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PUC-SP
Doutorado em Direito
São Paulo
2016
Fabio Marques Ferreira Santos
São Paulo
2016
Dedico este trabalho à minha amada Mãe pelo incansável apoio incondicionado,
mesmo nos instantes em que o tempo a faz pestanejar, às minhas filhas, Brenda,
Julia, Thabata e Hannah Arendt porque me fazem transformar a dor e o sofrimento
em uma substância mágica e transformadora capaz de me inspirar a cada instante
existencial. Ao meu orientador por acreditar na proposta e abrir caminhos a algo
inusitado irrestritamente. Aos meus leais, fieis, dedicados e incansáveis auxiliares de
pesquisa, crítica e correção: Adriana Santos, Diego Rosas, Fernanda Grejo, Flora
Chrisbender, Oryon Melo e Vivian Catarina.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador
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RESUMO
ABSTRACT
Scientific work aimed to investigate the cognitive limits of the State / Judge and
their conditions as a system (paradigm of Justice) operated by the human
intelligence, according to studies of Kahneman, Slovic and Tversky, in Judgment
under uncertainty: heuristic and biases, and effects caused to Law and Justice
with a historic deficit of predictability, certainty and security. It was adopted the
Kuhnian epistemology, methodology and concepts, appropriating them as an
explanatory flow of the dynamic of evolution of Law and Justice. It was sought to
consolidate a dialogue with no winners, bringing flexibility to the granularity and
incommensurability between Philosophies, Logics, Cognitive Sciences and Human
Rights (Constitutional and Civil Procedure).Theoretical studies gathered
information and data in order to demonstrate the fallibility and failure of the State /
Judge as an exclusive mediator of law to achieve justice and the potential
possibility of carrying out the equation between Law and Justice through the
Artificial Intelligence technology. These studies also evaluate such evolution as a
kind of intelligence technology and, at the same time, as a safe and effective
means to perform functions using programming structure. The research
emphasized the predictability of constitutional provisions, in particular the content
encapsulated in item LXXVIII of Article 5 of the laureate diploma stating that "it is
assured to everyone at judicial and administrative level, reasonable duration of the
process and the means to guarantee the speed of its proceedings." Based on
permissive Constitution, it focused symmetrically an analysis of the Constitutional
Procedural Law, named Establishment of Repetitive Demands Incident Resolution,
taken over by the Law 13,105 / 2015 with the sole mission to standardize and to
achieve the legal substantive statutes whose procedural technique has
internalized, through the new procedural standard, the so-called judicial precedent,
which has the power to vertically integrate judicial decisions, linking the final
decisions entered by the Courts, having as ballast a legal thesis founded in
question of Law. The objective is to give parity treatment to similar cases, greater
speed to processes, to unburden the judiciary system and therefore, to seek the
realization of the Democratic State of Law envisioned in the Constitution. Among
the most important values contemplated by the Constitution, there are namely
accessible material, predictability, safety and certainty of equal treatment of the
Law according to the Constitutional Justice. For these reasons and rationale, the
scientific work concludes that it is possible, taking into consideration the
mentioned legal provisions, to defend, within the limits of theoretical research, the
Thesis of the legal development of a procedural digital platform conducted by
Artificial Intelligence, using data storage and information, managing them and
deciding cases whose question of Law has legitimate precedents (hermeneutic
interpretive understanding about consensual Law) in terms adopted by the current
Brazilian legislation. Finally, the research also shows that, in view of the evolution
of Artificial Intelligence technology, as well as other factors and influences, we
must consider the natural tendency for the Law and Justice to start being decided
by non-human intelligence and the changes brought about by the Artificial
Intelligence technology that will cause the break of concepts, forms and structures
in the next decades.
Key words: Human cognitive limit. Paradigm of Justice. Judiciary. Law mediated
by Artificial Intelligence.
Como qualquer outra atividade social, a
pesquisa científica é conduzida por certas
condições biológicas, econômicas, culturais e
políticas mínimas, que variam relativamente
pouco de uma sociedade para outra. Por
exemplo, um pesquisador, por mais abstrato
que seja o problema com que se ocupa,
precisa ter saúde e um salário regular que lhe
permita concentrar-se em seu trabalho.
Precisa, também, ter livre acesso à informação,
sem excluir o livre intercâmbio de experiências
e opiniões com colegas nacionais e
estrangeiros. Também necessita de
liberdadeacadêmica para discorrer sobre o seu
tema e a maneira de tratá-lo, assim como de
liberdade para difundir o resultado de seu
trabalho (liberdade especialmentenecessária se
o resultado contradiz opiniões
preestabelecidas).
Mario Bunge
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14
1 ASPECTOS PROPEDÊUTICOS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO ......... 29
1.1 A formação estrutural do conhecimento .............................................................. 29
2 A IMPORTÂNCIA DA EPISTEMOLOGIA DE THOMAS KUHN NO
DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA DO DIREITO E DA JUSTIÇA ......................... 45
2.1 Aspecto dinâmico da ruptura paradigmática e sua contribuição para um novo
conceito de Direito e de Justiça................................................................................. 45
3 O MOVIMENTO DE RUPTURA COMO PROGRESSO DA CIÊNCIA EM THOMAS
KUHN ........................................................................................................................ 68
3.1 A contribuição da ruptura da ciência no estabelecimento da nova ordem do
Direito e da Justiça para o enfrentamento de uma nova Era .................................... 68
4 AS RELAÇÕES DINÂMICAS DA EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA EM THOMAS
KUHN, SUA LÓGICA E SEUS CRITÉRIOS PARA O DESENVOLVIMENTO
CIENTÍFICO .............................................................................................................. 82
4.1 As propriedades dinâmicas da ciência a partir de Thomas Kuhn e sua
contribuição para a explicação do desenvolvimento paradigmático do Direito e da
Justiça ....................................................................................................................... 82
5 AS ESCOLAS DAS PSICOLOGIAS .................................................................... 102
5.1 Estruturas psicológicas propostas para a explicação do funcionamento da mente
humana ................................................................................................................... 102
6 O SISTEMA COGNITIVO DE DECIDIBILIDADE ................................................. 118
6.1 Aspectos relevantes a respeito do sistema cognitivo humano e as influências a
respeito de sua percepção no ato de decidir ........................................................... 118
7 O SISTEMA NEUROLÓGICO HUMANO............................................................. 138
7.1 A dinâmica do cérebro humano e sua importante contribuição para o rompimento
de limites ................................................................................................................. 138
8 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ............................................................................... 147
8.1 Aspectos estruturais e dinâmicos do sistema da Inteligência Artificial .............. 147
8.2 A Inteligência Artificial como “meio” adequado e útil para a mediação do Direito e
da Justiça ................................................................................................................ 185
9 ASPECTOS ESTRUTURAIS DA VERDADE....................................................... 214
9.1 O estatuto da verdade, seu tratamento histórico jurídico na validação do Direito e
da Justiça e as lógicas relacionadas ....................................................................... 214
10 O ESTADO CONSTITUCIONAL E OS “MEIOS” PARA A CONQUISTA DOS
DIREITOS E DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS ................................................ 239
10.1 Aspectos de base de um projeto do Estado Democrático de Direito para um
Estado Constitucional .............................................................................................. 239
10.2 O inevitável destino do uso da tecnologia como “meio” para a concretização do
Projeto do Estado Democrático de Direito .............................................................. 249
11 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO ATUAL PARADIGMA (DE/DA)
JUSTIÇA ................................................................................................................. 275
11.1 Uma Justiça com natureza judiciária ............................................................... 275
12 PROCESSO CIVIL E SEUS ASPECTOS RELEVANTES SEMPRE
IMANENTES .......................................................................................................... 301
12.1 Aspectos principiológicos do processo ............................................................ 301
12.2 A relevância Constitucional processual ........................................................... 306
13 PROCESSO CIVIL E SEU NOVO-REFORMADO ESTATUTO ......................... 311
13.1 Os aspectos desde a estrutura ao novo-reformado CPC ................................ 311
13.2 Uma teoria procedimental simplificada para a resolução dos conflitos ........... 320
13.3 O papel do Estado/Juiz no novo-reformado CPC na ponderação dos
valores ....................................................................................................... 325
14 ASPECTOS GERAIS PARA UM MODELO ESTRUTURAL PROCESSUAL
TECNOLÓGICO...................................................................................................... 334
14.1 A verdadeira função do conhecer para a devida programação ....................... 334
14.2 As súmulas, a jurisprudência e os precedentes, seus papéis sistêmicos
processuais embrionários de linguagens tecnológicas ........................................... 343
14.3 O desembarque da IIRDR (Instauração de Incidente de Resolução de Demanda
Repetitiva) no sistema processual e suas perspectivas no cenário processual
brasileiro .................................................................................................................. 358
14.4 O Processo Civil enquanto instrumentalidade com características
tecnologizadas e sua eficaz utilidade ...................................................................... 369
15 O LIMITE COGNITIVO DO PODER JUDICANTE ............................................. 390
15.1 Uma anomalia da natureza humana ............................................................... 390
16 CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DA PRIMEIRA REFORMA DO
PODER JUDICIÁRIO .............................................................................................. 445
16.1 Os motivos históricos do sistema operacional judicante e a centelha da
tecnologização proposta entre os pontos e contrapontos da reforma ..................... 445
17 A EXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO PARADOXAL NA CONCEPÇÃO DE
JUSTIÇA ................................................................................................................. 466
17.1 Por uma redefinição de Justiça, uma alquimia fundida a partir da cultura, do
homem e da linguagem para a edificação de um plano Constitucional social
concreto .................................................................................................................. 466
18 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DE UM NOVO PARADIGMA DE
JUSTIÇA ................................................................................................................ 487
18.1 A epistemologia das decisões mediadas por um sistema tecnológico orientado a
partir de uma Inteligência Artificial ........................................................................... 487
19 ASPECTOS MACROCOGNITIVOS ................................................................... 516
19.1 A relação profusora da Inteligência Artificial com as ciências físicas, neurofísica,
neuroquímica e seus impactos no futuro do destino do Direito e da Justiça ........... 516
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 564
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 568
ANEXO A – PERCEPÇÃO DO BRASILEIRO SOBRE A JUSTIÇA (SIPS) ........... 589
ANEXO B – PESQUISA SOBRE O JUDICIÁRIO: VISÃO DO JUIZ ...................... 605
14
INTRODUÇÃO
1Não se cuide que a reforma processual baste, de per si, para resolver, como que por encanto, todos
os problemas da administração da justiça. O melhor sistema processual estará fadado a completo
malogro, se não for aplicado por um excelente corpo de juízes. É que entre o processo civil e a
organização judiciária deve haver um perfeito equilíbrio.
16
2 O primeiro traço de relevo na reforma do processo haveria, pois, de ser a função que se atribue ao
juiz. A direção do processo deve caber ao juiz; e este não compete apenas o papel de zelar pela
observância formal das regras processuais por parte dos litigantes, mas o de intervir no processo de
maneira, que este atinja, pelos meios adequados, o objetivo de investigação dos fatos e descoberta
da verdade. Daí a largueza com que lhe são conferidos poderes, que o processo antigo, cingido pelo
rigor de princípios privatísticos, hesitava em lhe reconhecer. Quer na direção do processo, quer na
formação do material submetido a julgamento, a regra que prevalece, embora temperada e
compensada como manda a prudência, é a de que o juiz ordenará quanto for necessário ao
conhecimento da verdade.
17
3Como esclarece Honoré: “Os especialistas consideram que o cérebro opera com dois modos de
pensamento. Em seu livro Hare Brain, Tortoise Mind – Why Intelligence Increases When You Think
Less [Cérebro de lebre, mente de tartaruga – Por que a inteligência aumenta quando pensamos
19
menos], o psicólogo britânico Guy Claxton refere-se a eles como Pensamento Rápido e Pensamento
Devagar. O Pensamento Rápido e Pensamento Devagar. O Pensamento Rápido é racional, analítico,
linear e lógico. É o que fazemos quando estamos sob pressão, ante o tique-taque do relógio; é a
maneira como os computadores pensam e também a maneira como funcionam nossos ambientes
modernos de trabalho; graças a ele, podemos obter soluções claras para problemas bem definidos
(HONORÉ, Carl. Devagar; tradução Clóvis Marques. 7. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 142-
143).”
20
4 Para Goldstein, “A prova e o paradoxo de Kurt Godel..., Em ciência [...] O novo somente nasce com
dificuldade, é vítima da resistência, diante de um cenário proporcionado pela expectativa.
Inicialmente, apenas o previsto ou o que conhecemos é que nos permitimos experimentar, mesmo
que mais tarde a anomalia identificada seja observada e reconhecida (GOLDSTEIN, Rebecca.
Incompletude: a prova e o paradoxo de Kurt Gödel; tradução Ivo Korytowski. São Paulo: Companhia
das Letras, 2008).”
23
Dessa forma, uma vez disponível, o Direito, como regra vigente para sua
aplicação, ou melhor, como conhecimento válido e legítimo para orientar a
sociedade como regra de conduta aceitável, passa por um processo de reconstrução
quando de sua convocação para atender à determinada ocorrência no mundo
prático-social.
No entanto, o conhecimento do Direito para sua aplicação passa a ser
contaminado pela intervenção do homem e por seus aspectos ideológicos, isto é, o
Direito começa, em si, a ser desvirtuado por fatores diversos que influenciam seu
operador quando de sua reconstrução, não terminando o ciclo, nem sempre, em seu
início, que é a lei, disso se extrai a injustiça.
Nesse cenário, a Justiça passa a não acontecer por ausência de elementos
essenciais ou para alguns de pressupostos essenciais válidos ao cumprimento de
seus fins. É perceptível que, se o modelo existente de Justiçaé é eficaz ou não, tem
em si, anterior à sua estruturação, um conhecimento que lhe dá a estatura de poder
(regra de conduta), a fim de legitimá-lo como tal, outorgando-lhe poder e
reconhecimento da decisão, pois esteve dentro da moldura proporcionada pela lei,
portanto, Justiça é a aplicação de um Direito vinculado por uma lei.
A estrutura do conhecimento da norma é ponto inconteste, salvo mudanças
da estrutura diante do não atendimento em decorrência da evolução da sociedade a
que se destina, o que é diferente do conhecimento exercitado pelo homem quando
da aplicação do conjunto normativo disponível para aplicabilidade.
O modelo do Direito moderno representa a postura da força para a
manutenção da ordem sobre o caos, porém não o nega, ao contrário, data o fim do
ciclo com o advento da emancipação do homem, da ciência e da tecnologia como
modelo da pós-modernidade, pois, frente a uma logicidade e a uma racionalidade
distintas, o sistema judiciário mediado pelo Estado/juiz tem-se revelado incompatível
com as necessidades e as exigências da vida pós-moderna.5Em um novo momento
5 É nesse ponto elementar que a passagem de Boaventura Santos fornece oxigênio intelectual a tal
propósito, senão vejamos: “A ordem que se buscava era, desde o início e simultaneamente, a ordem
da natureza e a ordem da sociedade. Enquanto a tensão entre regular e a emancipação foi
protagonista no paradigma da modernidade, a ordem foi sempre concebida numa tensão dialética
com a solidariedade, tensão que seria superada mediante uma nova síntese: a ideia da “boa ordem”.
Desaparecida a tensão, a ideia de boa ordem daria lugar a ideia de ordem tout court. Ao direito
moderno foi atribuída a tarefa de assegurar a ordem exigida pelo capitalismo, cujo desenvolvimento
ocorrera num clima de caos social que era, em parte, obra sua. O direito moderno passou, assim, a
constituir um racionalizador de segunda ordem da vida social, um substituto da conscientização da
sociedade, o ersatz que mais se aproximava – pelo menos no momento da plena cientificização da
sociedade que só poderia ser fruto da própria ciência moderna – para desempenhar essa função, o
25
histórico, dados os avanços das ciências, a pesquisa encontra nesse solo elementos
que demarcam as trincas e as rachaduras do modelo moderno, abrindo, assim,
espaço para um novo paradigma encampado por uma nova estrutura cognitiva de
gestão para a aplicação do Direito em todo seu sistema operacional, exigidos pela
pós-modernidade.
Essa fenda gerada no sistema operacional do Poder Judiciário é tributária da
insuficiência da estrutura psicológica do homem como homo sapiens e sua fácil
influenciabilidade quando das tomadas de decisões, por fatores dos mais diversos,
tais como pessoalidade, subjetividade, econômico, políticos, dentre outros que o
exponham a aspectos valorativos ou morais.
A realidade perceptiva do homem o torna um “ser” de limitações de sua
própria realidade e do mundo em que vive. E isso é objeto de estudo científico da
obra Judgment under uncertainty: Heuristics and biases, de Kahneman, Slovic e
Tversky (Julgamento sob incerteza: bases e heurísticas), tradução pessoal, que
embasa cientificamente a questão enfrentada quando o dilema da probabilidade
cognitiva enfrenta o desconhecido pântano da representatividade proporcionada
pelos sentidos e o risco dos resultados, quase sempre obtidos pela intuição
perceptiva.
Portanto, o limite cognitivo do poder humano judicante representa um dos
maiores problemas do Judiciário diante da nova era secular, cuja marca se baseia
no avanço da tecnologia e com ela na tecnologizaçãodas ações humanas em todos
os sentidos e em todas as formas pelas machine’s sapiens.
Sendo o operador da Justiça uma peça central do sistema do Poder
Judiciário, poderá o representante supremo e ícone identidário da Justiça ser um
paradigma? Como todo paradigma, em dadas circunstâncias sua ruptura representa
uma condição natural do ciclo.
Por ser o homem uma peça, como todas as demais, orgânicas ou não,
inanimadas ou não, que compõem o sistema biofísico ou bioquímico, sua
substituição ou seu reposicionamento são “fatos” reais a serem considerados,
portanto,críveis e possíveis, ainda que não o sejam neste instante.7
No cenário em questão, a Justiça tornar-se-á um produto de acesso também
pela via de um sistema digital, em que o controle dos casos e das decisões
passariam a ser realizadas por uma organização categorial por intermédio de
algoritmos, geradores de uma sistematização capaz de integrar, uniformizar e
padronizar as questões tratadas por temas, naturezas, espécies, tipos ou
procedimentos, em uma plataforma institucional digital processual desenvolvida por
intermédio de uma linguagem de programação em matrizes semânticas.
Abastecida, administrada e fiscalizada pela espécie humana, isenta-a
somente do ato de ponderação de aplicação das regras aos fatos formalizados, a
partir dos critérios previamente predefinidos para inserção do sistema.
O acesso da sociedade à consulta de seus Direitos e Garantias passaria a ser
realizado por intermédio de terminais eletrônicos interligados e integrados às bases
legais de um sistema maior, que permitirá – por meio de uma Inteligência Artificial e
de uma linguagem eletrônica – entregar a cada cidadão o direito de conhecer seus
Direitos, antes mesmo de buscar no Estado uma participação ativa para a resolução
7Como bem ilustrado por Braga (SDP), “As máquinas não fazem extrapolações, induções, deduções
ou pressuposições. É necessário treiná-las, programá-las, simular as redes neurais do nosso cérebro,
gerar artificialmente os modelos de processamento da linguagem e do conhecimento que possuímos.
Eis o desafio desta tarefa de ensinar as máquinas (BRAGA, Daniela. Máquinas falantes: novos
paradigmas da língua e da linguística. Disponível em:
<http://danielabraga.com/PDF/Coloquio%20Politica%20Linguistica_2007.pdf>. Acesso em: 19 abr.
2013).”
28
10 Para Lévy: “A massa de informações armazenadas cresce em um ritmo cada vez mais rápido. Os
conhecimentos e habilidades da esfera tecnocientífica e das que dela dependem evoluem cada vez
mais rápido. Disto decorre que, em certas áreas, a separação entre a memória pessoal e o saber não
é mais parcial; as duas entidades tendem a estar quase que totalmente dissociadas. Na civilização da
escrita, o texto, o livro, a teoria permanecia, no horizonte do conhecimento, polos de identificação
possível. Por trás da atividade crítica, havia ainda uma estabilidade e unicidade possíveis, as da
teoria verdadeira, da explicação correta. Hoje, está cada vez mais difícil para um indivíduo cogitar sua
identificação, mesmo que parcial, com uma teoria. As explicações sistemáticas e os textos clássicos
em que elas se encarnam parecem-nos hoje excessivamente fixos dentro de uma ecologia cognitiva
na qual o conhecimento se encontra em metamorfose permanente. As teorias, com suas normas de
verdade e com a atividade crítica que as acompanha, cedem terreno aos modelos, com suas normas
de eficiência e o julgamento de pertinência que preside sua avaliação. O modelo não se encontra
mais inscrito no papel, este suporte inerte, mas roda em um computador. É desta forma que os
modelos são continuamente corrigidos e aperfeiçoados ao longo das simulações. Um modelo
raramente é definitivo. Um modelo digital normalmente não é nem “verdadeiro” nem “falso”, nem
mesmo “testável”, em um sentido estrito. Ele apenas será mais ou menos útil, mais ou menos eficaz
ou pertinente em relação a este ou aquele objetivo específico. Fatores muito distantes da ideia de
verdade podem intervir na avaliação de um modelo: a facilidade de simulação, a velocidade de
realização e modificação, as conexões possíveis com programas de visualizações, de auxílio à
decisão ou ao ensino (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era
da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 121).”
32
11“[...] conceitos usualmente empregados para a construção do conhecimento e por uma teorização
sobre a prática são isentas de interesses, de preconceitos e de incursões subjetivas. Conforme
adverte Bourdieu, ‘o privilégio presente em toda atividade teórica pressupõe um corte epistemológico
e um corte social e ambos governam sutilmente essa realidade, portanto, qualquer investigador deve
pôr em questão pressupostos inerentes a sua qualidade de observador externo que importa para o
objeto, os princípios de sua relação com a realidade, incluindo-se aí as próprias relevâncias’
(MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12
ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 157).”
33
12 Como esclarece Sanvito: “O princípio da complexidade impede (no momento) uma teoria
unificadora do conhecimento e não permite exorcizar essa instância da contradição, da incerteza, do
irracional. De acordo com os teoremas de Godel, um sistema formalizado complexo (axiomatizado)
não pode ser validado por si mesmo. Isto significa que um sistema lógico, de certa complexidade, não
consegue escapar de suas contradições ocultas. Aqui nos deparamos com o problema da
autorreferência, que é um paradoxo clássico do pensamento grego, que geralmente se refere a ele
como o “paradoxo cretense” (citado por Sanvito). Conta-se que o cretense Epimênides certa ocasião
afirmou: “Todos os cretenses são mentirosos” e criou um problema aparentemente insolúvel. Esse
impasse pode ocorrer nos paradoxos que dependem do uso de conceitos cujo âmbito de referência
inclui o próprio conceito. Neste modelo cretense, a simples colocação – “O que eu estou afirmando
não é verdade” gera uma contradição extrínseca: se a afirmativa é verdadeira, está demonstrada que
é falsa; se é falsa, devemos entender que contém uma verdade. Já Tarski (citado por Bronowski) deu
ênfase ao problema da linguagem; um sistema semântico não tem capacidade de explicar totalmente
a si próprio. A linguagem simbólica é empregada para descrever partes do mundo, encontrando
muitas dificuldades para descrever partes dela mesma. A elaboração de uma metalinguagem poderia
remover este obstáculo? Não é a opinião de Morin, para que as linguagens formalizadas não podem
34
constituir uma metalinguagem em relação a nossa linguagem (SANVITO, Wilson Luiz. Inteligência
biológica versus inteligência artificial. In: Scielo. Arq Neuropsiquiatr, n. 53, 1995, p. 363.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/anp/v53n3a/01.pdf>. Acesso em: 06 dez. 2015).”
13 Segundo Sanvito: “A nossa maneira de pensar está intimamente ligada ao contexto das situações;
de modo geral, não analisamos a coisa em si, mas a relação entre elas. Por exemplo, quando lido
com o substantivo “maçã”, a minha representação mental pode ser diversa dependendo do contexto;
pode significar o fruto proibido de que fala o Gênesis, o fruto envenenado da fábula da Branca de
Neve, a maçã de Newton com a conotação da lei da gravidade, a fruta propriamente dita para
saborear, a natureza morta do pintor A ou B, e assim por diante. A IA tentou superar essas
dificuldades através de estratégias para atingir uma representação dos conhecimentos (SANVITO,
Wilson Luiz. Inteligência biológica versus inteligência artificial. In: Scielo. Arq Neuropsiquiatr, n. 53,
1995, p. 365. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/anp/v53n3a/01.pdf>. Acesso em: 06 dez.
2015).”
35
14 Cita Minayo: “Regras universais e padrões rígidos permitindo uma linguagem comum divulgada e
conhecida no mundo inteiro, atualização e críticas permanentes fizeram da ciência a “crença” mais
respeitável a partir da modernidade. A força da ciência, que se tornou um fator produtivo de elevada
potência na contemporaneidade, levou o filósofo Popper (1973) a dar ênfase em suas análises à
lógica externa da comunidade científica, utilizando, para isso a expressão o Terceiro Mundo, uma
espécie de classe ou casta, com sua economia e lógica próprias, embora permeadas por conflitos e
contradições como qualquer outra criação e instituição humana. O certo é que o campo científico tem
suas regras, para conferir o grau de cientificidade ao que é produzido e reproduzido dentro e fora
dele, suas atividades conciliam sempre em duas direções: numa, ela loca suas teorias, métodos,
princípios e estabelece resultados. Noutra, inventa, ratifica seus cenários, abandona certas vias e
orienta-se por novas rotas. Ao se enveredar nesse terceiro mundo, os cientistas aceitam as condições
instituídas e no mesmo tempo o condão de historicidade e provisoriedade peculiar do universo em
que decidiram investir sua vida (MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento:
pesquisa qualitativa em saúde. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 36).”
36
15Observa Abrantes: “Outras teses de Kuhn são revisitadas, como as relativas à aprendizagem de
um paradigma através de “problemas e soluções-padrão”, num período de Ciência “normal”; ou da
resistência dos cientistas a novos paradigmas. A aprendizagem é considerada um processo cognitivo
envolvendo modificações nos pesos das ligações sinápticas dos homens ou outros animais, em
37
analogia com o que ocorre durante o “treinamento” de redes neurais artificiais (ABRANTES, Paulo
(Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 187).”
38
16 Como afirma Minayo: “Para a prática interdisciplinar, o exercício teórico disciplinar é tão
fundamental quanto o diálogo entre as diferentes áreas, contudo, a articulação entre diferentes
campos do saber só é possível se passar por traduções das distintas lógicas e critérios de
cientificidade, de uma hermenêutica do modus operandi de cada metodologia e da arquitetura dos
conceitos que cada teoria de referência apresenta. Sem esse diálogo dos fundamentos de cada uma
das ciências, os praticantes das diferentes tradições científicas estarão restritos ao infrutífero debate
dos limites desse ou daquele conceito, às condições de sua operacionalização ou justaposição de
métodos e técnicas (MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa
qualitativa em saúde. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 75).”
39
17 Continua Wilber: “Se quisermos conhecer a Realidade em sua plenitude e em sua totalidade, se
quisermos deixar de esquivar-nos e de escapar de nós mesmos no próprio ato de tentar encontrar-
nos, se quisermos penetrar a realidade concreta do território e deixar de confundir-nos, os dias dos
mapas que invariavelmente possui quem os possui, teremos de abrir mão do modo simbólico
dualístico de conhecer, que rasga violentamente o tecido da Realidade na própria tentativa de agarrá-
lo. Numa palavra, teremos de mudar-nos da obscuridade do conhecimento crepuscular para o brilho
do conhecimento aurescente – se quisermos conhecer a Realidade, teremos de voltar-nos, finalmente
40
para o segundo modo de conhecer (WILBER, Ken. O espectro da consciência; tradução Octavio
Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 39).”
41
18 Segundo Abrantes, “A delimitação dessas tarefas como componentes centrais para a elaboração
de uma teoria da intencionalidade sugere o roteiro que devemos seguir neste trabalho. A primeira
parte examina algumas teorias contemporâneas acerca da natureza da intencionalidade – teorias que
têm como ponto de partida um enfoque lógico e linguístico da natureza da representação mental.
Procuraremos mostrar, nesta primeira parte, utilizando uma estratégia top-dow, como a
intencionalidade se manifesta na linguagem, mas não é um fenômeno linguístico e sim cognitivo –
com raízes muito mais profundas do que julgaram essas teorias recentes (ABRANTES, Paulo (Org).
Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 76).”
19 Para Claudio Saiani apud Polanyi (2004, p. 62): “O conhecimento tácito habitualmente em sua
forma subjetiva e objetiva representa a seguinte concepção. Essa visão pessoal, por envolver a
convicção profunda e toda personalidade de que a pessoa que a detém (idem), mas também possui o
que Polanyi chama de intenção universal: o cientista acredita que qualquer um que possua o mesmo
equipamento, olhando na mesma direção deve ver aquilo que ele vê. Essa intenção é uma
decorrência de nossa crença em uma visão que acreditamos ter estabelecido contato com a
realidade. Não há garantia, é claro, de que alguém veja aquilo que vemos, mas não existem regras
que assegurem explicitamente que fizemos contato com a realidade: ‘Nossa convicção de que esse
contato ocorre é fiduciária, assim como o são as convicções de outras pessoas procurando avaliar
nossa visão (Proush, p.97)’. É importante ressaltar que essa intenção germina entre o universal, é
que faz com que qualquer convicção que tenhamos em relação a um contato com a realidade sendo
sustentada com responsabilidade e honestidade possa ser chamada de conhecimento. ‘Pois aquilo
que sustentamos, que seja conhecimento (Proush, p. 98)’ (SAIANI, Cláudio. O valor do
conhecimento tácito: a epistemologia de Michael Polanyi na escola. São Paulo: Escrituras Editora,
2004, p. 62).”
43
Os fatos, nesse aspecto, não nos apresentam, não forçam sua presença.
Aquilo que denominamos “fatos” sempre envolve nosso julgamento (com algum grau
de risco) de que alguma coisa é um fato. (Prouch, 1986, p. 98) “O que é reconhecido
como um fato é, evidentemente, algo em que devemos acreditar. Mas um tal
reconhecimento só é possível porque nós, primeiro, acreditamos”.
Dessa afirmação é possível inferir que o conhecimento pode ser pessoal,
subjetivo ou objetivo, em que a verdade é uma procura aliançada em uma crença
pura ou em uma crença justificada, em que o risco ainda habita ambas as hipóteses.
Issosignifica que, na aldeia das palavras, o conhecimento encontra estímulo
suficiente para modificar a consciência do indivíduo.
Semelhante operação altera o conhecimento sem que haja condições de
controle do próprio sujeito; é nessas condições que as falhas, os erros e os
equívocos comprometem a certeza do conhecimento, como bem ilustra Saiani
(2004, p. 76), “No experimento de associação de palavras. Conforme vimos, nesse
experimento fica patente que algo ocorre inconscientemente com as associações
normais.”
E complementa o mesmo autor (2004, p. 55): “Na verdade, nossos
mecanismos perceptivos e as experiências contidas em nossa história pessoal
influenciam-se mutuamente, sendo que a posição final “Só pode ter um caráter
pessoal, e não um que seja intersubjetivamente (ou objetivamente) correto”.
Mesmo sabendo do risco enfrentado no processo de construção do
conhecimento em suas diversas e infindáveis formas, a intuição humana conduz o
indivíduo a uma diversidade de possibilidade. Por outro lado, a imaginação como um
processo de estímulo oferece sempre uma possibilidade pelo novo, dadas as
conjecturas e as refutações naturais presentes.
44
20E complementa Abrantes em trecho contínuo: “O campo naturalista volta a dar “distinção filosófica”
aos processos cognitivos envolvidos na produção do conhecimento científico. Os trabalhos de Kuhn
estão entre os trabalhos pioneiros nessa tendência (apesar de evidente peso da categoria sociológica
de “comunidade científica” em sua teoria). Por exemplo, suas análises da influência do paradigma no
modo como o cientista observa o mundo apoiam-se fortemente em pesquisas de Psicologia da
Percepção (ABRANTES, Paulo (Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de
Brasília, 1994, p. 185).”
21Para o expoente jurista de Udine – Itália. (2015, p. 13-14), “Carnelutti observa: ‘A posição é análoga
no campo do direito e no da medicina: chamam-se os advogados, [promotores de justiça] e os juízes,
bem como os médicos, quando as enfermidades se manifestam. Todavia, a fim de que estas não
apareçam é necessário difundir, ao povo, conhecimento elementares de higiene. Afinal, uma certa
educação jurídica, caso estendida aos não juristas, é um meio para combater as duas pragas sociais
que são a deliquencia e a litigiosidade’. Lembrando sempre Pitágoras: ‘Educando a criança não será
preciso punir o adulto’.
45
22 Segundo Comparato (2010, p. 223): “Esse critério ou modelo de vida, dentro de uma sociedade ou
de uma civilização, não pode ser relativo, isto é, variar de indivíduo a indivíduo, ou de grupo social a
grupo social. Aqui, tal como em matéria científica, a famosa fórmula de Protágoras, “o homem”, isto é,
cada indivíduo humano, “é a medida de todas as coisas”, conduz logicamente, como ressaltou
Sócrates, à negação de todo o saber racional. Em matéria ética, não pode servir de critério para o
juízo do bem e do mal a opinião deste ou daquele indivíduo. / Mas tal não significa, bem entendido,
que o padrão de comportamento ético seja necessariamente universal, válido para todas as culturas e
civilizações, nem que ele seja insuscetível de variação, conforme a evolução histórica. Mas tampouco
pode-se negar que a história moderna mostra uma extraordinária convergência de todas as culturas e
civilizações para um núcleo comum de princípios e regras de vida, núcleo esse formado pelo sistema
internacional de direitos humanos (COMPARATO, Fábio Konder. Rumo à justiça. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 223).”
23 Como destaca Thomas Kuhn: “Essa necessidade de modificar conceitos estabelecidos e familiares
é crucial para o impacto revolucionário de Einsten. Embora mais sutil que as mudanças do
geocentrismo para o heliocentrismo, do flogisto para o oxigênio ou dos corpúsculos para as ondas, a
transformação resultante não é menos decididamente destruidora para um paradigma previamente
estabelecido. Podemos mesmo vir a considerá-la como um protótipo para as reorientações
revolucionárias nas ciências. Precisamente por não envolver a introdução de objetos ou conceitos
adicionais, a transição da mecânica newtoniana para a einsteiniana ilustra com particular clareza a
revolução científica como sendo um deslocamento da rede conceitual através da qual os cientistas
veem o mundo (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna
Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 137).”
46
24 Segundo Changeux, “Para Espinosa, “Nada conhecemos como bom ou mau com certeza senão
aquilo que nos conduz a compreender verdadeiramente as coisas, ou o que pode nos afastar disso”
(Ética, 27). O interesse se desloca, em oposição às teorias dedutivas, para as teorias indutivas.
Segundo estas, os princípios éticos são dotados e revistos com base em sua plausibilidade, e sua
capacidade de explicar juízos mais particulares. Elas levam em conta, portanto, a evolução cultural da
sociedade, do conhecimento científico, das técnicas e das culturas. Adotarei, é claro, o ponto de vista
indutivo, que me parece o mais aceitável para o cientista, graças à possibilidade nele contida de uma
revisão das normas morais, tanto devido ao surgimento de novos problemas práticos quanto ao
progresso do conhecimento. Esse ponto de vista se aproxima daquele da teoria da justiça de Rawls,
que começa a ser conhecida na França. De modo bem esquemático, Rawls defende o chamado
método do equilíbrio reflexivo. Os juízos se desenvolvem e são submetidos a provas a posteriori, com
a preocupação de manter um máximo de coerência interna e de objetividade. Cada juízo cria uma
pressão de críticas e de justificações para mudanças de princípios. Se o sistema social é
redistributivo, se retifica os infortúnios decorrentes das contigências sociais ou naturais, resulta uma
ética baseada na crítica das normas morais e em sua contínua revisão, a fim de liberar novas formas
de conduta. Em particular, essa filosofia me seduz, pois nela podemos descobrir bases “neurais”, e
porque, aproximando-se do procedimento da ciência, ela evita uma forma de autoritarismo
consequência ultima das teorias ética dedutiva. É uma filosofia sem pretensão, uma “ética dos
pequenos passos”, que resolve os problemas tal como estes se apresentam, de modo progressivo, e
que não se funda em postulados a priori, totalmente inaplicáveis (CHANGEUX. Jean-Pierre;
CONNES, Alain. Matéria e pensamento; tradução Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Ed.Unesp, 1996,
p. 212).”
25 Como denuncia Garapon (1997, p. 15), “Isto não impedirá, noutros momentos – de tal forma somos
voláteis – que surja uma opinião predisposta a reclamar uma justiça despojada de formas. Quando os
sociólogos americanos falam de justiça informal (da mesma forma que falam do casamento informal),
é noutra coisa totalmente diferente que estão a pensar: em combinações de iniciativa privada – com a
arbitragem à cabeça – destinadas a resolver os litígios fora da esfera do Estado. Mas, entre nós,
jacobinos, a noção permanece centralizada: é à justiça do Estado que solicitamos que se liberte dos
ritos, de modo a tornar-se mais íntima e menos intimidante. Uma justiça acessível e familiar, é esse o
desejo eterno (GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ritual judiciário. Lisboa: Instituto
Piaget, 1997, p. 15).”
48
26 Neste sentido, assegura Abrantes: “Uma tese de consenso entre os partidários do naturalismo é a
de que a Epistemologia está comprometida de modo necessário e inexpurgável com questões
empíricas. Nessa medida, os conceitos e teorias epistemológicas são vulneráveis ao crivo da
experiência, do mesmo modo que as teorias científicas. Para os naturalistas, a Epistemologia e a
Ciência são empreendimentos intelectuais mutuamente embricados e relacionados, que se
distinguem, talvez, quanto ao grau de generalidade e de abstração de seus produtos teóricos. Mas a
epistemologia não pode se furtar-se a utilizar os conhecimentos e, os métodos científicos para levar a
cabo sua tarefa. E tampouco pode furtar-se a justificar suas teses (ABRANTES, Paulo (Org).
Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 171).”
27 Para Teixeira apud Abrantes: “Representações são estados mentais peculiares: são elas que
estabelecem uma ligação entre organismos e seu meio ambiente, fornecendo assim material para o
pensamento e para a linguagem (no caso de espécies mais complexas). Representações são estados
mentais que contêm em si mesmos o objeto a que se referem, quer esse objeto esteja diante de mim,
quer não, e é isso que os dota daquilo que chamamos de “intencionalidade” (ABRANTES, Paulo
(Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 71).”
49
Isso não poderia ser diferente no âmago da concepção kuhniana, dada sua
forma de compreender e explicar a ciência em toda a sua perspectiva dinâmica de
desenvolvimento, por intermédio de um conteúdo lexical característico de sua
abordagem.29Assim, segundo Thomas Kuhn, é evidente que a comunicação é
estabelecida pela linguagem que, a serviço da comunicação daquela comunidade e
de suas crenças, realiza a prática, o exercício e a habitualidade, delimitando uma
determinada cultura como sendo um local em que o repouso e a conservação dos
elementos da comunicação acontecem de acordo com a convenção estabelecida
pela comunidade científica, como esclarece o autor em sua obra O caminho desde a
estrutura (2003, p. 284):
29 Como bem ilustrado na obra O caminho desde a estrutura: “As pessoas que compartilham um
núcleo como as que compartilham uma estrutura lexical podem compreender umas às outras,
comunicar-se a respeito de suas diferenças etc.,entretanto, se os núcleos ou as estruturas lexicais
diferem, então o que parece ser um desacordo a respeito de fatos mostra-se ser incompreensão (as
duas pessoas usam o mesmo nome para espécies diferentes). Os indivíduos que iriam, em potencial,
comunicar-se, deparam-se com a incomensurabilidade, e a comunicação fracassa de um modo
particularmente frustrante. Mas porque o que está envolvido é a incomensurabilidade, o pré-requisito
faltante à comunicação – um “núcleo” para Jed, uma “estrutura lexical” para mim – pode apenas ser
exibido, mas não articulado. O que os participantes na comunicação deixam de compartilhar não é
tanto uma crença, mas uma cultura em comum (KUHN, Thomas S. O caminho desde a estrutura;
tradução Cesar Mortari. São Paulo: Ed. Unesp, 2003, p. 293).”
52
30 Como se infere do trecho da obra Tensão essencial de Kuhn: “Uma das coisas que une os
membros de qualquer comunidade científica e, ao mesmo tempo, os diferencia dos membros de
outros grupos aparentemente similares é a posse de uma linguagem comum, de um dialeto especial.
Esses ensaios sugerem que, ao aprender essa linguagem, como devem fazer para participar do ofício
da comunidade, os novos membros adquirem um conjunto de compromissos cognitivos que não são,
em princípio, cabalmente analisáveis no âmbito dessa mesma linguagem. Esses compromissos são
consequência do modo como termos, frases, e sentenças da linguagem são aplicados à natureza, e é
sua relevância para a ligação linguagem-natureza que torna tão importante o sentido original e mais
restrito de "paradigma" (KUHN, Thomas S. A tensão essencial: estudos selecionados sobre tradição
e mudança científica.São Paulo: Ed. Unesp, 2011, p. 22).”
31 A polissemia das palavras não somente dificulta mas conduz a uma interpretação equivocada do
autor ou ao menos à minimização daquela preocupação aclarada na obra Tensão essencial): “Desde
esse decisivo episódio no verão de 1947, a busca pelas melhores leituras, ou pelas melhores leituras
possíveis, tem sido algo central em minha pesquisa histórica (e também algo sistematicamente
eliminado das narrativas que relatam o seu resultado). As lições aprendidas com a leitura de
Aristóteles também instruíram minhas leituras de autores como Boyle, Newton, Lavoisier e Dalton,
Boltzman e Plank. Para resumir, são duas as lições. Primeira: há muitas maneiras de ler um texto, e
mais facilmente acessíveis em tempos recentes são, em geral, inadequadas quando aplicadas ao
passado. Segunda: essa plasticidade dos textos não põe em pé de igualdade todas as maneiras de
lê-los, pois algumas delas (espera-se que, no fim, seja apenas uma) possuem uma plausibilidade e
uma coerência ausentes nas outras. Ao tentar transmitir essas lições aos estudantes, proponho-lhes
uma máxima: ao ler a obra de um pensador importante, procure ante os aparentes absurdos do texto
e pergunte-se como uma pessoa sensata poderia ter escrito aquilo (KUHN, Thomas S. A tensão
essencial: estudos selecionados sobre tradição e mudança científica.São Paulo: Ed. Unesp, 2011, p.
12).”
53
32 Ainda cita Assis o seguinte excerto de Koyré: “O que fundadores da ciência moderna, entre eles
Galileu, tinham de fazer não era criticar e combater certas teorias erradas para corrigi-las ou substituí-
las por outras melhores. Tinham de fazer algo inteiramente diverso. Tinham de destruir um mundo e
substituí-lo por outro. Tinham de reformar a estrutura de nossa própria inteligência, reformular
novamente e rever conceitos, encarar o Ser de uma nova maneira, elaborar um novo conceito do
conhecimento, um novo conceito da ciência, e até substituir um ponto de vista bastante natural, o do
senso comum, por outro que absolutamente não o é. (Koyré apud ASSIS, Jesus de Paula. Kuhn e as
ciências sociais. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991, p. 9).”
54
34 Como ilustra Ostermann: “O termo paradigma tem um sentido geral e um sentido restrito. O
primeiro foi empregado para designar todo o conjunto de compromissos de pesquisas de uma
comunidade científica (constelação de crenças, valores, técnicas partilhadas pelos membros de uma
determinada comunidade). A este sentido, Kuhn aplicou a expressão “matriz disciplinar”. “Disciplinar”
porque se refere a uma posse comum aos praticantes de uma disciplina particular; “matriz” porque é
composta de elementos ordenados de várias espécies, cada um deles exigindo uma determinação
mais pormenorizada (OSTERMANN, Fernanda. A Epistemologia de Kuhn. Caderno Catarinense de
Ensino de Física, Brasil, v.13, n. 3, p.186, dez. 1996).”
56
35Como confirma Carneiro: “É nesse sentido que um dado paradigma possibilita não só a definição e
a resolução de problemas, mas a descoberta de novos problemas e aplicações. Do ponto de vista
pedagógico, a iniciação de membros de uma comunidade científica a um paradigma não se dá por
meio de regras ou axiomas ou mesmo de uma fundamentação teórica mais consistente (CARNEIRO,
Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 100).”
36 Como retrata Kuhn, “No desenvolvimento de qualquer ciência, admite-se habitualmente que o
primeiro paradigma explica com bastante sucesso a maior parte das observações e experiências
facilmente acessíveis aos praticantes daquela ciência. Em consequência, um desenvolvimento
posterior comumente requer a construção de um equipamento elaborado, o desenvolvimento de um
vocabulário e técnicas esotéricas, além de um refinamento de conceitos que se assemelham cada
vez menos com os protótipos habituais do senso comum. Por um lado, essa profissionalização leva a
uma imensa restrição da visão do cientista e a uma resistência considerável à mudança de
paradigma. A ciência torna-se sempre mais rígida. Por outro lado, dentro das áreas para as quais o
paradigma chama a atenção do grupo, a ciência normal conduz a uma informação detalhada e a uma
precisão da integração entre a observação e a teoria que não poderia ser atingida de outra maneira
57
(KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson
Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 91)”.
37 Embora nem todos, muitos problemas de pesquisa assumem essa forma. Os testes desse tipo
representam um componente comum do que denominei “ciência normal” ou “pesquisa normal”,
responsável pela imensa maioria do trabalho realizado em ciência básica. Esses testes, porém, não
são dirigidos, em nenhum sentido usual, para a teoria corrente. Ao contrário, quando está às voltas
com um problema de pesquisa normal, o cientista deve postular a teoria corrente como a regra de seu
jogo. Seu objetivo é resolver uma charada, de preferência uma charada em que outros falharam, e a
teoria corrente é indispensável para defini-la e para assegurar que, em havendo talento suficiente, a
charada será resolvida.
58
38A maioria das pesquisas científicas bem-sucedidas resulta numa mudança do primeiro tipo, e sua
natureza é bem capturada por uma imagem habitual: a ciência normal é aquilo que produz os tijolos
que a pesquisa científica está sempre adicionando ao crescente acervo de conhecimento científico.
Essa concepção cumulativa do desenvolvimento científico é familiar, e guiou a elaboração de uma
considerável literatura metodológica. Tanto ela quanto seus subprodutos metodológicos aplicam-se a
uma grande quantidade de trabalhos científicos significativos.
59
39“ [...] na explanação kuhniana, a ciência normal forma um binômio indissociável com o paradigma.
A ciência entra em uma fase normal justamente quando é guiada sob a égide de um paradigma. Nas
palavras de Kuhn, “ciência normal” significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais
realizações científicas passadas [paradigmas] (MENDONÇA, André Luis de Oliveira. O legado de
Thomas Kuhn após cinquenta anos. In: Revista Scientiastudia, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 535-60,
2012, p. 537)”.
40 “[...] ciência normal, significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações
científicas passadas. Essas realizações são reconhecidas durante algum tempo por alguma
comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para a sua prática posterior
(KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson
Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 29).”
41 Como esclarece Mendonça: “Os paradigmas, ou exemplares, propiciam o advento de consenso –
visível nas revistas especializadas, bem como nos manuais de ensino – acerca dos fundamentos da
prática científica. Sob sua posse, cessam os debates de ordem metodológica (quais os meios
adequados de investigação), de ordem epistemológica (o que deve ser investigado e quais soluções
devem ser alcançadas) e de ordem ontológica (qual a natureza das entidades investigadas). Uma vez
que findas essas discussões basilares, os cientistas podem despender seu tempo em questões mais
específicas (MENDONÇA, André Luis de Oliveira. O legado de Thomas Kuhn após cinquenta anos.
In: Revista Scientiastudia, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 535-60, 2012, p. 538).”
60
42 Como destaca Ransanz, “Pois bem, dizíamos que quando uma anomalia – ou família de anomalias
– chega a provocar uma crise, se inicia a transição da ciência extraordinária. Neste período, os
acordos básicos se racham, as “regras do jogo” da ciência perdem força e sua aplicação se torna
cada vez menos estável. As tentativas de solução, na medida em que se mantêm as anomalias, se
tornam cada vez mais difíceis, ou seja, se dirigem ao questionamento e à modificação dos
componentes mais arraigados do paradigma (RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio
cientifico. México: Fondo de Cultura Económica, 1999, p. 75).”
61
43 “Para compreender as descobertas, o autor utiliza o conceito de “anomalia”, que define como o
resultado experimental não assimilado pela teoria vigente, produzido inadvertidamente por um jogo
que se joga segundo as regras estabelecidas pela matriz “disciplinar”: A descoberta começa com a
consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou
as expectativas paradigmáticas que governam a ciência normal (JACOBINA, R. R. O paradigma da
epistemologia histórica: a contribuição de Thomas Kuhn. In: Revista História, Ciências, Saúde-
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 3, nov. 1999/fev. 2000, p. 09).”
44Como afirma Kuhn em A estrutura das revoluções científicas, “A existência dessa sólida rede de
compromissos ou adesões – conceituais, teóricas, metodológicas e instrumentais – é fonte principal
da metáfora que relaciona ciência normal à resolução de quebra-cabeças. Esses compromissos
proporcionam ao praticante de uma especialidade amadurecida regras que lhe revelam a natureza do
mundo e de sua ciência, permitindo-lhe assim concentrar-se com segurança nos problemas
esotéricos definidos por tais regras e pelos conhecimentos existentes (KUHN, Thomas S. A estrutura
das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva,
2007, p. 66)”.
62
na determinação do momento do fracasso do paradigma, da facilidade com que pode ser reconhecido
e da área onde, devido a uma concentração da atenção, ocorre pela primeira vez o fracasso (KUHN,
Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira.
São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 97).”
47 “Com a mesma liberdade, podemos utilizar conceitos políticos gramscianos para pensar a
revolução científica como superação do paradigma “tradicional” por um paradigma emergente que se
torna “hegemônico”. Essa hegemonia implica um deslocamento da rede conceitual, “uma nova forma
de ver o mundo” (JACOBINA, R. R. O paradigma da epistemologia histórica: a contribuição de
Thomas Kuhn. In: Revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 3, nov.
1999/fev. 2000, p. 12).”
48 Como afirma Kuhn: “O conceito de revolução científica originou-se da descoberta de que, para
compreender qualquer porção da ciência do passado, o historiador precisa, em primeiro lugar,
aprender a linguagem que tal passado estava escrito. Tentativas de tradução para uma linguagem
posterior seguramente falham, e o processo de aprendizagem de linguagem é, portanto, interpretativo
e hermenêutico. Uma vez que o sucesso na interpretação é em geral alcançado em grandes parcelas
65
52 “Kuhn afirma que, em geral, os filósofos das ciências não têm prestado suficiente atenção aos
problemas e exemplos concretos com que se encontra o estudante tanto nos livros de texto como no
laboratório, pois parecem considerar estes exemplos e estes problemas como um permissivo a
praticar o que já sabe; quer dizer, supõem que o estudante não pode resolver problemas, a menos
que primeiro tenha apreendido a teoria com algumas regras para aplicá-las (regras de interpretação
que conectam nos termos teóricos com as observações, no estilo das chamadas “regras de
correspondência”). Isto demonstra que para uma quantidade significativa de filósofos “as regras, os
problemas são oferecidos somente para ganhar facilidade em sua aplicação” (apud. p. 187; p. 287).
Kuhn não aceita esta forma de situar o conteúdo do conhecimento da ciência – que restringe a
compreensão do sistema de enunciados -, pois se dá conta de que somente quando o estudante
resolve os problemas modelo, tanto teóricos como experimentais, é quando realmente aprende o
significado das leis e dos conceitos básicos de sua disciplina; e somente por essa via que aprende a
ver e a manipular a natureza a partir de certa perspectiva teórica. Poder-se-ia dizer que a prática da
resolução de problemas ensina como processar a informação sensorial à luz de um modelo teórico
determinado (RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fondo de Cultura
Económica, 1999, p. 38).”
69
53 “Conquanto o jurista pretenda superar a doutrina de Liebman, transpondo as dificuldades que ela
apresenta, é visível a influência do mestre italiano sobre o processualista paulista, particularmente
quando ele – buscando, como Liebman, a unidade do conceito de ação – pressupõe uma nova
dualidade: o direito à administração da justiça, que seria, como querem os discípulos de Liebman,
expressão de um direito constitucional de petição, ainda que não jurisdicional; e o verdadeiro direito
de ação, que apenas corresponderá aos que lograrem demonstrar que lhes é devida a prestação
jurisdicional, demonstrando que o direito material lhes outorga a pretensão que reclamam, uma vez
que, segundo o Prof. Botelho de Mesquita, a “ocorrência da hipótese à qual o direito material liga os
efeitos pretendidos pelo autor contra o Estado” é uma condição da ação (SILVA, Ovídio A. Baptista;
GOMES, Fábio Luiz Gomes. Teoria Geral do Processo Civil. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011, p. 68).”
70
infindáveis aspectos das relações humanas. Por isso mesmo, a extração em máxima potência da
força normativa da Constituição, não apenas por seus interpretes e aplicadores oficiais, mas
sobretudo por parte de todo o conjunto da cidadania, é que pode impulsionar a transformação em
realidade de muitas das idealizações constitucionais. Tem-se aí o fenômeno que os doutrinadores
alemães designam de eficácia indireta da Constituição (CASTRO, Carlos Roberto De Siqueira. O
devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova constituição do Brasil. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2010, p. 64).”
72
56 “Esse tipo de afirmação repete-se no período posterior às revoluções científicas, pois, se em geral
disfarça uma alteração da visão científica ou alguma outra transformação mental que tenha o mesmo
efeito, não podemos esperar um testemunho direto sobre essa alteração. Devemos antes buscar
provas indiretas e comportamentais de que um cientista com um novo paradigma vê de maneira
diferente do que via anteriormente (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas;
tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 152).”
57 Como nos mostra Ostermann: “Uma revolução científica, na qual pode surgir uma nova tradição de
ciência normal, está longe de ser um processo cumulativo obtido através de uma articulação do velho
paradigma. É antes uma reconstrução da área de estudos a partir de novos princípios, que altera
algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus
métodos e aplicações (OSTERMANN, Fernanda. A Epistemologia de Kuhn. Caderno Catarinense de
Ensino de Física, Brasil, v.13, n. 3, dez. 1996, p. 191)”.
58 “Finalmente, Bruno Latour [64, 65, 66, 67] e a nova escola de antropologia das ciências mostraram
o papel essencial das circunstâncias e das interações sociais em todos os processos intelectuais, até
mesmo, ou sobretudo, quando se trata de pensamento formal ou científico. Nenhuma essência,
nenhuma substância é aceita por Latour, que mostra através da investigação histórica ou etnográfica
como as instituições mais respeitáveis, os fatos científicos mais “concretos” ou os objetos técnicos
mais funcionais foram, na realidade, resultado provisório de associações contigentes e heterogêneas.
Por trás de qualquer entidade relativamente estável, ele traz à tona a rede egonística impura,
heterogênea, que mantém a existência desta entidade. Como os rizomas de Deleuze e Guattari, as
redes de Latour ou de Callon [15] não respeitam as distinções estabelecidas entre as coisas e
pessoas, sujeitos pensantes e objetos pensados, inerte e vivo. Tudo que for capaz de produzir uma
diferença em uma rede será considerado como um ator, e todo ator definirá a si mesmo pela
diferença que ele produz. Esta concepção do ator nos leva, em particular, a pensar de forma simétrica
os homens e os dispositivos técnicos. As máquinas são feitas por homens, elas contribuem para
formar e estruturar o funcionamento das sociedades e as aptidões das pessoas, elas muitas vezes
73
efetuam um trabalho que poderia ser feito por pessoas como você ou eu. Os dispositivos técnicos
são, portanto, realmente atores por completo em uma coletividade que já não podemos dizer
puramente humana, mas cuja fronteira esta em permanente redefinição (LÉVY, Pierre. As
tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu
da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 138).”
59 Como registra um excerto da obra de Ransanz: “[...] a incomensurabilidade representa a arma mais
efetiva contra a ideia de progresso cumulativo, visto que é o indicador mais claro de rupturas e
descompasso na evolução de uma disciplina. As revoluções científicas sempre têm algum aspecto
destrutivo, e as teorias sucessoras, apesar de serem amplamente melhores que as substituídas, com
frequência não podem produzir todos os resultados explicativos destas. [...] como a
incomensurabilidade implica uma troca de significado nos conceitos básicos da teoria sucessiva,
teremos que observar a ideia comum de que as teorias posteriores incluem as anteriores. Dessa
relação de substituição ou redução interteórica o desenvolvimento científico perde o lugar central na
explicação do desenvolvimento científico. [...] a evolução de teorias alternativas se volta a uma
questão muito mais complicada, já que o fenômeno da troca conceitual impede de reconstruí-la como
uma simples comparação, enunciado por enunciado, entre as consequências das teorias rivais
(RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fondo de Cultura Económica,
1999, p. 72).”
74
60Como afirma Ransanz, “Com a crise começa a ’ciência extraordinária’, isto é, a atividade de propor
estruturas teóricas alternativas que implicam um questionamento ou uma modificação dos conceitos
aceitos até então. Nestes períodos em que, segundo Kuhn, “os cientistas têm condições para
questionar tudo”, proliferam as propostas alternativas, proliferação que cumpre um papel decisivo no
desenvolvimento das disciplinas, visto que os cientistas não abandonaram o paradigma ao menos
que exista um paradigma alternativo que lhes permita resolver as anomalias (RANSANZ, Ana Rosa
Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fondo de Cultura Económica, 1999, p. 31).”
75
61 Como destaca Ransanz, “Convém esclarecer que Kuhn de nenhuma maneira nega a ideia de
progresso da ciência; o que não compartilha com a tradição é a interpretação do progresso como uma
aproximação da descrição verdadeira do mundo. Sua abordagem seria, na verdade, o inverso da
concepção tradicional; a julgar pelas surpreendentes realizações alcançadas pela ciência, ao que
parece que não é necessário (e sequer seria conveniente) que o desenvolvimento científico seja
cumulativo (RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fondo de Cultura
Económica, 1999, p. 72).”
62 Tal aspecto aparece claramente na seguinte passagem de Gutierre: “[...] a revolução científica é
como uma avalanche, ela movimenta camadas inteiras do léxico para diferentes lugares onde logo
adquirem sua enganadora naturalidade e aparente estabilidade pregressas [...]. O problema delicado
aqui é o da identificação da natureza dessa avalanche, seria ela meramente epistemológica (1e, uma
característica de nossa linguagem sobre o mundo) ou seria também ontológica (1e, uma
característica da estrutura da realidade). É esta tensão subjacente à posição kuhniana que I Hacking
também procura incorporar naquilo que chama de ‘problema do novo mundo’ o problema de como
concatenar duas classes de enunciados aparentemente incongruentes na obra de Kuhn, tais como
(a) ‘O mundo não muda com a mudança de paradigmas’, e (b) ‘Após uma revolução científica, o
cientista trabalha num mundo diferente’ (GUTIERRE, Jezio Hernani Bomfim. O que há de polêmico na
76
ideia kuhniana de incomensurabilidade? In: Revista Principia, Brasil, v. 2, n. 1, p. 21-35, jun. 1998, p.
28).”
63 “Kuhn logra preservar postulados essenciais de sua visão da prática e racionalidades científicas.
Por um lado, não se abandona a tese de que “o cientista trabalha num mundo diferente após a
mudança de paradigma” o mundo conceptualizado efetivamente sofre transformações após uma
revolução. Mas o mesmo mundo pode ser considerado de modo diferente, não enquanto um objeto
de nosso conhecimento, mas como identidade independente do nosso discurso. Esta perspectiva
permite dizer que não há mudança do mundo após a troca de matrizes disciplinares. É tal versão do
mundo não é neutra em relação ao campo epistemológico, como seria de se esperar caso
acatássemos a frequente caricatura da noção de mundo noumenal kantiano ainda que não de forma
direta, a interação com esta dimensão do mundo define parte significativa de nossos processos
cognitivos (GUTIERRE, Jezio Hernani Bomfim. O que há de polêmico na ideia kuhniana de
incomensurabilidade? In: Revista Principia, Brasil, v. 2, n. 1, p. 21-35, jun. 1998, p. 32).”
64 Como ilustrado por Cohen, “Contudo, certas ideias científicas revolucionárias têm despertado
grande oposição porque parecem atentar contra as crenças que sustentam a ordem social. A origem
das espécies, de Darwin (1859), despertou grande hostilidade entre os leigos e inclusive em alguns
cientistas por motivos essencialmente alheios à ciência [...] Pois, se produzia uma grande perturbação
por conta das implicações religiosas da evolução darwiniana, que questionava o relato da criação
segundo as páginas de Genesis. Muitos sentiam verdadeira angústia ante a dramática afirmação de
que o homem tinha antepassados comuns com o macaco e não ocupa essa posição especial na
natureza que afirmavam todas as filosofias e religiões desde o princípio da história escrita (COHEN, I.
Bernard. Revolución em las ciências; tradução Daniel Zadunaisky. Barcelona: Gedisa, 2002, p. 29).”
77
65 Como afirma Bunge, “A ciência deve, pois, ser considerada um sistema conceitual composto de
subsistemas, que são as ciências especiais e as interdisciplinas, tais como: a Biofísica e a
Psicobiologia. Consequentemente, o estado em que se encontra cada ciência especial depende do
estado das outras ciências, em particular a Matemática e ciências correlatas. Por exemplo, a
Psicologia não pode avançar enquanto a Neurofisiologia não se desenvolveu. Esta, por sua vez,
precisou do desenvolvimento da Neurofísica e da Neuroquímica, que dependem tanto da Física e da
Química quanto da Biologia celular e molecular. A interdependência das ciências particulares se
reflete na sua evolução: cada uma delas coevolui com as demais. A ciência pode ser, assim,
comparada à biosfera: ambas são sistemas extremamente complexos, e o estado e a evolução de
cada um de seus componentes dependem do estado e da evolução de todos os outros. O leitor
poderá imaginar a consequência da sistematização da Ciência para toda política de desenvolvimento
científico (BUNGE, Mario. Ciências e desenvolvimento; tradução Cláudia Régis Junqueira. São
Paulo: Itatiaia, 1989, p. 42).”
78
Contudo, é essa mesma História que produz situações nas quais o esquema
interpretativo de Kuhn não se adapta completamente. A biologia produz alguns
desses casos.66
As afirmações no excerto da obra de Mayr trazem, à tona as dificuldades de
um encaixe perfeito do modo como Thomas Kuhn compreende e busca explicitar o
desenvolvimento da ciência e o fenômeno do desenvolvimento no plano real.
Essa constatação coloca a questão de saber se toda mudança que se dá nas
ciências pode ser reconhecida por intermédio do modelo teórico kuhniano, ou seja,
se o processo revolucionário seria a etapa responsável pelo desenvolvimento da
ciência, e se a revolução científica, sendo episódio inevitável e sempre recorrente,
segundo a perspectiva kuhniana, seria indispensável ao desenvolvimento da ciência.
Na citação de Mayr, é possível notar que, embora a teoria darwiniana deva
ser tomada como um exemplo de revolução científica, ela não se encaixa nos
moldes teóricos kuhnianos. Essa seria, certamente, uma das dificuldades do modelo
proposto por Kuhn.
O alerta de Mayr coloca-nos diante das dificuldades de interpretação histórica
desse modelo, isto é, de como seus conceitos podem, sem maiores dificuldades,
aplicar-se a qualquer contexto da História da Ciência.
Assim, observa-se que no campo da epistemologia o que se busca em
verdade é saber o que se faz, por quê e como se faz ciência. Certamente a proposta
kuhniana fornece algumas ferramentas para semelhante tarefa, entretanto, com elas,
também há consideráveis dificuldades. Os problemas oriundos da aplicação do
modelo kuhniano não diminuem sua estatura nem, como já se disse, sua importância
para a explicação do desenvolvimento científico.
66 Como afirma Mayr: “Quando Lamarck propôs em 1808 a primeira teoria de genuína evolução
gradual, obteve poucas conversões; não iniciou uma evolução científica. Além disso, aqueles que o
seguiram como evolucionista como Étienne Geoffroy e Robert Chambers divergiam amplamente, em
muitos aspectos, de Lamarck e um do outro. Ele com certeza não ocasionou a substituição de um
paradigma novo. Ninguém pode negar que a Origem das espécies (1859), de Darwin, produziu uma
revolução científica genuína. De fato, ela é frequentemente chamada de a mais importante de todas
as revoluções científicas. Apesar disso, não se enquadra nas especificações de Kuhn para uma
revolução científica. A análise da revolução darwiniana enfrenta consideráveis dificuldades porque o
paradigma de Darwin na realidade consistia em todo um pacote de teorias, cinco das quais são da
maior importância (MAYR, Ernst. Biologia, Ciência Única; tradução Marcelo Leite. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009, p. 176).”
79
67 Podemos perceber isso claramente na seguinte passagem de Kuhn: “Os defensores de teorias
diferentes são como membros de comunidades de cultura e linguagens diferentes. Reconhecer esse
paralelismo sugere, em certo sentido, que ambos os grupos podem estar certos. Essa posição é
relativista, quando aplicada à cultura e seu desenvolvimento. Mas, quando aplicada à ciência, ela
pode não sê-lo e, de qualquer modo, está longe de um simples relativismo, num aspecto que meus
críticos não foram capazes de perceber. [...] As teorias científicas mais recentes são melhores que as
mais antigas, no que toca à resolução de quebra-cabeças nos contextos frequentemente diferentes
aos quais são aplicadas. Essa não é uma posição relativista e revela em que sentido sou um crente
convicto do progresso científico”. E arremata Thomas Kuhn (2007, p. 256): “Não tenho dúvidas, por
exemplo, de que a mecânica de Newton aperfeiçoou a de Aristóteles e de que a mecânica de Einstein
aperfeiçoou a de Newton enquanto instrumento para a resolução de quebra-cabeças. Mas não
percebo, nessa sucessão, uma direção coerente de desenvolvimento ontológico (KUHN, Thomas S.
A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo:
Perspectiva, 2007, p. 254).”
80
68 Para Lévy: “Consideramos o caso dos sistemas especialistas, que podem ser considerados como
bancos de dados muito avançados, capazes de tirar conclusões pertinentes das informações de que
dispõem. Os sistemas especialistas não são basicamente feitos para conservar o saber do
especialista, mas sim para evoluir incessantemente a partir dos núcleos de conhecimento que este
trouxe. Não se fabrica um novo programa a cada vez que uma nova regra é atualizada. Pelo
contrário, as linguagens declarativas permitem que o sistema seja enriquecido ou modificado sem que
seja necessário começar tudo de novo. Dizendo de outra forma, a não ser em casos especiais, os
estados anteriores do conhecimento não são armazenados. Este apenas existe no sistema em seu
estado mais recente. As possibilidades materiais de armazenamento nunca foram tão grandes, mas
não é a preocupação com o estoque ou a conservação que impulsiona a informatização (LÉVY,
Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução
Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 116).”
81
69 Explica Garapon: “Esta cosmogonia do espaço judiciário é uma figuração da ordem jurídica. O que
encarna o espaço judiciário é a prevalência da ordem sobre a transgressão, a sujeição do individual
ao social e o primado do Direito sobre a força, tanta vez evocado nos frontões dos nossos palácios da
justiça. A ordem assim representada prefigura a ordem jurídica, mesmo até o seu princípio. Substitui
a coerência duvidosa e incógnita do mundo pela coerência da sua linguagem actuante. A linguagem
jurídica depura a realidade de todas as suas contradições para reordenar segundo categorias simples
e operacionais que determinarão outros tantos regimes jurídicos, isto é, outros tantos lugares
atribuídos e comportamentos obrigatórios (GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ritual
judiciário. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 47).”
82
70 Como afirma Abrantes: “Por ‘exemplares’ Kuhn entende um conjunto de problemas e de soluções
padrão, que materializam o consenso da comunidade científica, guiando sua prática num período de
ciência normal e que são ‘transmitidos’ pelos manuais durante a formação dos cientistas. Espera-se
que, por modelagem, o cientista, em seu trabalho científico normal, consiga resolver novos
problemas, pautando-se pelas soluções já estudadas anteriormente para problemas similares
(ABRANTES, Paulo. Kuhn e a noção de ‘exemplar’. In: Revista Principia. Santa Catarina, v. 2, n. 1,
p. 61-102, 1998. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/principi/p21-5.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013,
p. 63).”
71 “A questão do significado das representações mentais vincula-se ao clássico tema da
intencionalidade como propriedade do ’mental’. Várias contribuições desta coletânea abordam esse
problema. Há cada vez mais defensores da tese de que o funcionalismo que toma por objeto
exclusivamente o nível ’mental’ de processamento simbólico – fazendo abstração de uma particular
implementação física (material, biológica) desse processamento – não constitui uma visão correta da
natureza da cognição, sendo incapaz de responder a objeções como a de J. Searle. A relação entre o
‘mental’ e o ‘cerebral’ não seria análoga à relação entre software e hardware em máquinas digitais
como as de arquitetura von Neumann. Tais críticos do funcionalismo defendem que parte, senão
todas, das funções cognitivas humanas pressupõem um ‘instanciamento’ em arquiteturas capazes de
84
substituídos uns pelos outros, quando um deles não é capaz de fornecer soluções
exemplares. A passagem de um paradigma para outro, conforme já afirmado várias
vezes, conduz a uma nova visão de mundo.
Um novo paradigma tem como missão explicar como se dá essa transição do
mundo ao campo teórico da Ciência respondendo aos novos problemas, o que, em
suma, caracteriza também uma das facetas dinâmicas da Ciência em Thomas Kuhn.
A Ciência, portanto, é portadora de uma verdade do mundo com suas mais
diversas formas. Embora seja moderno esse jeito científico de fazer a leitura do
mundo, Kuhn o faz a partir do paradigma, como ilustra Tossato.73
Apesar de a incomensurabilidade chamar a atenção como uma proposta de
dinâmica científica mais acentuada, a substituição de uma ordem anterior por uma
nova é precisamente o que indica o dinamismo da Ciência presente na proposta
kuhniana.
Dessa maneira, o modelo estabelecido tem como objetivo compreender o
dinamismo da própria Ciência, no qual a noção de resolução de problemas não é
apenas fundamental, mas intrinsecamente relacionada com a noção de paradigma. 74
Aristóteles até a segunda metade do século passado, a Lógica foi entendida fundamentalmente como
Lógica Normativa. A proposição de que a Lógica é uma disciplina normativa foi enfaticamente
defendida por Frege, como parte de sua crítica ao psicologismo. O antipsicologismo de Frege teve um
impacto enorme não só sobre a Lógica, mas sobre toda a tradição filosófica anglo-saxônica, e veio a
se tornar a posição ortodoxa nestes domínios. O tópico das relações entre Lógica e o pensamento
passou a ser simplesmente ignorado, concentrando-se o foco de interesse nas questões formais. A
ascensão do behaviorismo na Psicologia também contribuiu para a mesma consequência, qual seja,
para a criação de um abismo entre a Lógica e o estudo do pensamento humano, e foi apenas com o
surgimento da Ciência Cognitiva que a separação começou a diminuir. Durante todo o século XX,
portanto, a Lógica foi fundamentalmente Lógica Formal; na medida, entretanto, em que alguma
relação é admitida pelos lógicos entre os seus estudos e o pensamento humano, a tendência
continua sendo a de ver a Lógica como uma disciplina normativa (OLIVEIRA apud ABRANTES, Paulo
(Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 42).”
73 “Tendo um paradigma, uma ciência pode, então, passar para o período denominado ’ciência
normal’, no qual os cientistas têm um guia, um modelo, para conduzir os seus trabalhos. Contudo,
para Kuhn, a história da ciência mostra que os paradigmas são substituídos por outros quando, nas
atividades controladas pela ciência normal, surgem anomalias, as quais, com o tempo e a ausência
de resolução, levam os cientistas a abandonarem as suas atividades controladas pelo paradigma
aceito e voltarem-se para propostas distintas, isto é, para outro paradigma, distinto do até então
vigente. Esse período de anomalias e crises conduz à revolução, isto é, à substituição de um
paradigma antigo por um novo, repetindo-se o processo. Mas o que mais chama a atenção nessa
proposta de dinâmica científica é a ideia de incomensurabilidade dos paradigmas (TOSSATO,
Claudemir Roque. Incomensurabilidade, comparabilidade e objetividade. In: Revista Scientiastudia,
São Paulo, v. 10, n. 3, 2012, p. 492).”
74Como destaca Abrantes: “Em comparação com essa abordagem, a originalidade de Kuhn foi a de
enfocar a atividade científica como uma atividade de resoluções de problemas, baseada em
procedimentos de modelagem a partir de um estoque ’paradigmático’ de problemas-padrão. Teorias,
enquanto representações linguísticas, não mais sintetizam o conhecimento compartilhado de uma
comunidade, mas sim um conjunto de problemas resolvidos (exemplars) (ABRANTES, Paulo. Kuhn e
86
[...] a ciência tem por objetivo entender o mundo da forma como ele é – o
mundo material – independente de suas relações com os seres humanos;
as estratégias materialistas (e somente elas) forneceriam categorias
apropriadas para esse objetivo. Uma grande resposta pode ser extraída de
Kuhn: não é a natureza do “mundo material”, mas o momento
historicamente contingente de nossas práticas de pesquisa que demanda a
adoção de estratégias materialistas.
a noção de ‘exemplar’. In: Revista Principia. Santa Catarina, v. 2, n. 1, 1998, p. 85. Disponível em:
<http://www.cfh.ufsc.br/principi/p21-5.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013).”
87
75 Como afirma Lacey, ao referir-se a Thomas Kuhn: “Segundo ele, entendemos o mundo em relação
a um pano de fundo fornecido pelos paradigmas, que são essencialmente históricos e definem as
estratégias de restrição e seleção da pesquisa, até mesmo o léxico das categorias que podem ser
empregadas nas representações teóricas e nas descrições empíricas (Kuhn, 1970). [...] paradigmas
diferentes possuem léxicos diferentes. Sobrevém, então, a tese de Kuhn: teorias formuladas dentro
de paradigmas diferentes são incomensuráveis; não podem ser inconsistentes, pois lhes faltam
categorias comuns, mesmo no nível dos dados empíricos. Mas as teorias formuladas dentro de
paradigmas sucessivos são incompatíveis porque as estratégias de restrição e seleção desses
paradigmas são incompatíveis – não se podem perseguir simultaneamente estratégias incompatíveis
no mesmo contexto (Lacey, 1999b, cap 7); tentar fazer isso é como tentar jogar futebol e rugby no
mesmo campo ao mesmo tempo (Taylor, 1982). Teorias construídas por intermédio de diferentes
estratégias são incompatíveis porque as suas respectivas estratégias também são incompatíveis. A
incomensurabilidade decorre de práticas incompatíveis (Lacey, 1999b). / Nesse contexto, a questão
da escolha de teorias torna-se ainda mais complicada, porque não podemos separá-la da questão da
escolha de paradigmas e das estratégias de restrição e seleção a eles associadas (LACEY, Hugh.
Valores e atividades científicas 1. São Paulo: Ed. 34, 2008, p. 34).”
88
76As teorias concebidas como meros sistemas dedutivos de enunciados – considerados ademais
como produtos terminados e à margem das condições que as possibilitam e compelem – não
poderiam servir como unidades adequadas em um enfoque em que se consegue explicar como
evoluem as crenças e as práticas científicas, levando em conta que as balizas de investigação
também mudam. É aqui que Kuhn introduziu os paradigmas como unidades de análise da ciência.
89
A moldura estabelecida por Kuhn por certo teve como razão a preocupação
do autor no desenvolvimento da Ciência, no contexto do entendimento, na
compreensão, na explicação da Ciência em suas mudanças, na medida em que as
verdades estabelecidas com o passar do tempo deixavam de comportar-se como
algo absolutamente definitivo.
Tais mudanças fazem com que o cientista reaprenda a enxergar o mundo,
não porque ele é outro, mas porque a ruptura entre a ordem em vigor e a nova
ordem é um sinal de que a estrutura do conhecimento vigente não mais atende às
necessidades da comunidade científica.
A dinâmica do desenvolvimento exige uma mudança de paradigma e, com
ela, uma modificação do modo como o cientista vê o mundo. Como nos lembra
Andrade.77
O paradigma como unidade portadora de uma nova base teórica de
conhecimentos tem em sua natureza a inclinação pelo desenvolvimento científico,
inclusive a própria Ciência normal, cujo objetivo é explorar o paradigma em todos os
seus limites, promovendo uma melhor explicação da natureza por meio de soluções
exemplares. Mais do que isso, permite a especialização, outra marca característica
da Ciência normal. Mendonça (2012, p. 539) lembra-nos de que:
77 “ [...] o resultado do trabalho criador é o progresso. [...] Nenhuma escola criadora reconhece uma
categoria de trabalho que, de um lado é um êxito criador, mas que, de outro, não é uma adição às
realizações coletivas do grupo (KUHN, 1991). O sublinhado é meu e nele vejo uma chave para a
questão. Se o ressuscitado volta após uma ruptura na ciência normal que ele praticava, tal cientista
terá de colocar as lentes inversoras de que fala Kuhn, isto é, terá de reaprender a ver o mundo que já
não será o mesmo de que outrora se apartara. Ele terá de se reintegrar ao grupo, que deixou de ser
aquele com o qual, no passado, comungou e cujos integrantes, agora, “veem coisas novas e
diferentes quando, empregando instrumentos familiares, olham para os mesmos pontos examinados
anteriormente”, Em suma, ele precisará ser convertido – esta é a analogia que Kuhn julga pertinente
(ANDRADE, Napoleão Laureano de. Concepções de progresso científico em Conant e Kuhn. In:
Caderno Catarinense de Ensino de Física. Brasil, v. 17, n. 1, abr. 2000, p. 71).”
90
78 Conforme esclarece Mendonça: “Como a maioria dos filósofos e historiadores de seu tempo, Kuhn
partia do princípio de que o progresso – apesar de não ser, no seu caso, necessariamente cumulativo
– é uma diferença específica da ciência face a outras formas de conhecimento. Tanto que suas
reconstruções são, grosso modo, sempre uma tentativa de exibir como a ciência progride, seja no
sentido normal de acumulação, seja no sentido revolucionário de ruptura. (Só esse fato já torna
patente que ele não almejou minar a autoridade cultural exercida pela ciência, como alguns
imaginam.) O consenso seria justamente o que assegura a possibilidade de crescimento do
conhecimento científico (MENDONÇA, André Luis de Oliveira. O legado de Thomas Kuhn após
cinquenta anos. In: Revista Scientiastudia, São Paulo, v. 10, n. 3, 2012, p. 539).”
79 Como esclarece Tossato: “[...] pois ‘magnitudes incomensuráveis podem ser comparadas até
qualquer grau de aproximação requerido’ (Kuhn, 2003a, p. 50), e aplica essa possibilidade a teorias
distintas, pois a incomensurabilidade não implica incomparabilidade, ‘a maioria dos termos comuns a
91
Advogamos aqui a tese de que uma das ideias seminais de Kuhn, a saber,
a incomensurabilidade entre as teorias, não implica uma concepção
irracional da ciência. Ao contrário, ela é imprescindível para que a ciência
possa evoluir de forma tão surpreendente. A rigor, o progresso científico só
ocorre – da maneira que ele se dá desde o advento da ciência moderna –
porque existe o fenômeno da fragmentação. Embora Kuhn tenha apontado
na direção certa, precisamos livrar-nos de algumas inconsistências e
incongruências de seus argumentos – a começar pela “redefinição” do
escopo de atuação da incomensurabilidade, na medida em que ele exprime
mal a ideia correta de “falta de unidade” do conhecimento. Outrossim,
desenvolvemos o argumento de que o paradigma é um conceito
fundamental para compreender o progresso da ciência, desde que se
resgate o seu sentido originário em detrimento da acepção corrente nos
últimos trabalhos do próprio Kuhn. Em suma, o nosso objetivo consiste em
mostrar que o progresso científico ocorre segundo duas direções principais:
por um lado, o progresso como aprofundamento do conhecimento é
assegurado pelo paradigma que, por sua vez, engendra uma pesquisa
especializada; por outro, o progresso como ampliação do conhecimento é
gerado pela incomensurabilidade, responsável pela proliferação de novas
especialidades.
duas teorias funciona da mesma maneira em ambas; seus significados, quaisquer que sejam, são
preservados, sua tradução é simplesmente homofônica’ (2003a. p. 50). Para Kuhn, a admissão da
incomensurabilidade é mais modesta do que pensam os seus críticos. E essa visão modesta
determina a incomensurabilidade local, que trata somente da questão da incomensurabilidade entre
as linguagens das teorias. Apesar de não existir uma tradução termo a termo, existem termos que
mantêm sua significação em uma teoria e outra, de maneira a permitir algum grau de comparação
(TOSSATO, Claudemir Roque. Incomensurabilidade, comparabilidade e objetividade. In: Revista
Scientiastudia, São Paulo, v. 10, n. 3, 2012, p.497).”
92
80 Como afirmam Mendonça e Videira: “ [...] dizendo que é justamente a especialização que garante a
possibilidade do progresso científico acontecer de modo notório, não encontrado em outras áreas do
conhecimento humano. Para exprimir de forma mais precisa, a pesquisa especializada é o pré-
requisito indispensável para que possa haver aprofundamento no conhecimento de determinados
fatos da natureza. Para sustentar a tese supramencionada, Kuhn jamais pôde prescindir do conceito
de paradigma – embora ele tenha, ao longo do tempo, subtraído a riqueza semântica que o termo
denotava em sua formulação inicial, como mostraremos adiante. O paradigma é responsável pela
instauração da pesquisa mais especializada, uma vez que restringe sobremaneira a quantidade
imensurável dos fatos encontrados na natureza (cf. Kuhn, 1975, p. 35). Além de delimitar drástica e
profundamente o âmbito de investigação de uma especialidade, o paradigma também estabelece o
consenso acerca dos fundamentos que devem nortear a prática de pesquisa. Quando isso ocorre, os
cientistas passam a trabalhar no interior de uma modalidade de ciência que Kuhn denominou de
normal. Modalidade essa duramente contestada (cf. Lakatos & Musgrave, 1970, especialmente os
textos de Popper, Feyerabend e Watkins), mas não abandonada por Kuhn. Acreditamos que a noção
de ’ciência normal’, apesar de ter sido apresentada por Kuhn sempre de maneira bastante
esquemática, pode elucidar como a pesquisa especializada produz resultados satisfatórios para o
avanço do conhecimento científico (MENDONÇA, André Luis de Oliveira; VIDEIRA, Antônio Augusto
Passos. Progresso científico e incomensurabilidade em Thomas Kuhn. In: Revista Scientiastudia,
São Paulo, v. 5, n. 2, 2007, p. 170).”
81“O ponto central a ser levado em consideração é o fato de que a incomensurabilidade efetivamente
ocorre. No entanto, diferentemente do que pensava Kuhn, as razões para a interrupção da interação
entre comunidades são de vários tipos. A rigor, a tese da incomensurabilidade indica que a ciência
não possui o caráter de unidade e universalidade, como pensava a filosofia da ciência tradicional.
Mas devemos fazer uma ponderação a respeito da assertiva de que a ciência é local e fragmentada.
Reconhecer que os estudos historiográficos e sociológicos demonstram que a ciência não dispõe de
um método universalmente válido não significa que ela estaria fadada ao insucesso. Muito pelo
contrário, como o próprio Kuhn sublinhou, esta é justamente a razão precípua de seu êxito. O
problema de Kuhn foi ter pensado que a ciência não é unificada por conta das diversas comunidades
não partilharem uma linguagem comum (Idem, p. 179).”
93
Kuhn, com pioneirismo, permitiu esse novo modo de olhar a Ciência, pois foi
com a hipótese kuhniana desenvolvida em A Estrutura das Revoluções
Científicas que aprendemos a ver o saber científico não como um processo
linear de descoberta de verdades objetivas e de construção progressiva da
sociedade em torno dessa verdade. Kuhn demonstra como a Ciência se
desenvolve diferentemente dos conceitos positivistas da ciência que
dominavam o saber ocidental, assim como contra os conceitos dialéticos da
ciência do mundo socialista. Ele foi um iconoclasta impiedoso de uma
Ciência toda poderosa e dona de verdades insuperáveis e imutáveis.
O perfil dinâmico desempenhado por Kuhn em sua teoria científica fez com
que a sua obra A estrutura das revoluções científicas fosse revisitada
constantemente por ele, obrigando-o a remodelar sua compreensão da Ciência,
conforme podemos notar no trecho do artigo denominado “O que há de polêmico na
ideia kuhniana de incomensurabilidade”, de lavra de Gutierre.82
Esse excerto mostra de que maneira Kuhn procurou enfrentar uma das
principais dificuldades de sua proposta. Como se vê, o problema da
incomensurabilidade foi uma das dificuldades enfrentadas pelo autor. Não obstante
as críticas recebidas e, claro, em virtude justamente delas, Kuhn procurou mostrar
que sua interpretação da Ciência não deveria ter como consequência a
impossibilidade de tradução de termos e tampouco a impossibilidade de
comunicação ou diálogo entre paradigmas diferentes. O trecho acima nos coloca
justamente diante de um dos reparos feitos por Kuhn, tendo em vista o melhor
esclarecimento de sua filosofia da Ciência.
82 “Boa parte dos ataques iniciais desferidos contra o conceito de incomensurabilidade repousava
sobre a crença de que ela, de alguma forma, impediria a comunicação entre diferentes comunidades
científicas e a comparabilidade das teorias. Entretanto, Kuhn alegou convincentemente que esta não
era uma descrição correta de suas intenções. De fato, desde a publicação de A estrutura das
revoluções científicas, ele reconhece que alguns canais de interlocução entre comunidades científicas
diferentes permanecem abertos à possibilidade de uma tradução parcial, em particular, viabilizariam o
diálogo entre estes grupos distintos. A partir dos anos oitenta, Kuhn vai mais longe e chega a afirmar
que apenas uma pequena parcela dos termos utilizados por paradigmas opostos; experimenta
mudanças em seu significado e referência após uma revolução, dando margem ao que chama de
"incomensurabilidade local". Nesta versão do conceito, os "termos que preservam seu significado
após uma mudança teórica fornecem base suficiente para a discussão de diferenças e para as
comparações relevantes na escolha de teorias". Dado que a maior parte dos termos que preservam
seu significado após uma revolução científica envolve apenas uma tradução "mecânica" ou
"homofônica", estaria assegurada uma base comum sobre a qual o debate interparadigmático poderia
ser desenvolvido (GUTIERRE, Jezio Hernani Bomfim. O que há de polêmico na ideia kuhniana de
incomensurabilidade? In: Revista Principia, Brasil, v. 2, n. 1, p. 21-35, jun. 1998, p. 22).”
94
83 Como bem sinaliza Kropf, em seu artigo intitulado “Os Valores e a Prática Institucional da Ciência:
as concepções de Robert Merton e Thomas Kuhn”: “Um primeiro ponto a ser considerado na tentativa
de traçar um diálogo entre as perspectivas teóricas dos dois autores é a preocupação comum em
discutir a influência dos contextos socioculturais na organização e no desenvolvimento da ciência.
Essa foi uma questão que norteou os estudos históricos que marcaram o início da produção
intelectual tanto de Merton como de Kuhn. Em Science, technology and society in seventeenth-
century in England, seu primeiro trabalho de vulto, Merton desenvolve a tese de que os valores do
puritanismo e as necessidades militares, econômicas e tecnológicas na Inglaterra do século XVII
contribuíram de maneira decisiva para a conformação de um terreno cultural particularmente fértil
para o florescimento, a afirmação e a difusão da atividade científica. Investigando empiricamente a
origem social da ciência moderna, esse estudo introduz a discussão acerca do processo pelo qual
certas condições de uma dada estrutura social permitem a constituição da ciência como instituição
específica e dotada de legitimidade na sociedade. Esse argumento serviria de base à posterior
elaboração de Merton sobre o ethos da ciência”. Continua o mesmo autor (1999, p. 5): “Assim,
compreende-se que o sentido de uma norma ou valor está radicado no seu contexto de uso, a partir
das funções que desempenha nas atividades práticas dos indivíduos. Embora Kuhn afirme que é a
autoridade do grupo que garante o reconhecimento do que deve ser legitimamente aceito como
norma ou valor, tem-se que a própria prática concreta da ciência normal é o que fornece os contextos
a partir dos quais os significados das normas e valores são construídos, com base nessa autoridade
(KROPF, Simone Petraglia; LIMA, Nísia Trindade. Os valores e a prática institucional da ciência: as
concepções de Robert Merton e Thomas Kuhn. In: Revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos.
Rio de Janeiro, v. 5 n. 3, nov. 1998/fev. 1999, p. 3).”
95
84 “No livro A estrutura das revoluções científicas, Kuhn coloca em questão os pressupostos
fundamentais da tradição logicista, convencionalista e antipsicologista em Filosofia da Ciência. Ele
rompe com essa tradição impondo a Filosofia um compromisso naturalista com ‘aquilo que os
cientistas efetivamente fazem’: [...] nós devemos explicar porque a Ciência progride, como ela o faz, e
nós devemos em primeiro lugar descobrir como, de fato, ela progride (ABRANTES, Paulo (Org).
Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 196).”
102
Quando se diz que o juiz deve aplicar a Lei, diz-se, em outras palavras, que
a atividade do juiz está limitada pela Lei, no sentido de que o conteúdo da
sentença deve corresponder ao conteúdo de uma lei. Se essa
correspondência não ocorre, a sentença do juiz pode ser declarada inválida,
tal como uma lei ordinária não-conforme à Constituição.
Por isso, da necessidade de uma ciência que possa tentar explicar como
funciona a mente humana do indivíduo, as psicologias trataram de fundar escolas,
cujo objetivo foi o de buscar respostas à compreensão do funcionamento da mente
humana.
Elas se dividiram em correntes, com ideologias criadas a partir de seus
pensadores, no entanto, o que eles enfrentaram em comum foi a constatação de
certas complexidades envolvendo o homem como ser temporal e o mundo em que
ele existe.
Nesse aspecto, a fisicalidade do mundo, ao mesmo tempo em que demonstra
um certo equilíbrio em harmonia em si, reflete por outro lado a existência de uma lei
ainda por desvendar o desconhecido. É, portanto, prova importante para tornar
evidente a existência do paradoxo do tempo como um fenômeno constatável e de
grande relevância para a espécie humana.
103
85 “Antes do século XIX, a Psicologia era parte integrante da Filosofia, e a maioria das especulações
sistemáticas relativas aos problemas psicológicos foi feita por filósofos. Os ensinamentos e escritos
de Sócrates (470-399 a.C), Platão e Aristóteles haviam transferido o foco do interesse da filosofia
grega, da natureza do universo físico, para a natureza do homem. Essa transferência pôs em
destaque inúmeros problemas psicológicos. / Entre outras observações, notou Platão dois princípios
104
O ponto central dessa discussão dos limites eu/não-eu é que não existe
apenas um, mas muitos níveis de identidade disponíveis para um indivíduo.
Esses níveis de identidade não são postulados teóricos, mas realidades
observáveis – podemos testá-las em nós por nós. Com relação a esses
níveis diferentes, é como aquele fenômeno é conhecido, mas
essencialmente misterioso, que chamamos de consciência como fosse um
espectro, uma coisa semelhante a um arco-íris composto de diversas faixas
ou níveis de autoidentidade.
envolvidos na memória: a associação por contiguidade e a associação por similaridade. Ele deu a
entender que a propriedade pessoal de alguém, uma lira ou uma peça de roupa, “forma aos olhos da
mente” uma imagem do dono, porque o objeto e a pessoa foram repetidamente vistos juntos no
passado. Platão também deu a entender que a vista de um objeto tende a evocar outro, porque as
duas coisas são parecidas (Warren, 1921). E complementam os autores citados em longa, mas
essencial citação (1973, p. 16-17): “Num exame dos conhecimentos do seu tempo, Aristóteles
investigou tanto os fenômenos “mentais” quanto os físicos, e notou que os pensamentos se seguem
uns aos outros com certa regularidade. Enumerou a similaridade, o contraste e a contiguidade como
os três tipos de relações que proporcionam elos de ligação numa cadeia de pensamentos. Disse
Aristóteles que a mente recebe a impressão de uma experiência exatamente como a cera recebe a
marca de um anel colocado sobre ela; a persistência de uma impressão dessa natureza constitui
memória. A memória afigurava-se a Aristóteles como a posse de uma experiência potencialmente
revivescível. As suas concepções da aprendizagem e da memória constituem um grande passo na
direção de uma explicação naturalística da vida mental – ele indicou claramente que as sequências
de processos ideacionais (de pensamento) não são fortuitas, mas obedecem a princípios discerníveis.
Também acreditava que os mesmos princípios definidos presidiam tanto o pensamento intencional
quanto o fluxo espontâneo de pensamentos (Warren, 1921; Boring, 1950). Para Telford e Sawrey
(1973, p. 21). A psicologia é definida em nossa contemporaneidade como sendo: [..]ciência do
comportamento humano ou como ciência das experiências e atividades dos seres humanos. O termo
passou por diversas definições provisórias: tem sido sucessivamente definido como a ciência da
mente, a ciência da atividade mental, a ciência da consciência e a ciência da experiência consciente.
Até certo ponto, essas mutáveis definições refletem a natureza mutável dos interesses e
preocupações dos que se tem denominado psicólogos (TELFORD, Charles Witt; SAWREY, James M.
Psicologia: uma introdução aos princípios fundamentais do comportamento. 4. ed. São Paulo:
Cultrix, 1973, p. 16).”
105
86 Segundo Wilber: “Quando o universo como um todo procura conhecer-se, por intermédio da mente
humana, alguns aspectos desse universo hão de permanecer desconhecidos. Com o despertar do
conhecimento simbólico, parece ter surgido uma cisão no universo entre o conhecedor e o conhecido,
o pensador e o pensamento, o sujeito e o objeto; e nossa consciência mais íntima, conhecedora e
investigadora do mundo externo, finalmente escapa do próprio domínio e continua como o
desconhecido, o não demonstrado e o indominável, do mesmo modo que sua mão pode agarrar um
cem número de objetos mas nunca poderá agarrar-se a si mesma, ou do mesmo modo que seus
olhos podem ver o mundo mas nunca poderão ver-se a si próprios (WILBER, Ken. O espectro da
consciência; tradução Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 26)”.
106
87 Segundo Ross: “Se o juiz se limitar a aplicar a lei aos claros casos referenciais, se manterá preso
às palavras literais da lei, atitude que possivelmente se liga à rejeição de uma concebível restrição
dela, para o que aplica por analogia outras normas jurídicas. Por outro lado, se o juiz desejar tomar
uma decisão que se situa na zona duvidosa de regra (interpretação especificadora), ou que,
inclusive, é contrária ao significado linguístico natural (interpretação restritiva ou por extensão),
buscará apoio para o resultado desejado onde quer que possa encontra-lo. Se o relatório da
comissão dos redatores da lei puder lhe oferecer tal apoio, ele o citará; se não puder oferecê-lo, ele o
ignorará (ROSS, Alf. Direito e justiça; tradução Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003, p. 182).”
88 “Notaria logo que o homem, não obstante o imponente grau de domínio sobre a natureza, possui
um controle muito limitado sobre o seu interior. Perceberia que esse mágico moderno, capaz de
descer ao fundo do oceano e de projetá-lo até a lua, é, em larga medida, ignorante do que se passa
nas profundezas do próprio inconsciente e incapaz de se elevar aos luminosos níveis da
supraconsciência, tornando-se cônscio de seu próprio self. Unificar-se-ia que esse pretenso semideus
que controla grandes forças elétricas com o mover de um dedo e inunda o ar de sons e imagens para
divertimento de milhões de pessoas é incapaz de lidar com as próprias emoções, impulsos e desejos
(ASSAGIOLI, Roberto. O ato de vontade. São Paulo: Cultrix, 1973, p. 7).”
107
89 Conforme esclarece Lévy, “É possível que não exista nenhuma faculdade particular do espírito
humano que possamos identificar como sendo a “razão”. Como alguns humanos conseguiram,
apesar de tudo, desenvolver alguns raciocínios abstratos, podemos sem dúvidas explicar este
sucesso fazendo apelo a recursos cognitivos exteriores ao sistema nervoso. Levar em conta as
tecnologias intelectuais permite compreender como os poderes da abstração e de raciocínio formal
desenvolveram-se em nossa espécie. A razão não seria um atributo essencial e imutável da alma
108
humana, mas sim um efeito ecológico, que repousa sobre o uso de tecnologias intelectuais variáveis
no espaço e historicamente datadas”. E complementa em trecho contínuo: “O que é racionalidade?
Esta é, sem dúvida, uma pergunta que pode gerar muitas controvérsias. Concordemos, por enquanto,
com esta definição mínima: uma pessoa racional deveria seguir as regras da lógica ordinária e não
contradizer de forma por mais grosseira a teoria das probabilidades nem os princípios elementares da
estatística. Entretanto, um certo número de pesquisas desenvolvidas em psicologia cognitiva
experimental a partir dos anos sessenta monstraram de forma convincente, que, quando separado de
seu meio ambiente sociotécnico pelos protocolos experimentais da psicologia cognitiva, o ser humano
não é racional [40, 58, 104] (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento
na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 154).”
90 Neste aspecto é esclarecedor Koestler: “Todo que podemos decir es que se nuestra orientación y
nuestras reacciones motoras y posturales dependen de los circuitos electricos del cérebro el hecho de
vivir en un mundo invertido debe entreñar muchas modificaciones en el diagrama de instalación. Las
gafas de inversión son artefactos drásticos, pero la mayoría de nosotros vamos por la vida llevado
unas lentes de contacto que no sentimos y que deforman nuestras percepciones de maneira mas
sutiles. La psicoterapia antigua y moderna, desde el chamanismo hasta las formas contemporâneas
de las técnicas analíticas y abreacción, siempre se la baseado en variante del processo de
destrucción y reconstrucción que Enst Kria, em mente psicoterapeuta, la llamado “regresión para el
servicio del ego” El neurótico con sus compulsiones, su fobia y sus elaborados mecanismos de
109
defensa, es victima de una especialización rígida y mal adaptada, en Koala colgado, para toda la
vida, de un poste de telegrafo”. E complementa o mesmo autor (1998, p. 166-167): “Toda revolución
tiene un aspecto destrutivo y outro constructivo. La destrucción se opera echando por la borda
doctrinas que antes parecia inexpugnables y axiomas aparentemente evidentes. El progresso en el
arte implica una reapreación, igualmente dolorosa, de los valores, critérios de importância y marcos
de percepción aceptado. He hablado de este tema con cierto detalhe de un libro reciente (the art of
creation) y no insistire en el. Lo que quiero decir aqui es que la creación deuna novedad en la
evolución mental sigue el mismo esquema de reculer pour mieux sauter de una regresión temporal
seguido por un salto haria delante, que hemos encontrado en la evolución biológica. Podemos,
continuar con la analogia e interpretar la reacción “aja”, o grito de! Eureka! como seña de haber
escapado felizmente de un callejón sin salida; un acto auto reparacción logrado por la des-
diferenciación de las estruturas cognoscentes hacia un estas más flexible, con la liberación
conseguiente de potenciales creativos, equivalente, a la liberación potenciales genéticos de
crecimiento en los tejidos regeneradores (KOESTLER, Arthur. En busca del absoluto.2 ed.
Barcelona: Kairós, 1998, p. 165).”
91 Segundo Lévy, “Parece que apenas levamos em conta, nos nossos raciocínios, aquilo que se
enquadra em nossos estereótipos e nos esquemas preestabelecidos que usamos normalmente. Muito
mais que o conteúdo bruto dos dados, nosso humor no momento e a maneira pela qual são
apresentados os problemas determinam as soluções que adotamos. [...] Como explicar esta
irracionalidade natural? Poderíamos dar conta dela através da hipótese de “arquitetura” do sistema
cognitivo humano (por analogia com a arquitetura de computadores). Nossa atenção consciente ou
nossa memória de curto prazo poderiam processar apenas uma quantidade mínima de informação a
cada vez. Nosso sistema cognitivo ofereceria muito poucos recursos aos “processos controlados”. Por
outro lado, a memória de longo prazo disporia de uma enorme capacidade de armazemento e de
restituição pertinente dos conhecimentos. Nesta memória de longo prazo, a informação não se
encontraria empilhada ao acaso, mas sim estruturada em redes associativas e esquemas. Estes
esquemas seriam como “fichas mentais” sobre as situações, os objetos e os conceitos que nos são
úteis no cotidiano. Poderíamos dizer que nossa visão do mundo, ou nosso modelo de realidade,
encontram-se inscritos em nossa memória de longo prazo (LÉVY, Pierre. As tecnologias da
inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 155).”
110
92 “En realidad, el progresso de la ciencia esta assombrado, como una antigua múmia através del
desierto, con los esqueletos blanqueados, de las teorias desechadas que alguna vez parecieron tener
vida eterna. La progresión del arte implica reapreciaciones, igualmente angustiosas, de los valores
aceptados, de los critérios de importância, de los marcos de la percepción. En los dos últimos siglos
Europa ha presenciado el surgimiento y la caída clasismo de romantismo y del Sturn und Drang; del
naturalismo, el surrealismo y el Dadai de la novela social, de la novela existencialista, del nouveau
roman. Los cambios han sido aun mas drásticos en la história de pintura. Pero este mismo curso
zigzagueante caracteriza el progresso de la ciência, ya se trate de la historia de la medicina e de la
psicologia o de lo câmbios fundamentales en física desde la concepción del cosmos de Aristóteles y
la de Newton e Einstein. El poeta, el pintor, el cientifico cada uno construye su próprio modelo
deformado de la realidade, selecionando y ressaltando aquellos aspectos de la experiência que
considere significativa e ignorando los que no considera pertinentes (KOESTLER, Arthur. En busca
del absoluto.2 ed. Barcelona: Kairós, 1998, p. 75).”
111
Como hemos visto se rige por diversos cânones e diferentes niveles, desde
la semântica, pasando por la gramatica hasta llegar a la fonogia; pero en
cada uno de esos niveles, la persona que habla tiene una ampla variedade
de alternativas estratégicas; desde la selección y el ordenamento del
material que desea transmitir, pasando por la formulación de parafos y
frases, la elección de metáforas y adjetivos, hasta la enunciación, es decir,
el enfases selectivo que se da a las vocales individuales. Podemos aplicar
consideraciones similares a un pianista que improvisa sobre un tema. En
este caso las reglas del juego son un esquema metódico determinado pero
el pianista tiene una cantidad casi infinita de alternativas para las frases, los
ritmos, el tempo o la transposición a outra clave.
processamento que se assenta sobre a dinâmica; à memória, que resulta de estados de conexão
entre “neurônios”; ao “conhecimento” e à “decisão” como resultado de um perfil de atividade estável
alcançado após aprendizado e treinamento; - criar arquiteturas que sejam capazes de fazer surgir
“soluções” para problemas sobre os quais não se conhecem todos os passos de processamento
(ABRANTES, Paulo (Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994,
p. 164).”
94Ainda segundo Koestler: “A naturaleza del código que regula a conduta varia, por cierto, segun la
naturaleza y nível de la jerarquia en question. Alguns códigos son inatos, como el código genético e
los códigos que gobiernam las atividades instintivas de los animales, otros son adquiridos mediante el
aprendizaje, como el código cinético de los circuitos de mi sistema nervioso que me permitem andar
en bicicleta sin caerme, o el código de conocimiento que define las reglas del ajedrez. / Parece que la
113
vida en todas sus manifestaciones, desde la morfogenesis hasta el pensamiento simbólico, se rige
por reglas del juego que le confieren orden e estabilidade, pero que tambien le permiten flexibilidade;
y que essas reglas, sean innatas o adquiridas, están representadas en forma de codificación en los
diversos niveles de la jerarquia desde el código genético hasta la estructura del sistema nervioso
associado con el lenguage y el pensamento (KOESTLER, Arthur. En busca del absoluto.2 ed.
Barcelona: Kairós, 1998, p. 194).”
95 Como esclarece Jung: “Julgamento é parcial e preconcebido, porque escolhe uma possibilidade
particular, à vista de todas as outras. O julgamento se baseia, por sua vez, na experiência, isto é,
naquilo que já é conhecido. Via de regra, ele nunca se baseia no que é novo, no que é ainda
desconhecido e no que, sob certas circunstâncias poderia enriquecer consideravelmente o processo
dirigido. É evidente que não se pode basear, pela simples razão de que os conteúdos inconstantes
estão excluídos da consciência. / Por causa de tais atos de julgamento, o processo dirigido se torna
necessariamente unilateral, mesmo que o julgamento, racional pareça plurilateral e despreconcebido.
Por fim, até a própria racionalidade do julgamento é um preconceito da pior espécie porque
chamamos de racional aquilo que nos parece racional. Aquilo, portanto, que nos parece irracional
está de antemão fadado à exclusão, justamente por causa de seu canto irracional, que pode ser
realmente irracional, mas pode igualmente apenas parecer irracional, sem o ser em sentido mais alto
(JUNG, C. G.; ROCHA. A natureza da psique; tradução Dom Mateus Ramalho. 8. ed. Petrópolis:
Vozes, 2011, p. 15).”
114
96 “Uma estratégia adotada pelos neurobiólogos para investigar o problema da consciência foi dividi-lo
numa série de subproblemas específicos, antes de tentar delinear uma teoria geral. Dois desses
subproblemas vêm atraindo a atenção dos neurobiólogos: as bases neuronais que permitem uma
diferenciação entre sono e vigília e a integração da informação cognitiva, principalmente na
percepção (binding problem). A diferenciação entre o sono e vigília abre uma primeira porta para
sabermos o que significa estar consciente. O binding problem consiste em saber como o cérebro
pode integrar diferentes modalidades de informação acerca de um objeto de forma a poder percebê-
lo de forma unificada. Por exemplo, posso perceber um cão de diversas maneiras – diferentes
perspectivas visuais. Existem várias raças de cães; uso de palavras “cão” para referir-me a esses
objetos e uso também a palavra escrita “cão”. Contudo, meu cérebro é capaz de integrar todas estas
modalidades de informação de maneira que invoco um único objeto quando ouço a palavra “cão”.
Esta unificação operada pelo meu cérebro é particularmente importante na medida em que a partir
dela componho objetos fora de mim, o que é um primeiro passo para definir-me como um ser
consciente. / A investigação destes dois subproblemas – a diferença entre sono e vigília e o binding
problem – levaram a resultados surpreendentes. Francis Crick (1994), um cientista do California
Institute of Tecnology, descobriu uma correlação entre a ocorrência do binding e uma constância em
certas oscilações de grupos de neurônios no córtex – uma oscilação que se situa sempre entre 35-40
Mhz. Esta descoberta (que lhe valeu o Prêmio Nobel) levou-o a escrever um livro, the Astonishing
Hypothesis, que se tornou um best-seller de divulgação científica. O polêmico no livro de Crick é sua
afirmação de que nossas alegrias e tristezas, nosso sentido de identidade e de liberdade talvez não
sejam nada mais do que o comportamento de um vasto conjunto de neurônios e suas reações
químicas. (TEIXEIRA, João de Fernandes. Mentes e máquinas: uma introdução à ciência cognitiva.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 150).”
115
97“No domínio dos processos psicofísicos lógicos como o das percepções sensoriais, prevalece o
puro mecanismo reflexo, porque a intuição experimental é manifestamente inofensiva, não se
produzindo nenhuma assimilação, e, mesmo que se produza, é ínfima, e por isto a experiência não é
seriamente perturbada. Diferente é o que se passa no domínio dos processos psíquicos complexos,
onde a disposição da experiência não conhece limitações das possibilidades definidas e conhecidas.
Aqui, onde estão ausentes as salvaguardas proporcionadas por uma determinação de fins
específicos, emergem, em contrapartida, possibilidades ilimitadas que, às vezes, dão origem, já
116
desde o início, a uma situação de experiência que chamamos de constelação. Este termo exprime o
fato de que a situação exterior desencadeie um processo psíquico que consiste na aglutinação e na
atualização de determinados conteúdos. A expressão “está concentrado” indica que o indivíduo
adotou uma atitude preparatória e de expectativa, com base na qual reagirá de forma inteiramente
definida. A constelação é um processo automático que ninguém pode deter por própria vontade.
Esses conteúdos constelados são determinados complexos que possuem energia específica própria.
Quando a experiência em questão é a de associações, os complexos em geral influenciam seu curso
em alto grau, provocando reações perturbadas, ou provocam, para dissimulá-las, um determinado
modo de reação que se pode notar, todavia, pelo fato de não mais corresponderem ao sentido da
palavra estímulo (JUNG, C. G.; ROCHA. A natureza da psique; tradução Dom Mateus Ramalho. 8.
ed. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 41).”
98 Para Borkowski: “A psicologia experimental abrange todo o saber conseguido através da aplicação
apropriada de observações controladas de fenômeno do comportamento. O que equivale a dizer que
a psicologia experimental é uma coleção de métodos, processos e instrumentos que os psicologistas
empregam em condições controladas, acrescidos das informações coletadas mediante a aplicação
das mencionadas táticas. As informações coligidas por psicologistas experimentais destinam-se,
tipicamente, a patrocinar nossa compreensão dos componentes do comportamento, a saber, os
componentes do desenvolvimento, da motivação social, perceptivos, fisiológicos e anormais, para
citarmos apenas umas poucas áreas do conteúdo da disciplina (BORKOWSKI, John G.; ANDERSON,
Chris D. Psicologia experimental: táticas de pesquisa do comportamento; tradução Octavio Mendes
Cajado. São Paulo, Cultrix, 1977, p. 5).”
117
99 Para Canetti: “As tentativas de se chegar ao âmago das nações padeceram em sua maioria de um
erro fundamental. Buscaram-se definições do nacional em si, uma nação é isso ou aquilo, dizia-se.
Vivia-se na crença de que o importante seria encontrar a definição certa. Uma vez encontrada, ela se
deixaria aplicar uniformemente a todas as nações. Tornava-se a língua ou o território, a literatura
escrita, a história, o governo, o assim chamado sentimento nacional, mas, invariavelmente, as
exceções revelaram-se mais importantes do que a regra. Sempre se descobria que se havia
ampanhado algo vivo na calda solta de um manto casual; este, porém, desvencilhava-se com
facilidade, e ficava-se de mãos vazias. / Paralelamente a esse método objetivo, havia um outro,
ingênuo, que se interessava apenas por uma única nação – a sua própria - , todas as demais sendo-
lhe diferentes. Tal método consistia em uma inabalável reinvidicação de superioridade, a apartir de
visões proféticas acerca da própria grandeza, de uma mescla singular de pretensões morais e
animais. Não se creia, contudo, que essas ideologias nacionais efetivamente possuem todas o
mesmo aspecto. O que as iguala é tão-só seu apetite e reinvidicação inoportunas. Elas querem,
talvez, a mesma coisa, mas não são a mesma coisa. Querem engrandecer-se, e embasam esse
engrandecimento na multiplicação. Aparentemente, a terra inteira foi prometida a cada uma delas, e
acabara pertencendo naturalmente a cada uma delas. Todas as demais, ao ouvi-lo, sentem-se
ameaçadas e, em seu medo, vêem apenas a ameaça. Assim sendo, não se nota que o conteúdo
concreto, que as verdadeiras ideologias dessas pretensões nacionais são bastante diversas.
Necessário é dar-se ao trabalho de – sem compartilhar de sua cobiça – determinar o que é singular
em cada nação (CANETTI, Elias. Massa e poder; tradução Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995, p. 167).”
118
100 Para Lévy: “Não é a primeira vez que a aparição de novas tecnologias intelectuais é acompanhada
por uma modificação das normas do saber. Na segunda parte deste livro, Os três tempos do espírito,
oralidade, escrita, informática, tomaremos uma certa distância em relação às evoluções
contemporâneas, ressituando-as em uma continuidade histórica. / De que lugar julgamos a
informática e os estilos de conhecimento que lhe são aparentados? Ao analisar tudo aquilo que, em
nossa forma de pensar, depende da oralidade, da escrita e da impressão, descobriremos que
aprendemos o conhecimento por simulação, típico da cultura informática, com os critérios e reflexos
mentais ligados às tecnologias intelectuais anteriores. Colocar em perspectiva, relativizar as formas
teóricas ou críticas de pensar que perdem terreno hoje, isto talvez facilite o indispensável trabalho de
luto que permitirá abrirmo-nos às novas formas de comunicar e de conhecer (LÉVY, Pierre. As
tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu
da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 19).”
120
Enquanto objeto – a forma como o Estado o considera – faz com que perca,
portanto, sua condição de pessoa humana, sobrevivendo sob as mínimas condições,
graças ao grau elevado de manipulação proporcionado pelas condições sociais,
proporcionadas e estabelecidas pelo regime estatal vigente.
A discussão é complexa em todos os sentidos, entretanto não é satisfatório
declinar das questões relevantes e ao mesmo tempo essenciais, para poder ter
explicações reais e meios de enfrentar o futuro ainda incerto, em que o homem, em
sua grande maioria, se vê vazio, não detendo condições cognitivas suficientes para
reverter sua realidade social.
Embora ativo, é de ações relativizadas, devido à sua natureza limitada, pois
participa de movimentos ou manifestações sem propósitos e sem liderança, que o
conduzem quase sempre a algum lugar do começo.
Isso se dá não porque os propósitos em si e as ações sejam desarrazoadas,
mas porque exigem um planejamento e uma arquitetura vinculada a uma ontologia
social. Sem esses pressupostos estruturantes, logo se dissipa suas ações, e leva a
cair no imaginário informativo do mundo virtual das redes sociais, onde, na maioria
das vezes, alimenta mais uma informação noticiária midiática.
A ciência, em um outro vértice, sob esse aspecto, dá ao cientista condições
palpáveis para refletir e avaliar por meios de seus instrumentos a probabilidade e as
condições que levam o homem à sua árdua missão, inclusive a de decidir em vários
sentidos, até mesmo no ato de não decidir, o que seria uma determinação negativa
por omissão, a forma positiva de decidir.
Entender a realidade que o envolve é uma conquista do homem enquanto
pessoa da ciência, mesmo sabendo de sua insuficiência e da falibilidade que
predomina em sua condição humana.
Aceitar os riscos e abraçar a imprevisibilidade do futuro coaduna-se com os
novos tempos, em cujo cenário o homem deve procurar sustentar-se diante de sua
fragilidade e de sua falibilidade como elemento central de uma história que vive e
que se constrói diariamente, bem como deve observar que sua manutenção é
condicionada aos limites cognitivos de sua capacidade.
121
Ciente de tais condições, o homem tem observado que a cada dia mais, a
extensão do desenvolvimento de suas competências e habilidades tem-se dado por
intermédio de instrumentos inteligentes que realizam suas funções, iguais ou além
de suas condições com considerável aprimoramento e especialização, porém
tratadas em muitos aspectos com ressalvas ou restrições, margeadas pela
desconfiança de uma nova forma de inteligência, agora, nominada tecnológica.
O dilema da pós-modernidade, ou seja, da multiplicidade, da transitoriedade e
da simultaneidade exige do indivíduo um esforço maior para compreender a
profusão de conhecimentos e de condições que o envolvem, os quais permeiam sua
realidade sensível e exigem uma compreensibilidade maior das questões que se
apresentam, de modo a não se perder na vasta dimensão do mundo que habita.
A vida em tal atmosfera tem-se tornado a cada dia um diretório digital, que se
divide em outros mais e assim, sucessivamente, exigindo uma organização e uma
compreensão que escapam das habilidades e competências projetadas ao sistema
de vida biológica típica da raça humana, condição que exige ser considerada, sem
que haja argumento ou contra-argumento.
A realidade no processo que envolve o sujeito e mundo nem sempre é
conhecida, então a massa de singularidade coletiva em sua grande parte é levada,
deixando às margens o seguimento consciente da marcha da vida.
Muitas vezes, portanto, apresenta-se como desconhecida para alguns a
história da humanidade, as faculdades cognitivas intelectivas, sejam do pensamento,
da consciência ou da linguagem, o que seria essencial para que o homem se
conectasse com o mundo e as coisas. Sob tais informações, afirma Fiorin (2003, p.
3):
101 Para Fiorín: “A língua é para Saussure ’um sistema de signos’ um conjunto de unidades que se
relacionam organizadamente dentro de um todo. É a parte social da linguagem exterior ao indivíduo;
não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis do contrato social, estabelecido pelos
membros da comunidade. O conjunto linguagem-língua contém ainda um outro elemento conforme
Saussure, a fala. A fala é um ato individual; resulta das combinações feitas pelo sujeito falante
utilizando o código da língua; expressa-se pelos mecanismos psicofísicos (atos de fonação)
necessários à produção dessas combinações. / A distinção linguagem/língua/fala partiu o objeto da
linguística de Saussure. Dela decorre a divisão do estudo da linguagem em duas partes: uma que
investiga a língua e outra que analisa a fala. As duas partes são inseparáveis, visto que são
interdependentes, a língua é condição para se produzir a fala, mas não há língua sem o exercício da
fala. Há necessidade, portanto de duas linguísticas: a linguística da língua e a linguística da fala.
Saussure focaliza em seu trabalho a linguística da língua, “produto social depositado no cérebro de
cada um”, sistema supra-individual que a sociedade impõe ao falante (FIORIN, José Luiz. (Org).
Introdução à Linguística. v. 1 e 2. São Paulo: Contexto, 2003, p. 10).”
125
102Complementa Perna: “[...] quero destacar que ‘quando se fala em texto especializado, não se pode
deixar de mencionar Lothar Hoffman que, ultrapassando a concepção wusteriana de texto artificial,
aproximou-o do texto elaborado na linguagem comum’. Assim ensina Hoffmann: ‘O texto
especializado é instrumento ou o resultado de uma atividade comunicativa socioprodutiva
especializada. Compõe uma unidade estrutural e funcional (um todo) e está formado por um conjunto
ordenado e finito de orações coerentes pragmáticas, sintáticas e semanticamente ou de unidades
com valor de oração que, como signos linguísticos complexos, de enunciados complexos do
conhecimento humano e de circunstâncias complexas correspondem à realidade objetiva’ (PERNA,
Cristina Becker Lopes; DELGADO, Heloísa Orsi Koch; FINATTO, Maria José Bocorny (Org).
Linguagens Especializadas em Corpora: modos de dizer e interfaces de pesquisa. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2010, p. 12. Disponível em:
<http://www.pucrs.br/edipucrs/linguagensespecializadasemcorpora.pdf> Acesso em: 14 abr. 2013).”
126
Tal garantia, pelo que se constata, não é certa, quando muito aceita, porque é
do ser humano, quando levado ao seu limite, em sua linha de fronteira, concordar
mesmo discordando, em uma espécie de aceitação cínica.
Este comportamento é um resquício antropológico e sociológico arraigado em
uma sociedade segmentada em níveis, melhor explicando, estamentos em que a
ordem superior impõe às camadas inferiores “no sentido verticalizado” suas pré-
ordenações.
São eles modelos ideários de condição a ser obedecida, característicos de
uma espécie de regulação entre os níveis sociais, determinados e conformados por
uma sociedade.
A clivagem da fala entre os indivíduos também é uma realidade porque é no
nível de competência linguística que o indivíduo e a fala podem ser mensurados,
conforme assegura Fiorin.103
Nesse aspecto organizacional, descritivo, prescritivo, gerativista, dentre
outros, como elementos fundamentais do processo de categorização da língua e sua
funcionabilidade, a metodologização da língua, ou seja, sua cientificidade é
indiscutível.
Sendo a cientificidade da língua um aspecto real e comprovável, não se
afasta a possibilidade de ter no mesmo grau de estudo a organização de uma língua
capaz de gerir a extensão além da realidade humana dentro de um processo de
integração, universalização e padronização por meios tecnológicos.
Uma vez que, enquanto restrita ao homem, a linguagem não passa dos
limites que ele possui cognitivamente – capacidade em –, além do risco
comprometedor proporcionado pelas faculdades intelectivas influenciáveis por
intermédio de seus sentidos.
A questão desse e de outros aspectos é saber como isso acontece, quando e
como. Parafraseando Boaventura Santos, o uso prático da razão cínica do “é isso”,
“nada muda sem que percebamos”, “há [...] o importante é que vai mudar”.
103 “Assim como Saussure – que separa a língua de fala, ou que é linguístico do que não é –
Chomsky distingue competência de desempenho. A competência linguística é a porção do
conhecimento do sistema linguístico do falante que lhe permite produzir o conjunto de sentenças de
sua língua. No desenvolvimento desta faculdade é que o homem se depara com a conjunção
descritiva e a normativa da gramática, cuja finalidade é estabelecer a forma de como a língua deve
ser dita em todos os seus aspectos. Dentro de um sistema peculiar a sua natureza e os elementos
que a define, no caso vinculado a elementaridade humana (FIORIN, José Luiz. (Org). Introdução à
Linguística. v. 1 e 2. São Paulo: Contexto, 2003, p. 11).”
127
Essas conjecturas relativizadas são sinais que fazem o “pensar” como algo
que pouco pode contribuir para algo melhor ou que contribua para algum
melhoramento da condição humana, portanto a inteligência é relegada pela
ignorância de apropriar-se dos conhecimentos de forma efetiva.
Esse demonstrativo da decadência da razão do homem o tem conduzido
todos os dias a um certo retrocesso e, ao fim, de suas potenciais possibilidades e
emergindo outras formas racionalizantes.104
A evolução da ciência ou como tudo isso acontece na natureza. Para Toulmin
a interrupção ou ruptura do processo do desenvolvimento é uma medida a ser
desconsiderada. Em suas reflexões, é possível haurir o reconhecimento no máximo
do que ele denominava de “microrrevoluções”, que seriam unidades de variações em
que as partes aceitas de uma ciência em cada fase seriam parte ou partes úteis para
o ponto de partida no processo de desenvolvimento.
Sua perspectiva de abordagem é diferente de uma abordagem paradigmática
na perspectiva kuhniana e de um programa de pesquisas em Lakatos que tem sua
defesa assegurada sobre o entendimento de sua explicação no desenvolvimento
das ciências sociais nos estudos de Barry Barnes.
Os acontecimentos científicos são variações de algo que se aproveita, se
segue, se altera, se complementa, que forma o corpo daquilo com que a ciência se
preocupa em um mesmo modelo. A antropologia segundo Oliveira comunga deste
entendimento (2006, p. 138):
104 Todavia, é esclarecedor o artigo de autoria de Ariza: “É interessante a reflexão, mesmo que
criticando as principais escolas da filosofia da ciência e seus expoentes; avaliar o pensamento deste
pensador também se revela importante para a compreensão do desenvolvimento da ciência na
compreensão da decidibilidade. Além disso, conforme as análises de Lakatos, Laudan, Kuhn e
Toulmin, é difícil sustentar historicamente a ideia de que existem experimentos cruciais (Melhado e
Canacedo, 1993). / Assim, esgotada a via formal e sistemática como critério de racionalidade, a única
alternativa possível, como indica Toulmin, é tomar a experiência histórica real dos cientistas e de suas
mudanças conceituais, como elemento clarificador (ARIZA, Rafael Porlán; HARRES, João Batista
Siqueira. A epistemologia evolucionista de Stephen Toulmin e o ensino de ciências. In: Caderno
Brasileiro de Ensino de Física. Florianópolis, v. 19, n. especial, jun. 2002, p. 73. Disponível em:
<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/10055/15385>. Acesso em: 14 abr. 2013)”.
128
105 “ [...] veremos, segundo Olivé, que a tese relativista moderada defende como viável a tradução de
pelo menos algumas proposições de um determinado esquema conceitual para outro, sempre que
tiver lugar em um grupo humano com uma permanência mínima de tempo. Nesse caso, note-se, que
a emergência de “condições de racionalidade” é algo latente (OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O
trabalho do antropólogo. 2. ed. Brasília: Paralelo Quinze; São Paulo: Ed. da Unesp, 2006, p. 165).”
129
106Para Lévy: “Não é mais “cada um na sua vez” ou “um depois do outro”, mas sim uma espécie de
lenta escrita coletiva, dessincronizada, desdramatizada, expandida, como se crescesse por conta
própria seguindo uma infinidade de linhas paralelas, e, portanto, sempre disponível, ordenada,
objetivada sobre a tela (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na
era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 66).”
131
rigores desejados dos novos tempos, aliás, nem tão novos, porque os problemas
remontam a séculos, e a solução somente é pautada na ideologia programática da
norma com uma percepção futurista do “vai acontecer”.
A desconfiança como herdeira da incerteza passa a exigir um tratamento
regrado a formas e métodos mais eficazes, passíveis de resolução efetiva, conforme
se extrai do trabalho de Silva de Macedo.107
Os aspectos mencionados são respostas aos problemas da instabilidade na
condução das questões, em que as informações e dados são tratados com
disparidades pela inteligência humana.
Outra questão de fundo é a necessidade de ter um banco de dados e
informações que contribua para a otimização de tempo quando do resgate de
questões análogas, a partir da relação entre um sistema e as pessoas que o
utilizam. Problema esse incontornável e denunciado por Lévy.108
Com a adversidade, a complexidade e o aumento exponencial dos dados e
das informações, as associações realizadas pelas ações do homem passam por um
processo de decadência.
As falhas e os conflitos fazem do sistema operacional humano um mecanismo
de elevado risco de incerteza. No campo das decisões, das execuções ativas ou
passivas é que se concentram os maiores problemas, que dispensa um tratamento
individual em detrimento docoletivo.
Categorizar, ou seja, classificar em grupos e definir critérios para a modelação
das ações e dos movimentos representa um passo além da condição humana.
107 “[...] a necessidade consta de se recuperarem informações para atendimento das demandas dos
usuários. Esse atendimento constitui o processo básico de um sistema de recuperação de
informações (SRI). Através da resolução de problema dos usuários, verificam-se a adequabilidade e a
eficiência do SRI, em que vários fatores interferem no devido cumprimento dessa função. Ressalta-se
aqui a boa categorização dos objetos que induz a uma comunicação comum entre sistema e usuário.
Trata-se de um acordo cognitivo entre o indivíduo e a expressão formal do sistema que possibilita a
construção de um ambiente informacional significativo (MACEDO, Ana Cristina Pelosi Silva de.
Categorização semântica: uma retrospectiva de teorias e pesquisas. In: Revista GELNE, ano 4, n. 1,
2002, p. 302. Disponível em: <http://www.gelne.ufc.br/revista_ano4_no1_18.pdf>. Acesso em: 10 abr.
2013)”.
108 “Durante uma conversa normal, nós não dispomos de recursos externos para armazenar e
reorganizar à vontade as representações verbais e gráficas. É sobretudo por isso que trocamos
generalidades, palavras, mudamos de assunto, ficamos à deriva. Durante uma simples troca verbal, é
muito difícil compreender e mais ainda produzir uma argumentação organizada, complexa e coerente
em defesa de nossas ideias. Contestamos discursos com mais facilidade do que dialogamos. Usamos
processos retóricos mais do que raciocínio passo a passo. Reafirmamos nossos argumento sem vez
de avaliar em conjunto as provas e justificativas de cada inferência (LÉVY, Pierre. As tecnologias da
inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 66).”
132
109 Segundo Lévy esse encadeamento se dá “No meio móvel e mal delimitado da rede digital, de um
group-ware a outro, passaremos progressivamente do nível de leitor ao de anotador, depois ao de
autor. Hierarquias sociais poderão ser marcadas através dos direitos de escrita e anotação e de
conexão com hipertextos ou bancos de conhecimentos mais estratégicos ou menos estratégicos.
Apesar da provável manutenção de estratificações rígidas e privilégios, há grandes possibilidades de
que se acentuem a germinação incontrolável e a extensão rizomática da massa de representações
discursivas ou icônicas que já ocorrem hoje. / A digitalização permite a passagem da cópia a
modulação. Não haveria mais dispositivos de “recepção”, mas sim de interface para a seleção, a
recomposição e a interação. Os agenciamentos técnicos passariam a se assemelhar-se com os
módulos sensoriais humanos que, da mesma forma, também não “recebem”, mas filtram, selecionam,
interpretam e recompõem (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na
era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 132).”
133
111 Como esclarece Goldstein, “A inevitável incompletude até de nossos sistemas formais de
pensamento demonstra que não existe um fundamento sólido que sirva de base a qualquer sistema.
Todas as verdades – mesmo aquelas que pareciam tão certas a ponto de serem imunes a toda
possibilidade de revisão – são essencialmente manipuladas. De fato, a própria noção da verdade
objetiva é um mito socialmente construído. Nossas mentes cognoscentes não estão entranhadas na
verdade. Pelo contrário, toda a noção de verdade está entranhada em nossas mentes, elas próprias
os lacaios involuntários de formas organizacionais de influência. A epistemologia nada mais é que a
sociologia do poder. Assim é, de certa forma, a versão pós-moderna de Godel (GOLDSTEIN,
Rebecca. Incompletude: a prova e o paradoxo de Kurt Gödel; tradução Ivo Korytowski. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008, p. 21).”
137
112 Para Lévy, “A ecologia cognitiva nos incita a revisar a distribuição kantiana dos papéis entre
sujeitos e objetos. A psicologia contemporânea e a neurobiologia já confirmaram que o sistema
cognitivo humano não é uma tábua rasa. Sua arquitetura e seus diferentes módulos especializados
organizam nossas percepções, nossa memória e nossos raciocínios, de forma muito restritiva. Mas
articulamos aos aparelhos especializados de nosso sistema nervoso dispositivos de representação e
de processamento da informação que são exteriores a eles. Construímos automatismos (como o da
leitura) que soldam muito estreitamente os módulos biológicos e as tecnologias intelectuais, o que
significa que não há nem razão pura nem sujeito transcendental invariável. Desde o nascimento, o
pequeno humano pensante se constitui através de línguas, de máquinas, de sistemas de
representação que irão estruturar sua experiência (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o
futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro:
Ed. 34, 2011, p. 163).”
139
113 Segundo Bezerra (2011, p. 2), “Esta realidade exige como condição para a mudança, não
apenas a solução de problemas estruturais das escolas, mas também conhecimento de como
realmente se aprende e o que acontece quando aprendemos, subsídio que pode ser fornecido pelas
neurociências”. E complementa o mesmo autor (2011, p. 5): “À década de 90 – conhecida como a
“década do cérebro” – trouxe avanços tecnológicos e ferramentas para estudar a estrutura cerebral e
seu funcionamento. As técnicas de neuroimagem possibilitaram um mapeamento do cérebro humano
e trouxeram subsídios para um maior conhecimento dos mecanismos cognitivos. Esses novos
conhecimentos nos possibilitam saber que lidamos, predominantemente com três estilos de
aprendizes. São eles: 1) aprendizes visuais que prestarão uma atenção particular às informações
141
visuais, incluindo texto; 2) aprendizes auditivos para quem as informações tornam-se mais
assimiláveis pela discussão; 3) aprendizes cinestésicos ou táteis que aprendem melhor quando
envolvem diretamente o corpo e podem precisar se “tornar” aquilo que estão aprendendo
(SPRENGER, 2008, p. 33)”.
114 Para Oliveira Lima: “Nosso conhecimento reside na memória semântica, a qual Eklund (1995, p.4)
define como uma rede de conceitos inter-relacionados. Os processos cognitivos são atividades
mentais como o pensamento, a imaginação, a lembrança e solução de problemas (ALLEN, 1991, p.
13). Como ocorre em outras situações humanas, essas atividades diferentes de habilidade em
raciocínio lógico e em memória visual podem afetar o desempenho na recuperação da informação. A
cognição humana é essencialmente organizada como uma rede semântica, na qual conceitos são
ligados pelas associações (LIMA, Gernica Ângela Borém de Oliveira. Modelo de categorização:
apresentando o modelo clássico e o modelo de protótipos. Perspectivas em Ciência da Informação,
Belo Horizonte, v. 15, n. 2, mai./jun.2010, p. 3. Disponível em:
<http://www.brapci.ufpr.br/documento.php?dd0=0000009070&dd1=92ef2>. Acesso em: 10 abr.
2013)”.
142
Para Azevedo, “O conceito de espaços mentais constitui um elemento importante para a descrição
116
dos objetos do mundo exterior; 2. Sua abstração em conceitos; 3. A organização desses conceitos
em abstrações de ordem mais elevada... tudo isso, bem entendido, no cérebro. Após havê-las
definido, pode-se tentar, sob seu próprio risco e perigo, relacionar essas “faculdades” com as
organizações conexionais de nosso encéfalo (CHANGEUX. Jean-Pierre; CONNES, Alain. Matéria e
pensamento; tradução Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Ed.Unesp, 1996, p. 99).”
147
8 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
A história, às vezes pouco atrativa aos olhos dos homens como gênero, faz
brilhar, por intermédio das janelas da alma, o inusitado, o retrato de uma nova
realidade, frente a seus assemelhados, considerando a singularidade de cada
criatura humana.
Isso comprova a identidade individual da espécie humana, que, ao mesmo
tempo em que é composta de seres iguais, em suas peculiaridades e atributos,
distinguem-se uns dos outros, o que é, por certo, uma das principais causadoras das
desigualdades.
A questão que se põe e de que por vezes se esquece é que o homem sequer
consegue explicar sua própria origem ou o sentido de sua vida de forma satisfatória.
A crença nas hipóteses e nas suposições acaba dando respostas muitas vezes,
vazias, paliativas e confortadoras dessas inquietações, mantendo a espécie humana
em um sonho de ilusões.
Perdido na odisseia de seu eu, no abismo do desconhecido, proporcionado
pela imensurável dimensão do universo que o cerca, o homem somente se vale dos
limites de sua cognição para compreender o mundo que habita. Essa anomalia
cognitiva acredita-se ser um dos maiores problemas da humanidade para seu
desenvolvimento positivo e o enfrentamento dos desconhecidos desafios. Segundo
Gardner (1995, p. 19),
Essa ilusão como “ente” faz parte da realidade do homem, medeia suas
inumeráveis tentativas pela compreensão de seu passado, presente e futuro, muitas
vezes em vão, porque o referido exercício tem sua essência em causas pouco
prováveis, dada a provisoriedade que ronda.
Isso acontece devido a uma complexa e influenciável força incontornável e
incomensurável de variáveis visíveis e invisíveis que afetam a razão humana e as
faculdades intelectivas dessa espécie. O limitado e insuficiente conteúdo do saber
proporcionado pelas normas cognitivas que o estruturam também é contribuinte
dessa fatalidade. Segundo Penrose (2014, p. 1375)
118Segundo Ganascia (1997, p. 73): “Lembremos uma distinção clássica entre dois sentidos do termo
“conhecimento”, um sentido forte, segundo o qual, o conhecimento provém de uma intimidade, de
uma familiaridade de um contato prolongado com as coisas; e um segundo o qual o conhecimento é
transmissível, é ensinado. Entendido na primeira acepção, o conhecimento é eminentemente
subjetivo, é o fruto de uma experiência pessoal e de uma história individual, enquanto, no segundo
sentido, o conhecimento designa aquilo que pode ser extraído da relação privilegiada entre um sujeito
e um objeto e que, por isso, pode ser transmitido. Para retomar os termos empregados por Bertrand
Russell, isso leva a distinguir entre um conhecimento por frequentação, isto é, por contato pessoal, e
um conhecimento por descrição”.
149
Tornou-se claro, então, que não havia forma milagrosa, solução universal,
palavra mágica. Rápidamente, nos demos conta de que não poderemos
pretender que uma máquina fosse inteligente, a não ser que ela dispusesse
de um saber análogo ao saber humano e de conhecimentos numerosos e
variados.
119 Para Lévy, “Não somente cada palavra transforma, pela ativação que propaga ao longo de certas
vias, o estado de excitação da rede semântica, mas também contribui para construir ou remodelar a
própria topologia da rede ou a composição de seus nós. Quando ouvi Isabela declarar, ao abrir uma
caixa de raviólis, que não se preocupava com dietética, eu havia construído uma certa imagem de
sua relação com a comida. Mas ao descobrir que ela comia uma maçã “por suas vitaminas” sou
obrigado a reorganizar uma parte da rede semântica a ela relacionada. Em termos gerais, cada vez
que um caminho de ativação é percorrido, algumas conexões são reforçadas, ao passo que outras
caem aos poucos em desuso. A imensa rede associativa que constitui nosso universo mental
encontra-se em metamorfose permanente. As reorganizações podem ser temporárias e superficiais
quando, por exemplo, desviamos momentaneamente o núcleo de nossa atenção para a audição de
um discurso, ou profundas e permanentes como nos casos em que dizemos que “a vida” ou “uma
longa experiência” nos ensinaram alguma coisa (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o
futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro:
Ed. 34, 2011, p. 24)”.
150
120 “As Redes Neurais Artificiais (RNA) são concepções em hardware e/ou software que exibem
capacidade de aprender com a experiência. Para se conseguirem resultados desejados, ou seja, que
a rede apresente condições de efetuar diagnósticos complexos como é o caso do reconhecimento de
padrão, previsão, etc redes deverão apresentar configurações formadas por várias unidades de
“neurônios”, dispostas em fileiras, compondo um arranjo complexo de interligações. As interligações
são formadas por pesos (sinapses) que devem ser ajustados em função de um conjunto de padrões
que produzam saídas desejadas. Esta atividade é definida como sendo Treinamento ou Aprendizado,
sendo elaborado em off-line. Uma vez ajustada, a rede deverá ser capaz de emitir, para padrões não
constantes no conjunto de treinamento, um diagnóstico com precisão satisfatória. Este diagnóstico
pode ser efetuado sem custo computacional. Isto, a princípio pode ser visto como uma possibilidade
de viabilização da análise em tempo real. / A maioria das redes neurais feedforward supervisionadas
encontradas na literatura é treinada utilizando o algoritmo retropropagação (back propagation), o qual
é considerado um benchmark em termos de precisão. [...] Portanto, a superioridade dessa
metodologia consiste no design do código-fonte abstraindo-se os modelos físicos de acordo com o
pensamento humano (classes, hierarquias e poliformismo) (CAMPOS, José R. et al. Implementação
de redes neurais artificiais utilizando a linguagem de programação Java. In: Brazilian Conference on
Dynamics, Control and their Applications, 9. Serra Negra, SP: DINCON’10, 11 jun. 2010. Anais.
Disponível em: <http://www.sbmac.org.br/dincon/trabalhos/PDF/control/67995.pdf>. Acesso em: 19
abr. 2013, p. 391).”
153
Uma decisiva questão é saber se uma atividade intelectual pode ser realizada
pela máquina, temática que é tratada de forma mais estruturada no capítulo 9.2,
quando da teorização dos métodos da Inteligência Artificial, mas que não dispensa
de certa forma uma posição exaurível do presente capítulo.
Nesse sentido, Ganascia (1997, p. 17): “Se procurarmos cadastrar as
profissões intelectuais e se pensarmos na atividade dos médicos, arquitetos,
engenheiros, financistas, há sempre uma parte que pode ser sistematizada pela
máquina”. E complementa Santinover (2007, p. 66)
Como a rede pode se adaptar a essas mudanças nas regras ocultas que
governam as alterações de preços? Da mesma maneira que nossos
investidores aposentados fazem: eles não passam alguns anos treinando
com o teletipo para depois ficar aplicando o que absorveram sem qualquer
treinamento ulterior. Ao contrário, depois de (talvez) um período inicial de
investir em maus papéis, continuam a aprender por meio de seus erros. E
isso que acontece também com as redes artificiais realmente em uso pelos
investidores para suplementar as redes biológicas contidas em suas
próprias cabeças. A cada noite, depois do fechamento do mercad, a rede é
retreinada nos (digamos) quatro últimos anos de dados precedentes,
excluindo-se um dia do começo e adicionando-se os dados do ultimo dia.
121 Ganascia (2011, p. 46) esclarece: “Levando em conta todas essas considerações, os lógicos
construíram linguagens desprovidas de todas as imperfeições das linguagens humanas.
Denominadas linguagens formais, elas são definidas a partir de um conjunto de sinais, o que, em
termos técnicos, se chama um alfabeto, e de um conjunto de regras de gramática que permitem
diferenciar as sequência de sinais que exprimem alguma coisa, isto é, as expressões, daquelas que
não imprimem nada”.
122 Segundo Ganascia (2011, p. 55), “Segundo a etimologia, a palavra símbolo provém do grego
antigo symbolon, objeto de argila que era quebrado em dois ao fim da estada de um estrangeiro
numa casa amiga. Cada um dos dois, hóspede e anfitrião, conservava uma das metades. Esses dois
pedaços eram, então, transmitidos de geração em geração, numa época em que as viagens eram
raras e mais demoradas que hoje. Juntando as duas partes, era possível provar as relações de
154
hospitalidade tinham sido anteriormente estabelecidas entre as duas famílias. Por derivação, símbolo
é que aquilo que designa outra coisa em virtude de uma correspondência analógica. Os sistemas
simbólicos possibilitam construir objetos informáticos complexos. Em que medida estes objetos são
capazes de corresponder a outros objetos, de designar outras coisas além deles mesmos. Em outras
palavras, em que sentido são simbólicos os sistemas simbólicos? / É isso tentaremos compreender
agora. No símbolo antigo, isto é, no objeto quebrado em dois, as saliências de uma das metades
devem coincidir com as cavidades da outra, e vice-versa. Da mesma forma num sistema simbólico, a
destinação entre teoremas e não teoremas corresponde analogamente à separação entre o mundo
real e um mundo virtual formado por expressões. Duas noções são então correntemente utilizadas
para medir a adequação de um sistema simbólico e que simboliza: coerência e completude. Muito
esquematicamente dizemos que um sistema simbólico é coerente com uma interpretação se todos os
teoremas que dele derivam são válidos no interior dessa interpretação, isto é, se as saliências do
sistema simbólico têm, todas elas, uma contrapartida na realidade”.
155
que representa alguns dos pontos a serem avaliados e previsos, porém não se nega
a incorruptibilidade do sistema, salvo programação feita para tais fins, e o
afastamento das influências emocionais que acometem os humanos.
Segundo Ashby em seu clássico sobre o tema: se os cérebros humanos
erram por que não aceitar possíveis falhas do sistema cibernético? No entanto, isso
não suprime a relevante função da Inteligência Artificial e sua relação com a espécie
humana. 123
A certeza de que os fins sejam atingidos dar-se-á porque os meios se
encontram aparelhados, mantendo a unidirecionalidade, mesmo sob a influência de
uma atmosfera ambiental diversa, não planejada, em que a redundância do próprio
sistema possa garantir a relação objetivada.
Isso demarca estritamente a relação conectiva entre informação e a
comunicação no ambiente da Inteligência Artificial e sua potencial realização.
Segundo Lévy (2011, p. 21):
123 Para Ganascia (1997, p. 67): “Pode-se objetar que o homem é o mais insondável dos seres, que
todos os recursos da medicina e da psicanálise, da filosofia e da antropologia não nos permitam
dominá-lo. De fato, não se trata de explorar o homem em sua profundidade, mas elucidar seu
comportamento cognitivo e estabelecer um paralelo entre esse comportamento e as manipulações
sintáticas produzidas por uma máquina cadeia de caracteres. A adequação entre máquina e o
homem não pode mais então ser medida em termos de coerência e de completude de um sistema
simbólico. Deve-se garantir que exista identidade entre as conclusões da máquina e as do homem;
deve-se também garantir que o homem e as máquinas cheguem a elas de modo análogo, que eles
invoquem justificativas semelhantes, que eles expliquem seu raciocínio da mesma maneira”.
157
124 Gardner: “McCulloch e Pitts (1943) mostraram que as operações de uma célula nervosa e suas
conexões com outras células nervosas (uma assim chamada rede neural) podiam ser modeladas em
termos de lógica. Os neurônios poderiam ser pensados como enunciados lógicos, e a propriedade de
tudo-ou-nada dos impulsos (ou não impulsos) nervosos poderia ser comparada à operação de cálculo
proposicional (onde uma proposição ou é verdadeira ou é falsa) (Heims 1980, p. 211). Este modelo
permitia que se pensasse em neurônios como sendo ativados; e em seguida impulsionando um outro
neurônio, da mesma forma que um elemento ou uma proposição em uma sequência lógica podem
implicar alguma outra proposição: assim, quando se está lidando seja com lógica ou com neurônios, a
entidade A mais a entidade B podem implicar a entidade C. Além disto, a analogia entre neurônios e
lógica poderia ser pensada em termos elétricos – como os sinais que passam, ou deixam de passar,
através de um circuito. O resultado final da demonstração de McCulloch- Pitts: ‘qualquer coisa que
possa ser descrita de forma exaustiva e inequívoca... é... realizável por uma rede neural finita
apropriada’ (GARDNER, Howard. A nova ciência da mente: uma história da revolução cognitiva;
tradução Cláudia Malbergier Caon. São Paulo: Edusp, 1995, p. 33).”
158
125 Segundo Candido (SRD/P), “De acordo com o departamento de cibernética da University of
reading nos EUA, a cibernética é “a ciência da informação e sua aplicação é sua derivada”. [...] da
palavra grega ‘Kybernetes”, que significa “piloto”. Ela foi acunhada em 1948 pelo professor
universitário americano Norbert Wiener, em seu livro, com o mesmo nome. Embora não pudesse
saber a forma precisa dos futuros desenvolvimentos tecnológicos, ele previu que controle e
comunicação tornar-se-iam de vital importância para nossa ciência e sociedade e sugeriu este novo
grupo de materiais, que transcendem os tradicionais limites acadêmicos. / Ainda segundo a mesma
universidade, a ciência cibernética [...] “está preocupada com sistemas e seu controle,
particularmente sistemas interativos”. Os processos de controle de um sistema envolvem quatro
aspectos fundamentais: “aquisição de informação, processamento de informação, comunicação de
informação e, finalmente, aplicação útil da informação. Em suma, esta ciência constituiria[...] o grupo
de tópicos requerido pela indústria e sociedades modernas (CANDIDO, Celso. A cibernetização da
atividade produtiva. Disponível em:
<http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=6&ved=0CDcQFjAF&url=http
%3A%2F%2Fwww.caosmose.net%2Fcandido%2Funisinos%2Ftextos%2Fcibertrabalho.doc&ei=8riOV
cesBoeXNoy2mbgM&usg=AFQjCNGZ9Emb9-k_n68zmVNKd6I3Mkyfmw>. Acesso em: 12 jun.
2015).”
159
126 Athos de Gusmão Carneiro é categórico: “A parcela do ordenamento jurídico que soberanamente
impõe as finalidades a serem atingidas pelo Estado brasileiro é a Constituição Federal. É por isto que
tanto os seus fins como também a forma de atingi-los, isto é, seus meios, têm que ser extraídos, em
primeiro plano, daquele corpo normativo. Eis a importância de o direito processual civil ser estudado o
que pode e deve ser chamado a partir do seu “modelo constitucional”, expressão que deve ser
compreendida amplamente para compreender todas as diretrizes que, desde a Constituição,
influenciam e determinam a compreensão do direito processual civil e de cada um de seus institutos
(CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (Org). Bases científicas para um renovado
direito processual. 2. ed. Salvador: Jus Podium, 2009, p. 381).”
161
revela impossível que outra forma de inteligência possa delas apropriar-se e realizar
as operações típicas dos humanos.
São condições essenciais da vida biológica:
Evolução [...] no século XIX o inglês Charles Darwin propôs a teoria de que
as espécies evoluíam através da seleção natural, isto é, as espécies que
conseguiam adaptar-se e sobreviver reproduzir-se-iam, criando
descendentes cada vez mais desenvolvidos. Porém, nesta época Darwin
não tinha conhecimentos de genética e dos conceitos de mutação, pois,
estes apenas surgiram várias décadas depois, quando Gregor Mendel
desenvolveu as leis da genética, possibilitando a incorporação destes novos
conceitos. Surgiu assim o Neo-Darwinismo (teoria sintética). Nos sistemas
de Vida Artificial, a evolução ocorre principalmente com a mutação
(alteração de bits aleatórios de forma aleatória) e com o cruzamento de bits,
bytes e palavras entre sistemas. As modificações estabelecidas através de
recombinação (mutação ou cruzamento) podem ser testadas no ambiente
em que o sistema se insere, de modo a saber se a nova combinação
oferece vantagens para a sobrevivência ou o desenvolvimento do mesmo.
127 Segundo Bertalanffy, “Os perigos desta nova criação infelizmente são evidentes e já foram muitas
vezes enunciados. O novo mundo cibernético, de acordo com o psiquiatra Ruesh (1967), não se
refere às pessoas, mas aos sistemas. O homem torna-se substituível e consumível. Para os novos
utopistas da engenharia dos sistemas, usando uma frase de Boguslan (1965), é o “elemento humano”
que se revela ser precisamente o componente falível de suas criações. Este elemento ou tem de ser
eliminado de todo e substituído pelos equipamentos dos computadores, pela máquina autorregulável
e coisas semelhantes, ou tem de ser tornado tão digno de confiança quanto possível, isto é,
mecanizado, conformista, controlado e padronizado. Em termos mais ásperos, o homem no grande
sistema tem de ser e em larga extensão já é um débil mental, um idiota amestrado ou dirigido por
botões, isto é, altamente treinado em alguma estreita especialização ou então tem de ser simples
parte da máquina. Isto está de acordo com um princípio bem conhecido dos sistemas, o da
progressiva mecanização, na qual o indivíduo se torna cada vez mais uma roda dentada denominado
por uns poucos líderes privilegiados, mediocridades e mistificadores que só têm em vista seus
interesses privados sob a cortina de fumaça das ideologias (Sorokin, 1966, p. 558 ss). Quer
consideremos a expansão positiva do conhecimento e o controle benéfico do ambiente e da
sociedade, quer vejamos no movimento dos sistemas o advento do Brave New World e do 1984, o
fato é que este movimento merece intenso estudo e temos de aceitá-lo (BERTALANFFY, Ludwig Von.
Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações; tradução Francisco M.
Guimarães. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 29).”
165
por teses mas para o uso de aplicativos e outros canais que estariam operando por
esses meios.
Concedendo informações, dados e orientações verbais ou não, em qualquer
lugar, dia e horário, revela a transição do provisório estabelecido e já sectário para o
modelo ético, emancipador e tecnológico, mais adequada a atender a situação atual
da sociedade em suas demandas de (o) Direito por Justiça.
Uma Justiça alternativa operada por intermédio de uma Inteligência Artificial é
a constatação material representativa de uma mudança de hábito para um hábito
compatível com os novos tempos.128
O que registra Kuhn, bem definido nas palavras de Bertalanffy, é a
importância dimensionada pelo novo paradigma, um arcabouço cognitivo capaz de
atender a uma nova realidade social em que o Direito e a Justiça não estão ilesos. E
por isso há a ênfase dada à epistemologia kuhniana a partir de seus conceitos na
explicação desse fluxo em cuja evolução concorrem o Direito e a Justiça.
Essa forma filosófica de analisar a ciência, se transposta para a zona de
intersecção das ciências jurídicas, torna acentuada a mudança de paradigma do
Direito, quanto à sua forma de operacionalização, ou seja, é em seu modus operandi
que o modelo anterior é fraturado, o que não afasta uma incomensurável mudança
orgânica em toda a estrutura judiciária, principalmente em sua linguagem e sua
prática.
128 A esse respeito, esclarece Bertalanffy: “De acordo com Kuhn (1962), uma revolução científica
define-se pelo aparecimento de novos esquemas ou “paradigmas” conceituais. Estes põem em
evidência aspectos que não eram anteriormente vistos e nem percebidos, ou eram mesmo suprimidos
na ciência “normal”, isto é, a ciência geralmente aceita e praticada no momento. Por conseguinte, há
um deslocamento nos problemas observados e estudados e uma mudança de regras da prática
científica, comparável à troca das gestalten perceptivas nas experiências psicológicas, quando, por
exemplo, a mesma figura pode ser vista como constituída por dois perfis ou por uma taça, um prato
ou um coelho. É bem compreensível que nessas fases críticas seja acentuada a importância da
análise filosófica, que não é sentida com a mesma necessidade em períodos de crescimento da
ciência “normal”. As primitivas versões de um novo paradigma são na maioria das vezes toscas,
resolvem poucos problemas, e as soluções dadas aos problemas individuais estão longe de serem
perfeitas. Há uma profusão e competição de teorias, cada uma das quais limitadas no que diz
respeito ao mínimo de problemas a que se referem e à solução elegante daqueles que são levados
em consideração. Contudo, o novo paradigma abrange novos problemas, especialmente os que
anteriormente eram rejeitados como “metafísicos” (BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos
sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações; tradução Francisco M. Guimarães. 8. ed.
Petrópolis: Vozes, 2015, p. 39).”
166
O confronto é o mesmo que uma resistência de razões, que cada um acha ter
a melhor. O conflito na verdade é o desacordo entre as unidades humanase/ou
coletivasenvolvidas, é um efeito exterior ao Direito e, ao mesmo tempo, a
materialização da divergência; sendo assim, o conflito é um indicador da existência
de um problema do ponto de vista normativo em atração.
Nesse contexto, o Direito, agente racionalizador, cobra uma estabilização da
sociedade moldada em suas ações sociais, cobra, portanto uma correção ao atrito
social que destoa do regulatório normativo previsto nas regras da lei.
Todavia, como a relação humana é múltipla e a operação do sistema não
acontece de forma integrada, unificada e uniforme, dadas as condições limitadas do
sistema operacional, no processo de atualização que não é retroalimentação, o
retorno das respostas às demandas acontece em descompasso com a realidade
social pragmática vigente.
Isso se dá porque, nos novos tempos, a complexidade e a numerosidade
registram uma racionalidade cognitiva em que o pensamento é racional, analítico,
sintético, linear e lógico.
Em suma, em que se exige uma funcionalidade mais intensa do sistema nas
questões propostas, de modo a atendê-las satisfatoriamente, o que é impossível de
ser alcançado pela via exclusiva da ação humana.
Os conceitos que incorporam essas palavras, entretanto, são distintos. As
divergências existentes na pós-modernidade em grande parte já são predefinidas,
portanto, o tratamento do Direito e da Justiça não exige um pensamento racional,
analítico, sintético, linear e lógico, com densa reflexão, mas com intensa
simplificação e objetividade.
O que pode ser feito pela possibilidade de classificar e categorizar dentro do
ambiente social jurídico tudo que for repetido por intermédio de matrizes lógicas.
Isso porque permite sua cisão no sentido de enfrentamento de exaustiva
interpretação e posteriormente na estabilização de um resultado pronto e acabado,
que, sem dúvida, há de vigir até que seja reparado ou completado.
Em uma medida extrema extirpado dada fundada superação do estado social
que motivou com que o Poder Legislativo criasse uma indigitada regra legal para
outra anteriormente vigente ou no plano da prática a interpretação dada modificasse
a compreensão e o entendimento do dispositivo.
168
Ainda uma vez de acordo com Hart (1959), a invenção humana pode ser
concebida como construída por novas combinações de elementos
anteriormente existentes. Se assim é, a oportunidade de novas invenções
aumentará aproximadamente como função do mínimo de possíveis
permutações e combinações de elementos disponíveis, o que significa que
este aumento será um fatorial do mínimo de elementos. Por conseguinte, a
taxa de aceleração das transformações sociais está ela própria se
acelerando, de modo que em muitos casos será encontrada numa mudança
cultural não uma aceleração longa-rítmica, mas uma aceleração log. log.
129 “ [...] o organismo vivo é um sistema aberto que se mantém em estado estacionário ou se
aproxima deste. Sobrepondo-se às primeiras, encontramos as regulações que podemos chamar
secundárias e que são controladas por dispositivos fixos, especialmente do tipo retroativo. Esta
situação é consequência de um princípio geral de organização que pode ser chamado de
mecanização progressiva. De início, os sistemas biológicos, neurológicos, psicológicos ou sociais são
governados pela interação dinâmica de seus componentes. Mais tarde estabelecem disposições fixas
e condições de coerção que tornam o sistema e suas partes mais eficientes, mas também diminuem
gradualmente e por fim abolem na equipotencialidade. Assim, a dinâmica é o aspecto mais largo
porque podemos sempre, partindo das leis gerais dos sistemas, introduzindo convenientes condições
de coerção, enquanto o oposto é impossível. A dinâmica traça um processo, ou procedibilidade
comum tanto aos sistemas fechados como aos sistemas abertos, em ambos os aspectos, a higidez e
a sistematização das ações são mecanismos que têm como finalidade manter a estabilidade dos
componentes e com isso a funcionalidade.O organismo vivo, ou de vida biológica é marcado por uma
certa instabilidade, principalmente pelo natural e gradual arrefecimento de suas equipotencialidades
advindas pela fragilidade de sua estrutura orgânica (organística)”. E arremata o mesmo autor (2015,
p. 70): “Assim, uma grande variedade de sistemas na tecnologia e na natureza viva segue o esquema
da retroação, sendo bem conhecido que uma nova disciplina chamada cibernética foi criada por
Norbert Wiener para tratar deste fenômeno. A teoria procura mostrar que os mecanismos de natureza
retroativa são a base do comportamento teleológico ou finalista nas máquinas construídas pelo
homem assim como nos organismos vivos nos sistemas sociais (BERTALANFFY, Ludwig Von.
Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações; tradução Francisco M.
Guimarães. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 71).”
171
130 Para Bertalanffy, em citação de fôlego, é possível perceber essa necessidade: “No sistema,
igualmente certas partes tornam-se contra insubstituíveis de certos desempenhos, por exemplo: os
reflexos. No entanto, a mecanização nunca é completa no domínio biológico. Embora o organismo
seja parcialmente mecanizado conserva-se ainda um sistema unitário. Isto é, a base da regulação e
da interação com as exigências variáveis do meio. Em uma comunidade primitiva cada membro pode
executar quase tudo em sua legislação com o todo. Numa comunidade altamente diferenciada, cada
membro é determinado para certo desempenho ou complexo de desempenhos. O caso extremo é
alcançado em certas comunidades de insetos, nas quais os indivíduos por assim dizer transformam-
se em máquinas determinadas para executarem certas funções. A determinação dos indivíduos em
obreiras ou soldados, em algumas comunidades de formigas, devido às diferenças de alimentação
nos vários estágios, assemelha-se espantosamente à determinação ontogenética das regiões
germinais a terem um certo destino no seu desenvolvimento. / Neste contraste entre totalidade e
soma, consiste a trágica tensão em qualquer evolução biológica, psicológica e sociológica. O
progresso só é possível passando de um estado de totalidade indiferenciada a diferenciação das
partes. Isto implica, contudo, que as partes se tornam fixas com respeito a uma certa ação. / Por
conseguinte, a segregação progressiva significa também a progressiva mecanização. Esta, porém,
implica perda de regularidade. Enquanto o sistema é um todo unitário, uma perturbação será seguida
da chegada a um novo estado estacionário, devido às interações internas do sistema. / O sistema é
172
autorregulador. Se, porém, o sistema foi dividido em cadeias causais independentes, a regularidade
desaparece. Os processos parciais prosseguirão sua relação mais uns com os outros. Este é o
comportamento que encontramos, por exemplo, no desenvolvimento embrionário, no qual a
determinação caminha passo a passo com o decréscimo de regularidade”. Em síntese, arremata
Bertalanffy (2015, p. 102): “O progresso só é possível pela subdivisão de uma ação inicialmente
unitária em ações de partes especializadas. Isto, entretanto, significa ao mesmo tempo
empobrecimento, perda de desempenhos ainda possível no estado indeterminado. Quanto mais as
partes se especializam em certa maneira tanto mais se tornam insubstituíveis e a perda das partes
pode conduzir ao desmoronamento do sistema total. Usando uma linguagem aristotélica, toda
evolução, ao desdobrar alguma potencialidade, mota mata em botão muitas outras possibilidades.
Podemos encontrar este fato no desenvolvimento embrionário assim como na especialização
filogenética ou na especialização na ciência e na vida diária. / O comportamento interpretado como
utilidade e o comportamento entendido como somação, as concepções unitárias e as que se fundam
nos elementos são usualmente consideradas como antítese. Mas descobre-se frequentemente não
haver oposição entre elas e sim transição gradual do comportamento como totalidade para o
comportamento como somação (BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos sistemas:
fundamentos, desenvolvimento e aplicações; tradução Francisco M. Guimarães. 8. ed. Petrópolis:
Vozes, 2015, p. 101).”
173
131 “[...] a inclusão das ciências biológicas sociais e do comportamento junto com a moderna
tecnologia exige a generalização de conceitos básicos da ciência. Isto implica novas categorias do
pensamento científico, em comparação como os existentes, na física tradicional e os modelos
introduzidos com esta finalidade são de natureza interdisciplinar”. Nesse sentido, conclui o mesmo
autor (2015, p.145): “parece ser que o conceito de sistema é bastante abstrato e geral para permitir a
aplicação e entidades de quaisquer denominações. As noções de “equilíbrio”, “homeostase”,
“retroação”, “esforço”, etc. não deixam de ter origem tecnológica ou fisiológica, mas são aplicadas
com maior ou menor sucesso aos fenômenos psicológicos. Os teóricos dos sistemas estão de acordo
em que o conceito de “sistema” não se limita a entidades materiais, mas pode ser aplicado a qualquer
“totalidade constituída por “componentes” inter estruturantes (BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria
geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações; tradução Francisco M. Guimarães.
8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 131).”
174
132 Para Habermas (1987, p. viii-ix) em The Philosophical Discourse of Modernity (O Discurso
Filosófico da Modernidade): “But the enhanced significance of the aesthetic is only one facet of the
philosophical discourse of modernity, which turns centrally on the critique of subjectivistc rationalism.
The strong conceptions of reason and of the autonomous rational subject developed from Descartes
to kant have, despite the constant pounding given them in the last one hundred and fifty year,
continued to exercise a broad and deep – often subterranean – influence. The conception of “man”
they fine is, according to the radical critics of enlightenment, at the core of Western humanism, which
accounts in their view for its long complicity whith terror. In proclaiming the end of philosophy –
whether in the name of negative dialetics or genealogy, the destruction of metaphysics or
desconstruction – they are in fact targeting the self-assertive and self- aggrandizing notion of reason
that underlies Western “logocrentrism”. The critique of subject-centered reason is thus a prolongue to
the critique of a bankrupt culture. / To the necessity that characterizes reason in the Cartesian-Kantian
view, the radical critics typically oppose the contingency and conventionality of the rules, criteria, and
products of that counts as rational speech and action at any given time and place; to its universality,
they oppse an irreducible plurality of incommensurable lifeworlds and forms of life, the irremediably
“local” charater of all truth, argument, and validity; to the apriori, the empirical; to certainty, fallibility; to
unity, heterogeneity; to homogeneity, the fragmentary; to self-evident givenness (“presente”),
universal mediation by differential systems of signs (Sausurre); to the unconditioned, a rejection of
175
ultimate foundations in any form. Interwoven with this critique of reason is a critique of the sovereign
rational subject – atomistic and autonomous, disengaged and disembodied, potentially and ideally
self-transparent. It is no longer possible, the critics argue, to overlook the influence of the unconscious
on the conscious, the role of the preconceptual and nonconceptual in the conceptual, the presence of
the irrational – the economy of desire, the will to power – at the very core of the rational. Nor is it
possible to ignore the intrinsically social character of “structures of consciousness,” the historical and
cultural variability of categories of thought and principles of action, their interdependence with the
changing forms of social and material reproduction. And it is equally evident the “mind” will be
misconceived if it is oppsed to “body,” as will theory if it is opposed to practice; Subjects of knowledge
are embodied and practically engaged with the world, and the products of their thought bear
ineradicable traces of their purposes and projects, passions and interests. In short, the epistemological
and moral subject has been definitively decentered and the conception of reason linked to it
irrevocably desublimated Subjectivity and intentionality are not prior to, but a function of, forms of life
and sytems of language; they do not “constitute” the world but are themselves elements of a
linguistically disclosed word (HABERMAS, Jürgen. The philosophic discourse of modernity: twelve
lectures. Cambridge: Cambridge University Press, 1987, p. vii).”
Tradução: “Mas o significado melhorado da estética é apenas uma faceta do discurso filosófico da
modernidade, que se transforma centralmente na crítica do racionalismo subjetivo. As fortes
concepções da razão e do sujeito autônomo racional desenvolvidas a partir de Descartes a Kant,
apesar do constante batalhado nos últimos 150 anos, continuaram a exercer uma ampla e profunda
influência, muitas vezes subterrânea. A concepção do "homem" que muda é, de acordo com os
críticos radicais do iluminismo, que é o Neoclassicismo iniciado na França, com Voltaire, Descartes,
no centro do Humanismo ocidental, o que representa, em sua opinião por sua longa cumplicidade
com o terrorismo[...] Ao proclamar o fim da filosofia – seja em nome da dialética ou genealogia
negativa, a destruição da metafísica ou desconstrução – eles estão de fato visando à autoafirmação e
ao autoengrandecimento, a noção de razão que está por trás ocidental "logo centrismo". A crítica da
razão centrada no sujeito é, portanto, um prólogo para a crítica de uma cultura à beira da falência. /
Para a necessidade que caracteriza a razão na visão kantiana-cartesiana, os críticos radicais
normalmente se opõem à contingência e à convencionalidade das regras, critérios e produtos de que
conta como discurso racional a ação em um determinado tempo e lugar; a sua universalidade,
opõem-se a uma pluralidade irredutível de mundos, incomensuráveis de vida e suas formas, a Carta
irremediavelmente "local" de toda a verdade, o argumento, e a validade; ao anterior, a empírica; a
certeza, falibilidade; a unidade, a heterogeneidade; a homogeneidade, a fragmentariedade; concede
pouco o autoevidente ("presente"), a mediação universal por sistemas diferenciais de sinais
(Saussure); para o incondicionado, é uma rejeição de fundamentos últimos de qualquer forma.
Entrelaçada com esta crítica da razão, é uma crítica do sujeito racional soberano – atomística e
autônomo, desengatado e sem corpo, e, idealmente, potencialmente auto transparente. Não é mais
possível, os críticos argumentam, ignorar a influência do inconsciente sobre o consciente, o papel do
preconceitual e não conceitual no conceitual, a presença do irracional – a economia do desejo, a
vontade de poder – pelo âmago do racional. Também não é possível ignorar o caráter
intrinsecamente social das "estruturas de consciência," a variabilidade histórica e cultural de
categorias de pensamento e princípios de ação, a sua interdependência com as novas formas de
reprodução social e material. E é igualmente evidente que a "mente" será mal compreendida se ele
se opõe ao "corpo", como a teoria da vontade, se ela se opõe à prática. Sujeitos do conhecimento
estão incorporados e praticamente envolvidos com o mundo, e os produtos de seu pensamento têm
traços indeléveis de seus propósitos e projetos, paixões e interesses. Em suma, o epistemológico e o
sujeito moral têm sido definitivamente descentrados e a concepção de razão ligada a eles de forma
irrevogável, de sublimada subjetividade e a intencionalidade não são antes, mas uma função de
formas de vida e sistemas de linguagem; não "constituem" o mundo, mas são eles próprios elementos
de uma palavra linguisticamente divulgada.”
176
Los organismos que tienen reproducción sexual son mucho más variables a
causa de la reconbinación (o barajadura casi aleatória) de los genes
parentales. En ambos casos, el sistema genético, o genoma – que esta
compuesto por moléculas de ADN – está a cargo de la herencia. Los
organismos no son arrastrados por ciertos fines, sino empujados por la
memoria genética del passado, con perdón de la metáfora.
133 “A base do modelo do sistema aberto é a interação dinâmica de seus componentes. A base do
modelo cibernético é o ciclo de retroação no qual, por via da retroação da informação mantém-se um
valor desejado (sollwert), atinge-se um alvo, etc. A teoria dos sistemas abertos é uma cinética e uma
termodinâmica generalizada. / O sistema cibernético, a retroação e a informação não geram uma
relação metabólica típica da relação interativa dinâmica do sistema aberto; neste sistema a própria
relação interativa dinâmica é a “informação”. Isso se dá porque a relação complexa e fluida
estabelecida é em si um conjunto de “dados e informações” que compõe o corpo do processo da
comunicação dos sistemas abertos, gerando e se autorregulando. / Não se discute ou se aponta se
há perfeição ou não neste modus operandi. No sistema cibernético, a alimentação da base de dados
e “informação” é que possibilita o funcionamento da inteligência, porém o processamento não produz
relação múltipla dada a ausência de metabolismo em sua estrutura, o que é de sua típica natureza.
As oscilações, compensações, aumento ou diminuição de energia são inexistentes nos sistemas
fechados, comuns ao sistema cibernético (BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos sistemas:
fundamentos, desenvolvimento e aplicações; tradução Francisco M. Guimarães. 8. ed. Petrópolis:
Vozes, 2015, p. 195).”
179
134 A esse respeito afirma Bertalanffy: “Os conceitos de teoria da informação, particularmente a
equivalência da informação à entropia negativa – correspondem, portanto, à termodinâmica “fechada”
(termostática) mais do que a termodinâmica irreversível dos sistemas abertos. Contudo, esta última é
pressuposto se o sistema (como organismo vivo) tiver de ser do tipo autoorganizador (FOERSTER &
ZOPF, 1962), isto é, deve tender para uma diferenciação mais alta. Conforme mencionamos acima
até aqui, não foi alcançada nenhuma síntese. O esquema cibernético permite, mediante os diagramas
de blocos, o esclarecimento de muitos importantes fenômenos de autorregulação em fisiologia e
presta-se à análise teórica da informação. O esquema do sistema aberto permite a análise cibernética
e termodinâmica. A comparação dos fluxogramas de retroação (figuras 7.2) e dos sistemas sociais
abertos (7.1) mostra instrutivamente a diferença. Assim a dinâmica dos sistemas abertos e nos
mecanismos de retroação são dois conceitos diferentes de modelos, cada qual correto em sua esfera
própria. O modelo de sistema aberto é fundamentalmente não mecanicista e transcendente não só a
termodinâmica convencional (cf.capitulo 4). / O enfoque cibernético conserva o modelo mecânico
cartesiano do organismo, a causalidade unidirecional e os sistemas abertos. Sua novidade consiste
em introduzir conceitos que transcendem a física convencional, especialmente a teoria da informação.
Em última análise, este par é uma expressão moderna da antiga antítese de “processo” e “estrutura”.
Terá de ser finalmente resolvido dialeticamente em uma nova síntese. / Fisiologicamente, o modelo
da retroação explica aquilo que pode ser chamado “regulações secundárias” no metabolismo e em
outros campos, isto é, regulações por meio de mecanismos preestabelecidos e caminhos fixos, como
no controle neuro-hormonal.Seu caráter mecanicista torna-o particularmente aplicável na fisiologia
dos órgãos e dos sistemas de órgãos. Por outro lado, a interação dinâmica das reações nos sistemas
abertos aplica-se às “regulações primárias” como as que se passam no metabolismo celular (cf. Hess
& Chance, 1959), em que vigora a regulação mais geral e primitiva dos sistemas abertos
(BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e
aplicações; tradução Francisco M. Guimarães. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 210).”
182
135 Para Perna: “De um ponto de vista linguístico, o foco das pesquisas de PLN pode estar em um de
cinco níveis de análise: (a) fonético ou fonológico, (b) morfológico, (c) sintático, (d) semântico ou (e)
pragmático. Todos esses níveis possuem suas características próprias e suas dificuldades
associadas, mas cada aplicação de PLN pode ter a preocupação mais voltada para um subconjunto
desses níveis. Por exemplo, aplicações sobre textos científicos usualmente não têm preocupação
com uma análise fonológica (a), por outro lado, aplicações que façam uma interface com
reconhecimento de voz focam esse nível de análise. / Associadas aos tratamentos de linguagens
científicas, podem destacar-se a relevância das atividades de reconhecimento de entidades
nomeadas, a identificação de termos, a extração de informação, entre outras. Todas as atividades
complexas podem combinar análise morfossintática e semântica, que podem ou não estar associadas
a recursos linguísticos externos, como tesauro por exemplo. De um ponto de vista prático, muitas
aplicações do PLN escolhem dedicar-se a apenas alguns níveis para reduzir a complexidade de
tratamento (PERNA, Cristina Becker Lopes; DELGADO, Heloísa Orsi Koch; FINATTO, Maria José
Bocorny (Org). Linguagens Especializadas em Corpora: modos de dizer e interfaces de pesquisa.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010, p. 185. Disponível em:
<http://www.pucrs.br/edipucrs/linguagensespecializadasemcorpora.pdf> Acesso em: 14 abr. 2013).”
183
136 “Esclarecido e crítico das ideologias, positiva e relativista, antissubstancialista, e anti-holistico, sua
abordagem intelectual dificilmente se coaduna com a maioria. Ele defente suas concepções quer
sejam oportunas quer não. no mais das vezes, ele se vê em oposição ao mainstream do espírito mais
ou menos intransigente da época. Três exemplos devem bastar para exemplificar esse fato: (1) Ele
faz campanha, em posição minoritária, pelo conceito de uma jurisdição constitucional amplificada, a
critica que ele, a propósito, atraiu em sua época com seu voto a favor do controle das normas pela
Corte Constitucional acabou na atualidade por ser desacreditada em praticamente todos os seus
pontos. (2) No ambiente de Weimar, no qual a vanguarda intelectual sempre expressa de modo mais
agressivo e sem rodeios sua aversão e repulsa pelo sistema liberal-democrático da Constituição de
Weimar, ele se posicionou como partidário convicto da democracia pluripartidária liberal, pluralista e
representativa. (3) Enfim, seu conceito internacionalista otimista da “paz através do direito” foi de
início, quer dizer, nos anos de 1940, acusado de utópico, mas surge hoje como genuíno teorema de
política realista (KELSEN, Hans. Autobiografia de Hans Kelsen; tradução Gabriel Nogueira Dias e
José Ignácio Coelho Mendes Neto. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 3).”
137 “[...] da teoria sintática da linguagem (Chomsky, 1965) e dos algoritmos de Parsing (Alo e Ullman,
1972). Estes avanços foram muito importantes para a área, ainda que na época tenham sido
reconhecidos com um entusiasmo excessivo de que em poucos anos tradutores automáticos perfeitos
estariam disponíveis. Esta expectativa se mostrou indevida tanto pelos conhecimentos linguísticos e
computacionais da época, quanto por uma impossibilidade teórica da tarefa de tradução automática
perfeita. (Bar – Hillel, 1960). / Na verdade consequência disto ou não, em 1966 o comitê assessor
para processamento automático da língua (ALPHC) da academia americana de ciência recomendou
que esta área não recebesse mais financiamento governamental, pois a tradução automática estaria
muito aquém dos conhecimentos científicos atuais. Em contraste com esta decisão, vários avanços
teóricos e práticos foram feitos nos anos seguintes. Então eles podem ser citado o trabalho teórico de
Chomsky que introduziu o modelo computacional de competência linguística (Chomsky, 1965) que
resultou, nas gramáticas gerativas transformacionais. Diversos trabalhos subsequentes tentaram
aproximar estes conceitos de modelos computacionalmente tratáveis”. Em sentido análogo, esclarece
o mesmo autor com conteúdo da referida obra (2010, p. 190-192): “[...] ontologias são representações
formais de um modelo de domínio. Geralmente, uma ontologia é entendida como um conjunto de
conceitos organizados hierarquicamente, um conjunto de relações e um conjunto de atributos. [...]uma
vez um domínio representado uma ontologia é possível identificar semanticamente as consultas feitas
por usuários, tanto quanto classificar as páginas existentes segundo seus significados. Na verdade,
diversos recursos podem ser semanticamente identificados. Porém o processo de construção de uma
ontologia é, em geral, lento e bastante complexo. E por isso existem diversas técnicas e ferramentas
para a construção de ontologias. [...] os esforços semiautomáticos mais simples são baseados na
utilização de uma ferramenta que permita organizar ontologias que devem ser projetadas por um
usuário que conheça o domínio a ser descrito pela ontologia. [...]quanta ferramenta semiautomática
de construção de ontologias e ontogênese (Fortuna, 2007) que combina técnica de numeração de
texto com uma interface de utilização que facilita a escolha de conceitos e relações. [...] para adquirir
esse conhecimento conceitual dos textos (corpus), aplicam -se vários métodos e técnicas da área de
inteligência artificial que ajudam a automatizar o processo de construção de ontologias. Este processo
de construção automática de ontologias a partir de textos denomina-se aprendizagem de ontologias
(Buitelometalli, 2009). Segundo Buiteaar, este processo divide-se em cinco: extinção de termos
condicionados a conceitos de um domínio, determinação de sinônimos entre os termos candidatos e
184
8.2 A Inteligência Artificial como “meio” adequado e útil para a mediação do Direito e
da Justiça
138 “Mas o ideal de efetividade contido nestas sábias palavras no pensar de Barbosa Moreira, ainda
deve ser ampliado para abarcar outros prismas relevantes. Cinco são os aspectos que, segundo o
professor, devem ser mencionados: a) existência, expressa ou implícita no sistema, de instrumentos
aptos para a tutela de todos os direitos; b) acesso a todos estes instrumentos, ainda quando
indeterminado o sujeito; c) condições propícias para a exata e completa reconstituição dos fatos
relevantes, a fim de que o convencimento do magistrado corresponda, o quanto for possível, à
realidade dos fatos; d) o resultado do processo deve dar ao vencedor tudo aquilo a que tem direito
em face do ordenamento jurídico; e, e) o resultado obtido deve ser semelhante ao cumprimento da
obrigação, com um mínimo de dispêndio de tempo e energia (OLIVEIRA NETO, Olavo de;
MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito
processual civil. São Paulo: Verbatim, 2015, p. 69).”
186
Antes da incursão, a reflexão que parece descortinar o que falta aos homens
do nosso século vem da passagem clássica de Sócrátes, em Menon, de Platão:
Por uma coisa eu lutarei até o fim, tanto em palavras como em atos se eu
pudesse – que, se nós acreditássemos que devemos tentar descobrir o que
não é sabido, seríamos melhores e mais corajosos e menos preguiçosos do
que se acreditássemos que aquilo que não sabemos é impossível de ser
descoberto e que não precisamos nem mesmo tentar.
139 Segundo Calamdrei, “Uma nova sociedade se cria a duras penas; nós, homens de uma geração
condenada a viver somente na angústia, não a veremos; mas os jovens que aqui escutam a verão. O
período que vivemos de esforço, amargura, desilusões e também de desgostos é um período
transitório; encerra um significado, uma tendência para uma meta. Disso os jovens devem ter fé;
habituados a criticar até severamente a sociedade em que vivem, mas não desencorajados e
ressentidos como quem olha o passado para lamentá-lo. O passado não volta: a vida não retrocede
jamais. Dessa crise da legalidade nascerá uma nova legalidade, fundada sobre um novo
embasamento social, mais vasto e também mais humano (CALAMANDREI. Piero. A crise da justiça;
tradução Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2003, p. 31).”
187
140 Segundo Mancuso: “Em verdade, os meios auto e heterocompositivos ditos altenativos devem se
justificar de per si e buscar seu próprio espaço (até porque a resolução de conflitos não é monopólio
do Estado), não devendo, pois, esses outros meios buscarem a afirmação social apostando na
deficiência da Justiça oficial, num deletério jogo de soma zero. / Por ora, infelizmente, a distribuição
da Justiça entre o serviço estatal e os outros meios auto e heterocompositivos parece longe de se
estabilizar num equilíbrio desejável, não tendo ainda sido vencido o clima da mútua desconfiança e,
mesmo, a certos respeitos, perscruta-se uma preocupação com certa reserva de mercado. O contexto
é assim visto por Boaventura de Souza Santos, Maria Manuel Leitão Marques e João Pedroso: “Em
primeiro lugar, os mecanismos alternativos de resolução de litígios desviaram dos tribunais alguma
litigação, ainda que seja debatível até que ponto o fizeram. Em segundo lugar, a resposta dos
tribunais ao aumento da procura de tutela acabou por moderar essa mesma procura, na medida em
que os custos e os atrasos da atuação dos tribunais tornaram-se a via judicial menos atrativa
(MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no
contemporâneo estado de direito. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 220).”
188
141 Carneiro: “Além disso, a maior complexidade das relações sociais levou à necessidade de criação
de microssistemas jurídicos (os estatutos, de que tiro o nome com que balizo a atual época). Esses
estatutos são responsáveis por disciplinar por inteiro determinadas espécies de relações jurídicas,
não sob o ângulo de um só ramo do Direito, mas levando em consideração todos os ramos da ciência
jurídica que, de algum modo, com elas se relacionam (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON,
Petrônio (Org). Bases científicas para um renovado direito processual. 2. ed. Salvador: Jus
Podium, 2009, p. 37).”
142E assevera Oliveira Neto em trecho contínuo: “Pensou-se, então, numa forma de agilizar o
processo, reduzindo o tempo gasto para a sua tramitação e para o alcance da maturidade necessária
à decisão final; o que se buscou com a diminuição das formalidades então existentes. O resultado
passou a ser considerado mais importante do que a forma, surgindo a ideia do processo civil de
resultados, com o abandono de formas consideradas supérfluas. / Em outros termos, como ensinou
com maestria Cândido Rangel Dinamarco, o direito processual se libertou de formalidades excessivas
e passou a ser observado sob a ótica da instrumentalidade, ou seja, passou a ter valor na exata
medida em que se presta à realização do direito material. / Todavia, mesmo tendo em conta a
simplificação das formas, não se operou o resultado esperado, com a otimização do processamento
dos feitos e com uma demora menor na solução dos litígios. Em outros termos, o sistema continuou a
ser moroso e não eficaz, com demora exacerbada na solução dos processos. / Lembram-se os
processualistas, então, na antiga e sempre presente lição de Chiovenda: “Il processo deve dare
189
perquanto è possibile praticamente a qui há um dirrito tutto quello e próprio quello ch’eglio ha dirrito di
conseguire”. Se o sujeito ativo obtém menos do que tinha direito o Estado estará negando a
prestação da tutela jurisdicional e, se obtém mais, o processo se converte em instrumento de
enriquecimento sem causa (OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de;
OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil. São Paulo: Verbatim,
2015, p. 68).”
190
143 Como denuncia Carneiro: “Logo, não basta o avanço em uma só frente para que se alcance a
celeridade processual. O problema é multidimensional e só com medidas que ataquem realmente o
problema é que conseguiremos uma justiça mais célere. Nos últimos anos, temos modificado muito a
lei e nos esquecido das outras frentes. / De fato, somente alterações legislativas podem causar um
efeito inverso ao pretendido. Veja-se o seguinte dilema criado em nosso sistema processual pelas
reformas dos últimos anos. Como a justiça era lenta e não conseguia dar o provimento jurisdicional
num tempo adequado, a saída foi a difusão da cognição sumária, principalmente com a possibilidade
de antecipação da tutela pleiteada, nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil. A
interposição do agravo de instrumento também foi facilitada com o seu ajuizamento diretamente no
tribunal e com a possibilidade deantecipação da tutela recursal pleiteada (efeito suspensivo ou “efeito
ativo”). Essas inovações surgidas em 1994 foram importantes e, graças ao sucesso que alcançaram,
acabaram por agravar o problema de lentidão judicial. Atualmente, grande parte das ações é
pleiteada por antecipação de tutela ou liminares em cognição sumária, que perduram por muito
tempo, inclusive existindo projeto para a sua estabilização. Com a concessão ou o indeferimento da
antecipação da tutela, fatalmente a parte prejudicada ajuizará agravo de instrumento, sendo que no
caso da concessão parcial teremos dois recursos de agravo. Assim, nos Tribunais acabaram ficando
inviabilizados pela enxurrada de recursos em face de decisões interlocutórias. Os agravos dominam
as pautas dos julgamentos colegiados, fato que acaba por agravar o congestionamento de nossas
Cortes, ajudando a aumentar a lentidão processual (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio
(Org). Bases científicas para um renovado direito processual. 2. ed. Salvador: Jus Podium, 2009,
p. 351).”
144MARINONI, Luiz Guilherme. Novo CPC ainda deixou pendente garantia sobre duração razoável do
processo. In: Revista Consultor Jurídico, 13. abr. 2015. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2015-abr-13/direito-civil-atual-cpc-deixou-pendente-garantia-duracao-
razoavel-processo>. Acesso em: 11 nov. 2015.
191
Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de
um prazo razoável, por um juiz ou um tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação ou pena formulada contra ela, ou para que se determinem seus
direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
outra natureza.
145 Segundo Pierre, “Mas quando colocamos de um lado as coisas e as técnicas e do outro os
homens, a linguagem, os símbolos, os valores, a cultura ou o “mundo da vida”, então o pensamento
começa a resvalar. Uma vez mais, reificamos uma diferença de ponto de vista em uma fronteira
separando as próprias coisas. Uma entidade pode ser ao mesmo tempo objeto da experiência e fonte
instituinte, em particular se ela diz respeito à técnica. / O cúmulo da cegueira é atingido quando as
antigas técnicas são declaradas culturais e impregnadas de valores, enquanto as novas são
denunciadas como bárbaras e contrárias à vida. Alguém que condena a informática não pensaria
nunca em criticar a impressão e menos ainda a escrita. Isto porque a impressão e as escritas (que
são técnicas!) o constituem em demasia para que ele pense em apontá-las como estrangeiras. Não
percebe que sua maneira de pensar, de comunicar-se com seus semelhantes, e mesmo de acreditar
em Deus (como veremos mais adiante neste livro) são condicionadas por processos materiais (LÉVY,
Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução
Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 15).”
192
(DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 127. v. 1).”
148 Segundo Lévy: “Quando mensagens fora do contexto e ambíguas começaram a circular, a
atribuição do sentido passa a ocupar um lugar central no processo de comunicação. O exercício de
interpretação tem tanto mais importância quanto mais as escritas em questão são difíceis de decifrar,
como é o caso, por exemplo, dos sistemas de hieróglifos ou cuneiformes. Desde o terceiro milênio
antes de Cristo, toda uma tradição da “leitura” havia se constituído no Egito e na Mesopotâmia. A
atividade hermenêutica, por sinal, não se exercia apenas sobre os papéis e tabuinhas, mas também
sobre uma infinidade de sintomas, signos e presságios, no céu estrelado, em peles, nas entranhas
dos animais... Desde então, o mundo se oferece como um grande texto a ser decifrado. De geração
em geração, a distância entre o mundo do autor e o do leitor não para de crescer, é novamente
preciso reduzir a distância, diminuir a tensão semântica através de um trabalho de interpretação
ininterrupto”. Ainda segundo o autor, a estratégia em inteligência se encaminharia para o seguinte
entendimento (2011, p. 90): “A oralidade ajustava os cantos e as palavras para conformá-los às
circunstâncias, a civilização da escrita acrescenta novas interpretações aos textos, empurrando
diante de si uma massa de escritos cada vez mais importante. / A simples persistência de textos
durante várias gerações de leitores já constitui um agenciamento produtivo extraordinário. Uma rede
potencialmente infinita de comentários, de debates, de notas e de exegeses ramifica a partir de livros
originais.Transmitindo de uma geração a outra, o manuscrito parece secretar espontaneamente seu
hipertexto. A leitura leva a conflitos, funda escolas rivais, fornece sua autoridade a pretensos retornos
à origem, como tantas vezes aconteceu na Europa após o triunfo da impressão. Apesar de visar
194
Da lição extraída do diálogo entre Zaiden Geraige Neto e Teresa Arruda Alvim
Wambier é importante observar que é de conformizar-se o sistema Constitucional e
infraconsconstitucional como um todo ao recebimento da técnica cognitiva tributária
da Inteligencia Artificial como “meio” tecnológico útil e eficaz aos Direitos e às
Garantias Fundamentais, dando ao ordenamento efetividade material sem que viole
qualquer disposição, conforme abordagem teórica desenvolvida nos capítulos 10.1
e 10.2 de natureza Constitucional.
Faz o Legislador, portanto, da construção e de suas diretrizes, instrumentos
que não dão condições concretas para a consolidação da inclusão social como
proposta maior objetivada, revelando, assim, concreta e evidente desorientação do
que está a fazer e de seu efetivo dever fazer.150 Nesse contexto, parafraseando
Dinamarco, é de se compreender a saudável resistência às propostas inovadoras,
especialmente quando se visa, com elas, causar mudanças substanciais na ordem
instituída no modo de ser da Justiça, mesmo quando a comunidade científica em
dificuldade nota que o paradigma existente não mais atende nas dimensões
exigidas.
A Inteligência Artificial – por intermédio da linguagem de programação
tecnológica – tem demonstrado a possibilidade de converter as ações e as funções
que a espécie humana realiza através de uma lógica denominada de “matriz
150 Para o professor Dinamarco em obra de sua lavra, Nova Era do processo civil, a questão é de
natureza perceptiva: “Mudou a lei e vai mudando a mentalidade dos juristas, alavanca por aquelas
exigências, que talvez hajam principiado no pós-guerra dos meados do século XX e ainda perduram.
Gostamos de muitas das inovações que vêm sendo implantadas, como a tutela coletiva, a abertura
para as causas de menor expressão econômica, as tentativas de simplificação e agilização
implantadas pelas Reformas – mas isso é muito pouco porque ainda não definimos os caminhos a
seguir nem o preciso modelo processual-judiciário de que precisamos. Não sabemos bem aonde
vamos ou o que queremos. Envolvemo-nos em movimentos reformadores que vão das técnicas
processuais mais corriqueiras aos grandes fundamentos do sistema, mas nos falta rumo. Somos
talvez como a turba exaltada, mas inconsciente, que arrasou e incendiou o presídio da Bastilha sem
ter a noção do que aquele gesto, para eles passional e inconsequente, viria a significar para as
estruturas sociais e políticas do Ocidente. Ou como os apóstolos de Cristo que o seguiam sabendo
que muito havia a mudar no mundo e na alma das pessoas, mas não tinham certamente a menor
noção das transformações que a palavra do Filho de Deus viria a causar na História da Humanidade
(DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 19).”
196
151 “Não obstante a restrição de mercado inerente aos custos de uso da tecnologia, o Eletronic Data
Interchange passou a ser relevante, sendo inquestionável a magnitude dos investimentos realizados,
razão pela qual havia inequívoca preocupação com os aspectos legais desse novo meio desenvolvido
para a formalização de contratação. / Assim, a associação americana de advogados, a American Bar
Association, criou grupo de estudos cujos frutos resultaram em obra denominada The Commercial
Use of Eletronic Data Interchange: A Report and Model Trading Partner Agreement, publicada em
1990, na qual se tratava da validade legal dos atos realizados por meio eletrônico, provas das
contratações etc. / Nesse contexto, é importante notar que as questões enfrentadas à época, como,
por exemplo, a validade de contratações feitas por meio eletrônico e a prova dos atos realizados entre
as partes, muito embora hoje possam parecer triviais, sofreram, com toda a certeza, a resistência da
cultura enraizada há alguns séculos na tecnologia analógica do papel, com seus instrumentos
contratuais, títulos de crédito, faturas etc (AZEREDO. João Fábio Azevedo e. Reflexos do emprego
de sistemas de inteligência artificial nos contratos. Dissertação (Mestrado em Direito). 2014. 220
p. Universidade de São Paulo. USP. São Paulo, p. 30).”
197
tantos outros que presenciamos em nossos dias – pela fábula do “ius sperniandi”,
mas passa por compreenderem que as novas técnicas precisam ser implementas
para a concretização do progresso.
Infelizmente uma grande massa de profissionais tornar-se-á obsoleta em
poucos anos, como vêm dialogando os magistrados norte-americanos e os
advogados daquele Estado, caso não acompanhem a modernização tecnológica.
Isso se dá conforme esclarece Lévy.152
Existe algo de universal entre estes Estados (EUA e BRA); primeiro (sem
dúvida) pessoas, profissionais de classes e os conflitos de Direito e de interesse da
Justiça. No caso brasileiro, o monopólio da jurisdição nas últimas décadas vem
sendo relativizado devido aos meios alternativos de resolução de conflitos, inclusive
capitaneado pelo (CNJ) Conselho Nacional de Justiça, que completa seu primeiro
decênio na implementação de diretrizes, conforme Peluso.153Os meios alternativos
no processo de institucionalização não se dão de forma plenamente completa.
152 “Os conhecimentos, por exemplo, apenas podem ser adquiridos após uma larga experiência e se
identificam com os corpos, com os gestos, com os reflexos de pessoas singulares. Entretanto, este
tipo bem peculiar de memória encarnada perde suas características tradicionais sob a ação de um
duplo processo. Em primeiro lugar, a aceleração das modificações técnicas, devidas sobre tudo à
informatização, acarreta uma variação, uma modulação constante, ou mesmo mudanças radicais dos
conhecimentos operacionais no centro de uma mesma profissão. A flexibilização não está relacionada
apenas com os processos de produção e os circuitos de distribuição. A exigência de reorganização
em tempo real visa também os agenciamentos cognitivos pessoais (LÉVY, Pierre. As tecnologias da
inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 119).”
153 “Aliás, o CNJ já vem entendendo que lhe cabe “fixar a implementação de diretrizes nacionais para
nortear a atuação institucional de todos os órgãos do Poder Judiciário, tendo em vista sua unicidade”,
pelo que, na Resolução 70, de 18 de março de 2009, dispôs sobre o Planejamento e a Gestão
Estratégica no ambito do Poder Judiciário. / Ora, o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal
deve ser interpretado, como ficou sublinhado, não apenas como garantia de mero acesso aos órgãos
do Poder Judiciário, mas como garantia de acesso à ordem justa, de forma efetiva, tempestiva e
adequada. Daí a conclusão de que cabe ao Poder Judiciário, pelo CNJ, organizar os serviços de
tratamento de conflitos por todos os mecanismos adequados, e não apenas por meio da adjudicação
de solução estatal em processos contenciosos, cabendo-lhe em especial institucionalizar, em caráter
permanente, os meios consensuais de solução de conflitos de interesses, como a mediação e a
conciliação. / Semelhante política pública deverá estabelecer, dentre outras coisas: a) obrigatoriedade
de implementação da mediação e da conciliação por todos os tribunais do país; b) disciplina mínima
para a atividade dos mediadores/conciliadores, como critérios de capacitação, treinamento e
atualização permanente, com carga horária mínima dos cursos de capacitação e treinamento; c)
confidencialidade, imparcialidade e princípios éticos no exercício da função dos
mediadores/conciliadores; d) remuneração do trabalho do mediadores/conciliadores; e) estratégias
para a geração da nova mentalidade e da cultura de pacificação, inclusive com criação pelas
faculdades de direito de disciplinas para a capacitação dos futuros profissionais do direito em meios
alternativos de conflitos, em especial a mediação e a conciliação; f) controle Judiciário, ainda que
indireto e a distância, dos serviços extrajudiciais de mediação/conciliação (PELUSO, Antonio Cezar;
RICHA, Morgana de Almeida (Org). Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária
nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 5).”
198
Existe uma forte resistência a eles tanto por parte dos que buscam em tais
mecanismos soluções para seus conflitos como por parte dos órgãos que operam.
É possível que as novas gerações de operadores do Direito passem a dar real
importância aos “meios” alternativos já conhecidos, além dos da tecnologia para que
possam garantir que os fins sejam previsíveis e mais estáveis dentro dos conjuntos
aximáticos de valores predefinidos constitucionalmente. Para isso os critérios
estabecidos no processo de “meios” precisam ser estáveis. 154 Para isso, é
importante que as faculdades superem o tratamento dos “meios” alternativos como
instituto de qualidade secundária. Isso é um indicador forte de que a jurisdição
estatal ainda é em grande parte demandada para que atue na solução de conflitos.
Por isso, dar a ela “meios” estruturais tecnológicos que a tornem mais
adequada em condições de escoar a demanda judiciária representa uma inovação
da jurisdição estatal, há tanto malvista e desacreditada.
Se os “meios” não advierem de sua própria estrutura, um caminho alternativo
para dinamizá-la, aumentado suas habilidades e capacidades, com uma técnica
cognitiva distinta da sua, gerando a absorção e resolução de contendas, fará cumprir
seus reais propósitos institucionais. Para Mancuso (2010, p. 150):
154 Segundo Lévy: “O debate a respeito da natureza opressiva, antissocial, ou ao contrário benéfica e
amigável da informática nunca ficou confinado ao circulo dos sociólogos, dos filósofos, dos jornalistas
ou dos sindicalistas (os pretensos especialistas das finalidades – dos usos – e das relações entre os
homens). Ele começa com os cientistas, os engenheiros, os técnicos, com os assim chamados
profissionais das relações entre as coisas, aqueles que supostamente cuidariam apenas dos meios
das ferramentas. A distinção abstrata e bem dividida entre fins e meios não resiste a uma análise
precisa do processo sociotécnico no qual, na realidade, as mediações (os meios, as interfaces) de
todos os tipos se entreinterpretan em relação às finalidades locais, contraditórias e perpetuamente
contestadas, tão bem que, neste jogo de desvios, um “meio” qualquer nunca possui um “fim” estável
por muito tempo (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da
informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 59).”
199
155“Face a esta situação, seria necessário partir do zero, voltar ao início e preparar uma ruptura
necessária que, por ser estruturante, não pode ser designada como revolucionária no sentido habitual
de acabar com o que está e depois se vê porque temos aqui umas ideias. Esse início começa no
ensino. Não apenas no ensino universitário do Direito mas no ensino público obrigatório ligado aos
ideais republicanos de igualdade pelo Direito como forma de chegar à sociedade justa. Uma
educação que ensine em escolas organizadas – com instalações adequadas e professores motivados
– os valores que juntam as pessoas e constituem uma comunidade politicamente organizada no
Estado. O valor supremo da união entre os cidadãos, o cimento da construção estadual, é a partilha
de uma ideia de justiça que os juristas recebem da comunidade e trabalham no plano teorético,
conceptualizam e tornam concretizável na vida de todos (PINTO, Eduardo Vera Cruz. O futuro da
justiça. São Paulo: Ed. IASP, 2015, p. 32).”
200
Justiça com estatuto forjado pelas classes elitistas e que, em última instância,
continua a atendê-las e a proteger o próprio Estado pelos meandros e subterfúgios
dos dispositivos normativos. Para confirmar essa assertiva, é só verificar dentro dos
relatórios da Justiça que um dos maiores demandantes do judiciário é o próprio
Estado.
A presença marcante e inexorável da tecnologia habilita uma forma de
comportamento instrumental propício a consolidar o Estado Constitucional de
Direitos, na medida em que dá concretamente condições aos cidadãos para
participarem ativamente, superando a demagogia discursiva dos que desconhecem
as causas (Wittgestein) em suas verdadeiras origens.
Em semelhantes condições, jamais poderão defender os Direitos e a Justiça,
porque as desconhecem, em decorrência da ausência de legitimidade, que se
suprime pelo não conhecimento prático das causas, em um mundo que somente o
povo o vê “cara a cara” em seu dia a dia.
O Estado, no seu projeto do Estado Democrático de Direito, pode valer-se da
Inteligência Artificial por intermédio de uma linguagem que prima pelo princípio da
clareza objetiva, da simplificação para a plena comunicação.
A quebra do monopólio do conhecimento jurídico insistentemente permanece
no cenário das edições dos novos dispositivos sem que aconteça seu total debêlo,
prejudicando com isso a consolidação do Estado Constitucional de Direitos e
Garantias Fundamentais, o que representa ser antitético (contraditório) e antinômico
(contrário à norma) em relação à ideologia introjetada pela Lei Maior.
A teorização de uma estrutura jurídica via sistema vem a facilitar a
organicidade do sistema e a juridicidade de um Estado inflacionário de leis. Na atual
conjuntura, somente mediante uma plataforma tecnológica revela-se possível
sintetizar os dispositivos para a aplicação em um caso concreto com a razoável
duração que se defende do ponto de vista constitucional, além de possibilitar a
consolidação de uma Justiça previsível diante dos princípios balizadores da
tecnologia (unificação, integração, uniformização e sistematização).
Talvez a miséria processual tenha chegado a esse nível porque a espécie
humana, ilhada no marasmo da letargia, não tenha dado “trela” aos espíritos mais
altivos das ciências jurídicas no passado, como bem retrata o pensamento de
201
156 “Um grito de alerta foi dado pelos juristas-pensadores engajados no movimento que se intitulou
Projeto Florença, que foi berço da mais notável guinada metodológica da ciência processual de todos
os tempos. As primeiras palavras escritas pelo revolucionário Mauro Cappelletti no estudo preliminar
sobre essa iniciativa são um repúdio ao positivismo jurídico, ao proclamarem que “nenhum aspecto
dos modernos sistemas legais está a salvo da crítica”. A grande lição a extrair da obra de Cappelletti
é a de que os acessos a justiça é mais elevado e digno dos valores a cultuar no trato das coisas do
processo. De minha parte, vou também dizendo que a solene promessa de oferecer tutela
jurisdicional a quem tiver razão é ao mesmo tempo um principio-sintese e o objetivo final, no universo
dos princípios e garantias inerentes ao direito processual constitucional. Todos os demais princípios e
garantias foram concebidos e atuam no sistema como meios coordenados entre si e destinados a
oferecer um processo mais justo, que outra coisa não é senão o processo apto a produzir resultado
justo (DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2009,
p. 21).”
202
157 Esclarece Lévy: “Um “manual eletrônico” destinava-se a manter o conjunto dos conhecimentos
especiais da comunidade atualizado e apresentá-lo de maneira coerente. Em qualquer instante, este
manual fornecia a quem o consultasse uma espécie de fotografia do saber que o grupo possuía. O
manual, talvez mais do que os outros aspectos do groupware, tinha uma função de integração. Em
princípio, o distanciamento intelectual entre os membros da equipe era anulado, já que todos seriam
imediatamente informados assim que alguém tivesse descoberto uma nova ideia, um novo processo
ou uma referência essencial a seus trabalhos. Além disso, os recém-chegados dispunham de um
instrumento de formação de valor inestimável. Enfim, esta objetivação do saber comum era concebida
como um objeto e um tema de discussão, já que, segundo as palavras de Douglas Engelbart: ‘uma
comunidade ativa estará constantemente envolvida em um diálogo a respeito do conteúdo de seu
manual’ (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da
informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 68).”
203
158Para Pinto, em prefácio de Nalini: “A desjudicialização é uma alternativa que precisa ser convertida
em política pública, não para aliviar a carga de trabalho cometida ao sistema judicial totalmente
atravancado. O principal é fazer de cada pessoa um protagonista de sua existência, um reitor de sua
própria conduta, para ajustar-se à conduta civilizada, sem a necessidade de atuação heterônoma do
Estado-Juiz. Se um individuo não sabe resolver questiúnculas, mas prefere submetê-las ao judiciário,
muito menos saberá participar da gestão da coisa pública e implementar, no Brasil, a prometida
Democracia Participativa, aceno do Constituinte de 1988 (PINTO, Eduardo Vera Cruz. O futuro da
justiça. São Paulo: Ed. IASP, 2015, p. 9).”
159 Para Peluso: “Dos resultados obtidos no Brasil, concluiu-se que não há como impor um único
procedimento autocompositivo em todo o território nacional ante relevantes diferenças nas realidades
fáticas (fattispecie) em razão das quais foram elaboradas. O modelo de núcleos e centros de
resolução de conflitos buscou apenas criar a estrutura básica para que cada tribunal possa
desenvolver seu sistema pluriprocessual de forma mais consoante com sua realidade (PELUSO,
Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (Org). Conciliação e mediação: estruturação da política
judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 22).”
205
160 Segundo Dinamarco, “Tal é a fórmula, por enquanto necessariamente vaga, do modo como
convém ser processada a troca de influências entre as ordens jurídicas de países integrados em uma
comunidade, como o Mercosul, que depende de uma eficiente cooperação processual internacional
para atingir seus objetivos econômicos. Para esse fim o Código Modelo é um legítimo e útil repositório
de sugestões sobre os modos como cada país e todos em conjunto podem afeiçoar seus sistemas
processuais com vista à crescente cooperação entre os integrantes do bloco latino-americano. Ainda
é muito tênue a coesão entre esses países (compare-se com a que existe entre os integrantes da
Comunidade Europeia) e, portanto, seriam prematuros e preciptados quaisquer prognósticos ou
proposições muito concretas que no presente momento histórico se quiserem adiantar (DINAMARCO,
Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. 1,
p. 133).”
206
esbarre em vários aspectos, tais como cultura, idioma, política, educação dentre
outros que refletem diretamente no aspecto do Direito e da Justiça não se limita
somente a seu Estado, mas que deve iniciar um diálogo para harmonizar-se.
As mudanças são inevitáveis, sob pena de se implantar certo retrocesso. A
Inteligência Artificial tem destaque em países como os EUA porque desde os
adventos mais remotos, acreditaram e investiram, pesadamente na formação de
base e nos estudos científicos em busca das novas descobertas, inclusive
promovendo experiências das ciências cognitivas em geral e em espécie.
É o que retrada Pino Estrada em artigo intitulado “A criação do Direito pela
Inteligência Artificial”.161
Neste caso, então, o legislador passaria a sua tarefa legislativa para uma
máquina inteligente e autônoma. Consequentemente, num futuro breve,
Juízes, Desembargadores, Ministros e legisladores serão substituídos por
máquinas com inteligência artificial, inclusive, até os debates intermináveis
no Congresso Nacional pelo uso destas (máquinas com inteligência
artificial) terminarão em segundos. Resumindo, o algoritmo usado pela
inteligência artificial poderia ser mais justo em comparação a um magistrado
e que o próprio parlamento nacional e, assim, permitiria a criação de leis
mais justas e necessárias para o desenvolvimento local.
O Estudo realizado pelo pesquisador Pino Estrada teve como base ciência
uma pesquisa realizada em outubro de 2014 sobre o uso da Inteligência Artificial
como meio para a previsão dos julgamentos das cortes americanas. 162E
complementa a linha de pesquisa EUA o artigo de autoria Martin Katz e outros
retratando “Predicting The Behavior of Supreme Court of the United States: A
General Approach”. Prevendo o comportamento da Corte Norte-América: Uma
Abordagem Geral.163No aspecto jurídico, o estudo dos “meios” e da dinâmica
judiciária utilizados pela família da common law tem atraído os seguidores da civil
law. Essa tendência natural que move as culturas a se aproximarem tem legitimado
o velho e bom adágio de que “juntos somos mais fortes”, demonstrando com isso
que a cooperação e a colaboração são instrumentos pedagógicos que fazem uma
diferença positiva ímpar no processo de evolução das culturas.164 Acima de tudo, a
nova processualística brasileira passa a realizar uma apologia da verdade da
concepção clássica aristotélica, ou seja, de uma simbiose adesiva entre a palavra e
a coisa ou realidade descrita, para a objetividade, simplificação e para unidade
compreensiva totalizante das ideias, que sinteticamente significa dizer: a dispensa
por uma cansativa e desnecessária conjugação de elementos para se buscar
compreender o significado de uma palavra ou frase na orla da linguagem
especializada do Direito e da Justiça. Nessa perspectiva, corrobora a ideia de
Guerra Filho (2007, p. 44-45):
proposto pela primeira vez em Geurts, et ai. (2006), um método semelhante ao a abordagem aleatória
floresta desenvolvido em Breiman (2001), bem como um novo recurso de engenharia, prevemos mais
de sessenta anos de decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos (1953-2013). Usando apenas
dados disponíveis antes da data da decisão, o nosso modelo identifica corretamente 69,7% das
afirmar global do Tribunal / Reverter decisões e prevê corretamente 70,9% dos votos dos juízes
individuais através de 7.700 casos e mais de 68.000 justiça votos. Nosso desempenho é consistente
com o nível geral de previsão oferecido pelos estudiosos anteriores. No entanto, o nosso modelo é
distinto, uma vez que é o primeiro robusta, generalizada, e totalmente modelo de previsão do
comportamento de voto Supremo Tribunal oferecido a data. Nosso modelo prevê seis décadas do
comportamento de trinta juízes nomeados por treze Presidentes. Com um som mais metodológica
fundação, nossos resultados representam um grande avanço para a ciência da previsão legal
quantitativa e predição legal e uma gama de outras aplicações potenciais, tais como os descritos em
Katz (2013 )”.
164 Dinamarco destaca: “A primeira dessas tendências é a absorção de maiores conhecimentos e
mais institutos inerentes ao sistema da common law. Plasmados na cultura europeia-continental
segundo os institutos e os dogmas hauridos primeiramente pelas lições dos processualistas ibéricos
mais antigos e depois dos italianos e alemães, os processualistas latino-americanos vão se
conscientizando da necessidade de buscar novas luzes e novas soluções em sistemas processuais
que desconhecem ou minimizam os dogmas e se pautam pelo pragmatismo de outros conceitos e
outras estruturas. O interesse pela cultura processualística dos países da common law foi inclusive
estimado por estudiosos italianos que, como Mauro Capelletti e Michele Taruffo, desenvolveram
intensa cooperação com universidades norte-americanas. Os congressos internacionais patrocinados
pela Associação Internacional de Direito Processual contam com a participação de processualistas de
toda origem, e isso vem quebrando as barreiras existentes entre duas ou mais famílias jurídicas,
antes havidas como intransponíveis. Ainda há o que aprender da experiência norte-americana das
class-actions, das aplicações da cláusula due process of law, do contempt of court de muitas
soluções de common law ainda praticamente desconhecidas aos nossos estudiosos – mas que é
previsível que os estudos agora endereçados às obras jurídicas da América do Norte conduzam à
absorção de outros institutos ((DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil
moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. 1, p. 138)”.
209
165 Para Liebman: “A lei estabelece, porém, algumas regras, cuja observância é necessária para que
o processo se realize com as devidas garantias de imparcialidade, eficiência, ordem, respeito ao
direito dos terceiros e assim por diante. A observância dessas regras produz a impossibilidade do
julgamento da controvérsia. Podemos dizer, em geral, que o pedido deve ser formulado pelo autor de
modo adequado ao conflito existente entre as partes, e que o processo deve ser por sua vez
instaurado de modo a ser adequado ao conflito existente entre as partes; por ultimo, o processo deve
ser proposto e conduzido com a observância de uma série de regras de caráter formal que condiciona
sua validade e sua capacidade de programação (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o
processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004, p. 92).”
210
166 Carneiro: “Parece-nos, assim, que a grande discussão sobre o tema não reside necessariamente
no fato de se permitir ou não a adoção das chamadas súmulas vinculantes, mas sim em se pensar
critérios e formas que o ordenamento deverá prever para a revisão das mesmas bem como os
mecanismos que o advogado terá para demonstrar que o caso prático em que milita não se enquadra
perfeitamente na hipótese abstratamente súmula. Esse, a nosso modestíssimo ver, o grande desafio
quando se fala em súmula vinculante (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (Org). Bases
científicas para um renovado direito processual. 2. ed. Salvador: Jus Podium, 2009, p. 784).”
212
167 Para Kirkham é necessário ordenar cada projeto para a certificação da verdade, como explicita: “A
teoria da justificação é uma conjunção de duas alegações: em primeiro lugar, de que uma certa
característica, possuída potencialmente por afirmações (ou sentenças ou crenças etc), correlaciona-
se, talvez de modo imperfeito com a verdade; em segundo lugar, de que é relativamente fácil
determinar se uma destas afirmações ou sentenças ou crenças etc. possui essa característica
(KIRKHAM, Richard L. Teorias da verdade. São Leopoldo: UNISINOS, 2003, p. 47)”. Isso em
verdade ocorre, como bem complementa o mesmo autor: “A teoria da justificação não é realmente
teoria da verdade. Pelo menos é muito enganoso chamá-la de teoria da verdade. Ela não é sobre a
verdade. Ela é sobre a justificação. Ela não analisa “verdade”, “verdadeiro” em nenhum sentido. Ela
também não estabelece as condições necessárias e suficientes para a verdade e nem dá o
significado de “verdade”. Ela fornece uma condição suficiente (ou um conjunto de condições
conjuntamente suficientes, para justificar a crença em uma proposição) (KIRKHAM, Richard L.
Teorias da verdade. São Leopoldo: UNISINOS, 2003, p. 43)”. Disso conclui Kirkham: “[...] também
implica que o valor da verdade de uma afirmação possa modificar-se quando dispomos de mais
evidência relevante, o que é contra intuitivo (Davidson, 1990, p. 307-308). Essa consequência é
evitada se a verdade é equiparada com a justificação máxima ou justificação em circunstâncias
ideais. Mas nenhuma dessas manobras nos ajuda com o problema maior – equiparar verdade e
justificação máxima ainda nos deixa com a seguinte pergunta: justificada maximamente como o quê?
Tal problema (Putman, 1982) também não pode ser resolvido identificando-se verdade com
justificação em circunstâncias ideais. Pelo contrário, nenhum sentido pode ser dado à noção de
circunstâncias ideais, a menos que antes se faça alguma escolha a respeito dos valores aos quais a
justificação deve se dirigir (KIRKHAM, Richard L. Teorias da verdade. São Leopoldo: UNISINOS,
2003, p. 84)”.
168 “A massa de informações armazenadas cresce em um ritmo cada vez mais rápido. Os
conhecimentos e habilidades da esfera tecnocientífica e das que dela dependem evoluem cada vez
mais rápido. Disto decorre que, em certas áreas, a separação entre a memória pessoal e o saber não
é mais parcial; as duas entidades tendem a estar quase que totalmente dissociadas”. E complementa
o mesmo autor em ato contínuo o seu raciocínio: “O modelo não se encontra mais inscrito no papel,
este suporte inerte, mas roda em um computador. É desta forma que os modelos são continuamente
corrigidos e aperfeiçoados ao longo das simulações. Um modelo raramente é definitivo. / Um modelo
digital normalmente não é nem ‘verdadeiro’ nem ‘falso’, nem mesmo ‘testável’, em um sentido estrito.
Ele apenas será mais ou menos útil, mais ou menos eficaz ou pertinente em relação a este ou aquele
objetivo específico. Fatores muito distantes da ideia de verdade podem intervir na avaliação de um
modelo: a facilidade de simulação, a velocidade de realização e modificação, as conexões possíveis
com programas de visualização, de auxílio à decisão ou ao ensino[...] o declínio da verdade crítica
216
não significa, portanto, que a partir de agora qualquer coisa será aceita sem uma análise, mas que
iremos lidar com modelos de pertinência variável, obtidos e simulados de forma mais ou menos
rápida, e isto de forma cada vez mais independente de um horizonte de verdade, uma à qual
pudéssemos aderir firmemente. Se há cada vez menos contradições, é porque a pretensão da
verdade diminui. Não se critica mais, corrigem-se os erros (LÉVY, Pierre. As tecnologias da
inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 121)”.
217
Outro fator que contribui para tal risco, ou melhor, para seu aumento, é a
tendência natural cultural de acreditar que a consciência do eu representa um
tribunal racional incontestável, por isso, se aventou tratar dos aspectos formais da
verdade de algum modo que não houvesse interferência. Nesse contexto, ilustra
Tarski (2007, p. 13):
169 Para Souza Pereira (SRD): “A lógica proposicional é um formalismo matemático através do qual
podemos abstrair a estrutura de um argumento, eliminado a ambiguidade existente na linguagem
natural. Esse formalismo é composto por uma linguagem formal e por um conjunto de regras de
inferência que nos permitem analisar um argumento de forma precisa e decidir a sua validade [1,2,3].
/ Informalmente, um argumento é uma sequência de premissas seguida de uma conclusão. Dizemos
que um argumento é válido quando sua conclusão é uma consequência necessária de suas
premissas. Por exemplo, o argumento: “Sempre que chove, o trânsito fica congestionado”. / ‘Está
chovendo muito’. / Logo, o trânsito deve estar congestionado é válido, pois sua conclusão é uma
consequência necessária de suas premissas”.
170 “Na solução desse problema, podemos distinguir diversos passos. Devemos começar pela
descrição da linguagem cuja semântica desejamos construir. Em particular, devemos enumerar os
termos primitivos da linguagem e fornecer as regras de definição por meio das quais novos termos,
distintos dos primitivos, possam ser introduzidos na linguagem. Em seguida, devemos distinguir as
expressões da linguagem que são denominadas sentenças. Separar os axiomas da totalidade das
sentenças e, finalmente, formular as regras de inferência por meio das quais os teoremas podem ser
derivados daqueles axiomas. A descrição de uma linguagem é exata e clara apenas se ela é
puramente estrutural, ou seja, se empregarmos nela somente conceitos relacionados com a forma e o
arranjo dos signos e das expressões compostas da linguagem. Nem toda linguagem pode ser
descrita dessa maneira puramente estrutural. As linguagens para as quais se pode dar tal descrição
são chamadas de linguagens formalizadas (TARSKI, Alfred. A concepção semântica da verdade.
São Paulo: Ed. Unesp, 2007, p. 151)”.
219
171 Como bem ilustra Taruffo: “Na acepção moderna do termo esses eram certamente irracionais,
sendo fundados em um ato de fé relativo à intervenção divina. Tal avaliação, todavia, corre o risco de
ser eivada pela Buskschluss, ou seja, pelo erro habitual consistente em interpretar eventos passados
de acordo com critérios modernos. Em realidade, os ordálios podem parecer altamente racionais, no
sentido de que eram coerentes com a cultura dos contextos sociais circundantes naqueles tempos; a
vida cotidiana das pessoas era dominada pelo sangue e pela violência e estava profundamente
imersa em um mundo repleto de milagres, santos, demônios, bruxas e magos em uma cultura desse
gênero, denominada pelo enchsntment, a concepção de que o divino pudesse desempenhar um
papel importante na determinação da vida dos seres humanos, podia parecer profundamente
justificada. Mais especificamente, não havia qualquer extravagância em pensar que Deus devesse
intervir na determinação do êxito dos eventos importantes como as controvérsias judiciárias: o ordálio
era visto como a “liturgie d’um miracle judiciare”, que se realiza através de uma apreuve, ou seja,
através da superação de uma prova, e não da produção probatória na acepção moderna do termo
(TARUFFO. Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos; tradução Vitor de Paula
Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 20)”.
225
172 Taruffo, em trabalho de sua lavra sobre a “Motivação da Sentença Civil”, é esclarecedor: “Importa,
ainda, sublinhar a característica, normalmente não considerada de forma adequada, de
instrumentalidade das formas lógicas, bem como rejeitar a difundida tendência de considerar a
estrutura das formas lógicas como intimamente vinculada e determinada pelas matérias a que vêm
aplicadas. A consequência imediata disso é que a estrutura lógica não é característica intrínseca do
objeto, mas somente um instrumento de que se vale quem estuda determinado objeto, de modo que
a instrumentalidade da lógica significa função heurística estruturante da lógica diante do objeto. Que
as formas lógicas não são mais do que instrumentos, de outro lado, implica ulteriores consequências:
a primeira é que quem utiliza a lógica pode escolher o instrumento mais adequado às próprias
exigências e as do objeto estudado; a segunda é que o uso das formas lógicas é elástico, não
impositivo e não determinado; a terceira é que o uso de uma forma lógica não acrescenta em nada o
objeto a que é aplicada, servindo apenas para de fazer emergir certa estrutura racional. / Existem,
porém, limites dentro dos quais a lógica pode ser validamente aplicada, que se impõem igualmente
ao juiz. Esses, contudo, não dizem respeito à natureza do raciocínio do juiz, mas vertem sobre o uso
que o juiz faz dos instrumentos lógicos ao longo das diversas fases da sua atividade
(independentemente da respectiva natureza intrínseca), articulando-se essencialmente em três
direções. A primeira atine à escolha das formas lógicas mais adequadas ao material conceitual a que
devem ser aplicadas: seria, por exemplo, incongruente o uso de inferências dedutivas não se
dispondo de premissas gerais, o uso da lógica demonstrativa em um procedimento heurístico, a
aplicação de estruturas formalizadas a dados não formalizados e assim por diante (TARUFFO.
Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos; tradução Vitor de Paula Ramos. São
Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 140)”.
173 “Portanto, a pretensão de veracidade é típica das narrativas dos advogados (como muitas de
outras narrativas), independente do fato de que em realidade sejam verdadeiras ou faltas. Entretanto,
visto que uma pretensão de veracidade não é equivalente à veracidade de um enunciado, a história
que o advogado narra em relação a um fato da causa não é outra coisa senão uma história hipotética
226
Parece que apenas levamos em conta, nos nossos raciocínios, aquilo que
enquadra em nossos estereótipos e nos esquemas preestabelecidos que
usamos normalmente. Muito mais que o conteúdo bruto dos dados, nosso
humor no momento e a maneira pela qual são apresentados os problemas
determinam as soluções que adotamos.
sobre aquele fato. Essa hipótese é apresentada como verdadeira, mas isso nada mais é do que uma
hipótese: a veracidade ou falsidade será estabelecida posteriormente, no curso do processo e na
adesão final. Nos termos da teoria dos atos linguísticos, essas teorias pertencem à categoria dos atos
ilocutórios, casterizados por uma função assertiva ilocutória. Com efeito, são construídas por
assertivas, ou seja, por enunciados que pretendem afirmar proposições verdadeiras que, descrevem
fatos com uma word-to-word direction fit (TARUFFO. Michele. Uma simples verdade: o juiz e a
construção dos fatos; tradução Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 68)”.
174 Segundo Taruffo, “Em geral a ideia de uma narrativa “boa” é obscura e ambígua, visto que uma
narrativa pode ser boa em função de escopos diferentes. De qualquer modo, é bastante fácil
estabelecer quais são os requisitos de uma boa narrativa processual: ela deve ser plausível, coerente
com o stock of knowledge típico da plateia a que se destina (e, portanto, “familiar” para essa),
narrativamente, coerente – e, pois, persuasiva. Todavia, uma objeção decisiva a essa teoria – assim
como a qualquer teoria da verdade fundada na coerência do texto – é que narrativas coerentes e
persuasivas podem ser completamente falsas. Para dar-se conta disso, basta pensar em um
testemunho, que pode ser narrativamente coerente, mas falso, ou em uma sentença, que pode ser
justificada de modo coerente, sem corresponder às provas e, portanto, à realidade dos fatos: trata-se
de claros exemplos da distinção fundamental entre a coerência (ou a persuasão) das narrativas e sua
veracidade (TARUFFO. Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos; tradução
Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 89)”.
227
175 Como ilustra Oliveira Lima (SRD/P): “Para ilustrar o problema relativo ao tratamento lógico do
Direito, é possível reproduzir os motivos pelos quais Kelsen nega ser o Direito, entendido como
norma jurídica, analisável pelo ponto de vista lógico-formal. Segundo o jurista austríaco, uma norma
jurídica possui conteúdo prescritivo, e, como tal, insuscetível de ser avaliada em termos de verdade
ou falso, muito embora possa ser válida ou inválida em relação ao ordenamento jurídico que a
contém. Faltando às normas a possibilidade de avaliação em termos de veracidade, todo o acervo
científico construído em torno das proposições lógicas não se lhes aplicaria diretamente. Daí dizer
228
que o Direito e lógica formal são temas imiscíveis. / O rechaço kelseniano à análise lógica do Direito
não impediu que, no século XX, inúmeros autores se debruçassem sobre o tema e produzissem uma
extensa bibliografia. Von Wright, considerado uma referência nos estudos da lógica deôntica,
desenvolveu um amplo estudo sobre a lógica das modalidades de obrigação, permissão e proibição
aplicável, em particular, ao Direito e, de modo geral, às normas. [...] Uma das grandes dificuldades
em conferir um tratamento lógico ao Direito reside no fato de ser a expressão proposição empregada
de diferentes maneiras pelos estudiosos que se propõem a analisar o tema. É justamente por tal
constatação que a melhor porta de entrada para se analisar os conflitos normativos é, seguindo o
caminho trilhado por Bobbio, a diferenciação entre proposições prescritivas e descritivas. Dessa
forma, incialmente é oportuno considerar que os motivos lançados por Kelsen para refutar o
tratamento lógico do Direito não levaram em consideração o fato de ser possível entender as normas
jurídicas a partir de proposições, mas proposições de um tipo especial, a saber, as prescritivas (LIMA,
Gernica Ângela Borém de Oliveira. Modelo de categorização: apresentando o modelo clássico e o
modelo de protótipos. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 15, n. 2,
mai./jun.2010, p. 108 Disponível em:
<http://www.brapci.ufpr.br/documento.php?dd0=0000009070&dd1=92ef2>. Acesso em: 10 abr.
2013)”.
176Para Lévy, “É possível que não exista nenhuma faculdade particular do espírito humano que
possamos identificar como sendo a “razão”. Como alguns humanos conseguiram, apesar de tudo,
desenvolver alguns raciocínios abstratos, podemos sem dúvida explicar este sucesso fazendo apelo a
recurso cognitivos exteriores ao sistema nervoso. Levar em conta as tecnologias intelectuais permite
compreender como os poderes de abstração e de raciocínio formal desenvolveram-se em nossa
espécie. A razão não seria um atributo essencial e imutável da alma humana, mas sim um efeito
ecológico, que repousa sobre o uso de tecnologias intelectuais variáveis no espaço e historicamente
229
177Para Lévy, “O conhecimento das entranhas de uma máquina ou de um sistema operacional será
então usado com o objetivo de tornar o produto final amigável. O virtuosismo técnico só produz seu
231
pois seria pueril pensar que os mágicos das ciências gozariam desse status ao nutrir
uma única e exclusiva competência científica a dar base a sua cognição. A
informática jurídica ou a tecnologia jurídica pelos meios computacionais cibernéticos
demarcam novos tempos em seu estágio.
O avanço dessa cognição não pode ser asfixiada, é necessário que a
inteligência como não atributo exclusivo da intelectualidade humana possa revelar-
se em outras formas de tecnologia e isso registre uma nova etapa da história do
Direito.178
efeito completo quando consegue deslocar os eixos e os pontos de contato das relações entre
homens e máquinas, reorganizando assim, indiretamente, a ecologia cognitiva como um todo.
Separar o conhecimento das máquinas da competência cognitiva e social é o mesmo que fabricar
artificialmente um cego (o informata “puro”) e um paralítico (o especialista “puro” em ciências
humanas), que se tentará associar em seguida; mas será tarde demais, pois os danos já terão sido
feitos”. E arremata o mesmo autor: “Aqueles que lançaram a microinformática ou groupware não são,
de forma alguma, “técnicos puros”. Deveríamos, antes, considerar os grandes participantes da
“revolução da informática” como homens políticos de um tipo um pouco especial. O que os distingue é
o fato de trabalharem na escala molecular das interfaces, lá onde se organizam as passagens entre
os reinos, lá onde os microfluxos são desviados, acelerados, transformados, as representações
traduzidas, lá onde os elementos constituintes dos homens e das coisas se enlaçam (LÉVY, Pierre.
As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos
Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 55)”.
178 Para Guibourg: “Julia Barragán, em su reciente artículo para la Enciclopédia Iberoamericana de
Filosofia, distingue para la informática jurídica dos enfoques: los que denomina como
“dominantemente computacional” y de “equilíbrio entre las esferas”. El primero encara al derecho
como un mero campo de aplicación de la informática y busca “algoritmos que se aplicam sin
restricciones sobre una masa de datos sin forma”. En este sentido, los juristas, “como resultado del
pecado original de expresarse em su próprio linguaje, y de razonar conforme a sus propios patrones,
parecen condenados a no disfrutar nunca plenamente de todas lãs maravillas que la informática
despliega ante sus ojos asombrados”. Em el segundo enfoque, en cambio, “la ciência de
lacomputación desa de ser ele referente inamovible cuya certeza no se pone em duda, para
convertirse em un território permanentemente sujeto a criticas, refinamentos y validaciones, los cuales
derivan necessariamente de “a esfera jurídica” y se vinculan “con la necesidad de producir una
transformación del entorno em el que se producen las inferências y las decisiones, jurídicas, com la
finalidade de que lãs mismas posean la mejor base argumental alcanzable”. Em este contexto, las
características conocidas del linguage del derecho (“la textura aberta, el caráter vago de algunas
palavras y, fundamentalmente, su semântica”) como son defectos o errores que hay que corrigir, a
qualquier precio para llegar, a perfilar, um buen conjunto, de aplicación de los algoritmos, sino que
ellas mismas constituyen condiciones que generan un poderoso estimulo em la definición de
estruturas de datos interesantes y compleyas, semanticamente conformadas desde um punto de vista
jurídico”. Destaca la misma autora que la “posibilidad de que exista más de una respusta correcta,
según Sean los antecedentes que se seleccionen para tornar la decisión (...) no constituye una
herejía que haja que exorcizar rapidamente, sino que siendo el rasgo típico de lo que se conoce
como, interpretación, de Derecho, deve ser preservado em la estructura de los datos””. E
complementa a mesma autora (1998, p. 191-192): “Em el Congreso Mundial de 1995, Daniele
Bourcier formuló una advertência: “escribir un sistema experto es codificar el derecho”. Y explicaba
que “tanto los modos, de eleboración de los sistemas de información legal, como la codificación,
forman parte de los modos de racionalización de la producción jurídica”, ya sea em el momento de la
redacción de los textos, o em el de su aplicación. Segun Bourcier, los instrumentos deben ser
coherentes (concentración de material jurídico), manejales (incluir unicamente disposición normativa),
tener uma estrutura lógica, estar escrito em un linguaje claro, suprimir las dificultades de
interpretacción y, finalmente, ser completos em relación com la matéria tratada (GUIBOURG, Ricardo
232
A. Bases teóricas de la informática jurídica. Doxa, n. 21, II, 1998, pp. 189-200. Disponível em:
<http://www.biblioteca.org.ar/libros/142002.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2015, p. 190)”.
233
179 “Espero haber hecho contribuciones tanto teóricas como practicas a la informática jurídica em
Italia. Em el plano teórico, como perteneciente a la primera generación de juristas informáticos – es
decir, la que tuvo que “inventarse” la disciplina –, he tratado de distinguir la aplicación de la
informática al Derecho (es decir, la informática jurídica en sentido estricto), de la aplicación del
Derecho a la informática (es decir, el Derecho de la información), una disciplina técnica, la primera, y
jurídica, la segunda. Esta organización de la disciplina que estaba nasciendo, ya anunciada em la
Giuscibernetica de 1969, tomo cuerpo luego en mi corso de informática jurídica: en 1971, la primera
edición constaba de un solo volumen; en 1981, los dos volumenes de la segunda edición introducian
una distinción que luego se afianzaria, pues se dedicaba, en uno a la Elaborazione dei dati non
numerici traducido al espanhol en 1984 por Aguiló, Atienza y Ruiz Manero), y outro al Diritto dell
informática. En 1984, esta segunda edición se completo conL’analisis dele procedure giuridiche, en
donde proponia una edición de las normas compatibles com la informática. Enfin, en 1985-86
publiqué los tres volúmenes que sistematizaban toda la matéria: um volumen técnico, Informática per
lês cienze social, y dos volúmenes jurídicos, II diritto privado dell’ informática y II diritto público dell’
informática. Después de esta fecha, la rápida evolución tanto de la tecnologia como del Derecho há
hecho imposible una atualización de este trabalho por parte de una sola persona. / Em el plano
práctico, mis realizaciones se refieren, en primer lugar, a los bancos de datos jurídicos, tanto
legislativos como judiciales. Nació así, en 1973, el primer banco de datos legislativos de Lombardia,
destinado sin embargo a divolverse al passar de fase experimental y la de gestión. Este era el
problema típico de aquellos inicios: los protipos geniales no se transformaban casi nunca em servicios
para el ciudadano y hoy, em elfondo del Gran Mar Océano de la informática Jurídica, yecen muchos
galeones con sus bodegas llenas de ideas doradas y olvidadas. Por ello, la pasión por las
(demasiadas) novedades tecnológicas no debe hacer olvidar la historia de la informática jurídica: en
treinta años, los problemas jurídicos a resolver han quedado com frecuencia inalterados, de la misma
manera que las soluciones pioneiras del pasado, todavia pueden oferecer indicaciones útiles incluso
en tempos de tecnologias pasmosas. Em aquel banco de datos legislativos en línea coloqué en 1987
el primer CD-ROM italiano con sentencias de segundo grado del área milanesa. Puesto que ese
banco de datos judiciales no en línea iba por delante de su mercado potencial, su contenido se hizo
desembocar em el sistema Italgire de la Corte de Cassazione. / Esas realizaciones prácticas no
habrian sido posibles sin los constantes contatos com las casas constructoras de ordenadores, que al
comienzo de la era informática también eran productoras de los programas a ejecutar. Seguí los
primeiros cursos de programación em la sociedade Honeywell, colaboré com la sociedade IBM (que
puso a mi disposición personas, programas y tempo-maquina para realizar los primeros proyectos de
information retrieval legislativa, em los años setenta), y tambien con Olivetti y com Univac. Pero la
colaboración, mas duradera y el recuerdo mas intenso están ligados a la rama informática de la
sociedade Siemens, donde encontré durante años um incomparable ambiente de trabajo y de
investigación, em Italia y em Alemania. Bajo las alas de “Mamá Siemens”, nacieron no solo lãs
aplicacines al Derecho, a las bibliotecas e a los catastros, sino también mis libros sobre la historia del
calculo mecânico: las monografias sobre Lebniz, Babbage, Scheutz y Zuse publicadas por la editorial
EtasKompass, al principio como inteligentes aguinaldos empresariales para Navidad, y después como
volúmenes distribuídos también em lãs librerías. Entre los años setenta y ochenta se perfilo em el
horizonte y se desvaneció tambien el sueño del ordenador europeo, cuando las empresas europeas
rataron de colaborar constituyendo la sociedade “Unidata”, muy pronto deshecha por los corrosivos
intereses nacionales. El “ordenador europeo” no vió la luz y, en particular, Italia perdió el tren de la
informática: Lorenzo Soria, se doctoró conmigo presentando la tesi”Informática, ocasión perdida”,
publicada en 1979 por Einaudi. De esos años de provechoso trabajo, pero también de ilusiones hoy
casi olvidadas, me quedan los proyectos realizados y, cosas raras, los vínculos de amistad
robustecidos em un ambiente de trabajo para mi irrepetiblemente constructivo (ATIENZA, Manuel.
Entrevista a Mario Losano. In: DOXA. Cuadernos de Filosofia del Derrecho, n. 28, 2004, p. 374.
Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/viewFile/37405/22975>. Acesso em:
14 ago. 2015.)”.
235
180 Segundo Coscarelli: “O espírito que imperou até tempos bem recentes foi de unicidade da lógica.
Hoje, o espírito é do estudo de sistemas lógicos. Foi a mesma mudança de espírito processada com a
descoberta da possibilidade de outras geometrias que não a euclidiana. A geometria moderna não
lida apenas com um sistema geométrico; até um período, não muito distante da história da
matemática, lidava-se apenas com o sistema euclidiano, que era visto como o único, como a
geometria. Tal mudança se processou na lógica em um momento mais tardio e constitui uma grande
revolução de pensamento. A bem da verdade, quando discutimos a respeito de um sistema lógico,
nós o fazemos através de uma “meta linguagem” e, nessa metalinguagem, seguimos regras de
argumentação como Aristóteles queria discutir. No momento histórico, em que Aristóteles escreveu,
não existia a destinação entre a linguagem e a metalinguagem. Em uma análise mais profunda, essa
é a distinção possibilita pensar em múltiplas lógicas (COSCARELLI, Bruno Costa. Introdução à
lógica modal. Dissertação (Mestrado em Ciências). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008, p.
13)”.
238
lógica clássica formal, o que não pode é o referido entendimento ser extendido a
outras demais espécies e formas.
A verdade produzida pela tecnologia da Inteligência Artificial apresenta-se
com uma característica mais pragmatizada, em que as dinâmicas das novas
necessidades demonstram que a pontualidade temporal não permite que a
inteligência da espécie humana em alguns aspectos alcance os mesmos resultados
qualitativos e quantitativos.
De fato, o mundo contemporâneo que habitam o Direito e a Justiça não
permite se perder tempo em conflitos ideológicos decorrentes das técnicas
hermenêuticas de interpretação um tanto instáveis. É preciso gizar uma tecnologia
em inteligência que possa pelos seus “meios” fluir segundo melhores critérios. Para
conceber previsibilidade, segurança, isonomia e celeridade ao sistema judiciário.
239
181 Segundo Nery Junior, “Para tanto, é necessário que a Constituição realize três tarefas
fundamentais. / A primeira é a de integração, estabelecendo a unidade do Estado, regulando e
pacificando o conflito de diversos grupos que o formam. Para a manutenção do Estado, é necessário
que ele seja sustentado pelos seus cidadãos, que estes se sintam responsáveis por ele e o
defendam. A Constituição tem função fundamental na integração e formação da unidade política e do
Estado, porque lhe assegura um ordenamento jurídico e um processo organizado para a solução de
conflitos que surgirem em seu interior. / A segunda função é a da organização, isto é, a necessidade
do ordenamento jurídico não somente se apresenta para a formação e conservação da unidade
política, senão também para organizar a ação e a incidência dos órgãos estatais constituídos com
esses fundamentos. A Constituição é que organiza os poderes do Estado, constituindo os órgãos a
exercerem as diversas tarefas estatais, bem como suas competências correspondentes, necessárias
para o cumprimento dessas tarefas. Ela organiza os procedimentos a serem seguidos, que permitem
a adoção das decisões adequadas. / A terceira função consiste da direção jurídica. O ordenamento
jurídico, que permite a existência do Estado, deve ser moralmente reto, legítimo e auferido
241
183 Segundo Siqueira Castro: “Em realidade, no Brasil os obstáculos que entravam o acesso dos
jurisdicionados às instâncias judiciais e induzem ao descrédito popular quanto à atuação da Justiça
se devem a deficiências endógenas do Poder Judiciário, como também a causas exógenas a esse
departamento da soberania estatal. Não há dúvida, em primeiro plano, de que sobretudo os órgãos e
serventias da instância inicial da instituição prestadora de jurisdição padecem de notório
desaparelhamento, que, segundo o judicioso diagnóstico da lavra do Ministro Carlos Mário da Silva
Velloso, do Supremo Tribunal Federal, caracteriza-se pelas dificuldades seguintes: a) pelo número
insuficiente de juízes; b) pela existência de cargos vagos de juízes; c) pela forma inadequada de
recrutamento de juízes; d) pela inexistência de uma especialização dos órgãos de 1º grau; e) pela
má qualidade do apoio administrativo destinado aos magistrados; f) pelo crescimento, a cada ano, do
número de processos distribuído a cada juiz de direito; g) e pelo excesso de formalismo imposto pelas
normas processuais. Todas essas deficiências estruturais, que a rigor são visíveis, promovem a
disfunção dos órgãos da Justiça que, ou deixam de prestar a indeclinável jurisdição porque os
confrontos de pretensão acabam encontrando outros caminhos de composição, ou prestam-na com
intolerável lentidão ou com padrão de qualidade aquém do desejável (CASTRO, Carlos Roberto de
Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova constituição do Brasil. 5.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 229)”.
244
Art. 6. 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada,
equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente
e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação
dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de
qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve
ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à
imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a
bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa
sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção
da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada
estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais,
a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
186 Afirma Tucci: “Parece mesmo fora de questão que a oportunidade do provimento – “a tempestività
a que se referem os italianos, como resultado do equilíbrio entre os tempos de progresso e tempos de
espera (tempi dis viluppo e tempi di attesa) – constitui um dos primordiais elementos para determinar
o grau de eficiência dos tribunais”. / Em suma, o resultado de um processo “não apenas deve
outorgar uma satisfação jurídica às partes, como também, para que essa resposta seja a mais plena
possível, a decisão final deve ser pronunciada em um lapso de tempo compatível com a natureza do
objeto litigioso, visto que a Justiça seja injusta não faz falta que contenha equivoco, basta que não
julgue quando deve julgar (TUCCI, José Rogério Cruz. (Org). Direito processual civil europeu
contemporâneo. São Paulo: Lex, 2010, p. 99)”.
247
Deve ser mais do que um Direito pretendido, que seja efetivamente alcançado
no plano material, ou não se pode afirmar a existência plena de um Estado
Constitucional de Direitos e Garantias Fundamentais, mas tão somente
ideologicamente pensado.
Para isso, voltando-se para a realidade brasileira, a dificuldade do Legislador
e dos operadores em definir os “meios” mais adequados aos fins úteis para precisar
“a razoável duração do processo” dá-se também pela carência de critérios
qualificativos para classificar os conflitos.
Com isso, pode-se conhecer em minúcias suas causas, suas origens, suas
naturezas, além do fraco investimento em pesquisa de fronteiras, quando muito
estimulando o aprofundamento em uma dogmática já superada pela infertilidade.
O problema da educação para a evolução é tema recorrente e exige um
profundo tratamento desde suas bases, porém recente estudo de Eduardo Vera-
Cruz Pinto (2015, p. 33), trazido pelos ventos lusitanos, exterioriza assertivo
entendimento a importância desse elemento fundamental.
Como futuro da justiça supõe, isto é, impõe, uma visão culturalizada (não
só científica ou técnica; não só social ou política; não só econômica ou
histórica) da Justiça que a reaproxime do Direito e do Povo, em nome do
qual é exercida; como requer políticas públicas claras que concretizem os
direitos inscritos na Constituição e a retirem da conflitualidade partidária
fulanizada e em torno do efêmero e da circunstância; erguendo-a à
politicidade própria de opções diversas em contraditório, com estadistas
capazes de implantar tais políticas.
187 “Para Josef Esser, princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que
determinado mandamento seja encontrado. Mais do que uma distinção baseada no grau de
abstração da prescrição normativa, a diferença entre os princípios e as regras seria uma distinção
qualitativa. O critério distintivo dos princípios em relação às regras seria, portanto, a função de
fundamento normativo para a tomada de decisão. / Seguindo o mesmo caminho, Karl Larenz define
os princípios como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que
estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo,
direta ou indiretamente, normas de comportamento. Para esse autor os princípios seriam
pensamentos diretivos de uma regulação jurídica existente ou possível, mas que ainda não são
regras suscetíveis de aplicação, na medida em que lhe falta o caráter formal de proposições jurídicas,
isto é, a conexão entre uma hipótese de incidência e, uma consequência jurídica. Daí porque os
princípios indicariam somente a direção em que está situada a regra a ser encontrada, como que
determinando um primeiro passo direcionador de outros passos para a obtenção da regra. O critério
distintivo dos princípios em relação às regras também seria a função de fundamento normativo, para
a tomada de decisão, sendo essa qualidade decorrente do modo hipotético de formulação normativa.
Para Canaris duas características afastariam os princípios das regras. Em primeiro lugar, o conteúdo
axiológico: os princípios, ao contrário das regras, possuiriam um conteúdo axiológico explícito e
careceriam, por isso, tem regras para a sua concretização. Em segundo lugar, há o modo de
interação com outras normas: os princípios, ao contrário das regras, receberiam seu conteúdo de
sentido somente por meio de um processo dialético de complementação e limitação. Acrescentam-se,
pois, novos elementos aos critérios distintivos antes mencionados, na medida em que se qualifica
como axiológica a fundamentação exercida pelos princípios e se predica como destinatário seu modo
de interação”. E complementa o mesmo autor (2008, p. 48): “Vale dizer: a distinção entre princípios e
regras não pode ser baseada no suposto método tudo ou nada de aplicação das regras, pois também
elas precisam, para que sejam implementadas suas consequências, de um processo prévio e, por
vezes, longo e complexo como o dos princípios de interpretação que demonstrem quais as
consequências que serão implementadas (ÁVILA. Humberto. (Org). Teoria dos princípios: da
definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8 ed. amp. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 35)”.
249
188 Segundo Lévy, “O que é significação? Ou, antes, para abordar o problema de um ponto de vista
mais operacional, em que consiste o ato de atribuir sentido? A operação elementar da atividade
interpretativa é a associação; dar sentido a um texto é o mesmo que ligá-lo, conectá-lo a outros
textos, e, portanto, é o mesmo que construir um hipertexto. É sabido que pessoas diferentes irão
atribuir sentidos por vezes opostos a uma mensagem idêntica. Isto porque, se por um lado o texto é o
mesmo para cada um, por outro o hipertexto pode diferir completamente. O que conta é a rede de
relações pela qual a mensagem será capturada, a rede semiótica que o interpretante usará para
captá-la. Você talvez conecte cada palavra de uma certa página a dez referências, a cem
comentários. Eu, quando muito, a conecto a umas poucas proposições. Para mim, esse texto
permanecerá obscuro, enquanto para você estará formigando de sentidos. / Para que as
coletividades compartilhem um mesmo sentido, portanto, não basta que cada um de seus membros
250
receba a mesma mensagem. O papel dos groupwares, o de reunir, não apenas os textos, mas
também as redes de associações, anotações e comentários às quais eles são vinculados pelas
pessoas. Ao mesmo tempo, a construção do senso comum encontra-se exposta e como que
materializada: a elaboração coletiva de um hipertexto. / Trabalhar, viver, conversar fraternalmente
com outros seres, cruzar um pouco por sua história, isto significa, entre outras coisas, construir uma
bagagem de referências e associações comuns, uma rede hipertextual unificada, um contexto
compartilhado, capaz de diminuir os riscos da incompreensão (LÉVY, Pierre. As tecnologias da
inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 72)”.
251
190 Segundo Siqueira Castro, “Exige-se, em suma, nessa perspectiva integrada das relações entre
Direito, Estado e sociedade, a convicção, por certo indispensável à visão crítica dos juristas de nosso
tempo, de que o conjunto de normas e princípios constitucionais irradia efeitos não apenas
reguladores, mas também transformadores das realidades sociais e políticas, além de pautas de
comportamento dirigidas não só para o funcionamento da instituição estatal, mas para a generalidade
da dinâmica social nos infindáveis aspectos das relações humanas. Por isso mesmo, a extração em
máxima potência de força normativa da Constituição, não apenas por seus intérpretes e aplicadores
oficiais, mas sobretudo por parte de todo o conjunto da cidadania, é que pode impulsionar a
transformação em realidade de muitas das idealizações constitucionais. Tem-se aí o fenômeno que
os doutrinadores alemães designam de eficácia indireta da Constituição, alusivo à extensão das
normas constitucionais às relações civis, distinguindo-o do chamado efeito imediato dos direitos
fundamentais, consistente na sua instantânea aplicação aos órgãos e agentes do Poder Público, na
esteira do preceito contido no artigo 1º (3) da Lei Fundamental de Bonn de 1949, que reza: “Os
direitos fundamentais a seguir discriminado constituem direito imediatamente aplicável para os
Poderes Legislativos, Executivo e Judiciário.” A efetividade indireta da Lei Maior, que traduz a sua
assimilação pela sociedade em suas práticas ordinárias de vida, revela a densidade normativa da
Constituição ou, como prefere Schneider – a força normativa da Constituição em sua totalidade.
Nessa ótica de teorização sócio-participativa, os marcos para a compreensão das normas
constitucionais relativas aos direitos humanos fundem-se no binômio constituição-democrática, que
encerra as virtudes, desafios e esperanças do vigente Estado Constitucional Democrático ou Estado
Democrático de Direito, como prefere o enunciado de algumas Cartas constitucionais da atualidade,
em qualquer caso investido em instância sociopolítica de salvaguarda e promoção dos direitos
fundamentais do homem. Tal significa dizer, segundo a análise magistral desenvolvida por Hans
Schneider (CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das
leis na nova constituição do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 64)”.
253
Tudo indica que tais “meios” se mostram idôneos para a concretização dos
propósitos constitucionais na busca de consolidar o almejado Estado Democrático
de Direito, que não resiste ao preconceito demarcado pelo limite cognitivo da
inteligência humana que, de certo modo, passa a ser superado pela gradual
compreensão dos novos conhecimentos.
Essa nova linguagem tem em sua estrutura uma performance que possibilita
ao sistema de leis conseguir dialogar com os Direitos em um tempo mais exíguo,
dando completude à juridicidade normativa e com isso evitando um distanciamento
entre os membros da mesma comunidade.
A precisão que a tecnologia traz – através de sua forma de materialização
(linguagem de programação) – a faz ser uma espécie de comunicação apta não
somente para a socialização do acesso, mas também para socialização da
compreensão do cidadão quanto a seus Direitos e suas Garantias Fundamentais, a
partir de uma participação positiva alusiva aos ensinamentos de Hans Schneider.
Por essa interface, a Constituição, patrimônio público da sociedade, fruto de
conquistas demoradas e demasiadamente custosas, possibilita ao Estado e ao povo
desenvolverem um envolvimento mais próximo, estimulando o engajamento e o
desenvolvimento jurídico-político, fechando com isso o fosso demarcado pelo
desinteresse participativo na conjugação sociedade-Estado.
Com esse ativismo social voltado ao interesse da legalidade jurídico-política,
o Estado deve passar a ofertar uma prestação de serviços judiciários com ênfase em
uma jurisdição destacada pelo princípio da realidade, da razoabilidade e da
interdição dos arbítrios, conforme esclarecem Ávila e outros (2008, p. 94-95):
191 “Portanto, se a clássica característica jurídica da eficácia estaria satisfeita desde que o ato
alcançasse aptidão para a produção dos resultados visados, a nova característica jurídica da
eficiência foi adiante de modo que só estará satisfeita quando esses resultados pretendidos forem
efetivamente alcançados e qualificados por uma correlação ótima entre os meios empregados e o que
efetivamente se logrou. Segundo essa linha, a economicidade é um critério que teria da eficiência,
pois resultará da aferível e adequada proporcionalidade dos recursos despendidos aos resultados
obtidos, razão pelo qual o seu emprego nas finanças públicas passou a representar um dos mais
importantes avanços do Direito para o controle do que foi outrora indevassável, reserva de arbítrio
administrativo, um teimoso resquício regaliano que até pouco prevalecia na administração dos gastos
públicos. Do mesmo modo, a efetividade também é um critério derivado da eficiência, só que seu
ambiente de exigência é mais amplo, uma vez que a correlação ótima entre os meios empregados é o
que efetivamente se logrou e passa a ser aferida não apenas in casu, mas tendo em vista o benefício
para o conjunto da sociedade, ou seja, considerando ao ato do Poder Público, seja ele normativo,
administrativo ou judicativo, está produzindo no meio social aqueles efeitos que haviam sido abstrata
e genericamente visados na ordem jurídica [...] a responsividade consiste na obrigação de o agente
público responder pela postergação ou pelo desvio da vontade popular democraticamente
manifestada, fato que pode ocorrer mesmo que os parâmetros da legalidade estrita estejam
satisfeitos (ÁVILA. Humberto. (Org). Fundamentos do Estado de Direito: estudos em homenagem
ao Professor Almiro do Couto e Silva. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 95)”.
257
A validade dos princípios não está para a existência tanto quanto para sua
recorrente funcionabilidade; o desuso ou a falta de conhecimento de sua existência
e relevância fazem com que o Direito perca sua efetiva finalidade.
A tecnologização fomenta a disseminação do conhecimento, a
conscientização e a participação social, ou seja, o ativismo social jurídico
participativo gera inclusão com o uso dos “meios” tecnológicos, promovendo assim a
sedimentação da Democracia material.
O sistema ofertado pela tecnologia da Inteligência Artificial sinaliza para
potencial juridicidade ao ordenamento jurídico, uma vez que a legalidade pós-
positivista está para além do texto da legalidade estrita. Ao contário, congrega e
exige integração, unificação, uniformização e sistematização de todas as espécies
de dispositivos para a proteção dos Direitos e das Garantias Fundamentais.
Essa necessidade alberga destaque e não pode ser eclipsada pela
ineficiência dos “meios”, exigindo reconhecimento e aplicabilidade pelo Estado de
uma forma mais eficiente.
Em sendo a carta política Constitucional um documento Público projetado
para a proteção dos Direitos e das Garantias Fundamentais de forma interativa e
integrativa, nos termos do par. 2º do artigo 5º da CF, a produção legislativa deve ser
realizada pelo controle e pela participação (aprovação x reprovação) de seus
agentes.
Portanto, os agentes políticos são escolhidos com a finalidade própria para a
edificação das leis por ser um ato com característica legislativa por excelência, mas
que não suprime a legimidade plurarista da sociedade em sua posição
socioparticipativa legislativa.
Nesse processo, a publicização é um elemento substancial em que a
tecnologia como meio atuante, interativo, integrativo e publicista garante aos Direitos
a intimidade e a privacidade da pessoa como elementos que estão encapsulados
pelo princípio da dignidade da pessoa humana, inciso III do artigo 1º da CF.
Na mesma proporção em que abre o acesso, também oferece controle por
intermédio da rede de dados e informações quanto ao uso ilegal de seus fins,
facilitando rapidamente ao transgressor, o bloqueio e a suspensão da acessibilidade
às redes.
258
192 Em tal sentido, Ávila e outros consideram “[...] a Democracia como processo de controle de
agentes políticos e de políticas públicas, na qual pouca ou quase nenhuma dificuldade se apresenta
como óbice para ser amplamente implantada. Para esta terceira vertente da democracia material
nada mais é necessário do que uma ampla admissão de adequadas modalidades de controle social
no ordenamento jurídico, e, para bem empregá-las uma espécie de preparação cívica, suportada por
uma livre e ampla rede de informações. / Mas como esses dois requisitos não podem ser
considerados de difícil superação nesta era da informação, como apropriadamente a denomina
Manuel Castells, mesmo em países em via de desenvolvimento, tem-se que, por um lado, a
preparação cívica se pode dar pari passu com a educação regular em todas as escolas,
notadamente na prática diuturna da discussão dos temas coletivos e da tomada de decisão em grupo,
e, por outro lado, a ampla e livre rede de informação é proporcionada pela mídia e pela internet, dá-se
que esta vertente de realização da democracia material é bastante promissora a curto prazo,
justificando-se que sobre ela sejam concentrados os esforços oficiais (ÁVILA. Humberto. (Org).
Fundamentos do Estado de Direito: estudos em homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva.
São Paulo: Malheiros, 2005, p. 111)”.
193 “Lei por Algoritmo: Os computadores são mais justos do que os humanos?” Disponível em:
<https://www.newscientist.com/article/mg22229735-100-law-by-algorithm-are-computers-fairer-than-
humans/>. Acesso em 24 dez. 2015.
259
Some have even proposed making an algorithm the law itself, with tools that
could automatically sniff out contract violations, problematic patents or
election fraud. Lisa Shay at West Point in New York and colleagues have
suggested rewriting “amenable laws” – those that deal with clear-cut cases
of right and wrong – so that algorithmic law enforcement could understand
them. They have already attempted to build computer systems that can
issue speeding tickets.194
194“Alguns têm mesmo proposto um algoritmo para fazer a própria lei, com ferramentas que podem
farejar automaticamente violações de contratos, patentes problemáticas ou fraude eleitoral . Lisa
Shay em West Point , em Nova York e seus colegas sugeriram reescrever "leis passíveis " - aqueles
que lidam com casos óbvios de certo e errado – aplicação da lei para que algorítmica poderia
compreendê-los. Eles já tentaram construir sistemas de computador que pode emitir multas por alta
velocidade”. Tradução minha.
260
195 “Não que as situações de vida sejam em si mesmas imóveis, previsíveis, estáveis e permanentes
– Heráclito já clamara o constante dinamismo e mutação das coisas: Pântarei, tudo flui. Mas
Parmênides, ao só reconhecer validez ao eterno, não estava destituído de razão, e a história do
Direito o comprova; o ordenamento jurídico é perpassado por uma secular relação, de tensão entre
permanência e ruptura, entre estabilidade e mudanças, entre o que tende a ser eterno e o que tende
à perpétua mudança. Em outras palavras, o ordenamento jurídico, tal qual a vida, equilibra-se entre
os polos da segurança (na abstrata imutabilidade das situações constituídas) e da inovação (para
fazer frente ao pântarei). Assim, na relação (que é fundamental) entre tempo e direito, a expressão
“princípio da segurança jurídica” marca, como signo de significados que é, o espaço de retenção, de
imobilidade, de continuidade ou de permanência: valoriza, por exemplo, o fato de o cidadão não ser
apanhado de surpresa por codificação ilegítima na linha de conduta da administração, ou pela lei
posterior, ou pela modificação na aparência das formas jurídicas (ÁVILA. Humberto. (Org).
Fundamentos do Estado de Direito: estudos em homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva.
São Paulo: Malheiros, 2005, p. 133)”.
261
196 Segundo Coutinho e outros, “A questão da revisão das relações funcionais se coloca no centro do
debate de uma teoria do/para o Estado Constitucional que considere, além dessa recomposição da
especialização de funções, os problemas e dificuldades que se apresentam, para a realização dos
projetos constitucionais contemporâneos. De forma explícita, a necessidade de reconstrução das
respostas clássicas acerca da realização do Estado Constitucional se apresenta como o [um dos]
problema (s) fundamental (is), considerando-se como dito acima, um ambiente de escassez e de
emergência e de mudanças paradigmáticas. / Neste último aspecto parece-nos fundamental que se
estabeleçam instrumentos adequados para o que se poderia caracterizar como mecanismos de
informação Constitucional,através dos quais o juiz Constitucional teria melhores condições para
promover o desvelamento da norma Constitucional, o que, entretanto, não é suficiente para
solucionar o déficit democrático presente neste âmbito de ação estatal (COUTINHO, Jacinto Nelson
de Miranda; MORAIS, José Luis Bolzan de; Streck, Lenio Luiz (Org.). Estudos constitucionais. Rio
de Janeiro: Renoar, 2007, p. 170)”.
267
Pois nenhum homem pode viver sem preconceitos, não apenas porque não
tem inteligência ou conhecimento suficiente para julgar de novo tudo que
exigisse um juízo seu no decorrer de sua vida, mas sim porque tal falta de
preconceito requereria um estado de alerta sobre humano.
197 “Não se percebeu que, se no Estado Liberal seu campo de atuação era limitado ao de
solucionador de conflitos que se desenrolavam fundamentalmente no espaço privado e onde o uso da
lei seria privilegiado, confundida que era ela, a lei, com o conceito maior de justiça,no Estado
Democrático de Direito social sua atuação é outra, passando ele – Juiz – a julgar conforme os
critérios de justiça plasmados na Constituição. / Este quadro justifica a necessidade de se cunhar um
novo modelo de juiz e, consequentemente, de um novo Poder Judiciário, que necessita se posicionar
de modo diferente daquele até então adotado, já que todo o seu fundamento de atuação passa a ser
justificado não mais pela conjugação política, mas sim pela proteção dos direitos fundamentais
previstos no texto maior (GERAIGE NETO, Zaiden. O princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional: art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2003, p. 106)”.
270
Tiendo, esto así, no puede hablarse entonces de relación entre las partes y
el juez, ni entre ellas mismas. El juez sentencia, no ya porque esto
constituya un derecho de las partes, si no porque es para el, um deber
funcional de caráter administrativo y politico: las partes no están ligadas
entre si, sino que existen apenas estados de sujección de ellas para orden
jurídico em su conjunto de possibilidades, de expectativas y de cargas. Y
esto no configura una relación, sino una situación, o sea, como se há dicho,
el estado de una persona frente a la sentencia judicial.
198“No magistério de Cândido Dinamarco, “a jurisdição é a atividade pública e exclusiva com a qual o
Estado substitui a atividade das pessoas interessadas e propicia a pacificação de pessoas ou grupos
em conflito, mediante a atuação da vontade do direito em casos concretos. Ele o faz revelando essa
vontade concreta mediante uma declaração (processo de conhecimento), ou promovendo com meios
práticos os resultados por ela apontados (execução forçada). A jurisdição é, pois, manifestação do
poder estatal (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed.
São Paulo: Malheiros, 2010, p. 115. v. 1)”. E complementa o mesmo doutrinador, “O princípio do juiz
natural, segundo Nelson Nery Junior (com remissão a Karl Schwab, Gomes Canotilho, Vital Moreira e
Celso Bastos), consiste na exigência de determinabilidade, que é a prévia individualização dos juízes
por meio de leis gerais; na garantia de justiça material, decorrente da independência e imparcialidade
dos juízes; no estabelecimento de critérios objetivos para a fixação da competência dos juízes e na
exata observância das determinações referentes à divisão funcional interna. Resta vetada, destarte, a
designação, substituição ou convocação de juízes por parte do Poder Executivo ou do Poder
Legislativo, tarefa reservada com exclusividade ao próprio Poder Judiciário, em seu autogoverno
(RePro, 101:107). / Taxativamente proibidos que são, pela Lei Maior (art. 5º, XXXVII), os “juízos” e
“Tribunais de exceção”, a jurisdição somente pode ser exercida por pessoa legalmente investida no
poder de julgar, como integrante de algum dos órgãos do Poder Judiciário, previstos no artigo 92 da
Constituição Federal (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6.
ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 37. v. 1)”.
271
Nas duas condições trazidas pelo posicionamento doutrinário citado por Athos
de Gusmão Carneiro, na primeira citando Dinamarco, tem-se que a
substitutibibilidade é feita pelo Estado no gozo da atribuição da jurisdição e na
segunda hipótese, citando Nery, o Juiz de forma independente e imparcial
desenvolve por intermédio e em nome do Estado, na condição de Estado/Juiz a
jurisdição.
A jurisdição, sob esse aspecto, é o procedimento disponibilizado pelo Estado,
regulado por intermédio de um sistema processual cuja simetria se alinha aos
preceitos constitucionais.
Quanto a esses aspectos, é certo que a jurisdição estatal delimita o âmbito de
atuação e as competências de seus agentes, no entanto, fica claro que a referida
jurisdição, embora exclusiva quanto à sua natureza estatizada, não é a única no
sentido de mediação e conciliação do Direito para o alcance da Justiça.
É evidente, entretanto, que o cerne operacional de mediação do Direito pela
inteligência humana realizada pelo Estado/juiz tem rendido fartas discussões, na
medida em que a ponderação de que se vale essa tecnologia mediadora, muitas
vezes é influenciável e gera disfunções (instabilidade dos meios) quando da
objetivação da subjetivação da equação entre Direitos e fatos.
Isto registra certa preocupação, mas, ao mesmo tempo, torna público que a
operação, embora arriscada pela imprecisão e pela instabilidade, goza sempre de
uma delimitação aceitável do ponto de vista Constitucional.199É esse um dos fatores
que levaram o sistema a admitir outros “meios” alternativos para a resolução de
conflitos, afastando o caráter absoluto da jurisdição estatal para o ato de julgar,
porém mantendo-a como última racio, na ostensiva e minudente missão de vigiar os
Direitos e as Garantias Fundamentais.
199 Como esclarece Barroso, “O risco de tal disfunção, todavia, não a desmerece como técnica de
decisão nem priva a doutrina da possibilidade de buscar parâmetros mais bem definidos para a sua
aplicação. No estágio atual, a ponderação ainda não atingiu o padrão desejável de objetividade,
dando lugar a ampla discricionariedade judicial. Tal discricionariedade, no entanto, como regra deverá
ficar limitada às hipóteses em que o sistema jurídico não tenha sido capaz de oferecer em tese,
elegendo um valor ou interesse que deva prevalecer. A existência da ponderação não é um convite
para o exercício indiscriminado do ativismo judicial. O controle de legitimidade das decisões obtidas
mediante ponderação tem sido feito através do exame de argumentação desenvolvida (BARROSO,
Luís Roberto (Org). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e
relações privadas. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 350)”.
272
200 É o que se infere do trecho de lavra de Jane Pereira: “Portanto, desde a ótica da sociedade
aberta de interpretes, a Constituição passa a ser entendida como processo público, como “um vestido
que muitos bordam, não somente o jurista constitucional”. / Essa concepção reflete, de certo modo, a
progressiva interação entre as duas categorias que, em suas origens, revelam-se aparentemente
antitéticas e inconciliáveis: a democracia e o constitucionalismo. Com efeito, a tese do pluralismo
interpretativo confere lastro democrático à interpretação Constitucional, diminuindo o déficit de
legitimidade que lhe costuma ser imputado (PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação
constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos
fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 59)”.
273
O reclamo recorrente ao Estado não pode mais ser ouvido e respondido com
a edição inflacionária de leis. A melhor lei já se encontra posta, é preciso, portanto,
viabilizar uma política judiciária em que haja efetiva tutela dos dispositivos
constitucionais já consagrados. O inciso LXXVIII do artigo 5º da CF autoriza
expressamente a adoção do uso da tecnologia da Inteligência Artificial como uma
das espécies de “meios”.
274
201 Para Streck,”O poder judiciário, em especial, a justiça constitucional, passa a ter um papel de
absoluta relevância, mormente no que é pertinente à jurisdição Constitucional. O Poder Judiciário não
pode assumir uma postura passiva diante da sociedade e na perspectiva substancialista, concebe-se
ao Poder Judiciário uma nova inserção no âmbito das relações dos Poderes do Estado, levando-o a
transcender, as funções de checks and balances, ou seja, como bem lembra Vianna, mais do que
equilibrar e harmonizar os demais poderes, o judiciário, na tese substancialista deve assumir o papel
de um intérprete que põe em evidência, inclusive contra as minorias eventuais, a vontade geral
implícita, no direito positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios como de valor
permanente na sua cultura de origem e no do Ocidente – o universalismo mais presente em
Cappelletti do que em Dworkin, este último mais próximo de um republicanismo cívico”. E ainda
esclarece reprisando pedagogicamente o mesmo autor (2007, p. 45), “Em síntese, a corrente
substancialista entende que, mais do que equilibrar e harmonizar os demais poderes, o judiciário
deveria assumir o papel de intérprete que põe em evidência, inclusive contra as minorias eventuais, a
vontade geral implícita, no direito positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios,
selecionados como de valor permanente na sua cultura de origem e na do Ocidente (STRECK, Lenio
Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7.
ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 46)”.
276
[...] no plano do agir cotidiano dos juristas no Brasil, nenhuma das duas
teses (procedimentalismo e substancialismo) é perceptível. Ou seja, se
estamos longe da postura substancialista – e a prática nos tem
demonstrado tal assertiva em face da inefetividade da expressiva maioria
dos direitos sociais previstos na Constituição e da postura assumida pelo
Poder Judiciário na apreciação de institutos. Como o mandado de injunção,
a ação de inconstitucionalidade por omissão, além da falta de uma filtragem
hermenêutica constitucional das normas anteriores, a Constituição Federal,
por outro lado, também não se pode afirmar que convivemos com uma
prática procedimentalista do tipo proposto por Habermas. Ora, a submissão
do congresso à reiterada utilização indiscriminada de medidas provisórias
por parte do Poder Executivo deixa claro o quanto estamos distantes de
promover o que Habermas denomina de “combinação universal e a
mediação recíproca entre a soberania do povo institucionalizada e não
institucionalizada”, enfim, o quanto estamos distantes da criação
democrática de direitos e da garantia da preservação dos procedimentos
legislativos aptos a estabelecer a autonomia dos cidadãos.
202 Para Streck, “O conceito de Estado Democrático de Direito aqui trabalhado pressupõe uma
valorização do jurídico, e, fundamentalmente, exige a (re) discussão do papel destinado ao Poder
Judiciário e (a Justiça Constitucional) nesse (novo) panorama estabelecido pelo constitucionalismo do
pós-guerra mormente em países como o Brasil, cujo processo Constitucional assumiu uma postura
que Cittadino denomina de “Comunitarista” onde os Constitucionalistas (Comunistaristas) lutaram
pela incorporação dos compromissos éticos- comunitários na Lei – Maior, buscando não apenas
reconstruir o Estado de Direito, mas também “resgatar a força do Direito””. Em arremate, afirma
Streck (2007, p. 39): “A noção de Estado Democrático de Direito está, pois, indissociavelmente ligada
à realização dos direitos fundamentais. É desse liame indissolúvel que exsurge aquilo que se pode
denominar de plus normativo do Estado Democrático de Direito. Mais do que uma classificação de
Estado ou de uma variante de sua evolução histórica, o Estado Democrático de Direito faz uma
síntese das fases anteriores, agregando a construção das condições de possibilidades para suprir as
lacunas das etapas anteriores, representadas pela necessidade do resgate das promessas da
modernidade, tais como: igualdade, justiça social e a garantia dos direitos humanos fundamentais. A
essa noção de Estado se acopla o conteúdo das Constituições através do ideal de vida,
consubstanciado nos princípios que apontam para uma mudança no status quo da sociedade. Por
isso, como já referido anteriormente, no Estado Democrático de Direito a lei (Constituição) passa a
ser uma forma privilegiada de instrumentalizar a ação do Estado na busca do desiderato apontado
pelo texto Constitucional, entendo assim no seu todo dirigente principiológico (STRECK, Lenio Luiz.
Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed.
rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 38)”.
277
203 Em trecho de fôlego, segundo o professor Lênio Streck, é possível tornar evidente a afirmação:
“[...] reservando-se a intervenção do judiciário apenas para facultar aos excluídos da participação do
acesso direto aos “poderes políticos”, a realidade brasileira aponta em direção contrária: o assim
denominado Estado Social não se concretizou no Brasil (foi, pois, um simulacro), onde a função
intervencionista do Estado serviu para aumentar ainda mais as desigualdades sociais; parcela
expressiva dos mínimos direitos individuais e sociais não é cumprida; o controle abstrato de normas
apresenta um déficit de eficácia, decorrente de uma “baixa constitucionalidade”, os preceitos
fundamentais que apontam para o acesso à justiça continuam ineficazes (basta lembrar,
exemplificadamente, afora a “ciência” de uma morte anunciada “ocorrida com o mandado de
injunção, que a arguição de descumprimento de preceito fundamental somente foi regulamentada
anos depois da promulgação da CF); no âmbito do parcelamento, aprovam-se leis por voto de
liderança, um voto de um eleitor de uma pequena unidade federada chega a valer dezesseis vezes o
voto de um cidadão das unidades maiores, fazendo com que uma estranha matemática transforme a
maioria em minoria; tais fatores – entre tantos outros que poderiam ser assinalados e que já foram
examinados anteriormente, naquilo que denomino de crise de paradigmas do Direito e do Estado –
denotam a inaplicabilidade das teses procedimentalistas, as quais, por sua especificidade formal,
longe estão de estabelecer as condições de possibilidade para a elaboração de um projeto apto à
construção de uma concepção substancial (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m)
crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. rev. e atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007, p. 52)”.
278
204 Conforme esclarece Siqueira Castro, “O próprio Estado, nessa ótica legalista, é visto como
instituição jurídica limitada ao direito, não obstante soberana e representativa da comunidade
nacional, cuja formação, segundo o escólio insuperável de Georges Burdeau, dá através do processo
de institucionalização legalizante do poder, mediante a qual este transfere da pessoa do governante
(o monarca absolutista) para essa entidade abstratamente concebida pelo Direito Público. Nessa
linha de ideais insere-se o conhecido magistério de Jellinek, para quem “O Direito é o poder jurídico
limitado...” O poder do Estado não é, portanto, pura e simplesmente, um poder, é um poder exercido
dentro de certos limites jurídicos – por aí – é um poder jurídico. Por tudo isso, a carência de
legalidade, assim entendida como inexistência de previsão legal para o exercício das prerrogativas da
autoridade, significa dever de abstenção, de sorte que a atuação do Estado e seus agentes sem
guarida legal importam em abuso de poder (CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido
processo legal e a razoabilidade das leis na nova constituição do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p. 91)”.
279
A vivência pelo ideal imaginado como verdadeiro, como possível, mas não
realizável do ponto de vista da concretização, contamina e alucina os protagonistas
da teatralidade dos palcos da Justiça, compostos de advogados, juízes, promotores
e todos os demais auxiliares da Justiça, sem deixar para trás os interessados pela
obtenção da tutela.
É um discurso embebedador, um alucinógeno, um drama gerado além das
realidades surrealistas, que só encontra guarida no conforto do justificado pela
justificação. A verdade é convencionada por meio da magia que habita a aldeia das
palavras, uma espécie de maldição gerada pelos conflitos ideológicos que tomam o
“espírito” dos letrados.
Nesse ambiente, as decisões são fundamentadas e entregues às pressas
pela demanda excessiva que recai sobre o sistema judiciário, que combate a
injustiça em seus efeitos.
Como fechar a contabilidade de sentenças em uma das varas da Justiça
desse país, em que entram 500 (quinhentos) novos processos mensalmente e são
promovidas quantida inferior de sentenças mesmo sobre as linhas de produção
fordista ou taylorista de auxiliares?
A pesquisa não se serve a denunciar o lamentável Estado de simulação do
Direito e da Justiça que toma o Estado brasileiro. Simular segundo a concepção
baudrilardiana sinteticamente seria fazer aparecer uma coisa que não existe na
realidade.
O estudo traz em suas bases teóricas nas linhas de pesquisas e propostas a
importância da espécie humana que compõe as fileiras das comunidades científicas
das ciências jurídicas em mover esforços para fazer com que as tecnologias em
inteligência não humanas possam servir de “meio” adequados e seguros aos fins
científicos.
280
205 É legado pelo mesmo autor, (1997, p. 156), “O Estado de Direito é o nome para a impossibilidade
jurídica, o significante, transcendental que determina o modo simbólico de sua realização social: a
metafísica do poder jurídico, constituída por uma história que se oferece idealizada. Um “visto e
decidido” que traduz para o presente sentidos de lei do direito, alucinando uma plenitude originária”.
281
206 Ainda citando Fernando Coelho: “[...] com sustentação em Weber, o direito é racionalizado pelas
necessidades sociais, dada sua complexidade. Segundo Weber na interpretação de sua obra por
Freund, o direito foi levado a racionalizar-se em virtude dos problemas jurídicos que a própria
evolução social suscitava, isto é, pela necessidade de regulamentar as relações sociais cada vez
mais complexas e numerosas; por outro lado, num processo de retorno, que os atuais funcionalistas e
técnicos da informática traduziram como retroalimentação ou “feed back”, o direito assim produzido
como regulamentação social das outras atividades teria acarretado novos problemas, apresentando-
os aos diversos setores da vida social de forma a torná-los conscientes da importância crescente do
direito (COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1991, p.
307)”.
282
207 “De inspiração moderna, a ideia de um Estado de direito, decorre exatamente de uma concepção
liberal burguesa de domesticação do poder pelo direito, na medida em que o princípio da legalidade
se insculpe após a Revolução Francesa, como uma espécie de libelo antimonarquia, o que é
traduzido na tradição posterior com o um libelo antiarbítrio. Se há regras predeterminadas, se há um
sistema de leis previamente dado, se existem normas que regulamentam a vida social, será segundo
essas regras que haverão de se definir as condutas, seja de cidadãos (povo), seja de exercentes do
poder (Estado). É parte, portanto, do ideário do Estado Moderno o princípio da legalidade”. O mesmo
autor ainda enfatiza (2009, p. 64): “O direito é ingrediente cada vez mais importante da ideia de
normalização. O trajeto da modernidade se declara a partir do século XVII em diante é um trajeto em
que o direito haveria de estar presente como garantidor de oposição ao Estado (ao Soberano, ao
Monarca, aos abusos de poder, à não intervenção sobre o indivíduo como agente liberal do
Mercado), ao mesmo tempo que como codificador da unidade massificadora de comportamentos
sociais, que deveriam se estandardizar em uniformidades favoráveis ao desenvolvimento do controle
normalizador (BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. 2. ed. ver. atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 74)”.
283
Quando se pensa que o direito pode ser uma espécie de instrumento neutro
de controle social, na medida em que olha objetivamente os conflitos sociais
e procura pacificar-lhes o confronto, deixa-se de pensar que, já em seu
nascedouro, o direito nasce comprometido com a ordem burguesa e liberal
em ascensão, como parte de um panneau de grandes demissões
amplificado por grandes teorias, justificado por sistemas de pensamento e
desejado por grandes contingentes humanos, especialmente pelas elites
detentoras de riquezas. O direito passa a assumir um papel fundamental na
constituição da arquitetura moderna. De fato, quando se fala mesmo em
modernidade e especialmente em modernidade jurídica está-se a falar que
“a modernidade representa o equivalente a um certo e inusitado grau de
complexidade que a organização do direito adquiriu em nossa civilização.”
De acordo com Adeodato, pode-se mesmo falar que a modernidade traz
consigo os pressupostos, pois a afirmação paulatina do direito, quais sejam:
o monopólio da produção normativa; a sobrevalorização das fontes formais
do direito com relação a fontes espontâneas do direito; a autorreferibilidade
do direito como sistema sobre si mesmo.208
208 Para Warat, duetando com Bittar: “Existem duas formas de fazer filosofia do Direito. Uma
predominantemente e outra com muito menos ibope. A primeira consiste em uma gama de reflexões
vinculadas a uma concepção normativista do Direito, a outra em uma busca da desconstrução das
ideais e conceitos que foram acumulados numa cultura dominante, até se transformarem em
estereótipo, lugares comuns, que aprisionam os juristas em uma forma de pensar e fazer o Direito
absolutamente fora da realidade, uma contundente e avassaladora fuga do mundo e de qualquer
possibilidade de sentir os homens e seus vínculos (WARAT, Luis Alberto. A rua grita Dionísio!
Direitos humanos da alteridade, surrealismo e cartografia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.
49)”.
209 Para Warat, “A riqueza ideológica do encantamento dos discursos e do imaginário dos juristas é
infinita e muito provocativa. Inclusive coincidindo com a legenda no sentido de que os saberes do
284
estrutura normativa é algo além das frases que compõem os artigos, no entanto, as
injustiças podem se dar pelo vértice de uma limitação que estaria buscando pré-
definir as ações do órgão judicante em uma espécie de arbitrariedade.
Essa preocupação não deixa de cultivar uma outra que margeia a ausência
de neutralidade e imparcialidade no movimento de manobra do sistema ainda
quando o operador arbitrariamente se encontra condicionado as regras gerais de
interpretação do Direito para gerir e aplicar as leis aos casos concretos.
As dimensões das normas são verdadeiros conceitos do que se pode e não
se pode fazer, gerando uma consequente reprimenda, em caso de descumprimento
normativo.
Juntamente com essa proposta, Alexy trouxe em sua doutrina a teoria da
argumentação racional contemporânea que, em suma, seria o controle racional
intersubjetivo em que os mecanismos da linguagem se encarregaram de neutralizar
a persuasão dos métodos retóricos calcados nas ideologias.
De certa maneira, não se realiza em sua totalidade essa precípua finalidade,
visto que a referida teoria incorpora em sua estrutura certo espaçamento para a
mobilidade intersubjetiva quando da veiculação das regras normativas, em suma,
dada a inafastabilidade da presença humana.
O controle racional da argumentação jurídica é algo difícil de concretizar-se;
as condições cognitivas do homem ante suas cognições e os fatores sociais ou não
perfilham sua vida, contribuindo decisiva e responsavelmente. Para Warat. (2010, p.
64),
210 Segundo Streck, “A crise do modelo (modo de produção do Direito) se instala justamente porque a
dogmática jurídica implica sociedade transmoderna e repleta de conflitos transindividuais, continua
trabalhando com a perspectiva de um Direito cunhado para enfrentar conflitos interindividuais, bem
nítidos em nossos códigos (civil, penal, processo penal e processual civil, etc). / Esta é a crise de
modelo (ou modelo de produção) de Direito dominante nas práticas jurídicas de nossos tribunais,
fóruns e na doutrina. No âmbito da magistratura, é meio de o raciocínio poder ser estendido às
demais instâncias de administração da justiça. Ele faria apontar dois fatores que contribuem para o
agravamento da problemática: “o excessivo individualismo e o formalismo de uma visão de mundo:
esse individualismo e o formalismo representam uma visão do mundo: esse individualismo se traduz
pela convicção de que a parte precede o todo, ou seja, de que os direitos do indivíduo estão acima
da comunidade; como o que importa é o mercado, espaço onde as relações sociais e econômicas
são travadas, o individualismo tende a transbordar em atomismo: a magistratura é treinada para lidar
com diferentes formas de ação, mas não consegue ter um entendimento preciso das estruturas
socieconômicas onde elas se relacionam. Já o formalismo decorre do apego a um conjunto de ritos e
procedimentos burocratizados dos impessoais, justificados em norma da certeza jurídica da
segurança do processo. Não preparada técnica, nem doutrinariamente, pois ao compreender os
aspectos substitutivos dos pleitos a ela submetidos, ela enfrenta dificuldades para interpretar os
novos conceitos dos textos legais típicos da sociedade industrial, principalmente os que estabelecem
direitos coletivos, protegem os direitos – difusos – e dispensam tratamento preferencialmente aos
seguimentos economicamente desfavorecidos (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m)
crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. rev. e atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007, p. 35)”.
288
211 Para Oliveira Freitas, “Há, por óbvio, questões que merecem um olhar mais crítico, justamente
para se buscar o aperfeiçoamento das atividades do Conselho. Nesse sentido, podemos sublinhar o
fato de que os resultados positivos da atuação do Conselho propiciaram grande credibilidade e
expectativa de eficácia com relação às decisões dele emanadas. Todavia, considerando o gigantismo
do Poder Judiciário e das demandas que a ele são dirigidas, convivemos, atualmente, com reflexos
negativos do sucesso da atuação do Conselho, quais sejam maior lentidão na solução dos
procedimentos e desproporção da estrutura física das necessidades prementes. Em relação às
questões operacionais a ausência de previsibilidade das datas de julgamento (há diversos
procedimentos que são inseridos em pauta, mas demandam inúmeras sessões para serem julgados)
e as alterações procedimentais ocorridas a cada alteração de Presidência do Conselho dificultam,
sobremaneira, a atuação da advocacia e, por conseguinte, o exercício da cidadania (FREITAS,
Arystóbulo de Oliveira. O Conselho Nacional de Justiça e a advocacia. In: Revista do Advogado,
ano XXXV, n. 128, p. 07-12, dez. 2015, p. 11)”.
290
Por isso, em não havendo competência, o que há, para o Poder Público é
incompetência, impossibilidade de agir, inação compulsória. Isto significa
dizer, com Pontes de Miranda, que o “direito à chamada liberdade de fazer
ou não fazer é direito à lei como limite”. O próprio Estado, nessa óptica
legalista, é visto como instituição jurídica limitada pelo direito, não obstante
soberana e representativa da comunidade nacional...
212 Para Calamandrei, “O contraste entre a consciência do magistrado e a lei chega, às vezes, a tal
exasperação que produz até nos juízes sob diversas formas, um fenômeno semelhante ao que se
verifica no Parlamento quando a polêmica política chega a ponto de fazer esquecer as regras da
correção parlamentar. Também no processo assiste-se, às vezes, a casos em que parece que o juiz,
a fim de se subtrair às consequências a que foi, logicamente o deveria conduzir a fiel aplicação da
lei, está disposto a passar por cima de normas elementares da correção processual: aquele “dever de
lealdade” que art. 88 do CPC lembra às partes e aos defensores, mas não aos juízes, pois sempre se
considerou que não era necessário que os juízes fossem lembrados disso. Pelo contrário, nestes
últimos anos, viram-se diversos casos de sentenças cuja motivação deixa transparecer que o juiz não
teve dúvidas em seguir, no exercício de sua função, tortuosos caminhos com o fim de burlar a lei.
Este é um assunto que necessitaria de um longo discurso, e devo, aqui, limitar-me a alguma amostra
desse fenômeno que poderia denominar-se a ‘crise da motivação’ (CALAMANDREI. Piero. A crise da
justiça; tradução Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2003, p. 28)”.
295
Torna-se fácil inferir que o maior necessitado pela entrega de uma prestação
de serviço de Justiça não é o Estado/Juiz, mas os que buscam a tutela aos seus
Direitos lesados ou ameaçados.
Assim, parece que as questões envolvendo a melhor adequação técnica, a
colaboração e a cooperação do acesso pela busca de resultados, a clareza e a
objetividade de informações e dados dispensam a portabilidade de um mensageiro
humano, o qual nem sempre está apto a decodificar as pretensões a que o
interessado o submete, demonstrando falhas no controle da marcha da
processualidade como instrumento hábil constitucionalmente para a gestão da
legalidade.
A finalidade pública do Estado, portanto, vem sendo sodada pela forma como
o modelo atual de Justiça judiciária, seja na microgestão, seja na macrogestão dos
processos, vem acontecendo. A vontade da lei emanada pelo Estado não consegue
ser cumprida dentro do paradigma reconhecido e legitimado em sua própria
estrutura.
Se isso acontece, é porque os operadores e todos os seus auxiliares são
constantemente coniventes, outrora dominados ou condenados à servidão das
condições impostas pelo próprio Estado, que se encontra soterrado na
periculosidade e na insalubridade públicas.
Essas personagens curvam-se ao “sempre foi assim” ou simplesmente
seguem uma rotina secularmente mantida como padrão para o alcance de uma
ideologia de Justiça a ser alcançada futuramente, vinculado ao mentecapto adágio
de que o Brasil é um país do futuro.
Essa condição imposta pela instituição estatal conserva-se
insubordinadamente, mesmo contrariando sua missão-fim, mesmo que esse poder
esteja alicerçado na ausência de razão emancipada e que seria condição primordial
para o exercício da soberania de uma Justiça estabelecida em simetria com dos
reais interesses e fundamentos da própria lei.
Esse tribunal, independentemente de todos os poderes, traz uma simbologia
kantiana, a concepção de “tribunal da razão”, pois a especulatividade tem de
justificar-se em comunhão com a Justiça das leis, segundo Rouanet (2003, p. 163):
298
[...] o êxito foi tão completo que, em 1775, Malesherbes podia dizer, em seu
discurso de recepção na Academia: “Surgiu um tribunal independente de
todos os poderes que todos os poderes respeitam, que aprecia todos os
talentos, que se pronuncia sobre todas as pessoas de mérito’. A mesma
ideia é repetida por Condorcet, em plena Revolução: ‘Formou-se uma
opinião pública, poderosa pelo número dos que a compõem, enérgica,
porque todos os motivos que a determinam agiam ao mesmo tempo sobre
todos os espíritos. Assim, viu-se elevar, a favor da razão e da justiça, um
tribunal independente de todos os poderes, do qual era difícil entender algo
e de que era impossível esquivar-se’. Essa opinião pública é moldada pelos
intelectuais, que fazem através da palavra escrita o que os oradores gregos
e romanos faziam da palavra oral. É o que diz Malesherbes, para quem
‘num século esclarecido, em que cada cidadão pode falar à nação inteira
por meio da imprensa, aqueles que têm talento de instruir os homens e o
dom de comovê-los, os homens de letras, em uma palavra, são no meio do
público disperso o que eram os oradores de Atenas e Roma no meio público
reunido’. A imprensa tem assim o dom de unificar um público que não pode
mais ser integrado pela oratória.
213Conforme ilustra Rouanet: “O ponto de partida da teoria da ação comunicativa é o mundo vivido
(Lebens welt): o lugar das relações sociais espontâneas, das certezas pré- reflexivas, dos vínculos
que nunca foram postos em dúvida. As relações sociais que se dão no mundo vivido assumem,
caracteristicamente, a forma de ação comunicativa: um processo interativo, linguisticamente
mediatizado, pelo qual os indivíduos coordenam seus projetos de ação e organizam suas ligações
recíprocas. Na comunicação normal, invocamos sempre, implicitamente, pretensões de validade
(Gultigkeitsanspruche) com relação a todos os enunciados. Quando falamos, estamos sempre
asseverando, tacitamente, que nossas afirmações sobre fatos e acontecimentos verdadeiros, que a
norma subjacente ao enunciado linguístico é justa, e que a expressão do nosso sentimento é veraz.
Na comunicação que se dá no mundo vivido, as três pretensões de validade se entrelaçam. O
299
processo comunicativo se vincula sempre a três “mundos”: o mundo objetivo das coisas, com relação
ao qual cabem pretensões de verdade (Wahrheitsanspruche); o mundo social das normas e
instituições, com relação às quais são invocadas pretensões de justiça (Richtigkeitsanspruche); e o
mundo subjetivo das vivências e sentimentos, com relação ao qual alegam pretensões de veracidade
(Wahrhaftigkeitsanspruche). / A coordenação comunicativa entre os interlocutores se dá através da
expectativa de que, se necessário, cada interlocutor poderá justificar essas pretensões de validade. A
validade da pretensão de veracidade só pode ser demonstrada pela consistência entre as palavras do
interlocutor e os seus atos. Mas no caso das outras duas, ele precisará apresentar provas e
argumentos – dentro de um quadro teórico geralmente aceito, no caso das proposições descritivas,
ou dentro de uma ordem normativa existente, no caso das proposições prescritivas. Por exemplo, ele
dirá que as primeiras são verdadeiras porque se apoiam numa teoria aceita sobre o mundo físico, e
as segundas são corretas porque se apoiam numa norma vigente. A situação muda quando o que se
contesta é a própria validade da teoria ou da norma. Sua problematização requer o abandono do
mundo vivido e o ingresso num tipo de argumentação sui generis. É o discurso (ROUANET, Sergio
Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 259)”.
300
214 Conforme destaca Rouanet: “Cumpre observar, preliminarmente, que a simples afirmação de que
os valores de “nossa” cultura devem ser desativados durante a observação não garante de modo
algum que esse resultado seja alcançado. Todos sabemos que na prática nenhum observador
consegue, realmente, deixar de avaliar, mesmo quando julga estar apenas descrevendo, e que nessa
avaliação os preconceitos culturais; mesmo inconscientemente, desempenham um papel decisivo. O
relativismo metodológico se baseia numa ficção, e se expõe aos mesmos impasses do positivismo:
agir como se todas as culturas fossem equivalentes e como se dentro da mesma cultura todos os
elementos fossem válidos não oferece nenhuma garantia de que na prática essa ficção possa manter-
se (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003, p. 264)”.
301
215Segundo Nojiri, “Embora Émile Durkheim (1857-1917) seja considerado o verdadeiro fundador da
escola sociológica jurídica, foi Eugen Ehrlich (1862-1922) o responsável pela publicação da primeira
obra sistemática sobre o assunto. O seu livro, Grundlegung der Soziologie des Rechts (Fundamentos
da sociologia do direito), que inaugurou, de fato, um novo caminho para uma ciência social do Direito,
é considerado por alguns como o maior trabalho da sociologia jurídica escrito até hoje. / Para Ehrlich
não é o Estado o único responsável pela criação do Direito; na realidade, a maior parte do Direito
encontra-se no seio da sociedade, entre as relações sociais, como o matrimônio, a família, os
contratos, etc. Em sua concepção, a norma jurídica está condicionada pela sociedade, sendo sua
aplicação dependente de um pressuposto social. Esse precursor da sociologia do Direito defendia a
ideia de que o centro de gravidade do desenvolvimento do Direito não se encontra na legislação, nem
na ciência jurídica, nem na jurisprudência, mas na própria sociedade (NOJIRI, Sergio. A
interpretação judicial do direito. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 59)”.
302
É preciso, no entanto, não se ofuscar tanto com o brilho dos princípios nem
se ver na obcecada imposição de todos e cada um a chave mágica da
Justiça, ou o modo infalível de evitar injustiças. Nem a segurança jurídica,
supostamente propiciada de modo absoluto por eles, é um valor tão elevado
que legitime um fechar de olhos aos reclamos por um processo rápido, ágil
e realmente capaz de eliminar conflitos, propiciando soluções válidas e
invariavelmente úteis.
216 Para Nojiri, ”Por considerar insuficiente o Direito. Esse conceito, que ele próprio chegou a
reconhecer trata-se de uma inovação “imprecisa e fecunda”, foi, pela primeira vez, empregado no
Direito por um alemão de nome Runde. Escudado nesse autor, Gény afirma que os elementos
factuais de toda organização social trazem consigo as condições de equilíbrio, revelando ao
investigador atento a norma que deve aplicar. Todavia, adverte que, para o preenchimento das
lacunas, não basta apenas considerar as circunstâncias de fato submetidas ao conhecimento do juiz,
sendo necessário não perder de vista os ideais de Justiça e a utilidade comum que o legislador
procurou atingir (NOJIRI, Sergio. A interpretação judicial do direito. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2005, p. 63)”.
303
217 Esse entendimento é extraído de Fux: “A Constituição Federal, por sua vez, no art. 37 consagra o
princípio da eficiência na administração pública, princípio que se impõe a todos os Poderes, inclusive,
por óbvio, ao Judiciário. Um processo ineficiente, portanto, é inconstitucional, ferindo as garantias
fundamentais do acesso à Justiça e do devido processo legal (art. 5º, inc. XXXV e LIV da Constituição
Federal). Relembrem-se as palavras de Canotilho de que a proteção jurídica dos tribunais implica a
garantia de uma produção eficaz. / Importa dispensarmos o processo civil da ótica positivista, para
começarmos a pensá-lo sob o pós-positivismo, fazendo sua filtragem constitucional pela dogmática
305
219 Segundo Coutinho e Silva, “O Estado liberal, também chamado de Estado legalista ou positivista,
nasceu no século XIX com a ascensão da burguesia, atendido de movimentos filosóficos que
contestavam o poder absoluto monárquico (ancien régime). / Desde a Segunda Guerra Mundial,
houve toda uma evolução até chegar ao Estado Constitucional, ou Estado de Direito Constitucional:
“De governo de homens (Estado Absoluto) evoluímos para o governo das leis (Estado legalista) e
deste estamos nos dirigindo para o governo do Direito. / Somente com o iluminismo e o
jusnaturalismo racionalista, explica Gustavo Binenbojm, é que surge o constitucionalismo moderno,
consagrando a ideia de separação dos poderes do Estado, como forma de contê-los, e de proteção
de direitos individuais, “que precediam ao próprio Estado e deveriam ser reconhecidos pela ordem
jurídica”. / A transição do Estado liberal para o Estado social trouxe uma alteração significativa na
concepção do Estado e de suas finalidades, que, como afirma Ada PellegrineGrinover, passa a
atender ao bem comum e a satisfazer direitos fundamentais, estes já como a segunda geração de
direitos fundamentais (direitos econômico-sociais, de modo que ao dever de abstenção do Estado
substitui-se seu dever a um dar; facere, praestare, por intermédio de uma atuação positiva e que
realmente permitisse a fruição dos direitos de liberdade da primeira geração, assim como os novos
direitos (SILVA, Ana de Lourdes Coutinho. Motivação das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2012, p. 12)”.
307
220 Nesse sentido, é esclarecedor Dinamarco: “Um significativo fator de abertura para as
preocupações éticas com o processo foi o crescimento do interesse de parte da doutrina pelos temas
constitucionais do processo civil e verdadeira imersão de alguns no direito processual constitucional.
Enquanto os processualistas permanecessem no estudo puramente técnico-jurídico dos institutos e
mecanismos processuais, confinando suas investigações ao âmbito interno do sistema, era natural
que prosseguissem vendo nele mero instrumento técnico e houvessem por correta a afirmação de
sua indiferença ética. Quando passa ao confronto das normas e institutos do processo com as
grandes matrizes político-constitucionais a que estão filiados, é, todavia,natural que o estudioso sinta
a necessidade da crítica ao sistema, inicialmente feita à luz dos princípios e garantias que a
Constituição oferece e impõe – e com isso está aberto o caminho para as curiosidades metajurídicas
decorrentes da conscientização dos valores que estão à base dessas exigências constitucionais
(DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 127. v. 1)”.
308
221Segundo Dinamarco, “É natural que uma Reforma Constitucional do Poder Judiciário atue com
expressiva intensidade sobre a ordem processual, dada a notória filiação do direito processual à
Constituição e dada a íntima relação existente entre os modos de exercício da jurisdição e a
configuração funcional dos órgãos e organismos que a exercem (organização judiciária). Só isso
bastaria para que a emenda constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004, responsável pela
chamada Reforma do Poder Judiciário, tivesse relevante atuação sobre o sistema do processo
brasileiro, ao menos como reflexo das alterações impostas à estrutura e ao funcionamento dos
organismos jurisdicionais. Mas também diretamente a emenda atuou sobre o processo civil, ditando
uma série de regras tipicamente processuais relevantes (DINAMARCO, Cândido Rangel.
Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 197. v. 1)”.
309
222 Para Scarpinella Bueno, “Assim, além de o processo ter de “ser” conforme ao modelo
constitucional do processo, ele deve ser interpretado e aplicado com os olhos voltados à realização
concreta de valores e situações jurídicas que são a ele exteriores, passando, necessariamente, pelos
valores que a própria Constituição exige que, pelo processo, sejam devidamente realizados. / Dos
diversos princípios do processo civil, pensamos que, para os fins do presente trabalho, dois devem
ser colocados em primeiro plano: o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) e o do contraditório e da
ampla defesa (CF, art. 5º, LV). / Ainda que haja autores que reputam suficiente a previsão do
princípio do devido processo legal, porque todos os outros princípios seriam dele decorrentes, não há
como negar a explícita opção política do direito brasileiro quanto à previsão expressa de uma série de
princípios do processo civil, ainda que eles possam, em cada caso concreto, ter incidência conjunta. /
Importantedestacar, a propósito, que os princípios constitucionais do processo são dados de Direito
positivo. Longe de pretender suscitar questões típicas da filosofia do Direito ou da teoria geral do
Direito nesta sede, não podemos duvidar de que esses princípios, embora sejam valores, são “direito
positivo”, “direito posto”, e, por isso mesmo, nada têm de metafísico ou, quando menos, de
metajurídico. Eles, como normas jurídicas que são, vinculam o intérprete e o aplicador do Direito
(BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático.
2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 45)”.
310
223 Segundo Nojiri, “O Direito regula sua própria criação, na medida em que uma norma jurídica
determina o modo em que outra norma é criada e também, até certo ponto, o conteúdo dessa norma.
Como uma norma jurídica é válida por ser criada de modo determinado por outra norma jurídica, esta
é o fundamento de validade daquela. A relação entre a norma que regula a criação de outra norma e
essa outra norma pode ser apresentada como uma relação de supra e infraordenação, que é figura
espacial da linguagem. A norma que determina a criação de outra norma é a norma superior. A ordem
jurídica, especialmente a ordem jurídica cuja personificação é o Estado, é, portanto, não um sistema
de normas coordenadas entre si, que se acham, por assim dizer, lado a lado, no mesmo nível, mas
uma hierarquia de diferentes níveis de normas (NOJIRI, Sergio. A interpretação judicial do direito.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 73)”.
311
224 “Mas eis que, em 1868, Oskar Von Bullow edita um livro que haveria de instaurar verdadeira
revolução no Direito processual Die Lehre von den Proce Beinrenden und die Proce
Bumavassetzungen). Este livro constitui verdadeiro assento de nascimento da ciência processual
como tal; afastando-se do mero procedimentalismo sem diretrizes e certamente com os sentidos
alertados pelas novas verdades agitadas na polêmica que Windscheid e Murthen travaram na década
antecedente, pode Von Bullow inaugurar o estudo científico do processo (DINAMARCO, Cândido
Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. 1, p. 261)”.
225 Segundo Chiovenda, “É conhecida a viva polêmica de Windscheid e Muther. Este último pareceu
refutar a nova teoria dos conceitos dominantes; na realidade, não fazia mais do que completá-la,
dedicando-se à investigação do elemento negado por Windscheid. A direção de tal investigação está
talvez explicada pelas polêmicas então acesas sobre os direitos públicos subjetivos (fazia pouco
tempo que havia aparecido o livro de Gerber); do mesmo conceito inerente ao klagerecht, antes
obscuro e, na verdade, da ideia de que o direito subjetivo pressuponha originariamente o obrigado.
Muther chegou, assim, a conceber o direito de acionar como um direito do Estado na pessoa de seus
órgãos jurisdicionais, como um direito à formula ou, para nós, à tutela jurídica. A esse direito subjetivo
público, que tem por pressuposto um direito privado e sua violação, corresponde, no Estado, não
somente o dever a respeito do titular do direito de dividir-lhe a tutela, mas também um direito subjetivo
seu – leia-se: público –, de realizar contra o particular obrigado a coação necessária para obter o
cumprimento de suas obrigações. Esse direito de acionar é, pois, diverso do direito privado lesionado,
seja a respeito do sujeito passivo, seja a respeito do conteúdo. Mas, posto que o direito de acionar
tende a obter que o Estado exercite seu direito contra o demandado, assim também a actio deve se
referir mediantemente ao obrigado do obrigado, e se diz que corresponde contra o particular. E, uma
vez entendida a ação como um direito que nasce com o direito privado condicionalmente à violação
deste, chega-se, em Roma, a considerar actio como sinônimo de obligatio (CHIOVENDA, Giuseppe.
A ação no sistema dos direitos; tradução Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2003, p.
13)”.
313
226“O processo civil moderno é o resultado de uma evolução desenvolvida, no mundo de cultura
romano-germânica, a partir de um longo período no qual o sistema processual era encarado como
mero capítulo do Direito privado, sem autononomia; passou por uma riquíssima fase de descoberta
de conceitos e construção de estruturas bem ordenadas, mas ainda sem a consciência de um
comprometimento com a necessidade de direcionar o processo a resultados substancialmente justos;
é só em tempos muito recentes, a partir de meados do século XX, começou a prevalecer a
perspectiva tecnológica do processo, superado o tecnicismo reinante por um século. Falamos por isso
em três fases metodológicas na história do processo civil: uma de sincretismo, uma autonomista ou
315
A busca pela garantia daquilo que o indivíduo tem de Direito sem que tivesse
de recorrer ao Poder Judiciário revela-se como uma ideologia dos tempos passados,
destaca-se novamente atual o novo-reformado Código de Processo Civil como uma
esperança a ser concretizada superando os Direitos meramente idealizados ao
encontro dos materializados.
Os aspectos estruturais da nova legislação processual inclinam-se no sentido
de valer-se de uma linguagem mais objetiva, de fácil compreensão, de uma
ductibilidade mais plastificada, de uma maior autonomia quanto às regras definidoras
a serem adotadas pelas partes para a resolução dos conflitos.
Tudo isso constitui incentivo por um maior estímulo para os meios
alternativos, dos quais o da conciliação consolidando os trabalhos de evolução do
sistema processual e do CNJ nos termos da resolução 125/2010. À guisa de
reflexão, ideia que subjaz embrionariamente, essa postura do Estado é eliminar o
conflito, pois, econômica e financeiramente, não parece muito atrativo do ponto de
vista econômico e financeiro ao erário público.
Retomando o escopo, o pensamento chiovendiano deixou seu legado e
apresenta-se como um elemento estimulador desses novos propósitos, afastando-
se, assim, de uma promessa secular que costumeiramente esbarra em vários tipos
de entraves, os quais inviabilizam o acontecimento de um processo modelo, não
mais questionado pelos inúmeros aspectos negativos, dentre eles o da morosidade,
da inefetividade e da imprevisibilidade quando do trato do Direito e da Justiça.
Para o novo-reformado Código de Processo Civil em traço preponderante em
suas raízes, ou seja, o que fermentou e fomentou com a exclosão da reforma e dos
trabalhos advindos foi a necessidade de uma melhor sintonização entre o Direito e
as Garantias Fundamentais existentes na Lei Maior e um sistema processual melhor
e mais bem-acabado em viabilizar a consolidação dos valores constitucionais como
prática de uma Justiça mais próxima da realidade social.
317
228 Conforme ilustra Dellore: “O NCPC tramitou no Congresso por mais de 5 anos – e, frise-se, houve
indevidas alterações mesmo após o término de sua tramitação. Porém isso não significa que o debate
e, especialmente, as reflexões quanto às modificações foram suficientes. / O fato é que, ao lado de
boas inovações, o NCPC tem uma série de novidades que trarão problemas. Listo algumas dessas:
mudanças na coisa julgada, ordem cronológica no julgamento, audiência (quase) obrigatória de
conciliação ou mediação, regime da tutela de urgência, fundamentação exaustiva da sentença, rol
taxativo do agravo de instrumento, IRDR e o fim da admissibilidade dos recursos na origem. /
Conforme o prazo da vigência do NCPC se aproxima, com o estudo mais detido do Código, os
problemas começam a preocupar a comunidade jurídica como um todo (e não apenas os
processualistas mais engajados no tema). / Nesse sentido, ciente dos transtornos que o NCPC
causará aos Tribunais Superiores, STF e STJ se movimentam para sua alteração. Seja pelo simples
aumento do prazo da vacatio legis, seja pela modificação do texto. Vejamos cada uma dessas
propostas separadamente. / O aumento da vacatio legis. No final de junho, a imprensa
especializada divulgou que o Ministro Gilmar Mendes, do STF, sugeriu o aumento da vacatio legis do
NCPC, para mais 3 a 5 anos. Dois seriam os principais pontos de preocupação dos ministros, pois
isso seria capaz de acarretar um aumento brutal na quantidade de processos submetidos aos
tribunais superiores: (i) o fim da admissibilidade na origem (vide item abaixo) e (ii) o aumento das
hipóteses de cabimento da reclamação. / A proposta não foi bem recebida por parte dos
processualistas, como pode se perceber, por exemplo, em manifestação de William Santos Ferreira. /
De qualquer forma, não se tem notícia, até o momento, de projeto legislativo nesse sentido. / Cabe
lembrar que a história dos Códigos no Brasil também apresenta situações como essa. Em 2002, no
segundo semestre, cogitou-se de alongar a vacatio legis do atual Código Civil. Mas o projeto acabou
não sendo aprovado, e o CC02 vigorou a partir de janeiro de 2003. / Algo mais curioso aconteceu no
final dos anos 1960. / O Código Penal de 1969, que pretendia substituir o Código Penal de 1940, foi
promulgado pelo Decreto-Lei 1.004/1969, e entraria em vigor no dia 1º de janeiro de 1970. Contudo,
sucessivas leis alteraram sua redação e o início da sua vigência – até que, finalmente, o CP/1969 foi
revogado pela Lei 6.578/1978… Ou seja: um Código que foi sem nunca ter sido. A volta do juízo de
admissibilidade na origem, para o recurso especial e extraordinário. / O que temos de concreto no
momento é a proposta legislativa para alterar a admissibilidade dos recursos para tribunal superior. /
Na sua redação atual, o NCPC não mais prevê a admissibilidade de qualquer recurso na origem.
Especificamente em relação ao REsp e RE, o assunto está assim regulado no Código (grifos nossos):
Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para
apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão remetidos ao
respectivo tribunal superior. Parágrafo único. A remessa de que trata o caput dar-se-á
independentemente de juízo de admissibilidade. / As justificativas para essa modificação seriam (i) a
diminuição de um recurso – ao argumento de que na maior parte das vezes a parte ingressa com o
agravo contra a admissão e (ii) a maior celeridade que isso traria na tramitação. Ademais, afirmou-se
que a ideia teria sido de um ministro do STJ – o que, contudo, foi rechaçado pelo próprio magistrado.
/ Propôs o STJ alteração do NCPC quanto a esse aspecto, ora tramitando no Senado. Trata-se do
PLS 414/2015, que tem a seguinte ementa: Dispõe sobre o juízo de admissibilidade do recurso
extraordinário ou especial e instaura o recurso de agravo de admissão, nos próprios autos, dessa
decisão, alterando dispositivos da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.
/ O projeto propõe a alteração de 3 artigos do NCPC: 994, VIII; 1.030, p.u. e 1.042. / Em relação ao
p.u. do art. 1.030, busca-se voltar ao sistema hoje existente, de admissibilidade na origem. A redação
proposta é a seguinte (grifos nossos): Parágrafo único. Findo esse prazo, serão os autos conclusos
para admissão ou não do recurso, no prazo de quinze dias, em decisão fundamentada. / As demais
alterações se referem ao agravo da decisão de inadmissão. No sistema original do NCPC, existe o
“agravo em recurso especial ou extraordinário”, de utilização restrita, cabível basicamente em relação
a decisões envolvendo recursos repetitivos. / Na reforma proposta, volta-se ao sistema hoje existente,
com o recurso – agora denominado de “agravo de admissão” (alteração do art. 994, VIII) – sendo
cabível da decisão de inadmissão do REsp ou RE. Assim, o art. 1.042 é todo reformulado pelo PLS
414/2015 – em parte semelhante ao atual art. 544 do CPC73: Art. 1.042. Não admitido o recurso
319
extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de admissão para o Supremo Tribunal Federal ou
para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso. 1º Na hipótese de interposição conjunta de
recurso extraordinário e recurso especial, o agravante deverá interpor um agravo para cada recurso
não admitido. 2º A petição de agravo de admissão será dirigida à presidência do tribunal de origem,
não dependendo do pagamento de custas e despesas postais. 3º O agravado será intimado, de
imediato, para oferecer resposta. 4º Havendo apenas um agravo de admissão, o recurso será
remetido ao tribunal competente. Havendo interposição conjunta, os autos serão remetidos ao
Superior Tribunal de Justiça. 5º Concluído o julgamento do agravo de admissão pelo Superior
Tribunal de Justiça e, se for o caso, do recurso especial, os autos serão remetidos ao Supremo
Tribunal Federal, para apreciação do agravo de admissão a ele dirigido, salvo se estiver prejudicado.
6º No Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o agravo de admissão poderá ser
julgado, conforme o caso, conjuntamente com o recurso extraordinário ou especial, assegurada,
neste caso, sustentação oral, observando-se o disposto no respectivo regimento interno, podendo o
relator, se for o caso, decidir na forma do art. 932. / Por fim, assim prevê o PLS, em seu artigo 2º:
Esta Lei entra em vigor na data de 17 de março de 2016. Isso é relevante, pois indica que o
legislador, ao menos neste momento, entende que o início da vigência do NCPC é 17 de março, tema
que já é objeto de rica polêmica. / Acompanham a justificativa do projeto de reforma do NCPC
números do TRF4 quanto à recorribilidade, afirmando-se que cerca de um terço das decisões de
inadmissão não seriam objeto de recurso pelas partes que interpuseram o REsp. /
Independentemente da quantidade de recursos, parece-me que esse não é o único – nem o principal
– problema com o fim da admissibilidade do RE e REsp na origem. No meu entender, os principais
pontos negativos do sistema que hoje se encontra no NCPC são os seguintes: (i) com maior ou
menor qualidade (conforme o tribunal e magistrado), atualmente há uma triagem em relação aos
recursos para tribunal superior, realizada por 32 desembargadores (27 TJs e 5 TRFs), cada um com
sua equipe de assessores. Isso vai deixar de ser feito na origem para ser realizado por 33 ministros
no STJ e 11 no STF? / Claro que seria possível uma adaptação, mas não no prazo curto de 1 ano
(que, agora, são apenas 8 meses). E, especialmente, não em um momento de grave crise econômica
pela qual passa o País, em que se é necessário corte e não aumento de gastos. Nesse contexto,
como se falar em aumento da estrutura dos tribunais superiores? / (ii) o fim da admissibilidade na
origem é um estímulo a se recorrer. Isso porque o advogado, ciente de que alguém em Brasília (seja
ministro, assessor ou estagiário) irá analisar o recurso, pode ter a esperança do provimento. / Alguns
poderiam dizer que isso é mera conjectura. Em termos. Basta ver o que aconteceu com o agravo de
instrumento em 1995. A L. 9.139/1995 previu que o agravo de instrumento seria interposto
diretamente no tribunal, com a possibilidade de efeito suspensivo. Um dos objetivos da alteração
legislativa era tentar acabar com o uso do mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo ao
agravo. Isso de fato acabou – mas, como efeito colateral, houve uma explosão no número de agravos
de instrumento. Afinal, com a possibilidade de obter a manifestação do relator, o recurso na
modalidade de instrumento passou a ser muito mais utilizado – o que gerou inúmeras reformas
posteriores. / Portanto, no meu entender, é boa a reforma proposta pelo PLS 414/2015. Muda algo
que não deveria ter sido alterado. / Contudo, um ponto da reforma do NCPC chama a atenção
negativamente. Como já exposto, a versão original do Novo Código previa o recurso para a hipótese
em que havia indevidamente a retenção. Na nova versão, isso deixa de ser previsto – e, assim, a
dificuldade hoje existente perdurará (DELLORE, Luiz. Novo CPC: já a reforma da reforma?
Disponível em: <http://jota.info/novo-cpc-ja-a-reforma-da-reforma#_ftn1>. Acesso em: 17 nov. 2015)”.
320
Sem uma imersão detalhada, em cada instituto da lei Maior, até porque tais
aspectos já foram tratados no ambiente Constitucional, todavia, ao menos nos
ditames desse comento é possível e exigível que o sistema processual esteja em
simetria com os princípios e as regras constitucionais.
Deve ser considerado que os Direitos e as Garantias Fundamentais precisam
atender aos ideiais de uma Justiça que se amolde aos interesses de seus
destinatários.
A concatenação do espírito que envolveu os processualistas a dar início e
conduzir todo o processo legislativo do novo-reformado Código de Processo Civil
conforme ilustra Gusmão Carneiro.229
Basicamente, é o que o jurisdicionado quer ou presume-se ser o “estado da
arte” para uma nova realidade social que o sistema contemple fluidez, dinâmica e
resolução simplificada com segurança jurídica e isonomia, principalmente frente à
massa de conflitos homogêneos a luz dos dispositivos constitucionais de proteção e
defesa.
Como segundo plano, fica o pensamento: Como fazer tudo isso? Tão
somente pelo esforço da vontade e dos recursos limitados e esgotáveis da espécie
humana, sem a entronização dos meios tecnológicos como mecanismos técnicos
capazes de dar a real dimensão ao sistema judiciário normativo.
A responsabilidade do monopólio do Estado é a de atender a tal agenda
essencial e de utilidade pública de ordem nacional de forma plena e concreta, no
que concerne aos serviços da Justiça.
Para isso, a adequação dos instrumentos processuais junto ao Poder
Judiciário exige mais do que “leis”! Elas nós já temos em excesso! É fazê-las cumprir
a precípua missão pedagógica por inclusão, formação, orientação, socialização e
pacificação social. Por intermédio de um meio simples e seguro que aproxime
efetivamente seus destinatários.
230 Segundo Didier et al. (2011, p. 103-104): “O Código de Processo Civil de 1973 e suas sucessivas
modificações, preveem, em artigos distintos, os poderes do juiz, tanto na direção do processo quanto
no que se refere à instrução processual propriamente dita. Assim estabelece o art. 125 do código
que: O juiz dirige o processo, competindo-lhe: I – assegurar às partes igualdade de tratamento; II –
velar pela rápida solução do litígio; III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da
Justiça; IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes. / Veja-se que os incisos do art. 125
apresentam cláusulas abertas, cabendo ao intérprete apontar qual o real conteúdo do poder
intrínseco a “velar pela rápida solução do litígio”, por exemplo. / Além do art. 125, art. 445,
especificamente no que tange às audiências de instrução e julgamento, estabelece que o juiz exerce
o poder de polícia, competindo lhe: I – manter a ordem e o decoro na audiência; II – ordenar que se
retirem da sala de audiência os que se comportarem inconvenientemente; III – requisitar, quando
necessário, a força policial. Ainda no tocante aos poderes instrutórios do juiz, fixa o art. 342. O juiz
pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o cumprimento pessoal das partes, a fim
de interrogá-las sobre os fatos da causa”.
327
231 Segundo Mancuso, “Impõe-se, presentemente, o implemento de uma renovada e arrojada política
judiciária, focada na ampla divulgação sobre os modos auto e heterocompositivos de solução de
controvérsias, como uma alternativa à secular cultura judiciarista, cujas nefastas consequências hoje
se fazem sentir tanto sobre o Estado como sobre os jurisdicionados. Neste sentido, a avaliação de
Carlos Alberto Salles: ‘Para fins da questão central, [...] qual seja a de saber quanto a viabilidade
jurídica de se restringir o acesso à justiça em benefício de mecanismos alternativos, deve-se
considerar a existencia de um forte elemento de opção política no tipo de proposta sob exame. Não
por outra razão fala-se em políticas de limitação de acesso à justiça, buscando evidenciar não se
cuidar de escolhas estritamente técnicas, mas submetidas direta ou indiretamente a critérios
valorativos e condicionados a limites jurídicos’ (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos
328
conflitos e a função judicial no contemporâneo estado de direito. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2009, p. 151)”.
329
232 Para Tucci, “Diante desse importante fenômeno, houve, como era notório,um vertiginoso
crescimento da demanda perante o Poder Judiciário. Os números alarmantes são de conhecimento
geral. E isso tudo agravado pela circunstância de que a constitucionalização de um conflito tão
ousado de garantias, sem a consecução consistente de políticas públicas e sociais correlatas, tem
propiciado, sem dúvida, maior judicialização dos conflitos. / A sincronização do sistema judiciário pelo
ato de julgar representa uma ação de dilatação agregada ao dispositivo, com o escopo de dar à
aplicação da lei o alcance necessário ao caso concreto. Todavia a influenciabilidade a que se
submete a espécie humana nos contextos sociais faz com que o próprio sistema seja colocado em
risco. / Considerando que as garantias sociais são normas com carga material de aplicação imediata,
é necessário que o sistema processual contenha mecanismo que gere um procedimento claro e
objetivo, para que os julgados contenham critérios que oportunizem sempre a rapidez, a
previsibilidade e a segurança jurídica, ou simplesmente, somente os desavisados irão tocar o sinete
do Judiciário (TUCCI, José Rogério Cruz. Nota dos Coordenadores. In: Revista do Advogado, ano
XXXV, n. 126, p. 7, mai. 2015, p. 144)”.
331
233 Todavia, afirma Fux: “O projeto de Lei n. 166/10, que propõe o novo sistema processual, traz
dispositivo elencando e ampliando os poderes do magistrado, reforçando a função do juiz de dirigir o
processo assegurando o tratamento isonômico às partes, velando pela rápida solução do litígio e
adequando as fases e atos processuais às especificações do conflito, de modo a conferir maior
efetividade à tutela do bem jurídico. / Os poderes do juiz manifestam-se durante todo o processo,
contudo há momentos de concetração do exercício desses poderes que permitem uma
sistematização básica, pelo tempo, circunstâncias e características da fase processual em que se
verificam. / São cinco as espécies de poderes do juiz: 1) o poder de admitir, ou inadimitir a demanda,
iniciando ou não o processo; 2) o poder de adequar o procedimento, estabelecendo como será o
curso processual; 3) o poder de estruturar a acervo probatório, deferindo e indeferindo provas,
fiscalizando sua produção e determinando-a de oficio, quando necessário; 4) o poder de julgar os
pedidos e extinguir o processo inapto a prosseguir; 5) o poder de coerção, que concretiza a decisão
judicial pelo exercício da força do Estado, no caso de recalcitrância de quem deva cumprí-la (FUX,
332
Luiz (Org). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa: reflexões acerca do projeto do
novo código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 198)”.
333
Há de ser ressaltado, por fim, que o atual diploma silenciou quanto a um dos
princípios expressamente previstos no anterior, denominado identidade
física do juiz, razão pela qual o magistrado que conclui a instrução não está
mais vinculado ao julgamento da causa, que poderá ser feito por outro juiz.
234 Como esclarece Coutinho Silva: “A violação das normas de conduta traçadas pelo direito material
impõe a atuação do dever estatal de prestar a tutela jurisdicional, pacificando os conflitos. / Com a
elaboração das leis, afirma Liebman, não se considera ainda plenamente realizada a função do
Direito. Embora a lei dite as regras de conduta que devem ser observadas pelos membros da
sociedade, essas normalmente possuem conteúdo geral e abstrato, de modo que “é preciso
assegurar, na medida do possível, a sua estreita observância, em nome da liberdade e dos direitos de
cada um na ordem objetiva da convivência social”; em outras palavras, é necessário, sempre que
falte a observância espontânea, identificar, declarar e dar atuação a essas regras, caso por caso, nas
vicissitudes concretas da vida de cada dia, eventualmente até meios coercitivos (SILVA, Ana de
Lourdes Coutinho. Motivação das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 19)”.
336
235 Para Gajardoni: “Eis aqui o fundamento da flexibilização das regras, de forma ainda que prevista
genericamente e rigidamente pelo sistema. / De fato, os procedimentos abstratamente previstos pelo
legislador são um modelo formal cujo principal escopo é debelar a crise de direito material. Se a
variação ritual se impõe para a solução mais rápida e adequada do litígio, então não há espaço,
apesar do vício de forma, para se falar em nulidade, já que o escopo do procedimento foi plenamente
atingido (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo enfoque para
o estudo do procedimento em matéria processual, de acordo com as recentes reformas do CPC. São
Paulo: Atlas, 2008, p. 104)”.
343
Portanto, é possível afirmar que tudo que é conhecido pela espécie humana
pode ser programável em uma outra linguagem por intermédio de um meio em
tecnologia de Inteligência Artificial. Disso também pode se inferir que o Direito e a
Justiça se veem a cada instante convidados a se alfabetizarem ao idioma da (IA),
para o cumprimento dos seus fins.
A ideia maior que habita por trás dos institutos que de alguma forma
cristalizam o entendimento sobre a relação complexa de fatos, sua diversidade e o
Direito que deve perfilhar os casos idênticos caminham rumo à essencialidade
jurídica de ter-se efetivamente uma Justiça imparcial, prevísivel e segura. É direito
do Cidadão ter Direito!
Para isso é importante desenvolver mecanismos e estruturas cujas técnicas
possuam meios adequados e compatíveis para a realização de centralização,
unificação, integração, uniformização, padronização e sistematização operacional do
Direito e da Justiça, com isso garantindo ao jurisdicionado, ou melhor, aos
envolvidos, uma Justiça material.236
A concepção de uma Justiça previsível se afilia à ideia de segurança jurídica,
de isonomia, de acessibilidade concreta e descomplicada de um Direito que tem
vocação para popularidade. De acesso livre e a todos.
Um Direito já interpretado em seu entendimento para o fácil uso. Isso muitas
vezes se vê sacrificado pelo esforço cognitivo de interpretações que somente
atendem a uma posição isolada.
236 Segundo Didier Jr. e outros (2011, p. 16), “[...]atualmente, o sistema de controle de
constitucionalidade das leis no Direito de nosso país, notadamente essa função da chamada
“objetivação” do recurso extraordinário, que, muito embora seja um instrumento de controle difuso de
constitucionalidade das leis, tem servido, também, ao controle abstrato. / A “objetivação” do recurso
extraordinário, ao lado de outros expedientes (ex: criação da súmula vinculante – CF, art. 103 A-;
repercussão geral do recurso extraordinário – CF, art. 102, par.3º; julgamento dos recursos especiais
repetitivos – CPC, art. 543 C, aumento do poder dos relatores – CPC, art. 557–, julgamento liminar
de improcedência – CPC, art. 285–A; demonstra, claramente, a tendência de uniformização da
jurisprudência, verticalização das decisões judiciais e valorização dos precedentes no ordenamento
jurídico brasileiro”.
344
237 Conforme esclarece Carmona: “Atribuir efeitos normativos aos tribunais é, em verdade, uma
tendência do Direito brasileiro. Mesmo antes do advento da súmula vinculante, o Supremo Tribunal
Federal já dispunha do poder normativo expresso na competência, regular e seguidamente exercida,
para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos federais e estaduais, cassando-os ou
determinando a cassação de sua eficácia. / Entretanto, para qualificar de normas jurídicas as súmulas
vinculantes, é necessário, primeiramente, estabelecer o conceito de norma jurídica. Segundo Kelsen,
“normas jurídicas são normas de um sistema que, para o caso de violação da norma, prevê, no final,
uma sanção, isto é, uma força organizada, especialmente uma pena ou uma execução. Dentre as
características das súmulas vinculantes que a qualificam como norma jurídica, podemos incluir seu
formato geral e abstrato, similar ao texto legal. Entretanto, é o efeito vinculante, imposto ao Poder
Judiciário e à Administração Pública, que impõe maiores observações (CARMONA, Carlos Alberto
(Org). Reflexões sobre a reforma do Código de Processo Civil: estudos em homenagem a Ada
Pellegrini Grinover, Cândido R. Dinamarco e Kazuo Watanabe. São Paulo: Atlas, 2007, p. 274)”.
345
238 “Não há mais razão para olvidar a importância que, mesmo para um “país da civil law”, como o
nosso, a força, quando menos, “persuasiva” dos julgados, sobretudo dos tribunais superiores, mas
também dos tribunais de segundo grau de jurisdição, assumiram nos últimos anos. E até, em alguns
casos, o caráter vinculante daquelas decisões. / Desde sua introdução lenta, com a Lei n. 8.038/90,
até a Emenda Constitucional n. 45/2004, o nosso processo civil passou a conhecer a possibilidade de
que, uma vez resolvidos uns poucos casos sobre dada questão, outros a eles similares acabariam por
ser resolvidos da mesma forma; até mesmo, diante daquela “jurisprudência”, passou-se a admitir
certos “atalhos” procedimentais, o mais notório deles os julgamentos monocráticos no âmbito dos
tribunais, estampados, dentre tantos dispositivos do nosso Código de Processo Civil, no seu art. 557.
/ Não nos cabe aqui criticar ou elogiar essas modificações legais ou constitucionais. Suficiente,
também aqui, constatarmos essa realidade normativa. Seja porque determinadas decisões têm
efeitos vinculantes, seja, quando menos, porque têm efeitos “meramente persuavivos”, nunca, para a
nossa experiência jurídica, foi tão importante saber o que e como os tribunais decidem as mais
variadas questões. E saber como eles decidiram para saber como eles vão decidir nos sucessivos
“novos’ casos que lhes são postos para julgamento (BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no
processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.
36)”.
346
239Como esclarece Nobili, “O sistema jurídico pátrio segue a civil law, diante de sua origem romana,
sendo orientado pela aplicação de normas estabelecidas pelo Poder Legislativo. Significa dizer que
as decisões são baseadas em diplomas legais, previamente estabelecidos e públicos, que pretendem
prever as situações da vida cotidiana, subsumindo-se a elas. / Do outro lado, tem se o commom law,
347
que possui raízes na cultura anglo-saxônica. Neste a decisão judicial baseia-se em outras decisões
anteriores, em precedentes, nos usos e costumes de determinada localidade. Há aplicação de
decisão em processo similar em outros ainda em julgamento. Nesse caso não há diploma legal
estabelecido, votado pelo Poder Legislativo (NOBILI, Juliana Teixeira. Comentários sobre o regime
das ações repetitivas. Artigo (Pós-Graduação Lato Sensu em Direito). Escola da Magistratura do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014, p. 5)”.
348
240 Conforme esclarece Fux desde o projeto 166/10: “O novo incidente analisado no contexto
instrumentalista processual predispõe-se, ao lado de outros instrumentos, à realização conjunta de
tais valores. A uniformidade na interpretação da lei é medida de segurança, na medida em que torna
previsível o comportamento que o Estado espera seja adotado pelo cidadão no que toca a um dado
tema jurídico (previsibilidade das expectativas estatais). Ao mesmo tempo, aplicando-
seisonomicamente a lei, promove-se a justiça. / A ideia, com o incidente, é a de aglutinar em um só
procedimento a resolução de questão pertinente a um universo abrangente de pessoas, para que
sobre ela o Judiciário se pronuncie uniformemente. E, por tal ponto de vista, o incidente se constituirá,
inegavelmente, em favor de efetividade do valor igualitário no processo, de que adiante se falará. A
igualdade perante a lei pressupõe, evidentemente, também a igualdade na sua aplicação. Restaria
esvaziada a cláusula isonômica se a lei, apesar de única, igual para todos, fosse aplicada
diferentemente para cada qual, sem que se pudesse dizer razoável ao discrimen.O incidente, pois,
permitirá concretizar o tratamento igualitário imposto abstratamente pela Constituição (FUX, Luiz
(Org). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa: reflexões acerca do projeto do novo
código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 447)”.
349
241 Explicita Fux: “Inegável a grande importância que o emprego da jurisprudência e do precedente
tem no direito de todos os ordenamentos jurídicos. O fundamento de que o sistema da commomlaw
se baseia no precedente e que o sistema do civil law se baseia na lei é coisa do passado, já que
neste existe referência à jurisprudência e naquele faz-se amplo uso da lei escrita. / De fato, o papel
da jurisprudência, tanto nos países do common law quando nos países da civil law está sofrendo
alterações. Nestes, há uma tendência de valorizar o papel da jurisprudência como instrumento de
revelação e ordenamento dos usos e costumes da sociedade, em prejuízo da supremacia absoluta da
lei. De outro lado, os países de tradição anglo-americana abandonam este direito exclusivamente
consuetudinário e passam a elaborar normas legislativas de caráter geral. Segundo Taruffo, há que
se observar duas dimensões do fenômeno que estamos tratando, quais sejam, o teórico e prático.
Teoricamente, os precedentes representam marcos que orientam a interpretação da norma e só se
compreendem quando ligados diretamente ao fato concreto a ser decidido. Ao contrário, na prática o
precedente jurisprudencial constitui o ofício cotidiano do jurista, que é facilitado através do emprego
de banco de dados e da informática. / Numa primeira aproximação, utilizam-se, de forma a simplificar
o estudo, os termos precedentes e jurisprudência como se fossem sinônimos. Contudo, já podemos
apontar algumas distinções de caráter quantitativo e qualitativo entre eles. / A primeira diferença, de
caráter quantitativo, consiste na aplicação do precedente a um caso concreto, ao contrário da
jurisprudência, em que há pluralidade de decisões relativas a vários e diversos casos concretos.
Neste caso, é difícil estabelecer qual é a decisão realmente relevante para o julgador na hora de
aplicar a jurisprudência (FUX, Luiz (Org). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa:
reflexões acerca do projeto do novo código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 526)”.
353
242 Tucci destaca em seu magistério: “O regime de precedente judicial opera em todo o sistema
jurídico a partir da interação de vários fatores, que podem ser classificados segundo esquema de
Michele Taruffo (1994, p. 387-388), pelos seguintes vetores: 1) a dimensão institucional; 2) a
dimensão objetiva; 3) a dimensão estrutural e 4) a dimensão da eficácia. / A primeira delas – a
dimensão institucional – deve ser analisada à luz da organização judiciária e a forma pela qual a
relação de subordinação hierárquica entre os tribunais é escalada. [...]a dimensão objetiva do
precedente, por outro lado, diz respeito à determinação de sua influência na decisão de casos futuros
[...] já no tocante à dimensão estrutural, ou seja, ao conceito substancial do precedente, exige-se,
normalmente, um número considerável de decisões similares, para chegar-se à concepção de
“jurisprudência consolidada” “dominante” ou “unânime” [...]. Finalmente, a dimensão da eficácia deriva
do grau de influência que o precedente exerce sobre a futura decisão em um caso análogo, ou ainda
da técnica instituída pela legislação, quanto à sua respectiva eficácia (vinculante ou persuasiva)”.No
mais, em trabalho recente e de lavra do mesmo doutrinador retrocitado, extrai-se a ênfase dada ao
tratamento dos reais propósitos dos mecanismos de estabilização e unifomização da interpretação da
lei. Tucci (2015, p. 146): “E tal inequívoca função nomofilásica foi reiterada, em tom de exortação,
pelo ministro Humberto Gomes de Barros, em conhecido voto proferido no Agravo Regimental no
Recurso Especial n. 228.432 RS, julgado pela Corte Especial. / “O Superior Tribunal de Justiça foi
concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação,
em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se
manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de quem o
Superior Tribunal de Justiça é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém
sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao
sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós –
355
os integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando
sinal para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo
isso, perde sentido a existência da nossa Corte. Melhor será extingui-la”. Todavia, a despeito dessa
premissa notória, o exercício profissional revela que, acerca de inúmeras questões importantes, há
flagrante e indesejada instabilidade nos precedentes dos tribunais superiores. E isso ocorre – o que é
pior – num mesmo momento temporal e sem qualquer justificação plausível! / É indiscutível que o juiz
não pode ser escravo do precedente judicial, porque certamente haveria aí uma abdicação da
independência da livre persuasão racional, assegurada pelo art. 131 do Código de Processo Civil
(CPC). / Contudo, se o tribunal resolver desprezar o precedente judicial, cabe-lhe o ônus do
argumento contrário. Gino Gorla (1990, p. 11-12), em um de seus últimos ensaios, pondera, acerca
desse verdadeiro dever, que seria até temerário permitir, sem uma argumentação consistente, que
um posicionamento jurisprudencial sedimentado deixasse de ser aplicado em hipótese similar.A tutela
do cidadão, que confiou no Judiciário, não pode jamais ser relegada a pretexto do poder discrionário
da magistratura! (TUCCI, José Rogério Cruz. Nota dos Coordenadores. In: Revista do Advogado,
ano XXXV, n. 126, p. 7, mai. 2015, p. 150)”.
356
243 “Além das súmulas vinculantes e em associação com a exigência da repercussão geral como
pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário (CF. art. 102, par. 3º), o art. 543-C do
Código de Processo Civil instituiu interessante mecanismo destinado não só a agilizar os julgamentos
no Superior Tribunal de Justiça, como também a propagar a outros casos ou recursos o resultado
desses julgamentos, ou seja, mecanismos destinados a coletivizar julgamentos desses tribunais.
Trata-se dos julgamentos por amostragem, admissíveis quando em um número significativo de
recursos especiais (os chamados repetitivos) repetem-se as mesmas questões de direito
infranconstitucional. O tribunal toma um ou alguns recursos como paradigmas, e a tese jurídica que
ali vier a ser fixada repercutirá nos processos pendentes perante os Tribunaisde Justiça ou Regionais
Federais, (a) para que não tenham seguimento os recursos especiais já interpostos contra acórdãos
portador de decisão coincidente com a orientação do STJ (art, 543-B, par. 7º, inc. I) ou (b) para que
os acórdãos divergentes da posição assumida pelo STJ sejam reencaminhados pela turma julgadora
(inc. II) (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. v. 1, p. 243)”.
359
244 Citando Tucci na integra, é de se obervar: “É interessante notar que o art. 103, par. 1º, do velho
Decreto 16.273, determinada que o prejulgado era obrigatório para o caso concreto “e norma
aconselhável para os casos futuros, salvo relevantes motivos de direito, que justifiquem renovar-se
idêntico procedimento de instalação das camaras reunidas”. / Já o art. 7º do Decreto 19.408,
dispunha que o prejulgado se destinava a “uniformizar a jurisprudência das câmaras reunidas”.
Frisava-se então que o prestigio e o grau de persuasão do julgamento uniformizador, para a solução
de litígios análogos no futuro era de ordem eminentemente ética. / No entanto, parece-nos que sob a
égide da Lei 319, o prejulgado possuía eficácia vinculante intramuros, e, portanto, horizontal, porque,
a teor do art. 1º, letra b, se porventura uma das turmas contrariasse a regra jurídica antes fixada pelo
tribunal pleno, era cabível, contra o acórdão, recurso de revista (TUCCI, José Rogério Cruz. (Org).
Direito processual civil europeu contemporâneo. São Paulo: Lex, 2010, p. 60)”.
361
245 Segundo Tucci, “Importa sublinhar que essa aludida reforma, no parágrafo 2º do art. 102,
determinou ainda que: “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia
contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder
Executivo. / Observa-se, assim, que a primordial razão política inspiradora do Legislativo Federal foi,
sem dúvida, a de instituir um mecanismo destinado a subordinar o desfecho de demandas em curso
perante juízos inferiores – monocráticos e colegiados – à decisão do Excelso Pretório Pátrio. O
procedimento da referida ação declaratória de constitucionalidade somente foi regulamentado pela
Lei 9.868, de 1999, que também disciplinou aquele da tradicional ação direta de inconstitucionalidade.
Pois bem se verifica que esse diploma legal acabou ampliando de modo expressivo a eficácia
vinculante dos precedentes do Supremo Tribunal Federal no tocante ao controle direto de
constitucionalidade das leis (TUCCI, José Rogério Cruz. (Org). Direito processual civil europeu
contemporâneo. São Paulo: Lex, 2010, p. 70)”.
246 “Sobre o papel reservado à jurisprudência no ordenamento jurídico: recentemente, não sem
polêmicas, os processualistas vêm discutindo a necessidade de se reconhecer um papel mais
relevante à jurisprudência. Entre nós, tradicionalmente, a jurisprudência vinha sendo utilizada para a
tentativa de induzir o magistrado a proferir julgamento conforme determinado posicionamento adotado
pelos nossos tribunais e que esposasse a tese da parte que o invocava. O verdadeiro significado da
expressão jurisprudência, por mais completo, deve adotar os elementos da definição de Rubens
Limongi França, incansável estudioso das denominadas formas de expressão do direito, ou seja, a
jurisprudência deve ser vista “como o conjunto de decisões uniformes de um ou vários tribunais,
sobre o mesmo caso em cada matéria, e forma constante, reiterada e pacífica” (MARCATO, Antônio
Carlos (coord.). Código de processo civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 1.631)”.
247 “Não obstante, o resgate da importância da jurisprudência vem sendo institucionalizado em
algumas importantes oportunidades de nossa história legislativa recente, seja no plano constitucional,
seja no plano infraconstitucional. Assim, a emenda à CF (Emenda n. 3/93), passando pelas Leis n.º
9.868/99 e 9.882/99 já referidas, que conferiram efeitos vinculantes aos julgados das ações
declaratórias de constitucionalidade e de inconstitucionalidade, bem assim da arguição de violação a
preceito fundamental, chegando a nosso CPC que, pelo menos em duas oportunidades destaca a
importância da jurisprudência (ver art. 557, com redação que lhe deu a Lei n.º 9.759/98 e o art. 558,
paragrafo 1º,com a redação que lhe deu a Lei n.º 10.352/2001), há uma nítida e expressa consciência
da necessidade de se conferir maior importância a precedentes jurisprudenciais. / Importantíssimo
anotar – e a anterior edição desse código comentado não a mencionou – a importância das
denominadas súmulas de efeitos vinculantes. A Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de
2004, modificou o nosso ordenamento, reconhecendo, finalmente, a importância que se deve devotar
aos julgados. / Além da adoção das súmulas vinculativas ou vinculantes, a referida EC n 45, também
acabou disciplinando, por exemplo, novos requisitos para o conhecimento dos recursos
363
Art. 981. Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu
juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976.
Art. 982. Admitido o incidente, o relator:
I –suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na
região, conforme o caso;
II – poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto
do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias;
III – intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1o A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes.
§ 2o Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o
processo suspenso.
§ 3o Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II
e III, poderá requerer ao tribunal competente para conhecer, do recurso extraordinário ou especial, a
suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem
sobre a questão objeto do incidente já instaurado.
§ 4o Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual
se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência prevista no
§ 3o deste artigo.
§ 5o Cessa a suspensão a que se refere o inciso I do caput deste artigo se não for interposto recurso
especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.
Art. 983. O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades
com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada
de documentos bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito
controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.
§ 1o Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir
depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.
§ 2o Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente.
Art. 984. No julgamento do incidente, observar-se-á a seguinte ordem:
I – o relator fará a exposição do objeto do incidente;
II – poderão sustentar suas razões, sucessivamente:
a) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 (trinta) minutos;
b) os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) minutos, divididos entre todos, sendo exigida
inscrição com 2 (dois) dias de antecedência.
§ 1o Considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado.
§ 2o O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à
tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.
Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:
I – a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que
tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados
especiais do respectivo Estado ou região;
II – aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de
competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.
§ 1o Não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação.
§ 2o Se o incidente tiver por objeto questão relativa à prestação de serviço concedido, permitido ou
autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora
competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese
adotada.
367
De outro lado, e ainda mais importante, está a necessidade de, cada vez
mais, se consolidar e uniformizar a jurisprudência dos tribunais pátrios, de
modo a obter não apenas a desejada e necessária segurança jurídica, como
também garantir a isonomia entre os jurisdicionados. Casos idênticos
devem ser tratados e decididos de maneira similar, sob pena de violar, em
ultima instância, o princípio da igualdade, um dos pilares do Estado
Democrático de Direito, tal como dispõe os arts. 1º, caput, e o 5º, caput e
inciso I, da CF.251
Art. 986. A revisão da tese jurídica firmada no incidente far-se-á pelo mesmo tribunal de ofício ou
mediante requerimento dos legitimados mencionados no art. 977, inciso III.
Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o
caso.
§ 1o O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional
eventualmente discutida.
§ 2o Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo
Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou
coletivos que versem sobre idêntica questão de direito”.
251 Destaca ainda o mesmo doutrinador que a nova sistemática garante: “[...] possibilidade de
julgamento liminar de improcedência do pedido. Essa sistemática pode ser aplicada aos casos cuja
“matéria controvertida, for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total
improcedência em caso idênticos” (grifo nosso).Daí é que “poderá ser dispensada a citação, e
proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada”, como possibilita o art. 285 A
do CPC (grifo nosso). O mecanismo, como pontua a doutrina, permite a resolução superantecipada
da lide viabilizando o julgamento de imediato, de mérito (Trayo, 2011, p. 312). Em tais hipóteses, a
sentença liminar de rejeição da demanda poderá estar vazada não em verdadeiros precedentes,
368
como estamos acostumados a tratar (isto é, decisões que já tenham sido reexaminadas em grau, ou
graus superiores, e que representem, de maneira efetiva, o entendimento consolidado dos tribunais),
mas sim, em decisões singulares do juízo de primeiro grau (OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS
NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil.
São Paulo: Verbatim, 2015, p. 109)”.
369
Uma criação constante de um novo Direito supõe, quando for ativa, uma
crença no valor da evolução. Essa crença diz respeito à ideia de que o
Direito progride transformando-se. É uma ideia nova a do progresso do
Direito. A antiguidade situava o ideal no passado, e não no futuro.
252Para Watanabe: “Em cada um dos dados trinômios, há sempre dois objetos distintos de
conhecimentos, que são o de direito e os fatos. Às vezes, os fatos são considerados in status
371
A ideia que subjaz é a de que esse Direito se materialize à luz dos preceitos
Constitucionais e que essa dinâmicaseja canalizada e, ao mesmo, mutabilizada pela
“efetividade do Direito pelo e no processo”.
O meio tem de nutrir plenas condições a partir de suas técnicas de consolidar
os valores reais que se encontram por trás das palavras “justo” e “devido”, em sua
forma e essência ou simplesmente serão apenas palavras desprovidas de conteúdo.
A garantia que se espera do sistema processual para a resolução dos
conflitos é de que, ao final o processo, se possam dar condições de efetividade do
Direito (resolução da lide).
Isso contribui com o entendimento da Tese, ao observar que os olhos estão
voltados para o Direito, sua afirmação, confirmação e reconhecimento, portanto, o
acontecimento da Justiça, uma vez que essa somente acontece por intermédio do
Direito.
assertionis, (nos itens que cuidam das condições da ação, o tema é abordado mais amplamente).
Outras vezes, os fatos são submetidos a efetiva cognição. Sobre isso, diz Liebman, com muita
propriedade, que a operação “tem caráter histórico, porque seu escopo é descobrir a verdade
relativamente às circunstâncias de fatos relevantes para a causa”. A cognição sobre a matéria de
direito abrange, antes de mais nada, a regra jurídica em sua abstração e, em seguida, a valoração
jurídica dos fatos com o estabelecimento das consequências jurídicas aplicáveis ao caso concreto.
Deve o juiz, preleciona Liebman, “escolher e individualizar as normas aplicáveis ao caso, interpretá-
las corretamente e, por fim, fazer a sua precisa aplicação concreta”. O Direito e os fatos podem
aparecer na causa como pontos conhecidos e incontroversos, ou a respeito dele surgirem dúvidas e
controvérsias, quando então receberão o nome de questões (WATANABE, Kazuo. Cognição no
processo civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 81)”.
372
253 Segundo Scarpinella em sucessivo parágrafo: “O que deve ser revelado nele, a despeito do texto
constitucional, é verificar como “economizar” a atividade jurisdicional no sentido da redução desta
atividade, redução do número de atos processuais, quiçá, até, da propositura de outras demandas,
resolvendo-se o maior número de conflitos de interesses de uma só vez. O que o princípio quer,
destarte, é que a atividade jurisdicional e os métodos empregados por ela sejam racionalizados,
otimizados, tornados mais eficientes (o que, aliás, vai ao encontro da organização de toda atividade
estatal, consoante se extrai do caput do art. 37 da CF e do “princípio da eficiência” lá previsto
expressamente), sem prejuízo, evidentemente, do atingimento de seus objetivos mais amplos
(BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p.
50)”.
375
Tudo seria ainda simples se essa distinção entre justiça e Direito fosse uma
verdadeira distinção, uma oposição cujo funcionamento permanecesse
logicamente regulado e dominável. Mas acontece que o Direito pretende
exercer-se em nome da justiça, e que a justiça exige ser instalada num
Direito que deve ser posto em ação (construído e aplicado pela força
enforced). A desconstrução se encontra e se desloca sempre entre ambos.
vencer seus próprios problemas e com isso superar seus maiores obstáculos.255Se a
simbiose entre Direito e Justiça atingiu um estágio no qual a fusão desses institutos
se tornou ineficaz na condução da ordem social material, é de se notar que o
repensar a reconstrução dos meios para os fins exige uma proatividade acentuada
por parte do Estado.
Caso contrário, os sintomas da ruptura de semelhante modelo estariam
passando ao largo do desenvolvimento, seja pelo desconhecimento ou
simplesmente pela desconsideração da realidade.
É de observar-se que os meios alternativos representam mecanismos
embutidos de técnicas processuais não jurisdicionais e desformalizados da jurisdição
estatal, com o fito de solucionar os conflitos entre as partes, sem afastar o Estado do
jus vigilandi no animus protetivo da legalidade, nos termos no inciso II do artigo 5º da
Constituição Federal.
Há ainda a dimensão indeterminada para o termo “meios” na dimensão da
presente Tese, diante da contribuição ofertada pelas ciências cognitivas, para cujo
atual estágio a tecnologia proporcionada pela Inteligência Artificial apresenta-se com
potenciais condições de revolucionar muitas áreas científicas que sempre se
valeram do combustível da inteligência humana para seu funcionamento.
No entanto, a tecnologia, com sua evolução, vem destacando-se e
apresentando condições reais e seguras para promover dentro do Direito – como
mecanismo de proteção e reparação dos danos oriundos das relações sociais – o
fluxo “meio” de gestão para o pleno funcionamento do sistema de regras
comportamentais.
A Inteligência Artificial também vai além e permite que sua linguagem absorva
todo o esquema teórico jurídico processual em uma linguagem de programação.
Possibilita, assim, que os resultados – embora não mais recortados nas
formalidades dos rituais tradicionais de um Direito – possam ser atingidos sem que
se firam os Direitos e as Garantias Fundamentais insculpidos na Lei Maior.
Se este fenômeno se concretiza, o Processo Civel Digital é salvo para dois
grandes papéis, ou seja, primeiro como “meio”, ou seja, fluxo de funcionamento do
255 Segundo o escólio de Scarpinella, “É incorreta essa compreensão totalizante do Poder Judiciário
e, por isso mesmo, que o estudo dos chamados meios alternativos (no sentido de não jurisdicionais) é
tão importante, inclusive para a formação do estudante e do estudioso do direito processual civil como
quis frisar, não por acaso, desde o n. 1 supra (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de
processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 41)”.
378
256 Segundo Damaska, “De los esfuerzos por relacionar el processo legal com la organización
económica y social de los Estados Modernos, han surgido claras líneas de investigación sobre las
formas de procedimento. Pese a que mucho aspectos de la administración de justicia pueden ser
provechosamente estudiados desde esta perspectiva (por ejemplo que, resultados obtienen em
juicios aquellos que tienen recursos económicos y aquellos que, no los tienen, há resultado
sumamente difícil relacionar el diseño del processo con alguma classificación de los Estados según
las variables socieconomicas. Esto puede ilustrar bien por los infecundos que han resultado los
estúdios “modos de produción” (feudalismo, capitalismo, socialismo, etcétera) como determinantes
últimos de las instituciones sociales, incluyendo el sistema legal (DAMASKA, Mirjan R. Las caras de
la justicia y el poder del Estado. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 2000, p. 8)”.
382
Para ser justa, a decisão de um juiz, por exemplo, deve não apenas seguir
uma regra de direito ou uma lei geral, mas deve assumi-la, aprová-la
confirmar seu valor, por um ato de interpretação restaurador, como se a lei
não existisse anteriormente, como se o juiz a inventasse ele mesmo em
cada caso.
257 “Trata-se, além do mais, de um fenômeno que não poderia permanecer isolado. O “gigantismo” do
legislador, inevitavelmente, foi acompanhado por aquele da administração e da burocracia. Os
poderes de intervenção da administração Pública foram também estes, enormemente dilatados. Os
órgãos e funcionários administrativos, os mais disparatados, centrais, regionais, locais, assumiram
um papel sempre mais amplo, na regulamentação da nossa vida de todos os dias. Uma razão da
reconhecida inevitabilidade de tal fenômeno encontra-se simplesmente, no fato de os parlamentares
não terem nem tempo nem a competência e conhecimentos necessários, a fim de colocarem em obra
(e, tanto menos, para o “pontual” controle de adimplemento), uma disciplina suficientemente precisa
nos vastos campos e nos quais o Estado moderno reteve o teor de interior. O resultado está neste
Estado moderno, o sucessor do Estado liberal não intervencionista e invariavelmente definido como
Estado Social ou Estado Assistencial, E’tade providence ou welfarestate, que, fosse pelo uso
intensivo de seu instrumento legislativo caracterizou-se de único como “Estado Legislativo” acabou
transformando-se num Estado sempre mais acentuadamente caracterizável como “administrativo” e
“burocrático” (CAPPELLETTI, Mauro. Processo, ideologias e sociedade; tradução Elício de Cresce
Sobrinho. Porto Alegre: Fabris, 2008. v.1, p. 8)”.
386
Finalmente, não se pode olvidar o fato de que, segundo uma opinião assaz
difusa, os juízes ordinários, especialmente aqueles das cortes Superiores,
por temperamento, educação e idade, são, geralmente, muito
conservadores para poderem absorver, adequadamente, uma tarefa
dinamicamente criativa num mundo em rápida transformação.
Isto demonstra que a Justiça vigente ofertada, realizada por uma dinâmica
processual mediada pela inteligência humana, sequer se aproxima de uma Justiça
legal ou legítima, em decorrência da demora ou da ausência de garantia de uma
concepção atualizada, sistematizada, integrada e unificada. Eis que se registra o
divórcio entre Justiça e Direito, oriunda a impossibilidade jurídica do Direito.
A trajetória da passagem do Direito para a solução do conflito, essa via
instrumentalizada pela razão humana em busca da concretização material da
Justiça, deixa de acontecer com frequência. O estreitamento dessa seara, diante de
uma constante transformação, fulmina a possibilidade da ocorrência do advento do
Direito.
No passado ou simplesmente em períodos remotos, a quantidade menor de
demandas e a existência amena de fluxo junto ao Poder Judiciário permitiam que a
tarefa da mediação do Direito fosse realizada pela inteligência humana.
Com o advento da tecnologia, as formas de vida se alteraram, os costumes,
os hábitos e toda uma cadeia de atividades que antigamente eram realizadas
artesanalmente tornaram-se ineficazes em sua grande maioria para o atendimento
de seus propósitos.
O conhecimento de que a inteligência humana se apropriou e se valeu para
seu destaque e posicionamento como “racio suprema” representa apenas uma das
formas ou espécies de cognição.
387
258Conforme ilustra Aroca: “Muy atinada es, a mi juicio, la idea de Montero Aroca de que, a efectos de
indagar o clarificar las bases ideológicas de um proceso civil determinado, hay que distinguir
netamente entre los poderes materiales y procesales del juezlos primeiros afectan al contenido de la
sentencia, mientras que los segundos afectan a la conducción del proceso. Otorgar al juez mayores,
indiscriminados y nos mediatos poderes materiales netamente tiene su base en uma concepción no
388
liberal del processo. No obstante al ondando em los distingos, seguramente hay que distinguir entre
los poderes del juez respecto de la introducción de hechos no alegado y los poderes del juez respecto
de la prueba de los hechos alegados por las partes (MONTERO AROCA, Juan et al. Derecho
Jurisdiccional II: proceso civil. 20. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2012, p. 51)”
389
Significa dizer que o poder nasce da razão e não a razão do poder, todavia
que poder é esse cuja razão se vê limitada em sua própria essência em decorrência
da limitação cognitiva ou o exerce de forma incerta e imprevisível.
A manutenção e o predomínio do “poder” dado ao homem como elemento
central na operação do sistema judiciário, durante todo esse período noticiado, tem
relação com a ignorância de domínio de um tradicionalismo – e características dela –
ao não desapego proporcionado pela própria cátedra judiciária e seus protagonistas.
Isso comprova que os interesses grupais, em determinados momentos,
comportam-se com perversidade e obstam o desenvolvimento daquilo que acham
estar protegendo.
Verifica-se nesse aspecto certo comodismo daqueles que do sistema estão a
beneficiar-se. É um comportamento comum ao senso da individualidade, que
contraria o aspecto da coletividade e a hegemonização do sistema.
No âmbito do Poder Judiciário, o ato judicante de “poder” de decidir ou julgar,
além das condições do limite cognitivo já mencionadas, pedagogicamente sempre
que oportuno é reprisado. Ainda existe a impossibilidade do Estado/Juiz de
reconstruir os fatos: isso representa uma vã, vazia e postulatória tentativa da prática
desses atos.
Esse costume é comum no âmbito da Justiça, mesmo que de efeito material
de pouca positividade, porém ainda é realizado ritualisticamente, porque o
homem/Juiz, no exercício de suas atribuições, tem-se revelado um tirano com
relação ao ordenamento jurídico na medida em que o desconsidera.
Tem cultivado uma crença de ser ele a encarnação da lei, ou aquele que a
cada caso – visando à Justiça social – busca, segundo sua convicção, fazer o que
chama de Justiça, conforme esclarece Armando Castelar Pinheiro em artigo
científico sobre “Judiciário, Reforma e Economia: A Visão dos Magistrados”.259
259 “Sadek (1995) mostra que 73,7% dos juízes entrevistados “concordam inteiramente” ou
“concordam muito” com a opinião de que “o juiz não pode ser um mero aplicador das leis, tem de ser
sensível aos problemas sociais”, ainda que “apenas” 37,7% tenham se posicionado da mesma forma
sobre a opinião de que “o compromisso com a justiça social deve preponderar sobre a estrita
aplicação da lei”. Esses resultados contrastam com a visão tradicional que se tem dos juízes em um
sistema de civil law, preocupados, acima de tudo, com a correta aplicação da lei (ver Djankov et alii
(2001)]. Eles introduzem também a ideia de que a prática judiciária pode levar ao sacrifício da
previsibilidade, isto é, da certeza jurídica, em favor da justiça social. / A não-neutralidade dos
magistrados e outras questões por Sadek (1995) são retomadas por Vianna et alii (1997), que
analisam ampla pesquisa com 3.927 magistrados, 3.166 dos quais em atividade. Os magistrados que
participaram da pesquisa distribuem-se por todas as regiões do país e pelas justiças militar, federal,
trabalhista e estadual, e 2.947 dos respondentes pertencem a este último ramo do Judiciário.O tema
393
da neutralidade é introduzido em duas questões da pesquisa. A primeira delas, cujas respostas são
reproduzidas na Tabela 1, mostra que 83% dos magistrados concordam com a assertiva de que “o
Poder Judiciário não é neutro, e que em suas decisões o magistrado deve interpretar a lei no sentido
de aproximá-la dos processos sociais substantivos e, assim, influir na mudança social”. Observe-se
ainda que essa posição é amplamente majoritária entre os magistrados de primeiro e segundo graus
e entre os ministros de tribunais superiores (PINHEIRO, Armando Castelar. Texto para discussão nº
966. IPEA. Rio de Janeiro, jul. 2003, p. 6. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0966.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2015)”.
260 “Liminar garante a uma paciente fornecimento de substância pela USP- São Carlos. / O ministro
Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar suspendendo decisão do
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que impedia uma paciente de ter acesso a substância
contra o câncer fornecida pela Universidade de São Paulo (campus de São Carlos). No caso em
questão, a Presidência do TJ-SP havia determinado a suspensão da tutela antecipada anteriormente
concedida pelo juízo da Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Carlos que garantia o
fornecimento à paciente da fosfoetanolamina sintética. / No entendimento do ministro, proferido na
Petição (PET) 5828, o caso apresenta urgência e plausibilidade jurídica, o que justifica a concessão
da liminar. O tema relativo ao fornecimento de medicamentos sem registro na Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) aguarda pronunciamento da Corte em processo de repercussão geral
reconhecida – Recurso Extraordinário (RE) 657718 – o que garante plausibilidade jurídica à tese
suscitada no pedido. “O fundamento invocado pela decisão recorrida refere-se apenas à ausência a
ausência de registro na Anvisa da substância requerida pela peticionária. A ausência de registro, no
entanto, não implica, necessariamente, lesão à ordem jurídica”, afirmou o ministro. Quanto ao
periculum in mora, ele destacou que está evidente nos autos a comprovação de que a espera de um
provimento final poderá tornar-se ineficaz (PINHEIRO, Armando Castelar. Texto para discussão nº
966. IPEA. Rio de Janeiro, jul. 2003. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0966.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2015)”.
394
261 E complementam os mesmos autores (2008, p. 18): “Esta concepção dos fatos rouba muito da
solidez e imutabilidade que frequentemente consideramos que eles possuem. Vacas e corpos
cadentes não são fatos; só os enunciados ou descrições feitas sobre eles são fatos. Como os fatos
são verbais, a maneira como eles são enunciados ou descritos é arbitrária. Aos enunciados a que
chamamos fatos também costumamos chamar “verdadeiros”; assim, a verdade, tal como a usamos a
palavra, terá o mesmo elemento de arbitrariedade e de relatividade que os fatos têm. O que é
verdadeiro para um grupo de pessoas pode não ser verdadeiro para um outro grupo. Além disso,
para qualquer grupo de pessoas os fatos mudam e a verdade muda, quando reformulamos os nossos
enunciados sobre o universo e à medida que os nossos conhecimentos aumentam (MARX, Melvin; H;
HILLIX, William. A. Sistemas e teorias em psicologia; tradução Alvaro Cabral. 17. ed. São Paulo:
Pensamento/Cultrix, 2008, p. 18)”.
395
262 Envolvendo essa temática, esclarecem Borkowski: “Uma dificuldade importante surge a respeito
dos fatos porque a observação é sempre a soma das experiências imediatas de alguém e das várias
operações mentais que se seguem logo às experiências para proporcionar identificação e
interpretação. Como assevera Agassi (1966), “não há fatos indiscutíveis nem fatos inidôneos”, o que
quer dizer que os fatos conhecidos mediante observação contêm as concepções ideológicas e as
tendências teóricas do cientista, bem como as sensações puras. Consequentemente, o sentido de
qualquer observação, sejam quais forem as condições em que ela se faz, é determinado, em parte,
pelas teorias e concepções do mundo a que está ligada (Feyerabend, 1970). Corrobora essa noção a
pesquisa que ora se realiza sobre a memória e que mostra poderem os planos mentais ou pontos de
vista que representam nossas concepções do mundo determinar a maneira com que descrevemos
nossas percepções. A influência dos nossos pontos de vista sobre o que observamos nos leva a
reconstruir o significado dos eventos à luz da nossa concepção do mundo (Bransford&McCarrell,
1974) (BORKOWSKI, John G.; ANDERSON, Chris D. Psicologia experimental: táticas de pesquisa
do comportamento; tradução Octavio Mendes Cajado. São Paulo, Cultrix, 1977, p. 12)”.
263 “Sem enveredar por um debate filosófico feito de sutilezas e complexidades, a verdade é que a
crença iluminista no poder quase absoluto da razão tem sido intensamente revisitada e terá sofrido
pelo menos dois grandes abalos. O primeiro, ainda no século XIX, provocado por Marx, e o segundo,
já no século XX, causado por Freud. Marx, no desenvolvimento do conceito essencial à sua teoria –
materialismo histórico – assentou que as crenças religiosas, filosóficas, políticas e morais dependiam
da posição social do indivíduo, das relações de produção e de trabalho, na forma como estas se
constituem em cada fase da história econômica. Vale dizer: a razão não é fruto de um exercício de
liberdade de ser, pensar e criar, mas prisioneira da ideologia, um conjunto de valores introjetados e
imperceptíveis que condicionam o pensamento, independetemente da vontade. / O segundo abalo
veio com Freud. Em passagem clássica, ele identifica três momentos nos quais o homem teria sofrido
duros golpes na percepção de si mesmo e do mundo à sua volta, todos desferidos pela mão da
ciência. Inicialmente com Copérnico e a revelação de que a Terra não era o centro do universo, mas
um minúsculo fragmento de um sistema cósmico de vastidão inimaginável. O segundo com Darwin,
que através da pesquisa biológica destruiu o suposto lugar privilegiado que o homem ocuparia no
396
âmbito da criação e provou sua incontestável natureza animal. O último desses golpes – que é que
aqui se desejaria enfatizar – veio com o próprio Freud: a descoberta de que o homem não é senhor
absoluto sequer da própria vontade, de seus desejos, de seus institos. O que ele fala e cala, o que
pensa, sente e deseja é fruto de um poder invisível que controla seu psiquismo: o inconsciente
(BARROSO, Luís Roberto (Org). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos
fundamentais e relações privadas. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 6)”.
397
Portanto, ainda distante de uma teoria da mente humana, ciente de que ela
não pode ser um sistema digital – um computador – e esclarecido de que a reflexiva
e densa descoberta da verdade é um ato próprio e exclusivo do ser humano.
Tal circunstância força a observação concreta de que essas afirmações a
priori não negam sua oposição – seria plenamente possível que em um dado
momento isso possa acontecer – na medida em que uma teoria de mente viesse a
desmistificar “os processos de descobertas”, considerando-se a limitação conclusiva
até o momento aceita.
Por outro lado, é cediço que a mente humana, dada sua natureza, é
vulnerável e suscetível às mais diversas formas de deformações quanto às ideias e
formas de pensamento que possa produzir.
264 No mais, complementa a mesma referência com Adorno em Godel, senão vejamos: “Outros
pensadores argumentam que, no tocante à natureza da mente humana, as implicações dos teoremas
de Godel apontam para uma direção totalmente diferente. Por exemplo: Roger Penrose, em seus dois
best-sellers, Theemperor’s news mind. A mente nova do rei] e Shadow softhe mind Sombras da
mente], tornou os teoremas da incompletude fundamentais ao seu argumento de que nossas mentes,
sejam lá o que forem, não podem ser computadores digitais. O que os teoremas de Godel provam,
afirma, é que, mesmo em nosso pensamento mais técnico, regido por regras – ou seja, a matemática
–, os processos de descoberta da verdade não podem ser reduzidos a procedimentos mecânicos
programados nos computadores. Observe que o argumento de Penrose, frontalmente oposto à
interpretação pós-moderna do parágrafo anterior, entende que os resultados de Godel deixaram o
conhecimento matemático em grande parte intacto. Os teoremas de Godel não demonstraram os
limites da mente humana (basicamente, modelos que reduzem todo o pensamento ao “seguir regras”.
Não nos deixam a deriva na incerteza pós-moderna, mas negam uma particular teoria da mente)
(GOLDSTEIN, Rebecca. Incompletude: a prova e o paradoxo de Kurt Gödel; tradução Ivo
Korytowski. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 21)”.
400
265 A antimodernidade ainda é destacada por Rouanet com objetividade descritiva: “Para a
modernização funcional, racionalizar significa injetar a razão instrumental nos mecanismos decisórios
da empresa ou do Estado. Para a modernização iluminista, racionalizar significa, também, injetar a
razão emancipatória no próprio tecido da organização social. Conceito de modernização iluminista
não é uma construção arbitrária. Ele foi derivado das três configurações históricas que servem de
substrato à ideia iluminista: a ilustração, o liberalismo e o socialismo. / A ilustração é o primeiro elo
dessa sequência histórica. Ela propôs um grande projeto de modernização do Ocidente, no qual
figuram pela primeira vez os objetivos gêmeos da eficácia e da autonomia. Enquanto “herdeiros” da
ilustração, o liberalismo e o socialismo incorporam à sua maneira esses dois vetores, atualizando-os,
redefinindo-os, aprofundando-os, adaptando-os e concretizando-os em maior ou menor grau em seus
respectivos processos de modernização. / O maniqueísmo infindável entre o tradicionalismo arraigado
em nossas instituições precisa ser banido, dando passagem para a pós-modernidade e com ela as
novas tendências e os novos paradigmas (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade:
ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 122)”.
266Como cita Rouanet: “[...] os parlaments representavam todas as irracionalidades do velho aparelho
judiciário, com sua processualística ineficiente, as demoras intermináveis no julgamento das causas,
o uso do direito costumeiro, a não-proporcionalidade entre a pena e a culpa, e as práticas de
apuração dos fatos, como a tortura, que só excepcionalmente podiam levar à descoberta da verdade.
Além disso, atacar os parlaments era contribuir do modo mais decisivo não só para a modernização
da máquina judiciária em si, mas para a modernização social em seu conjunto, porque eles
encarnavam em sua pureza os entraves à modernidade representados pelo sistema de privilégios,
pela divisão da sociedade em ordens, pelo provimento de cargos segundo critérios econômicos e
estamentais – em suma, eram a própria essência da dominação tradicional, bloqueando o advento
da dominação legal, ponto terminal da modernização política (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na
modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 153)”.
402
267Para Wilber, isso é: “Nosso problema, aparentemente, é que criamos um mapa convencional, com
seus limites, do verdadeiro território da natureza, que não tem limites, e depois confundimos
completamente os dois. Como Korzybski e os semantistas gerais demonstram, nossas palavras,
símbolos, sinais, pensamentos e ideias são apenas mapas da realidade, não a própria realidade,
porque “o mapa não é o território”. A palavra “água” não mata nossa sede. Mas vivemos num mundo
de mapas e palavras como se fosse o mundo real”. Ainda para o autor (2007, p. 32): “[...] quando se
cinde o universo em sujeito e objeto, num estado que vê e num estado que é visto, alguma coisa
sempre fica de fora. Nessas condições, o universo “sempre se esquivará parcialmente a si mesmo”.
Nenhum sistema observador pode observar-se enquanto observa. O vidente não pode ver-se vendo,
todo olho tem um ponto cego (WILBER, Ken. A consciência sem fronteiras: pontos de vista do
Oriente e do Ocidente sobre o crescimento pessoal; tradução Kátia Maria Orberg; Eliane Fittipaldi
Pereira. São Paulo: Cultrix, 1979, p. 45)”.
405
instabilidade a uma Justiça construída a partir dos critérios e dos interesses das
classes elitistas e do próprio Estado.
Trata-se de um sistema que surgiu – e não há como esconder, porque a
história é a maior delatora – pelos interesses dos grupos minoritários que
comandavam a política, a economia e os demais postos de comando em tempos
passados, uma Justiça de natureza tipicamente colonial, cultivada sobre o solo
burocrático.
A linguagem, a forma de tratamento, a rotinização, os rituais e as
formalidades são indícios de que existe toda uma codificação para aproximação, de
modo a opor obstáculos para acesso ao processamento e ao alcance dos resultados
sociais.
No campo do ato de julgar, a contaminação com o sistema operacional é
instável e insegura, porém ainda é reservada a cota de conformidade, por certo, pela
fácil influenciabilidade intuitiva em que o homem enquanto ator e receptor das
decisões se encontra imerso.
A certeza já não é tão certa, porque, além de questionada, começa nos novos
tempos a ser objeto de estudos científicos. Além do mais, com a integração das
cognições, os sistemas, sejam quais forem suas funções, passaram a ser
convocados a prestar contas ao atendimento dos resultados concretos, que
estiveram a tutelar.
A sabotagem da inteligência humana e das demais faculdades que lhe
outorgam o status de um Ser racional se fragiliza por vários meios: nos atos de
pensar, de refletir e de decidir, passando a exigir um modelo em substituição que
atenda aos problemas até então não resolvidos, e que implique prejuízos aos que
dependem de uma Justiça que vem atendendo muito bem aos critérios de letargia,
com ausência de neutralidade, rica em parcialidade e paupérrima em eficácia.
Ela sacrifica a previsibilidade e prejudica uma certeza jurídica em detrimento
de uma Justiça social conforme verbalizado por Pinheiro em estudo já passado.
Os problemas tidos em decorrência da falibilidade da razão cognitiva são
vieses que entremeiam de forma refratária e silenciosa a mente do homem, porque é
um Ser com limitações, porém relegado em segundo plano pela sociedade. Durante
muitos anos, a sociedade atribuiu as falhas, os erros e os equívocos a outras
causas, tais como problemas espirituais, sociais, raciais, dentre outros.
406
Vem ao longo dos anos sendo uma causa não tratada pelo sistema judiciário,
aliás de en passanta pífia literatura séria existente no Brasil delata que o Judiciário é
um sistema com ínfimo estudo científico voltado para o seu próprio conhecimento. É
o que retratam os estudos de Faria nos idos dos anos de 1990 sobre: “O Poder
Judiciário no Brasil: Paradoxos, Desafios e Alternativas” (1996, p.19)
Isso significa que nas últimas décadas todas as mudanças de lei ou reformas
não alteram a autoridade de quem aplica a lei ou consideram quantitativa ou
qualitativamente a estrutura, o hábito da judicialidade nacional, o investimento e
outros fatores preponderantes, nem tampouco avaliam se sua utilidade operacional
encontra-se no campo da concretização de forma satisfatória, com isso, perdendo
força as vozes que vociferam contra problemas contundentes existentes.
Muitos aplicadores, quando do processo legislativo, ao acompanharem a
tramitação legal, já se posicionam por negar o imperativo da lei por causas pessoais
e subjetivas que abalam sua convicção, tirando do sistema a estabilidade padrão
que se defende e que é vital para que a instituição do Poder Judiciário possa gozar
de respeitabilidade. Melhor explicando, se a instabilidade parte endogenamente do
Poder Judiciário, em que condições ficam a relação exógena com este “poder”?
Portanto, a contaminação de negativa do Direito é um germe que está
embrionariamente instalado no próprio Estado/Juiz, na medida em que ele questiona
a normatividade da lei ou opera na função de parte, na reconstrução do fato de que
ele nunca foi parte sob o manto do mito da imparcialidade e da neutralidade ou se
apresenta como um genuíno intérprete da lei para o alcance da Justiça.
408
268 “Nem todas as ilusões são visuais. Há ilusões de pensamento, que chamamos de ilusões
cognitivas. Quando ainda estava na universidade, frequentei alguns cursos sobre arte e ciência da
psicoterapia. Durante uma dessas aulas, o professor nos agraciou com uma pitada de sua sabedoria
clínica. O que ele contou foi o seguinte: “De tempos em tempos, você vai ter um paciente que vai lhe
contar uma história perturbadora dos múltiplos equívocos cometidos em seu tratamento prévio. Ele
passou por inúmeros médicos e nenhum deu tratamento certo. O paciente pode descrever
lucidamente como seus terapeutas o compreenderam mal, mas que ele percebeu rapidamente que
você é diferente. Você partilha dos mesmos sentimentos, está convencido de que o compreende e
que vai poder ajudar.” Nesse ponto meu professor ergueu a voz e disse: “Nem sonhem em pegar
esse paciente! Chutem-no para fora do consultório! Ele muito provavelmente é um psicopata e você
não será capaz de ajudá-lo.” Muitos anos depois descobri que o professor nos advertira contra o
charme psicopático e a principal autoridade no estudo de psicopatia confirmou o conselho do
professor era sensato. A analogia com a ilusão de Muller-Lyer é próxima. O que estava sendo
ensinado não era como devíamos nos sentir em relação ao paciente. Nosso professor partia da
certeza de que a simpatia que sentiríamos pelo paciente não estaria sob nosso controle; ela brotaria
do Sistema 01. Além do mais, não era para aprendermos a desconfiar de um modo geral de nossos
sentimentos em relação aos pacientes. A lição era que uma forte atração por um paciente com um
histórico repetido de tratamentos fracassados é um sinal perigoso – como as setas nas linhas
paralelas. É uma ilusão – uma ilusão cognitiva – e me foi ensinado (Sistema 2) a reconhecê-la e ficar
de sobreaviso para não acreditar nela nem agir com base nisso. E complementa o autor, (2011, p. 38-
39): “A pergunta que se faz com mais frequência sobre ilusões cognitivas é se elas podem ser
dominadas. A mensagem desses exemplos não é encorajadora. Como o Sistema 1 opera
automaticamente e não pode ser desligado a seu bel prazer, erros do pensamento intuitivo muitas
vezes são difíceis de prevenir. Os vieses nem sempre podem ser evitados, pois o Sistema 2 talvez
não ofereça pista alguma sobre o erro. Mesmo quando dicas para prováveis erros estão disponíveis,
estes só podem ser prevenidos por meio do monitoramento acentuado e da atividade diligente do
Sistema 2. Como um modo de viver sua vida, porém, vigilância continua não sendo necessariamente
um bem, e certamente impraticável. Questionar constantemente nosso próprio pensamento seria
impossivelmente tedioso, e o Sistema 2 é vagaroso e ineficiente demais para servir como substituto
para o Sistema 1 na tomada de decisões rotineiras. O melhor que podemos fazer é um acordo:
aprender a reconhecer situações em que os enganos são prováveis e se esforçar mais para evitar
enganos significativos quando há muita coisa em jogo (KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas
formas de pensar; tradução Cassio de Arantes Leite. Rio de Janeiro. Objetiva, 2012, p. 38)”.
409
Somos influenciados a aceitar com maior facilidade o que nos faz felizes,
somente após a aceitação do que será submetido à verificação, o que significa dizer
que tais características demonstram que a conclusão se deu de forma precipitada.
269 “Essa complexa configuração de reações ocorreu de forma rápida, automática e fácil. Você não
desejou e não pode detê-la. Foi uma operação do Sistema 1. Os eventos que tiveram lugar como
resultado de você ver as palavras aconteceram por um processo chamado ativação associativa:
ideias que foram evocadas disparam muitas outras ideias, numa cascata crescente de atividade em
seu cérebro. O traço essencial dessa série complexa de eventos mentais é a coerência. Cada
elemento está conectado, e cada um apoia e fortalece os outros. A palavra evoca lembranças, que
evocam emoções, que por sua vez evocam expressões faciais e outras reações, tais como um
aumento geral de tensão e uma tendência a evitar algo. A expressão facial e o gesto de evitar
intensificam os sentimentos aos quais estão ligados, e os sentimentos por sua vez reforçam ideias
compatíveis. Tudo isso acontece rapidamente e tudo de uma vez, gerando um padrão autorreforçado
de reações cognitivas, emocionais e físicas que são ao mesmo tempo diversas e integradas – isso é
chamado de associativamente coerente (KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de
pensar; tradução Cassio de Arantes Leite. Rio de Janeiro. Objetiva, 2012, p. 67)”.
270No campo da conclusão precipitada – Kahneman: “Tirar conclusões precipitadas com base em
evidência limitada é tão importante para a compreensão do pensamento intuitivo, e aparece com
tanta frequência neste livro, que vou usar uma abreviatura desajeitada para isso: WYSIATI, as iniciais
de what you see is all there is, ou “o que você vê é tudo que há”. O Sistema 1 é radicalmente
insensível tanto à qualidade como à quantidade da informação que origina as impressões e intuições
(KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar; tradução Cassio de Arantes Leite.
Rio de Janeiro. Objetiva, 2012, p. 112)”.
411
271 “Os participantes tinham plena consciência do arranjo, e os que escutavam apenas um lado
poderiam facilmente ter produzido o argumento para o outro lado. Entretanto, a apresentação de
evidência unilateral tinha um efeito bem pronunciado nos veredictos. Além do mais, os participantes
que viam evidência unilateral mostravam maior confiança com seus veredictos do que aqueles que
viam ambos os lados. Isso é exatamente o que seria de se esperar se a confiança que as pessoas
sentem é determinada pela coerência da história que conseguem construir a partir da informação
disponível. É a consistência da informação que importa para uma boa história, não sua completude,
na verdade, você vai descobrir que saber pouco torna mais fácil ajustar tudo que você sabe em um
padrão coerente (KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar; tradução Cassio
de Arantes Leite. Rio de Janeiro. Objetiva, 2012, p. 113)”.
412
Estratégia ou não, seja porque o Estado não poderia multiplicar-se para ser
um ator julgador, então um dos seus dias de criação assim verbalizou: tu serás o
juiz, terás poder, julgarás em meu nome os seus semelhantes que são os meus
súditos, mas que se curvarão às tuas determinações decisórias, porque eu te
legitimo.
As circunstâncias das razões da época se justificaram como um modus de
organização para cessar a instabilidade diante da necessidade de dar à sociedade
um regramento racionalizador ao seu modelo comportamental social, ou seja, pela
razão de transição em busca de estabelecer metas ao desenvolvimento da
sociedade para a travessia até as terras da emancipação e da tecnologização da
sociedade.
A questão é que a limitada condição humana fez desse ator um mal-estar
para a humanidade, visto que sua limitada compreensão o faz ser um instrumento de
desequilíbrio social.
Isso acontece porque mais do que tiranizar as condições psicológicas do
sistema cognitivo humano de um profissional que é demandado por algo de cujo
papel sequer tem claramente consciência, é primordial que seja avaliado em que
condições é gerado o modelo de um sistema judiciário de Justiça, em que se tutelam
as limitações simbolizadas pela soberania do poder.
Nesse contrassenso histórico, antes de ingressarmos em seus pormenores é
preciso entender as generalidades, ou seja, a compreensão delas, para se concluir
pelas limitações daqueles, para isso, exige-se que se faça uma incursão em uma
compreensão mais ampla do ponto de vista cognitivo do sistema judiciário.
As dificuldades presentes sinalizam para a existência de dificuldades não
somente no atual estágio da vida social, mas também dos problemas oriundos dos
sacrifícios aos quais o indivíduo fora e é submetido ante um racionalismo mal
interpretado, bem como do individualismo e do universalismo em que o modelo
estatal se estabeleceu.
A imposição coercitiva em que se consubstancializou o Poder Judiciário
transformou seu maior ator em um repressor da coletividade individual dos auxiliares
da Justiça e de seus destinatários, pelas razões já esposadas.
413
272 “O racionalismo da psicanálise é muito especial. Ela tem a consciência de que os filósofos não
tinham da precariedade da razão. Ela sabe que, filogeneticamente, a razão é uma aquisição recente,
uma recém-chegada no largo itinerário da hominização. Ontogeneticamente, a razão é um simples
verniz na superfície do córtex, associado a uma forma de funcionamento da vida psíquica a dois
processos, secundários, reino da energia ligada onde se dão as atividades do pensamento que
“descendem” diretamente de outras esferas, a dois processos primários, caldeirão de bruxas em que
a energia livre domina os entraves. A razão é orientada pelo princípio da realidade, mas também este
é uma simples metamorfose do princípio do prazer, a substituição de uma descarga imediata, mas
disfuncional por uma gratificação diferida, mas segura. Em termos tópicos, a razão é a atividade por
excelência do ego, mas o próprio ego está em parte sujeito aos processos primários, só em parte o
ego opera conscientemente, enquanto sede dos mecanismos de defesa. O trabalho do ego é quase
sempre inconsciente. O ego pode ser a desrazão a serviço da razão, como ocorre mais
especificamente em mecanismos de defesa como a racionalização e intelectualização, e como se dá
na resistência à terapia pela qual o ego tem a responsabilidade principal. A própria inteligência crítica,
atributo mais alto da razão, pode ser mobilizada pelo ego em sua qualidade de achado da doença, a
relação clínica assume então o aspecto de uma luta entre a razão terapêutica e a razão de um ego
que mobiliza toda a sua capacidade crítica para entrincheirar-se em sua patologia. O mesmo ego
inconsciente que acionou dispositivos automáticos de defesa se defende contra a cura, interpretando-
a como o reaparecimento dos mesmos riscos contra os quais deflagra no passado a defesa. / O lugar
da razão, ego não tem força necessária para executar sua tarefa. Ele se comporta, de fato, como um
monarca constitucional, cuja sanção é necessária para que uma lei possa entrar em funcionamento,
mas que hesita muito antes de vetar um projeto do parlamento. É em grande parte um monarca
nominal, cujos poderes são limitados por três “formas”: a realidade, o superego e o id inscrito neste
sistema de dependência, a atividade intelectual do ego é necessariamente precária. É um ego
somente uma parte consciente: de que decide o que deve tornar consciente, um ego em parte
irracional que resolve se é ou não racional transformar e em ação determinados impulsos; é um ego
submetido a pressões internas mais ou menos perturbadoras que têm de exercer sua função de
exploração da realidade exterior e, com base nas informações adquiridas, abrir ou fechar a barreira
da consciência (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003, p. 104)”.
414
273 Para Rouanet: “O único padrão racional suscetível de orientar a autoridade pública é o maior bem
do maior número, e a única função do legislador é maximizar a felicidade individual e coletiva, o que
só pode ser alcançado se ele compreender a essência da psicologia humana, que é a busca do
próprio interesse.Essa condição do “próprio interesse” é pressuposto da condição da natureza do
homem; para alguns a condição do “próprio interesse” é elemento da psique humana, se essa se
comprova o homem/Juiz não é imparcial ao ponto de decidir para outro na medida em que o “próprio
interesse” é seu limitador como prova evidente e sua irracional precariedade (ROUANET, Sergio
Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 129)”.
415
274“A diferença entre “opinião pública” e “opinião do povo” considerando a primeira como uma fonte
de progresso e a segunda como bárbara e retrógrada, não é central para o conceito ilustrado de
opinião pública, e foi Kant que apontou o caminho para a dissolução dessa antítese. “Falta ainda
muito, no ponto em que entre estão as coisas; para que os seres humanos tomados em conjunto já
estejam em condições [...] de utilizar com proveito e discernidamente sua própria razão sem o socorro
dos outros”. Nessa formulação, Kant não está traçando uma barreira de direito entre “público” e
“popular”, mas reconhecendo a existência de uma fronteira de fato, no “ponto em que estão as
coisas”. Barreira transitória, superável, cuja remoção está na lógica da ilustração e cujo
desaparecimento leva a coincidência entre o “público leitor” e “sociedade civil universal”. O século que
testemunhar essa fusão não será apenas em zeitaltr der aufklamung, mas também um
aufgeklarteszeitspter (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 165)”.
418
275 Conforme ilustra Minayo: “[...] na abordagem sistêmica, a visão de mudança se relaciona à crise e
aponta para várias saídas. Segundo Prigogile (1991; 1984), à medida que surge uma crise e o
sistema deixa seu curso natural, escolhe outras alternativas disponíveis. Nesse ponto de bifurcação
provocado pela crise, são produzidas mudanças quantitativas e qualitativas. Mas o rumo dessas
transformações é em princípio imprevisível, pois existem várias possibilidades de escolhas
disponíveis nos sistemas complexos. As escolhas dentro dos sistemas complexos são opostas às
variáveis visíveis e invisíveis, no entanto, no caso dos sistemas legais, se constata com frequência
que as ditaduras das culturas que refletem na qualidade do produto social humano inflexibiliza e
inviabiliza a institucionalização de sistemas tendentes a universalizar as culturas que implicam
práticas diversas no tratamento de situações semelhantes na aplicação do Direito. Essa forma de
tratamento tribaliza o Direito no sentido de desenvolver o homem moderno às escuras nas entranhas
da caverna de Platão; aceitar essa condição é reconhecer a relatividade do Direito, ou simplesmente
meio Direito, por essa razão que dada a dimensão intercontinental do Estado “Brasileiro” mesmo de
posse de um diploma nacional a compreensão, a interpretação e a decisão são expectativas incertas
420
276 Ainda citando Streck, é de se observar o recorte delimitativo do Poder Judiciário: “[...] o
procedimentalismo de Ely ancora-se na premissa de que “o controle absoluto de normas deve referir-
se, em primeira linha, às condições da gênese democrática das leis iniciando pelas estruturas
comunicativas de uma esfera pública legada pelos meios de massa, passando, a seguir, pelas
chances reais de se conseguir espaço para vozes desviantes e de reclamar efetivamente direitos de
participação formalmente iguais, chegando até a representação simétrica de todos os grupos
relevantes, interesses e orientações axiológicas no nível das corporações parlamentares e atingindo a
amplitude dos temas, argumentos e problemas, dos valores e interesses, que tem entrada nas
deliberações parlamentares e que são levadas em conta na fundamentação das normas a serem
decididas, e o paradigma procedimental harbesiano do Direito pretende apenas assegurar as
condições necessárias a partir das quais os Membros de uma comunidade jurídica, por meio de
práticas comunicativas de autodeterminação, interpretam e concretizam os ideais inscritos na
constituição, “onde” a função da corte Constitucional, originária ou não do Poder Judiciário, seria a
de zelar pelo respeito aos procedimentos democráticos para a formação da opinião e da vontade
422
política, a partir da própria cidadania, e não a de se arrogar no papel de legislador político, não
devendo, portanto, transformar-se a justiça Constitucional em “guardiã de uma suposta ordem
suprapositiva de valores substanciais. Reservando-se a intervenção do judiciário apenas para
facultar aos excluídos da participação o acesso direito aos poderes políticos, a realidade brasileira
aponta em direção contrária; o assim denominado Estado Social não se concretizou no Brasil (foi,
pois, um simulacro), onde a função intervencionista do Estado serve para aumentar ainda mais as
desigualdades sociais; parcela expressiva dos direitos individuais e sociais não é cumprida; o controle
abstrato de normas apresenta um déficit de eficácia, decorrente de uma “baixa constitucionalidade”
(STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. 7. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 51)”.
277Segundo Uhlmann, “Conceito de UMWEIT (Ambiente). Sua indução literal é “mundo ao redor”
Jakob Von Vexkull – Biólogo e filósofo, oriundo da nobreza do Báltico e sem dúvidas um dos mais
423
frutíferos pensadores do séc. XX. A sua obra principal “Theoretsche Biologic” (1958) é considerada
como uma obra precursora do construtivismo (ou construcionismo da literatura anglo-saxônica – o
emprego de constructos – construções lógicas). Na base das suas considerações localiza-se a
máxima “Alle WirklichkeitIst Subjetive Ers Cheinung (toda realidade é um fenômeno subjetivo)
(UHLMANN, Wilhelm Günter. Teoria geral dos sistemas: do atomismo ao sistemismo; uma
abordagem sintética das principais vertentes contemporâneas desta proto-teoria. São Paulo: Versão
Pré-Print, 2002, p. 39)”.
424
Para que a justiça se aproxime mais do povo, torne-se mais ágil, Nalini
sugere a utilização de recursos da informática, pugna pelo aperfeiçoamento
do apoio administrativo ao juiz, quer que a simplificação de procedimentos,
a especialização de juízes e o estabelecimento de tribunais especiais, a
formação de magistrados em cursos adequados, a serem ministrados pela
Escola da Magistratura e a observância de formalidades essenciais. Isto
quer dizer que aquilo que não se constitui em formalidade essencial deve
ser afastado, dado que o apego exagerado à forma polui o Direito, pondo
em segundo plano a relação de direito material.
278 “As primeiras análises sobre a percepção social da justiça no Brasil produzidas no âmbito do
projeto “Sistema de Indicadores de Percepção Social” (SIPS), do Ipea mostram ao menos três
direções nas quais pesquisas de opinião pública podem oferecer importantes subsídios a processos
de reforma e modernização nesse setor. / A primeira está associada à imagem pública das
instituições da justiça. Neste aspecto, quer pela “nota média” atribuída à justiça pelos respondentes
da pesquisa (4,55 numa escala de 0 a 10), quer pela avaliação que estes fazem sobre dimensões
específicas da justiça, na qual se destaca um juízo mais negativo em relação às dimensões de
425
rapidez, imparcialidade e honestidade, foi possível verificar que essa imagem é relativamente frágil
entre os cidadãos e que a reversão desse quadro exigirá mais que o aumento puro e simples da sua
produtividade. / A segunda está associada à relativa constância da avaliação negativa entre
diferentes estratos da sociedade brasileira. Quando se detalha a “nota média” em função de variáveis
sociodemográfica (região, raça/etnia, sexo, escolaridade e renda), bem como da experiência prévia
dos respondentes no trato com a justiça (como autor, réu ou sem experiência), percebe-se que, em
princípio, a relativa fragilidade na imagem pública da justiça é generalizada na população e tende a
ser mais negativa entre os que buscaram ativamente a justiça para a resolução de conflitos ou a
realização de direitos. / A terceira, por fim, está associada à identificação de novas áreas ou questões
prioritárias, tanto para estudos quanto para a formulação de políticas públicas. Exemplo disso foi a
emergência da qualidade da justiça (operacionalizada na pesquisa como “capacidade de produzir
decisões boas, que ajudem a solucionar os conflitos de forma justa”) como tema tão impactante na
melhora da percepção da área pelos entrevistados quanto a rapidez. Isto abre a oportunidade para
que temas sempre tidos por fundamentais na construção de uma nova política pública para a oferta
da justiça – como o recrutamento e a formação de magistrados ou a busca por mais proximidade
entre as instituições e os cidadãos – retornem a agenda pública, hoje dominada por preocupações
com a aceleração dos procedimentos e a melhoria da alocação de recursos (INSTITUTO DE
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Sistema de indicadores de percepção social SISP.
Brasília, 31 mar. 2011, p. 3. Disponível em:
<https://www.academia.edu/13191549/Percep%C3%A7%C3%A3o_social_da_justi%C3%A7a_2011>.
Acesso em: 13 jul. 2015)”
279Neste sentido complementa Nalini: “O que se entende por razão? Em princípio, é a faculdade que
tem o homem de estabelecer relações lógicas, de avaliar, de raciocinar, de ponderar ideias
426
universais. A razão invocada pelos juristas tem variado, todavia. Pode ser o lunch da literatura norte-
americana ou ser concebida como “a razão real” sempre como “elemento explicativo” do subjetivismo,
no estudo da formulação das normas pelo juiz (NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à
justiça.São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 230”.
280Para Nalini: “Miller e Howek resumiram perfeitamente a corrente, que disseminou: “A razão[...] não
é a vida do Direito. É realmente parte do Direito. Mas que vida? Não, se por razão entendemos a
derivação lógica a partir de princípios gerais e abstratos, então o processo judicial não atua assim;
nada obstante, se entendemos por razão um processo de observação disciplinado, unido e um
reconhecimento de que existe uma eleição entre valores alternativos e o estado das possíveis
consequências da decisão, então a razão tem um papel de primeira ordem (NALINI, José Renato. O
juiz e o acesso à justiça.São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 25)”.
427
281E complementa Nalini: “Longe de pacificar-se nos países de mais longas tradições e de adiantado
grau de civilização e cultura, o problema adquire intensidade angustiante naqueles em que o Poder
Público é associado à corrupção e à pouca seriedade, e em que dos juízes se exige, por isso,
atuação mais eficiente e pronta. Nesse estágio de desenvolvimento, o judiciário – que também se
ressente do descrédito do sistema político – é, paradoxalmente, a derradeira perspectiva
institucionalizada de resolução de conflitos antes da opção por métodos não convencionais e, por
isso mesmo, não acolhidos pelo Direito (NALINI, José Renato. Recrutamento e preparo de juízes
na Constituição do Brasil de 1988. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1992, p. 16)”.
429
282 Segundo Nalini, “Ao aparecimento de uma tendência que se preocupou com a ampliação do
acesso dos homens ao equipamento oficial destinado à composição de conflitos, costumava-se
atribuir relativa importância aos aspectos práticos dessa alteração de enfoque, subdividido na tríplice
reforma: Normativa, Institucional e Processual. / Não é tarefa simples empreender-se uma
reformulação normativa: Os próprios formuladores das teorias que se desenvolveram sob a
denominação ampla de movimento de acesso à Justiça vieram a considerá-la inviável. Ou, quando
menos, acometida da característica de perpetuidade que qualifica a empresa que os americanos tão
bem denominam de endlesstask.Adverte Cappelletti ser “intrínseca à” ideia em si mesma de acesso a
constatação de que uma reforma do direito substancial é ilusória, se não acompanhada de
adequados instrumentos de execução da mesma (NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à
justiça.São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 31)”.
283 E complementa Nalini: “O admirável mundo novo já existe. Unidades federadas como São Paulo
podem se permitir experimentações que talvez sirvam para o delineamento de um judiciário novo,
mas atuante e preparado para os desafios do terceiro milênio que, afinal está a menos de seis anos
destes dias. / A informática permitirá a substituição do processo corpóreo por um processo
inteiramente informatizado. [...] será um sonho? Ou o Judiciário deverá se adequar– inevitavelmente –
à modernidade, sob pena de parecer e vir a ser substituído por formas alternativas de resolução de
430
conflitos? / Todos os benefícios colocados à disposição do homem pela ciência devem servir ao
Judiciário, pois o papel reservado a este é garantir a existência digna do ser humano. Motivo de
descrédito da Justiça é a sua paralisação, submissa à força inercial, desde o Medieno ainda tem
chance de recuperar o tempo perdido, em cuja busca não se esmera, salvo esforços isolados. Basta
a vontade política. A vontade de ousar e eliminar os preconceitos (NALINI, José Renato. O juiz e o
acesso à justiça.São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 38)”.
431
284 Segundo Nalini, “A escola da magistratura deriva de imperativo constitucional. Tem por objetivo
institucional a manutenção de cursos de preparação a carreira, cursos de reciclagem para os juízes
nela integrados e a realização de estudos a nível de pós-graduação que, nos estatutos da Escola
Paulista, se denomina “Altos Estudos”. / As dificuldades existentes em relação ao Juiz do interior
serão enfrentadas com o acompanhamento à distância, indicando os orientadores a leitura e a
elaboração de trabalhos que periodicamente serão apresentados (NALINI, José Renato. O juiz e o
acesso à justiça.São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 61)”.
432
É mais verdade ainda que, por mais avançado que seja o capital intelectual
humano, ainda assim se mostra insuficiente para realizar essa gestão com precisão
e objetividade integrativas.285A conectividade entre tais núcleos representa uma
celeuma insuperável para a condição do homem/Juiz, um obstáculo à concretização
material da juridicidade. A inteligência humana do ponto de vista racional
(neurológico/psicologizado) se estabelece a cada fato social por perspectivas
diversas, ainda que a comunicaçãoaliançada pelos núcleos do conhecimento
epistemológico, científico, dogmático e lógico seja convocada a participar.
A finalidade social última do Direito não se realiza com uniformidade, com
segurança, com plena estabilidade a cada aplicabilidade, isso afasta, portanto, o
Estado pleno de Direito, na medida em que ele não acontece de modo efetivo e,
sempre que instado a participar aos seus propósitos fins, vê-se envolto na incerteza.
O ideário de Justiça pelas vias do Direito, desde os tempos remotos, é
condicionado aos instrumentos intelectuais gerados pelos cientistas das ciências
jurídicas. Em semelhante trabalho incansável e diuturno, o próprio Direito com
independência e autonomia gerou mecanismos para sua própria concretização:
disso se tem a concepção de sistema jurídico contendo todos seus atributos com os
quais se faz peculiar.
A inconsistência entre o sistema jurídico e o operador do Direito, o
Estado/Juiz vem-se apresentando de modo a prejudicar a concepção de sistema,
segundo Fernando Coelho (1999, p. 19):
285 Observam-se neste contexto as lições de Fernando Coelho: “Que o pensamento jurídico está
estruturado em 04 (quatro) dimensões: a) existe um conhecimento epistemológico, que relaciona o
“eu” cognoscente com o processo de conhecimento do Direito, considerando esse processo em si
mesmo; b) existe um conhecimento científico que relaciona o “eu” cognoscente com o objeto de cada
uma das diferentes ciências jurídicas; c) existe um conhecimento jurídico dogmático que transforma o
“eu” cognoscente em partícipe do objeto da ciência do Direito; d) existe um conhecimento lógico, que
fornece o instrumental necessário ao trabalho jurídico (COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e
interpretação das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 16)”.
435
286Para Nalini, “A grande e normal via de acesso à magistratura é o certame público. Os candidatos
se submetem a provas escritas e orais e, quando da avaliação, os títulos podem influir no resultado
classificatório. O recrutamento por concurso público é considerado o meio sujeito à álea, sempre
presente na nomeação por indicação ou mesmo na eletividade. Mas não deixa de merecer críticas,
das quais as mais acerbas provêm do próprio judiciário. / A sistemática de provas consegue detectar,
no universo dos candidatos, aqueles que detêm um mínimo de conhecimento jurídico, credenciados
para uma aprovação, mas essa habilitação nem sempre coincide com as expectativas nutridas pelas
cortes de justiça quanto ao profissional que vai receber seus quadros (NALINI, José Renato.
Recrutamento e preparo de juízes na Constituição do Brasil de 1988. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1992, p. 86)”.
436
[...] o resultado final pode ser desalentador. Pois, a cada concurso, algum
dos aprovados vem a demonstrar inaptidão, da mais diversa ordem, para o
desempenho da judicatura. É o juiz que não consegue julgar, grande parte
às vezes em virtude de bloqueios psicológicos, mas não rara mercê de
formação religiosa rígida e profunda vulnerabilidade dos atributos de sua
personalidade. O magistrado devota muito do esforço pessoal à carreira.
Permanece no fórum por períodos suficientes ao desenvolvimento de um
razoável trabalho. É um bom preparador, realiza audiências, mas não se
desvencilha dos laços que o impedem de sentenciar, ou ao menos de fazê-
lo de forma, quantitativamente compatível com as necessidades de sua
carga de trabalho.
287 A esse respeito, discorre Nalini: “ a) O juiz que se excede na autoridade passa a exercê-la
arbitrariamente convertendo-se em déspota no microcosmo que vai servir. É ríspido no trato,
humilhando os subalternos; impõe condutas desvinculadas de qualquer preceito, de maneira a obter
subserviência na função e pessoalmente, pelo mero fato de exercê-la; b) Da experiência do Des. José
Liberato Costa Polvora, ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins, extrai-se que “o
pedantismo de certos magistrados antipatiza a Justiça, além de manter afastados aqueles, que
buscam a confiança de uma decisão justa. É deplorável o vírus da “juizite”[...]; c) Existe juiz burocrata.
Provindo de categorias funcionais que se caracterizam por encargos dos quais se exige pouca
437
autoridade, senão da observância rígida de rotinas sedimentadas, transfere ele para a função judicial
a deformação adquirida na origem. Dificulta a tramitação dos papéis, num fluxo processual já em si
complicado. Inadmite distinguir, dentre as providências que lhe são requeridas, aquelas suscetíveis
de uma decisão imediata justificável pela relevância dos interesses em questão. Tudo há de se
desenvolver dentro de uma ordem preestabelecida, que desconsidera a poliédrica fisionomia da
realidade; d) Subcategoria identificável do burocrata é a do juiz estatutário. Enquadra-se na categoria
dos funcionários públicos, para justificar a mediocridade do desempenho. Fiel cumpridor dos horários,
pretende permanecer no fórum durante o tempo necessário a configurar a jornada. Não leva
processos para casa. Reclama continuamente da remuneração. Critica aqueles colegas que se
preocupam com a qualidade da outorga e se sacrificam para vencer a sobrecarga. Tem consciência
tranquila quando afirma trabalhar para viver e não o inverso. Orienta o cartório a lhe fazer a conclusão
de número certo de processos e invoca suas demais necessidades pessoais – a saúde, a família, a o
lazer – como escusa para o acervo de processos que não consegue vencer; e) Magistrados há que
se identificam de imediato com as teses corporativistas e passam a investir todo o talento e
disponibilidade na defesa de sua concretização, a preocupação permanente e como reajuste de
vencimentos e demais vantagens. Formulam hipóteses que permitam a extensão ao quadro dos
magistrados de qualquer benefício auferido por outra categoria. Interpretam favoravelmente as
disposições, recorrem a uma análise assistemática para a conclusão que beneficia seus interesses,
conjugam Leis conflitantes para delas extrair soluções que a explicitude normativa não lhe garante.
Tornam-se insensíveis à reivindicação de outras classes e à realidade nacional. O universo se reduz
a aspectos retributários de função e em torno desta órbita deve gravitar tudo o mais; f) Há o juiz que
se esquece na fogueira da vaidade e inverte em si, preocupando-se com a divulgação de suas
decisões, adota posturas exóticas para garantir publicidade e desvincula seu acrescentamento
cultural do retorno necessários em torno de eficiência na prestação jurisdicional; g) Outra vertente é
aquela que se manifesta no exercício da política local – A interferência nas questiúnculas
comarcanas, a adesão a grupos partidários, o desequilíbrio da imparcialidade que é pressuposto da
função judicial; h) O juiz carreirista pretende chegar rapidamente aos últimos estágios da função,
independentemente de preparo ou de poder atropelar, nessa corrida, colegas mais antigos ou, até,
mais capazes; i) Seu antípoda, o juiz acomodado, pouco se interessa pela carreira. Dedica-se a
outras atividades, descuida-se do aprimoramento, oferece o mínimo de si e considera o seu ingresso
como final de uma batalha árdua, que lhe assegurará a permanência vitalícia no quadro dos que
dizem o direito independentemente de atributos pessoais aferíveis posteriormente à posse (NALINI,
José Renato. Recrutamento e preparo de juízes na Constituição do Brasil de 1988. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 1992, p. 90)”.
438
Nessa seara inóspita, árida e escaldante missão, a tarefa homérica, ainda que
predita constitucionalmente, é a de manter o operador da Justiça ávido pela
constante atualização, devido ao contexto estafante e extenuante da vida pós-
moderna.
O palmilhar com o fardo que conduz o operador da Justiça ao cargo, embora
uma conquista, gradativamente se torna um sistema obsoleto, dado o
comprometimento que sua limitação cognitiva oferece aos fins do Direito e da
Justiça, principalmente quanto às garantias previstas nas leis. A nostalgia da
investidura e as condições ofertadas pelo cargo exigem mais do que o acesso e as
atribuições.
439
288 Ainda estribado nos ensinamentos de Nalini: “A Escola de Juízes é a concretização de velho
anseio de cultura da Justiça de interessados no aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. O
Ministro Aliomar Baleeiro já asseverava, em conferência realizada em Belo Horizonte em ciclo sobre a
Reforma do Judiciário patrocinado pela UFMG e pela PUC/MG, que, numa palavra, não bastam os
meios materiais, os Palácios da Justiça, os computadores, os aparelhos de microfilmagem, os
equipamentos: há sempre o problema do juiz como homem. E o Min. Carlos Mário da Silva Velloso,
ao propor a instrução atualizatória constante para os Juízes, assinalava que os cursos serviriam a
despertar o Juiz “Para a grandeza de suas funções, e sua independência há de ser tal que, mesmo
em situações adversas, possa ele cumprir o seu dever, sem vacilações, denunciando aquilo que está
impedindo ou dificultando o exercício de suas funções” (NALINI, José Renato. Recrutamento e
preparo de juízes na Constituição do Brasil de 1988. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1992,
p. 98)”.
440
289 Segundo Horkheimer: “A crise atual da razão consiste basicamente no fato de que até certo ponto
o pensamento ou se tornou incapaz de conceber tal objetividade em si ou começou a negá-la como
ilusão. Esse processo ampliou-se gradativamente até incluir o conteúdo objetivo de todo conceito
racional. No fim, nenhuma realidade particular pode ser vista como racional per-se; todos os
conceitos básicos, esvaziados de seu conteúdo, vêm a ser apenas invólucros formais. Na medida em
que é subjetivada, a razão se torna também formalizada (HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão;
tradução Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Centauro, 2002, p. 13)”.
442
O que poderia ser dissuadido pelos cientistas do Direito é que é uma posição
pouco tomada, uma vez que os grandes expoentes, já consagrados e com sua
situação intelectual, financeira e econômica resolvida, pouco se importam com o que
se parece com as futuras gerações.
Muitos dessa plêiade não passam de repetidores amorfos de concepções
legais retrógradas e ineficazes, ainda que válidas do ponto de vista positivista. A
questão é mais acentuada e margeia o grito do desespero, no que se destaca a
limitação cognitiva quando o operador do Direito enfrenta outros conhecimentos.290
A integração e a unificação dos conhecimentos são algo que passa distante
da possibilidade humana, ainda mais do homem pós-moderno, seja pela quantidade,
seja pela transitoriedade, seja pela simultaneidade dos novos tempos. Essa
complexidade constitui uma racionalidade cínica do errado, mas considerada normal.
Portanto, no limite da espécie humana, de sua disposição em produzir, que o
caminho alternativo de uma outra forma de pensar, de tornar-se inteligível, ainda que
artificialmente, pode apontar sinalizando para uma outra via positiva.
Além de ser mais uma opção dada à espécie humana, como uma
possibilidade efetiva de neutralidade e imparcialidade de julgar e ser julgado,
destarte, de um Direito e de uma Justiça previsível e certa quanto aos aspectos
legais balizadores.
Importante destacar, ainda, que, dentro da orla judiciária, o cenário do
conservadorismo e da imobilidade são comportamentos perversos, que asfixiam o
reconhecimento das deficiências da organização judiciária.
Os sinais de ineficiência são tratados como se os maiores problemas fossem
a implementação de leis materiais e processuais com maior consistência e vigor
para a resolução dos conflitos, como bem pontua Watanabe.291
290 Conforme esclarece Warat: “Convém insistir em que todo conhecimento só pode ser depurado,
desenvolvido e orientado para a objetivação, na medida em que é produzido com uma visão
interdisciplinar. Por isso mesmo, o que reivindica para a construção de uma metodologia do ensino
jurídico não é uma maniqueísta e castradora seleção de teorias que rejeitam e excluem o
conhecimento produzido em outras áreas. Também, na prática educacional, a utilização da teoria que
esta disciplina conformará não afasta o recurso, a outras teorias, que, compatibilizadas com a
primeira, devem orientar os processos de ensino e aprendizagem (WARAT, Luis Alberto; CUNHA,
Rosa Maria Cardoso da. Ensino e saber jurídico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1977, p. 56)”.
291 “Nesse âmbito, os estudos que vem sendo desenvolvidos não se limitam ao mero aspecto
organizacional, sua estrutura e funcionalidade. Novas estratégias de tratamento dos conflitos de
interesses têm sido analisadas e até mesmo postas em prática, procurando-se soluções alternativas
aos meios tradicionais em uso, como o juízo de conciliação, os juízos arbitrais e a participação de
leigos na administração da justiça. Lamentavelmente no Brasil, as tentativas de busca de novas
alternativas esbarram em vários obstáculos dos quais os mais sérios são o imobilismo e a estrutura
444
mental marcada pelo excessivo conservadorismo, que se traduz no apego irracional às formulas do
passado, de um lado, e à inexistência, por outro de qualquer pesquisa interdisciplinar sobre os
conflitos de interesses e as demandas (no sentido das ações ajuizadas), suas causas, seus modos de
solução ou acomodação, os obstáculos ao acesso à justiça e vários outros aspectos que propiciem o
melhor entendimento da realidade social por parte dos responsáveis pela melhor organização da
justiça (WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 28)”.
445
Por trás das ideias extraídas das tendências, existem as ideologias que
apontam para a emancipação geradora de um novo sistema Judiciário, no qual a
consagração efetiva dos Direitos alcança esse estatuto, uma vez que a jurisdição
oferta ao jurisdicionado a garantia da aplicação das regras do Direito quando
evocadas.
O Estado representa parte relevante, não como agente realizador do Direito,
como corpo identificador e canalizador de mudanças que acontecem a partir dos
interesses sociais.
A jurisdição, a Justiça e a pacificação social passam a ser problemas de
políticas públicas, que representam uma condição da realidade inerente do Estado.
Desse mosaico, os indivíduos, as classes e as comunidades participam e se
convergem, gerando uma sinergia promotora do futuro.
O Estado passa a ser um indivíduo “singular” coletivo, cuja autonomia e
independência precisa ser reconceituada, redefinida para os novos tempos. A
Justiça também passa a ser um microssistema dentro de um sistema, em que os
novos modelos representam uma política de opção ou novas possibilidades, cujo
desejo impulsionado por vetores internos e externos do Estado possibilita uma nova
concepção de Justiça, uma nova alternativa ou um novo paradigma.
A nova perspectiva busca romper com a hegemonia de um sistema reinante,
de uma estrutura que, desde os seus fundamentos, esteve embasada em uma elite
institucional e burocrata, forjada para atender os propósitos estatistas e de pessoas
de sua redoma.
450
Com isso, o Estado passa a ter controle a partir de uma base de dados
contendo todas as informações do indivíduo e de seus bens, os impostos serão
integrados e não haverá declaração de renda, ao contrário, haverá apuração de
tributos anualmente calculados pelo próprio sistema em decorrência do extrato
digital de acréscimo patrimonial.
O Estado é um articulador, e a Justiça passa a ser moldada da forma como
melhor lhe aprouver. O indício e a materialidade da diminuição da Justiça judiciária
desde a instalação da reforma do Judiciário são evidentes.
Se os meios alternativos e a tecnologia são considerados ferramentais
manejados pelo Estado em sua atuação como gestor dos seus interesses e da
sociedade, o tratamento dos problemas jurídicos começa a passar para uma nova
conotação.
Uma das hipóteses defensáveis e incontestáveis é a de que os problemas
têm natureza social por surgirem dentro da própria sociedade. Os conflitos, portanto,
são formas perturbadoras da higidez mental do indivíduo, tornando-o depressivo,
estressado e com outros sintomas negativos.
O desencadeamento de semelhante processo tem levado o Estado a tratar os
problemas jurídicos como doenças sociais cujo combate ou tratamento mais eficaz
passa ao largo das portas do Poder Judiciário.
E os cidadãos começam a ser encaminhados a clínicas psiquiátricas, a
consultórios de profissionais da psicologia, entre outros estabelecimentos que
possam resolver problemas físicos e psicológicos. É evidente o estrangulamento da
Justiça, pois, quando viabilizada pelos canais midiáticos, é apresentada com forte
conotação negativa.
A reforma como vem sendo feita ao longo dos anos, a avaliação de como o
Estado vem tratando o Poder Judiciário a partir do regime militar, a implantação de
meios alternativos de gestão e tecnologização, a alquimia pela qual os problemas
jurídicos passam a ser tratados, ou seja, para tornarem-se doenças sociais, com
sintomas, catalogação e receituário clínico de tratamento e prescrição médica,
geram o desprestigio do Poder Judiciário como um todo.
E também apontam para o rompimento do monopólio da Justiça judiciária
que, embora ainda resista, é possível ter sua ruptura prevista, como qualquer
criação realizada pela espécie humana.
457
A sociedade passou a não querer mais Justiça nos moldes da antiga, e sim
uma Justiça diferente, de resultados, aliás, mais resultados do que efetivamente
Justiça. A “Republicanização” é um nome representativo da tecnologização e da
mecanização dos Direitos e Garantias Fundamentais por intermédio da implantação
de uma nova sistemática operacional.
A emenda 45/04 é um marco tardio que não eclodiu em 1992. A implantação
da mecanização tecnológica ou da tecnologização da Justiça sinaliza para a ruptura
da ordem vigente.Onde a base da Justiça judiciária em sua larga escala ainda é uma
rotina absorvida pelo Estado/Juiz de primeira instância.
O qual representa uma base de pouca utilidade quanto ao posicionamento do
entendimento legal, por serem as instâncias superiores as responsáveis pela
validação e pacificação dos entendimentos no processo “interpretatório” da lei,
reserva a essa, à exclusividade dos Tribunais de cúpula e de sobreposição.
A tecnologização é um fenômeno comprovável cientificamente, por isso,
concreto no sentido de definir a nova natureza da Justiça. A padronização é a
constatação de uma horizontalização do sistema em Inteligência Artificial capaz de,
em segundos, atualizar, integrar, unificar, uniformizar e padronizar os parâmetros
das questões de ordem legal.
459
292 Por outro lado, nesse excerto, em contraponto, esclarece o mesmo autor, em citação extensa, mas
propícia à reflexão realizada: “A Ética discursiva não aceita o individualismo, mas pode oferecer um
caminho para preservar essas duas conquistas do individualismo. O individualismo é incompatível
com a teoria da ação comunicativa. Para ela o homem é um ser plural. Ele nasce numa comunidade
linguística e organiza as relações com seus semelhantes sobre o pano de fundo de um mundo vivido
intersubjetivamente compartilhado. Mas se a teoria discursiva não é individualista, ela está longe de
atribuir à comunidade um poder de tutela. / Isso significa, entre outras coisas (I) que o indivíduo tem
direitos complementares ao da comunidade, e (II) que as normas e instituições da comunidade não
podem esquivar-se de uma investigação crítica. O indivíduo só existe em interação, mas essa
interação pressupõe o reconhecimento da dignidade e integridade de cada participante. Em cada
processo comunicativo, Ego e Alter aspiram a ser reconhecidos como individualidades únicas e
insubstituíveis. O homem tem direitos como indivíduo, que não podem ser cancelados pelos direitos
da comunidade. / Entre esses direitos do homem como indivíduo, e não apenas como membro da
comunidade, como homme e não apenas como citoyen, na terminologia da ilustração, está o direito à
autorrealização, segundo seu próprio estado e sua própria concepção de felicidade. / Habermas está
tão consciente desse direito que se afasta, nesse ponto, do modelo kantiano, sem dúvidas, com todo
o seu pietismo, Kant não negou que o desejo de felicidade fosse legitimo. Ele simplesmente negou
que a felicidade fosse um telos para a ação moral. Não era uma questão suscetível de ser regulada
pelo imperativo categórico, que se ocupa apenas de preceitos aplicáveis a todos os homens. As
concepções de felicidade variam de indivíduo para indivíduo, e não podem ser universalizadas. / Não
obstante, é certo que há elementos autoridade excessiva na ética kantiana. A separação radical entre
a esfera do dever e a da inclinação entre a razão e a sensibilidade tem algo de externa, mas implica
uma repressão autoimposta. Consequentemente, Habermas abandonou esses elementos. Os
desejos e efeitos, excluídos por Kant, são readmitidos pela ética discursiva, sob a forma de interesses
generalizáveis. O conceito monológico de autonomia é substituído por um conceito intersubjetivo,
segundo o qual o livre desdobramento da personalidade de cada um depende da liberdade de todos
os outros. / Isso não basta, evidentemente, para incluir a questão da felicidade no âmbito de ética
discursiva. Nisso, ela segue o modelo kantiano. A autorrealização é estritamente individual e lida com
uma esfera que não é acessível à ética discursiva e à dos valores. Qualquer esforço de interferir
nessa área teria caráter repressivo e dogmático. A felicidade não pode ser deduzida de nenhum
imperativo categórico. O que ela pode fazer é delimitar o espaço dentro do qual podem desdobrar-se
os projetos de autorrealização de indivíduos e grupos de indivíduos. Esse projeto não pode violar os
elementos universais de moralidade, contidos no princípio da universalidade, como a igualdade de
direitos de todos os homens. / Essa limitação não exclui as experiências contraculturais, as formas
alternativas de vida, a livre sexualidade. Mas exclui aqueles projetos de autorrealização que violem o
princípio kantiano de tratar os homens como fins e não como meios – a violência, a intolerância, a
opressão, e mesmo ao desrespeito e esforços de autorrealização tentados por outros grupos de
indivíduos (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003, p. 228)”.
460
293 “Percepção social do brasileiro sobre o sistema judiciário, segundo pesquisa do IPEA: Pesquisa
realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) traz novas informações sobre como a
população avalia o sistema judiciário brasileiro.Depois do primeiro SIPS Justiça (Sistema de
Indicadores de Percepção Social), divulgado em novembro de 2010, a segunda edição, realizada pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), traz novas informações sobre como a população
avalia o sistema judiciário brasileiro. / No estudo, foram apresentados dados relacionados à
percepção pública da atuação de promotores, juízes, defensores públicos, advogados e policiais civis
e federais. Nenhum deles foi bem avaliado. As polícias civis são o segmento do sistema de justiça
com pior avaliação por parte da população. / A pesquisa analisou alguns hábitos de justiciabilidade
dos brasileiros. Verificou-se que a procura pela justiça para a resolução de conflitos ou a realização
de direitos está associada a atributos sociodemográficos ou a tipos de problemas enfrentados. Os
tipos de problemas mais sérios relatados pelos entrevistados são os problemas de família, vizinhança
e relações de trabalho. / Há muito se sabe que a justiça nem sempre é acionada pelos cidadãos para
resolver todos os conflitos. Estes achados fazem emergir questões importantes para a reflexão sobre
como esse fenômeno ocorre no caso brasileiro. / O estudo também demonstrou a relativa fragilidade
da imagem pública da Justiça entre os cidadãos, a avaliação negativa da justiça é generalizada na
sociedade brasileira e tende a ser mais negativa entre os que buscaram ativamente a Justiça para a
resolução de conflitos ou a realização de direitos. / A pesquisa revelou um sistema de Justiça
marcado por investigações policiais “bastante críticas” e por critérios como rapidez, imparcialidade e
honestidade abaixo de níveis médios em uma escala que vai de zero a quatro pontos. A polícia
judiciária aparece com a pior avaliação entre o grupo analisado. Uma das queixas mais frequentes da
população diz respeito ao mau atendimento nas delegacias. / Notas atribuídas pela população à
Justiça brasileira: Escala de 0 a 10: A população dá nota 4,55 à Justiça brasileira. Escala de 0 a 4: (i)
As pessoas ouvidas deram nota 1,81 para a polícia civil; (ii) 2,2, foi anota atribuída à Polícia Federal e
à Promotoria; (iii) Os juízesreceberam nota 2, 14; (iv) Os defensores públicos 2, 0; (v) Os advogados
receberam 1, 96. A pesquisa ouviu 2.770 brasileiros em todos os Estados do país *05/2011
(Disponível em: <http://www.probono.org.br/percepcao-social-do-brasileiro-sobre-o-sistema-judiciario-
segundo-pesquisa-do-ipea.> Acesso em 06 jul. 15.)”
466
17.1 Por uma redefinição de Justiça, uma alquimia fundida a partir da cultura, do
homem e da linguagem para a edificação de um plano Constitucional social concreto
294 Para Rouanet, “Na ótica da autonomia, em suma, a modernização do Estado não visava à
implantação de um Leviatã burocrático, reduzindo os governados a peças de uma engrenagem
incompreensível, e sim à criação de um Estado a serviço da liberdade e da autodeterminação. Na
prática, a modernização-autonomia acabou coincidindo em larga medida com a modernização–
eficácia.Um dos primeiros efeitos da modernização política introduzida pela Revolução com base nas
ideias da Ilustração foi a extinção das irracionalidades administrativas do Antigo Regime, mas a prova
de que essa coincidência é contingente foi dada pelo Estado bonapartista, eficaz mas não livre. Para
a Ilustração, a intenção não era substituir o Estado burocrático ineficiente de Versalhes por um
Estado burocrático eficiente em Paris, e sim um Estado circunscrito em seu poder e legitimado por
471
algum tipo de participação dos governados. Um Estado que se limitasse a deter o monopólio da
violência e do fisco, e a administrar de acordo com os critérios formais de competência seria
considerado moderno, segundo a lógica da eficácia, mas não segundo a lógica da autonomia
(ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003, p. 159)”.
472
295 Como bem cita o autor, “[...] verificamos que para Weber, modernização significa principalmente o
aumento de eficácia. Mesmo quando outros valores parecem estar em jogo, como a democracia ou a
autonomia da razão, o que se esconde atrás deles é sempre um desempenho mais eficaz do sistema
econômico, político ou cultural. Esse conceito de modernização é o que prevalece na literatura e nas
políticas de desenvolvimento econômico e social. Modernizar significa melhorar a eficácia do sistema
tributário, educacional, de saúde, de transporte, de alimentação. Modernizar é melhorar a eficiência
da administração pública, das instituições políticas, dos partidos. É um conceito funcional de
modernização, no sentido literal: numa sociedade moderna as instituições funcionam melhor que em
sociedade tradicionais (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 121)”.
473
Mas não têm faltado, também, as críticas políticas. Logo depois da guerra,
por exemplo, a guinada universalista foi alimentada pela indignação moral
provocada pelos crimes do nazismo: um padrão não relativo de julgamento
foi considerado necessário para condenar essas atrocidades, qualquer que
fosse o seu condicionamento cultural. Mas foi preciso esperar a década de
1970 para que essa crítica política assumisse a forma que nos interessa
agora: a de que o relativismo era intrinsecamente conservador.
296 “[...] a tese de que o homem é de tal maneira impregnado pela cultura que não pode descentrar-
se, contestando os seus valores de base. Ora, do ponto de vista comunicativo, o descentramento é
uma consequência necessária à própria interação, cuja problematização requer a entrada no
discurso. A argumentação moral suspende a validade dos contextos espontâneos de ação e submete
à crítica o sistema normativo e institucional. As evidências comunitárias são postas entre parênteses.
O que era inquestionado se torna hipotético, as certezas culturais se tornam problemáticas. Com que
direito, entretanto, o homem se julga habilitado a examinar criticamente a sua Lebenswelt – a sua
“cultura”? Com o direito que lhe é concedido pela própria forma de estruturação de Lebenswelt. Ela é
atravessada por processos comunicativos que repousam em pretensões de validade, entre as quais a
de caráter normativo. Quando pratico um ato linguístico de caráter regulativo – ordem, proibição,
recomendação –, estou pronto a justificar meu direito de praticar esse ato, se questionado por meu
interlocutor. Na comunicação normal, se essa situação ocorrer, farei essa justificação alegando que
estou obedecendo a uma norma intersubjetiva aceita. Mas se a própria norma for contestada, esse
argumento deixará de ser suficiente. Terei que ingressar num discurso prático, no qual todos os
interessados porão à prova a validade da norma: é uma argumentação de segundo grau, em que a
norma não serve mais de justificação, pois é ela própria que precisa ser justificada (ROUANET,
Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003,
p. 274)”.
474
297 Para Wilber: “É precisamente no dualismo de “criar dois mundos de um” que o universo se corta,
mutila e, consequentemente, se torna “falso para si mesmo”, como assinalou G. Spencer Brown. E a
própria base deste “criar dois mundos de um” é a ilusão dualística de ser o sujeito fundamentalmente
separado e distinto do objeto. Como vimos, foi exatamente nessa maneira de ver que os citados
físicos esbarraram, a maneira de ver culminante de 300 anos de pesquisa científica persistente e
consistente. Ora, isto é da máxima importância, pois, tais cientistas só poderiam compreender a
impropriedade do conhecimento dualístico reconhecendo (por mais obscuramente que fosse) a
possibilidade de outro modo de conhecer a Realidade, um modo de conhecer que não opera
separando o conhecedor do conhecido, o sujeito do objeto. Eddington explica o segundo modo de
conhecer: Temos duas espécies de conhecimento, que chamo de conhecimento simbólico e
conhecimento íntimo... [As] formas mais costumeiras de raciocínio foram desenvolvidas apenas para
o conhecimento simbólico. O conhecimento íntimo não se sujeita à codificação e à análise; ou,
476
Uma questão curiosa que merece atenção é a posição de Marx e Hillix (2008,
p. 18) para o sentido de conferirmos o padrão para resguardar a estabilidade das
coisas, senão vejamos:
A forma substancial e visual com que homem precisa o mundo, para atingir o
nível do padrão consensual, se substituída por uma realidade falada de
participações conjunta para que se possam estabelecer os padrões a serem
seguidos, representa um método da ética discursiva.
Com a padronização a partir de uma observação indiferente, separada pela
distância do sujeito-objeto exige que seja refundada a relação de intersubjetividade,
devidamente categorizadas e catalogadas. Com isso, os dados e as informações
passam a relacionar-se com as normas de forma sistêmica, contribuindo para o
processo de aplicabilidade, bem como para a avaliação do efetivo cumprimento da
norma realizada pelo processo de retroalimentação.
O debate com a realidade faz com que a técnica-normativa não seja
questionada quando de sua aplicação, todavia esse debate não se dará a partir dos
padrões da antiguidade.
melhor, quando tentamos analisá-lo, perde-se a intimidade, que é substituída pelo simbolismo.
Eddington chama “íntimo” ao segundo modo de conhecer porque sujeito e objeto estão intimamente
unidos em sua operação. Entretanto, assim que surge o dualismo de sujeito e objeto, a “intimidade se
perde” e é “substituída pelo simbolismo”, e caímos instantaneamente de volta ao mundo comuníssimo
do conhecimento analítico e dualístico. Dessarte – e dentro em pouco o descreveremos miudamente
– o conhecimento simbólico é o conhecimento dualístico. E uma vez que é ilusória a separação entre
sujeito e objeto, o conhecimento simbólico que dela se segue, em certo sentido, é igualmente ilusório
(WILBER, Ken. O espectro da consciência; tradução Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix,
2007, p. 35)”.
477
[...] o papel do cientista social deveria ser o de tornar evidente, para seus
contemporâneos, a dinâmica da sociedade em que vive e o sentido de sua
participação específica. A utilidade das ciências sociais seria dada pela sua
capacidade de transformar os grandes problemas vividos pelo povo em
questões públicas, em favor de mudanças sociais, tornando os cidadãos
capazes de saírem de seus limites individuais e se sentirem parte de uma
história à qual a sua biografia está estreitamente vinculada.
[...] todos vivem num grupo determinado, recebem a maior parte de seus
conhecimentos através dos pais, professores e predecessores. Recebem
também uma visão de mundo, maneiras de classificar e tipificar a realidade,
criando um universo vivencial específico, de tal forma que seu saber vai do
“familiar” ao “anônimo” a partir da situação “face a face” e da vida prática,
por meio das quais se relacionam com o mundo.
299 Segundo Santos: “A proposta de Villey visa a algo de diferente, a ponto de colocar o homem como
centro. Embora os direitos do indivíduo, no início pareçam ser ilimitados, encontram no outro suas
limitações; mais do que isso, delatam uma falha gravíssima no direito positivo, revelam que sua
gestação coisificada é, indiscutivelmente, inadequada ao homem, quando o que se busca é dar
guarida à subjetividade deste. O autor, em um lampejo, capta a dificuldade e, ao mesmo tempo, a
crise na qual o positivismo jurídico se encontra em decorrência de sua inelasticidade (SANTOS, Fabio
Marques Ferreira. Conversão do direito positivo ao direito subjetivo moderno. In: Revista Em tempo.
Marília, v. 11, n. 11, 2012, p. 42)”
483
300
Cf.: FAVER, Marcus Antônio de Souza. O judiciário e a credibilidade da justiça. In: Revista
EMERJ, v. 4, n. 13, 2001. Disponível em:
<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista13/revista13_11.pdf>. Acesso em: 13
jul. 2015
484
301 “A meu ver, o Direito está em crise quando ocorre o seu afastamento da realidade social pela
ruptura de coerência que, nesse aspecto, deveria manter, pela decadência do seu conteúdo ético que
o conduz à sua finalidade e à realização de Justiça. Esse é um conceito cultural e histórico que afeta
o aspecto ético e psicológico da sociedade. Há assim Crise do Direito em decorrência da má
elaboração e da má execução das leis por ocasião da sua aplicação. Enfrentamos, então, em nossos
dias um verdadeiro “marginalismo jurídico”, caracterizado pela falta de sintonia entre a realidade
social, que o Direito imperfeitamente procura refletir, e pelo seu caráter esotérico, com pertinência ao
desconhecimento pelas massas, que nele não vêem um conteúdo humanístico nem o catecismo de
que falava Bentham e a posição de vanguarda de alguns institutos para os quais o povo ainda não
amadureceu conscientemente. Resulta disso tudo que o Direito às vezes se encontra em dissonância
com o meio social, por estar aquém dos anseios da sociedade, repercutindo negativamente na
coletividade a fratura entre o Direito posto e os anseios da sociedade decorrente basicamente da
fragilidade político-ideológica dos nossos representantes que elaboram as leis. Surge, então, um
adágio popular no Brasil que reflete essa situação – “leis que pegam e leis que não pegam”. Há uma
desarmonia entre a estrutura legal e a vontade consciente e natural que o cidadão tem de que a sua
conduta seja ditada por leis que estejam de acordo com o sentimento e a vontade da própria
sociedade. Essa crise do Direito torna-se até dramática quando situada no plano da eficácia das leis.
Na verdade, quando os princípios declarados implícita ou explicitamente nas normas legais e
correspondentes quase sempre a ideias liberais injustas são confrontados com a realidade cotidiana,
ocorrem a perplexidade, o choque social e a frustração da sociedade, o que é dramático. É
necessário acentuar que obviamente a lei nasce para ter uma eficácia real, ou seja, para atingir e
atender os fins sociais para os quais foi editada. Se, no entanto, ao ser aplicada, o conteúdo da
motivação ou do texto legal deixa de ser consagrado ou sendo até mesmo contraposto pelas práticas
sociais, a lei será ineficaz na medida e na proporção desta discrepância, provocando uma verdadeira
crise do Direito.Penso assim que, na realidade brasileira, estamos vivendo uma crise do Direito. Há
uma angústia de buscar o Direito justo e eficaz que corresponda aos anseios da nossa sociedade.
Entretanto, ao lado da crise do Direito há a discussão palpável em relação ao Direito Penal, a
sociedade está agitada numa situação em que se aumenta o índice da criminalidade e afrouxamos
sistemas legais, aumentando a sensação de impunidade. Então, a sociedade vive uma angústia
decorrente da crise do Direito e que acarreta, no seu desdobramento, o que se denomina Crise de
Justiça, que não consegue dar à população uma resposta aos seus anseios. (Destaques são nossos)
(FAVER, Marcus Antônio de Souza. O judiciário e a credibilidade da justiça. In: Revista EMERJ, v. 4,
n. 13, 2001, p. 16. Disponível em:
<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista13/revista13_11.pdf>. Acesso em: 13
jul. 2015)”.
485
302 “Nem todos os conservadores são relativistas, mas apesar de discrepâncias individuais podemos
dizer que todo relativismo tende a posições conservadoras. A afirmação de que não há princípios
éticos universais de que o que é válido numa cultura não é válido em outras, de que não há padrões
de medida que permitam a uma cultura julgar a outra, e outros itens da vulgata relativista, derivam em
linha reta do historismo alemão inspirado em Herder. Para o historismo, toda moral finca suas raízes
no Volksgeist, e como cada povo tem o seu Geist, os valores são necessariamente múltiplos, únicos e
incomensuráveis. Ora, esse historismo foi uma reação ideológica conservadora contra o tufão
universalista que soprava da França. Afirmando os valores da particularidade, os historistas estavam
se defendendo da razão universalista do Iluminismo, que queria refazer em toda parte a cidade dos
homens, à luz de princípios universais de justiça. / Foi o mesmo esquema historista que levou Burke a
repudiar a Revolução Francesa, invocando the rights of theEnglisman, produzidos pela história e
portanto legítimos, em contraposição aos droits de I’homme, universais e portanto, abstratos. Foi o
esquema que presidiu o pensamento ultralegitimista que se seguiu à Revolução, para o qual só
existem homens particulares, e não homem em geral, com a consequência de que a Declaração dos
Direitos do Homem era vazia, porque não tinha destinatários concretos. Foi o esquema que
impregnou a escola histórica alemã, para a qual só contam os valores “orgânicos”, inseridos na
particularidade da família e da nação. Foi o esquema do nazismo, que opunha a particularidade do
“sangue e do solo” ao universalismo apátrida dos judeus cosmopolitas. É o esquema dos
autoritarismos latino-americanos, que repudiam as “doutrinas exóticas” em nome da realidade
nacional (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003, p. 268)”.
486
303E complementa o mesmo autor, estribado em Ross, Kelsen e Bobbio: “Recorrem Ross, Kelsen e
Bobbio ao que se denomina uma concepção puramente procedimental da democracia. Em nenhum
momento estes atores pensam a democracia como o conteúdo de uma determinada ordem social e
econômica que se propaga com o melhor e mais justo. Os três aludidos autores veem a democracia
como o conjunto de regras ou procedimentos, aqueles que amiúde se chamam “regras do jogo”, que
permitem tomar as decisões coletivas. Estas no sentido de que se dirigem a todos os membros de
uma coletividade e que, além disso, são vinculantes (WARAT, Luis Alberto. Introdução geral aos
direitos fundamentais: o direito não estudado pela teoria jurídica moderna. Porto Alegre: S. A.
Fabris, 1997. v. 3, p. 100)”.
489
Uma mudança de modelo do sistema operacional das leis não estaria próxima
de algo que se desconhece, mas, ao contrário, estaria a serviço do cumprimento do
que se conhece por intermédio de estudos científicos, e que se define como
proposta consciente para o alcance do bom e do justo.
E que já é ponto pacífico tanto por parte da sociedade como do próprio
sistema operacional de aplicação das leis, como ilustram os anexos I e II *
(Judiciário, Reforma e Economia: A Visão dos Magistrados 07/2003); ** (Sistema de
Indicadores de Percepção Social 05/2011), através das informações e dos dados
coletados.
A lei Constitucional exige que sua substancialidade seja concretizada, sob
pena de o “caos” judiciário abrir uma vala ainda maior. É vital o que se deduz das
novas legislações, a importância de se implantarem mecanismos tecnológicos que
proporcionem integração, unificação e uniformização para a concessão de uma
resposta mais célere, eficiente e eficaz.
Essa proposta, ou seja, o atrelamento do bom e do justo, independentemente
da forma como será processada, considerando o cenário da tecnologização,
mediada por uma nova forma de inteligência, contribuirá para o afastamento de
parte dos problemas.
Nos dias atuais, a participação do homem na mediação do sistema está
prejudicada devido a um empobrecimento intelectual cultivado nas últimas décadas.
Esse enfraquecimento é o responsável pelo rebaixamento do nível da qualidade
estrutural em todos os níveis e demandará décadas para se reestabelecer.
Uma organização operacional tecnológica promoverá a demonstração precisa
de falhas, erros e equívocos ainda acobertados. A justaposição – a partir da
integração – produzirá dados e informações mais precisas sobre o cenário da
Justiça, demonstrando com maior exatidão as positividades e as negatividades do
sistema em menor tempo.
Com isso, o estabelecimento de um plano de ações proporcionará que as
infindáveis e desnecessárias discussões sejam substituídas por tempo suficiente
para o homem voltar sua atenção ao estudo das ciências do Direito e repensar seu
papel.
491
Esse hiato abre a oportunidade para que outro modelo inexoravelmente possa
eclodir, e, em uma posição menos radical, coexistir, até que gradualmente seja
mantido como mais uma opção alternativa de acesso à Justiça ou assuma de forma
majoritária a posição modelar suprema na operacionalização do sistema normativo,
que somente poderá ser constatado em um presente que ainda não aconteceu
materialmente.
Um novo paradigma de mediação para a ocorrência da Justiça propõe que o
indivíduo tenha o máximo de participação do processo de definição/conceituação do
Direito e da Justiça. O afastamento dos aspectos formais é um demonstrativo do
contato material; dessa forma, a substancialidade procedimental acontece em
consonância com os ideários constitucionais.
O retrato de um novo paradigma ganha força na medida em que o espaço
anteriormente preenchido vem apresentando esvaziamento em sua eficácia e
efetividade.304E complementa o mesmo autor (1997, p.138): “A repetição do passado
impede receber os sinais do novo, determina a morte do pensamento, do sentimento
e da ação”. Pode ser concebido como algo que nos alivia, nos exclui, ou nos devora.
Repetir o passado seria uma forma de esgotar o presente, de desestimar sua
força criativa e introduzir uma pulsão destrutiva, uma forma de instalar o cinismo
como condição da transmodernidade.
Seria um eterno presente de sobrevivências e um futuro indecifrável. Não é
mais possível reservar-se ao silêncio da inércia e de uma aforia vã. É importante que
se tome uma ação criativa, crítica e construtiva de um parâmetro que se vê
reticulado nas erupções da fraude e da não eficácia do modelo já suplantado.
304 Para Warat: “Importa notar, aqui, que sempre se produziu uma usurpação retórica da regra da
maioria. As decisões coletivas não deixam de produzir heteronomamente quando se invoca
ficticiamente a vontade majoritária. As maiorias manipuladas suportam, em seu próprio nome, o
funcionamento heterônomo das decisões coletivas. Sobre a base da vontade da maioria, se cria uma
aparência de autonomia que serve para ocultar o caráter heterônomo das decisões coletivas. Em
nome da autonomia os juristas conseguem legitimar a contribuição heterônoma dos sujeitos de direito
e das significações jurídicas, deixando nas suas mãos de instâncias institucionais a formação de
prática política e jurídica da sociedade (WARAT, Luis Alberto. Introdução geral aos direitos
fundamentais: o direito não estudado pela teoria jurídica moderna. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1997.
v. 3, p. 103)”.
494
As realidades por esse prisma passariam a coexistir. Por outro lado, como já
denunciado, uma vez que tal homem não participa dos processos essenciais da
construção de seus próprios dogmas, confiar na imparcialidade e na neutralidade
daquele que buscará por intermédio dos meios eruditos de interpretação conferir a
subsunção entre as realidades para a fundição de uma Justiça apresenta-se como
algo irrealizável. Segundo Warat (1997, p. 142):
305 Esclarece Warat: “Fazer referência ao recurso dogmático implica postular um legado de um
presumível saber como condição indispensável para o exercício da função de julgar. É dizer: a
significação imaginária da magistratura, dada como uma busca de sentido e não como um atributo do
que tem que julgar: A neutralidade como uma possibilidade (desejada) de que o que julga pode
controlar seus sentimentos. A famosa figura do Juiz neutro, vista com abstinência e não como um
sujeito sem desejo. A abstinência como distância e não como falta de responsabilidade com o que se
interpreta (WARAT, Luis Alberto. Introdução geral aos direitos fundamentais: o direito não
estudado pela teoria jurídica moderna. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1997. v. 3, p. 143)”.
497
Por ser esse o fim último da comunicação, não parece impossível que a ela
não possa ser estabelecida por intermédio de uma linguagem tecnológica integrada
por uma Inteligência Artificial sem prejudicar a realidade concreta do indivíduo e das
mudanças recorrentes.
A emancipação do indivíduo dá-se também a partir de uma participação em
outra linguagem e de outra forma de inteligência, a partir de uma dialética ativa
participativa, na qual o Direito passa a ser mais concreto devido a uma concreta
participação do indivíduo na construção consciente da sua realidade.
Tanto no campo da individualidade como no da coletividade, para os quais o
resultado dessa dialética contribui – e não somente para a atualização dessas
relações como para a formação de um novo estoque de novos conhecimentos
nutridos de um maior nivelamento cognitivo – também são participativas a
integração, a unificação e a uniformização de dados e informações. Esclarece
Fernando Coelho (1991, p. 82):
306 E complementa o mesmo autor: “Segundo Luhmann, o sistema social é uma estrutura cuja
complexidade envolve a totalidade dos comportamentos possíveis dentro da sociedade, com
possibilidade de variação, contradições e alternativas; mas ela pode ser reduzida pelo próprio
sistema, por meio de um processo de seletividade, implicando a redução do âmbito das
possibilidades sem acabar com elas. Os critérios dessa seletividade são os valores, os quais estão,
todavia, encerrados nas instâncias de normatividade que constituem os meios pelos quais ocorre a
participação decisória do poder; quando esta seletividade, levada a efeito pelo poder a partir dos
valores e revelada pelas instâncias normativas recebe a adesão de uma maioria grupal significativa,
de modo a ser erigida em pressuposto das próprias decisões individuais, ocorre a concretização
jurídica dos valores (COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 2. ed. Porto Alegre: Fabris,
1991, p. 202)”.
498
307 “Um grupo de estudantes da Universidade de Toronto criou um "advogado virtual" com base no
Watson, o supercomputador da IBM.Chamado de Ross, o sistema está sendo apoiado pela própria
IBM e será oferecido para advogados e escritórios de advocacia como um serviço baseado na nuvem
que pode responder questões jurídicas. / O usuário faz uma pergunta e o sistema gera uma resposta
concreta, citando um precedente, além de sugerir leituras relevantes ao tema e uma porcentagem de
chances de que aquela resposta esteja certa.
Se um novo caso que seja relevante entre no banco de dados, o Ross irá alertar seu usuário no
smartphone. / "Basicamente, o que nós construímos é o melhor pesquisador jurídico do mundo. Ele é
capaz de fazer em segundos o que um advogado levaria horas", afirma Andrew Arruda, um dos
criadores do Ross. A IBM anunciou que irá dar aos estudantes livre acesso à plataforma do Watson e
ainda estuda realizar um investimento na startup que eles formaram para vender o serviço.
Para criar o Ross, a equipe da Universidade de Toronto alimentou o sistema da IBM com um grande
volume de precedentes jurídicos e leis do mundo inteiro.Mas o que torna a máquina poderosa é a
capacidade de computação cognitiva que possui, ou seja, de continuar aprendendo e melhorando à
medida que os advogados a usem. / Agora, a intenção dos estudantes é fazer acordos com tribunais,
para que eles alimentem o programa assim que novos julgamentos e processos estejam disponíveis
em seus sistemas”. Disponível em: <http://info.abril.com.br/noticias/tecnologia-
pessoal/2015/01/estudantes-criam-advogado-virtual-baseado-em-supercomputador-da-ibm.shtml.>.
Acesso em: 29 jan. 15.
308 Por João Ozorio de Melo: No início dos anos 1970, uma célebre mensagem na porta de um
banheiro na Universidade de Brasília dizia: “Quer mais uma vaga para engenharia? Mate um
japonês”. A frase causou polêmica, mas era um reconhecimento à inteligência e à dedicação aos
estudos dos nisseis. Houvesse “x” japoneses matriculados no vestibular para cursos de ciências
exatas, sabia-se que a mesma quantidade de vagas seria ocupada por eles. Cabia aos demais
vestibulandos disputar as restantes. Existem situações em que a competição é “ingrata”. Dentro de
alguns anos, por exemplo, uma situação semelhante poderá se repetir para estudantes de Direito —
em relação a emprego, porém. A mensagem na porta do banheiro da faculdade poderá ser, então:
“Quer criar uma vaga em um escritório de advocacia? Quebre um robô”.Uma outra possibilidade é
aparecer escrito: “Mate o Watson”, o robô com inteligência artificial, inventado pela IBM. O site do
Watson explica que ele é, na verdade, é um sistema de computação cognitiva que entende a
linguagem natural e não precisa ser programado: aprende com o uso, a cada dia.Ou então: “Mate o
Ross”, o “primeiro advogado artificialmente inteligente do mundo”. O Ross foi criado por estudantes
da Universidade de Toronto. Ele foi gerado de uma “costela” do Watson — isto é, criaram um
aplicativo que resultou em uma versão do Watson, um robô especializado em serviços jurídicos.Para
tornar a perspectiva ainda mais assustadora, o Ross foi “adotado” pela maior banca do mundo, a
Dentons, de acordo com o jornal The Globe and Mail e o site Ars Techinica. “Como um ser humano, o
Ross está passando por um período de experiência em um escritório de advocacia, está aprendendo
e ficando melhor a cada dia”, disse ao jornal o cofundador da Ross (que criou uma start-up com o
nome do robô) Andrew Arruda.Qualquer que seja o nome, o fato é que, dentro de dez anos,
praticamente todos os serviços jurídicos executados hoje por advogados de primeiro ano de prática e
por paralegais (ou auxiliares jurídicos) serão executados por robôs. Então, o Watson e o Ross
poderão ser peças de museu, por conta da velocidade em que a tecnologia evolui. Mas a certeza é
que em cinco anos, robôs mais evoluídos já darão sinais de vida.A previsão é para os Estados Unidos
e foi feita por administradores ou “líderes” de escritórios de advocacia, em uma pesquisa realizada
500
pela Altman Weil. Todos os anos, essa firma entrevista os “líderes” das bancas americanas, para
analisar as transições que estão a caminho – e que irão ocorrer — nas atividades cotidianas da
advocacia, para se prever o futuro. Se concorrer com japoneses no vestibular para engenharia já é
uma tarefa difícil, concorrer com o Ross pode ser uma missão impossível. Ele pode “varrer” milhões
de páginas de jurisprudência e legislação em segundos, para responder questões jurídicas — ele
ganhou um concurso no programa Jeopardy, de perguntas e respostas, nos EUA, fazendo
exatamente isso. / Nem todos os “líderes” da advocacia americana apostam no sucesso dos robôs.
De todos os entrevistados, 35% acreditam que o trabalho dos novos advogados será feito por robôs
no futuro. E 47% acreditam que os paralegais perderão o emprego. Mas, em 2011, apenas 23%
pensavam assim, em relação a novos advogados, e 35%, em relação aos paralegais. Uma boa parte
dos advogados, em todo o mundo, no entanto, ainda são resistentes à computação e à adoção de
novas tecnologias. Mas à medida em que os robôs se comprovarem eficientes, reduzirem os custos
do escritório, trabalharem quantas horas por dia forem necessárias sem reclamar, eles devem mudar
de ideia. A guerra do homem contra a máquina, pelo trabalho, não é nova, evidentemente. Teve
grande expressão na Revolução Industrial, como se sabe. A máquina sempre irá prevalecer. E o
homem sempre encontrará uma saída, mesmo que seja pela tangente. A adoção do Ross pela
Dentons é um alerta para a classe e para as faculdades de Direito se prepararem para a transição
que virá — e estarem prontas para ajudar a salvar pelo menos os novos advogados. As previsões são
de que esses robôs vão invadir, primeiramente, o espaço dos advogados do primeiro ano de prática;
depois do segundo ano de prática; depois do terceiro. Quantos aos paralegais (ou auxiliares
jurídicos), eles poderão fazer parte, dentro de algum tempo, de uma classe em extinção”. Disponível
em: <http://www.conjur.com.br/2015-out-29/estudo-preve-robos-farao-trabalho-advogados-
paralegais?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook.>.
501
Exige-se muito mais do homem que deve converter seu tempo em regime
escravo/social, em que se tem muita aparência e pouca essência, para que o
sistema jurídico possa ganhar qualitativamente a partir do aprofundamento obtido
através do estudo efetivo dos institutos legais que regram as ações do indivíduo
coletivo na sociedade pós-moderna.
A integração em uma base de dados virtuais do receituário jurídico das regras
de relacionamento social em todos os aspectos de forma categorizada representa
um ferramental dos novos tempos (ultramodernidade tecnologizada).
É de se observar o presente com as vistas voltadas para o passado. Como
eram os relacionamentos pessoais, os meios de transportes, os sistemas de
telefonia. Será que somente o Direito, a Justiça e toda a sistemática que os
envolvem seriam tomadas por uma estrutura anacrônica ou petrificada pela
imutabilidade?
No processo de inovação, a produção intelectiva enfrenta sérios problemas
quando a sociedade em que germina uma “ideia” enxerga a proposta como algo
fundamentalista, desconexa e até mesmo “louca”, todavia o que se encontra em
conflito e em risco na área do Direito é próprio Direito.
Seja no campo de sua aplicação ou no da busca pelo justo, em jogo estão os
interesses inclusive dos resistentes em transformar a Justiça em algo melhor, a partir
da instauração de um novo modelo que acompanhe os novos tempos e que possa
dar à sociedade uma Justiça dentro dos moldes previstos na lei, sustentando assim
materialmente o adjetivo da “previsibilidade real”.
A nova concepção de Justiça tem como base a unificação das regras, das
decisões, da justaposição dos casos, da organização e da divisão dos conflitos por
especialidade, catalogação, enfim, a categorização do Direito pelos meios
tecnológicos contribuirá além de tudo para que o Estado possa andar à frente de seu
tempo.
Diferentemente da repressão, deve promover políticas públicas com
planejamento, pois, com as novas condições, será possível que os diagnósticos
estejam sempre atualizados para a tomada de ações proativas, decisões certas e
coerentes, gerando maior credibilidade, confiança e pacificação social concreta.
502
Tais critérios, quando aplicados às regras, projetam no Direito uma ação com
maior estabilidade e confiabilidade em todos os aspectos; a transparência na
aplicação do enunciado prescritivo normativo isentaria a racionalidade do Direito da
racionalidade “irracional” subjetiva, ou melhor, da racionalidade-pessoalidade
decisional. Neste contexto, as lições de Fernando Coelho (1991, p. 324-325) são
pontuais:
indicativo da lei, resultado da interpretação jurídica é isto muito mais complexo do que a decisão em
si, o mesmo se podendo dizer dos enunciados indicativos das situações sub-judice, em cujo processo
de elaboração intervêm fatores coletivos e irracionais. Finalmente, o próprio silogismo judicial pode
significar que a decisão concreta é anterior a todo raciocínio analítico, isto é, o enunciado das
premissas é somente um apoio lógico-formal que o próprio juiz elabora para fundamentar a posterior
a decisão que ele já tomara; destarte, ao invés de a subsunção traduzir a interpretação do caso
concreto à luz da lei, o que pode ocorrer é um processo inverso, a interpretação da lei ser feita à luz
do entendimento que o juiz tem a priori do caso concreto, embora tal entendimento possa até ser
inconsciente (COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1991, p.
335)”.
311 E para Bittar: “O Ilusionismo da razão figurando como uma espécie de cintilante sedutor dos
espíritos modernos, que se tornam criticamente cegos aos defeitos de suas próprias concepções, não
afasta a possibilidade de erro, apenas mascarando a dimensão do que estaria para ser vivido ainda
na dimensão dos anos, em que a modernidade começa a ser colocada em questão. Ao ser vangloriar
a razão, cartesianamente não se sabia que ela seria capaz de criar a bomba atômica? Ao se
vangloriar, a liberdade ética do dever, kantianamente, não se sabia que a liberdade ética é facilmente
em subjetivismo ético? Ao se propugnar a igualdade de todos, rousseanamente, não se sabia que a
igualdade não pode ser cumprida sem grandes injustiças perante aqueles que “são menos iguais que
outros”? Ao se transformar o homem em instrumento das máquinas, não se haveria de perceber que
em certo momento seria substituído por estas máquinas? Ao se transformar a natureza em objeto,
baconianamente, não se poderia entender que haveria de ser colocada à mercê da ganância e da
exploração exauriente humana? Ao se pensar na soberania e na centralidade unitária do Estado,
hobbesianamente, não. Ter-se-ia previsto ser o povo completamente alijado de qualquer participação
na construção da sociedade? Ao se pensar a criação do comunismo, não se estaria a correr o risco
de o próprio Estado – transitivo em direção ao comunismo se transformar, ele mesmo, no novo
detentor dos modos de produção, o que faria, portanto, da burocracia a nova classe burguesa,
invertendo apenas o poder econômico de mãos? É bem cabível aqui, após tantas perguntas, a
afirmativa de Baumann “nós, humanos, somos dotados de tudo de que todos precisam para tomar o
caminho certo, que, uma vez escolhido, será o mesmo para todos. O sujeito de Descartes e o homem
de Kant, armados da razão, não irradiam em seus caminhos humanos a menos que imprimidos ou
atraídos para fora da reta trilha iluminada da razão (BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-
modernidade. 2. ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 52)”.
509
adotado pelo sistema jurídico.312A validade normativa no século XXI vem há tempos
relegada à ineficácia da norma não devido à sua validade, mas devido à ausência de
efetividade temporal. O fenômeno fato e direito acontece tardiamente pela tentativa
de sua reconstrução a cada caso.
Com esse modo rudimentar, busca incansavelmente atender à demanda
massificada dos interesses individuais coletivos, cujo objetivo paira na busca de
resultados eficazes a partir das leis existentes dentro do ordenamento jurídico,
sendo que em qualquer uma das hipóteses é instrumentalizada artesanalmente pela
elaboração humana do homem/Juiz.
Dadas as condições humanas de seu operador, o não alcance dos resultados
da eficácia representa uma condição natural do evento e gera injustiça pela
qualidade da prestação jurisdicional ou pela via do represamento das litigâncias que
aguardam anos por seu julgamento ou por intermédio de mecanismos de
impedimento legalmente gerados para evitar o acesso desenfreado em busca da
Justiça.
A simplicidade das formas e da concretização rápida dos reclamos exige e ao
mesmo tempo gera a necessidade de um novo modelo preparado para atender
objetivos primários. Na linguagem tecnológica, em que a Inteligência Artificial passa
a dialogar e a mediar o Direito e a categorização das ações humanas de forma
sistematizada, o êxito da Justiça não somente se apresenta possível como a
simplicidade e a concretização do Direito passam a acontecer efetivamente.
312 Segundo Fernando Coelho: “Observa Perelman que, se o século XIX presenciou o domínio do
formalismo no Direito, pari passu com uma concepção Estatal e legalista das normas jurídicas, o
século XX é o século do relativismo e do pluralismo jurídico, onde os princípios gerais do Direito
assumem importância cada vez maior, mercê da influência de consideração de índole sociológica e
metodológica; a teoria do direito, característica deste século, favorece a concepção tópica do
raciocínio jurídico, ontológico ao formalismo, conduzindo ao reconhecimento do papel do juiz na
elaboração do direito e a prevalência da norma sobre a sua validade (COELHO, Luiz Fernando.
Lógica jurídica e interpretação das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 2)”.
511
Seria isso o marco de uma nova Era do Direito: ele passaria a ser, além de
somente uma ciência humana com participação humana, uma ciência humana com
participação tecnológica em seu processo de análise, avaliação e aplicação. O
Direito passaria a ser mediado não pela racionalidade humana, mas pela
racionalidade lógica da tecnologia, promovida por intermédio da Inteligência Artificial.
O Direito até então apropriado pelo processo racional humano de
interpretação, criação, integração e complementariedade – em que o trabalho
hermenêutico nem sempre se concretiza – passaria a ser realizado a partir de outro
modelo de gestão, desde que conservadas as mesmas garantias legais
secularmente conquistadas pela espécie humana e coligidas em seus diplomas
legais.
A sociedade ultramoderna não almeja Justiça; o escopo da nova geração é a
busca da prática útil do Direito, do resultado rápido, eficaz e descomplicado, das
demandas que apresentam a logicidade e a racionalidade dos novos tempos.
Na divergência conflituosa não está a esperar uma próxima “divergência”,
necessita de solução antes mesmo do advento de uma possível recorrência ou
ocorrência, é preciso abrigar no mesmo recinto- “espaço” o Direito e Justiça.
Do clássico silogismo dedutivo resta a estrutura de movimento que é
transportado para uma nova inteligência capaz de realizá-la “zás-trás”, rapidamente.
As clássicas teorias tridimensionais do Direito, da argumentação, dentre outras
foram frutos de uma época romântica do Direito, nostálgica, incapaz de responder a
uma demanda pouco apaixonada da massificação individual ou coletiva.
Em que o homem/Juiz é o operador e se vê rendido ao não responder à
altura, seja pelo limite de sua capacidade cognitiva ou da superior demanda
“quantitativa” que lhe é submetida todos os dias.
A condição humana do operador há tempos desmistificada vem levantando
polêmica ante dos problemas comuns imanentes à espécie, cuja qualidade é
inerente ao homem/Juiz, expondo-o às mesmas e suscetíveis fraquezas e
docilidades, que fazem a espécie humana vulnerável aos desejos e encantos dos
tempos atuais.
512
Sendo assim, o ato recriação do Direito não pode ser de encargo livre do
homem/Juiz, devido ao risco da ilegalidade iminente e evidente a que sua condição
de falibilidade pode expor o sistema. Não é necessário um segundo legislador, o que
se busca e o que se pode obter com a organização tecnológica é a fiel aplicação da
lei consoante a perspectiva de civil law, mantendo, assim, a clareza e a objetividade
das leis.
A relação é paradoxal, até o advento do homem competir com um outro de
sua espécie; os critérios claros e predefinidos selecionam alguns dentre a espécie.
Neste caso, os mais bem preparados passam à frente das fileiras para coordenar os
demais, bem como para orientá-los e julgá-los.
A organização da sociedade é algo que funciona com essa lógica, uma
domesticação, uma dominação, uma docilidade hereditária, que faz dessa
oportunidade a monopolização do poder.
Caricaturando de forma a se valer do pensamento foucauniano, o Poder
Judiciário na modernidade locomove-se em um sentido diverso superado por um
poder imperativo normativo, por um poder disciplinar já naturalmente inseminado
endogenamente nas instituições que socialmente moldam os aspectos
comportamentais da sociedade.
Para uma nova Justiça, é essencial que uma nova sociedade surja,
impossível acabar uma e existir uma outra como em um passe de mágica. Salvos os
eventos históricos impostos pela própria natureza (catástrofes), todavia, a transição
é necessária, embora seja cediço que parte ficará inevitavelmente no fosso do
passado.313A realidade atual da estrutura social é essa e a do judiciário, por ser um
órgão do Estado simetricamente igual, tem como proposta o conhecimento-
313 Em tal sentido, as lições de Boaventura Santos são esclarecedoras: “A realização deste equilíbrio
dinâmico foi confiada a três lógicas da racionalidade atrás mencionadas: a racionalidade moral-crítica,
a racionalidade estética expressiva e a racionalidade cognitivo-instrumental. Vimos, porém, que nos
últimos duzentos anos a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da tecnologia se foi
impondo às demais. Com isto, o conhecimento-regulação conquistou a primazia sobre o
conhecimento-emancipação: a ordem transformou-se na forma hegemônica de saber e o caos na
forma hegemônica de ignorância. Este desequilíbrio a favor do conhecimento-regulação permitiu a
este último recodificar nos seus próprios termos o conhecimento-emancipação. Assim, o Estado de
saber no conhecimento-emancipação passou a estado de ignorância no conhecimento-regulação
(solidariedade foi recodificada como caos) e, inversamente, a ignorância no conhecimento-
emancipação passou a estado, de saber no conhecimento-regulação (o colonialismo foi recodificado
como ordem) (SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2013, p. 79)”.
513
314 “A politização das decisões judiciais foi originalmente pesquisada por Sadek (1995), e depois por
Vianna et alii (1997), na forma de uma não neutralidade do juiz na interpretação das leis. Esses
trabalhos revelam que o magistrado brasileiro vê-se como responsável por promover a mudança
social e, em particular, reduzir as desigualdades sociais, dispondo-se, com frequência, a ignorar não
apenas os contratos mas também as leis na busca desse objetivo.Predomina a visão de que esse é
um papel do juiz singular, mais do que do Judiciário enquanto instituição, é que nesse papel o juiz
deve não apenas impor o direito feito pelo Legislativo, mas fazer ele mesmo o direito, buscando mais
a “justiça” do que a certeza jurídica. Como observam Vianna et alii (1997), ao contrário do que em
geral se imagina, considerando que o Brasil funciona em um sistema de civil law, o magistrado
brasileiro age em larga medida como um juiz do common law, ainda que não aceite limitar-se por
regras de precedentes ou pelas decisões de tribunais superiores, que são os instrumentos que dão
previsibilidade ao sistema de common law. Um resultado importante desta pesquisa é que a não
neutralidade do magistrado, que dá origem a decisões enviesadas ou com pouca previsibilidade,
pode ser um problema, do ponto de vista da economia, tão importante quanto a morosidade. Um
problema agravado pelo pouco conhecimento que se tem dele (PINHEIRO, Armando Castelar. Texto
para discussão nº 966. IPEA. Rio de Janeiro, jul. 2003, p. 46. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0966.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2015)”.
515
19 ASPECTOS MACROCOGNITIVOS
Para os visionários de uma solução efetiva o que importa é que seja possível
superar as anomalias existentes na imprevisibilidade, na incerteza e na morosidade
do sistema judiciário.
É essencial, em uma posição radical, que o abandono ao paradigma
ineficiente aconteça e com isso a atenção dos cientistas das ciências jurídicas se
volte à nova proposta, de tal forma como se faz quando existe o abandono de
institutos quando não mais existem razões a sustentá-los no ordenamento jurídico,
ante sua completa ineficácia.
Um acontecimento dessa magnitude importaria em alterar a léxico do sistema
judiciário, seu organicismo e toda sua sistemática de coesão mantenedora de seu
funcionamento.
Nesse aspecto, é interessante a observação extraída da exposição de
motivos do Código de Processo Civil de 1939, em que Francisco Campos coleciona
uma citação de Roscoe Pound, como um comentador do processo nos Estados
Unidos.
315Citando Rouanet: “O consenso em questões práticas será fundado quando a argumentação for
conduzida segundo uma regra de procedimento derivada dos pressupostos pragmáticos de qualquer
argumentação, prática ou teórica. Essa regra é o princípio da universalização, o princípio “U”. É o
seguinte o enunciado do princípio da U: “todas as normas válidas precisam atender à condição de
que as consequências e os efeitos colaterais que presumivelmente resultarão da observação geral
dessas normas para a satisfação dos interesses de cada indivíduo possam ser aceitos não
coercitivamente por todos os interessados. / O princípio da universalização pode ser fundamentado.
Ele deriva dos pressupostos pragmáticos de toda e qualquer argumentação discursiva. Cada pessoa
que ingressa num discurso prático se obriga intuitivamente a aceitar procedimentos que equivalem ao
reconhecimento implícito do princípio da universalização não posso, sem contradizer pressupostos
gerais da comunicação, aceitar, na argumentação moral, que alguns interessados sejam excluídos,
530
que alguns participantes sejam coagidos, que outros não tenham a possibilidade de argumentar em
defesa dos seus interesses, que outros se arroguem o direito de não seguirem a norma (ROUANET,
Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003,
p. 260)”.
531
316 Segundo Ferraz Junior, “Em suma, a justiça do ato de julgar é comandada por duas percepções. /
A primeira é um modo que organiza o conjunto das normas vigentes como uma relação que vai do
genérico ao particular, conforme graus de generalidade. Daí a relação entre lei e sentença. Essa
relação é justa na medida em que consegue delimitar, conforme princípio da igualdade, as
correspondentes competências da autoridade jurídica. Generalidade significa extensão normativa,
532
sendo geral a norma que se dirige, proporcionalmente, ao maior número de sujeitos: a justiça como
igualdade de todos perante a lei ou o justo como justeza [...]. A segunda organiza o conjunto das
normas vigentes como uma relação uniforme que vai do universal ao específico, conforme graus de
universalidade. Universalidade significa intenção normativa, sendo universal a norma que abarca, na
sua abstração, a maior amplitude de conteúdo. Assim, a ordem é justa na medida em que consegue
delimitar os conteúdos normativos, conforme um princípio material abrangente de inclusão e exclusão
(FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a
liberdade, a justiça e o direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 306)”.
533
317 Segundo Minayo: “A linguagem, as práticas e as coisas são inseparáveis na abordagem fins
neurológicos, uma vez que os significados são gerados na interação social no quadro de referência
fenomenológica, o mundo se apresenta ao indivíduo na forma de um sistema objetivado de
designações compartilhadas e de formas expressivas. O marxismo clássico, por sua vez, interpreta a
realidade como uma totalidade onde tanto os fatores visíveis como as representações sociais
integram e configuram um modo de vida condicionado pelo modo de produção específico. Apesar da
pluralidade de interpretações das correntes de pensamentos ditadas, todas têm em comum o
reconhecimento da subjetividade e do simbólico como partes integrantes da realidade social.
Igualmente, todas passam para o interior das análises do indissociável embricamento entre subjetivo
e objetivo, entre atores sociais e investigadores, entre fatos e significados, entre estruturas e
representações (MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa
em saúde. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 60)”.
535
318 “Muitas dessas redes operam simultaneamente e de forma cooperativa no processamento das
informações. Os neurônios dessas redes mais parecem comunicar valores numéricos do que
mensagens simbólicas, podendo ser considerados como fazendo corresponder dados numéricos de
entrada com dados numéricos de saída. Dessa forma, a rede constitui um processador, totalmente
distribuído, mundo de uma propensão natural para armazenar conhecimento experiencial e torná-lo
utilizável. Assemelha-se ao cérebro sob dois aspectos: 1. O conhecimento é adquirido pela rede
através de um processo de aprendizagem. 2. As forças da conexão interneuronial, conhecidas como
pesos sinápticos, são utilizados para armazenar conhecimento”.
544
319Para Lévy, “Um mundo molecular e conexionista resistirá melhor às maciças oposições binárias
entre substâncias: sujeito e objeto, homem e técnica, indivíduo e sociedade etc. Ora, são estas
grandes dicotomias que nos impedem de reconhecer que todos os agenciamentos cognitivos
concretos são, ao contrário, constituídos por ligas, redes, concreções provisórias de interfaces
pertencendo geralmente aos dosis lados das fronteiras ontológicas tradicionais (LÉVY, Pierre. As
tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu
da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 185)”.
546
320O mesmo autor ainda complementa explicando como as sinapses de comportam: “As sinapses
são elementos unitários tanto na estrutura quanto na sua função; elas medeiam a interação entre
neurônios” (Hawkin, 1994, p. 2). Um processo pré-sináptico libera uma substancia transmissora que
se espalha na função sináptica entre os neurônios e provoca um processo pós-sináptico. Dessa
forma, um sinal elétrico pré-sináptico é convertido, na sinapse em uma reação química que, por sua
vez, novamente produz um impulso elétrico. Admite-se que as sinapses são conexões que provocam
uma ativação recíproca entre os neurônios. A plasticidade oferecida pelas sinapses constitui uma
característica importante no cérebro. Essa plasticidade permite que o sistema neuronial se adapte ao
meio ambiente. As sinapses instanciam-se por meio de dois filamentos celulares: o axônio e o
dendrito (POERSCH, José Marcelino. Simulações Conexionistas: a inteligência artificial moderna. In:
Revista Linguagem em Discurso. Santa Catarina, v.4, n. 2, 2004, p. 448. Disponível em:
<http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Linguagem_Discurso/article/view/273/287>.
Acesso em: 19 abr. 2013)”.
547
321 Para Poersch: “Da mesma maneira como a plasticidade é essencial para o funcionamento dos
neurônios no cérebro humano, também o é nas redes neuroniais, construídas com neurônios
artificiais. Pode-se afirmar que a rede neuronial constitui uma máquina projetada para simular a
maneira como o cérebro realiza determinada tarefa ou função. A rede normalmente é implementada
por componentes elétricos ou simulada em software (programa algoritmo) capaz de realizar
operações através de um processo de aprendizagem que utilize uma maciça interconexão de
unidades simples de processamento. / “Uma rede, neuronial constitui um processador totalmente
distribuído em paralelo que tem uma propensão natural de armazenar conhecimento experiencial e
torná-lo utilizável” (Hawkin, 1994, p.2). O procedimento utilizado para processar a aprendizagem é
denominado de algoritmo de aprendizagem: sua função é alterar os pesos sinápticos da rede a fim de
atingir um objetivo proposto (POERSCH, José Marcelino. Simulações Conexionistas: a inteligência
artificial moderna. In: Revista Linguagem em Discurso. Santa Catarina, v.4, n. 2, 2004, p. 449.
Disponível em:
<http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Linguagem_Discurso/article/view/273/287>.
Acesso em: 19 abr. 2013)”.
548
322 No mesmo sentido, esse pesquisador esclarece que “Um aspecto importante das redes
conexionistas é sua capacidade de aprendizagem. A maioria dos modelos conexionistas vem
equipada com um algoritmo de aprendizagem que os habilita a aprender a partir de suas
experiências. Existe uma ampla variedade de algoritmos de aprendizagem atualmente em uso. Esses
algoritmos alteram a força das conexões na rede como respostas à atividade neuronial proporcionada
por uma informação de entrada sobre outras redes. A alteração dos pesos das conexões entre
neurônios codifica (engrama), na rede, informações vindas de seu meio ambiente. / Os modelos
conexionistas se apresentam sob diversas formas, cada qual com sua própria arquitetura, com suas
próprias regras e premissas de como o meio ambiente é apresentado ao modelo. Todas essas
variáveis restringem a atuação do modelo e sua capacidade de aprender do meio ambiente. Uma
escolha judiciosa da arquitetura da rede e das regras de aprendizagem é tudo quanto é exigido para
assegurar um determinado efeito ao ser dado um conjunto de experiências (POERSCH, José
Marcelino. Simulações Conexionistas: a inteligência artificial moderna. In: Revista Linguagem em
Discurso. Santa Catarina, v.4, n. 2, 2004, p. 449. Disponível em:
<http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Linguagem_Discurso/article/view/273/287>.
Acesso em: 19 abr. 2013)”.
323A fim de compreender como ocorre a aquisição do conhecimento de acordo com o paradigma
(conexionista), é importante saber como o cérebro humano está estruturado e que reações e
processos ocorrem nele. Inicialmente ele é dividido em dois grandes hemisférios – o direito e o
esquerdo. Estes são unidos por feixes de fibras nervosas conhecidas como corpo caloso. Segundo
Jersen (2002), cada hemisfério processa as informações de forma diferente – conhecer a biologia do
cérebro, também é importante para compreender como a língua é processada – segundo Christison
(2002) é necessário, saber a estrutura biológica que compõe o cérebro humano. Entre os principais
elementos a serem considerados, encontram-se os seguintes: Tronco cerebral – responsável pela
549
regularização de funções essenciais no corpo (respiração e batimento cardíaco são alguns exemplos)
e também responsável pela produção de substancias químicas, como a serotonina, que regula o sono
e a vigilância; Cerebelo – responsável pela postura e por movimentos motores – também se acredita
que traços de memória estão nele localizados, sendo, portanto, considerado o centro do pensamento;
Corpo Caloso – parte do cérebro composta de centenas de milhares de nervos que conectam os
hemisférios; Neocortex – uma fina camada que cobre o cérebro, local onde ocorre o pensamento
lógico e a tomada de decisão. Sistema límbico – localiza-se na zona central do cérebro. Ele é
composto pela amídala, responsável pela emoção pelo hipocampo que está envolvido no
aprendizado e na memória. Além disso, os cientistas também dividem o cérebro em quatro grandes
áreas chamadas lobos frontais, parietal, temporal e, occipital e cada um deles está relacionado às
seguintes funções. Lobo frontal (área anterior ao cérebro) – responsável pelas funções de resolução
de problemas e planejamento; Lobo parietal (área superior da região média do cérebro) –
responsável pelo processamento da linguagem e por funções sensoriais mais elevadas; Lobo
temporal (área inferior da região média do cérebro) – responsável, pela audição, pela memória, pelo
significado e pela linguagem; Lobo occipital (parte posterior do cérebro) – responsável pela visão
(LEITE, Anelise de Souza. O paradigma conexionista na aquisição lexical. In: Revista Revel. vol. 6, n.
11, ago. 2008, p. 2. Disponível em:
<http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_11_o_paradigma_conexionista_na_aquisicao_lexical.pdf>.
Acesso em: 19 abr. 2013)”.
550
324 Segundo Lévy, Todas as transformações na rede têm, portanto, causas locais, e os efeitos se
propagam pelas proximidades. Para os conexionistas, o paradigma da cognição não é o raciocínio,
mas sim a percepção. Seu mecanismo típico seria o seguinte: - Em um instante toda uma rede se
encontra em determinada situação de equilíbrio; - No instante seguinte, as extremidades da rede de
contato com o mundo exterior (os captadores) mudam de estado; - As mudanças no estado dos
captadores geram, por programação, mudanças de estado em outras unidades da rede; - As
unidades continuam a modificar os estados umas das outras, até que a rede atinja uma nova situação
de equilíbrio. Este estado de equilíbrio global funciona como uma “representação” dos eventos
exteriores ao sistema que ocasionaram a modificação do estado dos captadores. A percepção é o
conjunto do processo de desestabilização e de re-estabilização da rede”. E complementa o mesmo
autor e trecho contínuo (2011, p. 158): É preciso também observar que, segundo as teorias
conexionistas, cada nova percepção deixaria vestígios na rede. Em particular, as conexões que
seriam mais frequentemente percorridas pelo processo de desestabilização/estabilização seriam
reforçadas por ele. Não haveria, portanto, diferenças essenciais entre percepção, aprendizagem e
memorização, mas sim uma única função psíquica que poderíamos chamar, por exemplo, de
“experiência”, mantendo toda a ambiguidade da palavra. A imaginação, ou a simulação de modelos
mentais, seria a ativação de uma pseudopercepção a partir de estímulos internos. Esta simulação
utilizaria, evidentemente, os vestígios, mnésicos deixados pelas experiências anteriores (a memória a
longo prazo) (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da
informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 157)”.
551
325 “Todo o processamento feito pelo cérebro (e também pela coluna vertebral e retina) é realizado,
pelas células notadamente versáteis do corpo, conhecidas como neurônios. Vamos ver com que se
parece um neurônio. Na figura 9.8 há um desenho dele. Vemos um bulbo central, mais ou menos
como uma estrela, muitas vezes como a forma de um rabanete, chamado soma, que contém o núcleo
da célula. Estendendo-se a partir da soma numa das extremidades, temos uma comprida fibra
nervosa – por vezes muito comprida mesmo, considerando-se que nós estamos nos referindo a uma
única célula microscópica (tendo por vezes vários centímetros de comprimento, nos seres humanos),
conhecida como axônio, o “fio” através do qual o sinal de saída da célula é transmitido. Partem do
axônio muitas ramificações neurais, bifurcando-se ele várias vezes. Na ponta de cada uma dessas
fibras nervosas, encontra-se uma pequena vesícula sináptica. No outro extremo da soma, com
frequência estendendo-se pelas ramificações por todas as direções, estão os dendritos semelhantes
a árvores, pelos quais os dados de entrada (os inputs) são levados ao soma. (Ocasionalmente há
vesículas sinápticas também nos dendritos, as chamadas dendrodentrícias entre os dendritos. Não
tomarei conhecimento delas em minha descrição, já que as complicações que acumulam não são
essenciais.) / Toda célula, sendo uma unidade completa em si mesma, tem uma membrana que
envolve o soma, axônio, vesículas sinápticas, dendritos e tudo o mais. Para que os sinais passem de
um neurônio para outro, é necessário que “saltem a barreira” entre eles. Isso é feito numa função
conhecida como sinapse, onde uma vesícula sináptica do neurônio ou então num de seus dendritos
(figura 9.9). Na realidade, há um espaço muito estreito entre a vesícula sináptica e o soma ou
dendrito a que está ligada, chamada de fenda sináptica (figura 9.10). O sinal de um neurônio para o
seguinte tem de propagar-se através dessa fenda (PENROSE, Roger. A mente nova do rei:
computadores, Mentes e as leis da física. Rio de Janeiro: Campus, 1991, p. 431)”.
552
326 Para Penrose: “Uma fibra nervosa consiste basicamente de um tubo cilíndrico que contém uma
solução mista de sal comum (cloreto de sódio) e cloreto de potássio, principalmente esse último, de
modo que há sódio, potássio e íons de cloreto dentro do tubo (figura 9.11). Esses íons estão também
presentes fora, mas em proporções diferentes, de modo que fora há mais íons de sódio do que
potássio. No estado de repouso do nervo, há uma clara carga elétrica negativa dentro do tubo (isto é,
mais íons de cloreto do que de sódio e potássio juntos – lembremos que os íons de sódio e potássio
têm carga positiva e os de cloreto, negativa) e uma clara carga positiva do lado de fora (isto é, mais
sódio e potássio do que cloreto). A membrana da célula que constitui a superfície do cilindro é um
tanto “vazante”, de modo que os íons tendem a passar através dela e neutralizar a diferença de
carga. Para compensar isso e manter o excesso de carga, negativa no interior, há uma “bomba
metabólica” que manda, muito lentamente, íons de sódio de volta através da membrana circundante.
Isso também serve, em parte, para manter o maior volume de potássio em relação ao de sódio no
interior. Há outra bomba metabólica que em escala pouco menor manda íons de potássio de fora para
dentro, contribuindo com isso para o excedente de potássio no interior (embora funcione contra a
manutenção do desequilíbrio de carga) (PENROSE, Roger. A mente nova do rei: computadores,
Mentes e as leis da física. Rio de Janeiro: Campus, 1991, p. 432)”.
553
327Segundo Peronse: “Não é realmente legítimo considerar o cérebro simplesmente uma coleção fixa
de neurônios ligados. As ligações entre eles não são, na verdade, fixas, como aconteceria no modelo
computadorizado anterior, mas se modificam constantemente. Grande parte da complicada “fiação”
destes tem suas linhas gerais estabelecidas no nascimento. Refiro-me às funções sinápticas onde
realmente ocorre a comunicação entre os diferentes neurônios. Por vezes elas acontecem nos
lugares chamados espinhas dendríticas, pequenas protuberâncias nos dendritos, nas quais se pode
fazer contato, com as vesículas sinápticas (ver figura 9.15) “contacto” significa apenas não tocar, mas
deixar uma pequena fissura (fenda ou fissura sináptica) exatamente da distância certa – área de 40
milionésimos de um milímetro. Dentro de certas condições, essas espinhas dendríticas podem
encolher e romper o contato ou (elas ou outras novas) estender-se para fazer novo contato. Assim, se
pensávamos nas ligações dos neurônios no cérebro como sendo, com efeito, um computador – é um
computador capaz de se modificar a todo tempo.De acordo com uma das principais teorias sobre a
maneira pela qual são fixadas as recordações a longo prazo, é essa variação das conexões
sinápticas que proporciona os meios de armazenar as informações. Se assim for, então a
plasticidade do cérebro não será apenas complicação incidental, mas sim uma característica
essencial de sua atividade (PENROSE, Roger. A mente nova do rei: computadores, Mentes e as leis
da física. Rio de Janeiro: Campus, 1991, p. 439)”.
556
Para isso, é necessário que o homem faça valer sua consciência e, em alguns
momentos, a resgate no sentido de restabelecê-la propositivamente. Disso se
questiona saber se uma inteligência, para ser reconhecida, exige que se tenha uma
consciência ou a consciência seja um atributo de si mesma, em que em cada
inteligência se manifeste de uma certa forma e detenha um certo significado.
Talvez a inteligência seja um centro em que as operações aconteçam
sucessivamente de modo a resolver determinada situação, a partir de uma estrutura
peculiar à sua natureza formal e substancial. Talvez seja uma espécie de interface
que conecte a espécie humana ao mundo e às demais faculdades da mente.
Pensa-se que as faculdades cerebrais neurais sejam diversas e que cada
uma delas cumpra suas finalidades. Quanto à inteligência, imagina-se que seja e
se defina como a capacidade de resolução daquilo que a nos submetemos a
realizar.
Também é de se elucidar que, para que isso exista, em sua base
conhecimento, informações e dados empiricamente coletados ou racionalmente
existentes precisam ser produzidos ou abastecidos.
O que difere as inteligências entre si se dá quanto à forma, à estrutura e à sua
natureza. É possível afirmar que a consciência não é condição da inteligência
porque até mesmo a inteligência natural tem ações em que se conclui
cientificamente que a “desconhecida” consciência não se faz presente. 328Resolver é
classificar e decidir; categorizar é classificar e determinar – prática milenar que
remonta à Grécia antiga. A isso se tem como decisão inteligente, porque a
predefinição e o consumo do resultado pretendido foram alcançados.
Não se descredencia com isso o papel importante e essencial da consciência
humana, todavia é preciso observar que a posição inteligente advinda por caminhos
mais simplificados contém sua importância no estágio em que a sociedade se
encontra.
328Afirma Lévy: “Grande número de módulos do sistema cognitivo são, portanto, “encapsulados”,
automáticos e muito rápidos. Isto significa, entre outros, que eles escapam à consciência. Seus
resultados podem muito bem chegar até a zona de atenção consciente de nossa mente, mas os
processos realizados por estes módulos permanecem totalmente opacos para nós, e escapam a
qualquer tentativa de controle (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do
pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34,
2011, p. 168)”.
560
330Otaviano Pereira ainda contribui, atacando o cerne do problema: “Se a entrada na “idade da razão”
pôde resumir o que esta era significou, ela também está espelhando sua crise. A crise da
modernidade é a crise da razão, mas não de toda razão, de uma razão em que ela depositou toda
sua crença. A modernidade, que fora “cartesiana” em sua origem, não mais consegue ser cartesiana
em sua continuidade. Esta constatação significa um apelo sem precedentes aos filósofos interpretes
da modernidade. Aí, é natural, um conflito de interpretações se instala, no momento em que nem
sempre percebemos que ter de abrir mão de uma (etapa da) razão significa abrir mãos de toda a
razão. É por isso que a pós-modernidade está sendo chamada por alguns de era do irracionalismo ou
563
interpretá-la como tola, mas é preciso aceitar que uma nova perspectiva o faz refletir
em si mesmo. Suas condições humanas são encarceradoras de seu próprio
desenvolvimento, caso não faça de sua razão o motivo de outras razões e outros
projetos para sua existência em melhores condições.
Sua emancipação, ao que tudo demonstra, não está mais alicerçada em sua
razão em si com exclusividade, mas em uma razão distinta, de natureza artificial. No
campo do Direito e da Justiça, esse novo caminho para a resolução dos problemas
tornar-se-á possível e eficaz, ao menos nesse estágio do desenvolvimento, com
parcialidade, em que a razão natural passa a ser uma reprodução inconsciente de
suas próprias ações.
É possível, portanto, obter em semelhante contexto decisões mais rápidas
para problemas predefinidos por intermédio de uma razão e de uma logicidade sem
a participação da consciência. Sua presença não é mais importante, em uma
estrutura tecnológica de informática decisória que acima de tudo é capaz de fazer
com que o conhecimento cumpra sua verdadeira e soberana missão! A de convertê-
lo em uma ação útil promotora de resultados efetivamente materiais.
de uma “noite passageira da História” como quer o pensador Helmut Thielen (1998: 75ss) (PEREIRA.
Otaviano. Modernidade, pós-modernidade. Afinal, onde estamos? In: Revista Profissão Docente,
Uberaba, v. 3, n. 7, p. 63 – 74, jan/abr. 2003. Disponível em:
<http://www.revistas.uniube.br/index.php/rpd/article/view/66/365>. Acesso em: 29 jul. 2015)”.
564
CONCLUSÃO
Por outro lado, foi demonstrado que a “razão” humana, ou melhor, seu
sistema cognitivo, tem estudo balizado não a partir das lógicas, mas de uma corrente
de pesquisadores que vinculam o pensamento a compreender a dinâmica de
funcionamento a partir da rede de neural de funcionamento. Isso remete a quem
julga ser possível criar – com o uso da Inteligência Artificial – uma conexão paralela
com técnicas especializadas peculiares à sua estrutura, possibilitando obter um
sistema que auxilie no processo de informática jurídica ou atue decisoriamente.
É possível, no entanto, efender uma posição total dentro de um espectro
macro dos diversos ramos do Direito, no sentido de que parte do sistema jurídico,
em decorrência do uso das técnicas da Inteligência Artificial, possa permitir decisões
mediadas pelo uso de semelhante tecnologia. Isso porque, em determinado estágio,
a compreensão sobre o Direito não exige interpretação hermenêutica, dispensando,
portanto, as atividades da percepção e da consciência.
Em nosso ordenamento jurídico, a partir da emenda Constitucional 45/04, da
edição da Lei 11.419/06, do artigo 5º,inciso LXXVIII da CF e no Novo Reformado
Direito Processual Civil registrado pela Lei 11.305/2015 em seu artigo 4º, tem-se
como legal a permissão legitimada do “meio” tecnológico ao atendimento das
finalidades individuais e/ou coletivas da espécie humana, desde que não viole os
Direitos e as Garantias Fundamentais na obtenção de Direito em tempo razoável.
Considerando que os aludidos dispositivos asseguram que o Direito seja
alcançado em tempo razoável, para isso, “os meios que garantam a celeridade de
sua tramitação” são essenciais. Por essa razão, sendo tecnologia em Inteligência
Artificial uma espécie de “meio” distinto tão somente quanto a sua natureza, porém
apto para as realizações de meio e fim para os resultados em que essa espécie de
tecnologia é utilizada e desde que compatível, não se pode depreender da leitura
uma interpretação diversa.
No âmbito do Direito Processual Civil, a inovação que tem maior destaque e
que ampara o objetivo da Tese objetivamente sinaliza para a substituição do Ator
humano pelo Ator tecnológico no ato de decidir reside no instituto de Instauração de
Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva.
567
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Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1977a.
WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2012.
Sites Acessados
BRANCO, Pedro Paulo Castelo; LINS, André. Entrevista concedida a Flávia Metzker.
Artigo 5º. 09 jul. 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=92iUOCMNyxA>
2
1. Introdução*
*
O estudo foi elaborado por Fábio de Sá e Silva, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea e Chefe de
Gabinete da Presidência do Instituto. O autor agradece os comentários e sugestões de Acir Almeida às
versões anteriores deste texto.
1
SÁ E SILVA, F.; ALMEIDA, A. Percepção Social da Justiça. In: Sistema de Indicadores de Percepção
Social. Brasília: Ipea: 2010
2
Idem, p. 5-7
3
Ibidem, p. 8-11
4
Ibidem, p. 13
3
como o recrutamento e a formação de magistrados ou a busca por mais proximidade
entre as instituições e os cidadãos – retornem à agenda pública, hoje dominada por
preocupações com a aceleração dos procedimentos e a melhoria na alocação de
recursos.
4
Por fim, como Considerações Finais, o texto faz um balanço da experiência do
projeto SIPS na área de justiça e registra desafios para uma reedição do projeto a partir
de 2011.
5
Da análise dos dados, percebe-se que nenhum segmento foi bem avaliado, em
média. O segmento mais bem avaliado, a Polícia Federal, alcançou 2,20, pouco superior
ao ponto médio da escala. Este desempenho tem caráter intuitivo, tendo em vista o alto
grau de exposição, geralmente com conotação positiva, de que desfrutaram as operações
da Polícia Federal na mídia no passado recente.
Ao mesmo tempo, percebe-se que o segmento com a média mais baixa – a única
rigorosamente abaixo de 2,00 – também está ligada à investigação: trata-se da Polícia
Civil, o que pode indicar, entre os cidadãos, especial desconfiança em relação à
efetividade da investigação de crimes, cuja competência é da polícia judiciária dos
estados e do Distrito Federal.
6
Avaliação da justiça em relação a...
Atributos (0=Muito mal, 1=Mal, 2=Regular, 3=Bem, 4=Muito
bem)
Rapidez Acesso Custo Decisões Justas Honestidade Imparcialidade
7
Em uma análise preliminar, observa-se que não há dimensão na qual a variação
de um determinado atributo sociodemográfico faça a avaliação saltar um degrau na
escala original, seja para cima, seja para baixo, em relação aos valores da média. Para
exemplificar com um caso extremo: a média nacional para “rapidez” é 1,19. Com
relação à variável “renda”, o menor valor, de 1,07, é encontrado entre os que recebem
de 05 a 10 salários mínimos; enquanto o maior valor, de 1,96, é encontrado em meio aos
que recebem mais de 20 salários mínimos. Ambos os extremos estão, no entanto, na
faixa do “mal”: nem o maior valor foi suficiente para alcançar a faixa do “regular”, nem
o menor valor chega a ocupar a faixa do “muito mal”.
8
Vou mencionar alguns tipos de problemas que as pessoas costumam enfrentar e
gostaria que você me dissesse, dentre esses, qual foi o mais sério que já enfrentou:
Problemas %
Família 24,86
Vizinhança 11,71
Relações de trabalho 15,43
Pessoas com as quais fez negócio 6,46
Empresas com as quais vez negócio 8,11
Crime e violência 10,74
Cobrança de impostos ou outros conflitos com o fisco 2,51
Previdência, assistência social ou demandas por direitos sociais 8,57
Trânsito 6,17
Imóvel ou terra 2,91
Criança e adolescente 1,26
Violência de agentes do Estado 1,09
Problemas com repartições ou empresas públicas 0,17
Total (N=1.750) 100
5
O modelo estimado foi o Logit.
9
Quem você procurou em primeiro lugar para resolver esse problema?
Resposta: Justiça estatal (1)
Variáveis Impacto
Família —
Tipos de problemas mais graves enfrentados
Vizinhança -26,6**
Relações de trabalho -6,5
Pessoas com as quais fez negócio -25,8**
Empresas com as quais vez negócio -36,7**
Crime e violência 10,1**
Cobrança de impostos ou outros conflitos com o fisco -33,4**
Previdência, assistência social ou demandas por direitos sociais -20,5**
Trânsito -7,2
Imóvel ou terra -4,6
Criança e adolescente -16,2
Violência de agentes do Estado -6,4
Problemas com repartições ou empresas públicas -4,1
(1) Em coerência com pressupostos teóricos e metodológicos da pesquisa, duas decisões foram tomadas
nesta análise. Primeiro, utilizar a expressão “justiça estatal” para precisar melhor o campo da pesquisa,
tendo em vista a copiosa literatura sociojurídica que documenta outras formas de se produzir justiça, as
quais vão desde a mediação comunitária até os sistemas de solução de controvérsias previstos no direito
internacional e operados por organizações fora do Estado. Depois, agregar as respostas correspondentes
aos vários segmentos do sistema de justiça, quais sejam: Judiciário, Ministério Público, Advogados,
Defensores Públicos e Polícia Judiciária. A idéia é que todas essas autoridades representam canais oficiais
para a resolução de conflitos e a realização de direitos.
Impacto: mudança na probabilidade de buscar a justiça, medida em pontos percentuais.
(—): categoria de referência para cálculo das mudanças na probabilidade.
N=1.701. Mudanças na probabilidade estatisticamente significativas aos níveis de 10 e 5% estão
acompanhadas, respectivamente, dos sinais * e **.
Há muito se sabe que a justiça nem sempre é acionada pelos cidadãos para
resolver todos os conflitos6. Estes achados fazem emergir questões importantes para a
reflexão sobre como esse fenômeno ocorre no caso brasileiro. O que leva os
entrevistados a qualificarem determinadas situações como “problemas graves” e outras
não? Não seria a educação em direitos uma medida necessária para ampliar a
consciência de violação em casos como de relações de trabalho ou contratos, os quais
apresentam números modestos para uma sociedade que se torna cada vez mais
complexa, como a brasileira?
6
Ver, nesse sentido, a idéia de uma “pirâmide de litigiosidade”, defendida por SANTOS, B. et al. Os
tribunais nas sociedades contemporâneas: o caso português. Porto: Afrontamento, 1996.
10
Da mesma forma, é possível perguntar: porque alguns tipos de problema são
mais conducentes à justiça que outros? O que explica que, diante de algumas situações
típicas, os cidadãos sistematicamente não recorram à justiça? Questões de mera
conveniência pessoal, como é natural de ocorrer numa briga de vizinhos, ou
desconfiança acerca da capacidade do sistema de justiça de conhecer, processar e
decidir os conflitos? Infelizmente os dados apenas levantam essas questões, convidando
futuras investigações que cruzem mais diretamente a percepção e as atitudes dos
cidadãos em relação à justiça.
5. Considerações Finais
11
Nesse sentido, é preciso levar em conta que todos os resultados do SIPS se
situam no plano da percepção, devendo ser complementados por pesquisas quantitativas
ou qualitativas que conectem percepções e atitudes e ajudem a formar um quadro
interpretativo mais sólido sobre como os cidadãos se relacionam com o sistema de
justiça7.
7
O mesmo vale para o questionamento sobre os sentidos da reforma e da modernização da justiça, que
emerge imediatamente de um projeto como o SIPS. Melhorar a percepção sobre “corrupção e
impunidade” e promover a qualidade na oferta da justiça são dois desafios nítidos na análise dos dados
antes apresentados. Mas entender as condições e possibilidades de fazê-los requer esforços distintos de
pesquisa, mais voltados a entender a política da justiça – atores, interesses e ambientes institucionais nos
quais os caminhos da justiça são desenhados. Uma iniciativa exemplar nesse sentido é de ALMEIDA, F.
N. A nobreza togada: as elites jurídicas e política da justiça no Brasil. Tese de doutoramento em ciência
política. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010.
12
Anexo I
Feminino 5,6**
Analfabeto a 5° ano do Fundamental —
Escolaridade
Preta/negra 1,4
Amarela -15,9**
Parda/morena -2,2
Até 2 salários —
De 2 a 5 salários 1,3
Renda
De 5 a 10 salários 3,9
De 10 a 20 salários 9,7*
Mais de 20 salários 13,7*
18 a 24 anos —
25 a 34 anos 12,7**
35 a 44 anos 15,7**
Idade
45 a 54 anos 22,9**
55 a 64 anos 17,3**
65 anos ou mais 23,3**
13
correspondentes aos vários segmentos do sistema de justiça, quais sejam: Judiciário,
Ministério Público, Advogados, Defensores Públicos e Polícia Judiciária. A idéia é que
todas essas autoridades representam canais oficiais para a resolução de conflitos e a
realização de direitos.
Impacto: mudança na probabilidade de buscar a justiça, medida em pontos percentuais.
(—): categoria de referência para cálculo das mudanças na probabilidade.
N=1.701. Mudanças na probabilidade estatisticamente significativas aos níveis de 10 e
5% estão acompanhadas, respectivamente, dos sinais * e **.
14
15
605
* Artigo preparado como parte do projeto de pesquisa “Addressing Judicial Reform in Brazil: Institutions and Constituency
Building”, realizado pelo Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp). Uma versão anterior deste
trabalho foi apresentada no seminário “Reforma do Judiciário: Problemas, Desafios e Perspectivas” [Idesp ( 2001)]. A pesquisa
contou com o apoio financeiro da Fundação Tinker e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
** Da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do IPEA e do Instituto de Economia da UFRJ.
Governo Federal TEXTO PARA DISCUSSÃO
Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão Uma publicação que tem o objetivo de
divulgar resultados de estudos
Ministro – Guido Mantega
desenvolvidos, direta ou indiretamente,
Secretário Executivo – Nelson Machado
pelo IPEA e trabalhos que, por sua
relevância, levam informações para
profissionais especializados e estabelecem
um espaço para sugestões.
Presidente
Glauco Antonio Truzzi Arbix
Chefe de Gabinete
Persio Marco Antonio Davison
SINOPSE
ABSTRACT
1 INTRODUÇÃO 1
8 OBSERVAÇÕES FINAIS 43
APÊNDICE 49
BIBLIOGRAFIA 56
SINOPSE
Este artigo parte do entendimento de que uma maneira de avançar mais rapidamente
com o processo de reforma do Judiciário é aprendendo com os profissionais que mais
conhecem as suas mazelas: os próprios magistrados. Este foi o princípio que orientou
a pesquisa aqui apresentada, que buscou conhecer a visão dos magistrados sobre a
intensidade e as causas dos problemas apresentados pelo Judiciário brasileiro, suas
soluções, e sobre as relações entre o Judiciário e a economia.
O trabalho apresenta e discute os resultados desta pesquisa, debatendo
brevemente alguns dos trabalhos anteriores sobre o Judiciário brasileiro enquanto
instituição política e econômica; mostra como os magistrados avaliam o desempenho
do Judiciário brasileiro; analisa os fatores que contribuem para reduzir a agilidade e a
previsibilidade da justiça; mostra como os magistrados avaliam propostas que vêm
sendo feitas para melhorar o desempenho do Judiciário; e discute a visão dos juízes
sobre a economia.
ABSTRACT
A way to accelerate the process of judicial reform in Brazil, and reach proposals with a
significant potential to overcome current problems, is to learn with the professionals
who know most about the Judiciary: the judges themselves. This is the approach that
inspired the survey discussed in this paper, which seeks to understand how judges see
the problems faced by the Judiciary, their potential solutions, and the links between
the Judiciary and the economy. The paper discusses the design and results of the
survey; shows how judges rate the quality of Brazilian Judiciary; analyzes the factors
that contribute to judicial slowness and unpredictability; presents the view of judges
about different proposals to improve judicial performance; and discusses judges’
views about the economy.
1 INTRODUÇÃO
Em “The Mistery of Capital”, Hernando de Soto documenta o elevado valor dos
ativos detidos pelos pobres do Terceiro Mundo e analisa como a falta de
documentação e identificação desses ativos, que os tornem legais e, portanto, capazes
de securitização ou de serem utilizados como garantia em operações de crédito, os
torna “capital morto”, no sentido de que sua contribuição para a economia é
relativamente pequena, ficando restrita aos serviços diretos que advêm de sua posse.
De Soto contrasta esta situação com a dos ativos detidos por indivíduos e empresas
em países ricos, onde não apenas a posse mas também a sua propriedade são bem
definidas, permitindo explorar todo o potencial contido nesse capital. É a boa
definição dos direitos de propriedade nos países desenvolvidos, e daí a capacidade de
explorar todo o potencial do capital por eles detidos, conclui De Soto, que os
permitiu alcançar a riqueza e a prosperidade de que gozam atualmente.
Há pelo menos duas conclusões importantes sobre o processo de desenvolvi-
mento econômico que podem ser extraídas de “The Mystery of Capital”. Primeiro,
que a má definição dos direitos de propriedade reduz a contribuição do capital detido
por um país para o seu crescimento econômico, reduzindo a liquidez dos ativos e
aumentando o risco envolvido no investimento — consideravelmente em alguns tipos
de investimento. Segundo, como em geral são os ativos dos mais pobres aqueles para
os quais a propriedade é menos bem-definida, é exatamente a parcela mais pobre da
sociedade a que menos benefícios é capaz de extrair de seus ativos, o que reduz a sua
capacidade de sair do estado de pobreza.
A importância de direitos de propriedade bem-definidos e adequadamente
protegidos, e a surpreendente falta de atenção a este aspecto do processo de desenvol-
vimento, explicada por De Soto pelo fato de estarem esses tão incorporados nas
sociedades ricas que estas não percebem sua importância, já era apontada uma década
antes por Williamson (1990, p. 171), quando este enunciou pela primeira vez o
Consenso de Washington:
Nos Estados Unidos, os direitos de propriedade estão tão bem estabelecidos que a sua
importância, fundamental para a operação satisfatória do sistema capitalista, passa facilmente
despercebida. Eu suspeito, porém, que quando Washington pára para pensar sobre este assunto,
existe uma aceitação geral de que direitos de propriedade de fato são importantes. Há também
uma percepção geral de que os direitos de propriedade são altamente inseguros na América
Latina.
O investimento estrangeiro é, claro, um coisa muito boa. Quanto mais, melhor. Moedas estáveis
também são boas, assim como o livre-comércio e práticas bancárias transparentes e a privatização
de indústrias estatais e todos os outros remédios da farmacopéia do Ocidente. Ainda assim, nós
continuamos a esquecer que o capitalismo global foi tentado antes. Na América Latina, por
exemplo, as reformas dirigidas a criar sistemas capitalistas foram adotadas pelo menos quatro
vezes desde a independência da Espanha nos anos 1820. A cada vez, depois de uma euforia
inicial, os latino-americanos oscilaram de volta para longe de políticas capitalistas e orientadas
para uma economia de mercado. Estes remédios são claramente insuficientes. De fato, eles
chegam perto de ser quase irrelevantes.
2. Para uma discussão sobre as reações ao impacto das reformas na América Latina, ver IADB (2002).
3. Ver, por exemplo, La Porta et alii (1998). É o que se vê também na afirmação de Douglas North, quando este defende
que “no mundo ocidental, a evolução dos tribunais, dos sistemas legais e de um sistema judicial relativamente imparcial
tem desempenhado um papel preponderante no desenvolvimento de um complexo sistema de contratos capazes de se
estenderem no tempo e no espaço, um requisito essencial para a especialização econômica”.
4. A esse respeito, De Soto (2000, p. 12) observa que: “Desde o século XIX, as nações vêm copiando as leis do Ocidente
para dar aos seus cidadãos um aparato institucional que lhes permita criar riqueza. Eles continuam a copiar essas leis
hoje em dia, e, obviamente, isso não funciona. A maioria dos cidadãos não consegue usar a lei para converter suas
poupanças em capital. Por que isso ocorre e o que é necessário fazer para que a lei funcione permanece um mistério.”
5. Sobre o aumento de gastos com o Poder Judiciário, ver Pinheiro (2001).
6. Dados sobre o número de processos entrados e julgados nas várias esferas da Justiça podem ser obtidos no Banco
Nacional de Dados do Poder Judiciário, na página do Supremo Tribunal Federal (STF) (www.stf.gov.br).
7. Ver, por exemplo, os artigos de magistrados de diversos países latino-americanos em Rowat, Malik e Dakolias (1995).
Vale dizer:
verificar, no ato da interpretação das leis, o grau de adesão do magistrado brasileiro ao léxico do
positivismo jurídico, o seu compromisso com a noção de certeza jurídica e com o primado do
legislador sobre o seu próprio, pondo-o diante da opção: deve o juiz ‘reproduzir o direito, isto é,
explicitar por meios puramente lógico-formais o conteúdo de normas jurídicas já dadas’, ou,
alternativamente, produzi-lo? (itálico no original)
8. Ver, especialmente, os artigos reunidos na Revista USP — Dossiê Judiciário (1994) de Ferraz Jr., Lima Lopes, Faria,
Koerner, Vieira e Campilongo.
9. Ver os trabalhos coligidos em Sadek (1995).
10. A esse respeito, ver Castro (1997) e Vianna et alii (1999).
11. Os resultados da pesquisa discutida por Vianna et alii (1997) são apresentados com mais detalhes em Vianna et alii
(1996).
TABELA 1
Identificação com a Não-Neutralidade do Judiciário
[em %]
12. Também nesse caso, porém, o entrevistador explicou os objetivos e a metodologia do projeto pessoalmente na
entrega do questionário. O recurso ao correio ou a outros meios de comunicação foi utilizado apenas de forma residual,
particularmente quando o acesso físico ao juiz selecionado se mostrou muito difícil.
Bahia 54 7,3
Goiás 52 7,0
Pará 76 10,3
Pernambuco 55 7,4
Roraima 2 0,3
A pesquisa de campo foi realizada em 2000 e sua coordenação geral foi feita pelo
Idesp, a partir de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas unidades de coordenação local
foram estabelecidas em todas as UFs, com exceção de Mato Grosso e Roraima. As
entrevistas com os ministros dos Tribunais Superiores em Brasília foram feitas
diretamente pelos coordenadores do projeto, mas para os demais magistrados foram
feitas pelas equipes locais. Como esperado, os ministros de Tribunais Superiores
foram os mais difíceis de entrevistar, mas como regra o acesso aos magistrados não foi
difícil, ainda que uns poucos tenham se recusado a participar da pesquisa por
considerá-la “neoliberal” ou “concebida pelo Banco Mundial”. Mais freqüente foi o
caso dos magistrados que optaram por não participar por falta de tempo, ou que
aceitaram participar mas depois desistiram alegando excesso de trabalho. No extremo
oposto, cabe mencionar que alguns magistrados foram retirados da amostra pela
dificuldade de serem achados, em repetidas visitas, em seus escritórios. Estes também
foram poucos casos. Essas dificuldades foram comuns a todas as UFs na amostra,
ainda que em três estados tenha sido particularmente difícil entrevistar
desembargadores da Justiça estadual: São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.
A amostra foi estratificada por gênero, UF, ramo e grau da Justiça, e por estágio
da carreira, isto é, juiz titular e substituto nas justiças federal e do Trabalho e nas
diferentes entrâncias da Justiça estadual de primeiro grau. Na definição do tamanho
dessas subamostras observaram-se dois princípios. O primeiro foi o de obedecer à
TABELA 4
Composição da Amostra nos Tribunais Superiores
Universo Amostra Amostra/universo (%)
a
Tribunal Superior do Trabalho (TST) 17 6 35,3
Total 61 13 21,3
a
Considera apenas os magistrados trabalhistas togados.
13. Note-se que no caso da Justiça do Trabalho só foram considerados os magistrados togados.
Não
Juízes Juízas Total Juízes Juízas Total Juízes Juízas Total
identificado
Subtotal 6.478 3.106 9.584 389 183 3 575 6,0 5,9 6,0
Federal 3 3 6
Subtotal 7 8 15
Subtotal 2 1 3
Total 7.830 3.295 11.125 506 217 5 728 6,5 6,6 6,5
a
Não inclui os magistrados togados.
14. A idade mediana da amostra, 40 anos, provavelmente superestima ligeiramente a idade mediana da população de
magistrados, em função da sobre-representação dos juízes estaduais, que são, em média, mais velhos que os juízes
trabalhistas e federais. A idade mediana para os magistrados federais, trabalhistas e estaduais é de, respectivamente,
38, 39 e 44 anos. Vianna et alii (1997) também consideram que os juízes estaduais são, em geral, mais velhos que os
federais e trabalhistas.
25 ou menos 15 2,0
26 a 30 78 10,5
31 a 35 125 16,9
36 a 40 139 18,8
41 a 45 96 13,0
46 a 50 94 12,7
51 a 55 68 9,2
56 a 60 54 7,3
61 a 65 22 3,0
66 ou mais 21 2,8
TABELA 7
Distribuição da Amostra de acordo com o Tempo na Magistratura
[em anos]
6 a 10 252 34,0
11 a 20 166 22,4
21 a 30 51 6,9
31 ou mais 21 2,8
TABELA 8
Distribuição da Amostra de acordo com a Forma de Entrada no Judiciário
Freqüência (%)
15. No que segue, referências às opiniões dos empresários foram extraídas de Pinheiro (2000).
16. Na pesquisa de Vianna et alii (1996), 35% e 42% dos magistrados entrevistados consideraram como problema
essencial e muito importante, respectivamente, o fato de que “o acesso à Justiça é oneroso, ocasionando uma seleção
social de seus beneficiários”, sugerindo que o custo pode ser um importante limitante do acesso ao Judiciário.
17. Nas tabelas com os resultados da pesquisa, reproduz-se ao topo a pergunta feita aos magistrados.
18. É necessário considerar esses resultados com cautela, tendo em vista que a avaliação dos diferentes ramos da Justiça
varia, sistematicamente, com o ramo a que o magistrado entrevistado pertence, de forma que as médias apresentadas
na Tabela 10 também refletem a participação relativa de cada ramo na amostra de juízes. Por exemplo, os juízes do
trabalho têm em média uma melhor avaliação da Justiça do Trabalho de primeiro grau em relação à sua agilidade (nota
média de 3,81) e à sua imparcialidade (4,36) do que as de juízes federais e estaduais (notas médias de 3,01 e 3,65 para
agilidade e imparcialidade, respectivamente).
Freqüência (%) Freqüência (%) Freqüência (%) Freqüência (%) Freqüência (%)
Bom 85 11,5 165 22,3 111 15,0 293 39,5 333 44,9
Regular 290 39,1 314 42,4 358 48,3 251 33,9 83 11,2
TABELA 10
Avaliação do Desempenho dos Diferentes Ramos e Instâncias do Judiciário
Questão 2: “Gostaríamos de saber como o(a) senhor(a) avalia o desempenho dos seguintes ramos da Justiça,
considerando os critérios de agilidade, custas, despesas, previsibilidade e imparcialidade.”
Nunca ou Não
Muito Algo Pouco Não
quase nunca sabe/sem
freqüente freqüente freqüente respondeu
ocorre opinião
TABELA 13
Relevância de Fatores Responsáveis pela Morosidade da Justiça
Questão 12: “Diversos fatores têm sido apontados como responsáveis pela morosidade da Justiça. Na sua opinião, qual
a relevância dos seguintes fatores?”
Sem
Muito Pouco Não sabe/ Não
Relevante nenhuma
relevante relevante sem opinião respondeu
relevância
TABELA 14
Importância da Insuficiência de Recursos
Questão 13: “Com relação à insuficiência de recursos, qual a importância dos seguintes fatores para explicar a
morosidade da Justiça?”
Muito Importante Pouco Sem nenhuma Não sabe / Não respondeu
importante importante importância sem opinião
19. É interessante observar que na pesquisa realizada por Sadek (1995) a informatização dos serviços judiciários foi
apontada por 93,2% dos magistrados como muito ou extremamente importante para agilizar o Judiciário. Os resultados
da Tabela 14 sugerem que, ainda que tenha permanecido muito relevante, esse problema perdeu um pouco de sua
urgência na segunda metade da década de 1990, em função possivelmente de progressos nessa área em algumas
comarcas e tribunais.
20. A maior importância dada pelos juízes trabalhistas a esses dois problemas é parcialmente explicada por uma
participação das magistradas na amostra de juízes trabalhistas maior que a observada para os juízes federais e
estaduais. Para o precário estado das instalações judiciais, essa diferença na composição da amostra explica quase toda
a diferença entre os juízes trabalhistas e os de outros ramos. Contudo, mesmo depois de controlar para o efeito do sexo
da magistrada, tem-se que os juízes trabalhistas acham o número insuficiente de juízes mais relevante para explicar a
morosidade da Justiça do que os juízes em outros ramos.
TABELA 15
Importância de Problemas no Ordenamento Jurídico Cível
Questão 14: “Com relação ao vigente ordenamento jurídico cível, o que lhe parece relevante para explicar a morosidade
da Justiça?”
Legislação substantiva
Legislação processual
21. Os juízes trabalhistas acham esse problema um pouco menos relevante do que os magistrados estaduais e federais.
TABELA 17
Proporção do Tempo Gasto do Magistrado em Atividades Administrativas
Questão 17: “Estima-se que, no Brasil, os juízes gastem muito do seu tempo em atividades administrativas. Já na
Alemanha e em Cingapura, por exemplo, os juízes dedicam todo o seu tempo a atividades judicantes. Gostaríamos de
saber, no seu caso, que proporção do seu tempo o(a) senhor(a) gasta em atividades administrativas?”
Freqüência (%)
TABELA 19
Importância do Desempenho dos Advogados como Causa da Morosidade da Justiça
Questão 16: “No que se refere à forma de atuação dos advogados, que fatores, em sua opinião, ajudam a explicar a
morosidade da Justiça?”
Muito Importante Pouco Sem nenhuma Não sabe / Não
importante importante importância sem opinião respondeu
TABELA 20
Obstáculos ao Bom Funcionamento do Judiciário
[em %]
a
Fatores Importância
Padrão semelhante de visões é reportado por Vianna et alii (1996). Assim, 74%
dos magistrados consultados concordam muito com a afirmação de que “a percepção
corrente de ‘crise do Poder Judiciário’ decorre da sua estrutura, que, não se tendo
modernizado em virtude da ausência de recursos e de pessoal qualificado, tornou os
seus serviços morosos e caros”. Além disso, 92% dos respondentes concordaram
fortemente (soma de “essencial” e “muito importante”) com a assertiva de que “juízes
sobrecarregados ou dispondo de poucos recursos materiais constituem-se obstáculos à
maior eficiência da atividade judicial”. Da mesma forma, 42% e 44% dos magis-
trados apontaram que o excesso de formalidades, característico dos procedimentos
judiciais, é uma causa “essencial” ou “muito importante”, respectivamente, das
dificuldades atuais do Poder Judiciário. Além disso, “o comportamento ineficiente de
agentes externos [ao Judiciário], tais como o Ministério Público, os advogados, a
polícia, os serviços de perícia etc.”, foi considerado um problema essencial ou muito
TABELA 21
Causas da Morosidade da Justiça
[em %]
a
Fatores Importância
22. Além disso, como observam Vianna et alii (1997, p. 12): “Importa destacar que a ambigüidade constitutiva da Carta
de 1988, adotando o presidencialismo depois de ter incorporado muitas das instituições do regime parlamentarista,
também favoreceu essa nova centralidade assumida pelo Judiciário, levando-o a decidir os impasses institucionais entre
o Executivo e o Legislativo.”
TABELA 22
Freqüência com que os Magistrados São Chamados a Resolver Conflitos Políticos
Questão 5: “Argumenta-se que nos últimos anos os juízes têm arcado com o ônus de decidir sobre questões que são de
caráter essencialmente político, e que, portanto, deveriam ser resolvidas pelos poderes políticos. Na sua opinião, com
que freqüência isso ocorre?”
Freqüência (%)
Raramente 89 12,0
Nunca 23 3,1
TABELA 23
Freqüência com que as Decisões Judiciais Refletem a Visão Política dos Magistrados
Questão 6: “No sentido oposto, argumenta-se que também o Judiciário se “politizou” muito nos últimos anos, o que faz
com que, por vezes, as decisões sejam baseadas mais nas visões políticas do juiz do que em uma leitura rigorosa da lei.
Na sua opinião, com que freqüência isso ocorre?”
Freqüência (%)
Nunca 14 1,9
23. Diferenças em relação aos anos de experiência não são significativas quando se controla para a idade do magistrado.
TABELA 25
Opção entre Garantir Cumprimento de Contratos e Busca da Justiça Social — Ponto de
Vista dos Magistrados
Questão 8: “Na aplicação da lei, existe freqüentemente uma tensão entre contratos, que precisam ser observados, e os
interesses de segmentos sociais menos privilegiados, que precisam ser atendidos. Considerando o conflito que surge
nesses casos entre esses dois objetivos, duas posições opostas têm sido defendidas: A. Os contratos devem ser sempre
respeitados, independentemente de suas repercussões sociais; B. O juiz tem um papel social a cumprir, e a busca da
justiça social justifica decisões que violem os contratos. Com qual das duas posições o(a) senhor(a) concorda mais?”
Freqüência (%)
TABELA 26
Distribuição das Opções entre Cumprimento de Contratos e Justiça Social por Idade,
Ramo e UFa
TABELA 27
Distribuição das Opções entre Cumprimento de Contratos e Busca de Justiça Social por
Área do Direito
Questão 9: “Em que tipos de causas, em sua opinião, deve prevalecer a posição A (contratos devem ser sempre
respeitados) ou a posição B (a busca da justiça social às vezes justifica decisões que violem os contratos)?”
Deve Em geral As duas Em geral A posição
sempre pre- deve pre- posições têm deve pre- B deve Não sabe/ Não
valecer a valecer a igual chance valecer a sempre sem opinião respondeu
posição A posição A de prevalecer posição B prevalecer
TABELA 28
Opção entre Garantir Cumprimento de Contratos e Busca da Justiça Social — Ponto de
Vista das Elites
Questão: “Na aplicação da lei, existe freqüentemente uma tensão entre contratos, que precisam ser observados, e os
interesses de segmentos sociais menos privilegiados, que precisam ser atendidos. Considerando o conflito que surge
nesses casos entre esses dois objetivos, duas posições opostas têm sido defendidas: A. Os contratos devem ser sempre
respeitados, independentemente de suas repercussões sociais; B. O juiz tem um papel social a cumprir, e a busca da
justiça social justifica decisões que violem os contratos. Com qual das duas posições o(a) senhor(a) concorda mais?”
Grandes empresários 72 15 7 6
Imprensa 52 32 16 0
Religiosos e ONGs 22 53 22 3
Intelectuais 50 30 18 2
Total 48 36 14 2
Fonte: Lamounier e Souza (2002).
TABELA 29
Importância de Fatores que Prejudicam a Previsibilidade das Decisões Judiciais
Questão 19: “Qual é, na sua opinião, a relevância dos seguintes fatores como obstáculos que reduzem a previsibilidade
das decisões judiciais, isto é, a capacidade das partes de antecipar a decisão dos juízes, particularmente em se tratando
de casos iguais ou semelhantes a outros já julgados?”
TABELA 30
Avaliação sobre Propostas de Reforma do Judiciário
Questão 20: “Diversas medidas têm sido sugeridas para melhorar o desempenho do Judiciário, isto é, para torná-lo mais
ágil, acessível, previsível e imparcial. Gostaríamos de saber como o(a) senhor(a) avalia as seguintes propostas, tendo em
vista esse objetivo geral de melhorar o funcionamento da Justiça.”
Entre as medidas que contam com razoável apoio dos magistrados estão a
expansão do número de Juizados Especiais, o estabelecimento da quarentena para a
indicação de ministros de Estado e políticos para os Tribunais Superiores, e para que
magistrados que se aposentem possam praticar direito na jurisdição em que eles
costumavam trabalhar; a redução da possibilidade de apelação aos Tribunais
TABELA 31
Avaliação sobre a Proposta de Aumentar Treinamento de Juízes
Questão 21: “Propõe-se que, a exemplo dos diplomatas, os juízes passem por treinamento específico após a aprovação
em concurso e antes de exercerem a atividade jurisdicional. O(a) senhor(a) concorda com essa proposta?”
Freqüência (%)
24. Os resultados de Vianna et alii (1996) também sugerem que prevalece entre os magistrados uma visão favorável
sobre o uso de critérios objetivos na definição da progressão profissional dos juízes. Ver a distribuição de respostas à
questão 82 na página 123.
Freqüência (%)
TABELA 33
Avaliação sobre Impacto do Uso de Indicadores Quantitativos sobre Celeridade
Questão 24: “A celeridade no exercício da atividade judicante pode ser medida pelo tempo passado entre a entrada e o
julgamento dos processos, estimado separadamente para cada tipo de causa. O(a) senhor(a) concorda que o uso de
indicadores como esse possa estimular a celeridade do Judiciário?”
Freqüência (%)
TABELA 34
Avaliação sobre Impacto do Uso de Indicadores Quantitativos sobre Previsibilidade
Questão 25: “Um indicador da previsibilidade ou segurança do exercício da jurisdição é a proporção de decisões
confirmadas em instâncias superiores. O(a) senhor(a) concorda que o uso de indicadores como esse pode tornar o
Judiciário mais previsível?”
Freqüência (%)
TABELA 35
Grau de Apoio ao Uso de Indicadores Quantitativos como Critério de Promoção
(Questão 23) por Idade, Ramo de UF do Magistrado
Concorda Tende a Tende a Discorda Total
inteiramente concordar discordar inteiramente
TABELA 37
Grau de Apoio ao Uso de Indicadores Quantitativos de Previsibilidade como Critério de
Promoção (Questão 25) por Idade, Ramo de UF do Magistrado
Concorda Tende a Tende a Discorda
Total
inteiramente concordar discordar inteiramente
Idade < 40 Freqüência 54 153 69 54 330
(%) 16,4 46,4 20,9 16,4 100,0
Idade ≥ 40 Freqüência 102 172 47 42 363
(%) 28,1 47,4 13,0 11,6 100,0
Justiça federal Freqüência 37 66 32 34 169
(%) 21,9 39,1 18,9 20,1 100,0
Outros ramos Freqüência 119 259 84 62 524
(%) 22,7 49,4 16,0 11,8 100,0
Magistrados Freqüência 111 216 82 80 489
(%) 22,7 44,2 16,8 16,4 100,0
Magistradas Freqüência 43 109 33 16 201
(%) 21,4 54,2 16,4 8,0 100,0
Minas Gerais, Pará e Distrito Freqüência 61 104 24 24 213
Federal (%) 28,6 48,8 11,3 11,3 100,0
Outros estados Freqüência 95 221 92 72 480
(%) 19,8 46,0 19,2 15,0 100,0
Total Freqüência 156 325 116 96 693
(%) 22,5 46,9 16,7 13,9 100,0
TABELA 38
Grau em que certas Medidas Foram Adotadas para Melhorar o Desempenho nos
Tribunais/Comarcas de Atuação do Magistrado
Questão 26: “Alguns tribunais/comarcas vêm tomando providências para agilizar a tramitação de processos. O(a)
senhor(a) poderia nos indicar em que medida as seguintes providências foram adotadas em seu tribunal/comarca nos
dois últimos anos?”
Sim, Sim, um Não sabe/sem Não
Não
bastante pouco opinião respondeu
Informatização Freqüência 522 168 14 2 35
(%) 70,4 22,7 1,9 0,3 4,7
Acesso remoto por computador ao Freqüência 419 180 88 8 46
andamento dos processos
(%) 56,5 24,3 11,9 1,1 6,2
Mutirões Freqüência 248 244 196 11 42
(%) 33,5 32,9 26,5 1,5 5,7
Cobrança de padrões mínimos de Freqüência 275 252 162 11 41
produtividade
(%) 37,1 34,0 21,9 1,5 5,5
Agilização da distribuição de Freqüência 364 215 102 18 42
processos
(%) 49,1 29,0 13,8 2,4 5,7
a
Administração ativa de casos Freqüência 223 189 251 35 43
(%) 30,1 25,5 33,9 4,7 5,8
Agilização do processo de notificação Freqüência 306 252 116 23 44
das partes
(%) 41,3 34,0 15,7 3,1 5,9
a
Por exemplo, agrupar e decidir em conjunto processos com o mesmo conteúdo.
1,5 1,3 4,3 10,1 11,3 26,9 13,5 13,6 8,0 1,5 2,0 5,9
Justiça Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Outros estados Total
Outros ramos
estadual Gerais e Distrito Federal
0 Freqüência 4 7 6 5 11
1 Freqüência 4 6 8 2 10
2 Freqüência 8 24 19 13 32
3 Freqüência 22 53 43 32 75
4 Freqüência 29 55 47 37 84
6 Freqüência 39 61 52 48 100
7 Freqüência 52 49 46 55 101
8 Freqüência 28 31 22 37 59
9 Freqüência 7 4 5 6 11
10 Freqüência 10 5 6 9 15
Freqüência (%)
TABELA 44
Opinião sobre Distribuição de Responsabilidades entre Agências Reguladoras e
Judiciário
Questão 22: “As agências reguladoras de serviços públicos (Anatel, Aneel e outras) têm a atribuição de julgar conflitos
entre concessionárias e destas com os consumidores. Propõe-se que nesses casos o Judiciário respeite as decisões
tomadas pelo colegiado dessas agências, limitando-se a garantir o respeito às normas processuais, e evitando que o
conteúdo da disputa seja julgado outra vez. O(a) senhor(a) concorda com essa proposta?”
Freqüência (%)
8 OBSERVAÇÕES FINAIS
Este artigo analisou o que pensam os magistrados brasileiros sobre o Judiciário, sua
reforma e a economia, apresentando seus pontos de vista sobre o desempenho do
Judiciário; um conjunto de possíveis explicações para a morosidade e falta de
previsibilidade da Justiça; várias propostas apresentadas para melhorar o desempenho
do Judiciário e a autonomia do Judiciário para implementá-las; e as reformas
econômicas dos anos 1990. Essa visão foi extraída de uma amostra estratificada de
741 magistrados que levou em consideração o ramo, o estado, o gênero e o estágio na
carreira do magistrado. A amostra incluiu magistrados de 12 UFs e cobriu as justiças
estadual, federal e do Trabalho, contendo de juízes com pouca experiência a ministros
dos Tribunais Superiores em Brasília. No todo, a amostra cobriu 6,5% de todos os
magistrados, com proporções de magistrados e magistradas semelhantes às observadas
para toda a magistratura.
De acordo com os magistrados, a morosidade é o principal problema do
Judiciário, com o alto custo de acesso (custas judiciais e outros custos) vindo em
segundo, seguido pela falta de previsibilidade das decisões judiciais e, como o aspecto
APÊNDICE
RESULTADOS DAS REGRESSÕES PARA VARIÁVEIS SELECIONADAS
Model 1
Dependent Variable: Answer to Question 8, Tabela 4.13 (Option A =0, Option B=1)
Method: ML - Binary Logit (Quadratic hill climbing)
Sample: 1 741
Included observations: 665
Excluded observations: 76
Convergence achieved after 4 iterations
Covariance matrix computed using second derivatives
Variable Coefficient Std. Error z-Statistic Prob.
C 2.976745 0.424395 7.014090 0.0000
AGE –0.021348 0.009019 –2.366870 0.0179
Branch2 (State =1 Other=0) –0.559560 0.200056 –2.797018 0.0052
State Dummy1 (=1 for Rio Grande do Sul, São Paulo,
Rio de Janeiro and the Federal District, =0 for other
states) –0.948092 0.200189 –4.735978 0.0000
Mean dependent var 0.784962 S.D. dependent var 0.411158
S.E. of regression 0.399442 Akaike info criterion 0.995066
Sum squared resid 105.4650 Schwarz criterion 1.022133
Log likelihood –326.8596 Hannan-Quinn criter. 1.005554
Restr. log likelihood –346.1691 Avg. log likelihood –0.491518
LR statistic (3 df) 38.61912 McFadden R-squared 0.055781
Probability(LR stat) 2.09E-08
Obs with Dep = 0 143 Total obs 665
Obs with Dep = 1 522
Sample: 1 741
Excluded observations: 39
FD (=1 if first degree judge and =0 otherwise) 0.281194 0.174800 1.608666 0.1077
State Dummy2 (=1 for Minas Gerais, Goiás, Bahia and Pará,
=0 for other states) –0.722384 0.111674 –6.468699 0.0000
Limit Points
Sample: 1 741
Excluded observations: 45
Limit Points
Sample: 1 741
Excluded observations: 54
Limit Points
Sample: 1 741
Excluded observations: 73
Limit Points
Sample: 1 741
Excluded observations: 44
Limit Points
Sample: 1 741
Excluded observations: 61
Limit Points
Divulgação
Raul José Cordeiro Lemos
Reprodução Gráfica
Edson Soares
Tiragem: 130 exemplares