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A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte:

Produção Legal e Comércio


PABLO DREYFUS, BENJAMIN LESSING
E JÚLIO CESAR PURCENA

1. Introdução
Apesar de não ser o único país assolado pela difusão da violência armada, o
Brasil é um entre os poucos que também possui uma grande e próspera indústria
de armas de pequeno porte (APPL) . Este fato singular tem diversas implicações
para as questões relativas a armas de pequeno porte no país. No nível mais ime-
diato, está ficando claro que as armas de pequeno porte produzidas no Brasil –
especialmente as de cano curto – são a maioria das armas de fogo relacionadas às
atividades criminosas. Usando dois dos mais violentos estados do Brasil como
exemplo, em 2002 foram apreendidas 37.418 armas de pequeno porte no estado
de São Paulo e 18.056 no estado do Rio de Janeiro. Em ambos os casos, mais de
70% das armas eram produzidas no Brasil,1 e mais de 80% eram revólveres e
pistolas, com uma predominância clara de revólveres brasileiros.2 Isto contraria o
que já foi considerado de senso comum, e em parte divulgado pela própria indús-
tria de armas de pequeno porte: que criminosos usam armas automáticas impor-
tadas para cometer crimes, enquanto cidadãos honestos usam armas de fogo bra-
sileiras registradas para uso legítimo de auto-defesa. Na realidade, as próprias
empresas brasileiras de APPL produzem uma grande percentagem das armas res-
ponsáveis pelos astronômicos níveis de violência armada no Brasil.

1
Fonte para São Paulo: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, para o Rio de
Janeiro: Divisão de Fiscalização de Armas e Explosivos (DFAE) da Polícia Civil do Estado do
Rio de Janeiro, dados analisados pelo VivaRio/ISER.
2
Fonte para São Paulo: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, percentagem
calculada sobre 37.418 armas apreendidas em 2002. Fonte para o Rio de Janeiro; Divisão de
Fiscalização de Armas e Explosivos (DFAE) da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, dados
analisados pelo VivaRio/ISER, percentagem calculada sobre 218.457 armas apreendidas entre
1951 e julho de 2003.

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Ao mesmo tempo, a indústria de armas de pequeno porte sempre foi parte, e
hoje é o setor mais ativo, de um complexo industrial-militar maior, cujo desen-
volvimento e crescimento foi, por sua vez, formado pela história política do Brasil
no século 20 e, especialmente, pelas políticas do regime autoritário em vigência de
1964 a 1985. O papel central que a indústria armamentista teve como um todo
nos planos econômicos e estratégicos dos sucessivos governos militares, teve um
impacto profundo em todos os aspectos de como se lida com armas de pequeno
porte no Brasil: das políticas de registro, o controle da posse e o porte de arma, a
como a exportação de armas é classificada nas estatísticas oficiais de comércio; de
seu status no Código Penal à própria estrutura do mercado.
A indústria brasileira de armas de pequeno porte que vemos atualmente é, em
grande parte, resultado das políticas promulgadas nos anos 70, voltadas principal-
mente para a criação de uma indústria militar doméstica de armas, e apenas indi-
retamente preocupada com as armas de pequeno porte per se. Ironicamente, foi a
indústria de armas de pequeno porte que se provou mais resiliente, sobrevivendo
por muito às indústrias militares pesadas e vindo a dominar a produção de armas.
Hoje em dia, a indústria brasileira de armas de pequeno porte é composta por
algumas poucas empresas e dominada por apenas duas: Forjas Taurus S.A. e a
Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC). Estas empresas são quase monopó-
lios para, respectivamente, armas de cano curto e munições para armas de peque-
no porte e ambas continuam mantendo fortes laços com instituições brasileiras de
defesa e segurança pública. A outra peça importante no mercado de armas de
pequeno porte, a IMBEL, é uma empresa pública, administrada pelo Ministério
da Defesa, com fortes laços com o Exército, e é em grande parte uma produtora de
armas e munições militares. Juntas, elas ajudaram o Brasil a consolidar sua posi-
ção como um produtor e exportador médio de APPL, o segundo maior no Con-
tinente Americano.
Como esta indústria alcançou o seu tamanho atual? Por que é tão concentra-
da? Quais são seus principais mercados e como eles mudaram através do tempo?
Quais empresas determinam o mercado legal de APPL no Brasil? Quais são as
principais características destas empresas? A indústria conta mais com o mercado
doméstico ou com o estrangeiro? A indústria é competitiva e inovadora? Depende
de proteção, subsídios e incentivos do governo? Quando e como o Brasil se tor-
nou um ator importante no mercado mundial de APPL? Quais são as perspectivas
para o tamanho e a dinâmica da indústria em termos da evolução dos controles
domésticos e internacionais, especialmente considerando a proximidade do refe-
rendo nacional sobre a proibição de venda de todas as armas de fogo a civis? As
indústrias APPL brasileiras serão capazes de acompanhar a competição interna-

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cional de outros produtores médios emergentes? Estas são algumas perguntas que
este capítulo busca responder através das seguintes seções:
A seção 2 deste capítulo dá uma pequena introdução sobre a evolução da
indústria de armas de pequeno porte no Brasil. Para fundamentar nossa com-
preensão da indústria brasileira de APPL, a primeira parte do capítulo apresenta
uma breve história da produção de armas no Brasil, de sua encarnação mais antiga
no início do século 19 como fábrica de pólvora do rei de Portugal, até o período
crucial do autoritarismo militar dos anos 70. Então examinamos minuciosamen-
te a política e as iniciativas do governo nos últimos trinta anos e o perfil das
principais empresas envolvidas.
A Seção 3 apresenta um estudo em profundidade da produção, vendas e mer-
cados doméstico e de exportação. Discutimos tendências passadas e atuais e seus
lugares na história mais ampla discutida na primeira parte.
A Seção 4 apresenta uma breve análise da indústria APPL brasileira usando
ferramentas teóricas desenvolvidas por Keith Krause para explicar a dinâmica da
produção militar e do comércio de armas.3 O trabalho de Krause, que tratou da
indústria de armas em geral, é adaptado aqui ao caso da indústria de armas de
pequeno porte no Brasil. Também apresentamos um panorama para o futuro:
quais estratégias os produtores de APPL no Brasil devem usar nos próximos anos,
e que tipo de resultados podem ser esperados.
Finalmente, a Seção 5 apresenta um resumo e uma descrição das fontes pri-
márias consultadas, bem como uma descrição e explicação dos obstáculos meto-
dológicos e relacionados a dados que encontramos durante nossa pesquisa.
Apesar de termos usado fontes históricas e secundárias e entrevistas para a
maior parte da seção sobre história, nossa pesquisa primária é baseada em dados
oficiais de uma série de fontes governamentais.4 Não obstante ter sido possível
encontrar muitas informações e sintetizá-las em um relatório coerente, encontra-
mos algumas dificuldades com estas fontes oficiais, exacerbadas pelo longo perío-
do de tempo estudado. Nem todas as fontes estavam constantemente disponíveis

3
Krause, Keith. 1995. Arms and the State: Patterns of Military Production and Trade, Cambridge,
Cambridge University Press, xi-299.
4
Estas fontes se dividem grosso modo em quatro tipos: dados sobre a economia brasileira, do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados sobre comércio exterior, da Secre-
taria de Comércio Exterior (SECEX), e informações das empresas na Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) e dados sobre a produção doméstica e comércio do Anuário Estatístico do
Exército Brasileiro (ANEEX). Um tratamento mais detalhado destas fontes, os problemas en-
contrados com os dados disponíveis, e as soluções adotadas podem ser encontrados no apêndice
metodológico deste capítulo.

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nos últimos 20 anos; outras não seguiram práticas uniformes de registro. Em
alguns poucos casos, descobrimos erros em dados oficiais, confirmados como tal
através de comunicações subseqüentes com os órgãos governamentais relevantes.
Acima de tudo, nos deparamos com o alto nível de sigilo e confidencialidade com
os quais a questão das armas de pequeno porte tradicionalmente foi tratada pelo
governo. Armas sempre foram da esfera de ação militar, a qual, por sua vez, tratou
a proteção da indústria armamentista como uma prioridade. Isto resultou em
uma situação na qual civis, mesmo ministros civis, simplesmente não podem ter
acesso a informações relevantes. Em outros casos, parece que o que deveria ser
informação pública não está disponível porque não foi coletada e tabulada com
eficiência. O resultado final podem ser lacunas nas séries históricas, resultados
confusos ou contraditórios, ou mesmo o que parecem ser distorções intencionais
e mesquinhas. Para lidar com estas questões incluímos um apêndice à metodolo-
gia. Está dirigido primariamente a outros pesquisadores, tanto como uma forma
de verificarmos nosso trabalho, quanto para ajudarmos a esclarecer questões sobre
dados para futuros esforços de pesquisa.

2. História da Indústria de Armas Leves e de Pequeno Porte no Brasil5


Como no caso de muitos países latino-americanos, a indústria doméstica de
armas no Brasil é essencialmente um fenômeno do século 20, nascido nos anos 30
junto com estratégias de substituição de importações. Antes deste período o Brasil
dependia quase que inteiramente de importações da Europa e dos Estados Unidos
para equipar suas Forças Armadas. No entanto, as raízes de sua atual posição de
domínio regional na produção de armas estão em sua história. Particularmente na
história de suas Forças Armadas, as quais são os principais articuladores e arquite-
tos da indústria de armas do país. A primeira fábrica de pólvora apareceu no perío-
do colonial, quando a corte portuguesa mudou-se para o Rio de Janeiro durante as
guerras napoleônicas. No final do século 19, a guerra do Paraguai (1865-1870) e o
estabelecimento da República através de um golpe militar (1889), surgiram forças
militares fortes e centralizadas, capazes de exprimir uma necessidade percebida de
“independência de armas”. A cessação completa e abrupta do suprimento de armas

5
Para os fins deste relatório, criamos a frase “APPL total” ou “APPL” para nos referirmos a armas
leves, armas de pequeno porte, munições e peças. Quando a figura ou número corresponder
apenas a armas leves e armas de pequeno porte, excluindo peças e munição, usamos o termo
“armas de fogo”.

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vindas da Europa e dos Estados Unidos durante a I Guerra Mundial tornou evi-
dente a necessidade de uma indústria nacional de armas.6
Enquanto isso, imigrantes europeus no sul e sudeste do Brasil se tornaram os
primeiros produtores privados de armas do país: nos anos 20 a empresa Boito,
Rossi e a Fábrica Nacional de Cartuchos (conhecida hoje como Companhia Bra-
sileira de Cartuchos, ou CBC) começaram a produzir armas e munições.7 Em
1937, a Forjas Taurus, hoje uma das maiores produtoras mundiais de armas cur-
tas, começou sua produção.8 Foi também durante este período, quando Getúlio
Vargas estava no poder pela primeira vez (1930-1945), que o Exército abriu suas
primeiras fábricas de armas leves e de pequeno porte.
Durante a Segunda Guerra Mundial, teóricos econômicos e políticos estavam
começando a criar o que viria mais tarde a ser conhecida como a Doutrina Brasi-
leira de Segurança Nacional (DSN), um programa abrangente que via o desenvol-
vimento econômico, a industrialização, e a criação de uma indústria armamentista
nacional como facetas de um mesmo projeto nacional.9 Armas eram identificadas
como uma indústria chave para o desenvolvimento, não só fortalecendo as Forças
Armadas brasileiras e lhes dando uma autonomia crescente dos Estados Unidos e
da Europa, mas também trazendo novas tecnologias com efeitos colaterais positi-
vos para a indústria brasileira como um todo. Esta doutrina não seria completa-
mente implementada até depois da instalação do governo militar em 1964. Mas
aspectos de sua agenda política – protecionismo, investimentos governamentais
em setores chave, transferência de tecnologia e substituição de importações – já
eram vistos nos governos Vargas e Kubitschek (1956-1961), especialmente nos
setores básicos da indústria pesada como aço, petróleo, energia e infra-estrutura.10
Neste período houve a abertura de uma subsidiária local da empresa italiana Pietro
Beretta em São Paulo (finalmente comprada pela Taurus em 1980) e a fundação
da Indústria Nacional de Armas (INA), privada, que produziu uma variação da
sub-metralhadora Madsen 1950 calibre .45.11

6
Schwan-Baird, David, Ideas and Armaments: Military Ideologies in the Making of Brazil’s Arms
Industries, (New York: University Press of America), 1997, p67.
7
Informação do site das empresas: : http://www.eramantino.com.br/index1.html (Boito), http:/
/www.cbc.com.br/cbc/1926.htm (CBC), http://www.rossi.com.br/port/historia.htm (Rossi)
8
Site da empresa: http://www.taurus.com.br/historico.php
9
Schwan-Baird, op.cit.. p.71
10
Ibid. pp. 70-81.
11
Wilson, R.L. Il Mondo Beretta: uma legenda internazionale, Milano, Sperling & Kupper, 2001,
pp. 29 e 171. A INA foi fechada pelos militares depois do golpe de 1964, aparentemente devido
a ressentimentos entre o proprietário e o governo militar. Entrevistas com o armeiro Amílcar
Damaso, proprietário da Gun Tec Tecnologia em Armamento, Rio de janeiro, julho 2004.

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Enquanto os períodos Vargas e Kubitschek foram importantes para o desen-
volvimento do Brasil, foram as políticas econômicas agressivamente protecionis-
tas do período da ditadura militar (1964-1985) que verdadeiramente assentaram
as fundações da indústria diversificada e voltada para exportações que existe hoje.
A força motriz atrás destas políticas era a chamada Doutrina de Segurança Nacional.
Diferentes versões desta doutrina conduziram as políticas de virtualmente
todas as ditaduras do Cone Sul durante os anos 60, 70 e 80. Adaptada das doutri-
nas militares francesas e americanas de contra-inteligência do final dos anos 50 e
60, a principal idéia era usar as políticas nacionais econômicas, sociais e políticas
para uma ‘guerra total’ contra a ameaça da expansão comunista (uma ameaça
tornada ainda mais real com o sucesso da Revolução Cubana em 1959). O desen-
volvimento econômico tornou-se um front dessa ‘guerra’, de acordo com a lógica
da doutrina, segundo a qual o atraso econômico e a pobreza deixam a porta aberta
à infiltração comunista.
Na versão brasileira da DSN, o desenvolvimento econômico e, especialmente,
o desenvolvimento industrial, eram formas de promover os interesses permanen-
tes da nação até o ponto no qual o país (devido a seu tamanho, recursos variados,
localização estratégica e especificidades) alcançaria a grandeza nacional e assim
seria respeitado como um poder regional com projeção global. A indústria de
defesa era vista como catalisadora para o desenvolvimento econômico e tecnológi-
co, mas também como uma maneira de estabelecer o poderio nacional.12 O resul-
tado final foi uma visão de desenvolvimento nacional – incluindo a indústria
privada – subordinada à estrutura de defesa do Estado.
Talvez o aspecto mais importante desta cooperação para nossos propósitos
seja em termos tecnológicos. Técnicos civis e militares, formados nos institutos
técnicos das Forças Armadas, foram transferidos para empresas privadas ou semi-
privadas como a ENGESA (transporte militar e veículos blindados de transporte)
e EMBRAER (aviões civis e militares).13 O governo militar defendia – e algumas
empresas privadas negociaram com sucesso – joint ventures com empresas estran-
geiras e acordos para transferência de tecnologia.14
Como explicado por Patrice Franko-Jones,

12
Sobre isto ver: Maldifassi, José O. and Abetti, Pier A. 1994. Defense Industries in Latin American
Countries: Argentina, Brazil and Chile.Westport. Praeger, p.28 and Schwam-Baird, op.cit.pp.
1 and 2 and 33-45
13
Shwam-Baird, Ibid. p. 155
14
Ibid. pp.104-105

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“A parceria entre o Estado e as empresas em cada etapa do processo permitiu que o
Brasil desenvolvesse tecnologias militares nacionais. O controle das tecnologias de-
senvolvidas especificamente para condições do Terceiro Mundo promove o uso du-
plo destes produtos em outros setores, uma taxa maior de “spin-offs” de pesquisa em
produtos e processos para outras indústrias, e mantém reservas de moeda estrangei-
ra. Em parceria com o Estado, as empresas brasileiras podiam desenvolver tecnolo-
gias nacionais apropriadas às restrições econômicas do país bem como à demanda
militar. Com uma visão clara do objetivo de autonomia, foram negociados acordos
de transferência internacional que maximizavam o poder de negociação das empre-
sas brasileiras para controlar a tecnologia importada.”15

No caso das indústria APPL, a aquisição de tecnologia estrangeira tomou


mais um caminho: a compra de empresas brasileiras por produtores estrangeiros,
seguida anos depois por sua “repatriação”. Este processo começou em 1936, quando
a principal empresa privada nacional de munições, a Companhia Brasileira de
Cartuchos (CBC), foi vendida para a Remington Arms Company and Imperial
Chemical Industries, para depois ser repatriada em 1980 com apoio financeiro de
bancos estatais. Um processo semelhante foi observado na principal produtora de
armas de cano curto, a Forjas Taurus, vendida no início dos anos 70 para a Smith
& Wesson e “re-nacionalizada” (comprada por acionistas brasileiros) em 1977.16
Estes casos são vistos mais detalhadamente abaixo.
Desde seu início, o regime militar promoveu e ampliou políticas protecionis-
tas para a indústria nacional de armas. Estas políticas foram particularmente for-
tes para as APPL, para as quais o regime buscava a auto-suficiência total. O Exér-
cito, a partir de 1934 tornado responsável por controlar e monitorar a produção,
importação, exportação e vendas domésticas de produtos controlados, (os quais
incluíam as APPL e outros produtos industriais estratégicos perigosos), a partir de
1965 editou o regulamento R-105. Uma das cláusulas chaves deste documento
declara que “como a indústria nacional é capaz de suprir o mercado doméstico
então, em princípio, a importação de armas de porte, espingardas e munições
para civis não deve ser autorizada”.17
15
Franko-Jones, Patrice.1992. The Brazilian Defense Industry Boulder, Westview Press, p.133
and 134
16
Purcena, Júlio César. 2003. A indústria de armas pequenas e munições e a violência no Estado do
Rio de Janeiro nos últimos vinte anos. Monografia de graduação, Faculdade Moraes Júnior, Rio
de Janeiro, pp. 16-21
17
Decreto Nº 55.649, de 28 de janeiro de 1965, “Dá Nova Redação ao Regulamento aprovado
pelo Decreto nº 1.246, de 11 de dezembro de 1936”. Disponível on-line, http://www.lei.adv.br/
55649-65.htm. A visão entre os militares de que a indústria APPL deveria ser controlada (e

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Percebendo a necessidade de alcançar economias de escala em processos de
produção tecnologicamente complexos, com altos custos de pesquisa e desenvol-
vimento, o regime voltou-se para as exportações para compensar a baixa deman-
da. Em 1974, o governo militar implementou a Política Nacional de Exportação
de Material de Emprego Militar, PNEMEM, uma série de incentivos a produto-
res privados e estatais para a exportação de armas.18 Em 1975, as Forças Armadas
reorganizaram suas fábricas de armas em uma única empresa, a IMBEL (ver abai-
xo), e durante toda esta década a cooperação entre institutos militares de pesquisa,
organizações industriais e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico,
BNDE19 levou ao desenvolvimento e consolidação de novas empresas produtoras
de armas. O BNDE também proveu capital, em 1980, para que brasileiros
recomprassem o controle das ações da CBC, a única produtora de munição para
armas de pequeno porte.20 Outros fatores que impulsionaram o desenvolvimento
da indústria de defesa brasileira foram a decisão dos EUA de limitar a transferên-
cia de tecnologia militar para o Brasil e a renúncia do governo brasileiro ao acordo
militar de 1952 com os Estados Unidos, em 1977.21
A cooperação entre o Estado e o setor privado envolveu fluxos importantes de
recursos, tecnologia e pessoal, ilustrados na Figura 1.

protegida) pelo Exército prevalece até hoje: a versão 2000 do R-105 proíbe e/ou restringe a
importação de qualquer produto controlado (incluindo APPL) que seja fabricado nacional-
mente. A importação só será autorizada em circunstâncias especiais depois de uma autorização
especial concedida pelo Exército. Ver Decreto Nº 3.665, 20 de Novembro de 2000, “Dá nova
redação ao Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105).” Disponível on
line: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3665.htm.
18
“Exposição do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia,
perante a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados.” Disponível on-line,
http://ftp.unb.br/pub/UNB/ipr/rel/discmin/1995/3036.pdf
19
Em 1982, o nome desta instituição mudou para Banco Nacional de Desenvolvimento Econô-
mico e Social, ou BNDES.
20
Ver: Purcena, Julio César, A indústria de Armas Pequenas e Munições e a Violência no Estado
do Rio de Janeiro nos Últimos Vinte Anos, Monografia de Graduação (Economia), Faculdade
Moraes Júnior, Rio de Janeiro, Novembro 2003, pp. 11-15
21
Maldifassi and Abetti, Defense Industries in Latin American Countries, p.28

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 71


O Estado provê:
• Proteção contra a competição estrangeira através de legislação
• Apoio financeiro e facilidades para empresas nacionais de defesa
• Consultoria técnica e apoio à pesquisa e desenvolvimento, principalmen-
te através dos institutos tecnológicos das Forças Armadas
• Diplomacia comercial para a promoção de exportações
• Demanda do mercado interno através das Forças Armadas, e através de
mercados policiais e civis protegidos no caso específico das armas de pe-
queno porte.

Em troca, as empresas privadas provêm:


• Armas
• Novas capacidades e desenvolvimento tecnológico
• Prestígio internacional e poder militar regional
• Substitutos para importações, ajudando a balança comercial
• Receita e, no caso das exportações, reservas em moeda estrangeira.

Apesar de não depender de alta tecnologia como outros setores de defesa, a


indústria de armas de pequeno porte pôde se beneficiar destas iniciativas, “pegan-
do uma carona” no chamado milagre econômico animado pela crescente indús-
tria brasileira de armas. Nos anos 80, a indústria brasileira de defesa valorizou-se

72 Brasil: as armas e as vítimas


rapidamente ao exportar equipamento militar pesado para o Oriente Médio du-
rante a guerra Irã-Iraque. O final da guerra foi seguido por um período de reajus-
tamento no qual algumas empresas de equipamento militar pesado fecharam ou
foram adaptadas para a produção civil.22 Ao mesmo tempo, a redução súbita e
abrupta dos gastos militares que acompanhou o final da ditadura militar e a tran-
sição para o regime democrático em 1985, também contribuiu para o declínio do
setor de armas pesadas.23
Com o fim da ditadura militar, alguns elementos da parceria entre o Estado e
a indústria privada estabelecida durante a ditadura desapareceram enquanto ou-
tros apareceram. Fortalecer a indústria brasileira de armas como uma forma de
alcançar “grandeza” deixou de ser um dos princípios que dominantes do Estado
(apesar desta mentalidade ainda prevalecer em alguns setores militares e diplomá-
ticos). Subsídios consistentes às empresas de armas desapareceram, à medida que

22
Ver Franko-Jones, Patricia, “A Indústria Brasileira de Defesa em Crise”, in Uma Avaliação da
Indústria Bélica Brasileira, Domício Proença Junior, ed., (Rio de Janeiro: Grupo de Estudos
Estratégicos), 1993, pp 299-327.
23
Entrevista com o Coronel (R1) Roberto Guimarães de Carvalho, Diretor-Presidente da Asso-
ciação Brasileira de Indústrias de Material de Defesa (ABIMDE) o grupo de interesse das
empresas brasileiras de defesa. São Paulo, maio de 2004. O Coronel Guimarães de Carvalho
também é presidente da AVIBRÁS, uma empresa especializada na produção de sistemas de
foguetes de artilharia.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 73


os orçamentos militares diminuíram, e alcançar prestígio e poder regional se tor-
nou basicamente um assunto econômico e diplomático. Mas um novo fator en-
trou em cena: “Influência em questões nacionais relacionadas à segurança públi-
ca”. Depois da transição para a democracia, os militares mantiveram o controle do
monitoramento e registro da produção, vendas domésticas e exportações de APPL,
uma prerrogativa que eles ainda retêm. Hoje são ainda os militares que decidem,
por exemplo, que tipos de armas as polícias podem usar e se elas podem importá-
las de países estrangeiros. Também é o Exército que decide que tipos de APPL os
civis podem possuir e portar.
Como mostram as figuras abaixo, nos anos 90, apesar de ter perdido sua
margem de superioridade em armas pesadas convencionais, o Brasil estava bem
estabelecido como um ator global médio no mercado internacional de armas de
pequeno porte. Considerando que os mercados policial e civil, sobretudo nos
Estados Unidos, oferecem uma demanda mais estável e confiável que os ciclos de
compras esporádicas típicos das armas militares pesadas, a indústria APPL no
Brasil parece haver alcançado “sustentabilidade” a médio e longo prazos, enquan-
to sua irmã maior não. Na verdade, no imenso mercado norte-americano, a Taurus
garantiu um nicho de mercado para pistolas e revólveres de boa qualidade a preços
competitivos.
Em meados dos anos 90 foi registrado um afunilamento das exportações de-
vido, principalmente, à paridade da moeda brasileira em relação ao dólar a partir

74 Brasil: as armas e as vítimas


de 1994. Mas com a depreciação do real em relação a moeda americana, em 1999,
levou ao ressurgimento das exportações, que cresceram constantemente de uma
baixa de US$ 57 milhões naquele ano, para US$ 94 milhões em 2003.24 Os anos
90 também foram um tempo de consolidação: hoje a indústria brasileira de armas
de pequeno porte está concentrada em três grandes produtores: Taurus, CBC e
Imbel. Apesar de apenas a Imbel ser estatal, a CBC e a Taurus mantêm contatos
próximos com os militares brasileiros, tendo assim uma grande influência nas
políticas domésticas e nas relações exteriores.25 A indústria também tem o seu
próprio lobby, que é ativo publicamente na oposição à legislação doméstica de
controle de armas.

24
Secretaria de Comércio Exterior, SECEX, estatísticas oficiais de comércio.
25
Segundo a revista semanal “Isto é”, por exemplo, depois de 6 anos como chefe da Diretoria de
Armas e Produtos Controlados (responsável por monitorar e autorizar a produção e o comércio
de armas), o General de Brigada Antônio Roberto Nogueira Terra se reformou e tornou-se um
consultor especial da Forjas Taurus através da empresa privada de consultoria Sulbras Consulto-
ria e Assessoria Ltda ( a qual, por sua vez, representa a Taurus em Brasília). No meio de um
intenso debate sobre a regulamentação da nova lei de controle de armas de pequeno porte, isto
causou um grande escândalo na imprensa. Ver: Miranda, Ricardo. 2004. “A emenda Taurus” .
Isto é, 9 Junho de 2004. Disponível em: http:// www.terra.com.br/istoe/1809/brasil/
1809_emenda_taurus.htm. Isto não foi muito diferente do que acontece com o complexo
industrial-militar nos EUA com armas militares pesadas e equipamento militar.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 75


3. A Indústria Brasileira de APPL, 1983-200326
No nível mais geral, a pesquisa sobre a produção de armas no Brasil torna-se
difícil pelo fato de a maior parte dos dados importantes nem sempre estarem
disponíveis ao público. Pesquisas sistemáticas e suficientemente desagregadas da
atividade econômica são um fenômeno relativamente recente no Brasil, tornando
as séries mais longas impossíveis em alguns casos. Além disso, encontramos uma
série de anomalias e resultados estranhos que colocam em questão a integridade
de alguns pontos de dados , senão da fonte inteira.
À luz destes problemas, adotamos um método de justaposição e triangulação,
trazendo como auxílio quaisquer dados disponíveis das diversas fontes, tentando
corrigir problemas de cotejo e chegar a conclusões razoáveis sobre um valor realis-
ta para itens inconsistentes ou ausentes.
Uma discussão completa sobre as fontes usadas, obstáculos enfrentados e so-
luções utilizadas pode ser encontrada no apêndice metodológico deste capítulo.

3.1 Produtores:
O Brasil é o maior produtor da América Latina de armas de pequeno porte e
equipamento militar, e tem de longe uma produção mais diversificada do que
qualquer outro país do continente, com exceção dos Estados Unidos. Sua indús-
tria de APPL é composta tanto por empresas privadas quanto por estatais, ambas
as quais têm demonstrado iniciativa para se expandir para mercados externos,
assinando licenças de produção e acordos de joint venture, e mesmo criando su-
cursais no exterior.
De acordo com as estatísticas do governo brasileiro, em 2001 o total de ven-
das de APPL não militares, munições e peças produzidas nacionalmente, foi de
cerca de US$ 100.3 milhões.27 Uma grande parte desta produção provavelmente

26
O escopo deste estudo são os últimos 20 anos, os quais idealmente cobrem de 1983-2003 (o
último ano fiscal completo). No entanto, algumas estatísticas para 2003 ainda não estão dispo-
níveis e, em alguns casos, para 2002 também. Estabelecemos 1982 como nosso ponto de par-
tida, dando as estatísticas até o último ano disponível.
27
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pesquisa Industrial 2001, IBGE, Rio de
Janeiro, 2002. A versão corrigida está disponível no site da instituição. O valor de R$
215.530.430 em vendas e isso inclui pistolas, revólveres, espingardas, carabinas e outras armas
de fogo não militares; munições e cartuchos para estas armas; e peças, acessórios e serviços
relacionados a estes itens. Além disso, a pesquisa lista R$ 92.574.783 sob outro título, ‘equipa-
mento militar pesado’, o qual inclui armas militares (armas de guerra), bombas, granadas e

76 Brasil: as armas e as vítimas


foi exportada: o governo brasileiro relatou em 2001 um total de exportações de
armas de pequeno porte e itens militares de US$ 62.5 milhões28 , ou 62.3% das
vendas totais. Os números poderiam ser ainda maiores, já que as transferências de
estado a estado não são incluídas nas estatísticas publicadas sobre comércio.

Principais produtores
IMBEL29 – A IMBEL, ou Indústria de Material Bélico do Brasil, é uma
empresa estatal com laços com o Ministério da Defesa e especificamente com o
Exército brasileiro. Além de explosivos comerciais, acessórios e cargas para muni-
ção pesada, propulsores para mísseis e foguetes, equipamentos eletrônicos e de
comunicação e outros equipamentos militares pesados, a IMBEL fabrica e forne-
ce fuzis FAL calibres 7.62, 5.56 e .22 (este último para treinamento) para uso
militar, bem como uma linha de pistolas com modelos baseados na Colt .45,
disponíveis em calibre .45, .40 e 9mm para uso policial e militar (M911 A1,
IMBEL MS1, M973 e variantes) e calibre .380 para uso civil (MD1N, GC,
MD1, e variantes).30 Nos anos 90, a fábrica desenvolveu um fuzil de assalto
MD97LC 5.56mm que em breve será adotado pelo Exército Brasileiro como sua
arma de assalto padrão. Uma versão carabina do fuzil será vendida para unidades
das polícias estaduais.
Até 2004, a IMBEL possuía 30% das ações da CBC (ver abaixo). Também,
até 2004 a IMBEL tinha uma joint venture – South American Ordnance – com a
Royal Ordnance plc (RO), uma subsidiária da British Aerospace Defense Group,
e a Schahin Participações, uma empresa brasileira. Além de fornecer munição
para artilharia militar pesada para a Royal Ordnance, a empresa distribuir outros
produtos da IMBEL no mundo todo, inclusive APPL e munição.31 As APPL da
IMBEL são populares entre forças armadas e policiais da América do Sul.

outros projéteis, veículos blindados de combate; e peças, acessórios e serviços relacionados a


estes itens. Alguns destes itens, especialmente fuzis, granadas e munição para morteiros, po-
dem entrar na categoria APPL.
28
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Secretaria de Comércio Exte-
rior, SECEX.
29
A não ser que indicado, a fonte de informação a respeito desta empresa é uma entrevista com o
Coronel (R1), Alte. Zylberberg, Superintendente da Fábrica de Itajubá , Itajubá, maio 2004.
30
Informação da empresa. Ver : http://www.imbel.gov.br/ingles/i_imb_expo.asp
31
Ver: http://www.southamerica.com.br/eng/princ.html ; e ver: The America’s Intelligence Wire
28/5/2004: Imbel to enter partnership with EADS

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 77


As armas de pequeno porte da IMBEL são produzidas na fábrica de Itajubá,
em Minas Gerais. A fábrica começou como Arsenal Militar Itajubá, em julho de
1934 e era administrada pelo Exército. Nos anos 30, Itajubá produziu fuzis de
ação a ferrolho Mauser sob um contrato de licenciamento com a Deutsch Waffen
und Munitionsfabrik (DWM). A produção de Mauser parou depois da II Guerra
Mundial. Em 1960, começou a produção de pistolas semi-automáticas Colt .45
M911A1 para as Forças Armadas brasileiras (cerca de 50.000 unidades ainda
estão em serviço). Em 1964 foi assinado um contrato de licenciamento com a FN
Herstal para a produção de fuzis FAL 7.62. Pelo menos 200.000 foram produzi-
dos entre 1964 e 1983 e o fuzil ainda está em produção.32
Em 1977 a IMBEL foi criada, reunindo todos os arsenais e fábricas de armas
do Exército. Em 1983, a empresa sofreu uma crise financeira provocada pela
interrupção das compras do Exército, nesta época seu principal cliente. Durante
os anos 80 a IMBEL se endividou muito com o governo brasileiro, o que, de
acordo com a lei, impediu a empresa de vender armas a instituições estatais (tais
como a polícia). Para ilustrar a permeabilidade entre as indústrias de defesa priva-
das e estatal, no início dos anos 80 a direção da IMBEL foi dada a José Luiz
Whitaker Ribeiro, também presidente da ENGESA, uma empresa privada de
defesa especializada na fabricação de tanques. Foi nesta época que a fábrica de
munições da IMBEL, em Realengo, foi desativada e seu equipamento incorpora-
do à CBC em troca de 30% das ações ordinárias da empresa para a IMBEL.
Depois da reorganização de Whitaker, o controle da IMBEL foi novamente passa-
do a seu conselho de administração.33
Em 1985, a IMBEL iniciou uma parceria com a Springfield Armory (EUA)
para a distribuição de mais de 200 variações da pistola Colt .45 no mercado civil
americano. Em 1998, a pistola IMBEL .45 foi adotada como a arma de porte
oficial da equipe de resgate de seqüestrados do FBI. As pistolas são entregues ao
FBI pela Springfield Armory. Atualmente de 75% a 95% da renda da fábrica de
Itajubá vem da exportação de variações da pistola Colt M911A1.
De acordo com a Small Arms Survey 2002, mais de 90% das 2.000 pistolas
calibre .45 que a empresa exporta mensalmente vão para o mercado americano, e
entre 40% a 50% da produção da empresa é exportada.34

32
Klare, Michael and Andersen, David.1996. A Scourge of Guns: The Diffusion of Small Arms
and Light Weapons in Latin America, Washington D.C., p.18
33
Franko, Jones, The Brazilian Defense Industry, pp. 80-83
34
Small Arms Survey 2002, p.32

78 Brasil: as armas e as vítimas


Durante os anos 90, graças aos lucros das exportações, a empresa gradual-
mente começou a pagar sua dívida com o governo brasileiro. Através de um plano
de pagamento da dívida negociado com o Exército e de um plano agressivo de
reorganização, a empresa foi novamente autorizada a vender para órgãos estatais.
De acordo com o recentemente organizado Sistema de Controle Fabril do Exérci-
to (SICOFA) a IMBEL relatou uma produção de 334.534 armas de pequeno
porte produzidas entre julho de 1977 e junho de 2004.35

Forjas Taurus – A Taurus é a maior produtora de armas de cano curto, com


24 modelos de revólver e 14 de pistolas.36 A empresa foi fundada em Porto Alegre,
em 1937, como uma fábrica de ferramentas. Depois da II Guerra Mundial, co-
meçou a produzir revólveres, alcançando uma produção de larga escala em 1951.
Em 1964 a empresa já havia consolidado sua posição no mercado nacional, am-
pliado e modernizado sua fábrica e intensificado a produção. Durante a turbulên-
cia política dos anos 60 houve um aumento no controle das vendas domésticas de
armas; ao mesmo tempo, a empresa ainda não possuía uma estrutura adequada
para competir no mercado internacional. Nestas circunstâncias, a maioria das
cotas da empresa foi vendida para a Smith & Wesson no início dos anos 70.
Em 1977, a empresa brasileira Polimetal adquiriu o controle acionário da
Taurus , “re-nacionalizando” a empresa e todo o know how que havia sido transfe-
rido sob a propriedade da S & W. A Taurus continuou a se expandir, comprando
o grupo britânico IFESTEEL e, em 1980, comprando a subsidiária brasileira da
Beretta. Com esta compra, a Taurus incorporou mais máquinas e tecnologia e
começou a produzir pistolas Beretta licenciadas (Modelos 2) e submetralhadoras
9mm (M12). Ambas as compras foram cruciais para acumular a capacidade de
produção e know-how que a Taurus tem hoje em dia.37
O nome Taurus tornou-se reconhecido internacionalmente, especialmente nos
Estados Unidos. A Forjas Taurus possui a Taurus Holding, que controla a Taurus
International Manufacturing Inc. (TIMI), subsidiária da Taurus Brasileira. A TIMI

35
Informação fornecida pela Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército Bra-
sileiro (DFPC)
36
Ver: http://www.taurus.com.br/produtos/index.htm
37
CVM, IAN, relatórios anuais disponíveis em :http://www.cvm.gov.br/Port/CiasAbertas/
Index2.asp; Purcena, Júlio César. 2003. A Indústria de Armas Pequenas e Munições e a Violên-
cia no Estado do Rio de Janeiro nos últimos vinte anos, Rio de Janeiro, monografia de gradua-
ção, Faculdade Moraes Júnior, pp. 18-19 e Gangarosa Gene, Jr., Taurus PT 92 9mm Evolução
e desenvolvimento—são 25 anos jovem! , http://www.taurususa.com/newsreviews/
HG2004_000.cfm

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 79


está instalada em Miami e composta de uma fábrica que monta armas especial-
mente para o mercado americano, e um distribuidor para as armas Taurus fabricadas
no Brasil. Em 1997, a Taurus comprou da Rossi (ver abaixo) as patentes, projetos
e direitos de produção para suas armas curtas, tornando-se a única fornecedora
brasileira de revólveres.38 Em 2002, a Taurus teve vendas de US$ 43.9 milhões e
lucro de US$ 13.6 milhões, tornando-se umas das mais bem sucedidas empresas
brasileiras do ano.39 A Forjas Taurus tem uma parceria estratégica com a Fabrica
Maestranzas del Ejercito (FAMAE), uma estatal chilena, para produzir a sub-
metralhadora MT-40 .40 e a carabina .40 (a CT40) no Brasil com peças feitas no
Chile e no Brasil.
No final dos anos 90, a Taurus começou a diversificar e modernizar sua pro-
dução além dos modelos tradicionais da Beretta, para conter a ameaça da compe-
tição com pistolas Glock 25 importadas para o mercado civil. Nesta época, não
havia pistolas de polímero de fabricação nacional e a taxa de câmbio tornava as
importações baratas.40 A Taurus reagiu com calibres novos e “na moda” tais como
o .40 e a adoção, no final dos anos 90, de novas tecnologias, incluindo a fabrica-
ção de pistolas de polímeros e/ou titânio. A isto devemos acrescentar uma linha de
revólveres de boa qualidade e confiáveis. Através de uma combinação de produtos
“clássico mas confiável” e “na moda e de boa qualidade”, a Taurus conseguiu um
nicho no mercado americano, como explicamos mais detalhadamente na seção
sobre exportação.41

38
Informações da empresa para Forjas Taurus arquivadas com a Comissão de Valores Mobiliários,
CVM. Todas as informações tiradas dos relatórios (Informações Anuais, IAN e Demonstrações
Financeiras Padronizadas, DFP). See: http://www.cvm.gov.br/ingl/indexing.asp
39
Ibid.
40
Entrevista com o importador e especialista em armas de fogo Fernando Humberto Fernandes,
julho 2003
41
Ver os seguintes links na internet com avaliações de usuários norte-americanos sobre armas de
fogo Taurus: Quinn, Jeff (2002), “Taurus Titanium 9mm Millennium”, Gun Blast.com, http:/
/gunblast.com/Taurus_PT111.htm; Taurus Classic Model 85 Series .38 Special (and +P)
Revolvers, http://www.thearmedcitizen.com/gunpages/model85.htm; ttp://www.handgunreview.com/
make.asp?make=Taurus; http://www.smallarmsreview.com/pdf/taurus.pdf; http://
www.chuckhawks.com/taurus_pistols.htm; http://www.gunblast.com/Taurus941.htm; http:/
/hunting.about.com/library/weekly/aasttaurustitaniumautos.htm; http://www.gunweek.com/
2001/feature1020.html; http://www.defensereview.com/modules.php?name=News&file=article&sid=603;
http://hunting.about.com/od/guns/l/aasttaurpt145_2.htm; http://www.thearmedcitizen.com/
gunpages/model85.htm

80 Brasil: as armas e as vítimas


A Taurus é a jóia da coroa da indústria APPL brasileira (e, até um certo ponto,
da indústria de armas como um todo). Ela consolidou sua posição no crucial
mercado americano de armas curtas, abrindo a Taurus International Manufactu-
ring Inc. (TIMI), sua subsidiária em Miami, em 1983. Enquanto sua produção
total de armas de pequeno porte em termos unitários não é conhecida, podemos
usar os dados sobre vendas da Comissão de Valores Mobiliários, CVM, para criar
uma estimativa das unidades produzidas42:

Mas com todo o seu sucesso e a aparente estabilidade de seu quinhão do


mercado externo, a Taurus parece estar cercando suas apostas. Nos últimos anos
tem diversificado sua produção a áreas relacionadas porém não de armas de fogo
tais como coletes a prova de bala, capacetes, blindagem para carros, ferramentas
de mão e ferramentas para máquinas. O diagrama a seguir mostra a Forjas Taurus
e suas subsidiárias:

42
Para uma explicação completa do método usado para criar esta estimativa, veja o apêndice
metodológico a este capítulo.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 81


Apesar do nome oficial de toda a corporação também ser Forjas Taurus, em
suas declarações financeiras a Taurus faz uma distinção entre a soma de todas as
suas operações, referida como ‘Grupo Taurus’, e seu negócio com armas de fogo,
referido como Forjas Taurus. Isto nos permite olhar dentro das operações da em-
presa e determinar a importância relativa das armas de fogo para a empresa como
um todo.

Como pode ser visto nas linhas de tendência, enquanto o Grupo Taurus como
um todo está se expandindo em geral, a receita líquida das vendas de armas de
fogo está caindo. Esta tendência é confirmada no gráfico seguinte que mostra um
forte declínio através do tempo das vendas da Forjas Taurus como uma percenta-
gem do total das vendas do Grupo Taurus:

82 Brasil: as armas e as vítimas


Enquanto parece pouco provável que a Taurus algum dia sairá do negócio de
armas de fogo completamente, ela pode estar se posicionando para uma potencial
derrota no referendo sobre a proibição de vendas de armas a civis no Brasil, que
está se aproximando. Estas deveriam ser boas notícias para todos: talvez o sonho
de transformar espadas em arados tenha encontrado seu equivalente moderno na
diversificação da Taurus em ferramentas e equipamentos de proteção.

Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) – a CBC é a única produtora


brasileira de munições para o mercado civil. Além de uma grande variedade de
munições para armas de pequeno porte, a CBC produz 18 modelos de espingarda
e 4 modelos de rifles.43
Fundada em 1926 como Fábrica Nacional de Cartuchos e Munições Ltda.,
foi vendida em 1936 para a Remington Arms Company e Imperial Chemical
Industries, que trouxeram nova tecnologia e capacidade de produção para a em-
presa. Tendo consolidado sua posição como produtora de cartuchos, em 1960
começou a produzir uma pequena linha de armas de cano longo, iniciando expor-
tações em 1966. A empresa foi re-nacionalizada em 1980 (como explicado abai-
xo) e, em 1988, tornou-se uma empresa de capital aberto.
Em 2002, a CBC teve um lucro de US$ 3 milhões e vendas líquidas de US$
41.2 milhões. Das suas vendas, 43.13% eram exportações, 28.87% em vendas

43
Ver: http://www.cbc.com.br/catalogo/index.htm.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 83


para o mercado civil nacional, e 37% para o poder público. 86.8% das vendas
eram de munições.44 De acordo com os dados da Diretoria de Fiscalização de
Produtos Controlados (DFPC), a CBC produziu 58.830 armas de cano longo
entre maio de 2003 e novembro de 2004.45
Como no caso da Forjas Taurus, é possível estimar a produção total a partir
dos dados financeiros arquivados na CVM:

Enquanto a CBC não é a única empresa brasileira de APPL comprada por


estrangeiros e depois re-nacionalizada (a Taurus foi comprada pela Smith & Wesson
no início dos anos 70 e voltou a ter controle brasileiro em 1977), ela é, talvez, um
caso clássico de cooperação entre uma empresa privada, os militares e o governo
(neste caso, uma extensão dos militares.) Em 1980, a IMBEL, usando fundos do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, comprou a CBC de seus pro-
prietários estrangeiros. Como parte do negócio, a CBC assumiu a produção de
munições 7,62mm da IMBEL. Em 1988, as ações da empresa passaram a ser
negociadas no mercado e, um ano mais tarde, o grupo Arbi, através da DFV
Participações S.A., comprou 70% das ações com direito a voto. A IMBEL mante-
ve 30% do controle sobre a CBC, e uma boa parte do conselho da empresa era
composto por militares da ativa e reformados. Finalmente, em abril de 2004, a
IMBEL vendeu a maior parte de suas ações remanescentes à PCDI Participações
Ltda. (Esta venda foi provavelmente motivada pelo desejo da IMBEL de pagar
sua dívida com o governo federal, que a impossibilitava de fazer contratos com

44
Informações da CBC arquivadas na Comissão de Valores Mobiliários. Ver nota acima.
45
“Relatório da Situação do SICOFA” ibid.

84 Brasil: as armas e as vítimas


instituições policiais estaduais.) A situação na época da redação deste texto era
assim:

Então, quem controla a CBC agora? Quem são DFV e PCDI?

A DFV é controlada por uma entidade conhecida como DBB, as iniciais de


Daniel Benasayag Birmann, que é o presidente do grupo Arbi. (Sandra Salm é
uma investidora privada e Antônio Barros é o presidente da CBC.) A DBB, por
sua vez, é de propriedade quase total da Charles Limited, localizada nas Ilhas
Virgens, um paraíso fiscal.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 85


Da mesma forma, a PCDI pertence quase inteiramente à firma estrangeira
Brookmon, cuja nacionalidade não está declarada. As demais ações pertencem a
Frank de Luca, membro do conselho de administração da DF Vasconcelos:

É claro que não há nada necessariamente errado com uma empresa privada
ser quase toda propriedade de empresas estrangeiras, uma das quais baseada em
um paraíso fiscal e a outra cujo país de origem não é declarado. No entanto, vale
a pena lembrar que a CBC foi nacionalizada em primeiro lugar com dinheiro
público e foi confiada à IMBEL que, por sua vez, é controlada pelo Exército.
Também vale a pena reconsiderar, à luz do exposto acima, os apelos ao patriotis-
mo e à grandeza nacional que o lobby das armas faz tão frequentemente e as
acusações de deslealdade e traição que lança aos defensores do controle de armas.
• Amadeo Rossi – A Rossi vendeu sua produção de armas curtas à Taurus,
mas continua a produzir espingardas e rifles, que são 70% de suas vendas totais.
Possui algumas controladas não relacionada a armas. A empresa sofreu uma perda
de US$ 14 milhões em 2001, o último ano para o qual encontramos dados dispo-
níveis. A Rossi exporta 77.3% de sua produção, 50% da qual é vendida através da
Braztech Inc., uma distribuidora americana.46

Pequenos Fabricantes:
• E.R. Amantino & Cia. / Boito – E.R. Amantino é o produtor da linha
Boito de espingardas de caça, muito populares em seu estado natal, o Rio Grande

46
Informações sobre a Rossi arquivadas na Comissão de Valores Mobiliários. Ver nota acima.

86 Brasil: as armas e as vítimas


do Sul. A empresa produz os seguintes modelos: A-680, A-681, Era 2001, Miura
I, Miura II, Pump BSA-5T-84, Reúna, e a pistola B-300.47
• Companhia de Explosivos Valparaiba (CEV) – A CEV é uma produtora
de granadas e morteiros. De acordo com a Jane’s Infantry Weapons 2001/2, a
CEV produz granadas de mão M3 e M4 bem como granadas de morteiro TIR 60
AE M3, TIR 81 AE M4, e TIR 81 AE M7. Também produziram uma linha de
granadas de gás para uso anti-motim. Em 1997, a CEV anunciou que seu modelo
de sub-metralhadora, o Mtr M9 M1-CEV9, estava pronto para ser vendido; no
entanto, não se teve mais notícias deste item desde 1998.48
• Mekanica / Bilbao – Estas duas pequenas empresas estavam envolvidas na
produção da sub-metralhadora Uru Modelo II 9mm, a Mekanica de 1979 a 1988,
e a Bilbao, que comprou os direitos da Mekanica, em 1988. Em 1997, a Mekanica
Indústria e Comércio entrou num acordo de produção de URU com a Amadeo
Rossi.49

Produção e Vendas
Os dados mais abrangentes e atuais sobre a produção total de APPL no Brasil
vem da Pesquisa de Indústria Anual – Produto. Infelizmente, esta série só come-

47
Ver: http://www.eramantino.com.br/
48
Jane’s Infantry Weapons 2001-2002, Gander, Terry J., ed., (London: Jane’s Information Group),
2002.
49
“Submachine Guns (International)”, Forecast International, January 2002.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 87


çou em 1998. Baseados em uma pesquisa das maiores instalações de produção
industrial do país, organizada por atividade econômica, estes números oferecem o
melhor retrato da produção total recente de APPL.
Não há dados disponíveis anteriores a 1998, mas podemos ter uma idéia da
evolução histórica da indústria APPL olhando os dados do Censo Econômico,
realizado a cada 10 anos até 1970 e depois em quinquenios, entre 1950 e 1985.
Devido a questões de classificação,50 apenas armas de fogo e suas peças, e não
munições, estão incluídas aqui.

Tanto os dados da PIA quanto os do Censo estão declarados estritamente em


termos de valores. Para ter uma idéia da quantidade de APPL produzidas precisa-
mos nos apoiar em dados coletados pelo Exército. O qual é, pela lei brasileira,
responsável por monitorar e licenciar a produção, venda, transporte e exportação
de produtos controlados, entre as quais as APPL. Teoricamente, o Anuário Esta-
tístico do Exército, AnEEx, contém o registro de todas as armas de fogo e cartu-
chos51 de uso permitido produzidos no Brasil. Na prática, para alguns anos não há
dados chave de regiões produtoras de APPL. Além disso, a metodologia de coleta
de dados do Exército é bem opaca, dificultando a avaliação da confiabilidade dos

50
Na maior parte da história do censo, munições foram incluídas em um grupo mais amplo de
produtos que continha pólvoras fósforos de segurança e explosivos industriais.
51
‘Uso permitido’ se refere a todos os calibres de armas de fogo e munições permitidas a civis de
acordo com a lei brasileira. Ver capítulo de Carolina Iootty sobre legislação.

88 Brasil: as armas e as vítimas


dados. Por outro lado, estes dados foram durante muito tempo considerados um
segredo de Estado e o fato de terem sido disponibilizados para este estudo já é, em
si, um sinal animador.

Brasil: produção de armas de pequeno porte de uso


permitido em milhares unidades, 1967/1995 Gráfico 13

Fonte: ANEEX

Nota: Não há dados disponíveis para 1970 ou 1974. Em 1975 e 1992 não há dados disponíveis
para o Rio Grande do Sul onde a Taurus, Rossi e a Boito estão localizadas. Isto resultou em números
anomalamente baixos para o total da produção de armas curtas. Assim, para estes anos, eliminamos
os pontos dos dados para ‘Armas curtas’ e ‘Total de armas de fogo’, mas deixamos ‘Armas de cano
longo’ como publicado. Em 1985, 1993, 1998 e 1995, a produção de armas curtas de São Paulo foi
reportada como zero. Como a produção média de armas curtas para São Paulo era cerca de 50.000
por ano, o valor zero é suspeito mas a diferença no total da produção de armas curtas não foi
suficiente para justificar cortar pontos dos dados. Em vez disto, nós deixamos os pontos em branco.

Enquanto as lacunas e as variações destes números não nos permitem tirar


conclusões definitivas sobre a produção de armas de fogo, está claro que a tendên-
cia geral é de alta, com a produção média mais ou menos dobrando de 400.000
para 800.000 por ano nas três décadas apresentadas aqui. Além disso, está claro
que a produção de armas curtas é chave neste aumento: a produção média de
armas de cano longo se manteve essencialmente constante.
Quanto às munições, os dados do AnEEx são ainda menos esclarecedores:

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 89


Nota: Não há dados disponíveis para 1970, 1974 e 1993. Em 1991, não havia informações dispo-
níveis sobre ‘Cartuchos’ a bala. Como esta categoria é a maior parte da produção total de munições,
os pontos dos dados para ‘Total’ também foram eliminados.

O que parece ser claro a partir destes números é que, com exceção do período
de turbulência pré-1975 e excetuando os anos 1982-1985, a produção de muni-
ções é quase que inteiramente composta de cartuchos a bala. Estes dados devem
ser vistos como suplementares à análise da CBC apresentada acima.
Resumindo, a produção de APPL no Brasil tem crescido constantemente através
dos anos, especialmente no auge da ditadura militar (1974-1983), chegando ao
valor atual de cerca de US$ 100 milhões por ano. Podemos ainda completar este
quadro olhando os números relativos a vendas, que tendem a seguir de perto os
números da produção.

Vendas
A pesquisa PIA-Produto, na verdade, define o valor de produção em termos
de números de vendas52 , assim não é surpreendente encontrarmos pequenas dife-
renças entre as duas séries:

52
Os respondentes da pesquisa indicaram a quantidade produzida, quantidade vendida, e valor
total das vendas. A PIA-Produto inclui apenas o valor total das vendas, mas dividido pela
quantidade vendida para chegar a um preço médio e então este preço médio é aplicado à
quantidade produzida.

90 Brasil: as armas e as vítimas


As vendas líquidas também são informadas com as declarações anuais da
empresa à Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Apesar desta abranger ape-
nas os 3 maiores produtores de APPL privados, e excluir a IMBEL, podemos usar
a soma das vendas destas empresas para estimar o total nacional de vendas APPL:

Esta figura tem o benefício adicional de oferecer uma representação gráfica da


importância relativa das armas de fogo e munições: a CBC tem o monopólio da
produção de munições de uso civil e produz apenas uma pequena linha de rifles e

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 91


espingardas de caça. A Taurus produz a maior parte das armas de pequeno porte
no Brasil, e tem quase o monopólio do mercado interno de armas curtas de uso
civil. (Veja a diminuição do segmento da Rossi depois que a Taurus comprou suas
operações de armas curtas em 1997, tornando-se a única produtora brasileira de
revólveres). As vendas de munições têm se mantido relativamente constantes atra-
vés dos anos, enquanto as vendas de armas, especialmente as produzidas pela
Taurus, têm variado bastante.
Como avaliar a estimativa das vendas totais destas três empresas para as ven-
das totais de acordo com a pesquisa PIA-Produto? Uma comparação lado a lado
mostra um ajuste relativamente próximo para os anos disponíveis:

Nota: Os dados PIA-Produto para 2003 não estavam disponíveis para elaboração deste texto. O
fato de que em 1998 e 2000 o valor total das vendas da CBC, Rossi e Taurus excedeu o valor
declarado pela pesquisa PIA-Produto, pode indicar diferenças nos métodos de mensuração, uma
má seleção de amostra pela PIA ou calendários diferentes de declaração.

3.3 O Tamanho da Indústria APPL Brasileira em Contexto


Enquanto o nível de produção do Brasil o torna um produtor de tamanho
médio de APPL o segundo maior no Continente Americano – e um ator regional
dominante, é importante perceber o quão pequeno é o papel das armas na econo-
mia como um todo. Isto é especialmente importante à luz dos argumentos do
lobby das armas contra a restrição de vendas de armas a civis e outras medidas de
controle de armas, que diz que a indústria de armas representa uma grande fonte

92 Brasil: as armas e as vítimas


de emprego e geração de renda para os brasileiros. Na verdade, a produção de
armas de pequeno porte é uma parte infinitesimal da atividade econômica total,
como demonstram os três gráficos a seguir:

Nota: No Sistema de Contas Nacionais, toda a atividade econômica é separada em 3 setores:


primário (agricultura), secundário (indústria) e terciário (serviços). Neste esquema, a “Construção
Civil” está incluída em “Indústria” e “Administração Pública” estão incluídos em “Serviços”. Mas a
PIA-Produto, usada nos dois gráficos a seguir, é baseada na Classificação Nacional de Atividades
Econômicas, CNAE, que considera estas seções como separadas. Para manter a coerência, ajusta-
mos os agrupamentos usados no Sistema de Contas Nacionais, separando Construção Civil e Admi-
nistração Pública.

Aqui vemos as di-


visões básicas da econo-
mia brasileira, indus-
trializada, com um se-
tor de serviços bem de-
senvolvido. Expandindo
a parte “Indústria” nós
temos:

Nota: A PIA – Produto é


baseada na CNAE que divi-
de a produção industrial em
dois setores: “Indústria de

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 93


Transformação” e “Indústria de Extração” ; a última é composta por 4 divisões, aqui agrupadas em
uma única fatia branca “Indústria Extrativa”. A “Indústria de Transformação” é composta por 23
divisões, sendo as 9 maiores as que aparecem aqui por ordem de tamanho. As demais 14 foram
agrupadas sob “Outros”.

Máquinas e Equipamentos, a classe de produtos à qual a APPL pertence,


perfaz apenas 5% da produção industrial, comparada à 9% dos automóveis e 7%
para aço e outros produtos metálicos. Mas ainda está entre as maiores classes de
produtos. No entanto, se decompormos esta divisão, vemos que a APPL é uma
parcela extremamente pequena:

Nota: As fatias mostradas aqui representam grupos de produtos dentro da divisão Máquinas e
Equipamentos. “Armas de fogo e Munições” e “Equipamento Militar Pesado” são classes de produ-
tos que juntas compõem o grupo de produtos “Armas, Munições e Equipamento Militar”. No
entanto, apenas o grupo “Armas de Fogo e Munições” corresponde à APPL.

Obviamente a produção de APPL tem pouca importância puramente econô-


mica para o Brasil como um todo: representa menos de 1% do grupo de produtos
ao qual pertence (máquinas e equipamentos), e meros 0,048% do total da produ-
ção industrial. Além disso, das 268 classes de produtos industriais nas estatísticas
oficiais do Brasil, “Armas de Fogo e Munições” estão no 222º lugar, logo após
relógios e meias. Importantes indústrias brasileiras tais como automóveis, equipa-

94 Brasil: as armas e as vítimas


mentos e refinaria de petróleo são classes de maior magnitude. A indústria APPL
é igualmente irrelevante em termos de emprego:

Nota: Fonte: Cadastro Nacional de Empresas, IBGE. 2001 é o ultimo ano disponível. Com menos
de um quinto de sua população empregada formalmente, é seguro dizer que o mercado informal
brasileiro é enorme.

Estes números incluem não apenas APPL, mas todas as empresas que produzem
equipamento militar pesado. Ainda assim, dos 32,5 milhões de empregos formais
de brasileiros em 2001, a indústria APPL era responsável por apenas 0.02% deles.
É claro que o Brasil não é uma exceção. A indústria APPL americana, a maior
do mundo, tem se mostrado insignificante no contexto da economia americana
como um todo.53 O caso brasileiro dá apoio à conjectura que, pelo menos em
termos estritamente econômicos, as APPL são quase certamente uma proposta
perdedora: os custos da violência com armas de fogo para a sociedade são enor-
mes, e os benefícios econômicos são, quando muito, modestos.

3.4 Comércio Exterior


No geral, os dados oficiais sobre comércio exterior são bem superiores em
termos de detalhamento e anos disponíveis que os dados sobre produção e vendas.

53
Small Arms Survey 2002 p27.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 95


Há um conjunto completo de dados para todas as exportações e importações
brasileiras por país e por código de exportação disponível para o período de 1982-
2003.
No entanto, os dados sobre comércio exterior apresentam suas próprias difi-
culdades. Uma análise cuidadosa dos dados oficiais sugere fortemente que gran-
des vendas de armas militares pesadas ocasionalmente são classificadas erronea-
mente sob subtítulos que correspondem a APPL, enquanto que as exportações de
armas curtas são sistematicamente classificadas erroneamente como rifles de caça.
Da mesma forma, os dados apresentados nesta seção foram “limpos” e ajustados
para refletirem nossa melhor avaliação do que realmente são as exportações reais
de itens APPL pelo Brasil. Uma explicação completa de nossos critérios de inclu-
são e exclusão, bem como os dados oficiais brutos, podem ser encontrados em
nosso apêndice metodológico.
Se o Brasil é um exportador de APPL de porte médio no nível global, dentro
de sua região é absolutamente dominante, quase 10 vezes maior que o seu compe-
tidor mais próximo:

Nota: Dados do México para 2000. Exclui as exportações mexicanas de maquila para os EUA e as
exportações peruanas de chumbinho para futura montagem em munição para espingardas.

Quando consideramos que uma boa parte das exportações chilenas são com-
postas por sub-metralhadoras FAMAE fabricadas em parceria com a Taurus, e o
fato que as exportações mexicanas são quase que inteiramente compostas de mu-
nições, a verdadeira extensão do domínio regional do Brasil fica ainda mais clara.

96 Brasil: as armas e as vítimas


A importância das exportações de APPL por empresas brasileiras fica clara em
suas próprias declarações financeiras que nos informam sobre a divisão das vendas
entre os três principais mercados para os quais estas companhias vendem: merca-
do civil doméstico, poder público (forças armadas e polícias) e mercado externo
(exportação). Apesar de não estarem disponíveis para todas as empresas em todos
os anos, estes dados deixam muito claro que a indústria brasileira de armas está
cada vez mais dependente das exportações. A Forjas Taurus, especialmente, parece
ser um empreendimento essencialmente voltado para as exportações. Enquanto
os mercados civil e público domésticos têm sido avidamente protegidos pelas po-
líticas comerciais brasileiras, e certamente garantem uma importante base de clien-
tes, uma parte cada vez maior da receita está vindo das exportações.

Forjas Taurus: vendas líquidas por segmento de mercado, 1983/2003


Gráfico 23

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 97


A CBC, única produtora brasileira de munição de uso civil, também está
confiante nas exportações, mas não com a mesma intensidade. A demanda civil e
governamental por munições absorve uma parte significativamente maior de sua
produção:

A predominância relativa das armas de fogo sobre as munições nas exporta-


ções de APPL pode ser vista claramente aqui, na série histórica das exportações
brasileiras de APPL:

98 Brasil: as armas e as vítimas


Nota: Algumas exportações listadas nos dados oficiais para 1987, 1991-1993, e 2002, foram ex-
cluídas à luz da evidência de que representavam itens militares pesados e não APPL. Favor ver o
apêndice metodológico deste capítulo para detalhes. Para uma lista completa de subtítulos do siste-
ma harmonizado – SH incluídos em cada categoria listada aqui, ver o apêndice metodológico.

Como um todo, o que vemos é um mercado saudável, estável e no geral em


expansão. Vale a pena considerar que o forte efeito da taxa de câmbio brasileira
sobre a negociabilidade de suas exportações não é decisivo.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 99


Nota: O índice de Taxa de Câmbio IPA-OG é um índice composto das taxas de câmbio reais com
os 16 maiores parceiros comerciais do Brasil, pesados de acordo com sua respectiva parte nas expor-
tações brasileiras em 2001. Para detalhes ver: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/
NSerie?SessionID=954859569&SERID= 36517_1&NoCache=602276984

É de especial interesse aqui o período inicial, em 1994, quando o Brasil im-


plementou o Plano Real, substituindo sua moeda moribunda pelo real que foi
atrelado ao dólar americano. Esta paridade se manteve até início de 1999, o perío-
do de paridade cambial correspondente à porção nivelada na linha de cima do
gráfico anterior. Com a moeda mantida artificialmente acima do seu valor real, os
brasileiros se viram com um enorme poder de compra, enquanto os exportadores
brasileiros tinham dificuldades para competir sem baixar seus preços. Certamente
parece razoável concluir que uma dinâmica parecida ocorreu com o mercado ex-
portador de APPL; nos anos seguintes à depreciação do real as exportações de
APPL se recuperaram de forma constante. Por outro lado, está claro que a taxa de
câmbio é apenas um entre os muitos fatores que afetam as exportações.

Desde o final dos anos 80, os Estados Unidos se tornaram o principal cliente
das APPL brasileiras. Como pode ser visto no gráfico 27, esta tendência aprofun-
dou-se consideravelmente desde a depreciação do real, em 1999.
A maioria das exportações para os Estados Unidos representam vendas de
armas curtas da Taurus como o gráfico 28 mostra. A América Latina também tem

100 Brasil: as armas e as vítimas


sido um mercado importante para o Brasil através dos anos, mas, recentemente,
cedeu em importância para o mercado americano. Já sugerimos que isto pode ser
indicativo de uma mudança qualitativa na indústria APPL brasileira: um movi-
mento na direção de produtos de maior qualidade, mais caros, com um reconhe-
cimento positivo de suas marcas nos mercados internacionais.54

Gráfico 29

54
Dreyfus, Pablo e Lessing, Benjamin. 2003, “Production and Exports of Small Arms and Light
Weapons in South America and Mexico”, Background Paper para Small Arms Survey 2004,
Rio de Janeiro.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 101
O ano de 2003 marcou uma reversão desta tendência principalmente devido
a uma grande remessa de munições para a Colômbia. Assim, é muito cedo para
dizer se isto marca uma nova tendência ou se, simplesmente, foi um ano excepcional.

Gráfico 30

É interessante notar que se separarmos as exportações de armas de fogo e


peças das de munições, os padrões dos mercados alvo para exportação que emer-
gem são bem diferentes.

102 Brasil: as armas e as vítimas


Gráfico 31

Claramente, o domínio norte-americana sobre as exportações globais de APPL


é composto quase que inteiramente de armas de fogo e peças, enquanto a América
Latina tornou-se cada vez mais uma compradora de munições. Também notamos
que o mercado brasileiro de munições é muito mais volátil e variado que o de
armas de fogo. Isto pode ser visto na maior variação dos principais importadores
de munições comparados com os de armas de fogo e peças.
Vemos também o crescente domínio dos EUA entre os importadores de armas
de fogo, em oposição à relativa diversificação dos importadores de munições. É
importante notar que o Paraguai, vizinho do Brasil, aparece em todos os quatro
gráficos abaixo. O Paraguai tem uma das menores rendas per capita da região e
uma pequena população de 7 milhões de habitantes. O país não está em guerra e
não registra altos índices de mortes relacionadas a armas de fogo. Claramente, a
quantidade de APPL importadas excede em muito as necessidades do país, ofere-
cendo mais evidências do desvio de APPL do mercado lícito para o ilícito no
Paraguai. Boa parte das APPL desviadas voltava para o Brasil, levando-o, final-
mente, a cancelar as exportações de armas para seu vizinho em 2000.55

55
Sobre esta questão ver: Dreyfus, Pablo; Godnick, William; Iootty, Carolina e Lessing Benja-
min., Control de Armas Pequeñas en el Mercosur, London e Rio de Janeiro, International Alert
/ Viva Rio, 2003, pp52 –53; e Lisboa, Marcos, Subert Aymore, Ramon e Fernades, Rubem
César, As Exportações Brasileiras de Armas Leves, 1989-2000, Rio de Janeiro, ISER, 2000, pp.9 – 10.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 103
A Colômbia é outro caso interessante. A extensão das exportações para este
país na segunda metade dos anos 90 poderia ser explicada pela dinâmica de seu
conflito interno. De acordo com fontes entrevistadas, a INDUMIL (a empresa
APPL colombiana estatal) está importando componentes de munições da CBC
para completar pedidos para cartuchos 9mm e 5,56mm para tropas operando em
áreas de conflito.56
Em termos da economia nacional brasileira, como podemos ver no caso da
produção industrial total, as exportações de APPL são apenas uma pequena fração
do total das exportações brasileiras:

56
Entrevista com um oficial do departamento de vendas da INDUMIL, Bogotá, julho de 2003

104 Brasil: as armas e as vítimas


Gráfico 33

Talvez seja mais significativo para um grande exportador agrícola como o


Brasil comparar as exportações de APPL com outros produtos industriais. Mesmo
restringindo nossa comparação aos automóveis e peças relacionadas, vemos que as
exportações de APPL têm relativamente pouca importância, nunca ultrapassando
3% do valor das exportações de automóveis:

Gráfico 34

Por outro lado, as importações de APPL se mantiveram mínimas através de


legislação protecionista que impede a importação de produtos produzidos nacio-
nalmente:

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 105
Fonte: SECEX

Nota: “Airguns” se refere a itens sob o subtítulo 9304.00, armas de ar comprimido ou mola. O
número de 1999 provavelmente representa uma classificação errada. Estes itens não estão incluídos
no APPL Total.

Veja que a escala desta figura é totalmente diferente daquela das exportações
de APPL. O resultado é que quase todas as exportações de APPL representam um
saldo comercial positivo e com as importações raramente atingindo mais de 10%
das exportações.

Antes de 1989 e 1994, as importações de APPL eram menos de 1% das ex-


portações de APPL. A existência de um volumoso saldo comercial positivo em
APPL não deveria surpreender – na verdade, é apenas o resultado final de políticas

106 Brasil: as armas e as vítimas


decididas durante a ditadura militar planejadas para produzir exatamente esta
situação. O que é interessante notar, é que a PNEMEM original foi montada
quase que totalmente para gerar um excedente como este, principalmente, na área
de equipamento militar pesado. Armas pequenas eram vistas quase como uma
reflexão posterior. Hoje em dia, o excedente em armas de pequeno porte está bem
consolidado – os nichos de exportação do Brasil estão relativamente seguros, as
empresas têm lealdade às suas marcas no exterior, etc. – enquanto a indústria de
armas pesadas está quase extinta e o que resta dela depende de grandes pedidos
ocasionais.

4. Conclusões
No livro Arms and the State: Patterns of Military Production and Trade, Keith
Krause cria um modelo teórico para entender e explicar as formas de produção e
transferência de armas. Com uma visão histórica a nível global, sua obra enfoca o
setor de defesa como um todo, com destaque nos equipamentos e armas militares
pesados. Krause classifica a estrutura da produção de armas e transferência de
armas entre paises, da seguinte maneira:
• Fornecedores de primeira linha são os que criam inovações tecnológicas
(expandem a fronteira tecnológica)
• Fornecedores de segunda linha são os que produzem na fronteira de expan-
são tecnológica (através da transferência tecnológica) armas e as adaptam
às necessidades específicas do mercado
• Fornecedores de terceira linha copiam e reproduzem tecnologias existentes
(através da transferência de tecnologia ou de projeto), mas não dominam
os processos subjacentes de inovação ou adaptação.
• Clientes fortes obtêm (através da transferência de material) e usam armas.
• Clientes fracos obtêm armas modernas e não podem usá-las ou nem che-
gam a obtê-las.57

As transferências e a produção têm três forças motivadoras:


• A busca de riqueza
• A busca de poder
• Vencer a guerra58

57
Krause, Arms and the State (As armas e o Estado) pág. 31 a 32
58
Ibidem pág. 12 a 33

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 107
No caso de países de terceiro escalão, há diversas motivações secundárias nas
transferências e produção de armas:
• Garantir um suprimento contínuo de armas para conter ameaças à segu-
rança;
• Fornecer um símbolo ou índice de poder internacional ou regional efetivo
• Catalisar esforços de modernização econômica
• Desenvolver tecnologias e capacidades locais
• Substituir os produtos importados, obtendo saldo comercial positivo e
melhorando a balança de pagamento59

No caso do Brasil, como já vimos antes, podemos acrescentar:


• Construir a nação e o Estado
• Concretizar um “destino manifesto” como poder regional

O Brasil e a Argentina são os dois únicos países que conseguiram desenvolver


(durante o mesmo período histórico) importantes complexos militares – indus-
triais. Mas só o Brasil (em parte, graças a sua capacidade de conciliar e coordenar
o setor público e privado), conseguiu criar um grande mercado exportador com
“equipamentos (militares) relativamente simples, baratos e fáceis de manejar”,
como diz Patrice Franko-Jones.60
Tanques leves, sistemas de foguetes de artilharia para fogo de saturação e
aviões de treinamento militar conseguiram boa exportação nessa década para um
nicho de mercado internacional concentrado na região do Golfo Pérsico. Mas,
como vimos, o fim da guerra Irã – Iraque, os entraves macroeconômicos e a falta
de um forte apoio do Estado no início da transição para a democracia, acabaram
com o complexo industrial militar brasileiro orientado para a exportação. Ao mesmo
tempo, uma combinação de saltos tecnológicos, falta de retorno nas exportação de
armamento pesado e cortes do apoio do Estado frustraram uma série de projetos
dispendiosos (tais como o tanque de batalha Osório) que queriam produzir com
o que havia de mais moderno. O Brasil continuou a ser um produtor de terceiro
escalão no campo de armas convencionais pesadas.61 O mesmo pode ser dito
sobre as armas militares de pequeno porte e leves, apesar do sucesso do modelo

59
Ibidem
60
Franko-Jones, The Brazilian Defense Industry (A indústria brasileira de defesa), pág. 195 e
Maldifasi e Abeti, pág. 108 a 126 e 225 a 239
61
Ver: Franko-Jones, The Brazilian Defense Industry, pág. 189 a 247 e Krause, Arms and the State.
pág. 32 e 155.

108 Brasil: as armas e as vítimas


FAL MD97L, da IMBEL. Este, embora de certa forma similar (segundo os fabri-
cantes, tão bom quanto) ao M-16, ao AR-70, ao Galil e ao FNC, está a anos de
distância da terceira, quarta e quinta geração de fuzis, tais como o XM-8 / G-36
(Alemanha) e o Tavor (Israel), que têm tecnologia de ponta, como componentes
em polímero modular, mira de ponto vermelho ou “Rail Interface System”.62
A situação da indústria especializada em armas curtas é um pouco diferente.
Já vimos que, como não depende de alta tecnologia como outros setores de defesa,
seus fabricantes conseguiram “pegar uma carona” no chamado milagre econômi-
co surgido com a crescente indústria brasileira de armas na década de 80. A partir
de 1990, o Brasil tinha perdido sua posição privilegiada em armas convencionais
pesadas, mas estava bem situado como um ator global de porte médio no mercado
internacional de armas de pequeno porte. Considerando o mercado civil e da
polícia (sobretudo nos Estados Unidos) que oferece uma demanda mais estável e
confiável do que os ciclos esporádicos de compra típicos das armas militares pesa-
das, a indústria APPL no Brasil parece ter conseguido uma “sustentabilidade” a
médio e longo prazo, que sua “irmã maior” (a indústria de armas pesadas) não
conseguiu. Assim, no imenso mercado norte-americano, a Taurus garantiu um
nicho de mercado para pistolas e revólveres de boa qualidade a preços competitivos.
Embora a maioria das transferências da APPL brasileira sejam para uso poli-
cial e civil, é verdade também o que afirmou o Small Arms Survey:

“Embora o mercado civil forme, certamente, a maior parte do negócio de armas


leves no mundo, responsável por mais de 80% da produção anual, são as inovações
do mercado militar que geralmente definem o que há de mais avançado na tecnologia
de armas leves.”63

A aplicação de avanços tecnológicos militares na área de armas para o merca-


do civil permite-nos adaptar as considerações teóricas de Krause para a produção
e comércio militar no setor específico das armas de pequeno porte. Como já vi-
mos neste capítulo, a marca Taurus (maior fabricante e exportadora) adotou na

62
Ver: Beraldi, Alexandre. 2004. Histórico da Evolução do Fuzil de Assalto, a Atualidade e o
Contexto Brasileiro, http//: www.desanet.com.br/docs/fuzilassalto.pdf para uma comparação
detalhada do MD97L e o LC com terceira, segunda, quarta e quinta geração de fuzis e Small
Arms Survey. 2003, pág. 22, 23 e 24 para uma análise das tendências tecnológicas atuais e
futuras em fuzis.
63
Small Arms Survey 2003, p. 21

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 109
segunda metade dos anos 90 todas as importantes inovações em armas militares
de porte na produção de armas de porte para civis:
• Travas de segurança confiáveis
• Produção de modelos mais leves e compactos
• Uso de materiais à base de polímero
• Introdução de materiais leves como o titânio e compósitos

A empresa também conseguiu introduzir um novo produto de boa qualidade


a preços competitivos no mercado norte-americano. No momento, o Brasil é o
único produtor latino-americano importante de armas de pequeno porte para o
mercado civil e policial que domina a tecnologia de armas curtas de polímero,
compostos plásticos e titânio. Nesse mercado específico, com poucos entraves
tecnológicos, parece que o Brasil tem potencial para passar do terceiro para o
segundo escalão como produtor.
Embora seja tentador concluir que a indústria APPL obteve sucesso onde a
indústria de armas pesadas não teve, tal conclusão iria toldar as diferenças entre os
dois mercados. Afinal, o Brasil jamais sonhou exportar armar militares pesadas
para os Estados Unidos e, mesmo hoje, sua indústria APPL depende muito da
importação de produtos pelos Estados Unidos. Além disso, a maioria dessas im-
portações são para venda no mercado civil norte-americano, que representa uma
fonte de demanda segura, diferenciada dos clientes militares no país e fora dele,
com seus ciclos periódicos de compra. Por esse motivo, é difícil crer nos avisos de
falência iminente da Taurus em face do aumento do controle de armas de peque-
no porte no Brasil. A CBC também não está em grande risco, apesar de sua
dependência maior do mercado interno, já que a maior parte das vendas vem de
um mercado cativo e protegido de segurança pública.
Por outro lado, os princípios básicos da DSN de certa forma se exauriram no
caso da Taurus e da CBC. Ambas conseguiram obter know-how quando eram
propriedade de estrangeiros, ambas foram renacionalizadas (no caso da CBC,
através de recursos públicos) e ambas hoje desfrutam – embora com dimensões
diversas – altos lucros nas vendas no mercado exportador, que podem usar para
obter economia de escala e para financiar mais pesquisa e desenvolvimento É
claro que, enquanto isso, o princípio central do DSN fracassou espetacularmente:
o sucesso dessas empresas particulares de armas não se traduziu num desenvolvi-
mento econômico nacional, menos ainda em segurança. Realmente, se a conexão
entre a proliferação de armas de pequeno porte e a violência, tratada em outra
parte deste estudo, serve de alguma indicação, o Brasil pagou muito caro pelo
sucesso de algumas empresas.

110 Brasil: as armas e as vítimas


5. Apêndice: Fontes e obstáculos metodológicos
O papel do governo na promoção da indústria brasileira de APPL pode não
ser tão direto quanto foi durante o governo militar, pois, com a chegada de um
governo civil, a capacidade dos militares de interferirem nos assuntos econômicos
diminuiu significativamente. Mesmo assim, o Regulamento de Produtos Contro-
lados (R105) permitiu que o Ministério da Defesa controlasse todos os aspectos
do comércio ligado a APPL (entre outras coisas) e usou dessa autoridade para
promover a indústria brasileira de armas dentro e fora do país, sempre que possí-
vel. Uma das formas de fazer isso foi através do controle da informação. O exem-
plo mais óbvio é a natureza confidencial das informações sobre produção e venda
de armas que, por lei, o Exército deve coletar. Essa informação é divulgada apenas
a critério do alto comando do Exército que sempre pode citar a segurança nacio-
nal para manter a informação sob sigilo.
Há outros obstáculos importantes e questões metodológicas nas fontes de
informação disponíveis. Visando a clareza, vamos considerar as informações sobre
produção e vendas separadamente das informações sobre comércio exterior, já que
as fontes e os obstáculos encontrados são completamente diferentes.
Não somos os primeiros a encontrar tais problemas ao estudar as exportações
de armas (pesadas e leves) como um todo. Em 1992, Patrice Franko Jones escreveu:

“É difícil relatar as exportações de armamentos porque, além de mantidas em sigilo,


os contratos (militares) costumam ser assinados por períodos de vários anos. (...) As
fontes oficiais brasileiras de dados sobre exportações de defesa podem ser usadas
como uma indicação da capacidade exportadora das empresas, embora com cuida-
do. (...) Os números publicados pela CACEX, agência exportadora do Banco do
Brasil, são difíceis de interpretar devido à nomenclatura usada para identificar os
produtos. Segundo a CACEX, por exemplo, a ENGESA não exporta tanques, mas
caminhões. Os itens exportados não são designados pelo tipo civil ou militar...”64

Numa das primeiras tentativas de entender sistematicamente as exportações


brasileiras de APPL, Marcos Lisboa, Rubem César Fernandes e Ramon Stuber
Aymore também perceberam sérias discrepâncias na classificação de armas curtas
pela Secretaria de Comércio Exterior (SECEX). Tais discrepâncias são discutidas
detalhadamente abaixo.65
64
Franko, Jones, The Brazilian Defense Industry (A indústria brasileira de defesa), op. cit. pág.
141 e 142
65
Lisboa, Stubert Aymoré e Fernandes, op. cit., pág. 12

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 111
Conscientes da natureza “delicada” dos dados, seguimos os conselhos e os
métodos de nossos antecessores, analisando meticulosamente os dados disponí-
veis para tentar responder algumas das questões levantadas por estudos anteriores.
Como deve ser em tais circunstâncias, fizemos o possível com os dados disponí-
veis. Esperamos que esse apêndice metodológico seja útil para futuros pesquisa-
dores do tema.

Dados sobre Produção e Vendas


Pesquisas Econômicas
Conforme dito no tópico 3, as únicas fontes disponíveis sobre produção e
vendas de armas como um todo são pesquisas econômicas governamentais, da
economia. Só recentemente elas se tornaram consistentes e suficientemente desa-
gregadas para permitir uma análise útil das séries históricas da produção e vendas
de APPL. As pesquisas relevantes são:
• Pesquisa Industrial Anual (PIA)
• Censo Econômico – Censo Industrial
• Sistema de Contas Nacionais – PIB por setor

A PIA, uma pesquisa com as principais indústrias do Brasil, usa a Classifica-


ção Nacional de Atividade Econômica (CNAE)66 , com base no Modelo de Clas-
sificação Industrial Internacional. Esse sistema contém o item “Armas de fogo e
munições”, que corresponde às APPL. Mas, apenas uma parte da pesquisa da
PIA, a PIA – Produto, oferece esse nível de detalhe. A parte PIA – Empresa da
pesquisa informa sobre emprego e composição de custos entre outros e é agregada
ao nível mais alto a seguir, “Armas, Munições e Equipamentos Militares”, in-
cluindo itens não APPL. Em alguns casos tivemos de usar tais números. Além
disso, a PIA-Produto só começou a ser produzida em 1998, enquanto a PIA –
Empresa começou em 1996. Antes dessa data a pesquisa PIA juntava todas as
informações num nível ainda mais alto, colocando as APPL indiscriminadamente
junto com diversas outras categorias.
Para informações do período anterior a 1998, precisamos consultar o Censo
Econômico que, entretanto, tem várias limitações. Realizado em decênios desde
1920, e até 1940 juntava armas de fogo com artigos de cutelaria e ferramentas de

66
disponível em htttp://www.cnae.ibge.gov.br/cgi-bin/cnae-prd.dll/html/Search?edtTex=&TIPO=
F110&btnHie=Estrutura&Order=C

112 Brasil: as armas e as vítimas


mão. De 1950 a 1985, os dados sobre armas de fogo podem ser usados. Mas os
dados sobre munições de 1950 a 1975 estão junto com pólvora e explosivos,
enquanto de 1980 a 1985 as munições estão desagregadas mas passaram a ser
confidenciais. Dessa maneira, os dados disponíveis e usáveis são para armas de
fogo nos anos 1950, 1960, 1970, 1975, 1980 e 1985.
O problema da agregação é ainda mais grave em relação às vendas por atacado
e no varejo consideradas pela Pesquisa Anual de Comércio – PAC. Os dados desta
estão reunidos num nível no qual as APPL são misturadas a um enorme rol de
itens não – APPL, incluindo relógios de pulso e produtos óticos. Pode haver
dados desagregados, mas todos os caminhos possíveis para obtê-los foram exauri-
dos. Assim, nenhum dado de setorial sobre comércio foi consultado.
Outro problema relacionado ao sigilo é a necessidade de manter o anonimato
de cada empresa nas pesquisas do governo. Quando um determinado produto
tem apenas um produtor, como ocorre com armas curtas e munição para uso civil,
os números da produção e vendas não são divulgados. Com isso, temos totais na
categoria “armas e munições” (inclui componentes), mas nenhum desdobramen-
to por armas de fogo, componentes e munições.

Balanço das empresas


Outra importante fonte de informação sobre produção e vendas são os relató-
rios financeiros das empresas registradas na Comissão de Valores Mobiliários
(CVM). A CVM lista todas as empresas abertas, incluindo a Taurus, CBC e a
Rossi (até 2001), mas não a IMBEL, a Boito e outros pequenos fabricantes. As
informações lá contidas são de duas espécies:
• Informações Anuais (IAN) – histórico e dados da empresa, principais
produtos, fatia de mercado, principais mercados, subsidiárias, emprego,
perfil dos acionistas.
• Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFP) – vendas brutas e líqui-
das, lucros, estoques e relatório da administração.

Alguns dados da CVM estão disponíveis em: http://www.cvm.gov.br

Deflatores
Os valores foram deflacionados pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade
Interna – IGP – DI. Como as empresas brasileiras da APPL vendem no varejo e
também direto ao consumidor, concluímos que um índice misto de preços refleti-
ria melhor a realidade das vendas APPL.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 113
Comércio Exterior
À primeira vista, os dados sobre comércio exterior parecem bem melhores do
que os de produção e vendas. Há dados da Secretaria de Comércio Exterior
(SECEX) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, completa-
mente desagregados por subitens de produto e países, disponíveis de 1989 a 2003.
Os anos anteriores, ou seja, 1982 – 1988, foram obtidos através da Carteira do
Comércio Exterior, CACEX, do Banco do Brasil.
O primeiro obstáculo é resolver quais subtítulos de produtos incluir nas con-
tas da APPL. As definições de APPL adotadas pelas Nações Unidas não coincidem
com as posições e subposições do Sistema Harmonizado – SH (HTS, na sigla em
inglês). Atualmente, o Brasil usa uma versão regional do SH, a Nomenclatura
Comum do Mercosul – NCM. Até 1996, usou a Nomenclatura Brasileira de
Mercadorias – NBM mas não há grandes diferenças nos títulos que nos interes-
sam. Para dados de 1982-1988, foi usada uma versão anterior da NMB. Incluí-
mos os subtítulos que aparentemente apenas incluem APPL e excluímos as
subposições que possam incluir APPL, mas provavelmente incluem itens não APPL.

Resumo dos subposições HS


✸ = subposições incluídos em APPL considerados como “Armas de fogo”
▲ = subposições incluídos em APPL considerados como “Partes”
● = subposições incluídos em APPL considerados como “Munições”
N = subposições “misturados”, excluídos mas podem conter APPL
✖ = excluídos

93.01 Armas militares que não sejam revólveres, pistolas e armas do 93.07
✖ 9301 – Armas de artilharia (exemplo: espingardas, obuses e morteiros)
✖ 9301.11 – Auto-propulsadas
N 9301.19– Outras armas
N 9301.20– Lançadores de foguete, lança-chamas, lança-granadas, tubos de tor-
pedos e projéteis similares
✸ 9301.90 – Outros

✸ 93.02 – Revólveres e pistolas que não sejam do 93.03 e 93.04.

93.03 – Outras armas de fogo e dispositivos similares que operam pelo


disparo de uma carga explosiva (exemplo: rifles e armas de caça

114 Brasil: as armas e as vítimas


esportiva, armas de carregamento pela boca, pistolas Very e ou-
tros dispositivos destinados a disparar apenas sinais, pistolas e
revólveres de festim, armas para sacrifício de animais e pistolas
lança-cabos.)
✖ 9303.10 – Armas de carregamento pela boca.
✸ 9303.20 – Outras espingardas esportivas, de caça ou tiro ao alvo, inclusive
combinações de revolveres e rifles.
✸ 9303.30 – Outros rifles esportivos, de caça ou para tiro ao alvo.
N 9303.90– Outros

N 93.04 – Outras armas (por exemplo: pistolas de mola, de ar comprimido


ou a gás e cassetetes), exceto as do 93.07
93.05 – Partes e acessórios dos artigos nos tópicos 93.01 a 93.04
▲ 9305.10 – De revólveres ou pistolas
▲ 9305.20 – De espingardas ou rifles do tópico 93.03
▲ 9505.21 – Pentes de espingarda
▲ 93.05.29– Outros
N 9305.91– Armas militares do tópico 93.01
N 9305.99– Outros

93.06 – Bombas, granadas, torpedos, minas, mísseis e munições similares


de guerra e suas partes; cartuchos e outras munições e projéteis e
partes deles, inclusive cartuchos de balas e maços.

● 9306.10 – Cartuchos para rebitagem ou similares com componentes para sa-


crifício de animais e suas partes
● 9306.20 – Cartuchos de espingarda e partes deles, chumbinho
● 9306.21 – Cartuchos
● 9306.29 – Outros
● 9306.30 – Outros cartuchos e partes integrantes deles
N 9306.90– Outros

✖ 9307 – Espadas, cutelos, baionetas, lanças e armas similares e partes delas,


além das bainhas onde são guardadas.

Má classificação de dados – Armas curtas escondidas

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 115
O problema da inclusão é especialmente grave no Brasil, devido ao que só
pode ser descrito como uma classificação errada sistemática de exportações pelas
autoridades brasileiras. Por lei, as exportações brasileiras de APPL são encaminha-
das pelo Exército, que emite as guias de exportação e passa esses dados para a
Receita Federal.
O melhor exemplo da má classificação é o caso dos revólveres e pistolas que
não constam. O Brasil exporta mais 25 milhões de dólares em armas de porte por
ano para os Estados Unidos mas, constantemente, não registra nenhuma entrada
do código de mercadorias correspondente a armas curtas (9302):

Fonte: SECEX

Enquanto isso, os dados norte-americanos mostram claramente a importação


de armas curtas

Fonte: United States International Trade Commission (USITC), Interactive Tariff and Trade DataWeb

Atenção para o subposição 9303.30, que engloba outras armas de cano longo
tais como rifles de caça e espingardas. Embora os números sejam incompletos,
parece plausível que as autoridades brasileiras “escondem” a exportação de armas
de porte nessa subposição. Em uma carta oficial ao Viva Rio, o Ministério da
Fazenda reconheceu essa discrepância, mas não conseguiu explicá-la.

116 Brasil: as armas e as vítimas


Má classificação de dados – A espingarda de caça de 500 mil dólares
Apesar de ser um problema grave, este tipo de má classificação não afeta o
valor total relatado de APPL. Um problema bem mais sério foi encontrado nos
dados que refletem a inclusão esporádica de itens não – APPL em subposição que
tratam de itens APPL, fato que ameaça invalidar toda a série de dados. Tal fato
pode ser melhor ilustrado pelo exemplo a seguir.
Se simplesmente aplicarmos as diretrizes mencionadas acima a todos os anos,
veremos em 2002 o total de exportações de APPL subiu para 156 milhões de
dólares, um aumento de 150% sobre o ano anterior e um grande desvio num
quadro estável:

Os dados da SECEX informam também o peso bruto e, em alguns subtítu-


los, a quantidade. Isso nos permitiu buscar anomalias por linha de item, mostran-
do a seguinte linha quase cômica no item da subposição 9303.30, com outras
armas de cano longo:

Fonte: SECEX - MDIC

Deve ser muito especial um rifle de caça que custa US$ 489.999 e pesa mais de
6 toneladas. Fontes como o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI)

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 117
e até o Ministério das Relações Exteriores confirmam que o Brasil vendeu um siste-
ma de mísseis AVIBRAS para a Malásia no final de 2001. Embora partes desse
sistema apareçam nas suposições para artilharia militar (o que já é estranho, levan-
do-se em conta que todos as subposições de armas militares indicaram zero no
período de 1989 a 2001) parece que neste caso parte do sistema foi mal classificada.
Num caso tão evidente quanto esse, nós simplesmente excluímos o item. Em
outras partes não havia qualquer dado unitário disponível, como em cartuchos de
espingarda (9306.21), dos quais a Malásia importou US$ 41 milhões. Em face
das circunstâncias e do fato da Malásia jamais ter importado nada como esta
quantidade de cartuchos de espingarda nos anos anteriores, preferimos eliminar
todas as exportações feitas para a Malásia dos totais de 2002.
Um problema semelhante apareceu em outros anos. Observe os picos no final
dos anos 80 e começo dos anos 90:

Para “limpar” nossos dados de erros com itens não – APPL, comparamos as
informações do SIPRI sobre transferências de sistemas de armas convencionais
pesadas no período estudado, com os dados da CACEX/SECEX, buscando casos
similares de registros suspeitos. Registros anomalamente grandes nas duas
subposições citadas acima, o 9303.30 e o 9306.21, foram encontrados em expor-
tações para a Arábia Saudita e o Catar, entre 1987 e 1993, que correspondiam a
valores para sistemas de mísseis reportados pelo SIPRI.67 Devido à similaridade

67
Sipri, Trade in and licensed production of major conventional weapons: exports sorted by
supplier. Deals with deliveries or orders made 1980-2003, informação enviada pelo SIPRI.

118 Brasil: as armas e as vítimas


entre as datas de entrega relatadas, o preço de compra e os itens assinalados, pre-
ferimos eliminar tais valores de nossos dados. Outros casos de classificação errada
podem ter ocorrido e ficaram inalterados por falta de evidências conclusivas. Em
todos eles, os valores envolvidos não eram grandes o bastante para distorcer dos
dados. Abaixo, um resumo dos valores eliminados:

Fonte: CACEX/ SECEX e SIPRI

Retirando estes itens, a curva resultante ficou bem mais inteligível:

E este conjunto de dados, com um pequeno ajuste de proporção, que apresen-


tamos neste capítulo.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 119
Deflatores
Usamos o deflator do PNB dos Estados Unidos, índice 100 com base em
2003, para todas as estatísticas do comércio exterior.

Estimativa de produção: Taurus e CBC


Nos perfis da Taurus e CBC na seção de Produção deste capítulo, apresenta-
mos uma série histórica estimando a produção total de unidades de armas de
fogo, no caso da Taurus, e de munição, no caso da CBC. Apresentamos aqui a
metodologia usada para chegar a tais estimativas.
Como dito no capítulo, não há dados disponíveis sobre produção por empre-
sa. Os dados de produção em termos de valores para a indústria como um todo
estão disponíveis através da PIA para os anos 1998-2002, enquanto a série histó-
rica de dados sobre produção por unidade está disponível no Anexo Estatístico do
Exército, mas com lacunas e outros problemas. Mas, há extensos dados financei-
ros para duas das maiores empresas brasileiras de fabricação de APPL68 na Comis-
são de Valores Mobiliários (CVM). Nos relatórios feitos pelas empresas para a
CVM, a Taurus e a CBC fornecem os seguintes itens, entre outros:
• Valor total de vendas (líquidas)
• Valor de produtos acabados e em elaboração
• Vendas por segmento (mercado civil interno, poder público, exportações)

Para a Taurus, esses dados estão disponíveis de 1984 a 2003 e para a CBC,
apenas os dados de 1987-2003. A partir desses dados e com estimativas do preço
médio por unidade, chegamos a uma estimativa da produção por unidade nesses anos.
O primeiro passo é calcular o valor da produção anual. Para chegar do valor
de vendas ao valor de produção, consideramos o valor de vendas líquidas mais a
diferença do valor de estoque do ano corrente em relação ao ano anterior.
Valor da produção anual = Vendas líquidas + ∆ Produtos acabados e em ela-
boração (onde ∆ = Produtos acabados e em elaboração (ano corrente) – Produtos
acabados e em elaboração (ano anterior).
Tendo chegado à nossa estimativa do valor da produção anual, consideramos
a participação do produto (arma ou munição) nas vendas líquidas, desse total,

68
Rossi também tem arquivos com a CVM, mas há falta de informações fundamentais para criar
nossa estimativa de produção por unidade. De todo jeito, a Rossi sempre foi pequena em
comparação com a Taurus, mesmo antes da sua produção de armas curtas ser comprada pela
concorrente.

120 Brasil: as armas e as vítimas


dividimos pela média de preço unitário para chegar à produção anual por unida-
de. Mas não havia dados disponíveis de preço médio. Na verdade, quase não
existem informações sobre vendas por modelo ou tipo de arma de fogo. A única
informação disponível para todos os anos foi a classificação por setor citada aci-
ma. Assim, preferimos criar três estimativas de preço médio separadas para armas
de porte (no caso da Taurus).
Para chegar às estimativas, juntamos preços de produtos da Taurus nos três
mercados mencionados. Os dados sobre exportação eram os mais facilmente en-
contrados, com preço por modelo e por unidade em dólares FOB69 e foram feitas
268 observações. Os dados sobre o mercado civil foram obtidos através de amos-
tras dos preços de varejo nas lojas de armas; foram feitas 85 observações. Foi difícil
obter dados sobre compras efetuadas pelo governo mas diversos estados publicam
detalhes da aquisição pela polícia, dos quais pudemos extrair quatro observações.70
Foi feita uma média das observações para cada setor, com o seguinte resultado:

Fontes: Exportação: dados alfandegários do país importador fornecidos pela Urunet (www.urunet.com.uy)
Governo: Secretaria de Administração Direta, Paraná; Secretaria de Segurança Pública, Bahia e Secretaria
de Desenvolvimento Social, Minas Gerais. Mercado civil: Lojas Pégasus e Falcon no Paraná e Castro
Sport em São Paulo.

Para cada ano, calculamos então


((VP x %exp) ÷ P exp) + ((VP x %civ) ÷ Pciv) + ((VP x %gov) ÷ Pgov)

Onde VP = a valor estimado da produção naquele ano, %z = total de vendas


que foi para um determinado segmento e Pz = a média de preço para aquele
segmento. Observe que as estimativas de média de preço foram iguais em todos os
anos. Também é interessante observar o resultado surpreendente de nossas estima-
tivas de preço médio: armas exportadas são muito mais baratas do que no merca-
do civil, as quais por sua vez, são mais baratas do que as vendidas à polícia e a
outros setores do governo. Há algumas explicações possíveis: as armas exportadas

69
A conversão de dólares para reais considerou o câmbio de meados de outubro de 2004.
70
Ver Documentos Oficiais do PR – 135/2004 e PR 136/2004; BA – contrato 20-09788/2004
e MG pregão 16/2004.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 121
são isentas de diversos impostos cobrados tanto para o mercado civil quanto para
o governamental, chegando a mais de 70% do preço da arma. Quanto ao alto
preço das armas compradas pelo governo, pode ser que a polícia e outros setores
comprem armas mais caras e de uso restrito com preços médios mais altos. Outras
fontes deram a entender que um conluio entre a Taurus e as autoridades levou a
dumping nas vendas no exterior e a superfaturamento nas compras do governo.71
Claro, as poucas observações no caso de compras efetuadas pelo governo torna
impossível qualquer conclusão concreta.
O ideal seria que criássemos as mesmas três estimativas de preço médio para
munição, mas na prática foi impossível saber o preço unitário das munições na
exportação e nos departamentos do governo. Mas a CBC tinha algumas informa-
ções sobre produção unitária atual permitindo estimar a produção no corrente
ano. O site da CBC informa diariamente sua produção de munição por tipo.
Multiplicando essa produção por 252 (número de dias úteis no Brasil), temos
uma estimativa do total de produção anual por tipo de cartucho:

Fonte: www.cbc.com.br

Dividimos então as vendas líquidas do ano 2003 por este total de produção e,
assim, chegamos ao preço médio de custo por cartuchos (R$0,54). Então, divi-
dindo o valor da produção deflacionado pelo preço médio de custo por cartucho,
temos uma estimativa da produção da unidade em cada ano.
Evidentemente, estas estimativas de produção por unidade têm limitações
metodológicas. São estimativas compostas, baseadas em outras estimativas de va-
lor de produção e preço médio. Muitos dados fundamentais não estavam disponí-
veis e foi impossível montar a estimativa de preço médio para cada ano estudado.
Pior ainda, ao construir uma estimativa de preços médios, ignorávamos o peso

71
O advogado Fernando Humberto Fernandes processou o governo alegando exatamente isso.
Ver processos: 2000.001.134370-8/1; 2000.001.132766-1/1 (10º Vara Fazenda Pública do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro) e 2002.5100123292-3 (15ª Vara Fazenda da
Justiça Federal Seção Judiciária do Rio de Janeiro).

122 Brasil: as armas e as vítimas


relativo de diferentes produtos nas vendas como um todo e tomamos apenas o
preço médio de todas as observações.
Por esse motivo, essas estimativas de produção devem ser consideradas como
diretrizes base da capacidade de produção aproximada dessas empresas.

Bibliografia:
Fontes primárias:
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Janeiro, CACEX, v.1, vários volumes (1982-1988).
CVM. Demonstrações Financeiras Padronizadas – DFP, Rio de Janeiro, CVM, vários volu-
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IpeConsultaEmpresa.asp? pagina=demonstracoes&site=C.
Informações Anuais – IAN, Rio de Janeiro, CVM vários volumes (1983-2003)
Disponível em: http://siteempresas.bovespa.com.br/consbov/IpeConsultaEmpresa.asp?
pagina=demonstracoes&site=C
IBGE. Censo Industrial, Rio de Janeiro, IBGE, vários volumes (1940-1985).
Pesquisa Industrial: Empresa, Rio de Janeiro, IBGE, vários volumes (1996-2002). Dispo-
nível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/default.asp?z=t&o=1&i=P
Pesquisa Industrial: Produto, Rio de Janeiro, IBGE, vários volumes (1998-2002). Dispo-
nível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/industria/pia/produtos/
produto2002/default.shtm>
Sistema de Contas Nacionais, Rio de Janeiro, IBGE, (2002). Disponível em: http://
www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/contasnacionais/2003/default.shtm
Ministério da Defesa. Anuário Estatístico do Exército, Brasília, Exército Brasileiro, vários
volumes (1967-2003)
SECEX. Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior, Brasília, SECEX, vários
volumes (1989-2003). Disponível em: http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/
United States International Trade Commission (USITC) Interactive Tariff and Trade.
DataWeb, http://dataweb.usitc.gov.

Entrevistas:
Damaso, Amilcar. Armeiro e Proprietário da Gun Tec Tecnologia em Armamento, Rio
de janeiro, julho 2004.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 123
Carvalho, Roberto G.. Coronel (R1), Diretor-Presidente da Associação Brasileira das
Indústrias de Material de Defesa (ABIMDE) e Presidente da AVIBRÁS – Industrial
Aeroespacial S. A., São Paulo, maio de 2004.
Zylberberg, Alte.. Coronel (R1), Superintendente da Fábrica de Itajubá, Itajubá, maio
2004.
Importador e especialista em armas de fogo Fernando Humberto Fernandes, Dezembro
2003.
Um oficial do departamento de vendas da INDUMIL, Bogotá, julho de 2003.

Fontes Publicadas:
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Contexto Brasileiro. Disponível em: http://www,desanet,com.br/docs/fuzilassalto.pdf
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Dreyfus, Pablo and Lessing, Benjamin. (2003), “Production and Exports of Small Arms
and Light Weapons and ammunition in South America and Mexico”, Background paper
prepared for the Small Arms Survey 2004, Rio de Janeiro,2003
Franko-Jones, Patrice.1992. The Brazilian Defense Industry Boulder, Westview Press.
Jane’s Infantry Weapons 2001-2002, Gander, Terry J., ed., (London: Jane’s Information
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Purcena, Júlio Cesar. 2003. A indústria de armas pequenas e munições e a violência no
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“Submachine Guns (International)”, Forecast International, January 2002.

124 Brasil: as armas e as vítimas


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SIPRI, Trade and licensed Production of Major Conventional Weapons: Exports sorted
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Kupper, 2001, pp. 29 e 171.

PABLO DREYFUS, BENJAMIN LESSING E JULIO CESAR PURCENA


Pablo Dreyfus é Coordenador de Pesquisa do Projeto de Controle de Armas de
Fogo do Viva Rio/ISER; Benjamin Lessing é Pesquisador do Programa Internacional
para Segurança Humana do Viva Rio e Julio Cesar Purcena é Pesquisador Assistente
do Projeto de Controle de Armas de Fogo do Viva Rio/ISER.

A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio 125

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