shirleymon3@gmail.com Introdução à Educação Física » A Educação Física escolar como é conhecida, com exercícios físicos, jogos, dança, equitação, entre outras atividades, nasceu na Europa, no final do século XVIII e início do século XIX, concomitantemente à criação dos sistemas nacionais de ensino característicos da sociedade burguesa daquela época e ao surgimento, do sistema capitalista, para o qual os exercícios físicos tiveram importante papel. » A sociedade capitalista necessitava de um homem, um homem forte fisicamente, “[...] capaz de suportar uma nova ordem política, econômica e social” (SOARES, 1990, p. 18). A força, a energia física, era a única “mercadoria” de que o trabalhador dispunha para oferecer ao “mercado” dessa sociedade chamada “sociedade livre” (CASTELLANI, et al., 2009, p. 51). Higiene e eugenia » Os cuidados físicos com o corpo, os quais incluíam a formação de hábitos de higiene, e os exercícios físicos passaram a fazer parte das preocupações da sociedade hegemônica da época. Preocupação que obviamente incluía o lucro, o capital e a máxima exploração da força de trabalho. A Educação Física servia também como meio de manter a hegemonia da raça, “[...] a Educação Física associada à Educação Sexual, a qual, segundo os higienistas, deveria transformar homens e mulheres em reprodutores e guardiões de proles de raça pura” (CASTELLANI FILHO, 1991, p. 44) » Eugenia, na definição de Fernando Azevedo (1960), é uma “[...] ciência ou disciplina que tem por objetivo a adoção de medidas socioeconômicas, sanitárias e educacionais que influenciam física e mentalmente o desenvolvimento das qualidades hereditárias dos indivíduos, e, portanto, das gerações” (CASTELLANI, 1991, p.55). Desse modo, a eugenia incluía, não apenas o combate às moléstias, os projetos de engenharia sanitária e a proteção à procriação com medidas privativas aos reprodutores doentes, mas também a aplicação de uma educação enérgica para a conquista da plenitude física e moral. Neste sentido, encontra fundamento a rigidez do Método Ginástico e a ideologia presente nas instituições militares. Educação Física no Brasil » No Brasil, a Educação Física tem suas origens marcadas pelas instituições militares, pelos médicos higienistas e pela filosofia positivista. Castellani (1991) e Daólio (2006) ressaltam, entretanto, que o entendimento que levou à associação da Educação Física à Educação do Físico, à Saúde Corporal, não se deu prioritariamente devido a influências dos militares, mas dos médicos higienistas e da grande influência que exerciam, tanto científica quanto politicamente, na sociedade. » Soares (1990), em estudo sobre o pensamento médico higienista e a Educação Física no Brasil entre os anos de 1850 e 1930, destaca as influências do pensamento da burguesia capitalista e da ciência positivista na concepção de Educação Física entre os séculos XVII e XIX.
A Educação Física será a própria expressão física da
sociedade do capital. Ela encara e expressa os gestos automatizados, disciplinados e... se faz protagonista de um corpo “saudável”; torna-se receita e remédio ditada para curar os homens de sua letargia, indolência preguiça, imoralidade, e desse modo, passa a integrar o discurso médico, pedagógico... familiar (SOARES, 1990, p. 19). » Incluir a Educação Física no currículo de uma sociedade escravocrata também não foi tarefa fácil, mesmo tendo em sua defesa médicos e militares. A sociedade brasileira, assim como ocorreu na Europa, condenava o trabalho manual e o esforço físico: “[...] a ética colonial repudiava o trabalho [...] a Educação Física era rechaçada enquanto relacionada à atividade física produtiva, ao trabalho” (CASTELLANI, 1991, p. 45). A Educação Física só encontrava apoio da classe dominante quando associada ao ócio, ao lazer, ao preenchimento do tempo livre, ao não trabalho (CASTELLANI, 1991). A preocupação com a inclusão de exercícios físicos nos currículos escolares, segundo Castellani et al. (2009), remonta ao século XVIII, com Guths Muths (1712-1838), J. B. Basedow (1723-1790). J. J. Rousseau (1712-1778) e Pestalozzi (1746-1827), e ainda com o surgimento da Escola de Ginástica, na Alemanha. Coube aos criadores dos Métodos Ginásticos o mérito de incluir a ginástica ou a Educação Física Escolar no rol dos componentes curriculares. Os Métodos Ginásticos, sustentados nas ciências biológicas, eram compostos de séries de exercícios rígidos próprios da ciência, necessários para manter o caráter científico no interior do sistema educacional. Oliveira (2008, p. 58) afirma que, no início do século XX, a Educação Física compreendia um “[...] conjunto dos exercícios cuja prática racional e metódica é suscetível de fazer o homem atingir o mais alto grau de aperfeiçoamento físico, compatível com a sua natureza”. » Castellani (1991) destaca, sem poupar críticas ao dualismo mente e corpo, o parecer de Ruy Barbosa no projeto denominado “Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares da Instrução Pública”. Proferido em 1822, na Câmara dos Deputados, o parecer propõe, entre outras mudanças, a realização de sessões de ginástica nos programas escolares como matéria de estudo e a equiparação, em categoria de autoridade, dos professores de Ginástica com os das demais disciplinas. Esse discurso rendeu-lhe o titulo de “Paladino da Educação Física no Brasil”. As aulas de Educação Física nas escolas durante muito tempo foram ministradas por instrutores físicos do exército, e somente em 1939 foi criada a primeira escola de Educação Física civil. » Reduzida a um fazer mecânico e sem sentido, tão logo as tendências militares e higienistas foram perdendo forças, a Educação Física rendeu-se ao processo denominado por alguns estudiosos de “esportivização”. Esta foi a concepção de Educação Física que prevaleceu na educação brasileira até o final dos anos 70 e 80 do século XX “[...] quando, com base em um referencial sociológico, passou a sofrer crítica contundente por parte dos estudiosos que buscaram qualificação, principalmente nas ciências humanas” (DAÓLIO, 2006, p. 95). » A presença dos chamados “movimentos renovadores”, segundo Castellani et al. (2009, p. 54-55) trouxe importantes contribuições para repensar o papel da Educação Física a partir de “[...] princípios filosóficos em torno do ser humano, sua identidade e valor, tendo como fundamento os limites e interesses do homem e surge como crítica a correntes oriundas da psicologia conhecidas como comportamentalistas”. Educação Física e Esporte » No Brasil, a Educação Física passou por três grandes períodos, iniciando com enfoque na ginástica na concepção higienista e da eugenia, como já foi discutido, da Educação Física com fins médicos, visando aos padrões físicos, morais e intelectuais ideais para a reprodução. Seguiu-se um período voltado para os fins militares e esportivos, projeto que pretendia transformar o país em uma grande potência do esporte de alto rendimento, além de manter a ordem e os rígidos padrões morais. O último período, e mais recente, procura desenvolver um projeto educativo enfocando a cultura do movimento e o desenvolvimento global do cidadão dentro do princípio do “se-movimentar” humano. A presença do esporte na Educação Física, após a segunda guerra mundial, foi e continua sendo tão forte que esse movimento passou a ser denominado pelos estudiosos de “esportivização”. Segundo Bracht (1992, p. 22), o esporte influenciou de tal maneira a Educação Física que, por vezes, essa disciplina pôde mesmo ser confundida com o esporte; o professor, com treinador; o aluno, com atleta, as aulas; e, os jogos, com seleção, competição. Ao discutir a questão da identidade da Educação Física escolar, Bracht (1992) afirma que a “esportivização” acontece quando a Educação Física assume os “códigos do esporte de rendimento”. Dessa forma, a Educação Física escolar fica subordinada aos sentidos da instituição esportiva. » Para Gonzáles e Fensterseifer (2005), a esportivização é um fenômeno que invade a escola, não apenas com seus ídolos criados pela mídia, mas também com as roupas, a lógica, a linguagem e a formas de relacionamento. O professor também pode referenciar seu trabalho a partir do esporte, isso porque esse fenômeno também chegou às universidades, influenciando a formação do professor. » Gonzáles e Fensterseifer (2005) afirmam que vários estudos sobre os currículos das universidades apontam que, particularmente após 1960, os currículos e as “disciplinas/modalidades esportivas”, assim como a tematização do esporte “[...] foi/é balizado pela lógica do treinamento esportivo” (GONZÁLES e FENSTERSEIFER, 2005, p. 174). » O profissional de Educação Física, conforme crítica de Kunz e Trebels (2010, p. 33), “[...] em geral, cumpre um programa de acordo com sua qualificação no esporte, suas preferências e gostos e, até mesmo, com seu humor do dia”. Segundo o Coletivo de Autores (1992), os principais pressupostos que têm embasado a prática educativa dos professores de Educação Física, especialmente até a década de 1980, são provenientes do universo do esporte do rendimento, Isso tem ocorrido em função da massificação da cultura esportiva e da sua vinculação a representações de saúde, sucesso e status.
Movimentos renovadores e o “se-movimentar” humano » Daólio (2006) afirma que o conceito de homem defendido pela Educação Física sempre foi o de um ser biológico. Assim, a disciplina era vista unicamente como uma “[...] prática escolar com o objetivo de desenvolver a aptidão física dos alunos e iniciá-los no esporte” (DAÓLIO, 2006, p. 91). Essa prática priorizava, e ainda prioriza, o corpo em detrimento da mente, em relação aos processos culturais e coletivos presentes nas construções sociais. Entretanto, há que se considerar, segundo reflexões de Daólio (2006), a natureza humana indissociavelmente biológica e cultural, e o homem como um ser que foi engendrado na confluência desses dois fatores. » Segundo Bracht (apud DAÓLIO, 2006, p.101), “[...] o que qualifica o movimento como humano é o sentido/significado do mover-se. Esse sentido/significado, por ser mediado simbolicamente pelo homem, o coloca no plano da cultura.” O movimento que surgiu na Educação Física a partir das décadas de 1970 e 1980 teve como objetivo esse reposicionamento da disciplina e do esporte por meio da compreensão das manifestações corporais humanas, em uma perspectiva cultural, contextualizando o indivíduo em seu próprio meio. Os estudiosos não defendem o fim da presença do esporte na Educação Física, mas o seu reenquadramento como manifestação cultural produzida por diferentes grupos e contextos, superando assim a visão restrita com que a disciplina tratou o movimento humano por séculos. » Betti (1992 apud DAÓLIO, 2006, p. 102) tem proposto há mais de duas décadas uma análise sociológica da Educação Física, incluindo a dimensão cultural. Para o autor, a Educação Física tem a “[...] função pedagógica de integrar e introduzir o aluno no mundo da cultura física, formando o cidadão que vai usufruir produzir, reproduzir e transformar as formas culturais da atividade física (o jogo, o esporte, a dança, a ginástica)”. » Do mesmo modo que se pretende reposicionar a Educação Física nos contextos urbanos, pretende-se de igual forma o fazer nos demais contextos, entre os moradores do campo, os indígenas, os quilombolas, os extrativistas, os moradores das favelas, dos condomínios, enfim, em todos os grupos sociais. Em cada um deles é preciso compreender a dimensão do movimento humano para além das repetições estereotipadas e sem significado. » A Educação Física busca, então, um reposicionamento a partir de uma nova concepção de movimento, ou do que é denominado Se- Movimentar Humano, uma teoria que se preocupa mais com o ser humano que se movimenta do que com os movimentos já realizados por terceiros (KUNZ, 2005). » Vídeo