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O que explica a diferença entre algumas companhias que existem há mais de 100 anos e a
média de vida das empresas1 que não supera 20 anos? Uma equipe da empresa Royal
Dutch Shell, que tinha entre seus integrantes o vice-presidente Arie de Geus, hoje da
London Business School e do MIT, encontrou respostas para a questão em um estudo.
Muitas empresas morrem jovens porque suas políticas e práticas enfatizam a produção de
bens e serviços, de acordo com esse estudo, esquecendo que são comunidades de pessoas
que fazem negócios para permanecer vivas. Em contraposição, as “empresas vivas”, que
funcionam como se fossem um rio segundo o autor, têm outras prioridades: valorizar as
pessoas, flexibilizar a direção e o controle, organizar-se para aprender e criar uma
comunidade. Além disso, elas compartilham algumas características, como conservadorismo
na gestão das finanças, sensibilidade ao ambiente externo, consciência de sua identidade e
tolerância a novas idéias. O estudo em que se baseia este artigo focalizou 30 organizações
na América do Norte, na Europa e no Japão com mais de 100 anos de idade, forte
identidade corporativa e destaque em seu setor de atividade. Entre elas, DuPont W.R.
Grace, Kodak, Mitsui, Sumitomo e Siemens. Ele é relatado integralmente no livro A Empresa
Viva, de Geus, publicado no Brasil no ano passado pela editora Campus.
No mundo das instituições, as empresas maiores empresas listadas pela revista Fortune
comerciais são membros recém-chegados. Elas em 1970 havia sido adquirido ou desmembrado
existem há apenas 500 anos - uma minúscula ou fundido com outras empresas.
fração de tempo no curso da civilização Como sabemos que muitas dessas mortes são
humana. Nesse período, têm desfrutado um prematuras? Porque temos provas de que as
enorme sucesso como produtoras de riqueza empresas podem durar muito mais. A
material. Foram responsáveis pela explosão Sumitomo, do Japão, tem origem em uma
populacional mundial, fornecendo os produtos e fundição de cobre aberta por Riemon Soga em
serviços que tornaram possível uma vida 1590. A empresa sueca Stora, atualmente uma
civilizada. grande fabricante de papel, celulose e produtos
Quando analisadas à luz de seu potencial, no químicos, começou como mina de cobre na
entanto, muitas empresas comerciais ainda têm região central da Suécia há mais de 700 anos.
um longo caminho por percorrer Elas estão em Exemplos como esses sugerem que a
uma fase primitiva de evolução; desenvolvem e longevidade natural de uma empresa poderia ser
exploram apenas uma pequena fração de seu de dois ou três séculos, ou mais.
potencial. Analisemos sua alta taxa de mor- As implicações dessas estatísticas são
talidade. Em 1983, cerca de um terço das 500 deprimentes. A diferença entre a longevidade de
A empresa viva - 2
uma Sumitomo ou uma Stora e a vida efêmera Nossa equipe descobriu 30 organizações na
da empresa comum representa um potencial América do Norte, na Europa e no Japão que
desperdiçado. As pessoas, as comunidades e as atendiam àqueles critérios. As empresas tinham
economias são afetadas - e até destruídas- pela de 100 a 700 anos e 27 delas - como DuPont,
morte prematura de empresas. A alta taxa de W.R. Grace, Kodak, Mitsui, Sumitomo e Sie-
mortalidade empresarial não parece natural. mens- dispunham de excelente documentação.
Nenhuma espécie viva apresenta tal discrepân-
cia entre sua expectativa máxima de vida e a Expectativa de vida: 20 anos
longevidade média que alcança. E são poucas as
instituições de outros tipos - igrejas, exércitos A primeira coisa que aprendemos foi que a vida
ou universidades - que apresentam o recorde média de uma organização é muito menor do
terrível de mortalidade da empresa comercial. que sua vida média potencial. Já tínhamos
algumas indicações a respeito nas listas das 500
As empresas morrem jovens maiores empresas da revista Fortune, e
conseguimos confirmar esses dados em registros
Por que tantas empresas morrem jovens? As públicos da América do Norte, da Europa e do
provas acumuladas indicam que as empresas Japão.
fracassam porque suas políticas e práticas se Na maioria desses lugares, a lei exige que a
baseiam predominantemente no pensamento e abertura e o fechamento de firmas sejam
na linguagem da economia. Em outras palavras, registrados. Pelo estudo desses dados
as empresas morrem porque seus executivos se conseguimos obter estatísticas "populacionais" e
concentram exclusivamente na produção de três informações valiosas: índice de empresas
bens e serviços e se esquecem de que sua fundadas, índice de empresas encerradas e a
organização é uma comunidade de seres população total. Assim, pudemos calcular a
humanos que trabalha em uma empresa - de expectativa média de vida das organizações,
qualquer tipo - para se manter viva. Os que, no Hemisfério Norte, era bem inferior a 20
executivos se preocupam com terra, trabalho e anos. Somente as grandes empresas que
capital e negligenciam o fato de que “trabalho” estudamos e haviam começado a se expandir
significa pessoas de verdade. depois de sobreviverem à infância - período em
O que há de tão especial sobre as empresas que a taxa de mortalidade é extremamente alta -
duradouras? As que eu passei a chamar de continuaram ativas por outros 20 a 30 anos, em
“empresas vivas” têm uma personalidade que média.
lhes permite evoluir harmoniosamente. Elas Aparentemente a empresa é uma espécie com
sabem quem são, entendem qual seu papel no uma expectativa máxima de vida na casa das
mundo, valorizam novas idéias e novas pessoas centenas de anos, mas com uma expectativa
e administram o dinheiro de uma maneira que média de vida inferior a 50 anos. Se essa espécie
lhes propicia controle sobre seu futuro. fosse o Homo sapiens, poderíamos afirmar com
Resumindo, as empresas vivas produzem bens e toda certeza que ainda estaria na era de
serviços para ganhar seu sustento exatamente Neanderthal - ainda não teria realizado seu
como nós fazemos por meio de nossos potencial.
empregos. A segunda observação extraída do estudo da
Antes de discutir as características da empresa Shell é que as empresas vivas são muito
viva com mais profundidade são necessárias eficientes na "gestão para a mudança", como
certas informações históricas. Em 1983, um dizemos hoje. A Stora, exemplo mais expressivo
grupo da Shell do qual eu fazia parte decidiu de nosso estudo, sobreviveu à Idade Média, à
aprender mais sobre a longevidade empresarial Reforma, às guerras do século XVII, à
estudando companhias mais antigas que a nossa. Revolução Industrial e às duas grandes guerras
Como naquela época a Shell já tinha cerca de do século XX. Durante a maior parte de sua
100 anos, decidimos analisar empresas que já existência, dependeu de mensageiros, cavaleiros
existissem nos últimos 25 anos do século XIX, e navios para transmitir ou receber mensagens,
fossem importantes em seu setor e ainda em vez de usar telefones, aviões e redes
possuíssem uma forte identidade corporativa. eletrônicas. O ramo de atividade da Stora
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mudou do cobre para a exploração florestal, passaram do vapor para a combustão interna,
fundição de ferro, energia hidrelétrica e final- depois para a eletricidade e para o microchip. E
mente papel, celulose e produtos químicos. Ao a Stora continua a se adaptar a um mundo em
longo do tempo, suas tecnologias de produção permanente mudança.
bém seja uma das grandes prestadoras de das empresas que vêm funcionando com sucesso
serviços de diálise nos EUA. por centenas de anos. Dada essa personalidade
Por definição, uma organização que sobrevive básica, quais as prioridades que seus executivos
mais de um século atua em um mundo sobre o estabelecem para si e para seus subordinados?
qual não pode ter expectativas de controle. O executivo de uma empresa viva entende que
Nesse sentido, as multinacionais são dar continuidade à sobrevivência da empresa
semelhantes às empresas longevas de nosso significa entregá-la a seu sucessor com, no
estudo. Atuam em um mundo muito grande, que mínimo, a mesma saúde que tinha quando ele
abrange várias culturas, e é inerentemente assumiu o cargo. Para isso, precisa deixar as
menos estável e mais difícil de influenciar do pessoas crescerem dentro de uma comunidade
que um ambiente nacional confinado. As que se mantém coesa devido a valores
multinacionais, como as empresas duradouras, claramente definidos. É preciso, portanto,
precisam estar dispostas a mudar para ter colocar o compromisso com as pessoas antes
sucesso. dos ativos, o respeito pela inovação antes da
devoção às políticas, a desordem da
Prioridades aprendizagem antes dos procedimentos
ordenados e a perpetuação da comunidade antes
Esses quatro traços formam o caráter essencial de todas as outras preocupações.
relativamente pequeno de brotos. E por que Algo mais acontece ao podar da minha maneira
podar as roseiras dessa forma? Para ter as por vários anos seguidos: surpresas. Em dois ou
maiores rosas do bairro no verão. três anos, alguns dos ramos novos crescem
Eu não costumo podar muito, porque essa é uma muito mais fortes e começam a produzir brotos,
estratégia de alto risco. Eu moro em um lugar na e alguns dos ramos antigos param de produzir
montanha onde minhas rosas podem sofrer rosas. O que podemos fazer? Remover os caules
muito. As geadas noturnas são comuns até antigos e estimular os novos. Uma política
meados da primavera e os cervos, que adoram tolerante de poda renova gradualmente o nosso
os botões, vivem livremente. Se eu podar muito, portfólio de rosas.
se houver geada e se os cervos estiverem A metáfora do cultivo de rosas também ajuda a
famintos, posso chegar ao verão sem nenhuma resolver um dos dilemas atuais da gestão de
rosa. Portanto, eu deixo de cinco a sete ramos empresas: como diversificar sem "dar sopa"
em cada pé, e de cinco a sete brotos em cada para o desastre. Uma política de tolerância
ramo. Assim, a roseira pode dividir seus permite que a rosa e o meio ambiente se
recursos entre muitos brotos. Eu nunca tive as integrem continuamente sem colocar em risco a
maiores rosas da vizinhança, mas não passo um capacidade de crescimento da roseira.
verão sem rosas no jardim.
desenvolver uma organização que seja uma de água - uma série de pingos de chuva reunidos
comunidade. Os que querem construir uma em uma cavidade. As gotas permanecem no
organização que consiga sobreviver por muitas fundo. Quando chove, mais pingos se juntam à
gerações colocam o desenvolvimento dos poça e seu raio de influência se expande,
funcionários acima de qualquer outra encharcando o chão à volta. Mas os primeiros
consideração e atribuem prioridade a questões pingos permanecem no meio da cavidade. A
do tipo "como devemos nos preparar para estagnação pode levar à vulnerabilidade. As
garantir a continuidade de geração para poças de água não sobrevivem ao aquecimento.
geração". Quando o sol aparece e a temperatura sobe, a
Nas organizações em que apenas alguns poça começa a evaporar. Até mesmo as gotas
recebem os benefícios acumulados, todos os que permaneceram no meio da poça correm o
demais são estranhos, não membros, De acordo risco de se transformar em vapor.
com o contrato implícito firmado com a Uma empresa cujo objetivo é a sobrevivência se
empresa, esses estranhos trocam seu tempo e parece mais com um rio. Ao contrário da poça
experiência por dinheiro. Como demonstram as de água, o rio é um elemento permanente da
inúmeras evidências colhidas pelas ciências do paisagem. Se chover, ele pode subir. Se fizer
comportamento organizacional, esse tipo de sol, pode baixar. Mas somente uma seca
contrato não inspira as pessoas a ser leais ou a prolongada e grave fará o rio desaparecer Da
se sentir leais à organização ou a seus perspectiva dos pingos de água, o rio é muito
executivos. Elas entendem que devem trabalhar turbulento. Nenhum pingo permanece no meio
tendo sempre em mente que, mais cedo ou mais do rio por muito tempo. De um momento para
tarde, sairão da empresa. outro, a água de outra parte do rio sofre uma
Em minha opinião, uma empresa cujo objetivo é mudança. Novos pingos substituem os antigos, e
produzir riqueza para alguns é como uma poça todos seguem a correnteza.
A vida do rio é muito mais duradoura que a vida desenvolvem os funcionários, avaliam seu
dos pingos de água. O rio é uma comunidade potencial individual, seguem as normas de um
autoperpetuadora com garantias próprias de contrato humano e estabelecem políticas para
continuidade e movimentação da água em seu que os profissionais deixem a organização com
leito. Ao instituir regras de continuidade e dignidade.
movimentação para seus funcionários, uma
empresa pode imitar a longevidade e a força do Confiança mútua
rio.
A empresa viva é exatamente como um rio. Na empresa viva, os membros entendem o que
Nesse tipo de organização, os executivos significa "nós" e têm consciência dos valores
consideram que a otimização do capital não comuns. Eles sabem a resposta à pergunta
passa de um complemento necessário para a fundamental sobre identidade corporativa: "O
otimização das pessoas. Para construir uma que valorizamos?" Quem não conseguir
empresa rentável e duradoura, tomam o cuidado conviver com os valores da empresa não pode e
de criar uma comunidade. Existem processos não deve fazer parte dela. A sensação de fazer
que definem os membros, estabelecem os parte do todo une até seus mais diferentes
valores comuns, recrutam as pessoas, integrantes.
A essência do contrato implícito na empresa
A empresa viva - 8
© Traduzido e reproduzido com autorização da Harvard Business Review. Este artigo foi
originalmente publicado com o título The Living Company, pela Harvard Business
Review, em março-abril de 1997. Copyright 1997 do presidente e dos membros do Conselho
do Harvard College. Todos os direitos reservados.