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Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003 (589-594)

ANÁLISE DO DISCURSO E LINGÜÍSTICA TEXTUAL: INTERAÇÃO E


INTERDISCURSIVIDADE

Graziela Zanin KRONKA (UNICAMP/FAPESP)

ABSTRACT: This paper discuss the possibility of dialogue between Textual Linguistic and Discourse
Analysis, considering that they have their own particularities, what justify the separation of these
areas inside of Linguistic field, at the same time that, because they aren’t contradictories, they can
come near in the language topic studies.

KEYWORDS: Discourse Analysis; Textual Linguistic; dialogue; particularities.

1. Introdução

Neste trabalho, proponho a discussão da interface entre Lingüística Textual e Análise do Discurso
(mais precisamente, a vertente da escola francesa), duas áreas da Lingüística correntemente confundidas
ou colocadas em relação de oposição. Penso que o diálogo entre as duas áreas consiste no fato de que as
categorias da Lingüística Textual permitem que se estabeleça a organização textual, ou seja, as manobras
argumentativas que levaram a determinada estruturação do texto. Por sua vez, as categorias discursivas da
Análise do Discurso contribuem para a compreensão de que a organização textual não é aleatória, uma
vez que está inserida num contexto de determinações e restrições discursivas. Não se trata de defender
que uma seja anterior à outra, ou que uma seja mais completa que a outra no que se refere aos estudos da
linguagem. Trata-se, antes, de tentar estabelecer uma relação de proximidade entre elas (sem
desconsiderar as especificidades que as diferenciam), buscando, assim, uma abordagem mais detalhada
em relação à análise lingüístico-discursiva dos textos.

2. Análise do Discurso: breve exposição sobre a relação linguagem/sujeito/história

A Análise do Discurso – AD, tal como é conhecida a vertente francesa da análise do discurso1,
área da Lingüística na qual centro o referencial teórico em meu percurso para as reflexões sobre a
linguagem -, coloca-se em relação às Ciências Humanas refletindo as questões de sentido inseridas numa
relação entre sujeito, linguagem e história e tem como objeto o (inter)discurso2.

1
Especificar a vertente francesa da Análise do Discurso (ou AD) significa reconhecer que não existe uma,
mas diferentes “Análises do Discurso”. Ao lado dos trabalhos da escola francesa, são conhecidos os
estudos anglo-saxões referentes a essa área da Lingüística. A principal diferença de abordagem, de acordo
com Mussalim (2001:113), está no fato de que a AD mantém uma relação privilegiada com a história,
com os textos de arquivo que emanam de instâncias institucionais, enquanto a Análise do Discurso anglo-
saxônica privilegia a relação com a Sociologia, interessando-se por enunciados com estruturas mais
flexíveis (idem, ibidem). A autora acrescenta que o que diferencia a Análise do Discurso de origem
francesa da Análise do Discurso anglo-saxã (...) é que esta última considera a intenção dos sujeitos numa
interação verbal como um dos pilares que a sustenta, enquanto a Análise do Discurso de origem francesa
não considera como determinante essa intenção do sujeito; considera que esses sujeitos são
condicionados por uma determinada ideologia que predertemina o que poderão ou não dizer em
determinadas conjunturas histórico-sociais (idem, ibidem).
2
A própria vertente francesa da Análise do Discurso apresenta diferentes correntes de estudo. Apesar de
todas se ocuparem do estudo da discursivização, ou seja, do estudo das relações entre condições de
produção dos discursos e seus processos de constituição (Mussalim, 2001:114), e de assumirem o
primado do interdiscurso, diferem na maneira como consideram o sujeito enquanto elemento do discurso.
Um grupo de estudiosos fala de sujeito assujeitado, sempre interpelado pelos Aparelhos Ideológicos de
Estado, uma espécie de mero suporte do discurso que nem percebe a interpelação. Esse sujeito vive e
convive com a ilusão de ser origem do seu próprio discurso. Outro grupo, ao qual me filio de acordo com
minhas concepções teóricas, trata do sujeito subjetivado, aquele que se constitui pela experiência, nos
interstícios do discurso, e pelas relações de subjetividade e identidade com o outro. Esse sujeito sabe que
está submetido a restrições, mas encontra espaço para seguir as regras à sua maneira. Não é mero suporte;
seu “trabalho” com o discurso se caracteriza pela maneira como explicita suas singularidades dentro do
que lhe é imposto.
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Michel Pêcheux, ao propor uma teoria da significação fundada numa posição materialista do
discurso (cf. Pêcheux, 1975), ressalta a preocupação demasiada dos lógicos em tentar estabelecer uma
relação transparente e direta entre linguagem e conhecimento. Esses, por meio de uma linguagem natural,
procuravam uma ferramenta válida que levasse ao conhecimento verdadeiro e consideravam imperfeição
da linguagem qualquer procedimento que permitisse questionar o caráter natural da língua. Pêcheux se
opõe a essa concepção, que ele chama de logicista, por considerar que ela trata as oposições ideológicas
e políticas como resultantes de imperfeições da linguagem. Contrariamente a essa visão utópica, de
linguagem inequívoca e unívoca, ele trabalha com a oposição entre base lingüística e processo
discursivo, sendo a primeira um sistema comum a todos os falantes (no que diz respeito ao conjunto de
estruturas fonológicas, morfológicas e sintáticas), enquanto os processos discursivos são diferenciados de
acordo com processos ideológicos que os determinam. Assim, os processos discursivos, ao se
desenvolverem sobre as bases dessas leis, não são expressão de um puro pensamento, de uma pura
atividade cognitiva, etc, que utilizaria ‘acidentalmente’ os sistemas lingüísticos (Pêcheux, 1975:91).
A AD surge, então, como uma disciplina que propõe “problematizar” as maneiras de ler,
considerando a opacidade como característica constitutiva da linguagem. Ao mediar a relação com o
texto, essa “disciplina” possibilita que se enxerguem formas de significação que dificilmente seriam
vistas a “olho nu”, ou seja, que seriam invisíveis sem os dispositivos teóricos de análise fornecidos por
essa disciplina. A AD acredita que há mais sentidos além do que está explicitado na superfície
lingüística, portanto, não estabelece ao discurso um sentido único e fechado. Cabe ao analista explicitar o
caminho pelo qual se chegou ao sentido evidente (e se calou outros possíveis). Como mostra
Maingueneau, de acordo com Pêcheux:

a análise de discurso não pretende se instituir como especialista da interpretação, dominando ‘o’
sentido dos textos; apenas pretende construir procedimentos que exponham o olhar leitor a níveis
opacos à ação estratégica de um sujeito. (...) O desafio crucial é o de construir interpretações,
sem jamais neutralizá-las, seja através de uma minúcia qualquer de um discurso sobre o discurso,
seja no espaço lógico estabilizado com pretensão universal (Pêcheux, apud Maingueneau, 1987:
11).

Acrescente-se a essa reflexão a idéia segundo a qual

a AD recusa a concepção que faria da discursividade um suporte de “doutrinas” ou mesmo de


“visões de mundo”. O discurso, bem menos do que um ponto de vista, é uma organização de
restrições que regulam uma atividade específica. A enunciação não é uma cena ilusória onde
seriam ditos conteúdos elaborados em outro lugar, mas um dispositivo constitutivo da construção
do sentido e dos sujeitos que aí se reconhecem. À AD cabe não só justificar a produção de
determinados enunciados em detrimento de outros, mas deve, igualmente, explicar como eles
puderam mobilizar forças e investir em organizações sociais (Maingueneau, op. cit.:50).

Assim, acredito que a AD fornece um instrumental teórico adequado para a realização de uma
leitura crítica dos discursos, sejam eles ligados a uma prática doutrinária explicitamente institucional,
sejam eles ligados a práticas discursivas de acontecimentos cotidianos, considerados menos “rígidos” do
ponto de vista da instituição.
Ao recorrer à AD, tomo como ponto de partida a noção de interdiscurso, segundo a qual uma
formação discursiva não deve ser concebida como um bloco compacto que se oporia a outros, (...) mas
como uma realidade heterogênea por si mesma (Maingueneau, 1987:112). A assunção do primado do
interdiscurso sobre o discurso permite pensar a identidade discursiva a partir de relações intradiscursivas,
essas últimas fundadas em um espaço de trocas, e não em um espaço de identidade fechada.
De acordo com Maingueneau (1987), sustentar que o discurso, definido a partir de sistemas de
restrições, é de ordem interdiscursiva, consiste em propor ao analista o interdiscurso como objeto. Dessa
forma, o analista deve apreender, de imediato, não uma formação discursiva, mas a interação entre
formações discursivas. Isto implica que a identidade discursiva está constituída na relação com o Outro.
Dessa maneira, não se distinguirão, pois, duas partes em um “espaço discursivo”, a saber, as formações
discursivas por um lado, e suas relações por outro; mas entender-se-á que todos os elementos são
retirados da interdiscursividade (op. cit.:119-120).
A AD estabelece relações com a exterioridade da linguagem a partir da materialidade lingüística e
das condições de produção do discurso. Constitui-se de um caráter multidisciplinar, uma vez que
mobiliza saberes de outros campos, tais como a Filosofia da Linguagem, a Antropologia, a História, a
Sociologia, a Psicanálise, as Ciências Cognitivas, proporcionando ao leitor diferentes olhares em
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relação ás formas de construção dos sentidos, de nossa subjetividade/alteridade e de nossa historicidade


(Mussalim & Bentes, 2001:17).

3. Lingüística Textual: algumas considerações sobre o texto como atividade interacional e


sociocognitiva

A Lingüística Textual, área que começou a ser desenvolvida na década de 60, na Europa
(principalmente na Alemanha) e nos Estados Unidos, tem como principal interesse o estudo dos
processos de produção, recepção e interpretação dos textos, a partir da reintegração do sujeito e da
situação de comunicação em seu escopo teórico (Mussalim & Bentes, 2001: 16). Trata-se de um ramo da
Lingüística que se coloca como uma disciplina que não estabelece regras categóricas, mas princípios que
permitem discutir a questão da construção dos sentidos nos textos para além do nível lingüístico.
O percurso dos estudos da Lingüística Textual é dividido em três fases delimitadas e diferenciadas,
principalmente, pela concepção de texto adotada em cada uma. O primeiro momento de constituição
dessa área da Lingüística foi conhecido como análise transfrástica, e seus estudos pretendiam avançar o
nível da frase, a partir da descrição de fenômenos sintáticos e semânticos verificados entre enunciados (ou
seqüências de enunciados) (cf Koch & Travaglia, 1990). Tratava-se da ampliação de classificações já
existentes dos tipos de relações passíveis de serem estabelecidas, entre as orações, por meio de
determinados conectivos (Bentes, 2001:248). O texto era considerado uma estrutura acabada e pronta,
com ênfase no aspecto material e formal.
Indagações sobre o estabelecimento da relação entre enunciados ou seqüências de enunciados sem
a presença de conectores levaram à consideração do conhecimento intuitivo do falante. Esse foi um dos
motivos para a construção de uma outra linha de pesquisa que não considerasse o texto apenas como
uma simples soma ou lista dos significados das frases que o constituem (idem: 249). A segunda fase da
Lingüística Textual foi chamada de gramática do texto, pois seu objetivo era descrever uma gramática
considerada um sistema finito de regras, comum a todos os usuários da língua, que lhes permitiria dizer,
de forma coincidente, se uma seqüência lingüística é ou não um texto, é ou não um texto bem formado
(idem: 251). O texto, enquanto unidade teórica formalmente construída, era considerado como uma
seqüência lingüística coerente em si e as seqüências não-coerentes (em si) eram chamadas não-texto. A
tentativa de descrever uma competência textual do falante não foi produtiva, mas significou um
deslocamento da questão: em vez de dispensarem um tratamento formal e exaustivo do objeto “texto”, os
estudiosos começaram a elaborar uma teoria do texto, que (...) propõe-se a investigar a constituição, o
funcionamento, a produção e a compreensão dos textos em uso (idem, ibidem).
O terceiro momento, denominado teoria ou lingüística de texto, estabeleceu-se a partir da década
de 80 com o intuito de permitir representar os processos e mecanismos de tratamento dos dados textuais
que os usuários põem em ação quando buscam compreender e interpretar uma seqüência lingüística
(Koch & Travaglia, 1990: 58). O texto é considerado como atividade interacional entre os interlocutores.
A partir dessa concepção, começa-se a considerar o contexto de produção textual e o texto passa a ser (...)
compreendido não como um produto acabado, mas como processo, resultado de operações
comunicativas e processos lingüísticos em situações sociocomunicativas (Bentes, 2001:246/247). Não se
fala mais de texto/não-texto, mas sim de condições de textualidade (ou princípios de textualização), a
saber: coesão, coerência, informatividade, situacionalidade, intertextualidade, intencionalidade e
aceitabilidade (cf. Beaugrande & Dressler – 1981, Koch & Travaglia –1989, Costa Val –1994), as quais
não se encontram mais apenas na realidade lingüística.
Koch (2002) mostra que estes estudos abriram caminho, ainda na década de 80 e, com mais força,
a partir da década de 90, para uma abordagem cognitiva do texto. Segundo a autora:

a partir desse momento, com o desenvolvimento cada vez maior das investigações na área da
cognição, as questões relativas ao processamento do texto, em termos de produção e
compreensão, às formas de representação do conhecimento na memória, à ativação de tais
sistemas de conhecimento por ocasião do processamento, às estratégias sociocognitivas e
interacionais nele envolvidas, entre muitas outras, passaram a ocupar o centro dos interesses de
diversos estudiosos do campo. (Koch, op. cit.:151).

Para Koch, uma abordagem interacional e sociocognitiva da Lingüística Textual direciona-se no


sentido de

pensar o texto como lugar de constituição e de interação de sujeitos sociais, como um evento,
portanto, em que convergem ações lingüísticas, cognitivas e sociais (...), ações por meio das quais
se constroem interativamente os objetos-de-discurso e as múltiplas propostas de sentidos, como
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funções de escolhas operadas pelos co-enunciadores entre as inumeráveis possibilidades de


organização textual que cada língua oferece (Koch, 2002:9).

Trata-se de pensar o texto enquanto um objeto complexo e multifacetado, construído sócio-


historicamente.
Tal abordagem em que se situam os estudos atuais do texto estabelece um caráter multidisciplinar a
esse campo de estudo e permite que se pense a Lingüística Textual como parte integrante não só da
Ciência da Linguagem, mas das demais ciências que têm como sujeito central o ser humano (Koch, op.
cit.:157). O diálogo com diversas áreas do conhecimento, não somente ligadas às Ciências Humanas,
atribuem à Lingüística Textual o caráter de ciência integrativa, como aponta Koch a respeito do diálogo
com a Filosofia da Linguagem, a Psicologia Cognitiva e Social, a Sociologia Interpretativa, a
Antropologia, a Teoria da Comunicação, a Literatura, a Etnometodologia, a Etnografia da Fala e, mais
recentemente, com a Neurologia, a Neuropsicologia, as Ciências da Cognição, a Ciência da Computação
e, por fim, com a Teoria da Evolução Cultural (idem, ibidem).
Dessa breve apresentação, conclui-se que, da passagem de uma inclinação explicitamente
gramatical para uma inclinação pragmático-discursiva, a Lingüística Textual assume, atualmente, uma
forte tendência sociocognitivista (que poderia caracterizar uma 4a fase, cujo início se deu a partir dos anos
90). A análise da linguagem sob a ótica desse campo de estudos envolve categorias lingüísticas
(referentes à estrutura pré-estabelecida) e categorias instanciais (referentes ao extra-lingüístico), as quais,
por sua vez, estão inseridas num contexto multidisciplinar, contexto este que inclui, como acredito e
tentarei mostrar, o diálogo com a Análise do Discurso3.

4. Análise do Discurso e Lingüística Textual: especificidades e possibilidade de diálogo

Falar do diálogo entre Lingüística Textual e AD supõe considerar, por um lado, que estas duas
áreas da Lingüística têm especificidades que as diferenciam e, por outro, que têm afinidades que podem
aproximá-las no que se refere aos estudos de fenômenos da linguagem. Como afinidade, aponto o fato de
que ambas, na constituição de seus estudos, consideram fatores como língua (e linguagem), sujeito, texto,
contexto e sentido. As especificidades estariam na concepção teórica adotada para definir tais fatores.
A Lingüística Textual, conforme já disse anteriormente, é a área da Lingüística responsável pela
produção, recepção e interpretação dos textos. A língua é o lugar de uma interação de natureza cognitiva
e social (cf Koch, 2002). O sujeito da interação é uma entidade psicossocial, de caráter ativo (mais
próximo das figuras do enunciador/co-enunciador ou do interlocutor do que um sujeito tal como é
entendido pela AD). Produtor, receptor e interpretador dos textos são, segundo Koch (op. cit.:15), atores
na atualização das imagens e das representações sem as quais a comunicação não poderia existir. Trata-
se de uma concepção sociointeracional da linguagem, a partir da qual o texto passa a ser considerado o
próprio lugar da interação e os interlocutores como sujeitos ativos que- dialogicamente- nele se
constituem e são constituídos (idem: 17). Ao considerar a linguagem como resultante de uma atividade
interacional entre interlocutores ativos, os estudiosos da Lingüística de Texto perceberam, com o
desenvolvimento dessa área, que não era possível se restringir ao material lingüístico e ao momento da
interlocução para explicitar a instauração de sentidos dos textos. Dessa forma, passou-se a considerar o
contexto sociocognitivo como fator crucial para o estudo de um contexto mais amplo que envolve a
organização textual. Trata-se dos conhecimentos arquivados na memória dos atores da interação para que
estes possam compreender os textos e se compreenderem entre si. Assim, como mostra Koch (idem: 24),

o contexto, da forma como hoje é entendido no interior da Lingüística Textual abrange (...) não só
o co-texto, como a situação de interação imediata, a situação mediata (entorno sócio-político-
cultural) e também o contexto sociocognitivo dos interlocutores que, na verdade, subsume os
demais. Ele engloba todos os tipos de conhecimentos arquivados na memória dos actantes sociais,
que necessitam ser mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal (...): o conhecimento lingüístico
propriamente dito, o conhecimento enciclopédico (...), o conhecimento da situação comunicativa e
de suas “regras” (situacionalidade), o conhecimento superestrutural (tipos textuais), o
conhecimento estilístico (...), o conhecimento sobre os variados gêneros adequados às diversas
práticas sociais, bem como o conhecimento de outros textos que permeiam nossa cultura
(intertextualidade).

3
Alguns estudiosos filiados à Lingüística Textual se aproximam bastante dos pressupostos teóricos da
AD, assim como a corrente anglo-saxônica da Análise do Discurso tem bastante afinidade com a
Lingüística de Texto (cf. Koch, 1989:11-14).
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Observar os fenômenos de linguagem a partir dessa ótica seria buscar sentidos instaurados na
interação de uma atividade sociocomunicativa a partir de um contexto essencialmente sociocognitivo, o
que leva a concluir que o sentido de um texto é, portanto, construído na interação texto-sujeitos (ou texto
–co-enunciadores) e não algo que preexista a essa interação (idem: 17), ou seja, o sentido se revolve
entre texto e leitor, nos conhecimentos partilhados entre produtor e receptor e ativados na atividade
interpretativa.
A AD, por sua vez, situa-se na relação da linguagem com sua exterioridade. A língua caracteriza-
se pela indeterminação dos sentidos, o que resulta numa concepção de linguagem não-transparente. O
sujeito da AD, de acordo com a concepção da corrente à qual me aproximo (cf. nota 1 à p.1), é um ser
heterogêneo, histórico, cuja identidade se forma numa relação de alteridade com o outro4, a partir da
reconstrução do passado, da atualização do presente e da projeção do futuro, tudo ao mesmo tempo (cf
Placer, 2001). A noção de sujeito, tal como é reconhecida pela AD, é um dos fatores que a diferenciam
das demais áreas da Lingüística, ao lado da noção muito particular de contexto. Falar de contexto para a
AD implica falar de condições de produção do discurso, ou seja, das condições sócio-históricas que
determinam a produção, recepção e interpretação de textos. Condições estas que não são analisadas a
posteriori, como se fossem instanciais. Já o texto tal como é entendido pela Lingüística Textual é, para a
AD, uma das manifestações do discurso e não a única ou a mais importante (cf. a noção de Semântica
Global desenvolvida por Maingueneau, 1984). Dessa maneira, o contexto (ou melhor, as condições de
produção) é tão importante quanto o texto para a constituição de sentido(s), e não é algo a que se recorre
para compreender aspectos do texto. Como mostra Maingueneau (1996:26), a análise do discurso (...)
não estuda de maneira imanente os enunciados para, em seguida, os relacionar com diversos parâmetros
“exteriores”, situacionais: a análise esforça-se, pelo contrário, por considerar o discurso como uma
actividade inseparável desse “contexto”. O sentido constrói-se, então, nas relações interdiscursivas, a
partir de cadeias intertextuais, o que pressupõe o diálogo com textos que antecedem o momento da
interação enunciativa. Mesmo considerando estes elementos anteriores à produção e recepção dos textos,
a AD defende que o sentido vai se constituindo à medida que se constitui o próprio discurso. Não existe,
portanto, o sentido em si, ele vai sendo determinado simultaneamente às posições ideológicas que vão
sendo colocadas em jogo na relação entre as formações discursivas que compõem o interdiscurso
(Mussalim, 2001:132). Em outras palavras, pode-se dizer que o sentido não preexiste, mas sim as
condições de produção que resultam em tal sentido. Diferentemente da Lingüística Textual, porém, para a
AD, recusar o sentido pré-existente implica considerar elementos que vão além da interação
sociocomunicativa e sociocognitiva. Trata-se de pensar em prática discursiva, o que é impossível sem
considerar a História (enquanto movimento e possibilidade de mudança na organização discursiva).
Dizer que o sentido não preexiste (à interação sociocomunicativa e/ou à prática interdiscursiva) é
dizer que as palavras/expressões da língua podem ter diversos significados e todos ao mesmo tempo. O
discurso seria um instrumental para atribuir um sentido específico.
Não é o discurso que abre sentidos, como se pensa correntemente. É, na verdade, a língua que abre
sentidos. O trabalho discursivo é um trabalho de fechamento dos sentidos; consiste em tomar algo que é
relativamente indeterminado e torná-lo determinado a partir de uma certa seqüência sintagmática e de um
certo contexto sócio-histórico. A AD, por sua vez, seria um trabalho de atenção a sentidos possíveis, com
o objetivo de mobilizar sentidos não aparentes, não explícitos, silenciados5.
As categorias de análise da Lingüística Textual permitem que se estabeleça a organização textual,
ou seja, as manobras argumentativas que levaram a determinado sentido instaurado. Reconhecido esse
sentido, a AD explica porque, no momento da interação, um sentido foi preferível a outros possíveis. O
diálogo entre as duas áreas consiste no fato de que as categorias textuais permitem que se recupere a
organização “sofrida” pelo texto. Assim, servem de “suporte” para a análise discursiva. Por outro lado, as
categorias discursivas contribuem para que se compreenda que essa organização textual não é aleatória,
uma vez que está inserida num contexto de determinações e restrições discursivas.

4
Relação com o outro corresponde ao caráter dialógico do discurso, que prevê ora relação entre
interlocutores (a interação e o conhecimento sociocognitivo partilhado), ora a relação entre discursos (a
interdiscursividade).
5
A atenção à questão da indeterminação e do fechamento de sentidos da língua se deu a partir de
discussões realizadas na disciplina Discurso e Subjetividade, ministrada pelo Prof. Dr. João Wanderley
Geraldi, no 1o semestre de 2002, no programa de pós-graduação em Lingüística do Instituto de Estudos da
Linguagem (IEL), da UNICAMP.
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RESUMO: O propósito deste texto é discutir o diálogo entre Lingüística Textual e Análise do Discurso,
partindo do pressuposto de que estas duas áreas da Lingüística têm especificidades que justificam sua
separação, ao mesmo tempo em que, por não serem contraditórias, permitem uma aproximação no
estudo de fenômenos da linguagem.

PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso; Lingüística Textual; diálogo; especificidades.

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