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Proposta Paradigma Colonialista
Proposta Paradigma Colonialista
Proposta Paradigma Colonialista
Ailton Krenak pensador e ativista indígena, autor de Ideias Para Adiar o Fim do Mundo
e A Vida Não é Útil, publicados em mais de dez países, comenta os desafios para superação
do paradigma colonialista:
É uma experiência radical. Em cinco anos, a gente viu essa pobreza se expandir e deixar
cerca de 32 milhões de brasileiros nessa condição de passar fome. Só em São Paulo já
foram registrados mais de 6,2 milhões de pessoas que correm risco de ficar sem comer
amanhã. Até em São Paulo, onde as pessoas geralmente não se alimentam do rio ou da
terra, mas consomem produtos processados do mercado, as pessoas estão ficando sem
comida. Nós estamos em meio a um desastre social amplo, onde a questão ambiental
entra só como motor.
Pela primeira vez na história do país, a Constituição de 1988 possibilitou que indígenas e
outros povos tradicionais tivessem seu direito desenhado. Mas, nesses últimos anos,
esses direitos retrocederam. Como você percebe esses retrocessos?
Eu olho essa linha do tempo e percebo que a ideia de tomar uma Constituição como guia
geral para a vida política de um país, elencando questões sociais e ambientais – que foi o
que a gente fez na Constituinte de 1988 –, pode também criar uma espécie de barreira.
Algumas cláusulas podem ficar, como dizem os juristas, pétreas, mas muitas
comunidades podem perder direitos em vez de acessá-los. A Constituição dizia que o
Estado brasileiro deveria, em cinco anos, concluir o reconhecimento de todas as Terras
Indígenas e, nesse ínterim, fizeram manipulações jurídicas e políticas para cravar o marco
temporal no meio do caminho – temos 15 anos de marco temporal. Esse jogo de
empurra-empurra serve para a gente despertar um pouco nossa percepção de que uma
Constituição não é um livro sagrado, não é uma Bíblia. Alguns constitucionalistas querem
dar esse peso à Constituição, de que ela é esse documento fundador, mas isso contraria a
própria dinâmica das sociedades modernas, as quais estamos integrando, querendo ou
não.
O evento da globalização alterou tanto essas ideias do século XX, que a gente deveria
considerar uma negociação objetiva em torno da realidade política que estamos vivendo
no país e os compromissos que são possíveis extrair dessa negociação. Não seria fora do
tempo. Uma Constituição é um compromisso, é um contrato social e, como contrato
social, deve refletir as mudanças que a sociedade experimenta, mesmo que
involuntariamente.
Nós estamos passando por uma situação em que a questão da terra se agravou de uma
maneira semelhante a um genocídio. Então, nós precisamos ter sabedoria, discernimento.
A questão ambiental não vai mudar porque alguns princípios fundamentais estão escritos
na Constituição; ela vai mudar se a gente mudar nossa maneira de ser sociedade.
Enquanto formos uma sociedade racista, que reproduz o colonialismo dentro de casa,
sem dúvida, estaremos incentivando diretamente o tipo de progresso e desenvolvimento
posta em curso no governo federal por essa legenda [bolsonarista].
Parece que eles não sabem conjugar meio ambiente e sociedade. Eles continuam
achando que são coisas separadas, como sempre acharam: cultura versus natureza,
essas ideias. Tomara que a gente consiga sair desse momento péssimo da vida política
brasileira, e vamos ter que fazer isso com a Constituição que nós já temos. Mas não
custaria nada, depois disso, fazer como estão fazendo no Chile e botar em questão o
molde do Estado colonial.
A primeira infraestrutura que uma nação deve considerar é seu território; depois você vai
pensar em estrada, hidrelétrica etc. No Brasil, já faz muito tempo que ninguém pensa que
o território é o que institui a possibilidade de identidade cultural desses povos; por isso a
gente corre o risco de ter uma diversidade de povos sem lugar para pousar.
Enquanto o Brasil insiste em querer imitar países ricos, nós vamos continuar sendo essa
pobre imitação de país rico. Temos um território imenso, uma biodiversidade escandalosa,
uma riqueza natural de dar inveja aos estrangeiros. Mas os brasileiros, principalmente
aqueles que têm poder político, que têm capacidade de se articular politicamente, são tão
medíocres que não têm conhecimento sobre esse mundo que eles habitam.