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O diário de gg

viagem da Monja Alférez:


entre mares e gêneros no século XVII
Letícia Pilger
Letícia Pilger
Mestranda - UFPR
• Contexto:

“Eu não devia estar aqui”


• Inadequação ao tema da mesa
• Divulgação da obra no Brasil
Ponto de partida
PONTO DE CHEGADA

Disciplina
Leituras

Este
trabalho
Erauso
• Nasceu Catalina de Erauso , em 1592, em Sán Sebástian, Viscaya
• Morreu em 1650 em Cuetlactla, México, como António de Erauso
• Oriundo de família nobre basca
• Famoso na Espanha e no Chile – Guerra Araucaniana ( povos
Mapuche, Pinuche e Huilliche)
• Praticamente desconhecido no Brasil
• Viajante pioneira: “por ser uma das primeiras vezes na história
em que uma mulher desafia abertamente a autoridade e sai
vencedora” (SERRANO, 2014, p. 116, grifo meu).
• Permite comparação de compreensão de identidade de gênero
entre ontem e hoje
• Historia de la monja alférez, escrita
por ella misma, primeiramente publicado em
1625
• (1624-1626)
• Republicado no final do século XVIII

• Autobiografia? Diário de
viagem? Apócrifo? Ficção?
A forma e a escrita
“É uma confissão atrevida, acaso sincera, que começou a escrever ou a
ditar em 18 de setembro do ano de 1624, quando voltava a entrar na
Espanha no galeão “San José”. Foi, sem dúvida, para entreter a ociosidade
das largas jornadas da travessia, que alargam ainda mais as calmas
sufocantes do mar do Trópico; talvez pela imperiosa necessidade de
descarregar sua consciência e de tirar um peso do coração. Na forçada
inação, prisioneira, cansada de ir ao poente do navio, se satisfez em
reviver com o pensamento as aventuras passadas: as corridas a cavalo
através dos Andes, as disputas, os combates, as fugas, a sorte azarada, a
vida errante e livre. O fez em linguagem limpa, concisa e varonil. Não fala
de si mesma no feminino, apenas raras vezes; apenas em casos
desesperados, em momentos de suprema angústia, quando sente a morte
e tem medo do inferno”. (HEREDIA, 1894, p. 9, tradução nossa).
• Autoria coletiva a partir dos depoimentos do apêndice
com a “relación de méritos y servicios” (GOLDMARK,
2017, p. 216)
• Forma pioneira de literatura de testemunho pelo
escritor barroco Juán Pérez de Montalbán (pode ter
sido o editor) (MERRIM, 1999)
• Literatura (RUTTER-JUENSEN, 2007):
– novelas de cavalaria
– narrativas de soldado
– picaresca.
• Publicação paradoxal
DUAS VIAGENS:
VIAGEM PESSOAL EM DOIS SENTIDOS:

• TERRITORIAL – “andar y ver mundo” (ERAUSO, 1838, p. 25)


• GÊNERO

De noviça a soldado; de mulher a homem; da Europa à


América; da metrópole à colônia; de observado/a a
observador/a.
A escrita é a operação narrativa para a
transformação de seu gênero. O texto
muda o gênero de Erauso.
Origem e contexto
“Nasci eu, Catalina de Erauso, na vila de San Sebastián, de
Guipúzcoa, no ano de 1585, filha do capitão Dom Miguel de Erauso
e da Dona Maria Pérez de Galarraga y Arce, naturais e vizinhos
daquela vila. Criaram-me meus pais em sua casa, com meus outros
irmãos, até eu ter quatro anos. Em 1589, me colocaram no
convento de San Sebastián, o Antigo, da dita vila, que é de monjas
dominicanas, com minha tia Dona Úrsula de Unzá e Sarasti, prima-
irmã de minha mãe e superiora daquele convento, onde me criei
até ter quinze anos, quando se tratou de minha profissão”.
(ERAUSO, 1838, p. 4-7, tradução nossa).
Roupas masculinas
• Muitas mulheres da época viajavam com roupas de homem para se
proteger.

• Não se disfarçou de homem, mas performou na vida vida o gênero


masculino.

“Ali cheguei e fiquei três dias, acomodada e cortando o que vestir. Fiz,
de uma saia de pano azul com que fugira, e de uma anágua verde que
trazia embaixo, uma roupilha e polainas; deixei o hábito por ali, por
não saber o que fazer com ele. Cortei-me o cabelo, que atirei e, à
terceira noite, desejando distanciar-me, parti não sei por onde,
percorrendo caminhos e passando por lugares, até vir a dar em
Vitória, que está cerca de vinte léguas de San Sebástian, a pé, cansada
e sem ter comido mais que ervas que encontrava pelo caminho”.
(ERAUSO, 1838, p. 12, tradução nossa).
• Interseccionalidade: gênero, raça, classe.
Entre mares
• Deslocamento espacial = liberdade das regras sociais
• REINVENTAR-SE AO INVENTAR UMA TERRA.
• Colônia
• Viagens etnográficas (exploração e documentação)
• Estrutura do texto – capítulos com trajeto
• Escreveu o que convinha à corte espanhola
• Transporte: a pé, a cavalo, a navio e a liteira.
• Panamá
• Chile
• Peru
• Bolívia
• Venezuela
• Argentina
• Paraguai
“Parti de Trujillo a Lima, e andadas mais de oitenta léguas na cidade
de Lima, cabeça do opulento reino de Peru, que compreende cento
e duas cidades de espanhóis, sem contar muitas vilas, vinte e oito
bispados e arcebispados, cento e trinta e seis corregidores e as
Audiências reais de Valladolid, Granada, Charcas, Quito, Chile e La
Paz. Lima tem arcebispo, igreja catedral parecida com a de Sevilha,
embora não seja tão grande, com cinco dignidades, dez cânones,
seis rações inteiras e seis meias, quatro curas, seis paróquias, doze
conventos de frades e monjas, oito hospitais, uma ermita
(inquisição e outra em Cartagena), Universidade... Tem vicerrei e
audiência real, que governa o resto do Peru, e outras
grandiosidades” (ERAUSO, 1838, p. 23, tradução nossa).

Universidad Nacional Mayor de San Marcos (fundada em 1551)


Cita os nomes dos vicerreis e autoridades - testemunhas
“Comecei a caminhar por toda a costa do mar, passando por grandes trabalhos e falta de água,
que não encontrei em todo aquele caminho por ali. Topei no caminho com dois soldados de mal
andar, e seguimos os três pelo caminho, determinados a morrer antes de nos deixarmos prender.
Levávamos nossos cavalos, armas brancas e de fogo e a alta providência de Deus.
Seguimos cordilheira acima, subida de mais de 30 léguas, sem topar nelas, nem em outras
trezentas que seguimos, com nenhum bocado de pão, e rara vez com água; alguns hortelã e
animais e raízes de que nos mantemos, tal qual índio que fugia. Tivemos que matar um de nossos
cavalos e fazê-lo de carne seca; mas encontramos apenas ossos e pele; e da mesma sorte, pouco
a pouco caminhando, fomos fazendo isso dos outros, ficando-nos a pé. Entramos em uma terra
fria; tanto que nos congelamos. Topamos com dois homens perto de uma rocha e nos alegramos.
Fomos até eles, saudamos-lhes antes de chegar e, perguntando-lhes o que faziam ali, não
responderam. Chegamos lá, e estavam mortos; congelados, as bocas abertas, como que rindo, e
isso nos causou pavor.
Seguimos adiante, e na terceira noite, chegando a uma rocha, um dos nossos não pôde mais e
expirou. Seguimos os dois, e no dia seguinte, lá pelas quatro da tarde, meu companheiro,
chorando, se deixou cair sem poder mais andar , e expirou. Encontrei na bolsa oito pesos; sem
ver onde, prossegui meu caminho, levando o arcabuz e o pedaço de carne seca que sobrara,
esperando o mesmo que vi nos companheiros. Já se viu minha aflição, cansado, descalço e os pés
cansados. Me encostei a uma árvore e chorei, e penso que essa foi a primeira vez que o fiz; [...]”
(ERAUSO, 1838, p. 32-34, tradução nossa).
“[...] Prosseguimos os dois e chegamos até a
bandeira; mas derrubou de um bote de lança
meu companheiro. Eu, com um mal golpe em
uma perna, matei o cacique que a levava,
tirei-a e fui com meu cavalo, atropelando,
matando e ferindo infinitamente [...]”
(ERAUSO, 1838, p. 28, tradução minha)
CONSIDERAÇÕES FINAIS

• Repensar a viagem
• Divulgar a obra e a vida de
Erauso no Brasil
• Traduzir o livro
• Rasurar a crítica literária
REFERÊNCIAS
ANTEZANA, Monica Navia. “Retrato de la monja alférez doña Catalina de Erauso”. In: Ciencia y Cultura. n. 37. Dez. 2016, p. 161-181.
BASSNETT, Susan.. "Travel Writing and Gender". In: Hulme, P. & Youngs, T. (Eds.), The Cambridge Companion to Travel Writing. Cambridge:
Cambridge UP, 2002, p. 225-241.
ERAUSO, Catalina. La monja alférez. Barcelona: Imprenta de José Tauló, 1838.
ESTEBAN, Nerea A. Género e identidad en la sociedad del siglo XVII. BIBLID [1136-6834 (2006), 35; 49-62.
GARCÍA-SANCHEZ, Soraya. De monja a conquistador, de mujer a hombre: los viajes de Catalina de Erauso. Disponível
em: https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?frbrVersion=2&script=sci_arttext&pid=S0718-04622015000100004&lng=en&tlng=en
GOLDMARK, Matthew. “Reading Habits: Catalina de Erauso and the Subjects of Early Modern Spanish Gender and Sexuality”.
In: Colonial Latin America Review. v. 24, n. 2. 2015, p. 215-235. Disponível
em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10609164.2015.1040278?scroll=top&needAccess=true Acesso em: 20 dez. 2018.
HEREDIA, José María. “Prefácio”. In. ERAUSO, Catalina de. História de la monja alférez, escrita por ella misma. Barcelona: Imprenta de José Tauló,
1894.
HODGSON, Barbara. No place for a lady. Vancouver: Greystone books, 2002.
MAIA, Helder T. C. “Retratos da sexualidade: uma análise das obras La monja alférez de Juán Pérez de Moltalban e Historia de la monja alférez,
Catalina de Erauso, escrita por ella misma, de Catalina de Erauso”. In: Revista Feminismos. UFBA. V. 01. N. 3. Dez, 2013. Disponível
em: http://www.feminismos.neim.ufba.br/index.php/revista/article/viewFile/21/72 Acesso em: 16 dez. 2018.
MERRIM, Stephanie. Early modern women’s writing and Sor Juana Inés de la Cruz. Nashville: Vanderbilt University Press, 1999.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
PERRY, Mary Elizabeth. Gender and disorder in early modern Seville. Princeton: Princeton University Press, 1990.
OLIVER, José M.; CURELL, Clara; URIARTE, Cristina G.; PICO, Berta. “Presentación”. In: ______. (Org.). Escrituras y
reescrituras del viaje: miradas plurales a través del tiempo e de las culturas. Bern: Peter Lang, 2007.
RUTTER-JENSEN, Chloe. “La transformación transatrántica de la monja alferez”. In: Revista de Estudios Sociales. N. 28. Dez. 2007. Bogotá, p. 86-95.
SERRANO, Sonia. Mulheres viajantes. Lisboa: Tinta-da-china, 2014.

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