realizadas.
A incomensurabilidade entre as inteligências é algo evidente. É possível,
entretanto, possível valer-se de Kuhn, no sentido de sustentar tal conceito em
modulação fraca ou moderada da qual a linguagem conceitual em parte se
aproveita.
Torna-se possível a equiparação ou a comparação para fins de estudos e
seu desenvolvimento. Aliás, toda posição radical assume riscos demasiadamente
caros sob todos os aspectos.
As máquinas jamais serão humanas ou vice-versa. São de naturezas
distintas, razões, lógicas e consciências diferentes. Isso, caso seja possível utilizar a
palavra consciência para as funções realizadas pelas sinapses neuroniais
alicerçadas pela teoria conexionista que, atual estágio, tem destaque para as
similaridades sinápticas, bem como para a realização do armazenamento, da
integração, da sistematização e da expansão do capital intelectual artificial produzido
nos sistemas paralelos (inteligência computadorizada).

327Segundo Peronse: “Não é realmente legítimo considerar o cérebro simplesmente uma coleção fixa
de neurônios ligados. As ligações entre eles não são, na verdade, fixas, como aconteceria no modelo
computadorizado anterior, mas se modificam constantemente. Grande parte da complicada “fiação”
destes tem suas linhas gerais estabelecidas no nascimento. Refiro-me às funções sinápticas onde
realmente ocorre a comunicação entre os diferentes neurônios. Por vezes elas acontecem nos
lugares chamados espinhas dendríticas, pequenas protuberâncias nos dendritos, nas quais se pode
fazer contato, com as vesículas sinápticas (ver figura 9.15) “contacto” significa apenas não tocar, mas
deixar uma pequena fissura (fenda ou fissura sináptica) exatamente da distância certa – área de 40
milionésimos de um milímetro. Dentro de certas condições, essas espinhas dendríticas podem
encolher e romper o contato ou (elas ou outras novas) estender-se para fazer novo contato. Assim, se
pensávamos nas ligações dos neurônios no cérebro como sendo, com efeito, um computador – é um
computador capaz de se modificar a todo tempo.De acordo com uma das principais teorias sobre a
maneira pela qual são fixadas as recordações a longo prazo, é essa variação das conexões
sinápticas que proporciona os meios de armazenar as informações. Se assim for, então a
plasticidade do cérebro não será apenas complicação incidental, mas sim uma característica
essencial de sua atividade (PENROSE, Roger. A mente nova do rei: computadores, Mentes e as leis
da física. Rio de Janeiro: Campus, 1991, p. 439)”.
556

Posteriormente, ainda restará tecer algumas considerações a respeito da


consciência humana, contribuindo para a primeira hipótese do estudo, dadas as
limitações afetas ao conhecimento humano – diante de sua própria natureza
intrínseca e extrínseca.Com isso, demonstra que conhecimento exige uma
concepção de macrocognição ante à nova realidade.
No campo da plasticidade do cérebro, tal comportamento permite revelar que
os canais sinápticos realizam operações geradoras de outras conexões
responsáveis por estabelecer o caminho de resgate das informações e dos dados
produzidos bem como por realizar novas conexões em busca de produzir novas
informações.
Como esclarecido, do ponto de vista da neurofísica e da neuroquímica, a
incomensurabilidade somente proporciona um espelhamento da estrutura de
funcionamento, o que pode atender à construção da estrutura computadorizada em
que reside a Inteligência Artificial.
Semelhante forma de inteligência dificilmente gozaria de uma reflexão do tipo
que acontece na mente humana nem compartilharia da consciência dessa espécie,
dentre outros fatores orgânicos comuns à espécie humana, porém com produção,
padronização e antecipação de conteúdo intelectual assim como a possibilidade já
existente de realizar programações em sistemas tecnológicos.
As ações são meras reproduções em que a organização possa transformar
uma ação não-algorítmica, após sua reprodução, por várias vezes: transmutar em
uma ação algorítmica através de um sistema de programação é plenamente
possível.
É possível, portanto – à guisa de exemplos –, nas resoluções de demanda
repetitiva que fundam os (precedentes), o Direito ser mediado pela Inteligência
Artificial para o alcance da Justiça bem como nas áreas fiscais, previdênciárias e de
procedimentos em que a exigência são o abastecimento de dados e as informações
predefinidas, dentre outras situações em que os estados se transmutam pela
plasticidade do entendimento, da compreensão e da conclusão. Para Penrose
(1991, p. 458):
557

Para isso, precisamos pensar e fazer um julgamento consciente. (Iremos ver


dentro em pouco porque esses julgamentos devem, pelo menos algumas
vezes ser não algoritmos!). É claro que depois de ter resolvido grande
número de problemas semelhantes, a decisão de multiplicar ou dividir os
números pode transformar-se numa segunda natureza a ser realizada
algoritmicamente – talvez pelo cerebelo. A essa altura, a consciência não é
necessária e torna-se possível deixar que vagueie e se ocupe de outros
assuntos – embora de tempos em tempos talvez seja necessário verificar se
o algoritmo não foi para um desvio, de alguma maneira (talvez sutil).

Existem estudos no sentido da integração de muitas incomensurabilidades e


granularidades geradas pelos primeiros cientistas. Os primeiros se diz: são todos
aqueles que geram o retrocesso da própria ciência, ao acreditar que o conhecimento
teórico e prático que realiza seus estudos de pesquisa seja sempre o melhor, único,
exclusivo e individual.
As contradições e a diferenças são traços marcados pelas diversidades
culturais, tributárias das linguagens diversas. Ciências como:
neurociências,linguística e psicolinguísticas vêm, por intermédio da engenharia das
linguagens, procurando romper as fronteiras em busca de consolidar novos
paradigmas.
Talvez as diferenças gerem em seus limites a convergência de uma nova
linguagem. Universalizá-la pode trilhar três possibilidades plausíveis,
respectivamente:

 Refunda todas as linguagens em uma só e, como isso suplantaria a


tentativa de outras tantas ciências; surge na tentativa de explicar os
problemas existentes e, nesse exercício de ajudar, cria outros problemas,
os quais se somariam aos primeiros;
 Cria uma linguagem universal, sobrepondo todas as existentes; relativiza
todas as culturas e gera, a partir de então, toda uma estrutura e com ela
uma literatura;
 Reconhece o limite cognitivo embrionário físico, químico e sistêmico da
espécie humana; sobrepõe a essa uma Inteligência Artificial capaz de
classificar, catalogar, integrar, unificar e padronizar a vida da espécie
humana.

Essa última hipótese tem forte relação com a construção de sistemas


paralelos, cujos avanços e resultados positivos têm-se mostrado surpreendentes.
558

Não há uma extinção da espécie humana, salvo por caprichos particulares; há


um auxílio complementar das máquinas ou simplesmente uma disjunção das tarefas
ou das funções tipicamente realizadas pelo homem que, agora, passa a ser
realizada pela Inteligência Artificial, o que já é comum em vários setores do
Judiciário, tratando-se tão somente de uma nova etapa da agenda de tecnologia e
desenvolvimento do sistema.
Não aceitar a tecnologia é quase impossível. O mais comum na relação entre
homem e máquina é notar certo maniqueísmo parcial por parte do primeiro, ainda
existente, exigindo que aquela explique como ele, “homem”, funciona, o que parece
irracional, até porque as máquinas precisam ser treinadas e programadas pelo
próprio homem.
São inteligências distintas, como já destacado, com capacidades, habilidades,
competências, razões e lógicas peculiares de cada espécie. Por isso, a consciência
da espécie humana não opera em ordem sequencial ou paralela, é reflexiva com
delay.
Executam ou são projetadas para executar atividades: no caso da inteligência
natural, o cérebro da espécie humana parte de suas ações, são realizadas de forma
inconscientes, por isso, não se pode cobrar consciência das máquinas em sua
totalidade, além de que, na particularidade, a natureza das espécies se encarregam
de diferenciá-las. Por consequência, as objeções e as indagações trazidas pelo
trabalho de pesquisa são relevantes e pretendem, aliançadas a outros estudos e a
seu contínuo aprimoramento, desenvolver reflexões a respeito dos polos temáticos
em compromisso da ciência pela ciência.
Nesse palmilhar, parafraseando Maltez, em obra de sua lavra Breviário de um
Repúblico, é elementar o vigor com que o conhecimento nos nutre, e o que podemos
extrair e fazer dele, para tornar a realidade social efetivamente melhor.
A Pátria não pode ser apenas uma ideologia que se faz da ordem imposta e
estabelecida, ou sua subvertida utopia; em verdade ela é a alma de cada um de nós,
cobra-nos uma imaginação reflexiva para além da razão e da vontade. É preciso que
o homem de partes insignificantes integre-as para um propósito maior, aproveitando,
em si, todas as forças dos pensamentos que o antecederam para tornar seu
presente e seu futuro concretamente melhor.
559

Para isso, é necessário que o homem faça valer sua consciência e, em alguns
momentos, a resgate no sentido de restabelecê-la propositivamente. Disso se
questiona saber se uma inteligência, para ser reconhecida, exige que se tenha uma
consciência ou a consciência seja um atributo de si mesma, em que em cada
inteligência se manifeste de uma certa forma e detenha um certo significado.
Talvez a inteligência seja um centro em que as operações aconteçam
sucessivamente de modo a resolver determinada situação, a partir de uma estrutura
peculiar à sua natureza formal e substancial. Talvez seja uma espécie de interface
que conecte a espécie humana ao mundo e às demais faculdades da mente.
Pensa-se que as faculdades cerebrais neurais sejam diversas e que cada
uma delas cumpra suas finalidades. Quanto à inteligência, imagina-se que seja e
se defina como a capacidade de resolução daquilo que a nos submetemos a
realizar.
Também é de se elucidar que, para que isso exista, em sua base
conhecimento, informações e dados empiricamente coletados ou racionalmente
existentes precisam ser produzidos ou abastecidos.
O que difere as inteligências entre si se dá quanto à forma, à estrutura e à sua
natureza. É possível afirmar que a consciência não é condição da inteligência
porque até mesmo a inteligência natural tem ações em que se conclui
cientificamente que a “desconhecida” consciência não se faz presente. 328Resolver é
classificar e decidir; categorizar é classificar e determinar – prática milenar que
remonta à Grécia antiga. A isso se tem como decisão inteligente, porque a
predefinição e o consumo do resultado pretendido foram alcançados.
Não se descredencia com isso o papel importante e essencial da consciência
humana, todavia é preciso observar que a posição inteligente advinda por caminhos
mais simplificados contém sua importância no estágio em que a sociedade se
encontra.

328Afirma Lévy: “Grande número de módulos do sistema cognitivo são, portanto, “encapsulados”,
automáticos e muito rápidos. Isto significa, entre outros, que eles escapam à consciência. Seus
resultados podem muito bem chegar até a zona de atenção consciente de nossa mente, mas os
processos realizados por estes módulos permanecem totalmente opacos para nós, e escapam a
qualquer tentativa de controle (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do
pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34,
2011, p. 168)”.
560

Considera-se que no contexto social existem universos de casos, soluções,


discursos, propriedades e variáveis, sendo que essas podem ser isoladas dentro de
um – padrão aceitável – devido à estabilização proporcionada pela padronização
das propriedades e das próprias variáveis. Semelhante contexto sinaliza para a
tecnologização do mundo jurídico por intermédio de sistemas informatizados.
Outrossim, sendo a função da lei condicionar comportamentos, significa dizer
que a lei opera seletivamente no meio social, fornecendo com isso dados e
informações de como proporcionar a concretização dos propósitos normativos dentro
de um sistema que deve sistematizar tais operacionalizações.
A inteligência natural como a responsável pela criação e a participação ativa
nesse processo até o presente momento revela-se inquestionável, o que não pode
eclipsar o avanço humano e tecnológico de outras infinitas descobertas no campo
das tecnologias em inteligências.
A necessidade de construção de uma Inteligência Artificial para auxiliar a
Justiça no campo de suas decisões, principalmente das que são massivas, em que
as variáveis se encontram isoladas e em que existe uma padronização do
entendimento, corrobora com a plena acessibilidade ao Judiciário nos termos
previstos na Constituição Federal.
Manobrar medidas que inibem o acesso à Justiça como a apresentada em
agosto de 2015, pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) sob a
nomenclatura “Não deixe o judiciário parar” demonstra a fragilidade do Estado em
tratar das causas que geram os problemas da sua estrutura orgânica.
Além de fazer prova contra si, demonstra faltar investir coerentemente em
pesquisa em diversas áreas, inclusive na da tecnologia do Direito e da Justiça, como
praticam países como os Estados Unidos da América.329
Apontar os maiores litigantes do sistema judiciário e gerar mecanismos que
inibem o acesso massivo de questões de Direito seria muito mais coerente e
desestimulante para as grandes corporações, se tivessem suas causas julgadas
com brevidade com livre acesso e sem censuras.

329 Disponível em: <https://youtube/watch?v=B1fMnw0wxOg>;


<http://cbn.globoradio.com/programas/jornal-de-cbn/2015/08/11/PODER-PUBLICO-E-O-PRINCIPAL-
RESPONSAVEL-PELO-CONGESTIONAMENTO-DA-JUSTICA.htm>. Acesso em: 15 jul. 2015.
561

Se elas forem processadas e julgadas imediatamente como tendência prática


da vida na pós-modernidade, revelaria o completo aparelhamento do Estado, no
sentido de atender às adversidades e às complexidades quantitativa e
qualitativamente.
Com a transição de um novo Direito e uma nova Justiça, há de preceder
nesse processo de metamorfose proporcionado pela combinação das ciências suas
respectivas linguagens e cognições. A universalização de um código fonte deve
surgir para romper com as granularidades e incomensurabilidades geradas pelas
próprias ciências e seus especialistas.
É impossível interromper neste estágio a massificação social. A gestão dos
estados exige uma resposta rápida e inteligente que somente uma Inteligência
Artificial pode proporcionar enquanto meio (ferramenta): a integração, a unificação, a
padronização e a sistematização. É preciso o homem confiar em si mesmo, uma vez
que as máquinas serão seus extensores.
A algoritmização do Direito e da Justiça proporcionará rapidez ao
funcionamento do sistema Judiciário; a Justiça dos números caóticos deve ser
convertida em uma agenda planejada com metas concretas e tangíveis. Prover a
venda da especulação e da promoção das dificuldades exige ações proativas no
campo teórico-científico e prático de combate e redirecionamento estratégico e
material.
A Inteligência Artificial revela-se como o mecanismo adequado, útil e
compatível para estabelecer uma forma de funcionamento eficaz da Justiça. O
avanço no desenvolvimento da engenharia dessa modalidade cognitiva tem
proporcionado a criação de algoritmos mais eficientes, concedendo aos
programadores a produção de máquinas cada vez mais eficientes para o auxílio das
atividades humanas. Essa condição – ou esse fato – é necessária à própria
consciência. Aliás, é a própria consciência que leva o homem a reconhecer sua
falibilidade e sua insuficiência.
Isso o conduz a reconhecer que uma outra modalidade de inteligência possa
auxiliá-lo nas situações em que a consciência não se mostra mais necessária,
conforme esclarece Penrose (1991, p. 461): “[...] boa parte da razão para se
acreditar que a consciência é capaz de influenciar os julgamentos da verdade de
uma maneira não-algoritmica vem de um exame do teorema de Godel”. Isso é
aceitável porque cientificamente comprovável.
562

Embora a inteligência computadorizada não detenha a mesma natureza da


inteligência natural, as atividades de tal modalidade de inteligência, em que a
consciência tenha sido absorvida pela inconsciência psicomotora da repetibilidade, a
classificação e a categorização do Direito permitem que esse seja modelado
tecnologicamente, fazendo emergir uma Justiça Artificial.
Para isso, é chegado o momento em que os especialistas precisam juntos
criar uma língua comum capaz de promover o entendimento e a compreensão das
dificuldades ainda não superadas. Não resiste a sociedade em ter os velhos e
antigos problemas tratados com métodos ineficazes de outrora.
O sistema Judiciário testemunha nos últimos anos para a desjudicialização de
diversos institutos e a especialização de muitos outros na busca de dar o tratamento
coletivo para as demandas coletivas típicas dos tempos presentes, o que denota a
classificação categorizada dos casos e das soluções. Umbilicalmente representa a
semente da tecnologização das ações e dos comportamentos humanos.
Ao Estado incumbe reconhecer sua grande parcela de responsabilidade
quanto aos atuais problemas. Tanto falto político judiciário, quanto falta política
pública em todos os setores.
A vida neste cenário é uma aventura incerta a um preço muito alto, ou seja,
onde estamos é uma realidade que exige ação reflexiva, autônoma e soberana.
Para Otaviano Pereira (2003, p. 63-74):

[...] a pós-modernidade é expressão de um certo “cansaço” da modernidade


e de todo seu racionalismo, sua forma de organização, das regras de suas
instituições, enfim, de seu grande impulso de morte. Foi por isso que
dissemos no início, que estamos descendo os pesados fardos dos ombros.
Há um ritmo de vida que se acelerou, que nos exige uma produção de
ações e reações, uma atenção permanente, que não estamos dando conta.

A consciência do homem pós-moderno tem de captar isso e promover as


mudanças necessárias aliadas às tecnologias, ou a fadiga aumentará até que será
seu fim da espécie humana.330O homem não precisa desfazer-se de sua razão ou

330Otaviano Pereira ainda contribui, atacando o cerne do problema: “Se a entrada na “idade da razão”
pôde resumir o que esta era significou, ela também está espelhando sua crise. A crise da
modernidade é a crise da razão, mas não de toda razão, de uma razão em que ela depositou toda
sua crença. A modernidade, que fora “cartesiana” em sua origem, não mais consegue ser cartesiana
em sua continuidade. Esta constatação significa um apelo sem precedentes aos filósofos interpretes
da modernidade. Aí, é natural, um conflito de interpretações se instala, no momento em que nem
sempre percebemos que ter de abrir mão de uma (etapa da) razão significa abrir mãos de toda a
razão. É por isso que a pós-modernidade está sendo chamada por alguns de era do irracionalismo ou
563

interpretá-la como tola, mas é preciso aceitar que uma nova perspectiva o faz refletir
em si mesmo. Suas condições humanas são encarceradoras de seu próprio
desenvolvimento, caso não faça de sua razão o motivo de outras razões e outros
projetos para sua existência em melhores condições.
Sua emancipação, ao que tudo demonstra, não está mais alicerçada em sua
razão em si com exclusividade, mas em uma razão distinta, de natureza artificial. No
campo do Direito e da Justiça, esse novo caminho para a resolução dos problemas
tornar-se-á possível e eficaz, ao menos nesse estágio do desenvolvimento, com
parcialidade, em que a razão natural passa a ser uma reprodução inconsciente de
suas próprias ações.
É possível, portanto, obter em semelhante contexto decisões mais rápidas
para problemas predefinidos por intermédio de uma razão e de uma logicidade sem
a participação da consciência. Sua presença não é mais importante, em uma
estrutura tecnológica de informática decisória que acima de tudo é capaz de fazer
com que o conhecimento cumpra sua verdadeira e soberana missão! A de convertê-
lo em uma ação útil promotora de resultados efetivamente materiais.

de uma “noite passageira da História” como quer o pensador Helmut Thielen (1998: 75ss) (PEREIRA.
Otaviano. Modernidade, pós-modernidade. Afinal, onde estamos? In: Revista Profissão Docente,
Uberaba, v. 3, n. 7, p. 63 – 74, jan/abr. 2003. Disponível em:
<http://www.revistas.uniube.br/index.php/rpd/article/view/66/365>. Acesso em: 29 jul. 2015)”.
564

CONCLUSÃO

Uma Tese não se conclui, mas se interrompe, como diria um admirável,


brilhante e elíptico mestre do conhecimento em quem sempre me inspiro. O trabalho
representa em sede de linhas conclusivas uma ideologia confiada a uma consciência
crítica compromissada com uma constante emancipação que, em seu âmago,
contém uma relação dialética com verdades, critérios, denúncias, mudanças,
descobertas e revelações.
Estruturada e combinada no passo a passo de grandes sistemas do
conhecimento, em uma proposta de diálogos sem vencedores, tem o objetivo de
estabelecer uma linguagem distante da granularidade e da incomensurabilidade não
tão comuns nas comunidades científicas.
Desse esforço, pelo unir pelas intersecções, nasceu de o arrebentar em que
se permitiu um certo afastamento do dogmatismo radical que habita ainda a ordem
jurídica, todavia, garantindo que não se rompessem os vínculos com a epistemologia
do Direito e da Justiça como objetivo central da pesquisa e as demais a acudi-la.
Nesse palmilhar, sem quaisquer demagogias, houve críticas acirradas ao
pequeno grupo social do sistema jurídico, cujo questionamento esteve atrelado a
uma discussão técnica, pautada na defesa dos interesses insculpidos na Carta
Constitucional.
Responsável pela proteção da própria espécie humana, em si a causadora do
ideológico projeto Constitucional do Estado Democrático de Direito, defendida pela
comunidade dos cientistas das ciências jurídicas como gênero e pelos
processualistas das ciências processuais enquanto ramo especializado do Direito
incumbido pela instrumental operacionalização e proteção substancial dos Direitos.
A força desse diploma e a emergência de cumpri-lo em seus aspectos
materiais desvelam a essencialidade de fazer com que o Direito e a Justiça se
realizem por intermédio de um sistema processual nutrido de melhores habilidades e
competências em inteligência operacional.
Urge que o “meio” possa adaptar técnicas cognitivas no sentido de que todos
os interesses constitucionais das individualidades e das coletividades possam ser
atendidos em tempo razoável, previsível e seguro, com eficiência e eficácia. E, se
isso acontece, a lacuna axiológica do Direito e da Justiça deixa de ser um problema.
565

Para isso, a trabalho de pesquisa buscou tornar evidente a limitação da


capacidade cognitiva da espécie humana, sem perder de vista o desejo transumano
dessa mesma espécie por si e pela produção realizada por força de suas técnicas de
conhecimento intelectual por novas descobertas e invenções, traduzidas em favor
do melhoramento de suas vidas e suas condições, na expectativa de gerar outra
técnica de conhecimento com performances ampliativas de suas finalidades e, ao
mesmo tempo, saneando ou sanando efetivamente suas vicissitudes causadoras
dos males ao seu próprio desenvolvimento.
Essa ruptura aqui é demarcada pela tecnologia intelectual da Inteligência
Artificial (IA). A alteração proposta, porém, não se circunscreve aos estudos das
lógicas ou dessa inovadora tecnologia intelectual produzida pelo homem, objetos de
pesquisas em outras divisas do campo metodológico. O destaque está em assumir
teoricamente uma posição acentuada por uma informática jurídica processual
decisória, transpassando as fases de armazenamento de dados, informações e de
gestão já conhecidas pelas ciências jurídicas. O entendimento dessa posição vem
lastreado a partir de um estudo interdisciplinar empenhado na defesa da ideia
fertilizada pelas ciências cognitivas.
A técnica produzida pela Inteligência Artificial – velocidade em
reconhecimento das transformações – permite captar a dinâmica social de forma
mais rente à sua realidade de forma estruturada por seus próprios mecanismos, com
isso, minando a resistência e a transformação típicas do Direito, em decorrência até
então de “meios” que pudessem superar essa polaridade positivada pelas técnicas
hermenêuticas de interpretação.
No plano da lógica e suas ramificações, foi possível materializar
ideologicamente um fluxograma do funcionamento do Direito para o alcance da
Justiça, como uma espécie de lógica não exatamente dedutiva, pois, ausente o
reforço à premissa antecedente, a conclusão pode não ser a mesma, o que seria
aceitável para um jurista o adágio de que o Direito não é uma ciência exata, cujo
complemento afirmativo certamente seria de que o ato decisório até a derradeira
hora poderia mudar.
566

Por outro lado, foi demonstrado que a “razão” humana, ou melhor, seu
sistema cognitivo, tem estudo balizado não a partir das lógicas, mas de uma corrente
de pesquisadores que vinculam o pensamento a compreender a dinâmica de
funcionamento a partir da rede de neural de funcionamento. Isso remete a quem
julga ser possível criar – com o uso da Inteligência Artificial – uma conexão paralela
com técnicas especializadas peculiares à sua estrutura, possibilitando obter um
sistema que auxilie no processo de informática jurídica ou atue decisoriamente.
É possível, no entanto, efender uma posição total dentro de um espectro
macro dos diversos ramos do Direito, no sentido de que parte do sistema jurídico,
em decorrência do uso das técnicas da Inteligência Artificial, possa permitir decisões
mediadas pelo uso de semelhante tecnologia. Isso porque, em determinado estágio,
a compreensão sobre o Direito não exige interpretação hermenêutica, dispensando,
portanto, as atividades da percepção e da consciência.
Em nosso ordenamento jurídico, a partir da emenda Constitucional 45/04, da
edição da Lei 11.419/06, do artigo 5º,inciso LXXVIII da CF e no Novo Reformado
Direito Processual Civil registrado pela Lei 11.305/2015 em seu artigo 4º, tem-se
como legal a permissão legitimada do “meio” tecnológico ao atendimento das
finalidades individuais e/ou coletivas da espécie humana, desde que não viole os
Direitos e as Garantias Fundamentais na obtenção de Direito em tempo razoável.
Considerando que os aludidos dispositivos asseguram que o Direito seja
alcançado em tempo razoável, para isso, “os meios que garantam a celeridade de
sua tramitação” são essenciais. Por essa razão, sendo tecnologia em Inteligência
Artificial uma espécie de “meio” distinto tão somente quanto a sua natureza, porém
apto para as realizações de meio e fim para os resultados em que essa espécie de
tecnologia é utilizada e desde que compatível, não se pode depreender da leitura
uma interpretação diversa.
No âmbito do Direito Processual Civil, a inovação que tem maior destaque e
que ampara o objetivo da Tese objetivamente sinaliza para a substituição do Ator
humano pelo Ator tecnológico no ato de decidir reside no instituto de Instauração de
Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva.
567

O aludido instituto visa axiomatizar, a partir do firmamento de uma tese


jurídica – com base no Direito em questão e gerando um precedente – uma decisão,
ou melhor, um entendimento pacificado sobre determinada questão de Direito que
vincule todos os casos que possuam a mesma identidade de Direito cuja posição já
tenha entendimento firmado.
Nessa hipótese, o Direito não comporta mais interpretação ou discussão
(consciência ou percepção), salvo pelos dispositivos legais cujos critérios previstos
forcem ter o precedente firmado pela tese modificado seu entendimento.
Destacando tal possibilidade, o Direito passa a ser exatamente dedutivo
diante de uma conclusão predeterminada pelo precedente judicial. Essa técnica
processual exterioriza a efetiva possibilidade de produzir-se a programação de um
sistema em que se ordene o Direito por intermédio da tecnologia promovida pela
Inteligência Artificial.
O sistema iria receber, processar, analisar a causa e, identificando-a como
sendo vinculada a um precedente, ele decidiria automaticamente. Nessa hipótese,
reproduziria uma decisão igual a casos submetidos ao judiciário com a mesma
identidade de entendimento sobre o Direito.
Sendo a questão identificada como um precedente de caso, imediatamente
aplica o entendimento firmado sobre aquela questão de Direito já firmada ao caso
novo, distribuído e vinculado ao precedente anterior porque possui uma tese
firmada.
Com isso, produzirá um Direito e uma Justiça de interesse ao acesso social,
iluminados pelos garantidos atributos de celeridade, previsibilidade e segurança
imanentes à concepção de Direito e Justiça, o que representa uma efetividade
material dos Direitos e das Garantias Fundamentais insculpidos na Constituição
Federal.
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ANEXO A – PERCEPÇÃO DO BRASILEIRO SOBRE A JUSTIÇA (SIPS)


Justiça
31 de maio de 2011 1
Governo Federal O Sistema de Indicadores
Secretaria de Assuntos Estratégicos da de Percepção Social (SIPS)
Presidência da República
Ministro Wellington Moreira Franco O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) atua como importante agente no cenário
das políticas públicas. O Instituto assume o
compromisso de articular e disseminar estudos e
pesquisas, subsidiar a elaboração de planos,
Fundação pública vinculada à Secretaria de políticas e programas governamentais,
Assuntos Estratégicos da Presidência da assessorar processos decisórios de instituições
República, o Ipea fornece suporte técnico e governamentais, além de cooperar com
institucional às ações governamentais – governos e entidades internacionais no seu
possibilitando a formulação de inúmeras políticas campo de atuação. Apesar do imenso leque de
públicas e programas de desenvolvimento ações voltadas para a elaboração de estudos
brasileiro – e disponibiliza, para a sociedade, sobre cenários, o Ipea tem pouca tradição na
pesquisas e estudos realizados por seus formulação de dados primários.
técnicos.
O trabalho atual, portanto, possui como benefício
Presidente direto o aprimoramento das funções do Instituto
Marcio Pochmann dentro da sociedade civil, tornando-se um
produtor de dados primários em nichos
Diretor de Desenvolvimento Institucional específicos de atuação. Esse novo ramo de
Fernando Ferreira atividade garantirá visibilidade e respaldo ao
Diretor de Estudos e Relações Econômicas e Ipea, concedendo-lhe maior participação no ciclo
Políticas Internacionais de planejamento, implementação e avaliação das
Mário Lisboa Theodoro políticas públicas do País.
Diretor de Estudos e Políticas do Estado, das
Instituições e da Democracia Esta pesquisa configura um sistema de
José Celso Pereira Cardoso Júnior indicadores sociais para verificação de como a
Diretor de Estudos e Políticas população avalia os serviços de utilidade pública
Macroeconômicas e o grau de importância deles para a sociedade.
João Sicsú Logo, permitirá ao Estado atuar de maneira mais
Diretora de Estudos e Políticas Regionais, eficaz e em pontos específicos da complexa
Urbanas e Ambientais cultura e demanda da população brasileira.
Liana Maria da Frota Carleial
Diretor de Estudos e Políticas Setoriais, de O Sistema de Indicadores de Percepção Social
Inovação, Regulação e Infraestrutura (SIPS) tem como finalidade servir um quadro de
Márcio Wohlers de Almeida dados sobre a percepção da população nas
Diretor de Estudos e Políticas Sociais seguintes questões: i) justiça; ii) cultura; iii)
Jorge Abrahão de Castro segurança pública; iv) serviços para mulheres e
Chefe de Gabinete de cuidados das crianças, v) bancos; vi)
Pérsio Marco Antonio Davison mobilidade urbana; vii) saúde; viii) educação; e;
Assessor-chefe de Imprensa e Comunicação ix) qualificação para o trabalho. Logo, as análises
Daniel Castro dos dados servirão como arcabouço pragmático
para otimizar a eficácia e a eficiência dos
URL: http://www.ipea.gov.br investimentos públicos diante dos serviços
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria direcionados a estes fins.

A pesquisa servirá tanto como indicador


essencial para o setor público estruturar da
melhor maneira suas ações, como também uma
forma de a sociedade civil entender o que de fato
se configura como de interesse comum e quais
os fatores mais requisitados ao Estado.

2
1. Introdução*

As primeiras análises sobre a percepção social da justiça no Brasil produzidas no


âmbito do projeto “Sistema de Indicadores de Percepção Social” (SIPS), do Ipea
mostraram ao menos três direções nas quais pesquisas de opinião pública podem
oferecer importantes subsídios a processos de reforma e modernização nesse setor1.

A primeira está associada à imagem pública das instituições da justiça. Neste


aspecto, quer pela “nota média” atribuída à justiça pelos respondentes da pesquisa (4,55
numa escala de 0 a 10), quer pela avaliação que estes fazem sobre dimensões
específicas da justiça, na qual se destaca um juízo mais negativo em relação às
dimensões rapidez, imparcialidade e honestidade, foi possível verificar que essa
imagem é relativamente frágil entre os cidadãos e que a reversão desse quadro exigirá
mais que o aumento puro e simples de sua produtividade2.

A segunda está associada à relativa constância da avaliação negativa entre


diferentes estratos da sociedade brasileira. Quando se detalha a “nota média” em função
de variáveis sociodemográficas (região, raça/etnia, sexo, escolaridade e renda), bem
como da experiência prévia dos respondentes no trato com a justiça (como autor, réu ou
sem experiência), percebe-se que, em princípio, a relativa fragilidade na imagem
pública da justiça é generalizada na população e tende a ser mais negativa entre os que
buscaram ativamente a justiça para a resolução de conflitos ou a realização de direitos3.

A terceira, por fim, está associada à identificação de novas áreas ou questões


prioritárias, tanto para estudos quanto para a formulação de políticas públicas. Exemplo
disso foi a emergência da qualidade da justiça (operacionalizada na pesquisa como
“capacidade de produzir decisões boas, que ajudem a solucionar os conflitos de forma
justa”) como tema tão impactante na melhora da percepção da área pelos entrevistados
quanto a rapidez4. Isto abre a oportunidade para que temas sempre tidos por
fundamentais na construção de uma nova política pública para a oferta da justiça –

*
O estudo foi elaborado por Fábio de Sá e Silva, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea e Chefe de
Gabinete da Presidência do Instituto. O autor agradece os comentários e sugestões de Acir Almeida às
versões anteriores deste texto.
1
SÁ E SILVA, F.; ALMEIDA, A. Percepção Social da Justiça. In: Sistema de Indicadores de Percepção
Social. Brasília: Ipea: 2010
2
Idem, p. 5-7
3
Ibidem, p. 8-11
4
Ibidem, p. 13

3
como o recrutamento e a formação de magistrados ou a busca por mais proximidade
entre as instituições e os cidadãos – retornem à agenda pública, hoje dominada por
preocupações com a aceleração dos procedimentos e a melhoria na alocação de
recursos.

Este texto refina e complementa os achados do SIPS Justiça anterior em função


de dados até então inéditos. Na Seção 2, no âmbito dos debates sobre a reputação das
instituições, apresentam-se dados sobre como a população avalia a atuação dos
segmentos constitutivos do que se pode designar o sistema de justiça – Magistratura,
Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia e Polícia Judiciária. Esta última, na
figura das polícias civis, aparece com a pior avaliação, abaixo do ponto médio da escala,
o que pode indicar uma crítica especialmente contundente dos entrevistados quanto à
investigação de crimes.

Na tentativa de compreender como a percepção da justiça se distribui entre os


vários segmentos da sociedade brasileira, a Seção 3 examina como a avaliação de cada
uma das dimensões específicas incluídas na pesquisa (rapidez, acessibilidade, custo,
qualidade, honestidade e imparcialidade) se relaciona com os atributos de região,
raça/etnia, sexo, escolaridade, renda e experiência prévia no trato da justiça (como
autor, réu ou sem experiência). Em linhas gerais, as novas análises confirmam as
anteriores, segundo as quais a avaliação negativa da justiça é generalizada na sociedade
brasileira.

No que se refere à identificação de novas áreas ou questões prioritárias de


pesquisa ou formulação de políticas, a Seção 4 analisa os hábitos dos brasileiros em
relação à justiça. Os dados confirmam uma hipótese tradicional da sociologia jurídica,
segundo a qual nem todos os conflitos têm a mesma propensão de serem judicializados.
A identificação de conflitos de mais provável ou improvável judicialização suscita
inúmeras questões, tais como: i) disporia o país de um sistema de justiça estruturado
para processar os diversos tipos de conflitos – ou, ao menos, estaria o país investindo na
estruturação de uma justiça preparada para os hábitos de judicialização dos seus
cidadãos? Ademais, ii) o que determina a opção pela judicialização desses conflitos e
não de outros? Por fim, iii) a própria compreensão, pelos respondentes, do que é um
problema e do que não é, não expressaria uma realidade de desconhecimento de direitos
relevantes – em áreas como consumidor ou contratos?

4
Por fim, como Considerações Finais, o texto faz um balanço da experiência do
projeto SIPS na área de justiça e registra desafios para uma reedição do projeto a partir
de 2011.

2. De volta às análises sobre a reputação das instituições da justiça: a investigação


como gargalo na avaliação dos cidadãos

Junto às questões indicadas em relatório anterior, a pesquisa incluiu uma questão


na qual os entrevistados eram solicitados a dizer “como [avaliavam] o trabalho de
[juízes, promotores de justiça, defensores públicos, advogados, polícia civil e polícia
federal]”: se “muito mal”, “mal”, “regular”, “bem” ou “muito bem”.

Dois eram os objetivos subjacentes a essa questão. De um lado, captar


diferenças eventualmente associadas à percepção de aspectos mais concretos do
cotidiano da justiça – quais sejam: a produção de decisões, a fiscalização da lei, a defesa
de direitos e a investigação de condutas tidas como crime, elemento fundamental à boa
administração da justiça penal. De outro, indicar aos entrevistados que a noção de
justiça com a qual se trabalhava era a de um sistema, que não se resume ao Judiciário
nem à figura dos juízes.

Os resultados da coleta de dados, traduzidos em escala de 0 a 4, estão dispostos na


Tabela 1, abaixo:

Tabela 1. Como você avalia o trabalho de cada um dos atores abaixo no


funcionamento da justiça no Brasil?
Média Nacional
Ator
(0=Muito mal, 1=Mal, 2=Regular, 3=Bem, 4=Muito bem)

Polícia Federal 2,20


Promotor 2,20
Juiz 2,14
Defensor Público 2,04
Advogado 1,96
Polícia Civil 1,81
O menor número de respostas válidas foi de 2722. Para o nível de confiança de 95%, a margem de erro é
de 0,04. Todas as diferenças são estatisticamente significativas pelo menos ao nível de 5%.

5
Da análise dos dados, percebe-se que nenhum segmento foi bem avaliado, em
média. O segmento mais bem avaliado, a Polícia Federal, alcançou 2,20, pouco superior
ao ponto médio da escala. Este desempenho tem caráter intuitivo, tendo em vista o alto
grau de exposição, geralmente com conotação positiva, de que desfrutaram as operações
da Polícia Federal na mídia no passado recente.
Ao mesmo tempo, percebe-se que o segmento com a média mais baixa – a única
rigorosamente abaixo de 2,00 – também está ligada à investigação: trata-se da Polícia
Civil, o que pode indicar, entre os cidadãos, especial desconfiança em relação à
efetividade da investigação de crimes, cuja competência é da polícia judiciária dos
estados e do Distrito Federal.

3. A distribuição socioespacial da percepção da justiça: a generalidade da crítica

Um fato marcante nos dados anteriormente divulgados era a homogeneidade,


entre a população, da avaliação negativa da justiça. Estas novas análises refinam e, no
geral, confirmam essas conclusões.

6
Avaliação da justiça em relação a...
Atributos (0=Muito mal, 1=Mal, 2=Regular, 3=Bem, 4=Muito
bem)
Rapidez Acesso Custo Decisões Justas Honestidade Imparcialidade

Sul 1,15 1,48 1,55 1,58 1,21 1,20


Sudeste 1,05 1,38 1,35 1,53 1,04 1,11
Região

Centro-Oeste 1,27 1,65 1,51 1,63 1,24 1,22


Nordeste 1,27 1,47 1,49 1,69 1,33 1,31
Norte 1,40 1,66 1,49 1,65 1,23 1,09
Masculino 1,17 1,51 1,46 1,62 1,17 1,19
Sexo

Feminino 1,20 1,46 1,43 1,59 1,18 1,18


Analfabeto a 5a. do Fundamental 1,32 1,53 1,50 1,66 1,28 1,30
Escolaridade

6a. a 9a. do Fundamental 1,20 1,49 1,44 1,58 1,17 1,15


Médio completo ou incompleto 1,11 1,42 1,43 1,56 1,13 1,08
Superior incompleto a pós-
1,01 1,50 1,40 1,62 1,08 1,20
graduação
Branca 1,17 1,51 1,46 1,60 1,18 1,20
Raça/Etnia

Preta/negra 1,16 1,39 1,32 1,54 1,21 1,21


Amarela 1,30 1,53 1,53 1,76 1,21 1,21
Parda/morena 1,20 1,46 1,45 1,60 1,16 1,15
Até 2 salários 1,26 1,46 1,48 1,68 1,27 1,22
De 2 a 5 salários 1,20 1,51 1,46 1,58 1,16 1,18
Renda

De 5 a 10 salários 1,07 1,41 1,34 1,53 1,05 1,14


De 10 a 20 salários 1,15 1,61 1,50 1,56 1,18 1,16
Mais de 20 salários 1,96 1,50 1,41 1,53 1,14 1,15
18 a 24 anos 1,18 1,54 1,45 1,63 1,23 1,18
25 a 34 anos 1,19 1,51 1,51 1,62 1,12 1,16
35 a 44 anos 1,15 1,44 1,44 1,60 1,16 1,11
Idade

45 a 54 anos 1,14 1,42 1,40 1,57 1,13 1,14


55 a 64 anos 1,26 1,51 1,46 1,62 1,24 1,31
65 anos ou mais 1,34 1,53 1,45 1,63 1,39 1,41
Média nacional 1,19 1,48 1,45 1,60 1,18 1,18

A Tabela 2, acima, apresenta a avaliação média das dimensões da justiça


segmentada pelos atributos sociodemográficos tradicionalmente considerados – região,
sexo, escolaridade, raça/etnia, renda e idade. As células em destaque dão conta das
maiores distâncias, para cima e para baixo, em relação à média nacional.

7
Em uma análise preliminar, observa-se que não há dimensão na qual a variação
de um determinado atributo sociodemográfico faça a avaliação saltar um degrau na
escala original, seja para cima, seja para baixo, em relação aos valores da média. Para
exemplificar com um caso extremo: a média nacional para “rapidez” é 1,19. Com
relação à variável “renda”, o menor valor, de 1,07, é encontrado entre os que recebem
de 05 a 10 salários mínimos; enquanto o maior valor, de 1,96, é encontrado em meio aos
que recebem mais de 20 salários mínimos. Ambos os extremos estão, no entanto, na
faixa do “mal”: nem o maior valor foi suficiente para alcançar a faixa do “regular”, nem
o menor valor chega a ocupar a faixa do “muito mal”.

Procedendo-se a análise de regressão linear multivariada, na qual os efeitos das


variáveis sociodemográficas e da experiência prévia com a justiça na condição de autor
são levados em consideração simultaneamente, tem-se que nenhuma das variáveis em
questão produz impacto máximo de sequer meia unidade (na escala de 0 a 4) sobre
qualquer uma das dimensões.

Assim, estes achados confirmam a conclusão de que a população brasileira


apresenta uma avaliação bastante crítica e generalizada sobre a justiça, tanto no seu
sentido mais amplo, como observado na atribuição de “nota média”, quanto num
sentido mais específico, associado a cada uma das dimensões que a literatura considera
relevantes.

4. Entre percepção e usos da justiça: novas questões para discussão

Um último tema merecedor de destaque para estas novas análises do SIPS


Justiça é o dos hábitos de justiciabilidade vigentes entre os brasileiros. Em particular, o
que se buscou examinar entre os respondentes da pesquisa é se a procura pela justiça
para a resolução de conflitos ou a realização de direitos está associada a atributos
sociodemográficos ou a tipos de problemas enfrentados.

De maneira geral, os tipos de problemas mais sérios relatados pelos


entrevistados seguem descritos na tabela abaixo.

8
Vou mencionar alguns tipos de problemas que as pessoas costumam enfrentar e
gostaria que você me dissesse, dentre esses, qual foi o mais sério que já enfrentou:
Problemas %
Família 24,86
Vizinhança 11,71
Relações de trabalho 15,43
Pessoas com as quais fez negócio 6,46
Empresas com as quais vez negócio 8,11
Crime e violência 10,74
Cobrança de impostos ou outros conflitos com o fisco 2,51
Previdência, assistência social ou demandas por direitos sociais 8,57
Trânsito 6,17
Imóvel ou terra 2,91
Criança e adolescente 1,26
Violência de agentes do Estado 1,09
Problemas com repartições ou empresas públicas 0,17
Total (N=1.750) 100

A análise de regressão multivariada5 demonstrou que, controlando-se pelos


demais fatores sociodemográficos, conforme Anexo I, a probabilidade de os
respondentes buscarem a justiça é maior nos casos criminais e menor nos casos
envolvendo: “empresas com as quais fez negócio”, “cobrança de impostos ou outros
conflitos com o fisco”, “vizinhança”, “pessoas com as quais já fez negócios”, ou
“previdência, assistência social ou demandas por direitos sociais”. A tabela abaixo
indica a magnitude dessa redução de probabilidade em relação a casos à categoria
“família”, tomada como referência:

5
O modelo estimado foi o Logit.

9
Quem você procurou em primeiro lugar para resolver esse problema?
Resposta: Justiça estatal (1)
Variáveis Impacto
Família —
Tipos de problemas mais graves enfrentados

Vizinhança -26,6**
Relações de trabalho -6,5
Pessoas com as quais fez negócio -25,8**
Empresas com as quais vez negócio -36,7**
Crime e violência 10,1**
Cobrança de impostos ou outros conflitos com o fisco -33,4**
Previdência, assistência social ou demandas por direitos sociais -20,5**
Trânsito -7,2
Imóvel ou terra -4,6
Criança e adolescente -16,2
Violência de agentes do Estado -6,4
Problemas com repartições ou empresas públicas -4,1

(1) Em coerência com pressupostos teóricos e metodológicos da pesquisa, duas decisões foram tomadas
nesta análise. Primeiro, utilizar a expressão “justiça estatal” para precisar melhor o campo da pesquisa,
tendo em vista a copiosa literatura sociojurídica que documenta outras formas de se produzir justiça, as
quais vão desde a mediação comunitária até os sistemas de solução de controvérsias previstos no direito
internacional e operados por organizações fora do Estado. Depois, agregar as respostas correspondentes
aos vários segmentos do sistema de justiça, quais sejam: Judiciário, Ministério Público, Advogados,
Defensores Públicos e Polícia Judiciária. A idéia é que todas essas autoridades representam canais oficiais
para a resolução de conflitos e a realização de direitos.
Impacto: mudança na probabilidade de buscar a justiça, medida em pontos percentuais.
(—): categoria de referência para cálculo das mudanças na probabilidade.
N=1.701. Mudanças na probabilidade estatisticamente significativas aos níveis de 10 e 5% estão
acompanhadas, respectivamente, dos sinais * e **.

Há muito se sabe que a justiça nem sempre é acionada pelos cidadãos para
resolver todos os conflitos6. Estes achados fazem emergir questões importantes para a
reflexão sobre como esse fenômeno ocorre no caso brasileiro. O que leva os
entrevistados a qualificarem determinadas situações como “problemas graves” e outras
não? Não seria a educação em direitos uma medida necessária para ampliar a
consciência de violação em casos como de relações de trabalho ou contratos, os quais
apresentam números modestos para uma sociedade que se torna cada vez mais
complexa, como a brasileira?

6
Ver, nesse sentido, a idéia de uma “pirâmide de litigiosidade”, defendida por SANTOS, B. et al. Os
tribunais nas sociedades contemporâneas: o caso português. Porto: Afrontamento, 1996.

10
Da mesma forma, é possível perguntar: porque alguns tipos de problema são
mais conducentes à justiça que outros? O que explica que, diante de algumas situações
típicas, os cidadãos sistematicamente não recorram à justiça? Questões de mera
conveniência pessoal, como é natural de ocorrer numa briga de vizinhos, ou
desconfiança acerca da capacidade do sistema de justiça de conhecer, processar e
decidir os conflitos? Infelizmente os dados apenas levantam essas questões, convidando
futuras investigações que cruzem mais diretamente a percepção e as atitudes dos
cidadãos em relação à justiça.

5. Considerações Finais

Explorando um novo conjunto de dados oriundos da pesquisa SIPS Justiça, este


texto se debruçou sobre três questões: i) a imagem pública da justiça perante os
cidadãos, agora vista pela avaliação destes acerca dos diferentes segmentos
constitutivos daquela – Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública,
Advocacia e Polícia Judiciária; ii) a distribuição das percepções sobre a justiça entre os
vários segmentos da sociedade brasileira, agora analisada pelo cruzamento entre a
avaliação de dimensões específicas – rapidez; acesso; custo; decisões justas;
honestidade; e imparcialidade –, atributos sociodemográficos e o fato de o respondente
ser ou já ter sido autor de ação; e iii) os hábitos de justiciabilidade dos respondentes, em
função de seus atributos sociodemográficos e dos principais problemas por eles
enfrentados.

A análise da imagem pública das instituições da justiça sugere que, na avaliação


dos entrevistados, a investigação policial nos estados e no DF é um ponto bastante
crítico no sistema. A análise da distribuição socioespacial das percepções sociais sobre
a justiça sugere que a visão crítica que marcou o relatório anterior é mesmo
generalizada na amostra da pesquisa SIPS Justiça, com exceções associadas apenas a
região e ao fato de o respondente já ter sido autor de ação na justiça – sendo que esta
última impacta negativamente a avaliação de várias dimensões. Já a análise de hábitos
de justiciabilidade mostra algumas diferenças preliminares por região e por tipo de
problema enfrentado, as quais confirmam teses canônicas da sociologia jurídica, mas
demandam pesquisas de maior fôlego.

11
Nesse sentido, é preciso levar em conta que todos os resultados do SIPS se
situam no plano da percepção, devendo ser complementados por pesquisas quantitativas
ou qualitativas que conectem percepções e atitudes e ajudem a formar um quadro
interpretativo mais sólido sobre como os cidadãos se relacionam com o sistema de
justiça7.

7
O mesmo vale para o questionamento sobre os sentidos da reforma e da modernização da justiça, que
emerge imediatamente de um projeto como o SIPS. Melhorar a percepção sobre “corrupção e
impunidade” e promover a qualidade na oferta da justiça são dois desafios nítidos na análise dos dados
antes apresentados. Mas entender as condições e possibilidades de fazê-los requer esforços distintos de
pesquisa, mais voltados a entender a política da justiça – atores, interesses e ambientes institucionais nos
quais os caminhos da justiça são desenhados. Uma iniciativa exemplar nesse sentido é de ALMEIDA, F.
N. A nobreza togada: as elites jurídicas e política da justiça no Brasil. Tese de doutoramento em ciência
política. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010.

12
Anexo I

Impacto de variáveis sociodemográficas na procura pela justiça estatal para a solução de


conflitos, controlando-se pelos tipos de problemas graves enfrentados pelos
respondentes.
Quem você procurou em primeiro lugar para resolver esse problema?
Resposta: Justiça estatal (1)
Variáveis Impacto
Sul —
Sudeste -3,4
Região

Centro Oeste -15,7**


Nordeste -5,1
Norte -24,1**
Masculino —
Sexo

Feminino 5,6**
Analfabeto a 5° ano do Fundamental —
Escolaridade

6°ano a 9° ano do Fundamental 6,6*


Médio completo ou incompleto -1,6
Superior incompleto a pós-graduação 0,8
Branca —
Raça/Etnia

Preta/negra 1,4
Amarela -15,9**
Parda/morena -2,2
Até 2 salários —
De 2 a 5 salários 1,3
Renda

De 5 a 10 salários 3,9
De 10 a 20 salários 9,7*
Mais de 20 salários 13,7*
18 a 24 anos —
25 a 34 anos 12,7**
35 a 44 anos 15,7**
Idade

45 a 54 anos 22,9**
55 a 64 anos 17,3**
65 anos ou mais 23,3**

(1) Em coerência com pressupostos teóricos e metodológicos da pesquisa, duas decisões


foram tomadas nesta análise. Primeiro, utilizar a expressão “justiça estatal” para
precisar melhor o campo da pesquisa, tendo em vista a copiosa literatura sociojurídica
que documenta outras formas de se produzir justiça, as quais vão desde a mediação
comunitária até os sistemas de solução de controvérsias previstos no direito
internacional e operados por organizações fora do Estado. Depois, agregar as respostas

13
correspondentes aos vários segmentos do sistema de justiça, quais sejam: Judiciário,
Ministério Público, Advogados, Defensores Públicos e Polícia Judiciária. A idéia é que
todas essas autoridades representam canais oficiais para a resolução de conflitos e a
realização de direitos.
Impacto: mudança na probabilidade de buscar a justiça, medida em pontos percentuais.
(—): categoria de referência para cálculo das mudanças na probabilidade.
N=1.701. Mudanças na probabilidade estatisticamente significativas aos níveis de 10 e
5% estão acompanhadas, respectivamente, dos sinais * e **.

14
15
605

ANEXO B – PESQUISA SOBRE O JUDICIÁRIO: VISÃO DO JUIZ


ISSN 1415-4765

TEXTO PARA DISCUSSÃO N° 966

JUDICIÁRIO, REFORMA E ECONOMIA:


A VISÃO DOS MAGISTRADOS

Armando Castelar Pinheiro

Rio de Janeiro, julho de 2003


ISSN 1415-4765

TEXTO PARA DISCUSSÃO N° 966

JUDICIÁRIO, REFORMA E ECONOMIA:


A VISÃO DOS MAGISTRADOS*

Armando Castelar Pinheiro**

Rio de Janeiro, julho de 2003

* Artigo preparado como parte do projeto de pesquisa “Addressing Judicial Reform in Brazil: Institutions and Constituency
Building”, realizado pelo Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp). Uma versão anterior deste
trabalho foi apresentada no seminário “Reforma do Judiciário: Problemas, Desafios e Perspectivas” [Idesp ( 2001)]. A pesquisa
contou com o apoio financeiro da Fundação Tinker e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
** Da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do IPEA e do Instituto de Economia da UFRJ.
Governo Federal TEXTO PARA DISCUSSÃO
Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão Uma publicação que tem o objetivo de
divulgar resultados de estudos
Ministro – Guido Mantega
desenvolvidos, direta ou indiretamente,
Secretário Executivo – Nelson Machado
pelo IPEA e trabalhos que, por sua
relevância, levam informações para
profissionais especializados e estabelecem
um espaço para sugestões.

As opiniões emitidas nesta publicação são de


Fundação pública vinculada ao Ministério do exclusiva e inteira responsabilidade dos autores,
não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista
Planejamento, Orçamento e Gestão, o IPEA
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou do
fornece suporte técnico e institucional às ações Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
governamentais, possibilitando a formulação
É permitida a reprodução deste texto e dos dados
de inúmeras políticas públicas e programas de
contidos, desde que citada a fonte. Reproduções
desenvolvimento brasileiro, e disponibiliza, para fins comerciais são proibidas.
para a sociedade, pesquisas e estudos
realizados por seus técnicos.

Presidente
Glauco Antonio Truzzi Arbix

Chefe de Gabinete
Persio Marco Antonio Davison

Diretor de Estudos Macroeconômicos


Ricardo Varsano

Diretor de Estudos Regionais e Urbanos


Luiz Henrique Proença Soares

Diretor de Administração e Finanças


Celso dos Santos Fonseca

Diretor de Estudos Setoriais


Mário Sérgio Salerno

Diretor de Cooperação e Desenvolvimento


Maurício Otávio Mendonça Jorge

Diretor de Estudos Sociais


Anna Maria T. Medeiros Peliano
SUMÁRIO

SINOPSE

ABSTRACT

1 INTRODUÇÃO 1

2 UMA CURTA RESENHA DA LITERATURA 4

3 DESENHO E IMPLEMENTAÇÃO DA PESQUISA DE CAMPO 8

4 AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DO JUDICIÁRIO 13

5 CAUSAS DA MOROSIDADE E DA FALTA DE PREVISIBILIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS 15

6 AVALIAÇÃO DAS PROPOSTAS DE REFORMA 31

7 VISÃO SOBRE A ECONOMIA 40

8 OBSERVAÇÕES FINAIS 43

APÊNDICE 49

BIBLIOGRAFIA 56
SINOPSE
Este artigo parte do entendimento de que uma maneira de avançar mais rapidamente
com o processo de reforma do Judiciário é aprendendo com os profissionais que mais
conhecem as suas mazelas: os próprios magistrados. Este foi o princípio que orientou
a pesquisa aqui apresentada, que buscou conhecer a visão dos magistrados sobre a
intensidade e as causas dos problemas apresentados pelo Judiciário brasileiro, suas
soluções, e sobre as relações entre o Judiciário e a economia.
O trabalho apresenta e discute os resultados desta pesquisa, debatendo
brevemente alguns dos trabalhos anteriores sobre o Judiciário brasileiro enquanto
instituição política e econômica; mostra como os magistrados avaliam o desempenho
do Judiciário brasileiro; analisa os fatores que contribuem para reduzir a agilidade e a
previsibilidade da justiça; mostra como os magistrados avaliam propostas que vêm
sendo feitas para melhorar o desempenho do Judiciário; e discute a visão dos juízes
sobre a economia.

ABSTRACT
A way to accelerate the process of judicial reform in Brazil, and reach proposals with a
significant potential to overcome current problems, is to learn with the professionals
who know most about the Judiciary: the judges themselves. This is the approach that
inspired the survey discussed in this paper, which seeks to understand how judges see
the problems faced by the Judiciary, their potential solutions, and the links between
the Judiciary and the economy. The paper discusses the design and results of the
survey; shows how judges rate the quality of Brazilian Judiciary; analyzes the factors
that contribute to judicial slowness and unpredictability; presents the view of judges
about different proposals to improve judicial performance; and discusses judges’
views about the economy.
1 INTRODUÇÃO
Em “The Mistery of Capital”, Hernando de Soto documenta o elevado valor dos
ativos detidos pelos pobres do Terceiro Mundo e analisa como a falta de
documentação e identificação desses ativos, que os tornem legais e, portanto, capazes
de securitização ou de serem utilizados como garantia em operações de crédito, os
torna “capital morto”, no sentido de que sua contribuição para a economia é
relativamente pequena, ficando restrita aos serviços diretos que advêm de sua posse.
De Soto contrasta esta situação com a dos ativos detidos por indivíduos e empresas
em países ricos, onde não apenas a posse mas também a sua propriedade são bem
definidas, permitindo explorar todo o potencial contido nesse capital. É a boa
definição dos direitos de propriedade nos países desenvolvidos, e daí a capacidade de
explorar todo o potencial do capital por eles detidos, conclui De Soto, que os
permitiu alcançar a riqueza e a prosperidade de que gozam atualmente.
Há pelo menos duas conclusões importantes sobre o processo de desenvolvi-
mento econômico que podem ser extraídas de “The Mystery of Capital”. Primeiro,
que a má definição dos direitos de propriedade reduz a contribuição do capital detido
por um país para o seu crescimento econômico, reduzindo a liquidez dos ativos e
aumentando o risco envolvido no investimento — consideravelmente em alguns tipos
de investimento. Segundo, como em geral são os ativos dos mais pobres aqueles para
os quais a propriedade é menos bem-definida, é exatamente a parcela mais pobre da
sociedade a que menos benefícios é capaz de extrair de seus ativos, o que reduz a sua
capacidade de sair do estado de pobreza.
A importância de direitos de propriedade bem-definidos e adequadamente
protegidos, e a surpreendente falta de atenção a este aspecto do processo de desenvol-
vimento, explicada por De Soto pelo fato de estarem esses tão incorporados nas
sociedades ricas que estas não percebem sua importância, já era apontada uma década
antes por Williamson (1990, p. 171), quando este enunciou pela primeira vez o
Consenso de Washington:

Nos Estados Unidos, os direitos de propriedade estão tão bem estabelecidos que a sua
importância, fundamental para a operação satisfatória do sistema capitalista, passa facilmente
despercebida. Eu suspeito, porém, que quando Washington pára para pensar sobre este assunto,
existe uma aceitação geral de que direitos de propriedade de fato são importantes. Há também
uma percepção geral de que os direitos de propriedade são altamente inseguros na América
Latina.

Há hoje uma extensa literatura, inspirada na nova economia institucionalista,


que explora conceitual e empiricamente os efeitos perversos da má definição dos
direitos de propriedade sobre o crescimento econômico.1 Ela mostra que, no limite,
alguns tipos de investimentos e transações comerciais e financeiras podem ficar
simplesmente inviáveis se esses direitos não forem suficientemente definidos e
protegidos. Ou que, alternativamente, esta situação pode levar a economias
caracterizadas por organizações muito verticalizadas, financiadas essencialmente com
recursos próprios, em que freqüentemente apenas o Estado é capaz de exercer

1. Parte dessa literatura é revista em Pinheiro (2000).

texto para discussão | 966 | jul 2003 1


atividades empresariais em setores sensíveis como infra-estrutura e finanças. As
conseqüências são baixas escalas de produção, lento crescimento da produtividade e
firmas ineficientes, incapazes de sobreviver na ausência de barreiras às importações e à
entrada de concorrentes. Um quadro que descreve bem a realidade latino-americana
em geral, e a brasileira em particular.
As reformas da década de 1990 procuraram romper esse modelo, reduzindo a
participação do Estado na economia e adotando políticas mais orientadas para o
mercado, como a privatização e a abertura ao comércio e ao investimento estran-
geiros. Progrediu-se menos, porém, na definição e na proteção dos direitos de
propriedade, a despeito das reformas regulatórias na infra-estrutura. Resultou daí que
o impacto sobre o crescimento das reformas dos anos 1990 foi muito limitado,
gerando uma razoável frustração.2 A experiência brasileira ilustra bem como as
reformas foram insuficientes para promover uma significativa expansão do
investimento agregado ou do crédito privado, a despeito de combinadas com o
controle da inflação e de terem produzido significativos ganhos de produtividade [ver
Pinheiro et alii (2001)].
Assim, ao contrário do que às vezes se argumenta, o baixo crescimento não se
deveu à adoção das reformas, mas à sua adoção apenas parcial. Em particular, a um
processo que buscou reduzir a participação do Estado na economia e dar um papel
mais relevante ao setor privado, mas sem avançar suficientemente na correção das
falhas institucionais que levaram à situação anterior. De fato, como alerta De Soto
(2000, p. 5), na ausência de reformas que garantam uma adequada proteção aos
direitos de propriedade, as demais reformas do Consenso de Washington prova-
velmente serão incapazes de promover o desenvolvimento econômico:

O investimento estrangeiro é, claro, um coisa muito boa. Quanto mais, melhor. Moedas estáveis
também são boas, assim como o livre-comércio e práticas bancárias transparentes e a privatização
de indústrias estatais e todos os outros remédios da farmacopéia do Ocidente. Ainda assim, nós
continuamos a esquecer que o capitalismo global foi tentado antes. Na América Latina, por
exemplo, as reformas dirigidas a criar sistemas capitalistas foram adotadas pelo menos quatro
vezes desde a independência da Espanha nos anos 1820. A cada vez, depois de uma euforia
inicial, os latino-americanos oscilaram de volta para longe de políticas capitalistas e orientadas
para uma economia de mercado. Estes remédios são claramente insuficientes. De fato, eles
chegam perto de ser quase irrelevantes.

Os principais instrumentos à disposição de uma sociedade moderna para


garantir os direitos de propriedade são os sistemas legal e judicial, e todo o aparato
institucional, da polícia aos registros civis, a eles associados. A importância desses
sistemas no processo de desenvolvimento é hoje amplamente reconhecida. Mas a
maior parte da literatura sobre economia e direitos de propriedade trata os sistemas
legal e Judiciário como uma única instituição, desconhecendo que são dois elementos
distintos de uma engrenagem que pode falhar se qualquer uma de suas duas partes
não funcionar direito. Em particular, muito dessa literatura tem focado nas diferenças

2. Para uma discussão sobre as reações ao impacto das reformas na América Latina, ver IADB (2002).

2 texto para discussão | 966 | jul 2003


entre os sistemas inglês de common law e os sistemas francês, alemão e escandinavo de
civil law, tratando as leis e a sua aplicação como uma única instituição.3
Mais recentemente, porém, um conjunto de trabalhos tem focado exclusi-
vamente no papel do Judiciário, reconhecendo que, dentro de um mesmo sistema
legal, a qualidade com que as leis são aplicadas pode variar significativamente,4 com
conseqüências relevantes para o funcionamento da economia [ver Pinheiro (2000),
Pinheiro e Cabral (2001), World Bank (2001) e Cabral e Pinheiro (2003)]. Vale
dizer, a compreensão dos problemas que afetam o Judiciário e o encaminhamento de
soluções para esses problemas, de forma a fortalecer os direitos de propriedade,
constituem uma maneira relevante de acelerar o desenvolvimento econômico.
O Judiciário brasileiro é uma instituição com problemas sérios [ver Faria
(1997)]. De fato, a despeito do grande aumento dos gastos públicos com a Justiça,
esta permanece lenta e distante da grande maioria da população.5 Em parte isso se
explica pelo também vertiginoso crescimento da demanda por serviços judiciais, o
que faz com que os juízes brasileiros continuem obrigados a julgar milhares de
processos todo ano.6 Neste contexto, inovações bem-sucedidas, como os Juizados
Especiais, têm sido incapazes de reverter endogenamente a precária situação em que
vive o Judiciário. Nas palavras do presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São
Paulo: “É consensual no Brasil a necessidade de uma reforma no Poder Judiciário,
única das funções estatais que não absorveu as tecnologias disponíveis e que vem se
caracterizando por inadmissível lentidão” [ver Nalini (1999)]. Essa percepção tem se
refletido nos últimos anos em um amplo conjunto de propostas de reforma,
discutidas dentro e fora do Congresso Nacional, que, não obstante, têm avançado
pouco em termos de medidas práticas.
Este trabalho parte do entendimento de que uma maneira de avançar mais
rapidamente com esse processo de reforma, e chegar-se a propostas com significativo
potencial de resolver os atuais problemas, em particular aqueles com conseqüências
mais negativas para a economia, é aprendendo com os profissionais que mais
conhecem as mazelas do Judiciário: os próprios magistrados. Esta foi a motivação da
pesquisa apresentada neste artigo promovida pelo Instituto de Estudos Econômicos,
Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp), que teve dois objetivos principais: conhecer a
visão dos magistrados sobre a intensidade e as causas dos problemas apresentados pelo
Judiciário brasileiro, e sobre as possíveis soluções para eles; e saber como os juízes,
desembargadores e ministros de tribunais superiores vêem as relações entre o
Judiciário e a economia.

3. Ver, por exemplo, La Porta et alii (1998). É o que se vê também na afirmação de Douglas North, quando este defende
que “no mundo ocidental, a evolução dos tribunais, dos sistemas legais e de um sistema judicial relativamente imparcial
tem desempenhado um papel preponderante no desenvolvimento de um complexo sistema de contratos capazes de se
estenderem no tempo e no espaço, um requisito essencial para a especialização econômica”.
4. A esse respeito, De Soto (2000, p. 12) observa que: “Desde o século XIX, as nações vêm copiando as leis do Ocidente
para dar aos seus cidadãos um aparato institucional que lhes permita criar riqueza. Eles continuam a copiar essas leis
hoje em dia, e, obviamente, isso não funciona. A maioria dos cidadãos não consegue usar a lei para converter suas
poupanças em capital. Por que isso ocorre e o que é necessário fazer para que a lei funcione permanece um mistério.”
5. Sobre o aumento de gastos com o Poder Judiciário, ver Pinheiro (2001).
6. Dados sobre o número de processos entrados e julgados nas várias esferas da Justiça podem ser obtidos no Banco
Nacional de Dados do Poder Judiciário, na página do Supremo Tribunal Federal (STF) (www.stf.gov.br).

texto para discussão | 966 | jul 2003 3


Ainda que baseado principalmente em entrevistas estruturadas junto a
magistrados brasileiros, este não é, porém, um trabalho de Sociologia do Direito. Este
também não é um texto típico de law and economics, apesar da preocupação com o
Judiciário e sua influência sobre a economia. Ele se enquadra antes na literatura
supracitada, que vê o Judiciário como instituição econômica, procurando entender
sua influência sobre o desenvolvimento econômico. Ele avança, todavia, em relação a
esses trabalhos ao pesquisar não os agentes econômicos que utilizam os serviços da
justiça, mas os próprios responsáveis pela sua administração. Com isso, ele ajuda a
compor um diagnóstico sobre os problemas do Judiciário que mais afetam a
economia e a avaliar as iniciativas que podem tornar o Judiciário uma instituição mais
eficaz e eficiente do ponto de vista econômico.
Este artigo apresenta e discute os resultados dessa pesquisa com magistrados. Ele
está estruturado em sete seções, além desta introdução. A Seção 2 discute brevemente
alguns dos trabalhos anteriores sobre o Judiciário brasileiro enquanto instituição
política e econômica, dando o cenário da análise que segue. A Seção 3 descreve o
desenho e a aplicação da pesquisa de campo. A Seção 4 mostra como os magistrados
avaliam o desempenho do Judiciário brasileiro. A Seção 5 analisa os fatores que
contribuem para reduzir a agilidade e a previsibilidade da justiça. A Seção 6 mostra
como os magistrados avaliam propostas que vêm sendo feitas para melhorar o
desempenho do Judiciário. A Seção 7 discute a visão dos juízes sobre a economia. A
Seção 8 resume as principais conclusões deste trabalho.

2 UMA CURTA RESENHA DA LITERATURA


O Judiciário brasileiro é uma instituição com problemas sérios, o mais visível dos
quais é a sua falta de agilidade, um problema que se tornou ainda mais prevalente
após a Constituição de 1988 e o grande crescimento da demanda por serviços
judiciais que a ela se seguiu. Mas esse não é o único problema. A justiça no Brasil é
freqüentemente vista como parcial e imprevisível, com conseqüências negativas, para
a economia em particular, que vão muito além das acarretadas pela demora em
resolver litígios.
Pesquisa realizada pela Vox Populi em abril de 1999 mostrou que 58% dos
entrevistados consideravam a Justiça brasileira incompetente, contra 34% que a
julgavam competente. Mais significativo ainda, 89% afirmaram ser a Justiça
demorada, em contraste com os 7% dos entrevistados que a consideravam rápida. De
fato, uma pesquisa publicada pelo IBGE em 1990 já mostrava que dois em cada três
brasileiros envolvidos em conflitos preferiam não recorrer à Justiça. Em uma outra
pesquisa, feita pelo Ibope em 1993, 87% dos entrevistados diziam que “o problema
do Brasil não está nas leis, mas na justiça, que é lenta”, e 80% achavam que “a justiça
brasileira não trata os pobres e ricos do mesmo modo”.
Pinheiro (2000) reporta o resultado de duas pesquisas com empresários que
mostram também haver entre estes um grande descontentamento com o Judiciário. A
Justiça no Brasil é vista, acima de tudo, como muito lenta, ainda que uma parcela
relevante dos empresários também reclame dos custos de acesso. As pequenas
empresas, em particular, encaram o custo de acesso à Justiça como proibitivo e só têm
contato com esta quando acionados. Um padrão semelhante também se observa para

4 texto para discussão | 966 | jul 2003


as empresas de maior porte, que procuram estruturar suas operações de forma a evitar
contato com o Judiciário, exceto pela área tributária, onde a morosidade da Justiça é
vista por uma parte (minoritária) das empresas como eventualmente benéfica. Esse
trabalho estima que uma melhoria do Judiciário brasileiro, que o levasse a trabalhar
com padrões de Primeiro Mundo, alavancaria o investimento, e através deste o
crescimento, de forma significativa. Estudos semelhantes para outros países em
desenvolvimento mostram resultados análogos, como sumariado em Cabral e
Pinheiro (2003). O mercado de crédito, em particular, é muito sensível à qualidade
da Justiça [Pinheiro e Cabral (2001)].
O descontentamento em relação à Justiça não é, porém, um fenômeno recente
ou restrito ao Brasil, mas um sentimento antigo e amplamente disseminado. Por toda
parte, severas críticas têm sido feitas ao modo de funcionamento da Justiça, inclusive
pelos próprios magistrados.7 A reforma do Judiciário ganhou, assim, alta visibilidade
no debate público; na América Latina e no Leste Europeu, por exemplo, mudanças
importantes estão sendo discutidas ou já em vias de implementação [ver Dakolias
(1999)].
No que se refere ao caso brasileiro, é consensual que as deficiências do Judiciário
decorrem de causas profundamente arraigadas — isto é, de um perfil institucional e
administrativo historicamente sedimentado. E também que os problemas decorrentes
dessa matriz histórica são acentuados pela instabilidade do arcabouço jurídico do país,
pelo arcaísmo e excessivo formalismo dos códigos de processo e pela má formação de
boa parte da magistratura e de todos aqueles que, mais amplamente, se poderia
designar como “operadores do direito”: procuradores, advogados e funcionários dos
diferentes órgãos do sistema de justiça. Na visão de muitos analistas, o Judiciário
brasileiro teria se amoldado profundamente, ou acomodado, a essas raízes históricas; a
lentidão e o caráter pesadamente burocrático e formalista de seu funcionamento
teriam, hoje, a permanência praticamente de um traço cultural, com baixa probabili-
dade de mudança com base somente em fatores endógenos. Uma conseqüência da
aceitação quase fatalista desse alegado traço cultural pelos magistrados e operadores
do direito seria o excessivo recurso a argumentos processuais, em detrimento de
decisões substantivas sobre o mérito das questões — tendência esta que reforça a
descrença de grande parte da sociedade quanto a resolver seus conflitos pela via
judicial.
Não deixa de surpreender, portanto, o contraste que se observa entre, de um
lado, o grau de insatisfação com o Judiciário e a importância e urgência que se atribui
a melhorar o seu funcionamento e, de outro, o pouco conhecimento disponível sobre
esse poder. Dos três ramos do governo, o Judiciário é, certamente, o menos estudado.
E essa constatação se aplica tanto às ciências sociais das democracias avançadas como
àquelas do Terceiro Mundo. Nas últimas, no entanto, a situação é mais séria, já que
praticamente não há tradição de estudos científicos sobre o Judiciário — lacuna
especialmente grave no caso do Brasil. Com o término do regime militar (1964-
1985) e o retorno ao estado de direito, os poucos estudos sobre o sistema legal em
nosso país se centraram prioritariamente sobre as ameaças aos direitos humanos
básicos e sobre a distribuição desigual da justiça, enfatizando questões de cor e

7. Ver, por exemplo, os artigos de magistrados de diversos países latino-americanos em Rowat, Malik e Dakolias (1995).

texto para discussão | 966 | jul 2003 5


gênero. Assim, a maior parte da bibliografia produzida no Brasil analisa o Poder
Judiciário enquanto instituição estatal, discutindo o seu papel em uma sociedade
democrática.8 Outros trabalhos têm focado a instituição em si, buscando entender o
funcionamento da justiça e conhecer melhor os operadores do direito no Brasil.9 Os
poucos trabalhos de natureza empírica referem-se em geral a sentenças. Nos últimos
anos, em particular, esta abordagem tem sido utilizada para se estudar o que se
convencionou chamar de a “judicialização da política”.10
Em particular, poucos trabalhos sobre o Judiciário brasileiro têm procurado
pesquisar a visão dos próprios juízes sobre as transformações e os desafios por que
passa essa instituição. Duas exceções importantes são os trabalhos de Sadek (1995) e
Vianna et alii (1997).11 Sadek (1995) analisa os resultados de uma pesquisa com 570
juízes das justiças estadual e federal nos Estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do
Sul, Goiás e Pernambuco, que teve como foco a opinião desses juízes sobre a
chamada “crise do Judiciário”. A pesquisa cobriu algumas das questões tratadas nas
próximas seções, e a discussão desses resultados será realizada a seguir nesse contexto.
Cabe destacar, porém, que esse trabalho pesquisa, pela primeira vez, a idéia de não-
neutralidade do juiz, que, de acordo com Vianna et alii (1997, p. 258), consiste em:

investigar se o sistema de orientação do juiz brasileiro se mantinha contido no cânon clássico do


estado de direito kelseniano — no que ele se define como um “funcionário” das leis —, ou se,
diversamente, se inclinava em favor do estado democrático de direito — conceito que embute
afinidades substantivas com as correntes do jusnaturalismo moderno, campo doutrinário
propício para que o juiz se comporte como ator no processo de mudança social.

Vale dizer:

verificar, no ato da interpretação das leis, o grau de adesão do magistrado brasileiro ao léxico do
positivismo jurídico, o seu compromisso com a noção de certeza jurídica e com o primado do
legislador sobre o seu próprio, pondo-o diante da opção: deve o juiz ‘reproduzir o direito, isto é,
explicitar por meios puramente lógico-formais o conteúdo de normas jurídicas já dadas’, ou,
alternativamente, produzi-lo? (itálico no original)

Sadek (1995) mostra que 73,7% dos juízes entrevistados “concordam


inteiramente” ou “concordam muito” com a opinião de que “o juiz não pode ser um
mero aplicador das leis, tem de ser sensível aos problemas sociais”, ainda que “apenas”
37,7% tenham se posicionado da mesma forma sobre a opinião de que “o
compromisso com a justiça social deve preponderar sobre a estrita aplicação da lei”.
Esses resultados contrastam com a visão tradicional que se tem dos juízes em um
sistema de civil law, preocupados, acima de tudo, com a correta aplicação da lei [ver
Djankov et alii (2001)]. Eles introduzem também a idéia de que a prática judiciária

8. Ver, especialmente, os artigos reunidos na Revista USP — Dossiê Judiciário (1994) de Ferraz Jr., Lima Lopes, Faria,
Koerner, Vieira e Campilongo.
9. Ver os trabalhos coligidos em Sadek (1995).
10. A esse respeito, ver Castro (1997) e Vianna et alii (1999).
11. Os resultados da pesquisa discutida por Vianna et alii (1997) são apresentados com mais detalhes em Vianna et alii
(1996).

6 texto para discussão | 966 | jul 2003


pode levar ao sacrifício da previsibilidade, isto é, da certeza jurídica, em favor da
justiça social.
A não-neutralidade dos magistrados e outras questões cobertas por Sadek (1995)
são retomadas por Vianna et alii (1997), que analisam ampla pesquisa com 3.927
magistrados, 3.166 dos quais em atividade. Os magistrados que participaram da
pesquisa distribuem-se por todas as regiões do país e pelas justiças militar, federal,
trabalhista e estadual, e 2.947 dos respondentes pertencem a este último ramo do
Judiciário. O tema da neutralidade é introduzido em duas questões da pesquisa. A
primeira delas, cujas respostas são reproduzidas na Tabela 1, mostra que 83% dos
magistrados concordam com a assertiva de que “o Poder Judiciário não é neutro, e
que em suas decisões o magistrado deve interpretar a lei no sentido de aproximá-las
dos processos sociais substantivos e, assim, influir na mudança social”. Observe-se
ainda que essa posição é amplamente majoritária entre os magistrados de primeiro e
segundo graus e entre os ministros de tribunais superiores.

TABELA 1
Identificação com a Não-Neutralidade do Judiciário
[em %]

Juízes de Juízes de Ministros


primeiro segundo em
Assinale a proposição com a qual mais se identifica Total
grau em grau em atividade e
atividade atividade inativos

1. O Poder Judiciário não é neutro; em suas decisões o magistrado


deve interpretar a lei no sentido de aproximá-la dos processos sociais
substantivos e, assim, influir na mudança social. 83,5 79,1 76,1 82,9

2. A não-neutralidade do Judiciário ameaça as liberdades e a


mudança social não deve ser objeto de apreciação por parte desse
poder. 16,5 20,9 23,9 17,1
Fonte: Vianna et alii (1996).

A segunda questão a respeito da não-neutralidade do Judiciário oferecia uma


lista de quatro tipos de atuação social não-neutra e solicitava ao magistrado indicar
aquela com a qual ele mais se identifica. Observa-se na Tabela 2 que as respostas
ficaram essencialmente polarizadas entre a terceira e a quarta opções, com uma
proporção majoritária de respostas tendendo para aquela. Assim, 62% do magistrados
identificaram-se predominantemente com a visão de que “o magistrado participa da
consolidação democrática na medida em que age como fiel intérprete da lei,
produzindo sentenças com independência das pressões sociais”. Note-se, no entanto,
que 26% dos magistrados disseram que se identificavam mais fortemente com a
proposição de que “a magistratura que, por definição, não está comprometida com a
representação de interesses deve exercer um papel ativo no sentido de reduzir as
desigualdades entre regiões, indivíduos e grupos sociais”.

texto para discussão | 966 | jul 2003 7


TABELA 2
Identificação com Tipos de Não-Neutralidade do Judiciário
[em %]

Juízes de Juízes de Ministros


primeiro segundo em
Assinale a proposição com a qual mais se identifica Total
grau em grau em atividade e
atividade atividade inativos

1. O Poder Judiciário — em uma sociedade atrasada e que favorece


políticas de clientela e de dominação patrimonial — compõe uma
elite que exerce ação pedagógica para a elevação dos padrões de
cidadania. 4,0 4,4 14,9 4,2

2. As pressões sociais em favor da igualdade, em curso no atual


processo brasileiro de democratização, podem tender a uma solução
autoritária. A magistratura, como guardiã das liberdades, preserva os
ideais igualitários em contextos democráticos. 7,7 8,2 2,1 7,7

3. A conquista do estado de direito democrático devolveu à


sociedade a capacidade de decidir sobre o seu destino, especialmente
por intermédio da representação partidária e da vida associativa. O
magistrado participa da consolidação democrática na medida em que
age como um fiel intérprete da lei, produzindo sentenças com
independência das pressões sociais. 61,7 62,2 70,2 61,9
4. A sociedade brasileira caracteriza-se por profundos desajustes
estruturais. A magistratura que, por definição, não está
comprometida com a representação de interesses, deve exercer um
papel ativo no sentido de reduzir as desigualdades entre regiões,
indivíduos e grupos sociais. 26,6 25,2 12,8 26,2
Fonte: Vianna et alii (1996).

Resulta dessas duas pesquisas uma conclusão importante, a de que o magistrado


brasileiro não acredita que cabe ao Judiciário ser neutro na aplicação da lei, não se
identificando com o papel clássico que se supõe ser o de um juiz em um sistema de
civil law, o de intérprete de um direito produzido pelo poder legislativo. Pelo
contrário, o magistrado brasileiro acredita majoritariamente que também é seu papel
“produzir” o direito. Em particular, o magistrado acredita que esse papel envolve
atuar de forma a produzir justiça social, ainda que apenas uma minoria acredite que
esse objetivo deve ser perseguido com sacrifício da estrita aplicação da lei. É, não
obstante, uma minoria bastante significativa e, portanto, representativa.

3 DESENHO E IMPLEMENTAÇÃO DA PESQUISA DE CAMPO


A pesquisa de campo foi executada através da aplicação de um questionário,
especialmente desenhado e previamente testado, a uma amostra de magistrados,
através de entrevistas pessoais, ou pelo menos com a entrega e posterior coleta do
questionário sendo feitas diretamente pelo entrevistador.12 A amostra final incluiu
741 magistrados, cobrindo o Distrito Federal e 11 estados: Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Mato
Grosso, Pará, Roraima e Goiás, pertencentes às justiças estadual, federal e do

12. Também nesse caso, porém, o entrevistador explicou os objetivos e a metodologia do projeto pessoalmente na
entrega do questionário. O recurso ao correio ou a outros meios de comunicação foi utilizado apenas de forma residual,
particularmente quando o acesso físico ao juiz selecionado se mostrou muito difícil.

8 texto para discussão | 966 | jul 2003


Trabalho, indo de juízes de primeiro grau aos ministros dos tribunais superiores. A
Tabela 3 apresenta a distribuição da amostra por unidade da federação (UF), onde o
peso de cada estado reflete essencialmente sua participação no total da magistratura
brasileira, mas em parte também a facilidade de acesso aos magistrados.
TABELA 3
Distribuição da Amostra por Unidade da Federação
Freqüência (%)

Bahia 54 7,3

Distrito Federal 69 9,3

Goiás 52 7,0

Minas Gerais 84 11,3

Mato Grosso 21 2,8

Pará 76 10,3

Pernambuco 55 7,4

Rio de Janeiro 72 9,7

Roraima 2 0,3

Rio Grande do Sul 67 9,0

Santa Catarina 43 5,8

São Paulo 145 19,6

Sem informação 1 0,1

Total 741 100,0

A pesquisa de campo foi realizada em 2000 e sua coordenação geral foi feita pelo
Idesp, a partir de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas unidades de coordenação local
foram estabelecidas em todas as UFs, com exceção de Mato Grosso e Roraima. As
entrevistas com os ministros dos Tribunais Superiores em Brasília foram feitas
diretamente pelos coordenadores do projeto, mas para os demais magistrados foram
feitas pelas equipes locais. Como esperado, os ministros de Tribunais Superiores
foram os mais difíceis de entrevistar, mas como regra o acesso aos magistrados não foi
difícil, ainda que uns poucos tenham se recusado a participar da pesquisa por
considerá-la “neoliberal” ou “concebida pelo Banco Mundial”. Mais freqüente foi o
caso dos magistrados que optaram por não participar por falta de tempo, ou que
aceitaram participar mas depois desistiram alegando excesso de trabalho. No extremo
oposto, cabe mencionar que alguns magistrados foram retirados da amostra pela
dificuldade de serem achados, em repetidas visitas, em seus escritórios. Estes também
foram poucos casos. Essas dificuldades foram comuns a todas as UFs na amostra,
ainda que em três estados tenha sido particularmente difícil entrevistar
desembargadores da Justiça estadual: São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.
A amostra foi estratificada por gênero, UF, ramo e grau da Justiça, e por estágio
da carreira, isto é, juiz titular e substituto nas justiças federal e do Trabalho e nas
diferentes entrâncias da Justiça estadual de primeiro grau. Na definição do tamanho
dessas subamostras observaram-se dois princípios. O primeiro foi o de obedecer à

texto para discussão | 966 | jul 2003 9


distribuição da magistratura de acordo com o sexo do magistrado e entre os diversos
ramos, graus e UFs.13 O segundo consistiu em procurar ter pelo menos 30
observações em cada célula resultante do cruzamento de cada par de características
citadas anteriormente. A estratificação e o objetivo de ter um número suficientemente
alto de magistrados em tantos estratos quanto possível levaram a que a proporção de
juízes federais, desembargadores e ministros fosse maior na amostra do que na
magistratura brasileira como um todo. Assim, por exemplo, a amostra inclui mais de
1/5 de todos os ministros dos Tribunais Superiores (Tabela 4), de forma que estes
respondem por 1,75% da amostra, contra uma participação de 0,55% no universo de
magistrados brasileiros.

TABELA 4
Composição da Amostra nos Tribunais Superiores
Universo Amostra Amostra/universo (%)
a
Tribunal Superior do Trabalho (TST) 17 6 35,3

Superior Tribunal de Justiça (STJ) 33 4 12,1

Supremo Tribunal Federal (STF) 11 3 27,3

Total 61 13 21,3
a
Considera apenas os magistrados trabalhistas togados.

A distribuição da amostra de trabalho por grau, ramo da Justiça, UF e gênero,


exclusive os ministros de Tribunais Superiores, é apresentada na Tabela 5. No todo, a
amostra cobre 6,5% do universo de magistrados, estando bem balanceada em termos
da distribuição por gênero — os magistrados dos sexos masculino e feminino na
amostra respondem, respectivamente, por 6,5% e 6,6% da população de magistrados
de cada sexo. Os juízes de segundo grau (desembargadores) estão super-representados
na amostra, que inclui 8,8% de todos os magistrados neste estrato. Esta sobre-
representação é particularmente alta no caso de desembargadores federais — a
amostra inclui 29,2% de todos os magistrados neste grupo — e menos pronunciada
no caso de juízes trabalhistas de segundo grau. Para o caso de desembargadores da
Justiça estadual, a proporção de magistrados na amostra é mais baixa, mas isso reflete
essencialmente o grande número desses desembargadores — a amostra inclui tanto
desembargadores estaduais quanto o total de juízes federais e trabalhistas de segundo
grau.

13. Note-se que no caso da Justiça do Trabalho só foram considerados os magistrados togados.

10 texto para discussão | 966 | jul 2003


TABELA 5
Distribuição da Amostra por Ramo, Grau e Gênero
Universo Amostra Amostra/universo (%)

Não
Juízes Juízas Total Juízes Juízas Total Juízes Juízas Total
identificado

Magistrados de segundo grau


a
Trabalhista 201 82 283 25 13 38 12,4 15,9 13,4

Federal 70 26 96 19 9 28 27,1 34,6 29,2

Estadual 1.081 81 1.162 64 4 1 69 5,9 4,9 5,9

Subtotal 1.352 189 1.541 108 26 1 135 8,0 13,8 8,8

Juízes de primeiro grau


a
Trabalhista 4.986 2.021 7.007 122 91 2 215 2,4 4,5 3,1

Federal 443 167 610 108 30 138 24,4 18,0 22,6

Estadual 1.049 918 1.967 159 62 1 222 15,2 6,8 11,3

Subtotal 6.478 3.106 9.584 389 183 3 575 6,0 5,9 6,0

Sem informação disponível quanto ao grau


a
Trabalhista 4 5 9

Federal 3 3 6

Subtotal 7 8 15

Sem informação disponível quanto ao grau e ao ramo

Subtotal 2 1 3

Total 7.830 3.295 11.125 506 217 5 728 6,5 6,6 6,5
a
Não inclui os magistrados togados.

As Tabelas 6 a 8 apresentam a distribuição da amostra por idade, anos de


experiência e forma de entrada na magistratura, três atributos para os quais não se
dispõem de informações da distribuição populacional, e para os quais as distribuições
amostrais são, portanto, resultados importantes da pesquisa. Ainda que a falta de
benchmarks internacionais dificulte uma avaliação mais concreta, os resultados
sugerem que a magistratura brasileira é relativamente jovem e com uma experiência
não muito longa no exercício da Justiça. Em relação à distribuição por idade, os
resultados mostram que metade dos magistrados tem 40 anos ou menos, e que 1/8
tem 30 anos ou menos.14 O perfil etário apresentado na Tabela 6 é muito semelhante
ao estimado por Vianna et alii (1997), ainda que a proporção de juízes com 40 anos
ou menos seja ligeiramente mais alta. Essa queda na idade mediana dos magistrados
entre as duas pesquisas fica mais clara quando se considera que a amostra de Vianna
et alii (1997) contém uma proporção muito maior de magistrados estaduais (mais
velhos que os federais e trabalhistas) do que a amostra aqui descrita. Essa

14. A idade mediana da amostra, 40 anos, provavelmente superestima ligeiramente a idade mediana da população de
magistrados, em função da sobre-representação dos juízes estaduais, que são, em média, mais velhos que os juízes
trabalhistas e federais. A idade mediana para os magistrados federais, trabalhistas e estaduais é de, respectivamente,
38, 39 e 44 anos. Vianna et alii (1997) também consideram que os juízes estaduais são, em geral, mais velhos que os
federais e trabalhistas.

texto para discussão | 966 | jul 2003 11


“juvenilização” da magistratura, na expressão de Vianna et alii (1997), é também
evidenciada por esses autores pela crescente proporção de magistrados com 30 anos
ou menos nos concursos mais recentes para a magistratura.
TABELA 6
Distribuição da Amostra por Idade
[em anos]

Intervalo de idade Freqüência (%)

25 ou menos 15 2,0

26 a 30 78 10,5

31 a 35 125 16,9

36 a 40 139 18,8

41 a 45 96 13,0

46 a 50 94 12,7

51 a 55 68 9,2

56 a 60 54 7,3

61 a 65 22 3,0

66 ou mais 21 2,8

Sem informação 29 3,9

TABELA 7
Distribuição da Amostra de acordo com o Tempo na Magistratura
[em anos]

Intervalos Freqüência (%)

Até 2 108 14,6

3a5 130 17,5

6 a 10 252 34,0

11 a 20 166 22,4

21 a 30 51 6,9

31 ou mais 21 2,8

Sem informação 13 1,8

TABELA 8
Distribuição da Amostra de acordo com a Forma de Entrada no Judiciário
Freqüência (%)

Concurso 697 94,1

Quinto OAB 16 2,2

Quinto Ministério Público 20 2,7

Outra forma 2 0,3

Sem informação 6 0,8

12 texto para discussão | 966 | jul 2003


Com relação ao número de anos na magistratura, 2/3 dos magistrados na
amostra (66,1%) indicaram exercer o cargo de juiz há dez anos ou menos e metade
destes (32,1%) ter no máximo cinco anos de experiência (Tabela 7). Ainda que esse
perfil sugira que o magistrado brasileiro tem, em geral, pouca experiência judicante,
ele aponta um magistrado mais experiente que o identificado por Vianna et alii
(1997), em cuja amostra 44,8% dos magistrados tinham até cinco anos de exercício
da magistratura. A distribuição por forma de entrada na magistratura ratifica que a
maneira mais comum de um advogado tornar-se um juiz é passando em um exame
público (Tabela 8). Assim, a participação relativamente pequena de magistrados que
ingressaram no Judiciário por indicação, seja da OAB, seja do Ministério Público, é
consistente com as expectativas, ainda que nos dois casos essas proporções sejam mais
altas que as obtidas por Vianna et alii (1997).

4 AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DO JUDICIÁRIO


De modo geral, a avaliação que os magistrados fazem do Judiciário brasileiro difere
daquela realizada pelos empresários em grau, ainda que não em relação à ordenação
dos problemas. Assim, sobressai dos resultados da pesquisa uma avaliação do
Judiciário em média de regular para boa, em contraste com uma visão em geral
negativa de parte do empresariado.15 No entanto, ambos os grupos apontam a falta de
agilidade como o problema principal do Judiciário brasileiro, vindo em seguida o
elevado custo de acesso (despesas e custas), a falta de previsibilidade e, como aspecto
mais positivo, a imparcialidade.16 Contudo, enquanto 91% dos empresários avaliaram
o Judiciário como ruim ou péssimo no que concerne à sua agilidade, “apenas” 45,3%
dos magistrados são dessa mesma opinião (Tabela 9).17
A simples métrica da Tabela 10 sugere que os magistrados avaliam a Justiça do
Trabalho de primeiro grau como o melhor ramo/grau do Judiciário, vindo em
seguida a Justiça Eleitoral.18 A Justiça estadual, por outro lado, é vista como o ramo
do Judiciário com pior desempenho, enquanto o STF vem em penúltimo. Apesar de,
em termos gerais, os magistrados ordenarem os vários ramos/graus de forma
semelhante, a avaliação comparada dos vários ramos/graus varia conforme o atributo
considerado. Em relação à agilidade, a Justiça do Trabalho aparece logo a seguir à
Eleitoral e bem à frente dos demais ramos, ficando o STF com a pior avaliação. Em
relação a custas judiciais, outros custos e previsibilidade, a Justiça estadual, que
também é mal avaliada em relação à agilidade, vem em último lugar. Os Tribunais

15. No que segue, referências às opiniões dos empresários foram extraídas de Pinheiro (2000).
16. Na pesquisa de Vianna et alii (1996), 35% e 42% dos magistrados entrevistados consideraram como problema
essencial e muito importante, respectivamente, o fato de que “o acesso à Justiça é oneroso, ocasionando uma seleção
social de seus beneficiários”, sugerindo que o custo pode ser um importante limitante do acesso ao Judiciário.
17. Nas tabelas com os resultados da pesquisa, reproduz-se ao topo a pergunta feita aos magistrados.
18. É necessário considerar esses resultados com cautela, tendo em vista que a avaliação dos diferentes ramos da Justiça
varia, sistematicamente, com o ramo a que o magistrado entrevistado pertence, de forma que as médias apresentadas
na Tabela 10 também refletem a participação relativa de cada ramo na amostra de juízes. Por exemplo, os juízes do
trabalho têm em média uma melhor avaliação da Justiça do Trabalho de primeiro grau em relação à sua agilidade (nota
média de 3,81) e à sua imparcialidade (4,36) do que as de juízes federais e estaduais (notas médias de 3,01 e 3,65 para
agilidade e imparcialidade, respectivamente).

texto para discussão | 966 | jul 2003 13


Superiores (STJ, TST e STF) são vistos como os mais previsíveis e a Justiça federal é
considerada a mais imparcial, um atributo em que o STF recebe a pior avaliação.
TABELA 9
Avaliação dos Magistrados sobre o Desempenho do Judiciário
Questão 1: “Como o(a) senhor(a) avalia o Judiciário brasileiro como um todo em relação a”
a b
Agilidade Custas Despesas Previsibilidade Imparcialidade

Freqüência (%) Freqüência (%) Freqüência (%) Freqüência (%) Freqüência (%)

Muito bom 15 2,0 39 5,3 14 1,9 41 5,5 284 38,3

Bom 85 11,5 165 22,3 111 15,0 293 39,5 333 44,9

Regular 290 39,1 314 42,4 358 48,3 251 33,9 83 11,2

Ruim 252 34,0 159 21,5 175 23,6 91 12,3 15 2,0

Muito ruim 84 11,3 47 6,3 59 8,0 45 6,1 7 0,9

Não respondeu 15 2,0 17 2,3 24 3,2 20 2,7 19 2,6


a
Despesas com advogados, peritos etc.
b
Entende-se por previsibilidade a capacidade de as partes anteciparem a decisão do Judiciário, em especial quando se trata de casos iguais ou semelhantes a
outros julgados anteriormente.

TABELA 10
Avaliação do Desempenho dos Diferentes Ramos e Instâncias do Judiciário
Questão 2: “Gostaríamos de saber como o(a) senhor(a) avalia o desempenho dos seguintes ramos da Justiça,
considerando os critérios de agilidade, custas, despesas, previsibilidade e imparcialidade.”

Ramo/grau da justiça Agilidade Custas Despesas Previsibilidade Imparcialidade

Estadual de primeiro grau 2,56 2,60 2,53 3,00 3,93

Estadual de segundo grau 2,48 2,77 2,69 3,06 3,71

Trabalhista de primeiro grau 3,34 3,71 3,34 3,28 3,94

Trabalhista de segundo grau 2,97 3,54 3,29 3,30 3,84

Eleitoral — TRE 3,36 3,61 3,67 3,21 3,62

Eleitoral — TSE 3,12 3,56 3,34 3,25 3,72

Federal de primeiro grau 2,67 3,30 3,01 3,27 4,17

Federal de segundo grau 2,49 3,31 3,06 3,31 4,01

STJ 2,61 3,24 2,95 3,35 3,86

TST 2,50 3,35 3,11 3,34 3,73

STF 2,38 3,21 2,99 3,34 3,56


Nota: Médias simples das respostas, atribuindo valor 1 a muito ruim até valor 5 a muito bom para cada ramo e atributo.

É digno de nota que esta ordenação da qualidade dos diferentes ramos/graus é


algo diferente daquela apontada pelos empresários. Por exemplo, estes vêem a Justiça
do Trabalho como o pior ramo do Judiciário e o STF como o melhor. A avaliação
apresentada na Tabela 10 também contrasta, em certa medida, com a obtida por
Sadek (1995), em cuja pesquisa os diversos ramos/órgãos do Judiciário são avaliados
na seguinte ordem (soma de avaliações “ótima” e “boa”): STJ (69,6%), Justiça
comum estadual (59,5%), STF (56,7%), Justiça eleitoral (56,3%), Justiça federal

14 texto para discussão | 966 | jul 2003


(41,1%) e Justiça do Trabalho (23,3%). É provável que, pelo menos em parte, a
avaliação mais positiva da Justiça estadual em Sadek (1995) resulte da elevada
participação de juízes estaduais em sua amostra (93% dos respondentes). Isto sugere
que as três avaliações são provavelmente influenciadas por fatores subjetivos. Futuras
pesquisas podem ajudar a elucidar este ponto com o uso de indicadores mais
objetivos do desempenho do Judiciário.

5 CAUSAS DA MOROSIDADE E DA FALTA DE


PREVISIBILIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS
5.1 MOROSIDADE
A pesquisa avaliou dois tipos de causas para a morosidade da Justiça. O primeiro diz
respeito ao grande número de casos levados aos tribunais por pessoas, empresas e
grupos de interesse, não para lutar por um direito, mas para, explorando a lentidão do
Judiciário, adiar o cumprimento de uma obrigação. Como ilustrado pelos resultados
da Tabela 11, os magistrados observam que essa é uma prática muito freqüente na
área tributária, particularmente na esfera federal. Ela também é freqüente em causas
envolvendo empréstimos, aluguéis, e disputas comerciais e trabalhistas. Isso sugere
que há espaço para desobstruir o Judiciário punindo esse tipo de comportamento, e
que medidas que agilizem o andamento de processos, particularmente na área
tributária, podem trazer ganhos significativos em termos de reduzir a carga de
trabalho dos magistrados, uma vez que desestimulariam o mau uso da Justiça.
Consistentemente com a visão de que o uso da Justiça como meio de protelar
decisões é particularmente comum em causas tributárias, os magistrados entrevistados
observam que esse tipo de comportamento também é muito freqüente de parte do
setor público, particularmente quando a União é uma das partes envolvidas (Tabela
12). Também, nesse caso, deveria se procurar implantar medidas que desencorajassem
esse tipo de comportamento, possivelmente através da mudança de normas seguidas
pelos advogados do setor público. Além disso, considerando que na maioria dos casos
em que o setor público é uma parte envolve um número limitado de disputas — os
86 mil casos julgados pelo STF em 2000 diziam respeito a pouco mais de 100 temas
diferentes —, medidas que vinculem as decisões de tribunais inferiores às decisões,
por exemplo, do STF, em casos anteriormente julgados, deveriam acelerar o trâmite
de processos e reduzir o ganho daqueles que usam o sistema Judiciário de má-fé. A
adoção de um instrumento como a súmula vinculante também tem a vantagem de
dar igual tratamento ao contribuinte e ao fisco (aqui representando os demais
contribuintes), ao contrário de remédios que limitam unilateralmente o mau uso do
Judiciário por parte do Executivo.

texto para discussão | 966 | jul 2003 15


TABELA 11
Freqüência com que Diferentes Partes Privadas Recorrem à Justiça para Postergar o
Cumprimento de Obrigações, por Área do Direito
Questão 3: “Afirma-se que muitas pessoas, empresas e grupos de interesse recorrem à justiça não para reclamar os seus
direitos, mas para explorar a morosidade do Judiciário. Na sua opinião, em que tipos de causas essa prática é mais
freqüente?”

Nunca ou Não
Muito Algo Pouco Não
quase nunca sabe/sem
freqüente freqüente freqüente respondeu
ocorre opinião

Trabalhista Freqüência 188 138 148 139 89 39

(%) 25,4 18,6 20,0 18,8 12,0 5,3

Tributária na esfera federal Freqüência 380 174 45 13 88 41

(%) 51,3 23,5 6,1 1,8 11,9 5,5

Tributária na esfera estadual Freqüência 331 206 59 10 91 44

(%) 44,7 27,8 8,0 1,3 12,3 5,9

Tributária na esfera municipal Freqüência 297 192 88 18 99 47

(%) 40,1 25,9 11,9 2,4 13,4 6,3

Comercial/econômica em Freqüência 184 256 122 23 105 51


geral
(%) 24,8 34,5 16,5 3,1 14,2 6,9

Propriedade industrial/marcas Freqüência 60 130 217 68 206 60


e patentes
(%) 8,1 17,5 29,3 9,2 27,8 8,1

Direitos do consumidor Freqüência 64 130 248 158 99 42

(%) 8,6 17,5 33,5 21,3 13,4 5,7

Meio ambiente Freqüência 60 133 221 148 133 46

(%) 8,1 17,9 29,8 20,0 17,9 6,2

Inquilinato Freqüência 150 228 166 59 87 51

(%) 20,2 30,8 22,4 8,0 11,7 6,9

Mercado de crédito (juros) Freqüência 242 204 102 28 118 47

(%) 32,7 27,5 13,8 3,8 15,9 6,3

O segundo tipo de causa potencial para a morosidade da Justiça inclui os fatores


mais diretamente relacionados à operação do Judiciário, como a carência de recursos,
a legislação e a forma de atuação dos juízes e de outros operadores do direito. Oito
dessas possíveis causas foram apresentadas aos magistrados nas entrevistas, sendo a
importância que estes atribuem a essas causas apresentada na Tabela 13. Todas, com
exceção de um hipotético “mau funcionamento do Ministério Público”, são
percebidas como muito relevantes ou relevantes pela maioria dos magistrados. Pela
ordem, as causas mais importantes são a insuficiência de recursos, as deficiências do
ordenamento jurídico, o formalismo processual exagerado e a forma de atuação dos
advogados.

16 texto para discussão | 966 | jul 2003


TABELA 12
Freqüência com que o Governo Recorre à Justiça para Postergar o Cumprimento de suas
Obrigações
Questão 4: “E o governo, com que freqüência, em seus diferentes níveis, recorre à Justiça não para defender direitos,
mas sim para retardar o cumprimento de suas obrigações?”

Muito Algo Pouco Nunca ou quase Não sabe/sem Não


freqüente freqüente freqüente nunca ocorre opinião respondeu

União Freqüência 552 118 24 14 17 16

(%) 74,5 15,9 3,2 1,9 2,3 2,2

Estados Freqüência 473 179 23 14 28 24

(%) 63,8 24,2 3,1 1,9 3,8 3,2

Municípios Freqüência 421 196 40 19 40 25

(%) 56,8 26,5 5,4 2,6 5,4 3,4

TABELA 13
Relevância de Fatores Responsáveis pela Morosidade da Justiça
Questão 12: “Diversos fatores têm sido apontados como responsáveis pela morosidade da Justiça. Na sua opinião, qual
a relevância dos seguintes fatores?”

Sem
Muito Pouco Não sabe/ Não
Relevante nenhuma
relevante relevante sem opinião respondeu
relevância

Insuficiência de recursos Freqüência 508 175 32 8 1 17


(humanos, materiais etc.)
(%) 68,6 23,6 4,3 1,1 0,1 2,3

Deficiências do ordenamento Freqüência 385 243 78 17 1 17


jurídico
(%) 52,0 32,8 10,5 2,3 0,1 2,3

Ineficiência administrativa Freqüência 216 337 148 13 2 25

(%) 29,1 45,5 20,0 1,8 0,3 3,4

Formalismo processual Freqüência 379 239 91 10 1 21


exagerado
(%) 51,1 32,3 12,3 1,3 0,1 2,8

Mau funcionamento do Freqüência 62 192 306 135 18 28


Ministério Público
(%) 8,4 25,9 41,3 18,2 2,4 3,8

Mau funcionamento dos Freqüência 207 319 154 30 6 25


cartórios
(%) 27,9 43,0 20,8 4,0 0,8 3,4

Forma de atuação dos Freqüência 308 288 107 16 1 21


advogados
(%) 41,6 38,9 14,4 2,2 0,1 2,8

Atitude passiva de juízes e Freqüência 205 313 146 52 5 20


outros operadores do direito à
morosidade do sistema judicial (%) 27,7 42,2 19,7 7,0 0,7 2,7

texto para discussão | 966 | jul 2003 17


Em relação à insuficiência de recursos, os magistrados apontam a falta de juízes
como o problema mais importante, vindo em seguida a falta de informatização e, em
terceiro lugar, a precariedade das instalações (Tabela 14).19 Esta avaliação é relati-
vamente comum aos vários estratos da amostra, mas com algumas diferenças de
intensidade. Por exemplo, as magistradas consideram esses três problemas mais
importantes do que os magistrados do sexo masculino. Juízes estaduais têm uma
avaliação mais próxima da média amostral para os três problemas, enquanto os juízes
do trabalho consideram a falta de juízes e a precária situação das instalações mais
relevantes para explicar a falta de agilidade da justiça que outros ramos do Judiciário,
com o oposto sendo verdade para os juízes federais.20 Os juízes de Mato Grosso
acham a falta de computadores e a situação precária das instalações judiciais quase tão
importantes quanto o número insuficiente de juízes, enquanto os magistrados de
Santa Catarina acham que esses problemas não são relevantes.

TABELA 14
Importância da Insuficiência de Recursos
Questão 13: “Com relação à insuficiência de recursos, qual a importância dos seguintes fatores para explicar a
morosidade da Justiça?”
Muito Importante Pouco Sem nenhuma Não sabe / Não respondeu
importante importante importância sem opinião

Número insuficiente de Freqüência 595 101 23 3 1 18


juízes
(%) 80,3 13,6 3,1 0,4 0,1 2,4

Falta de informatização Freqüência 446 235 33 6 1 20

(%) 60,2 31,7 4,5 0,8 0,1 2,7

Precariedade das Freqüência 382 243 87 8 0 21


instalações
(%) 51,6 32,8 11,7 1,1 0,0 2,8

O grande problema com o ordenamento jurídico cível vigente no país está na


legislação processual, tanto em relação aos muitos meios de protelar decisões, como
no que respeita à possibilidade de recurso a um número excessivo de instâncias,
considerados por cerca de 80% dos magistrados que responderam à questão 14 como
causas muito importantes da morosidade da Justiça no Brasil (Tabela 15). Assim,
ainda que uma parcela importante dos magistrados tenha mostrado que problemas
com a legislação substantiva são relevantes para explicar a morosidade do Judiciário,
particularmente no que concerne a seu anacronismo e a sua instabilidade, esses

19. É interessante observar que na pesquisa realizada por Sadek (1995) a informatização dos serviços judiciários foi
apontada por 93,2% dos magistrados como muito ou extremamente importante para agilizar o Judiciário. Os resultados
da Tabela 14 sugerem que, ainda que tenha permanecido muito relevante, esse problema perdeu um pouco de sua
urgência na segunda metade da década de 1990, em função possivelmente de progressos nessa área em algumas
comarcas e tribunais.
20. A maior importância dada pelos juízes trabalhistas a esses dois problemas é parcialmente explicada por uma
participação das magistradas na amostra de juízes trabalhistas maior que a observada para os juízes federais e
estaduais. Para o precário estado das instalações judiciais, essa diferença na composição da amostra explica quase toda
a diferença entre os juízes trabalhistas e os de outros ramos. Contudo, mesmo depois de controlar para o efeito do sexo
da magistrada, tem-se que os juízes trabalhistas acham o número insuficiente de juízes mais relevante para explicar a
morosidade da Justiça do que os juízes em outros ramos.

18 texto para discussão | 966 | jul 2003


problemas são percebidos como claramente secundários quando comparados às falhas
existentes na legislação processual. Essa conclusão é reforçada pela constatação de que
a maioria dos respondentes (51,1%) considera o excessivo formalismo processual do
Judiciário brasileiro uma causa muito importante da morosidade judicial.21

TABELA 15
Importância de Problemas no Ordenamento Jurídico Cível
Questão 14: “Com relação ao vigente ordenamento jurídico cível, o que lhe parece relevante para explicar a morosidade
da Justiça?”

Muito Relevante Pouco Sem Não sabe / Não


relevante relevante nenhuma sem opinião respondeu
relevância

Legislação substantiva

Instabilidade Freqüência 208 235 195 48 22 33

(%) 28,1 31,7 26,3 6,5 3,0 4,5

Anacronismo Freqüência 210 284 152 39 20 36

(%) 28,3 38,3 20,5 5,3 2,7 4,9

Existência de contradições Freqüência 125 236 249 74 20 37

(%) 16,9 31,8 33,6 10,0 2,7 5,0

Inadequação Freqüência 179 282 177 47 23 33

(%) 24,2 38,1 23,9 6,3 3,1 4,5

Legislação processual

Muitas possibilidades de Freqüência 578 105 20 2 6 30


protelar decisões
(%) 78,0 14,2 2,7 0,3 0,8 4,0

Possibilidade de recurso a Freqüência 567 112 26 3 6 27


um número excessivo de
(%) 76,5 15,1 3,5 0,4 0,8 3,6
instâncias

As respostas à questão 15 ratificam a conclusão tirada da Tabela 13, de que a


ineficiência administrativa tem uma importância apenas secundária para explicar a
morosidade da justiça. Tal constatação também é válida para as três explicações
apresentadas na Tabela 16, em que se destacam a falta de uma administração ativa de
casos e a má gestão do fluxo físico de processos. Das três, a falta de uma adminis-
tração ativa de casos é vista como o problema mais relevante, mas ainda assim de
importância secundária quando comparada à falta de recursos ou às falhas na
legislação processual. A importância, em certo sentido, secundária desse problema é
consistente com os 59,1% dos magistrados pesquisados por Sadek (1995), que
consideraram ser o fato de os “juízes estarem sobrecarregados com tarefas que
poderiam ser delegadas” um obstáculo muito ou extremamente importante ao bom
funcionamento do Judiciário, ou seja, uma proporção elevada mas inferior à de
magistrados que têm a mesma opinião sobre outros problemas (ver Tabela 16).

21. Os juízes trabalhistas acham esse problema um pouco menos relevante do que os magistrados estaduais e federais.

texto para discussão | 966 | jul 2003 19


TABELA 16
Importância de Problemas Administrativos
Questão 15: “Com relação à ineficiência administrativa, quais dos seguintes fatores o(a) senhor(a) considera que são
importantes para explicar a morosidade da Justiça?”

Muito Importante Pouco Sem nenhuma Não sabe/ Não


importante importante importância sem opinião respondeu

Ausência de uma Freqüência 252 293 127 35 14 20


a
administração ativa de casos
(%) 34,0 39,5 17,1 4,7 1,9 2,7

Má gestão do fluxo físico de Freqüência 201 362 122 27 8 21


processos
(%) 27,1 48,9 16,5 3,6 1,1 2,8

Lentidão na notificação das Freqüência 184 315 181 30 7 24


partes
(%) 24,8 42,5 24,4 4,0 0,9 3,2
a
Por exemplo, agrupando e decidindo em conjunto processos com o mesmo conteúdo.

A importância secundária atribuída à ineficiência administrativa foi, em parte,


uma surpresa, pois estudos realizados pelo Banco Mundial apontavam que os juízes
brasileiros despendiam 65% de seu tempo em atividades não-judicantes [ver Dakolias
(1999, p. 8, nota de rodapé 31)]. Segundo os próprios magistrados, porém, 3/4 deles
não gastam mais do que 30% do seu tempo em atividades administrativas, com
somente 5,1% dos entrevistados ocupando mais de 50% do seu tempo com essas
atividades (Tabela 17). Dos motivos que levam os juízes a despender uma significati-
va parcela de seu tempo em trabalhos administrativos, o arcaísmo das práticas admi-
nistrativas é apontado como o mais importante, vindo em seguida a falta de preparo
dos funcionários e de treinamento dos juízes nesse tipo de atividade (Tabela 18).

TABELA 17
Proporção do Tempo Gasto do Magistrado em Atividades Administrativas
Questão 17: “Estima-se que, no Brasil, os juízes gastem muito do seu tempo em atividades administrativas. Já na
Alemanha e em Cingapura, por exemplo, os juízes dedicam todo o seu tempo a atividades judicantes. Gostaríamos de
saber, no seu caso, que proporção do seu tempo o(a) senhor(a) gasta em atividades administrativas?”

Freqüência (%)

Menos de 15% 294 39,7

Entre 15% e 30% 263 35,5

Entre 30% e 50% 110 14,8

Entre 50% e 70% 29 3,9

Mais de 70% 9 1,2

Não sabe/não tem uma opinião formada a respeito 14 1,9

Não respondeu 22 3,0

20 texto para discussão | 966 | jul 2003


TABELA 18
Importância de Fatores que Levam o Juiz a Ocupar-se de Tarefas Administrativas
Questão 18: “Que importância o(a) senhor(a) atribui aos seguintes fatores como causas da significativa parcela de
tempo que os juízes brasileiros gastam em tarefas administrativas?”

Muito Importante Pouco Sem nenhuma Não sabe/ Não


importante importante importância sem opinião respondeu

Falta de treinamento Freqüência 192 307 162 38 15 27


específico dos juízes em
(%) 25,9 41,4 21,9 5,1 2,0 3,6
questões administrativas

Falta de preparo dos Freqüência 273 334 79 21 8 26


funcionários
(%) 36,8 45,1 10,7 2,8 1,1 3,5

Arcaísmo das práticas Freqüência 351 280 59 20 7 24


administrativas
(%) 47,4 37,8 8,0 2,7 0,9 3,2

Desejo dos juízes de Freqüência 132 258 221 90 16 24


controlar o que ocorre em
(%) 17,8 34,8 29,8 12,1 2,2 3,2
suas comarcas ou tribunais

A forma de atuação dos advogados é percebida pelos magistrados como um fator


muito importante para explicar a lentidão da Justiça (Tabela 19). Destaca-se como
prejudicial nessa forma de atuação a tendência dos advogados a estender a duração
dos litígios e a sua falta de preparo técnico, a qual, na visão de vários magistrados
entrevistados, por vezes causa também a má representação de seus clientes. Juízes dos
três ramos do Judiciário mostraram uma avaliação semelhante sobre a relevância da
preferência dos advogados por dilatar a duração das disputas como explicação para a
morosidade da Justiça, enquanto os juízes estaduais se mostraram mais críticos em
relação à falta de treinamento adequado dos advogados e os juízes federais deram
maior importância à atitude excessivamente antagonista deles.

TABELA 19
Importância do Desempenho dos Advogados como Causa da Morosidade da Justiça
Questão 16: “No que se refere à forma de atuação dos advogados, que fatores, em sua opinião, ajudam a explicar a
morosidade da Justiça?”
Muito Importante Pouco Sem nenhuma Não sabe / Não
importante importante importância sem opinião respondeu

Falta de preparo técnico Freqüência 426 237 51 5 0 22

(%) 57,5 32,0 6,9 0,7 0,0 3,0

Atitude excessivamente Freqüência 237 283 165 26 5 25


antagonista
(%) 32,0 38,2 22,3 3,5 0,7 3,4

Preferência por estender a Freqüência 440 210 60 8 1 22


duração dos litígios
(%) 59,4 28,3 8,1 1,1 0,1 3,0

texto para discussão | 966 | jul 2003 21


Sadek (1995) também pesquisou a visão dos magistrados sobre os obstáculos ao
bom funcionamento do Judiciário (Tabela 20) e às causas da morosidade da Justiça
em particular (Tabela 21). Seus resultados confirmam a importância atribuída pelos
magistrados à falta de recursos, aí incluídos recursos materiais e humanos; ao
excessivo formalismo dos procedimentos judiciais; à excessiva facilidade de recorrer-se
a instâncias superiores; ao interesse das partes, inclusive o setor público, de prolongar
a duração dos processos; e ao despreparo dos advogados. No todo, um diagnóstico
muito semelhante ao obtido na pesquisa aqui apresentada, e que, como observado
pela autora, atribui pouca responsabilidade aos juízes propriamente ditos pela
morosidade da Justiça.

TABELA 20
Obstáculos ao Bom Funcionamento do Judiciário
[em %]
a
Fatores Importância

Falta de recursos materiais 85,6

Excesso de formalidades nos procedimentos judiciais 82,3

Número insuficiente de juízes 81,1

Número insuficiente de varas 76,3

Legislação ultrapassada 67,4

Elevado número de litígios 66,5

Despreparo dos advogados (causas mal propostas etc.) 64,0

Grande número de processos irrelevantes 59,3

Juízes sobrecarregados com tarefas que poderiam ser delegadas 59,1

Instabilidade do quadro legal 53,2

Insuficiência na formação do juiz 38,9

Extensão das comarcas 26,8

Curta permanência dos juízes nas comarcas 25,2


Fonte: Sadek (1995).
a
Soma das respostas “extremamente importante” e “muito importante”.

Padrão semelhante de visões é reportado por Vianna et alii (1996). Assim, 74%
dos magistrados consultados concordam muito com a afirmação de que “a percepção
corrente de ‘crise do Poder Judiciário’ decorre da sua estrutura, que, não se tendo
modernizado em virtude da ausência de recursos e de pessoal qualificado, tornou os
seus serviços morosos e caros”. Além disso, 92% dos respondentes concordaram
fortemente (soma de “essencial” e “muito importante”) com a assertiva de que “juízes
sobrecarregados ou dispondo de poucos recursos materiais constituem-se obstáculos à
maior eficiência da atividade judicial”. Da mesma forma, 42% e 44% dos magis-
trados apontaram que o excesso de formalidades, característico dos procedimentos
judiciais, é uma causa “essencial” ou “muito importante”, respectivamente, das
dificuldades atuais do Poder Judiciário. Além disso, “o comportamento ineficiente de
agentes externos [ao Judiciário], tais como o Ministério Público, os advogados, a
polícia, os serviços de perícia etc.”, foi considerado um problema essencial ou muito

22 texto para discussão | 966 | jul 2003


importante por 27% e 41%, respectivamente, dos magistrados consultados por
Vianna et alii (1996). De novo, um diagnóstico semelhante ao aqui obtido, ainda que
não centrado diretamente na questão da morosidade.

TABELA 21
Causas da Morosidade da Justiça
[em %]
a
Fatores Importância

Alto número de recursos 73,2

Interesse dos advogados 58,4

Interesse das partes envolvidas no processo 53,5

Lentidão dos Tribunais de Justiça 49,1

Interesse do Poder Executivo 48,2

Comportamento da polícia/delegacia 43,7

Comportamento dos cartórios 40,7

Morosidade dos juízes 35,6

Intervenção excessiva da promotoria 17,9


Fonte: Sadek (1995).
a
Soma das respostas “extremamente importante” e “muito importante”.

5.2 FALTA DE PREVISIBILIDADE


Como em relação à morosidade, o problema da falta de previsibilidade das decisões
judiciais foi analisado tanto em relação à forma de funcionamento da Justiça como no
que se refere a fatores, em certa medida, externos ao Poder Judiciário. Destes, dois
fenômenos têm sido freqüentemente apontados como importantes: a “judicialização”
do conflito político e a “politização” do Judiciário. Entende-se o primeiro como a
tendência de os poderes políticos transferirem para o Judiciário disputas de caráter
eminentemente político, que não são resolvidas nas esferas apropriadas. Um caso
particular mas muito importante desse fenômeno diz respeito ao processo legislativo,
onde, na incapacidade de produzir maiorias que permitam aprovar leis bem-definidas,
aprovam-se textos gerais e por vezes ambíguos, que é o máximo factível em uma arena
política muito fragmentada. Transfere-se depois o ônus de clarificar e resolver essas
ambigüidades ao Judiciário, que fica responsável por arbitrar conflitos políticos, em
vez de simplesmente aplicar a lei.22
Os magistrados consideram que a “judicialização” da política ocorre ocasional ou
freqüentemente, mas que não é um fenômeno muito comum (Tabela 22). Muitos
argumentaram que esse tipo de acontecimento fica em geral restrito aos Tribunais
Superiores, sendo menos comum na primeira e segunda instâncias. Este resultado é
consistente com a proporção relativamente pequena (29,8%) de juízes que apontou as
deficiências no ordenamento cível e judicial como muito relevantes para explicar a

22. Além disso, como observam Vianna et alii (1997, p. 12): “Importa destacar que a ambigüidade constitutiva da Carta
de 1988, adotando o presidencialismo depois de ter incorporado muitas das instituições do regime parlamentarista,
também favoreceu essa nova centralidade assumida pelo Judiciário, levando-o a decidir os impasses institucionais entre
o Executivo e o Legislativo.”

texto para discussão | 966 | jul 2003 23


falta de previsibilidade. Nesse sentido, a visão predominante entre os magistrados é de
que a “judicialização” da política é, provavelmente, mais relevante para o sistema
político do que para explicar os problemas com que se defronta o Judiciário.

TABELA 22
Freqüência com que os Magistrados São Chamados a Resolver Conflitos Políticos
Questão 5: “Argumenta-se que nos últimos anos os juízes têm arcado com o ônus de decidir sobre questões que são de
caráter essencialmente político, e que, portanto, deveriam ser resolvidas pelos poderes políticos. Na sua opinião, com
que freqüência isso ocorre?”

Freqüência (%)

Muito freqüentemente 63 8,5

Freqüentemente 249 33,6

Ocasionalmente 283 38,2

Raramente 89 12,0

Nunca 23 3,1

Não sabe/sem opinião 18 2,4

Não respondeu 16 2,2

Enquanto a “judicialização” da política, em particular a transferência para o


Judiciário da responsabilidade por tornar a legislação mais precisa e consistente, é
uma fonte de imprevisibilidade imposta de fora para dentro, o seu fenômeno dual, a
“politização” das decisões judiciais, resulta eminentemente de um posicionamento
dos próprios juízes. Nossas pesquisas mostraram que esse posicionamento pode
traduzir uma tentativa de favorecer grupos sociais mais fracos, como trabalhadores e
pequenos devedores [ver Pinheiro (2000) e Pinheiro e Cabral (2001)], ou
simplesmente a visão política do juiz sobre a questão em disputa. Na visão da maioria
dos magistrados entrevistados, este último é um fenômeno real, mas que ocorre
apenas ocasionalmente; para 20% dos juízes, porém, ele ocorre freqüentemente
(Tabela 23). Ainda que na ausência de padrões internacionais de comparação seja
difícil julgar se essas são proporções baixas ou altas, elas são certamente altas o
suficiente para que a “politização” das decisões judiciais seja considerada uma
importante explicação de por que em certos casos diferentes juízes chegam a decisões
conflitantes em casos muito semelhantes.
É nas decisões envolvendo a privatização que a visão política do magistrado
influencia com mais freqüência o comportamento do juiz: de acordo com 25% dos
entrevistados, nesses casos a “politização” das decisões é muito freqüente, e para 31%
deles ela é algo freqüente (Tabela 24). Para apenas 5,5% dos magistrados a
“politização” nunca ou quase nunca ocorre em decisões envolvendo a privatização.
Em um grau um pouco menor, a “politização” se mostra freqüente também em
causas trabalhistas, nas relacionadas ao meio ambiente e naquelas envolvendo a
regulação de serviços públicos. As áreas em que a “politização” é menos comum são as
que envolvem questões comerciais e de propriedade industrial, isto é, as mais
diretamente ligadas às relações entre empresas. Note-se, porém, que ela é
significativamente mais freqüente em casos envolvendo operações de crédito do que

24 texto para discussão | 966 | jul 2003


em outras operações comerciais, o que ratifica a visão de que o mercado de crédito é
particularmente afetado por esse posicionamento dos juízes [ver Pinheiro e Cabral
(2001)].

TABELA 23
Freqüência com que as Decisões Judiciais Refletem a Visão Política dos Magistrados
Questão 6: “No sentido oposto, argumenta-se que também o Judiciário se “politizou” muito nos últimos anos, o que faz
com que, por vezes, as decisões sejam baseadas mais nas visões políticas do juiz do que em uma leitura rigorosa da lei.
Na sua opinião, com que freqüência isso ocorre?”

Freqüência (%)

Muito freqüentemente 29 3,9

Freqüentemente 150 20,2

Ocasionalmente 372 50,2

Raramente 148 20,0

Nunca 14 1,9

Não sabe/sem opinião 12 1,6

Não respondeu 16 2,2

A “politização” também resulta, como já observado, da tentativa de alguns


magistrados de proteger certos grupos sociais vistos como a parte mais fraca nas
disputas levadas aos tribunais. Os próprios magistrados freqüentemente se referem a
esse posicionamento como refletindo um papel de promover a justiça social que cabe
aos juízes desempenhar, como discutido na Seção 2. Para examinar a relevância desse
fator perguntou-se aos juízes se, levados a optar entre duas posições extremas,
respeitar sempre os contratos, independentemente de suas repercussões sociais (A), ou
tomar decisões que violem os contratos na busca da justiça social (B), uma larga
maioria dos entrevistados (73,1%) optaria por essa segunda alternativa (Tabela 25).
Note-se que essa ampla maioria contrasta com a proporção elevada mas minoritária
de magistrados que mostrou que “o compromisso com a justiça social deve
preponderar sobre a estrita aplicação da lei” [Sadek (1995)]. Duas interpretações são
plausíveis para explicar essa diferença. Primeiro, que a posição dos juízes que pensam
ser seu papel fazer justiça, independentemente da estrita observância das bases legais
para isso, tenha crescido à medida que o debate político evoluiu nos últimos anos da
consolidação da democracia para as desigualdades sociais. Segundo, que o respeito aos
contratos seja, é claro, menor que às leis, até porque estas dão grande latitude ao juiz
na hora de julgar a aplicação de um contrato, ficando esta muito dependente da
cultura prevalecente na magistratura que, a julgar pelos resultados da Tabela 25,
valida esse tipo de atitude.

texto para discussão | 966 | jul 2003 25


TABELA 24
Freqüência da “Politização” das Decisões Judiciais por Tipos de Causas
Questão 7: “Em sua opinião, em que tipos de causas essa tendência a que as decisões sejam baseadas mais nas visões
políticas do juiz do que na leitura rigorosa da lei é mais freqüente?”

Muito Algo Pouco Nunca ou quase Não sabe/ Não


freqüente freqüente freqüente nunca ocorre sem opinião respondeu

Trabalhista Freqüência 126 208 192 89 79 47

(%) 17,0 28,1 25,9 12,0 10,7 6,3

Tributária Freqüência 78 208 254 73 68 60

(%) 10,5 28,1 34,3 9,9 9,2 8,1

Comercial Freqüência 24 107 323 124 93 70

(%) 3,24 14,44 43,59 16,73 12,55 9,45

Propriedade industrial Freqüência 14 78 260 149 168 72

(%) 1,9 10,5 35,1 20,1 22,7 9,7

Direitos do consumidor Freqüência 89 219 191 99 81 62

(%) 12,0 29,6 25,8 13,4 10,9 8,4

Meio ambiente Freqüência 127 209 164 81 92 68

(%) 17,1 28,2 22,1 10,9 12,4 9,2

Inquilinato Freqüência 36 113 260 168 95 69

(%) 4,9 15,2 35,1 22,7 12,8 9,3

Previdenciária Freqüência 109 232 201 71 69 59

(%) 14,7 31,3 27,1 9,6 9,3 8,0

Mercado de crédito (juros) Freqüência 89 203 199 76 108 66

(%) 12,0 27,4 26,9 10,3 14,6 8,9

Privatização Freqüência 185 233 130 41 88 64

(%) 25,0 31,4 17,5 5,5 11,9 8,6

Regulação de serviços Freqüência 133 241 155 55 96 61


a
públicos
(%) 17,9 32,5 20,9 7,4 13,0 8,2
a
Inclui a regulação pelo setor público de setores como eletricidade, telecomunicações, rodovias, ferrovias, portos, água e saneamento.

Um modelo Probit construído tomando as respostas à questão 8 como variável


dependente e os vários atributos dos respondentes como variáveis explicativas mostra
que os resultados anteriores permanecem os mesmos quando se controla para o
gênero e o estágio na carreira (isto é, primeiro grau versus segundo grau) do
magistrado. A idade, o estado onde o juiz atua e se ele pertence à Justiça estadual ou a
outro ramo da Justiça são as variáveis que parecem influenciar a opção pelas
alternativas A ou B (ver Modelo 1 no Apêndice).23 A análise cruzada das respostas à
questão 8, considerando essas três variáveis (Tabela 26), mostra que os juízes mais
velhos (> 40 anos) e da Justiça estadual têm uma probabilidade cerca de 10 pontos
percentuais mais alta de optar pela alternativa A do que juízes jovens e das justiças

23. Diferenças em relação aos anos de experiência não são significativas quando se controla para a idade do magistrado.

26 texto para discussão | 966 | jul 2003


federal e do Trabalho. Além disso, os juízes do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de
Janeiro e Distrito Federal são duas vezes mais propensos a optar pela alternativa A do
que aqueles de outros estados. Porém, em que pesem essas diferenças, a opção pela
alternativa B é largamente majoritária em todos os grupos.

TABELA 25
Opção entre Garantir Cumprimento de Contratos e Busca da Justiça Social — Ponto de
Vista dos Magistrados
Questão 8: “Na aplicação da lei, existe freqüentemente uma tensão entre contratos, que precisam ser observados, e os
interesses de segmentos sociais menos privilegiados, que precisam ser atendidos. Considerando o conflito que surge
nesses casos entre esses dois objetivos, duas posições opostas têm sido defendidas: A. Os contratos devem ser sempre
respeitados, independentemente de suas repercussões sociais; B. O juiz tem um papel social a cumprir, e a busca da
justiça social justifica decisões que violem os contratos. Com qual das duas posições o(a) senhor(a) concorda mais?”

Freqüência (%)

Concorda mais com a primeira (A) 146 19,7

Concorda mais com a segunda (B) 542 73,1

Não sabe / sem opinião 21 2,8

Não respondeu 32 4,3

TABELA 26
Distribuição das Opções entre Cumprimento de Contratos e Justiça Social por Idade,
Ramo e UFa

Idade, ramo e UF onde o magistrado Resposta à questão 8


trabalha Opção A Opção B Total

Idade < 40 Freqüência 53 272 325

(%) 16,3 83,7 100,0

Idade ≥ 40 Freqüência 93 270 363

(%) 25,6 74,4 100,0

Justiça estadual Freqüência 75 201 276

(%) 27,2 72,8 100,0

Outros ramos Freqüência 71 341 412

(%) 17,2 82,8 100,0

Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Freqüência 93 223 316


Janeiro e Distrito Federal
(%) 29,4 70,6 100,0

Outros estados Freqüência 53 319 372

(%) 14,2 85,8 100,0

Total Freqüência 146 542 688

(%) 21,2 78,8 100,0


a
A questão 8 e suas opções de resposta estão na Tabela 25. Note-se que esta tabela considera apenas as respostas em que houve opção ou pela alternativa
A ou pela B.

texto para discussão | 966 | jul 2003 27


A proporção de juízes que concordam mais com a posição B “o juiz tem um
papel social a cumprir, e a busca da justiça social justifica decisões que violem os
contratos” também varia conforme a área a que se refere a causa, sendo mais forte em
disputas envolvendo direitos do consumidor, meio ambiente e disputas trabalhistas e
previdenciárias (Tabela 27). Por outro lado, os magistrados posicionaram-se
majoritariamente a favor da necessidade de respeitar contratos quando se trata de
causas comerciais. Note-se que este é, essencialmente, o mesmo padrão observado na
Tabela 24, que reporta a freqüência com que os juízes identificam as decisões
judiciais como sendo “politizadas”. Mais uma vez, e também de forma consistente,
nota-se que a politização ou não-neutralidade do magistrado é algo mais comum em
casos envolvendo operações de crédito do que em causas comerciais em geral.

TABELA 27
Distribuição das Opções entre Cumprimento de Contratos e Busca de Justiça Social por
Área do Direito
Questão 9: “Em que tipos de causas, em sua opinião, deve prevalecer a posição A (contratos devem ser sempre
respeitados) ou a posição B (a busca da justiça social às vezes justifica decisões que violem os contratos)?”
Deve Em geral As duas Em geral A posição
sempre pre- deve pre- posições têm deve pre- B deve Não sabe/ Não
valecer a valecer a igual chance valecer a sempre sem opinião respondeu
posição A posição A de prevalecer posição B prevalecer

Trabalhista Freqüência 68 82 176 280 59 35 41

(%) 9,2 11,1 23,8 37,8 8,0 4,7 5,5

Comercial Freqüência 125 243 185 78 20 42 48

(%) 16,9 32,8 25,0 10,5 2,7 5,7 6,5

Direitos do Freqüência 50 73 136 305 105 31 41


consumidor
(%) 6,7 9,9 18,4 41,2 14,2 4,2 5,5

Meio ambiente Freqüência 61 59 115 273 139 47 47

(%) 8,2 8,0 15,5 36,8 18,8 6,3 6,3

Inquilinato Freqüência 96 196 203 139 29 35 43

(%) 13,0 26,5 27,4 18,8 3,9 4,7 5,8

Previdenciária Freqüência 74 104 156 241 71 48 47

(%) 10,0 14,0 21,1 32,5 9,6 6,5 6,3

Mercado de crédito Freqüência 100 183 176 128 46 64 44

(%) 13,5 24,7 23,8 17,3 6,2 8,6 5,9

Regulação de Freqüência 86 111 199 171 76 55 43


serviços públicos
(%) 11,6 15,0 26,9 23,1 10,3 7,4 5,8
Fonte: Idesp.

Vários magistrados, quando apresentados aos resultados da Tabela 25,


apontaram que esse posicionamento refletia o anseio da sociedade por mais justiça
social, o qual validaria a perspectiva flexível com que os juízes interpretam os
contratos. Não é esta, porém, a conclusão que se extrai da Tabela 28, pelo menos na

28 texto para discussão | 966 | jul 2003


medida em que se toma a visão das elites como representativa do posicionamento
predominante na sociedade brasileira. Nessa tabela, apresentam-se as respostas à
mesma pergunta feita nesta pesquisa aos magistrados, mas desta feita posta por
Bolívar Lamounier e Amaury de Souza a uma amostra estratificada de representantes
de vários segmentos da elite brasileira. Como se vê, o respeito aos contratos,
independentemente de suas conseqüências distributivas, é o valor predominante na
sociedade brasileira, com as respostas dos membros do Judiciário e do Ministério
Público destoando inteiramente das dos outros segmentos, exceto pelos represen-
tantes sindicais, religiosos e membros de ONGs.

TABELA 28
Opção entre Garantir Cumprimento de Contratos e Busca da Justiça Social — Ponto de
Vista das Elites
Questão: “Na aplicação da lei, existe freqüentemente uma tensão entre contratos, que precisam ser observados, e os
interesses de segmentos sociais menos privilegiados, que precisam ser atendidos. Considerando o conflito que surge
nesses casos entre esses dois objetivos, duas posições opostas têm sido defendidas: A. Os contratos devem ser sempre
respeitados, independentemente de suas repercussões sociais; B. O juiz tem um papel social a cumprir, e a busca da
justiça social justifica decisões que violem os contratos. Com qual das duas posições o(a) senhor(a) concorda mais?”

Concorda mais Concorda mais


Outras respostas Sem opinião
com a primeira (A) com a segunda (B)

Grandes empresários 72 15 7 6

Lideranças do segmento de pequenas e


médias empresas 45 50 5 0

Dirigentes de entidades de representação


sindical 24 73 3 0

Senadores e deputados federais 44 39 17 0

Executivos do governo federal 77 15 8 0

Membros do Judiciário e do Ministério


Público 7 61 32 0

Imprensa 52 32 16 0

Religiosos e ONGs 22 53 22 3

Intelectuais 50 30 18 2

Total 48 36 14 2
Fonte: Lamounier e Souza (2002).

A não-neutralidade do magistrado tem duas conseqüências negativas impor-


tantes do ponto de vista da economia. Primeiro, os contratos se tornam mais incertos,
pois podem ou não ser respeitados pelos magistrados, dependendo da forma com que
ele encare a não-neutralidade e a posição relativa das partes. Isso significa que as
transações econômicas ficam mais arriscadas, já que não necessariamente “vale o
escrito”, o que faz com que se introduzam prêmios de risco que reduzem salários e
aumentam juros, aluguéis e preços em geral. Segundo, ainda que, como colocado na
pesquisa de Vianna et alii (1996), a magistratura não esteja “comprometida com a
representação de interesses”, a não-neutralidade do magistrado significa que este se
alinha claramente com os segmentos sociais menos privilegiados da população: entre

texto para discussão | 966 | jul 2003 29


o inquilino e o senhorio, ele se inclina a favor do primeiro; entre o banco e o devedor,
ele tende a ficar com o último, e assim por diante. Isso faz com que, nos casos em que
essa não-neutralidade é clara e sistemática, esses segmentos menos privilegiados sejam
particularmente punidos com prêmios de risco (isto é, preços) mais altos, ou então
simplesmente alijados do mercado, pois a outra parte sabe que o dito e assinado na
hora do contrato dificilmente será respeitado pelo magistrado, que buscará redefinir
ex post os termos da troca contratada. Isso significa que são exatamente as partes que o
magistrado buscava proteger que se tornam as mais prejudicadas por essa não-
neutralidade.
Vários aspectos na forma de funcionamento da Justiça foram apontados pelos
magistrados como contribuindo de forma relevante para reduzir a previsibilidade das
decisões judiciais (Tabela 29). Destacam-se, entre eles, as deficiências no
ordenamento jurídico, também apontadas como importante causa da morosidade da
Justiça, o freqüente recurso a medidas liminares, e a tendência a decisões serem
tomadas em função de detalhes processuais. Estes dois últimos fatores relacionam-se a

TABELA 29
Importância de Fatores que Prejudicam a Previsibilidade das Decisões Judiciais
Questão 19: “Qual é, na sua opinião, a relevância dos seguintes fatores como obstáculos que reduzem a previsibilidade
das decisões judiciais, isto é, a capacidade das partes de antecipar a decisão dos juízes, particularmente em se tratando
de casos iguais ou semelhantes a outros já julgados?”

Muito Relevante Pouco Sem nenhuma Não sabe / Não


relevante relevante relevância sem opinião respondeu

Deficiências do ordenamento Freqüência 221 289 150 45 8 28


jurídico
(%) 29,8 39,0 20,2 6,1 1,1 3,8

Falta de preparo técnico dos Freqüência 81 219 280 116 19 26


juízes
(%) 10,9 29,6 37,8 15,7 2,6 3,5

Excessiva “politização” dos Freqüência 48 171 320 154 19 29


juízes
(%) 6,5 23,1 43,2 20,8 2,6 3,9

Falta de clareza nas decisões Freqüência 68 231 264 128 20 30


dos tribunais superiores
(%) 9,2 31,2 35,6 17,3 2,7 4,0

Tendência a decisões serem Freqüência 136 330 169 58 17 31


tomadas em função de
(%) 18,4 44,5 22,8 7,8 2,3 4,2
detalhes processuais

Freqüentes recursos a Freqüência 171 255 188 88 13 26


liminares
(%) 23,1 34,4 25,4 11,9 1,8 3,5

Equívocos na instrução dos Freqüência 86 282 251 80 14 28


processos
(%) 11,6 38,1 33,9 10,8 1,9 3,8

Estrutura monocrática do Freqüência 60 121 249 258 24 29


Judiciário brasileiro
(%) 8,1 16,3 33,6 34,8 3,2 3,9

30 texto para discussão | 966 | jul 2003


um problema apontado por muitos dos entrevistados, o de que é comum as decisões
judiciais não se fundamentarem no mérito em si da questão. Note-se, ainda, que a
maior parte dos problemas na Tabela 29, identificados pelos magistrados como sendo
relevantes para reduzir a previsibilidade das decisões judiciais, poderia ser corrigida
através de uma mudança de incentivos e da legislação, ou seja, sua solução não
depende de mais recursos serem alocados ao Judiciário.

6 AVALIAÇÃO DAS PROPOSTAS DE REFORMA


Possivelmente nenhum outro grupo profissional está tão habilitado como a
magistratura a identificar propostas com bom potencial de melhorar o desempenho
do Judiciário. Além disso, é pouco provável que medidas com esse fim sejam bem-
sucedidas se nelas não acreditarem os magistrados. Tendo isso em conta, uma parcela
importante da pesquisa foi dirigida no sentido de conhecer a visão dos juízes sobre as
propostas de reforma do Judiciário, tanto aquelas sendo consideradas pelo Congresso
como as discutidas de forma mais difusa na sociedade. A Tabela 30 resume a posição
dos magistrados entrevistados em relação a um conjunto relativamente amplo dessas
propostas, sendo esses resultados analisados com detalhe no capítulo escrito por
Maria Tereza Sadek no livro “A Visão dos Juízes sobre a Reforma do Judiciário”.

TABELA 30
Avaliação sobre Propostas de Reforma do Judiciário
Questão 20: “Diversas medidas têm sido sugeridas para melhorar o desempenho do Judiciário, isto é, para torná-lo mais
ágil, acessível, previsível e imparcial. Gostaríamos de saber como o(a) senhor(a) avalia as seguintes propostas, tendo em
vista esse objetivo geral de melhorar o funcionamento da Justiça.”

Muito Positiva Irrelevante Nada Não sabe /não tem Não


positiva positiva opinião formada respondeu

Criar o Conselho Nacional de Freqüência 101 187 155 188 6 104


Justiça para fazer o controle
(%) 13,6 25,2 20,9 25,4 0,8 14,0
administrativo do Judiciário.

Formado apenas por Freqüência 164 194 142 121 10 110


membros do Judiciário.
(%) 22,1 26,2 19,2 16,3 1,3 14,8

Incluindo membros externos Freqüência 57 92 102 347 11 132


ao Judiciário.
(%) 7,7 12,4 13,8 46,8 1,5 17,8

Limitar o período de eficácia Freqüência 105 189 178 230 12 27


das medidas liminares.
(%) 14,2 25,5 24,0 31,0 1,6 3,6

Extinguir o poder normativo Freqüência 46 58 112 464 35 26


da Justiça do Trabalho.
(%) 6,2 7,8 15,1 62,6 4,7 3,5

Incorporar a Justiça do Freqüência 46 58 112 464 35 26


Trabalho à Justiça federal.
(%) 6,2 7,8 15,1 62,6 4,7 3,5
(continua)

texto para discussão | 966 | jul 2003 31


(continuação)

Muito Positiva Irrelevante Nada Não sabe /não tem Não


positiva positiva opinião formada respondeu

Transferir as responsabi- Freqüência 93 176 119 293 35 25


lidades administrativas dos
(%) 12,6 23,8 16,1 39,5 4,7 3,4
tribunais para gestores
profissionais.

Democratizar o Judiciário Freqüência 337 150 84 139 8 23


(eleições para órgãos de
(%) 45,5 20,2 11,3 18,8 1,1 3,1
cúpula).

Reduzir as possibilidades de Freqüência 372 243 31 67 8 20


recurso aos Tribunais Supe-
(%) 50,2 32,8 4,2 9,0 1,1 2,7
riores (por exemplo, Súmula
Impeditiva de Recursos).

Instituir a avocatória para Freqüência 107 145 79 351 32 27


decisões de constitucio-
(%) 14,4 19,6 10,7 47,4 4,3 3,6
nalidade ou inconstitucio-
nalidade de lei.

Instituir a Súmula Vinculante: Freqüência 96 142 45 259 10 189

(%) 13,0 19,2 6,1 35,0 1,3 25,5

Apenas para as decisões do Freqüência 128 213 48 245 12 95


STF.
(%) 17,3 28,7 6,5 33,1 1,6 12,8

Para as decisões dos Freqüência 95 141 60 324 11 110


Tribunais Superiores.
(%) 12,8 19,0 8,1 43,7 1,5 14,8

Impedir a promoção de juízes Freqüência 111 192 174 222 15 27


que retiverem os autos além
(%) 15,0 25,9 23,5 30,0 2,0 3,6
do prazo legal.

Expandir o número de Freqüência 342 287 54 23 10 25


Juizados Especiais.
(%) 46,2 38,7 7,3 3,1 1,3 3,4

Quarentena para juiz que se Freqüência 255 211 167 78 7 23


aposenta poder advogar na
(%) 34,4 28,5 22,5 10,5 0,9 3,1
mesma jurisdição.

Proibir juízes e promotores de Freqüência 157 150 163 235 8 28


revelar fatos ou informações
(%) 21,2 20,2 22,0 31,7 1,1 3,8
que violem o sigilo legal, a
intimidade, a vida privada, a
imagem ou a honra das
pessoas.

Concentrar no Tribunal de Freqüência 82 175 167 253 40 24


Justiça todas as ações
(%) 11,1 23,6 22,5 34,1 5,4 3,2
envolvendo prefeitos.

Entre as medidas que contam com razoável apoio dos magistrados estão a
expansão do número de Juizados Especiais, o estabelecimento da quarentena para a
indicação de ministros de Estado e políticos para os Tribunais Superiores, e para que
magistrados que se aposentem possam praticar direito na jurisdição em que eles
costumavam trabalhar; a redução da possibilidade de apelação aos Tribunais

32 texto para discussão | 966 | jul 2003


Superiores; a democratização do Judiciário (aqui entendida como a seleção de
membros dirigentes dos tribunais através de voto direto dos juízes); a adoção da
“súmula vinculante” para decisões do STF; a criação do Conselho Nacional da
Magistratura, composto apenas por membros do Judiciário; e a limitação para o
período de eficácia das medidas liminares. As propostas mais fortemente rejeitadas
pelos magistrados foram o fim do poder normativo da Justiça do Trabalho; a criação
do Conselho Nacional da Magistratura com membros externos ao Judiciário; o
estabelecimento da avocatória para questões de constitucionalidade e inconstitucio-
nalidade; e o estabelecimento da súmula vinculante para decisões dos Tribunais
Superiores que não o STF.
Os Juizados Especiais também receberam ampla aprovação na pesquisa de Sadek
(1995), sendo vistos por 83,5% dos magistrados como uma forma “extremamente
importante” ou “muito importante” de agilizar o Judiciário. A informatização dos
serviços judiciários (93,2%), a redução das formalidades processuais (90,2%), a
simplificação no julgamento dos recursos (73,9%), o recurso mais freqüente à
conciliação prévia extrajudicial entre as partes (69,1%), e a limitação do número de
recursos (67,5%) foram outras iniciativas que contaram com amplo apoio dos
magistrados. Note-se, neste caso, a ênfase na simplificação processual, incluindo o fim
dos inúmeros recursos a instâncias superiores, um resultado consistente com a
responsabilidade atribuída pelos magistrados consultados nesta pesquisa a esse
problema como causa da morosidade da Justiça. Vianna et alii (1996) também
consideram, como aqui, que a eleição direta para os órgãos da administração dos
tribunais pelo conjunto dos juízes vitalícios é apoiada pela maioria dos magistrados,
ainda que mais pelos juízes de primeiro grau do que pelos demais magistrados.
Em Sadek (1995), os magistrados também se mostraram amplamente contrários
à criação de um órgão de controle externo do Judiciário (86,5% desfavorável, 6%
favorável, 6% algo favorável e 1,5% sem opinião). Vianna et alii (1996) também
reportam uma ampla rejeição do controle externo do Judiciário, com 80% dos
magistrados consultados opinando que “a autonomia do Poder Judiciário implica a
inexistência de controle externo sobre a magistratura”. O desejo de autonomia é,
porém, não apenas para a instituição mas principalmente para o juiz singular. Assim,
por exemplo, Vianna et alii (1997) consideram que o apoio à súmula vinculante (em
geral, e não apenas do STF) é pequeno. Ainda que a maioria concorde muito (32%)
ou pelo menos um pouco (29%) que “o efeito vinculante da súmula garante mais
velocidade e, portanto, mais racionalização ao Judiciário”, tem-se do outro lado que
47% concordam muito e 27% concordam um pouco com a proposição de que “o
efeito vinculante da súmula afeta a independência do juiz em sua interpretação das
leis e em sua aplicação”, e 69% concordam muito e 20% um pouco com a proposição
de “o juiz deve ser independente no exercício da sua judicatura, não se limitando à
interpretação dada pelos Tribunais Superiores”. A maioria dos magistrados também
concorda muito (45%) ou um pouco (21%) que a avocatória pelo STF de processos
de quaisquer juízos ou tribunais do país, quando decorrer ameaça à ordem, à saúde, à
segurança, ou às finanças públicas, afeta a independência do juiz.
A pesquisa também cobriu um conjunto de outras propostas de aperfeiçoamento
do Judiciário não diretamente presentes no debate parlamentar. Uma delas, que
contempla uma preocupação externada por muitos magistrados — de que falta aos

texto para discussão | 966 | jul 2003 33


juízes recém-entrados na carreira um maior preparo em relação à atividade judicante
— diz respeito a prover os juízes de um treinamento mais intenso antes de alocá-los
às suas atividades profissionais. Cerca de 2/3 dos magistrados afirmaram concordar
inteiramente com a proposta de que os novos juízes passem por um treinamento
específico mais longo que o que atualmente recebem (Tabela 31). Usando um
modelo Probit ordenado, se obtém que enquanto o gênero, o tempo no exercício da
magistratura e o estágio na carreira não afetam significativamente a resposta à questão
21, depois de se controlar para a idade, o ramo e o estado, estas últimas três variáveis
têm um impacto estatisticamente significativo (ver Modelo 2 no Apêndice). Mais
especificamente, juízes mais jovens e da Justiça federal e aqueles trabalhando nos
Estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia e Pará são menos favoráveis a um treinamento
específico para os juízes que ingressam na magistratura que juízes mais velhos, da
Justiça estadual e trabalhando nas outras UFs que não as já listadas.

TABELA 31
Avaliação sobre a Proposta de Aumentar Treinamento de Juízes
Questão 21: “Propõe-se que, a exemplo dos diplomatas, os juízes passem por treinamento específico após a aprovação
em concurso e antes de exercerem a atividade jurisdicional. O(a) senhor(a) concorda com essa proposta?”

Freqüência (%)

Concorda inteiramente 488 65,9

Tende a concordar 199 26,9

Tende a discordar 19 2,6

Discorda inteiramente 19 2,6

Não sabe/não tem uma opinião formada a respeito 0 0,0

Não respondeu 16 2,2

Uma proporção também elevada dos magistrados concorda com o uso de


indicadores quantitativos para avaliar o desempenho dos juízes e com que eles sejam
utilizados como critério de promoção (Tabela 32).24 Um desses indicadores, que
poderia ser utilizado para estimular a celeridade no exercício da atividade judicante, é
o tempo decorrido entre a entrada e o julgamento dos processos. A previsibilidade ou
segurança no exercício da jurisdição poderia ser aferida pela proporção de decisões
confirmadas em instâncias superiores. Quase 2/3 dos magistrados entrevistados
concordam que o uso desses indicadores como critérios de promoção dos juízes pode
ajudar a tornar o Judiciário mais célere e previsível (Tabelas 33 e 34).

24. Os resultados de Vianna et alii (1996) também sugerem que prevalece entre os magistrados uma visão favorável
sobre o uso de critérios objetivos na definição da progressão profissional dos juízes. Ver a distribuição de respostas à
questão 82 na página 123.

34 texto para discussão | 966 | jul 2003


TABELA 32
Ponto de Vista sobre Uso de Indicadores Quantitativos de Avaliação
Questão 23: “A Constituição (artigo 93) cita como critérios para aferir o merecimento do juiz a presteza e a segurança
no exercício da jurisdição. Uma forma de implementar essa diretriz consiste em criar indicadores quantitativos do
desempenho dos juízes e utilizá-los como critério de promoção. Qual a sua opinião sobre essa proposta?”

Freqüência (%)

Concorda inteiramente 228 30,8

Tende a concordar 235 31,7

Tende a discordar 142 19,2

Discorda inteiramente 112 15,1

Não sabe/não tem uma opinião formada a respeito 7 0,9

Não respondeu 17 2,3

TABELA 33
Avaliação sobre Impacto do Uso de Indicadores Quantitativos sobre Celeridade
Questão 24: “A celeridade no exercício da atividade judicante pode ser medida pelo tempo passado entre a entrada e o
julgamento dos processos, estimado separadamente para cada tipo de causa. O(a) senhor(a) concorda que o uso de
indicadores como esse possa estimular a celeridade do Judiciário?”

Freqüência (%)

Concorda inteiramente 185 25,0

Tende a concordar 295 39,8

Tende a discordar 146 19,7

Discorda inteiramente 84 11,3

Não sabe/não tem uma opinião formada a respeito 15 2,0

Não respondeu 16 2,2

TABELA 34
Avaliação sobre Impacto do Uso de Indicadores Quantitativos sobre Previsibilidade
Questão 25: “Um indicador da previsibilidade ou segurança do exercício da jurisdição é a proporção de decisões
confirmadas em instâncias superiores. O(a) senhor(a) concorda que o uso de indicadores como esse pode tornar o
Judiciário mais previsível?”

Freqüência (%)

Concorda inteiramente 156 21,1

Tende a concordar 325 43,9

Tende a discordar 116 15,7

Discorda inteiramente 96 13,0

Não sabe/não tem uma opinião formada a respeito 12 1,6

Não respondeu 36 4,9

texto para discussão | 966 | jul 2003 35


O Modelo 3 no Apêndice mostra que juízes mais jovens e das justiças federal e
do Trabalho são menos favoráveis ao uso desses indicadores quantitativos para medir
o desempenho dos juízes e decidir sobre a sua promoção do que juízes mais velhos e
da Justiça estadual, respectivamente. Além do mais, juízes em atividade no Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal também mostraram menor
entusiasmo por essa proposta que os juízes de outros estados. Estes resultados são
ilustrados na Tabela 35, que mostra que 40% dos juízes estaduais na amostra
concordam inteiramente com o uso desses indicadores, contra 26% dos juízes federais
e trabalhistas que têm a mesma opinião. Uma diferença semelhante, de 14 pontos
percentuais, também é observada entre o apoio (plena concordância) dado por juízes
mais velhos ( ≥ 40 anos) e mais jovens (< 40 anos).

TABELA 35
Grau de Apoio ao Uso de Indicadores Quantitativos como Critério de Promoção
(Questão 23) por Idade, Ramo de UF do Magistrado
Concorda Tende a Tende a Discorda Total
inteiramente concordar discordar inteiramente

Idade < 40 Freqüência 83 116 78 63 340

(%) 24,4 34,1 22,9 18,5 100,0

Idade ≥ 40 Freqüência 145 119 64 49 377

(%) 38,5 31,6 17,0 13,0 100,0

Justiça estadual Freqüência 115 86 47 37 285

(%) 40,4 30,2 16,5 13,0 100,0

Outros ramos Freqüência 113 149 95 75 432

(%) 26,2 34,5 22,0 17,4 100,0

Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro Freqüência 57 57 48 37 199


e Distrito Federal
(%) 28,6 28,6 24,1 18,6 100,0

Outros estados Freqüência 171 178 94 75 518

(%) 33,0 34,4 18,2 14,6 100,0

Total Freqüência 228 235 142 112 717

(%) 31,8 32,8 19,8 15,6 100,0

Modelos Probit ordenados para as respostas às questões 24 e 25 (Modelos 4 e 5


no Apêndice) mostram que a concordância com a proposição de que o uso de
indicadores quantitativos para avaliar o desempenho e orientar a promoção pode
melhorar o desempenho da Justiça é mais alta entre juízes mais velhos e da Justiça
estadual. Os juízes trabalhistas mostram um apoio mais forte que os juízes federais à
idéia de que o uso de indicadores de produtividade pode tornar a Justiça mais célere,
enquanto os juízes do sexo masculino demonstram mais ceticismo sobre o aumento
de segurança jurídica que pode resultar do uso da proporção de decisões confirmadas
em instâncias superiores como indicador de desempenho. Além disso, o apoio ao
primeiro indicador é mais forte entre os juízes de Minas Gerais, Goiás, Bahia e Pará e
para o segundo entre aqueles em atividade em Minas Gerais, Pará e Distrito Federal
(Tabelas 36 e 37). As diferenças entre esses grupos são significativas em alguns casos.

36 texto para discussão | 966 | jul 2003


TABELA 36
Grau de Apoio ao Uso de Indicadores Quantitativos de Celeridade como Critério de
Promoção (Questão 24) por Idade, Ramo de UF do Magistrado
Concorda Tende a Tende a Discorda
Total
inteiramente concordar discordar inteiramente
Idade < 40 Freqüência 64 149 79 43 335
(%) 19,10 44,48 23,58 12,84 100,00
Idade ≥ 40 Freqüência 121 146 67 41 375
(%) 32,27 38,93 17,87 10,93 100,00
Justiça federal Freqüência 35 70 40 27 172
(%) 20,35 40,70 23,26 15,70 100,00
Outros ramos Freqüência 150 225 106 57 538
(%) 27,88 41,82 19,70 10,59 100,00
Minas Gerais, Goiás, Bahia e Pará Freqüência 77 116 37 27 257
(%) 29,96 45,14 14,40 10,51 100,00
Outros estados Freqüência 108 179 109 57 453
(%) 23,84 39,51 24,06 12,58 100,00
Total Freqüência 185 295 146 84 710
(%) 26,06 41,55 20,56 11,83 100,00

TABELA 37
Grau de Apoio ao Uso de Indicadores Quantitativos de Previsibilidade como Critério de
Promoção (Questão 25) por Idade, Ramo de UF do Magistrado
Concorda Tende a Tende a Discorda
Total
inteiramente concordar discordar inteiramente
Idade < 40 Freqüência 54 153 69 54 330
(%) 16,4 46,4 20,9 16,4 100,0
Idade ≥ 40 Freqüência 102 172 47 42 363
(%) 28,1 47,4 13,0 11,6 100,0
Justiça federal Freqüência 37 66 32 34 169
(%) 21,9 39,1 18,9 20,1 100,0
Outros ramos Freqüência 119 259 84 62 524
(%) 22,7 49,4 16,0 11,8 100,0
Magistrados Freqüência 111 216 82 80 489
(%) 22,7 44,2 16,8 16,4 100,0
Magistradas Freqüência 43 109 33 16 201
(%) 21,4 54,2 16,4 8,0 100,0
Minas Gerais, Pará e Distrito Freqüência 61 104 24 24 213
Federal (%) 28,6 48,8 11,3 11,3 100,0
Outros estados Freqüência 95 221 92 72 480
(%) 19,8 46,0 19,2 15,0 100,0
Total Freqüência 156 325 116 96 693
(%) 22,5 46,9 16,7 13,9 100,0

texto para discussão | 966 | jul 2003 37


A pesquisa também revelou que uma proporção significativa dos tribunais já
vem adotando medidas no sentido de agilizar a tramitação de processos. Destaca-se,
neste caso, o uso mais intenso da tecnologia de informação, com a informatização e o
acesso remoto ao acompanhamento de processos (Tabela 38). Existem, porém,
diferenças significativas na extensão em que essas várias medidas vêm sendo
implantadas nos diferentes ramos da justiça. A Tabela 39 ilustra essas diferenças para
o caso de duas dessas iniciativas: a adoção de mutirões e a administração ativa de
casos. Ambas as iniciativas, particularmente a última, estão muito mais disseminadas
na Justiça federal do que nas justiças estadual e do Trabalho.

TABELA 38
Grau em que certas Medidas Foram Adotadas para Melhorar o Desempenho nos
Tribunais/Comarcas de Atuação do Magistrado
Questão 26: “Alguns tribunais/comarcas vêm tomando providências para agilizar a tramitação de processos. O(a)
senhor(a) poderia nos indicar em que medida as seguintes providências foram adotadas em seu tribunal/comarca nos
dois últimos anos?”
Sim, Sim, um Não sabe/sem Não
Não
bastante pouco opinião respondeu
Informatização Freqüência 522 168 14 2 35
(%) 70,4 22,7 1,9 0,3 4,7
Acesso remoto por computador ao Freqüência 419 180 88 8 46
andamento dos processos
(%) 56,5 24,3 11,9 1,1 6,2
Mutirões Freqüência 248 244 196 11 42
(%) 33,5 32,9 26,5 1,5 5,7
Cobrança de padrões mínimos de Freqüência 275 252 162 11 41
produtividade
(%) 37,1 34,0 21,9 1,5 5,5
Agilização da distribuição de Freqüência 364 215 102 18 42
processos
(%) 49,1 29,0 13,8 2,4 5,7
a
Administração ativa de casos Freqüência 223 189 251 35 43
(%) 30,1 25,5 33,9 4,7 5,8
Agilização do processo de notificação Freqüência 306 252 116 23 44
das partes
(%) 41,3 34,0 15,7 3,1 5,9
a
Por exemplo, agrupar e decidir em conjunto processos com o mesmo conteúdo.

38 texto para discussão | 966 | jul 2003


TABELA 39
Grau em que Mutirões e Administração Ativa de Casos Foram Adotados: Justiça Federal
versus outros Ramos do Judiciário
Ramo Sim, bastante Sim, um pouco Não Total
Mutirões
Outros ramos Freqüência 170 169 178 517
(%) 32,9 32,7 34,4 100,0
Justiça federal Freqüência 78 75 18 171
(%) 45,6 43,9 10,5 100,0
Total Freqüência 248 244 196 688
(%) 36,1 35,5 28,5 100,0
Administração ativa de casos
Outros ramos Freqüência 134 143 217 494
(%) 27,1 29,0 43,9 100,0
Justiça federal Freqüência 89 46 34 169
(%) 52,7 27,2 20,1 100,0
Total Freqüência 223 189 251 663
(%) 33,6 28,5 37,9 100,0

Uma última questão sobre reformas que podem melhorar o desempenho do


Judiciário diz respeito a quem cabe a responsabilidade por implementá-las. Em
particular, ao grau em que estaria ao alcance da própria magistratura melhorar o
funcionamento do Judiciário, sem a necessidade de mudanças na legislação. Em que
pese a grande importância atribuída pelos magistrados às falhas no ordenamento
jurídico, em particular na legislação processual, como causa dos problemas com que
se defronta o Judiciário, a visão predominante entre os entrevistados é a de que a
própria magistratura pode resolver grande parte dos problemas que lhe afligem
(Tabela 40).
TABELA 40
Grau em que Melhorar o Desempenho do Judiciário Depende só da Magistratura
Questão 27: “Na visão de vários analistas, o funcionamento da Justiça poderia ser significativamente melhorado com
mudanças ao alcance do próprio Judiciário, sem necessidade de alterações na legislação. Em uma escala de 0 a 10, em
que 0 significa que não há nada que a magistratura possa fazer, e em que 10 significa que só depende dela melhorar o
desempenho do sistema, em que situação o(a) senhor(a) avalia que esteja o Judiciário no Brasil?”
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Não respondeu

11 10 32 75 84 199 100 101 59 11 15 44

1,5 1,3 4,3 10,1 11,3 26,9 13,5 13,6 8,0 1,5 2,0 5,9

Um modelo Probit ordenado para a resposta à questão 27 (Modelo 6 no


Apêndice) mostrou que os juízes das justiças do Trabalho e federal, e aqueles situados
em São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Distrito Federal, são, em média,
menos confiantes na autonomia do Judiciário para resolver seus problemas. Como
apresentado na Tabela 41, porém, essas diferenças de opinião não são substanciais.

texto para discussão | 966 | jul 2003 39


TABELA 41
Grau em que Melhorar o Desempenho do Judiciário Depende só da Magistratura —
Diferenças entre Ramos e UFs
Ramos Estados

Justiça Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Outros estados Total
Outros ramos
estadual Gerais e Distrito Federal

0 Freqüência 4 7 6 5 11

(%) 1,4 1,7 1,7 1,4 1,6

1 Freqüência 4 6 8 2 10

(%) 1,4 1,4 2,3 0,6 1,4

2 Freqüência 8 24 19 13 32

(%) 2,9 5,7 5,4 3,7 4,6

3 Freqüência 22 53 43 32 75

(%) 7,9 12,7 12,3 9,2 10,8

4 Freqüência 29 55 47 37 84

(%) 10,4 13,1 13,5 10,6 12,0

5 Freqüência 75 124 95 104 199

(%) 27,0 29,6 27,2 29,9 28,6

6 Freqüência 39 61 52 48 100

(%) 14,0 14,6 14,9 13,8 14,4

7 Freqüência 52 49 46 55 101

(%) 18,7 11,7 13,2 15,8 14,5

8 Freqüência 28 31 22 37 59

(%) 10,1 7,4 6,3 10,6 8,5

9 Freqüência 7 4 5 6 11

(%) 2,5 1,0 1,4 1,7 1,6

10 Freqüência 10 5 6 9 15

(%) 3,6 1,2 1,7 2,6 2,2

Total Freqüência 278 419 349 348 697

(%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

7 VISÃO SOBRE A ECONOMIA


Uma das conclusões de nossos estudos anteriores sobre a relação entre economia e
Judiciário é que a importância deste último para o bom funcionamento da atividade
produtiva irá crescer à medida que avancem as reformas estruturais iniciadas na
década de 1990, como a privatização, a abertura comercial e a desregulamentação.
Essas são reformas que transferem para o mercado a responsabilidade pelo investi-
mento e pela produção em setores extremamente dependentes de contratação —
infra-estrutura, setor imobiliário, saneamento, mercado de crédito etc. —, o que os
torna mais dependentes do apoio do Judiciário.

40 texto para discussão | 966 | jul 2003


Nesse sentido, é preciso levar em conta que a intervenção estatal na economia
não era apenas uma opção de política, uma forma de orientar e executar a atividade
econômica, ou o resultado puro e simples da disputa política entre grupos de
interesse, mas também um arranjo institucional que buscava viabilizar atividades e
mercados que, de outra forma, poderiam não se realizar ou não existir, ou que só
sobreviveriam de forma muito precária sem a presença do Estado. A extensa presença
estatal na economia tornava os contratos menos importantes, pois permitia decidir
conflitos e impor regras pela via administrativa, sem a necessidade de se recorrer à
Justiça.
Nossa pesquisa mostrou que a maioria dos juízes tem consciência de que essas
reformas tornaram o seu trabalho mais importante, do ponto de vista econômico,
com quase a metade dos entrevistados concordando inteiramente com essa tese e 1/3
tendendo a concordar com ela (Tabela 42). Juízes jovens, da Justiça do Trabalho e do
sexo feminino tendem a concordar menos com esse ponto de vista. Da mesma forma,
juízes em atividade em Minas Gerais, Goiás e Pará concordam mais fortemente com
essa proposição e aqueles no Rio Grande do Sul e Santa Catarina concordam menos
(ver Modelo 7 no Apêndice).
TABELA 42
Importância do Judiciário para a Economia pós-Reformas
Questão 10: “Tem-se afirmado que as reformas econômicas implantadas nos últimos dez anos, por reduzir muito a
intervenção direta do Estado, aumentaram a importância do Judiciário para o bom funcionamento da economia. Nessa
nova situação, a economia dependerá cada vez mais de um Judiciário ágil, acessível, previsível e imparcial. O(a)
senhor(a) concorda com essa afirmação?”

Freqüência (%)

Concorda inteiramente 361 48,7

Tende a concordar 245 33,1

Tende a discordar 69 9,3

Discorda inteiramente 30 4,0

Não sabe/não tem uma opinião formada a respeito 11 1,5


Não respondeu 25 3,4

Também importante é a constatação de que a maioria dos magistrados concorda


inteiramente ou tende a concordar com as reformas que foram ou vêm sendo
implementadas no Brasil, em particular com o fortalecimento da proteção à
propriedade industrial (marcas, patentes etc.), a maior facilidade de entrada do capital
estrangeiro na indústria, a privatização de empresas industriais e a redução das
barreiras às importações (Tabela 43).
Há também um apoio majoritário, ainda que menos intenso, à privatização dos
bancos públicos, à flexibilização da legislação trabalhista, e a uma facilidade maior
para a entrada de capital estrangeiro na infra-estrutura e no setor bancário. Por outro
lado, os magistrados mostraram-se divididos em relação a priorizar o controle da
inflação em relação ao crescimento, e discordaram da privatização da infra-estrutura,
e para 21,1% deles a discordância é por completo. A oposição à privatização é mais
forte entre os juízes de Santa Catarina, e é mais forte entre os juízes trabalhistas do

texto para discussão | 966 | jul 2003 41


que entre os federais e estaduais. É interessante que idade e gênero não parecem
influenciar a visão dos juízes sobre essas questões.
Essa visão pró-redução da presença do Estado na economia, predominante entre
os magistrados entrevistados, é consistente com os resultados de Vianna et alii (1996).
Esses autores consideram que a maior parte dos magistrados apóia a integração da
economia brasileira ao mercado mundial, com a supressão das restrições ao capital
estrangeiro, e essa é vista como uma alta prioridade por 31% dos magistrados e com
algum grau de prioridade pela maioria (52%). O apoio à privatização de empresas
estatais é tão ou mais forte: 34% dos magistrados consideram essa uma alta
prioridade, enquanto 46% lhes atribuem alguma prioridade e 14%, baixa prioridade.
Essas proporções contrastam com os 22%, 37% e 22% dos magistrados que
atribuíram alta, alguma e baixa prioridade, respectivamente, a “implementar o
desenvolvimento econômico, com a expansão do investimento público”. Agrupando
essas várias respostas relativas à intervenção do Estado na economia, Vianna et alii
(1997) concluem que os magistrados são majoritariamente favoráveis a um baixo
nível de intervenção do Estado.
TABELA 43
Opinião sobre Reformas Econômicas
Questão 11: “Gostaríamos de saber qual a sua opinião a respeito de algumas das reformas que foram ou vêm sendo
implementadas no Brasil.”
Concorda Tende a Tende a Discorda Não sabe/ Não
inteiramente concordar discordar inteiramente sem opinião respondeu
Privatização de empresas industriais Freqüência 214 288 131 62 18 28
(%) 28,9 38,9 17,7 8,4 2,4 3,8
Privatização da infra-estrutura Freqüência 62 207 258 156 25 33
(%) 8,4 27,9 34,8 21,1 3,4 4,5
Privatização dos bancos públicos Freqüência 167 237 188 102 19 28
(%) 22,5 32,0 25,4 13,8 2,6 3,8
Redução de barreiras a importações Freqüência 114 356 175 35 28 33
(%) 15,4 48,0 23,6 4,7 3,8 4,5
Maior facilidade de entrada do capital Freqüência 141 400 112 30 28 30
estrangeiro na indústria (%) 19,0 54,0 15,1 4,0 3,8 4,0
Maior facilidade de entrada do capital Freqüência 108 289 198 78 40 28
estrangeiro na infra-estrutura (%) 14,6 39,0 26,7 10,5 5,4 3,8
Maior facilidade de entrada do capital Freqüência 106 286 211 68 38 32
estrangeiro no setor bancário (%) 14,3 38,6 28,5 9,2 5,1 4,3
Flexibilização da legislação trabalhista Freqüência 142 271 172 107 20 29
(%) 19,2 36,6 23,2 14,4 2,7 3,9
Liberalização do câmbio Freqüência 100 297 174 57 77 36
(%) 13,5 40,1 23,5 7,7 10,4 4,9
Fortalecimento da proteção à Freqüência 309 317 46 8 34 27
propriedade industrial (marcas, (%) 41,7 42,8 6,2 1,1 4,6 3,6
patentes etc.)
Prioridade dada ao controle da Freqüência 97 234 245 88 47 30
inflação em relação ao crescimento (%) 13,1 31,6 33,1 11,9 6,3 4,0

42 texto para discussão | 966 | jul 2003


Com a privatização da infra-estrutura, muitos analistas têm manifestado
preocupação de que a morosidade e a imprevisibilidade da Justiça possam dificultar a
regulação dos serviços públicos. Uma sugestão foi feita, nesse sentido, de que, levando
em conta a complexidade técnica de muitos casos sendo decididos pelas agências
reguladoras, o Judiciário deveria respeitar o mérito dessas decisões, quando tomadas
pelo colégio de diretores, limitando-se a garantir que as normas processuais tenham
sido respeitadas. Como mostra a Tabela 44, a maioria dos juízes discorda
completamente dessa sugestão. A oposição a essa idéia é algo mais fraca entre juízes
mais velhos, da Justiça do Trabalho e do sexo feminino, e mais forte entre juízes em
atividade no Pará e no Distrito Federal. Vale observar que é uma posição consistente
com o desejo de preservar a independência decisória do Judiciário como um todo e
do juiz singular, em particular, manifestada em outras respostas e pesquisas.

TABELA 44
Opinião sobre Distribuição de Responsabilidades entre Agências Reguladoras e
Judiciário
Questão 22: “As agências reguladoras de serviços públicos (Anatel, Aneel e outras) têm a atribuição de julgar conflitos
entre concessionárias e destas com os consumidores. Propõe-se que nesses casos o Judiciário respeite as decisões
tomadas pelo colegiado dessas agências, limitando-se a garantir o respeito às normas processuais, e evitando que o
conteúdo da disputa seja julgado outra vez. O(a) senhor(a) concorda com essa proposta?”

Freqüência (%)

Concorda inteiramente 33 4,5

Tende a concordar 123 16,6

Tende a discordar 172 23,2

Discorda inteiramente 375 50,6

Não sabe/não tem uma opinião formada a respeito 20 2,7

Não respondeu 18 2,4

8 OBSERVAÇÕES FINAIS
Este artigo analisou o que pensam os magistrados brasileiros sobre o Judiciário, sua
reforma e a economia, apresentando seus pontos de vista sobre o desempenho do
Judiciário; um conjunto de possíveis explicações para a morosidade e falta de
previsibilidade da Justiça; várias propostas apresentadas para melhorar o desempenho
do Judiciário e a autonomia do Judiciário para implementá-las; e as reformas
econômicas dos anos 1990. Essa visão foi extraída de uma amostra estratificada de
741 magistrados que levou em consideração o ramo, o estado, o gênero e o estágio na
carreira do magistrado. A amostra incluiu magistrados de 12 UFs e cobriu as justiças
estadual, federal e do Trabalho, contendo de juízes com pouca experiência a ministros
dos Tribunais Superiores em Brasília. No todo, a amostra cobriu 6,5% de todos os
magistrados, com proporções de magistrados e magistradas semelhantes às observadas
para toda a magistratura.
De acordo com os magistrados, a morosidade é o principal problema do
Judiciário, com o alto custo de acesso (custas judiciais e outros custos) vindo em
segundo, seguido pela falta de previsibilidade das decisões judiciais e, como o aspecto

texto para discussão | 966 | jul 2003 43


mais positivo, a imparcialidade. A Justiça do Trabalho de primeira instância é vista
como o melhor ramo/grau do Judiciário, vindo em seguida a Justiça Eleitoral, com a
Justiça estadual sendo considerada a de pior desempenho e o STF ficando com a
segunda pior avaliação. Em parte, essas avaliações refletem a visão positiva que os
juízes trabalhistas, maioria na magistratura e na amostra, têm sobre a Justiça do
Trabalho.
A morosidade do Judiciário é freqüentemente agravada por indivíduos, firmas e
grupos de interesse usarem a Justiça não para pleitear direitos, mas para postergar o
cumprimento de suas obrigações. O Estado, em particular, é visto como fazendo um
mau uso contumaz da Justiça, utilizando-a como instrumento quase-fiscal. Problemas
internos ao funcionamento dos sistemas legal e judicial também são identificados
pelos magistrados como causas relevantes da morosidade do Judiciário. Destacam-se
entre estes o número insuficiente de juízes, as muitas possibilidades existentes para se
protelar uma decisão, e o grande número de recursos possíveis a instâncias superiores.
Em um segundo grupo, em ordem descendente de importância, os juízes incluem a
falta de equipamento de informática, a preferência dos advogados por estender a
duração dos litígios, a falta de treinamento dos advogados, a ênfase excessiva no
formalismo processual e a precária situação das instalações judiciárias.
Este diagnóstico coincide em larga medida com os obtidos por Sadek (1995) e
Vianna et alii (1997), sugerindo que as causas da morosidade do Judiciário são
antigas e bem conhecidas. Ele também reforça a conclusão de Sadek (1995) de que os
magistrados tendem a responsabilizar problemas alheios à sua própria atuação pela
morosidade da Justiça. Observe-se, ainda, que enquanto a solução de alguns desses
problemas pode exigir um aumento dos gastos públicos — por exemplo, para
aumentar o número de juízes — e, portanto, teria de ser considerada à luz do custo
de oportunidade de se utilizar esses recursos para essa e não outras finalidades (por
exemplo, o combate à fome ou a melhoria da qualidade da educação), outras podem
ser atacadas com mudanças nas leis e incentivos com que trabalham magistrados e
advogados. Por exemplo, é possível reduzir a carga de processos com que trabalham
os juízes punindo-se o recurso ao Judiciário pelas partes que apenas desejam explorar
sua morosidade para evitar cumprir suas obrigações.
Vários juízes foram de opinião que o grande número de recursos possíveis a
instâncias superiores também prejudica o Judiciário, por reduzir a importância das
decisões dos juízes de primeira instância, e por vezes também de segunda instância, já
que a grande maioria de suas decisões sofre apelação por uma das partes. Uma
conseqüência negativa desse fenômeno é a desmotivação dos magistrados, que vêem
diminuída a importância do seu trabalho. Obviamente, fica a questão da medida em
que isso incentiva em alguns magistrados um menor compromisso com suas decisões,
já que sabem que elas serão revistas. Duas razões foram aventadas em entrevistas
abertas para explicar a dificuldade de mudar essa situação, a despeito do reiterado
apoio dos magistrados a uma significativa mudança. Primeiro, o interesse dos
advogados, que têm seu mercado de trabalho ampliado pela complexidade processual
e as muitas oportunidades de recurso abertas pela legislação brasileira. Nas palavras de
um magistrado, “este é um problema de mercado de trabalho”. Segundo, uma
desconfiança da elite do Judiciário com relação à politização das decisões judiciais,
mantendo-se a possibilidade de recurso aos Tribunais Superiores como uma forma de

44 texto para discussão | 966 | jul 2003


limitar o efeito final de decisões politizadas. Naturalmente, esse é um problema que
seria muito reduzido se houvesse um efeito vinculante nas decisões, por exemplo, do
STF. Um exemplo é a interpretação do Judiciário em alguns estados de que o limite
constitucional para os juros reais, de 12%, já seriam aplicáveis, a despeito de repetidas
decisões do STF de que esta disposição só será efetivada após sua devida
regulamentação. Na prática, essa situação tem envolvido repetidos recursos de
credores ao STF em simples operações de crédito, de forma a reverter decisões de
primeira e segunda instâncias impondo esse limite.
A “judicialização” da política — isto é, a tendência de os poderes políticos
transferirem para o Judiciário a solução de conflitos políticos — não é percebida pela
maioria dos juízes como um fenômeno freqüente nas suas atividades profissionais,
com alguns deles sugerindo que esse fenômeno tende a ficar restrito aos Tribunais
Superiores. Este resultado é consistente com a proporção (29,8%) de magistrados que
apontou as deficiências do ordenamento legal e jurídico como muito relevantes para
explicar a falta de previsibilidade das decisões judiciais. Ainda menos freqüente, de
acordo com os magistrados, é o fenômeno dual da “politização” das decisões judiciais
— isto é, que as decisões judiciais sejam baseadas mais nas visões políticas do juiz do
que na interpretação rigorosa da lei. “Apenas” 3,9% dos entrevistados responderam
ser este processo muito freqüente, e 20,2% que ele era freqüente, com a maioria dos
entrevistados (50,2%) respondendo que isso ocorre apenas ocasionalmente.
Na ausência de padrões de comparação é difícil avaliar a relevância dessas
proporções, mas não deixa de causar certa preocupação que quase 1/4 dos
respondentes ache que a politização das decisões judiciais é pelo menos freqüente, e
que 74% reconheçam que ela ocorre. Mais impressionante é que essas proporções
refletem essencialmente o que ocorre nas disputas comerciais, de propriedade
industrial e em contratos de aluguel. Em áreas de direito, como meio ambiente,
trabalho, previdência social, direitos do consumidor, crédito e tributária, a politização
é vista como ainda mais freqüente. Em casos envolvendo a regulação de serviços
públicos, 17,9% dos entrevistados responderam que a politização era muito
freqüente; em litígios envolvendo a privatização de empresas estatais essa proporção
chega a 25%.
A politização das decisões judiciais freqüentemente resulta da tentativa dos
magistrados de proteger a parte mais fraca na disputa que lhe é apresentada. Os
magistrados se referem a essa atitude como um papel social que o juiz tem de
desempenhar. Em relação a essa questão, perguntou-se aos magistrados sobre com
qual de duas proposições eles concordavam mais: (A) que os contratos devem ser
sempre respeitados, independentemente de suas repercussões sociais; ou (B) que a
busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos. A grande maioria
dos entrevistados (73,1%) respondeu que eles concordavam mais com a segunda
alternativa (B). Esta foi, sem dúvida, uma das mais importantes constatações desta
pesquisa, no sentido de que ela contradiz inteiramente a visão que economistas e
responsáveis pela política econômica têm sobre a forma que os juízes pensam e agem,
neste sentido ajudando a entender por que tantas iniciativas de política econômica
freqüentemente são bloqueadas na Justiça pelas partes afetadas.

texto para discussão | 966 | jul 2003 45


A proporção de magistrados que favorece a segunda posição (B) varia de acordo
com a área do direito a que o caso se refere, sendo mais alta em litígios que envolvem
o meio ambiente, os direitos do consumidor, a regulação dos serviços públicos e
questões trabalhistas e previdenciárias. Por outro lado, a maioria dos juízes considera
que deve prevalecer o contratado em causas envolvendo questões comerciais, de
crédito e aluguel de imóveis. Os magistrados que privilegiam a busca da justiça social
ao estrito cumprimento dos contratos são maioria em todos os estratos da amostra,
mas são relativamente menos preponderantes entre os juízes mais velhos e da Justiça
estadual. A proporção de juízes que favorece o respeito aos contratos é também
relativamente mais alta entre os magistrados em atividade no Rio Grande do Sul, São
Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
A politização das decisões judiciais foi originalmente pesquisada por Sadek
(1995), e depois por Vianna et alii (1997), na forma de uma não-neutralidade do juiz
na interpretação das leis. Esses trabalhos revelam que o magistrado brasileiro se vê
como responsável por promover a mudança social e, em particular, reduzir as
desigualdades sociais, dispondo-se, com freqüência, a ignorar não apenas os contratos
mas também as leis na busca desse objetivo. Predomina a visão de que esse é um
papel do juiz singular, mais do que do Judiciário enquanto instituição, e que nesse
papel o juiz deve não apenas impor o direito feito pelo Legislativo, mas fazer ele
mesmo o direito, buscando mais a “justiça” do que a certeza jurídica. Como
observam Vianna et alii (1997), ao contrário do que em geral se imagina,
considerando que o Brasil funciona em um sistema de civil law, o magistrado
brasileiro age em larga medida como um juiz do common law, ainda que não aceite
limitar-se por regras de precedente ou pelas decisões de tribunais superiores, que são
os instrumentos que dão previsibilidade ao sistema de common law. Um resultado
importante desta pesquisa é que a não-neutralidade do magistrado, que dá origem a
decisões viesadas ou com pouca previsibilidade, pode ser um problema, do ponto de
vista da economia, tão importante quanto a morosidade. Um problema agravado pelo
pouco conhecimento que se tem dele.
É importante registrar também que essa posição dos juízes contrasta com a da
maior parte de outros grupos da “elite” nacional. Pesquisa coordenada por Lamounier
e Souza (2002), em que esta mesma pergunta foi colocada a uma ampla amostra de
representantes políticos, empresariais, trabalhistas, acadêmicos etc., mostra que os
membros do Judiciário, aí incluído o Ministério Público, têm uma visão mais radical
sobre o grau em que a busca da justiça social valida o desrespeito aos contratos do que
qualquer outro grupo pesquisado por esses autores. Em particular, esse resultado
mostra que o posicionamento dos magistrados não reflete uma posição da sociedade a
esse respeito.
Vários aspectos da forma como o Judiciário opera foram indicados pelos
magistrados como relevantes em termos de causar uma redução da previsibilidade das
decisões judiciais. Entre estes, são dignos de nota as falhas no ordenamento legal e
jurídico, também percebidas como relevante causa da morosidade da Justiça, o uso
freqüente de liminares e a tendência a que as decisões sejam tomadas com base em
detalhes processuais. Estes dois últimos fatores se relacionam a um problema
levantado por alguns dos entrevistados, qual seja, o mérito da questão nunca é
considerado na decisão judicial. Note-se que a maioria desses problemas poderia ser

46 texto para discussão | 966 | jul 2003


corrigida com mudanças de leis e incentivos, sem a necessidade de se aportar mais
recursos orçamentários.
Dentre um amplo conjunto de propostas de reformas apresentadas aos
magistrados, as que receberam mais aprovação foram o aumento do número de
Juizados Especiais, o estabelecimento da quarentena para a indicação de ministros e
políticos para os Tribunais Superiores, e para que magistrados que se aposentam
possam praticar o direito na jurisdição em que eles costumavam trabalhar; a redução
da possibilidade de recursos aos Tribunais Superiores; a democratização do Judiciário
(entendida como a eleição direta, por todos os juízes, dos membros dos órgãos de
decisão dos tribunais); a criação da súmula vinculante para as decisões do STF; a
criação de um Conselho Nacional da Magistratura composto exclusivamente por
membros do Judiciário; e a limitação do período de eficácia das medidas liminares. As
propostas mais fortemente desaprovadas pelos magistrados foram o fim do poder
normativo da Justiça do Trabalho, a criação de um Conselho Nacional da
Magistratura que inclua membros externos ao Judiciário, o estabelecimento da
avocatória para questões de constitucionalidade e inconstitucionalidade, e o
estabelecimento da súmula vinculante para decisões dos Tribunais Superiores que não
o STF.
Os magistrados mostraram-se fortemente favoráveis à proposta de que novos
juízes sejam treinados mais intensamente antes de começar a praticar a nova profissão
e ao uso de indicadores quantitativos para medir o desempenho dos juízes e como
critério para decidir sobre sua promoção. O uso de dois indicadores — o período
decorrido entre o recebimento de um processo e a tomada de uma decisão, e a
proporção de casos em que a decisão do juiz é mantida por instâncias superiores —
foi visto pela maioria dos magistrados como passível de aumentar a agilidade e a
previsibilidade do Judiciário. Esses resultados são consistentes com a percepção da
maioria dos juízes de que a magistratura tem um grau relativamente elevado de
autonomia para melhorar o desempenho do Judiciário. A concordância com essas
propostas é elevada em todos os estratos da amostra, mas é consistentemente mais
baixa entre os juízes mais jovens e mais forte entre os juízes estaduais. Não existe
divergência sistemática de opinião entre magistrados e magistradas, mas foram
obtidas algumas diferenças entre as opiniões de juízes de diferentes estados — depois
de se controlar para idade, gênero, ramo e estágio da carreira do magistrado — ainda
que não de uma forma consistente.
A maioria dos magistrados concorda que as reformas dos anos 1990 fizeram seu
trabalho mais importante do ponto de vista do funcionamento da economia, com
quase metade dos entrevistados concordando completamente com esta visão e cerca
de 1/3 tendendo a concordar. Juízes mais jovens, da Justiça do Trabalho e do sexo
feminino, tendem a concordar menos com esse ponto de vista. Da mesma forma, os
magistrados de Minas Gerais, Goiás e Pará concordam mais fortemente com essa
visão e aqueles em atividade no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina concordam
menos. A maioria dos magistrados concorda plenamente ou tende a concordar com as
reformas econômicas implementadas em anos recentes, especialmente com a proteção
mais forte à propriedade intelectual, a maior abertura ao capital estrangeiro no setor
industrial, a privatização da indústria e a redução das barreiras às importações.

texto para discussão | 966 | jul 2003 47


A maioria dos entrevistados também apóia, ainda que menos fortemente, a
privatização dos bancos públicos, a flexibilização das leis trabalhistas e um acesso mais
fácil dos investidores ao mercado doméstico nos setores de infra-estrutura e
financeiro. Por outro lado, os magistrados tiveram uma posição dividida no que
concerne a privilegiar o controle da inflação em relação a buscar o crescimento
econômico, e a maioria discordou da privatização da infra-estrutura. Além disso, a
maioria dos magistrados discorda completamente da proposta de que os magistrados
devam respeitar o mérito das decisões tomadas pelo colegiado das agências regula-
doras, limitando-se a garantir o respeito aos procedimentos. A oposição à privatização
é mais forte entre os magistrados de Santa Catarina, e é mais forte entre os juízes
trabalhistas do que entre os das justiças estadual e federal. É interessante observar que
a idade e o sexo do magistrado não tendem a afetar sua visão sobre esse tema. Quanto
a aceitar o mérito das decisões do colegiado das agências reguladoras, a oposição é
comum em todos os estratos da amostra, mas um pouco mais fraca entre os juízes
mais velhos, da Justiça do Trabalho e do sexo feminino, e mais forte entre os
magistrados em atividade no Pará e no Distrito Federal.
No todo, a análise da pesquisa sugere três importantes temas para fins de novas
pesquisas e considerações de política. Primeiro, ela sugere que existe muita coisa que
pode ser feita para melhorar o desempenho do Judiciário sem que isso envolva uma
expansão dos recursos orçamentários a ele alocados. Várias dessas iniciativas, como
reformar o código de processo, são vistas pelos magistrados como muito relevantes.
Uma linha interessante de pesquisa nessa área é investigar se o fato de esta reforma
ainda não ter sido implementada é “apenas” um problema de ação coletiva, ou se há
interesses organizados que buscam a manutenção do status quo (por exemplo,
advogados que se beneficiem do trabalho adicional exigido pelos complexos e
demorados procedimentos atuais).
Segundo, a pesquisa mostrou que existem diferenças significativas de visões entre
os magistrados mais jovens e mais velhos sobre temas relevantes para o Judiciário,
diferenças que nem sempre têm uma explicação clara. Por exemplo, por que os juízes
mais jovens são menos favoráveis ao uso de indicadores quantitativos para avaliar o
desempenho e decidir sobre a promoção dos juízes, se eles deveriam ser, em princípio,
os principais beneficiários dessa política? É isso o resultado de um grau mais elevado
de “politização” dos juízes mais jovens?
E terceiro, o artigo sugere que a despeito de apoiarem as reformas dos anos
1990, os juízes têm uma postura relativamente politizada sobre a forma pela qual os
contratos e o mercado alocam riscos, posições que contradizem a essência dessas
reformas. Em particular, a maioria dos magistrados acredita que os juízes têm um
papel social (redistributivista) a desempenhar, e que o objetivo de proteger a parte
mais fraca na disputa justifica a violação de contratos. Esse posicionamento reduz a
segurança jurídica com que se desenrola a atividade econômica, e pode fazer com que
determinados mercados não se desenvolvam, prejudicando exatamente os grupos
sociais que os juízes buscam beneficiar. A quase inexistência de um mercado de
crédito imobiliário, notadamente para as famílias de mais baixa renda, é um exemplo
ilustrativo de como uma boa intenção pode terminar tendo o efeito oposto ao
originalmente buscado. A importância desse posicionamento dos magistrados,
notadamente por ser ele tão destoante do que pensam outros segmentos importantes

48 texto para discussão | 966 | jul 2003


da “elite” nacional, merece uma investigação mais profunda — por exemplo,
analisando em que medida ele também se observa em outros países latino-americanos
— e, possivelmente, a adoção de políticas voltadas para lidar diretamente com esse
tema.
A pesquisa também levou a uma conclusão fundamental sobre a reforma do
Judiciário: ele terá de contar também com mudanças na forma de pensar e agir dos
magistrados, e dos operadores do direito em geral, e não estar baseada apenas na
mudança das leis. Em particular, observou-se, durante a realização da pesquisa, a
necessidade de um intenso trabalho com os magistrados para mostrar-lhes as
implicações mais gerais de suas decisões e a razão de ser de regras que, à primeira
vista, podem parecer injustas. Este é um trabalho necessariamente de longo prazo,
que passa em larga medida por fomentar o conhecimento dos magistrados em temas
econômicos. Em certo sentido, os próprios magistrados precisam refletir mais
intensamente sobre o importante papel que o Judiciário desempenha no desenvolvi-
mento econômico.

APÊNDICE
RESULTADOS DAS REGRESSÕES PARA VARIÁVEIS SELECIONADAS
Model 1
Dependent Variable: Answer to Question 8, Tabela 4.13 (Option A =0, Option B=1)
Method: ML - Binary Logit (Quadratic hill climbing)
Sample: 1 741
Included observations: 665
Excluded observations: 76
Convergence achieved after 4 iterations
Covariance matrix computed using second derivatives
Variable Coefficient Std. Error z-Statistic Prob.
C 2.976745 0.424395 7.014090 0.0000
AGE –0.021348 0.009019 –2.366870 0.0179
Branch2 (State =1 Other=0) –0.559560 0.200056 –2.797018 0.0052
State Dummy1 (=1 for Rio Grande do Sul, São Paulo,
Rio de Janeiro and the Federal District, =0 for other
states) –0.948092 0.200189 –4.735978 0.0000
Mean dependent var 0.784962 S.D. dependent var 0.411158
S.E. of regression 0.399442 Akaike info criterion 0.995066
Sum squared resid 105.4650 Schwarz criterion 1.022133
Log likelihood –326.8596 Hannan-Quinn criter. 1.005554
Restr. log likelihood –346.1691 Avg. log likelihood –0.491518
LR statistic (3 df) 38.61912 McFadden R-squared 0.055781
Probability(LR stat) 2.09E-08
Obs with Dep = 0 143 Total obs 665
Obs with Dep = 1 522

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Model 2
Dependent variable: : Answer to Question 21, Tabela 5.2 (Fully agree = 1, Tends to agree = 2, Tends to disagree = 3
and Fully disagrees = 4)

Method: ML – Ordered Probit (Quadratic hill climbing)

Sample: 1 741

Included observations: 702

Excluded observations: 39

Number of ordered indicator values: 4

Convergence achieved after 5 iterations

Covariance matrix computed using second derivatives

Coefficient Std. Error z-Statistic Prob.

AGE –0.012040 0.005326 –2.260697 0.0238

BRANCH3 (federal =1 other= 0) 0.203132 0.111524 1.821417 0.0685

FD (=1 if first degree judge and =0 otherwise) 0.281194 0.174800 1.608666 0.1077

State Dummy2 (=1 for Minas Gerais, Goiás, Bahia and Pará,
=0 for other states) –0.722384 0.111674 –6.468699 0.0000

Limit Points

LIMIT_2:C(5) 0.032788 0.331102 0.099028 0.9211

LIMIT_3:C(6) 1.267286 0.336371 3.767521 0.0002

LIMIT_4:C(7) 1.590480 0.342131 4.648738 0.0000

Akaike info criterion 1.547289 Schwarz criterion 1.592699


Log likelihood –536.0986 Hannan-Quinn criter. 1.564841

Restr. log likelihood –567.4611 Avg. log likelihood –0.763673

LR statistic (4 df) 62.72505 LR index (Pseudo-R2) 0.055268

Probability(LR stat) 7.75E-13

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Model 3
Dependent Variable: Answer to Question 23, Tabela 5.3 (Fully agree =1, Tends to agree = 2, Tends to disagree = 3 and
Fully disagrees = 4)

Method: ML – Ordered Probit (Quadratic hill climbing)

Sample: 1 741

Included observations: 696

Excluded observations: 45

Number of ordered indicator values: 4

Convergence achieved after 4 iterations

Covariance matrix computed using second derivatives

Coefficient Std. Error z-Statistic Prob.

AGE –0.015712 0.004001 –3.926640 0.0001

Branch2 (State =1 Other=0) –0.212421 0.087162 –2.437082 0.0148

State Dummy3 (=1 for Rio Grande do Sul, Rio de


Janeiro and the Federal District, =0 for other
states) 0.400059 0.085216 4.694649 0.0000

Limit Points

LIMIT_2:C(4) –1.092091 0.176056 –6.203105 0.0000

LIMIT_3:C(5) –0.214805 0.172967 –1.241883 0.2143

LIMIT_4:C(6) 0.449434 0.174694 2.572689 0.0101

Akaike info criterion 2.630644 Schwarz criterion 2.669828


Log likelihood –909.4642 Hannan-Quinn criter. 2.645795

Restr. log likelihood –934.5838 Avg. log likelihood –1.306701

LR statistic (3 df) 50.23918 LR index (Pseudo-R2) 0.026878

Probability(LR stat) 7.10E-11

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Model 4
Dependent Variable: Answer to Question 24, Tabela 5.4 (Fully agree =1, Tends to agree = 2, Tends to disagree = 3 and
Fully disagrees = 4)

Method: ML – Ordered Probit (Quadratic hill climbing)

Sample: 1 741

Included observations: 687

Excluded observations: 54

Number of ordered indicator values: 4

Convergence achieved after 4 iterations

Covariance matrix computed using second derivatives

Coefficient Std. Error z-Statistic Prob.

AGE –0.017279 0.003952 –4.372234 0.0000

BRANCH3 (federal =1 other= 0) 0.181674 0.099294 1.829664 0.0673

State Dummy2 (=1 for Minas Gerais, Goiás, Bahia and


Pará, =0 for other states) –0.249669 0.088268 –2.828536 0.0047

Limit Points

LIMIT_2:C(4) –1.424230 0.187505 –7.595682 0.0000

LIMIT_3:C(5) –0.303239 0.181974 –1.666388 0.0956

LIMIT_4:C(6) 0.451721 0.185000 2.441731 0.0146

Akaike info criterion 2.556298 Schwarz criterion 2.595882


Log likelihood –872.0885 Hannan-Quinn criter. 2.571613

Restr. log likelihood –888.0498 Avg. log likelihood –1.269416

LR statistic (3 df) 31.92256 LR index (Pseudo-R2) 0.017973

Probability(LR stat) 5.43E-07

52 texto para discussão | 966 | jul 2003


Model 5
Dependent Variable: Answer to Question 25, Tabela 5.5 (Fully agree =1, Tends to agree = 2, Tends to disagree = 3 and
Fully disagrees = 4)

Method: ML – Ordered Probit (Quadratic hill climbing)

Sample: 1 741

Included observations: 668

Excluded observations: 73

Number of ordered indicator values: 4

Convergence achieved after 4 iterations

Covariance matrix computed using second derivatives

Coefficient Std. Error z-Statistic Prob.

AGE –0.027968 0.004072 –6.868517 0.0000

GENDER –0.245955 0.093800 –2.622114 0.0087

State Dummy4 (Rio Grande do Sul=1, other


states=0) 0.455353 0.146044 3.117916 0.0018

State Dummy5 (=1 for Minas Gerais, Federal


District and Pará, =0 for other states) –0.306777 0.094023 –3.262777 0.0011

Limit Points

LIMIT_2:C(5) –2.153475 0.198281 –10.86072 0.0000

LIMIT_3:C(6) –0.783377 0.186968 –4.189891 0.0000

LIMIT_4:C(7) –0.169680 0.186864 –0.908041 0.3639

Akaike info criterion 2.436474 Schwarz criterion 2.483675


Log likelihood –806.7824 Hannan-Quinn criter. 2.454759

Restr. Log likelihood –843.5837 Avg. log likelihood –1.207758

LR statistic (4 df) 73.60267 LR index (Pseudo-R2) 0.043625


Probability(LR stat) 3.89E-15

texto para discussão | 966 | jul 2003 53


Model 6
Dependent Variable: Answer to Question 27, Tabela 5.10 (Answers range from zero, which means that there is nothing
that the magistracy can do, to ten, which means that it is entirely up to it to improve judicial performance)

Method: ML – Ordered Probit (Quadratic hill climbing)

Sample: 1 741

Included observations: 697

Excluded observations: 44

Number of ordered indicator values: 11

Convergence achieved after 4 iterations

Covariance matrix computed using second derivatives

Coefficient Std. Error z-Statistic Prob.

Branch2 (State =1 Other=0) 0.320349 0.079147 4.047538 0.0001

State Dummy6 (=1 for Rio Grande do Sul, São Paulo,


Minas Gerais and the Federal District, =0 for other
states) –0.227606 0.077255 –2.946157 0.0032

Limit Points

LIMIT_1:C(3) –2.168836 0.130735 –16.58951 0.0000

LIMIT_2:C(4) –1.897629 0.108688 –17.45945 0.0000

LIMIT_3:C(5) –1.446253 0.087184 –16.58861 0.0000

LIMIT_4:C(6) –0.906380 0.075072 –12.07344 0.0000

LIMIT_5:C(7) –0.509592 0.070942 –7.183178 0.0000

LIMIT_6:C(8) 0.243283 0.069715 3.489685 0.0005

LIMIT_7:C(9) 0.647350 0.072234 8.961831 0.0000

LIMIT_8:C(10) 1.202897 0.080260 14.98754 0.0000

LIMIT_9:C(11) 1.833930 0.103407 17.73503 0.0000

LIMIT_10:C(12) 2.080240 0.120522 17.26030 0.0000

Akaike info criterion 4.069858 Schwarz criterion 4.148138


Log likelihood –1406.345 Hannan-Quinn criter. 4.100124

Restr. log likelihood –1419.219 Avg. log likelihood –2.017712

LR statistic (2 df) 25.74675 LR index (Pseudo-R2) 0.009071

Probability(LR stat) 2.57E-06

54 texto para discussão | 966 | jul 2003


Model 7
Dependent Variable: Agreement with the increased importance of the judiciary as result of structural reforms (Question
10), Tabela 6.1 (Fully agree =1, Tends to agree = 2, Tends to disagree = 3 and Fully disagrees = 4)

Method: ML – Ordered Probit (Quadratic hill climbing)

Sample: 1 741

Included observations: 680

Excluded observations: 61

Number of ordered indicator values: 4

Convergence achieved after 4 iterations

Covariance matrix computed using second derivatives

Coefficient Std. Error z-Statistic Prob.

AGE –0.015755 0.004247 –3.710086 0.0002

GENDER 0.170642 0.097100 1.757385 0.0789

Branch1 (Labor =1 Other=0) 0.170221 0.094465 1.801956 0.0716

State Dummy7 (=1 for Rio Grande do Sul and Santa


Catarina, =0 for other states) 0.363714 0.122638 2.965754 0.0030
State Dummy8 (=1 for Minas Gerais, Goiás and Pará, =0
for other states) –0.323688 0.107287 –3.017042 0.0026

Limit Points

LIMIT_2:C(6) –0.578655 0.198506 –2.915054 0.0036

LIMIT_3:C(7) 0.521812 0.199127 2.620501 0.0088

LIMIT_4:C(8) 1.175783 0.208208 5.647165 0.0000

Akaike info criterion 2.120607 Schwarz criterion 2.173808


Log likelihood –713.0062 Hannan-Quinn criter. 2.141199

Restr. log likelihood –735.5527 Avg. log likelihood –1.048539


LR statistic (5 df) 45.09291 LR index (Pseudo-R2) 0.030652

Probability(LR stat) 1.39E-08

texto para discussão | 966 | jul 2003 55


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