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Teresa Cristina Cerdeira da Silva, José Saramago – entre a história e a ficção: uma saga de portugueses,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989, p. 146.
The god of the labyrinth, Herbert Quain
1
«Acendeu a luz, abriu The god of the labyrinth, leu página e meia, percebeu que se falava de dois jogadores de xadrez, mas não chegou a concluir se eles jogavam ou
conversavam, as letras confundiram-se-lhe diante dos olhos, largou o livro […].» (José Saramago, op. cit., p. 226).
2
«[…] abriu uma vez mais The god of the labyrinth, ia ler a partir da marca que deixara, mas não havia sentido para ligar com as palavras, então percebeu que não se
lembrava do que o livro contara até ali, voltou ao princípio, recomeçou, O corpo, que foi encontrado pelo primeiro jogador de xadrez, ocupava, de braços abertos, as
casas dos peões do rei e da rainha e as duas seguintes, na direção do campo adversário, e chegado a este ponto tornou a desligar-se da leitura […]» (José Saramago,
op. cit., p. 551).
3
«Ricardo Reis não irá procurar trabalho, o melhor que tem a fazer é voltar ao Brasil, tomar o Highland Brigade na sua próxima viagem, discretamente restituirá The
god of the labyrinth ao seu legítimo proprietário, nunca O’Brien saberá como este livro desaparecido tornou a aparecer.» (José Saramago, op. cit., p. 455)
The god of the labyrinth, Herbert Quain
O autor e a obra:
Herbert Quain – escritor fictício, cujos livros surgem referidos em Ficções, antologia de contos de Jorge Luís
Borges, numa nota intitulada «Análise da obra de Herbert Quain».
«[…] Lamento ter emprestado a uma dama, irreversivelmente, o primeiro que publicou. Declarei que se trata
de um romance policial The god of the labyrinth; posso acrescentar que o editor o pôs à venda nos últimos dias
de novembro de 1933. […] Ao cabo de sete anos, torna-se impossível para mim recuperar os pormenores da
ação; está aqui o seu plano; tal como agora o empobrece (tal como agora o purifica) meu esquecimento. Há um
indecifrável assassinato nas páginas iniciais, uma lenta discussão nas intermédias, uma solução nas últimas. Já
esclareci o enigma, há um parágrafo longo e retrospetivo que contém esta frase: Todos acreditaram que o
encontro dos jogadores de xadrez fora casual. Essa frase deixa entender que a solução é errónea. O leitor,
inquieto, revê os capítulos concernentes e descobre outra solução, que é a verdadeira. O leitor desse livro
singular é mais perspicaz que o detetive.»
Jorge Luís Borges, «Análise da obra de Herbert Quain», in Ficções, Lisboa, Livros do Brasil, 1969, pp. 75-81.
The god of the labyrinth, Herbert Quain
«Provasque
Se me dissessem deé existência» irónicas:
absurdo falar assim diálogo
de quem nuncacom a epígrafe
existiu, respondo de
queFernando
também nãoPessoa.
tenho provas de
queColocação
Lisboa tenhada hipótese
alguma da não-existência
vez existido, de tudo,
ou eu que escrevo, inclusive
ou qualquer coisado próprio
onde Eu.
quer que seja.
Fernando Pessoa
EpígrafeIrrelevância
de O Ano dada questão
Morte de fingimento
de Ricardo Reis: não é ou existência
absurdo perante
falar de a dicotomia
quem nunca entre
existiu, tal como refere
contemplação
Pessoa a propósito e participação
dos seus heterónimos como
e Saramago critério de estar morto ou vivo.
comprova.
«Ora, por mais incrível que vos pareça, aquele rapaz de treze anos que desceu do comboio na estação de
Mato de Miranda em 1936, era eu. É verdade que, hoje, passados tantos anos, me será impossível recordar
se um senhor com cara de médico e de poeta esteve a olhar para mim quando eu abraçava a minha avó, mas
se Ricardo Reis afirma que me viu da janela do comboio, quem sou eu para atrever-me a dizer o contrário?
Se eu estava onde Ricardo Reis diz que me viu, isso só pode significar que Ricardo Reis existiu de facto, uma
vez que eu, de facto, estava ali naquele dia.»
José Saramago, Algumas provas da existência real de Herbert Quain,
http://www.josesaramago.org
Ricardo Reis e o labirinto
• A cidade de Lisboa é apresentada, desde o início, como um labirinto [«Estas frontarias são a muralha que
oculta a cidade, e o táxi segue ao longo delas, sem pressa, como se andasse à procura duma brecha, dum
postigo, duma porta da traição, a entrada para o labirinto.» (José Saramago, op. cit., p. 19)], por onde a
personagem passará o tempo de que dispõe à procura do fio de Ariadne, o fio para sair do mundo da
inexistência e tornar-se numa personagem real.
• A deambulação de Ricardo Reis por Lisboa é, assim, uma alegoria da sua busca, um símbolo exterior do seu
labirinto interior.
«The god of the labyrinth, seu autor Herbert Quain, irlandês também, por não singular coincidência, mas o
nome, esse sim, é singularíssimo, pois sem máximo erro de pronúncia se poderia ler, Quem, repare-se, Quain,
Quem, escritor que só não é desconhecido porque alguém o achou no Highland Brigade, agora, se lá estava em
único exemplar, nem isso, razão maior para perguntarmos nós, Quem.» (José Saramago, op. cit., p. 26)
Ricardo Reis e o labirinto
• Ricardo Reis, no universo pessoano, sente-se «inúmeros», tentando, assim, encontrar-se a si, à sua
identidade.
«Vivem em nós inúmeros, se penso ou sinto, ignoro quem é que pensa ou sente, sou somente o lugar onde se
pensa e sente, […]. Se somente isto sou, […] de quantos inúmeros que em mim vivem, eu sou qual, quem,
Quain, que pensamentos e sensações serão os que não partilho por só me pertencerem, quem sou eu que
outros não sejam ou tenham sido ou venham a ser.» (José Saramago, op. cit., pp. 27-28)
Ricardo Reis e o labirinto
• Verifica-se o redimensionamento, pelo narrador, do questionamento de Ricardo Reis, passando-se do
individual para o coletivo: a personagem é lançada num emaranhado social, político e ideológico e a sua
inquietação alargada para “Quem sou eu aqui?”.
«[É] com Lídia e através dela, único fio a uni-lo ao mundo, que o caminho se abre para Ricardo Reis. Com ela,
tal como Teseu pelas mãos de Ariadne, poderia passar da alienação à participação, de heterónimo a
personagem, de persona a pessoa, da ode ao romance, da morte à vida.»
Teresa Cristina Cerdeira da Silva, op. cit., p. 186.
• Ricardo Reis, no final da narrativa, desiste da busca e acompanha definitivamente Pessoa aos Prazeres,
levando consigo o livro que não soube ler e que não lerá.
«Foi à mesa de cabeceira buscar The god of the labyrinth, meteu-o debaixo do braço, Então vamos, disse, Para
onde é que você vai, Vou consigo […], Ricardo Reis abriu o livro, viu uns sinais incompreensíveis, uns riscos
pretos, uma página suja, Já me custa ler, disse, mas mesmo assim vou levá-lo, Para quê, Deixo o mundo aliviado
de um enigma.» (José Saramago, op. cit., p. 582)
Simbolismo da obra The god of the labyrinth
• acompanha Ricardo Reis na sua viagem geográfica e literária