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MORTE
DA
LEI
- Introdução ................................................................................................................. 2
– I - Deus e a Lei ......................................................................................................... 5
– II - O Nascimento da Lei ....................................................................................... 6
– III - A Função da Lei .............................................................................................. 9
– IV - Mandamentos da Lei e Mandamentos do Senhor .................................... 11
– V - Rompimento Necessário ................................................................................ 20
– VI - Rejeição ao Pecado e Processo de Restauração .................................... 23
– VII - Mas, e os Nossos Pecados? ...................................................................... 29
– VIII – A Mente Autojustificada ....................................................................... 34
– IX - O Relacionamento com os Legalistas ........................................................ 71
– X – Acerca do Mérito Humano ............................................................................ 80
– XI - A Inutilidade da Lei ..................................................................................... 88
– XII – Lei e Graça: Absolutamente Excludentes Entre Si ............................ 91
– XIII – A Verdade Que Liberta .......................................................................... 93
– XIV – Sempre Atuantes, Mesmo Diante das Dificuldades .......................... 95
– XV – O Mundo ......................................................................................................... 98
– Considerações Finais ............................................................................................. 99
INTRODUÇÃO
- Por que Paulo jamais citou a Lei como parâmetro de conduta para os
discípulos?
- Por que a Lei é fraca e inútil para o aperfeiçoamento? (Hb 7:18)
- Por que o poder de Cristo se aperfeiçoa na nossa fraqueza? (II Co
12:9)
- Por que as discussões e debates sobre a Lei são inúteis e fúteis? (Tt
3:9)
- Para Paulo, o que era “desfazer o escândalo da cruz”? (Gl 5:11)
- Por que, para Pedro, impor a Lei aos discípulos era “tentar a Deus”?
(At 15:10)
- O que significa: “A Lei não procede de fé”? (Gl 3:12)
- Se a Lei não procede de fé e “sem fé é impossível agradar a Deus”
(Hb 11:6), qual a utilidade da Lei?
- Se a justificação pela Lei anula o sacrifício de Cristo (Gl 2:21), por
que a igreja ainda exige a sujeição ao estatuto mosaico?
- O que é estar sujeito à Lei e o que é estar livre da Lei? (Rm 7:6)
- O que eu destruí e que, se eu tornar a edificar, constituir-me-ei
transgressor? (Gl 2:18)
- Qual a opinião de Paulo sobre a tentativa de conciliar Lei e Graça? (Gl
1:6-9; 5:11)
- O que é servir em novidade de espírito e não na caducidade da letra?
(Rm 7:6)
- Se Cristo veio para que tivéssemos vida em abundância (Jo 10:10), por
que sujeitar-nos ao ministério da morte e condenação? (II Co 3:7-9)
- Por que as cartas paulinas se caracterizam pelas advertências contra
o legalismo (justificar-se e servir na caducidade da letra/Lei) e
contra os legalistas (os que se autojustificam e servem na caducidade
da letra/Lei), e não pela neurose contra a transgressão da Lei?
- O que significa “ser achado em Cristo, não tendo justiça própria”? (Fp
3:9)
- A igreja deu ouvidos às advertências de Paulo ou “entronizou” os
legalistas, “judaizou-se” e adotou de vez o “outro evangelho” (mistura
de Lei e Graça), abominado pelo apóstolo dos gentios (Gl 1:6-9)?
- Por que, em vez de serem conhecidos pelo amor gratuito que deveriam
dispensar ao próximo, muitos cristãos são conhecidos pelo espírito
julgador, rotulador, isolacionista e desprezador do próximo?
- Se “a misericórdia triunfa sobre o juízo” (Tg 2:13), por que tantos
cristãos são conhecidos exatamente pela notória falta de
misericórdia e pelo duro juízo sobre o próximo?
- Por que a Lei suscita a ira (Rm 4:15)?
- Por que tantos cristãos odeiam tanto?
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I - DEUS E A LEI
II - O NASCIMENTO DA LEI
Paulo foi muito claro: separado está de Cristo todo aquele que procura
justificar-se na Lei; e, se esse alguém um dia pensou estar na Graça de
Cristo, dela decaiu (Gl 5:4). Tais palavras exigem uma séria e urgente
reflexão...
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Mas se a Lei não é Deus, e Deus não é a Lei, qual o papel dela no plano
de salvação dos pecadores? Sabemos que Deus é o juiz, mas um juiz apenas
dá a sentença do réu, que é baseada nas acusações que contra ele pesam e
na defesa que lhe presta o seu advogado. Sabemos ainda que o Senhor
Jesus é o advogado de todo aquele que nele crê e que, obviamente, o tem
como seu advogado (I Jo 2:1), e que esses nem entram em juízo (Cristo é o
nosso advogado hoje, pois os seus não entrarão em julgamento - Jo 5:24); no
próprio Cristo de Deus já fomos julgados, condenados, sentenciados à morte
e tivemos a nossa pena executada. Quem será, então, o acusador?
Sempre que o Senhor Jesus falava da sua própria obrigação de, como
Messias, guardar infalivelmente toda a Lei, ele referia-se a ela como
“vontade do meu Pai” ou como “mandamentos do meu Pai” (Jo 15:10). Mas
sempre que ele falava da sujeição dos homens à Lei, na tentativa de
justificarem-se diante de Deus pela obediência a ela, ele a separava da
pessoa de Deus (“vossa Lei” - Jo 8:17) e a ligava à figura de Moisés (Jo
7:19), e fazia isso porque Deus não tem nada a ver com justificação dos
homens pela Lei.
Foi fazendo justamente essa separação que o Senhor Jesus respondeu
de forma bastante clara à pergunta sobre quem será o acusador do homem:
“Não penseis que vos acusarei perante o Pai. Quem vos acusa é Moisés (a
Lei), em quem tendes firmado a vossa confiança” (Jo 5:45). Quem não crê
que a Lei aponta para Cristo, e busca justiça própria mediante a obediência
às suas ordenanças (da Lei), está dormindo com seu próprio algoz. A vontade
do Pai para o Filho (entre outras coisas) era que ele cumprisse cabalmente a
Lei. A vontade do Pai para os homens é que todos, morrendo para a Lei,
creiam na justificação através do Filho e, assim, tenham a vida eterna (Jo
6:40).
É função da Lei, portanto, acusar os pecados dos homens – e só! Ela não
ama, não tem misericórdia, não dá chance de arrependimento, não perdoa,
não aperfeiçoa nem salva ninguém. Há um só que faz tudo isso: DEUS; e
Deus não é a Lei, e a Lei não é Deus. Ela acusa - e só acusa - os pecados do
mundo inteiro, mas a interferência amorosa de Deus foi para assumi-los
todos (I Jo 2:2), e a sua vontade é “que todos os homens sejam salvos e
cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (I Tm 2:4). Para isso ele
“estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens
as suas transgressões” (II Co 5:19).
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A Lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom (Rm 7:12). Mas, como
meio de justificação diante de Deus, ela é, para o pecador (por não lhe
permitir um tropeço sequer – Tg 2:10), ministério de morte e condenação
(II Co 3:7-9), inútil para o seu aperfeiçoamento (Hb 7:18-19), de modo que o
mandamento que fora para vida, tornou-se (por causa do pecado) para
morte, porque a Lei é espiritual, mas o pecador é carnal, vendido à
escravidão do pecado (Rm 7:10-14).
A Lei vigorou até Cristo (obviamente para quem nele está), pois ele
aboliu na sua própria carne a Lei dos mandamentos em forma de ordenanças ,
para, de judeus e gentios, criar um novo homem (Ef 2:15). Por causa do
pecado, os santos mandamentos da Lei são caminhos de morte, e está
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debaixo de maldição todo aquele que, sendo das obras da Lei, não as cumpre
sem um tropeço sequer (Gl 3:10). Mas, em Cristo, tudo se fez novo (II Co
5:17), e quem está nele tem agora novos mandamentos. Não mais
mandamentos da Lei, em forma de ordenanças - que, por causa do pecado,
levam a condenação e morte eterna - mas mandamentos do Senhor (I Co
14:37), que são parâmetros de Deus para a vida de todo renascido na Graça
e no Espírito de Cristo, pois a questão da nossa condenação já foi resolvida
quando ele mesmo assumiu os nossos pecados e sofreu a sentença que seria
nossa.
Nos ensinos de Jesus e dos apóstolos estão os mandamentos para todo
renascido em Cristo, os quais têm os mesmos princípios espirituais dos
mandamentos da Lei (que é santa), mas não são penosos (I Jo 5:3), pois, não
tendo punições estabelecidas para infrações (como na Lei), são
absolutamente despidos de qualquer possibilidade ou intenção de julgamento
para condenação; são para vida e nos ensinam a viver e a andar no Espírito
(Gl 5:25), como um discípulo de Cristo deve andar, discernindo a vontade
divina e corajosamente tomando decisões em cada situação na vida real, e
não no mundo fantasioso e hipócrita da religiosidade legalista. Por isso os
mandamentos do Senhor serão de muito maior glória, pois são ministério do
Espírito e da Justiça (II Co 3:7-9), e têm no amor a sua causa e efeito,
porque amar a Deus de todo o coração e ao próximo como a si mesmo excede
a todos os holocaustos e sacrifícios (Mc 12:33), e quem ama não pratica o
mal contra o próximo, de sorte que o cumprimento da lei é o amor (Rm
13:10).
Cristo anunciou um novo mandamento - base de muitos outros ensinados
por ele mesmo e, posteriormente, pelos apóstolos - que é também o
referencial identificador de seus discípulos (“Novo mandamento vos dou:
que vos ameis uns aos outros. Assim como eu vos amei, que também vos
ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos os que sois meus discípulos,
se tiverdes amor uns aos outros” - Jo 13:34-35). Convém lembrar que tais
palavras de Jesus não são um conselho ou uma advertência, mas um
mandamento para os seus discípulos. Quem anda nele “é aperfeiçoado no
amor e deve andar como ele andou” (I Jo 2:5-6). Diferente da expectativa
religiosa mais comum, a maior característica do discípulo de Cristo –
determinada por ele mesmo – não é o “pecado zero”, mas, sim, o amor ao
próximo.
Sempre que leio aqueles que o Senhor Jesus chamou de principais
mandamentos, eu me pergunto: “O que é e para que serve uma fé,
supostamente em Cristo, mas que não gera humildade nem leva o indivíduo a
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permanência [dos judeus] e a sujeição [dos gentios] ao jugo da Lei, para que
possamos ser guiados pelo Espírito – Gl 5:8).
Paulo contemporizou em algumas situações com relação aos judeus (que,
como cidadãos, mesmo convertidos, tinham que observar os aspectos civis
da Lei Mosaica - At 23:1-5), como foi o caso da circuncisão do judeu
Timóteo pelo próprio Paulo (At 16:1-3), que jamais circuncidaria o gentio
Tito (Gl 2:3), pois quanto aos gentios convertidos, Paulo sempre exigiu a
separação total da Lei, proibiu a nossa sujeição a ela (Gl 5:2-4), e o seu
ministério caracterizou-se pela luta contra a influência mosaica e todas as
suas formas de legalismo na igreja gentílica (no início houve uma nítida
separação entre igreja judaica e gentílica – At 15:1-28; Gl 2:7) e a sua
conseqüência direta, o farisaísmo; de modo que, quem está justificado em
Cristo não pode sujeitar-se à Lei nem sentir-se nem declarar-se justificado
pela obediência a ela (Gl 5:4).
A vontade de Deus para judeus e gentios convertidos é que todos
abandonem o jugo da Lei (justiça própria). Mas para judeus convertidos,
mesmo não sendo mais julgados pela Lei (Tg 2:12), o referencial de conduta
continuou sendo o estatuto Mosaico, que era a sua lei civil. Em epístolas
dirigidas aos judeus, tal fato fica bastante claro (At 23:1-5; Tg 2:8-11, 4:11;
Epístola aos Hebreus).
Mas, em suas epístolas, o apóstolo dos gentios (e nós somos gentios
convertidos) deu instruções claras e detalhadas sobre o padrão de
comportamento a ser buscado pelos renascidos na Graça de Cristo, bem
como listou valores espirituais que deveriam guiar todos os discípulos,
tratou de condutas seriamente reprováveis para uma nova criatura em
Cristo, e fez tudo isso sem recorrer à Lei Mosaica. Antes, apontou-a como a
força do pecado (I Co 15:56), instrumento de domínio do pecado (Rm 6:14) e
mandou-nos manter distância de quem busca e quer impor aos outros a
justificação pela obediência à Lei (Tt 1:10-11). Era na doutrina dos apóstolos
que a igreja perseverava (At 2:42), e não na observância da Lei.
A absoluta rejeição de Paulo à Lei Mosaica como referencial de conduta
para os gentios era escândalo para os fariseus e não foi facilmente
compreendida nem pelos demais apóstolos (II Pe 3:14-16).
Voltando à questão do voto, nada impede que um renascido no Espírito
tome uma decisão radical e comprometa-se diante do Senhor (com a devida
seriedade) para redirecionar os rumos de uma determinada situação ou para
corrigir uma postura constante e inadequada para uma nova criatura em
Cristo (Rm 7:19). Entretanto, sua decisão deve ser um “sim” (ou um “não”, se
for o caso) diante de Deus, sem recorrer a barganhas (se me deres isso,
faço aquilo) nem fazer acordos (punições ou “prêmios”) nem tampouco
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(que buscam legitimação na rígida “lei dos crentes”), mas inadequada para
corações que verdadeiramente se reconhecem pecadores.
Quando Jesus disse que estaria onde houvesse dois ou três reunidos
em seu nome (Mt 18:20), ele, evidentemente, não estava afirmando que não
estaria com um discípulo quando este estivesse sozinho. Ele falava de
comunhão (papel fundamental da igreja), e mostrou que, para que ela
aconteça, basta que haja duas pessoas reunidas em seu nome. Para Cristo,
esse pequeno ajuntamento já é a sua Igreja. Desse modo, ele deixou claro
que estaria e agiria fora das paredes da instituição igreja e também
alertou-nos para o fato de que o centro de sua atenção são as pessoas
(comunhão e edificação), e não o lugar (Templo – exclusivo para culto e
adoração).
O medo da Lei e o medo de discernir as situações espiritualmente são
os dois lados da mesma moeda. Por isso temos que separar o que é da Lei e o
que é da Graça, como obreiros aprovados, que manejam bem (“dividem bem”,
no original) a palavra da verdade (II Tm 2:15), para que não tenhamos zelo
sem entendimento (Rm 10:2), pois, se julgarmos tudo pela religiosidade e
não desenvolvermos a habilidade de identificar até o perfume da Graça de
Cristo, jamais perceberemos sequer a diferença entre uma rosa verdadeira
e uma outra, muito parecida (às vezes, até mais bela), mas de plástico.
Nossas vidas devem ser uma resposta ao amor de Deus por nós, pois,
em Cristo, tudo provém do amor e no amor é feito. As mais duras
exortações e até o afastamento da comunhão são ainda por amor, com amor
e visando à restauração (II Ts 3:14-15). Se não é por amor nem com amor,
não vem do Espírito de Deus, pois Deus é amor (I Jo 4:8) e, por isso, todos
os nossos atos devem ser feitos com amor (I Co 16:14).
Tudo o que Deus quer realizar no coração, na alma e na consciência do
pecador, todo o processo de transformação em uma nova criatura, nascida
do Espírito, tem o seu início, meio e fim no amor a Deus e se revela no amor
ao próximo. Uma suposta fé em Deus, que não se manifesta em atitudes
reais, motivadas pelo amor ao próximo, é uma fé morta (Tg 2:17-18).
Os princípios do Evangelho são alicerçados em dois mandamentos, dos
quais dependem toda a Lei e os profetas: “Amarás o Senhor teu Deus de
todo o teu coração... e o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22:36-40).
Entretanto, só pode amar a Deus quem se sente amado por ele primeiro (I
Jo 4:19), mas o cristianismo-religião sempre dificultou a percepção do amor
divino e quis vender caro o que Deus dá gratuitamente. O Evangelho diz:
“Descansa no amor de Deus por ti”; o cristianismo-religião te ensina a
negociar com Deus. O Cordeiro crucificado clama: “Eu e o Pai te amamos!”; o
cristianismo-religião sussurra: “Desconfie deles...”.
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gostaríamos de ser tratados (Lc 6:31) e que nos ajudemos mutuamente (Gl
6:2), amando-nos uns aos outros como ele nos amou (Jo 15:12).
Os mandamentos da Lei, Cristo já os guardou por nós. Ele agora quer
que guardemos os seus mandamentos (Jo 15:10), que são referenciais de
amor, de modo que um renascido no Espírito pode e deve ser repreendido e
exortado (com toda longanimidade - II Tm 4:2), não por desobediência à Lei
(para a qual ele está morto), mas por falta de amor.
A igreja precisa entender que não existe nos mandamentos do Senhor
a linearidade e a generalização (coletivização) característica da Lei, pois
eles não são um estatuto de condenação. O Espírito conhece as fraquezas e
os limites de cada um de nós e nos trata individualmente. Diferente do que
acontecia quando estávamos debaixo de lei, agora que estamos em Cristo,
podemos e devemos ser nós mesmos, para que assim possamos ser
aperfeiçoados, pois o processo precisa começar do zero. Então, em vez de
tentarmos policiar, monitorar, julgar e sentenciar a vida dos irmãos - como
se a igreja de Cristo fosse uma fábrica de biscoitos absolutamente iguais -
devemos ouvir o que o Espírito tem a nos dizer sobre a nossa própria vida.
As diferenças na igreja com relação à liberdade cristã são claramente
mencionadas pelos apóstolos e, desde que não procedam de puro legalismo, o
mandamento do Senhor é que sejam aceitas e que se busque conviver com
elas em paz (Rm 14:1-3) e sem forçar a barra (I Co 3:2). Tentar ressuscitar
a Lei como parâmetro da nossa liberdade a fim de se conseguir uma falsa
homogeneidade na igreja é uma atitude absolutamente inadmissível na
caminhada com Cristo (Rm 14:4).
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V - ROMPIMENTO NECESSÁRIO
que só pode ser discernida e vivida sem a justiça própria que provém da Lei,
exclusivamente pela ação do Espírito Santo de Deus em nossas vidas, que
nos revela e também nos ensina como andar no Espírito. E Paulo deixou bem
claro que isso ocorre à medida que formos rompendo os laços com a Lei, e de
uma forma tão definitiva quanto a morte.
Assim como nós morremos em Cristo, a Lei também se foi no Calvário.
Para os que estamos em Cristo, a Lei está definitivamente morta e
enterrada, mas nós nascemos de novo, agora no Espírito (Jo 3:3-8). A idéia
é, portanto, que tudo tem que ser zerado, esquecido e reiniciado em um novo
formato (II Co 5:17). Nada do que era velho pode adentrar o que é novo,
pois ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha (Mt 9:16).
A morte da Lei significa a extinção da forma de relacionamento com
Deus que ela representa (mediante a autojustificação do homem). Que,
aliás, nunca foi uma forma de relacionamento, mas, sim, de não-
relacionamento com Deus. Quem está debaixo da Lei - ou seja, buscando
justiça própria diante de Deus por boas obras, através do esquema de
obediência a mandamentos e ordenanças – não mantém relacionamento com
Deus. Ela, a Lei, simplesmente diz: “Cumpra-me e viva ou desobedeça-me e
morra!”. Entenda-se com a Lei quem sob a Lei está (Rm 3:19). Deus está fora
desse relacionamento. O desafiante está por sua própria conta e risco, pois
quem está debaixo da Lei está debaixo de maldição (Gl 3:10). Não se pode
ser justificado por Cristo e pela Lei ao mesmo tempo (Gl 5:4).
A Lei morreu para nós, e nós para ela. E isso significa que precisamos
desistir de qualquer forma de barganha com Deus e rejeitar todo e qualquer
espírito de altivez que tente incutir em nosso coração a idéia de
justificação por mérito próprio, bem como tudo que possa contribuir para
esse fim: a postura julgadora e sentenciadora do próximo (sempre
disfarçada de “boas intenções”), bem como os rituais pessoais e os
procedimentos litúrgicos que tenham sua origem na Lei, pois não se põe
vinho novo em odres velhos, eles não o suportam (Mt 9:17). Devemos ainda
abandonar as atitudes arrogantes, típicas de quem se sente mais “santo” do
que os demais e justificado pela obediência a ordenanças. Tudo que estiver
adequado ao regime (esquema) da Lei em nossas vidas deve ser abolido.
Precisamos exercitar nossas mentes a nem mais pensar conforme a
estrutura e a natureza da justificação pela Lei, pois ela é referencial de
condenação, e nós não somos comprometidos com a condenação de ninguém.
Somos, sim, comprometidos com o perdão e salvação de toda a humanidade
e, para isso, temos um novo referencial – o amor de Deus.
A sentença da justiça da Lei é condenação e morte eterna. O “povo do
perdão” não pode se amoldar a tal instrumento, pois para ele já morremos
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não existe medo. Antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo
produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor (I Jo
4:18), pois foi por amor que Deus abandonou toda a sua glória (Fp 2:7) e,
como homem, ofereceu a sua própria vida (absolutamente santa) para sofrer
a condenação da Lei que pesava sobre nós, livrando-nos da morte eterna e,
ao ressuscitar, fazer-nos co-participantes de sua natureza divina (II Pe
1:3-4). É com muita gratidão a Deus por tão grande amor e com total
confiança (fé), que devemos buscar e submeter-nos à transformação que
gradativamente nos levará não somente a viver no Espírito, mas também a
andar nele.
Mas esse processo de restauração do pecador - viabilizado na cruz do
Calvário – não é muito bem compreendido nem aceito por muitos que se
dizem convertidos, mas que, ainda embriagados com o vinho velho – a Lei
(ninguém, tendo bebido o vinho velho, prefere o novo, porque diz: o velho é
excelente! - Lc 5:39) - vêem aqui o que é para eles uma inaceitável
relativização do pecado. Para os tais, a Graça é um tanto confusa, frouxa e
carente da exatidão e do absolutismo da Lei. Ora, ora... Nada há de mais
legalista do que tal postura, pois é a Lei que olha para o homem e apenas diz
se ele está sadio ou doente. Nela, todo e qualquer pecado é para condenação
eterna. Não há nenhum envolvimento nem possibilidade de restauração nem
aperfeiçoamento, mas apenas análise, diagnóstico, condenação e morte
eterna (Rm 6:23).
Os pecados de quem está debaixo da Graça de Cristo (renascidos no
Espírito – Jo 3:1-8) não são mais motivos para condenação (Rm 8:1), pois não
são mais transgressões da Lei. Eles são agora uma questão de desobediência
ao padrão (amor) no qual Deus quer que andemos. E esse processo de
adaptação a esse novo padrão - o ser nova criatura - não pode acontecer sob
o absolutismo condenatório da Lei, por isso ela está morta para os que estão
em Cristo Jesus.
Chamar de incentivo ao pecado o processo divino de restauração do
pecador requer realmente muita coragem, pois quem apregoa o rigor da Lei
(infalibilidade) para os outros puxa para si esse mesmo rigor (Mt 7:2),
trazendo sobre a própria alma angústias, culpas e sofrimentos que seriam
absolutamente desnecessários.
Além disso, o medo da condenação apenas leva o pecador a esconder e
não tratar do seu pecado, e a não ser transparente e verdadeiro diante dos
homens, pois o ser humano simplesmente não suporta nem aceita a verdade
acerca de si mesmo (imagine com medo da condenação!). Aquele que disse:
“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14:6) também disse: “Vim causar
divisão entre o homem e seu pai, entre a filha e sua mãe, e entre a nora e
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sua sogra” (Mt 10:34-36). Portanto, a verdade pode causar divisão, sim;
mesmo entre as pessoas mais próximas (entre as não tão próximas, então...).
Muitas vezes, a divisão é o primeiro efeito da verdade, a sua primeira
conseqüência. Mas, ainda assim, a verdade é amor, pois aquele que se
quebranta e a aceita encontrará o descanso e a paz que ela proporciona aos
que nela vivem.
Contudo, não é verdadeiro diante de Deus quem não é primeiramente
diante dos homens. Deus quer tratar dos seus pecados reais, com você
mesmo, com você de verdade, e não com um cristão virtual (um impostor)
que você tenha criado para exibir justiça própria no convívio da igreja. Deus
quer muito de você, mas ele não quer que você se apresente como alguém
que você, na verdade, não é. A cura da sua alma começa aqui...
Deus prefere verdades horríveis a lindas mentiras, pois o campo de
ação dele em nossas vidas é sempre a verdade. Sinceridade, ainda que
chocante, é algo que deve ser sempre encorajado e bem recebido, já que
Deus sempre esteve interessado justamente em quem se reconhece doente
(Mt 9:12), e não em quem finge ter saúde. Ele sempre quis sarar as feridas
de quem se reconhece enfermo.
As transgressões do homem impediam a comunhão com o seu santo e
perfeito Criador (até entre Deus e o seu próprio Filho - igualmente santo e
perfeito - houve separação no momento em que este recebeu sobre si todas
as transgressões da humanidade - Mc 15:34). Por isso, movido por seu
infinito amor, ele mesmo assumiu as transgressões humanas (II Co 5:19), a
conseqüente condenação e ainda sofreu a execução da pena que seria nossa.
A Lei e a justiça meritória – que mantêm o homem sob condenação - são um
caso encerrado para todos aqueles que recorrem à Justiça do Calvário e
nela depositam a sua confiança, nos quais o Pai e o Filho fazem morada (Jo
14:23). Em Cristo, o amor de Deus reconquistou o que, por causa das
transgressões, estava dividido e separado por um abismo intransponível para
o homem. Tal fato aconteceu historicamente há dois milênios, mas, por
desígnio divino, a Graça nos foi dada, em Cristo, antes dos tempos eternos
(II Tm 1:9), antes que o homem fosse criado e ainda muito antes que
houvesse lei.
Deus já criou o homem com o acesso aberto para restaurá-lo. Não cabe,
portanto, atribuir a ele uma inflexibilidade que é tão-somente da Lei (e a Lei
não é Deus), e ainda debochar do processo divino de resgate do pecador,
acusando o próprio Deus de, mediante a Graça, incentivar o pecado (é a Lei
que desperta toda sorte de concupiscência – Rm 7:8). Tal postura passa ao
mundo uma imagem divina que, de forma alguma, corresponde à realidade,
pois apresenta características que são da Lei, e não de Deus. E o mais
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A fé, obviamente, não anula a Lei (Rm 3:31). Ela continua viva e à
disposição de quem quiser estar submisso a ela e nela buscar justificação
(Gl 4:21). Mas, seguramente, a fé liberta da Lei e de seu jugo todos os que
recorrem à justificação no escândalo da cruz (Rm 6:14; 7:6 Gl 5:1). Estes
morreram para a Lei do pecado e da morte (Rm 8:2) e o ministério da morte
e da condenação não tem exerce mais nenhum domínio sobre eles.
Não se pode ter como referencial de vida o próprio ministério da
morte (II Co 3:7). Em Cristo tudo é vida; ele é o nosso referencial (Cl 3:11)
e o seu mandamento é este: “que vos ameis uns aos outros, como eu vos
amei” (Jo 15:12), pois “o amor não pratica o mal contra o próximo” (Rm
13:10).
Então, quanto aos nossos pecados, devemos reconhecê-los e rejeitá-los
sempre (porque não procedemos do diabo), mas jamais preocupar-nos com
eles sob a perspectiva da condenação eterna. Na verdade, estaremos
ofendendo ao Senhor com tal preocupação, pois estaríamos desprezando e
anulando o seu sacrifício no Calvário (Gl 2:21), onde ele afastou
definitivamente a possibilidade de condenação de todo aquele que nele crê
(Rm 8:1). Pecamos, portanto, se consideramos a possibilidade de sofrermos
a condenação eterna por causa dos nossos pecados.
Confiar na misericórdia divina, no seu amor incondicional, na sua
irreversível aceitação de todo aquele que nele crê e confia, é o que faz um
homem segundo o coração de Deus.
Ficarmos tranqüilos quanto à impossibilidade da nossa condenação - em
qualquer situação, mesmo quando andamos fora dos caminhos de Deus e
sujeitos, portanto, à sua disciplina (lembremos de Davi, o “homem segundo o
coração de Deus” – I Cr 21:13; At 13:22) - é perfume agradável ao nosso
Deus, pois isso é precisamente a essência do que a Bíblia chama de fé em
Jesus Cristo, e só podemos prová-la nos piores momentos de angústia,
dúvidas e incertezas, quando, sem ela, daríamos lugar ao desespero. Todos
os demais aspectos da fé provêm dessa confiança inabalável na suficiência
da obra de Cristo para a nossa salvação e, sem fé, não se pode agradá-lo (Hb
11:6).
Tudo acabou no Calvário, mas só nós ressuscitamos com Cristo, e agora
como novas criaturas, para as quais tudo se fez novo (II Co 5:17). Estamos
livres do estatuto das transgressões e da morte (Rm 8:2) e vivemos agora
uma nova vida, sem possibilidade de condenação, mas em constante processo
de aperfeiçoamento no Espírito, que pode, este sim, nos dar (e efetivamente
nos dá) a vitória contra o pecado.
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tempo (às vezes, muito tempo) para recondicionar a sua mente legalista às
novas condições da Graça de Cristo, vindo a pacificar o seu espírito e a ter
prazer nessa nova realidade, dedicando-se inteiramente a ela.
Paulo deu-nos uma ótima dica de como entendermos melhor essa
questão: consideremos a nós mesmos o maior dos pecadores (I Tm 1:15) e,
assim, aceitaremos mais facilmente a misericórdia de Deus sobre todos os
outros.
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tempo em que - a fim chamar a atenção para si (a sua justiça tem que estar
sempre em evidência) - minimiza as virtudes e maximiza os defeitos do
próximo.
Em sua mente adoecida pela autojustificação, tudo conta pontos para a
salvação, gerando créditos ou débitos: a aparência física, a roupa que
vestimos, o que comemos, o que bebemos, o que falamos, com quem falamos,
onde andamos, a que denominação pertencemos, o que lemos, o que vemos, o
que ouvimos, como nos divertimos (quando a diversão é permitida)... Para o
legalista, cada um desses itens deve ser praticado de modo a gerar
“direitos” diante de Deus.
Quem crê na justiça plenamente consumada no Calvário anda por fé (II
Co 5:7), mas o legalista anda estritamente pelo que vê.
Ora, o que fica evidente nesse comportamento é a falta de fé na obra
de Cristo no Calvário, por isso ele foi tão duro nas críticas aos fariseus.
Para Deus, não há insulto nem ofensa mais grave do que tentar exibir justiça
própria diante dele (Is 64:6; 65:5). Se o que fazemos ou não fazemos
interfere na nossa salvação, a Graça já não é Graça (Rm 11:6) e Cristo
morreu em vão (Gl 2:21).
A busca por justiça própria – duramente condenada por Jesus e pelos
apóstolos – tem duas características básicas. Ela é sempre “legitimada” pela
Lei/religião e gera desprezo pelo próximo. Por isso, aquele que confia na
justiça do Calvário, e não na sua própria justiça (na sua própria carne – Fp
3:3), “mediante a própria Lei, morreu para a Lei, a fim de viver para Deus, e
está crucificado com Cristo” (Gl 2:19).
Falar em perdão de pecados agrada a platéia; fazer sermões pouco
detalhados sobre a salvação pela Graça mediante a fé (e não pela obediência
à Lei) dá ares de doutor do Evangelho; mas falar em anulação da nossa
justiça própria causa uma dor aguda, algo semelhante ao corte da mais
afiada espada de dois gumes que, em seu caminho para o coração do homem,
vai dividindo alma e espírito, juntas e medulas (Hb 4:12). Ora, o reflexo do
homem natural (ainda vivo dentro de nós) é defender-se de tamanha
violência.
A anulação da justiça própria é a maior e mais necessária confrontação
entre o Evangelho e o homem carnal, de modo que, sem essa confrontação, a
tendência natural é que o perdão dos pecados, apresentado isoladamente,
seja bem aceito e as igrejas-templo lotem.
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Para os pequeninos de alma isto soa como uma melodia doce e suave,
mas para pretensos sábios e entendidos é um enigma indecifrável (Lc 10:21).
E é só por causa desta verdade que os loucos podem confundir os sábios; os
fracos podem envergonhar os fortes; e os humildes, os desprezados e os
que nada são no mundo podem reduzir a nada os que julgam ser alguma coisa
em si mesmos, a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus (I Co
1:26-29), pois o poder de Cristo se aperfeiçoa na fraqueza (II Co 12:9).
Ora, falar em amar ao próximo, perdoar ofensas, praticar boas obras,
fazer o bem sem olhar a quem... isto todas as religiões falam; por isso se diz
que toda religião é boa. Mas a queda e a anulação da justiça própria do
homem são exclusivas do Evangelho de Cristo. É isso que o diferencia das
religiões; inclusive, em muitos casos, da própria religião cristã. Sem a
anulação da justiça própria do homem, a Graça já não é Graça (Rm 11:6).
Para quem está sob a Lei, um único erro lhe terá sido fatal (Tg 2:10).
Para quem está na Graça de Cristo, nem um único “acerto” lhe é necessário
para a justificação, mas apenas a fé naquele que justifica o ímpio (Rm 4:4-
5).
O cristianismo judaizado (que mistura Graça e Lei) anuncia o perdão
dos pecados em Cristo, mas não ensina a rejeição da justiça própria, pois é
nela, na justiça própria do religioso, que estão muito bem instalados os seus
instrumentos de controle sobre os fiéis (Gl 6:12-13). Contudo, onde não há
anulação da nossa justiça não há igualdade dos homens diante de Deus (Rm
11:32), não há amor ao próximo e, conseqüentemente, não há Evangelho de
Jesus Cristo.
Para os que nele crêem, Cristo aboliu aquela que é o parâmetro de
justiça própria que divide os homens (a Lei - Ef 2:14-15), de modo que, além
de perdoar os nossos pecados, ele anulou a nossa justiça, deixando patente
que somos todos iguais perante Deus e que não temos absolutamente nada
para barganhar com ele.
Portanto, quem é de Deus e quer andar segundo a vontade do Senhor
deve tratar o próximo como gostaria de ser tratado (porque esta é a Lei e
os profetas - Mt 7:12); e isto não é uma sugestão divina, mas um
mandamento de Cristo para a sua igreja. O diferencial (contra-intuitivo para
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à de Moisés (“Eu, porém, vos digo...”) – Cristo ordenou que se abrisse mão do
direito adquirido de retribuir a ofensa e deixou claro que quem quiser ter
parte no seu reino terá que substituir a justiça da Lei (e os justos direitos
que ela proporciona) pela loucura da misericórdia escandalosa, chocante,
gratuita, insensata e até injusta, segundo a lógica legalista e meritória. O
referencial dessa justiça é a cruz do Calvário, e não a justiça própria do
homem.
Esta é a proposta do Evangelho de Cristo, e a Bíblia mostra de forma
clara a reação do coração humano a ela. Aqueles que se reconheceram
pecadores sentiram o amor de Deus na Palavra da Vida e correram para os
braços de Cristo. Os que se julgavam justos entenderam a proposta de
Cristo como desvantajosa e ofensiva para a sua justiça e, recusando a
oferta, irritaram-se com ele e pregaram os seus braços na cruz.
Ora, como poderia a Graça ser atraente para legalistas (os quais
buscam direitos diante de Deus)? Como poderia uma idéia, tão absurda para
a mente humana autojustificada, ser bem recebida e propagada por
instituições religiosas cujos líderes empenham-se exclusivamente em
incentivar a busca pelo direito ao céu?
A primeira providência dos tais líderes é determinar (ou dar a
entender) que só a vida de Jesus não é um modelo completo para o cristão.
A vida de Cristo, sua misericórdia desenfreada e descabida para com os
pecadores confessos e sua clara rejeição aos religiosos legalistas são,
segundo tais líderes, apenas parte de um perfil mais completo. Ainda
segundo eles, é necessário que se olhe também para a “verdade” que há no
Velho Testamento (a Lei). Ora, segundo essa tal verdade (Pv 17:15), os
acusadores de Jesus estavam certos, e ele, errado (Rm 4:4-5).
Por não admitir o escândalo do Evangelho, o cristianismo judaizado não
aceita a plenitude de Deus em Cristo nem o fato de que não existe Jesus - a
encarnação da Graça de Deus - e uma outra verdade complementar (a Lei)
para dar o equilíbrio necessário. Por isso é que ouvimos distorções como
“Deus é amor, mas também é justiça”, que, traduzido, significa: “Deus é
Graça, mas também é Lei” (Ora, Deus é amor, e a sua justiça é a do
Calvário).
61
nossas boas obras para justificação (Fp 3:7-9) e exercendo o pleno amor ao
próximo, também independentemente de suas obras.
Se cremos no Evangelho de Cristo, sabemos que estamos debaixo da
misericórdia divina a todo instante e por ela vivemos cada segundo de
nossas vidas. E a evidência coerente (requerida por Jesus – Mt 25:31-46),
de que reconhecemos a nossa necessidade da misericórdia divina e de que
confiamos que já a recebemos e nela depositamos a nossa fé, é o fato de a
oferecermos ao próximo, na mesma forma gratuita e imerecida que a
recebemos.
A Graça iguala todos os pecadores diante de Deus e requer que nos
amemos uns aos outros como a nós mesmos. Para mentes autojustificadas,
tal fato é o que torna a Graça de Cristo uma loucura escandalosa e
inaceitável.
Dizer que a Graça incentiva o pecado é desculpa esfarrapada de quem
tem como deus o próprio ventre (Fp 3:18-19). A porção amarga da doce
Graça de Cristo (de difícil digestão para o homem carnal) é a revelação de
que Deus tem misericórdia daquelas pessoas que normalmente são julgadas
por nós como não merecedoras de misericórdia. Na lógica da natureza
carnal, que não discerne as coisas espirituais (I Co 2:14), o velho homem
entende que ter misericórdia do pecador é incentivar o seu pecado. E o que
realmente incomoda é: “Assim como eu vos amei, que também vos ameis uns
aos outros” (Jo 13:34), e ainda, ”Tende em vós o mesmo sentimento que
houve em Cristo Jesus” (Fp 2:5).
Ora, Deus quer que sejamos santos e irrepreensíveis diante dele em
amor (Ef 1:4 - ARC), e a correção divina é um ensino muito claro na sua
Palavra (Pv 3:12; Hb 12:5-6), mas vesti-la com os trajes da Lei Mosaica,
dando-lhe as feições da justiça legalista e meritória, é uma tentativa
hedionda de corrupção espiritual contra almas que foram justificadas e
redimidas pela fé na justiça do Calvário.
Mesclar Graça e Lei provoca neurose espiritual, desequilíbrios na alma
e insegurança quanto à salvação, induzindo à necessidade de negociação com
Deus. E, na prática, significa usar o amor de Deus como uma propaganda
enganosa, uma isca para atrair o ouvinte, a fim de prendê-lo ao velho jugo (a
justiça meritória) e daí em diante, exigir-lhe a perfeição (exterior) mosaica.
Assim pensava o apóstolo Paulo, que jamais adotou a justiça mosaica
como parâmetro para a igreja, pois sabia que ela leva à falsa circuncisão (Fp
3:2-3) e, considerando como perda os seus direitos adquiridos pela justiça
própria que a Lei proporciona, rejeitou-a como procedente de lei (para que o
velho Saulo fosse definitivamente morto e enterrado), em favor da justiça
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Povo que diz: “Fica onde estás, não te chegues a mim, porque
sou mais santo do que tu”. És no meu nariz como fumo de fogo,
que arde o dia todo (Is 65:5)
para salvá-los), de modo que, até um grande fariseu pode vir a se livrar
totalmente das algemas da Lei, mas talvez o irmão de consciência fraca
nunca cresça espiritualmente, no tocante à plena liberdade do Espírito.
Mas mesmo esses “irmãos de consciência fraca” raramente se sentem
incomodados com a liberdade do Espírito. Eles não têm ataques de falsa
moralidade nem julgam os outros. São os fariseus que sempre se
escandalizam com a liberdade do Evangelho (Mt 15:12). Escandalizavam-se
com a liberdade do próprio Cristo (a ponto de tramarem a sua morte), que,
para eles, “ofendia” a instituição religiosa na qual eles transformaram o
Templo de Deus, e ainda hoje se escandalizam com a liberdade dos
renascidos em Cristo, também porque a liberdade dos tais “pega mal” para a
instituição religiosa na qual eles também transformaram a Igreja de Cristo.
Para o bem da igreja, por amor a ela, e em favor de sua credibilidade
como agente na transformação do pecador em uma nova criatura,
precisamos urgentemente entender que o comportamento dos fariseus é que
era escândalo para Cristo, e que é necessário tratar o farisaísmo na igreja
(e a sua causa: a justiça própria do legalismo) com a mesma dureza e
determinação com que Cristo o tratou. Mas, como sempre usamos a sujeição
e a obediência à Lei Mosaica como referencial de espiritualidade, discernir
entre o fariseu e o irmão de consciência fraca nunca foi uma de nossas
melhores habilidades, e sempre fomos tolerantes com várias formas de
legalismo em nosso meio. Entretanto, não aprendemos tal atitude com
Cristo, que nunca teve muita paciência nem tolerância com legalistas, aos
quais ele nunca sequer falou claramente sobre a Graça, mas sempre usou o
próprio rigor da Lei para desmascarar-lhes a hipocrisia, fechar-lhes a boca
e desanimá-los.
Apesar da dureza das respostas de Jesus aos legalistas e da postura
mais do que inflexível de Paulo sobre a possibilidade da nossa convivência
com a Lei, (claramente revelada em duríssimas confrontações relatadas com
fartura em suas epístolas), curiosamente, não costuma acontecer nada
parecido nas igrejas. A não ser por coisinhas simples e óbvias (que a igreja
julga serem as únicas formas de legalismo), nunca, jamais, em tempo algum
presenciei ou sequer ouvi falar que em alguma igreja tenha havido grande
confrontação com legalistas por eles serem legalistas. Colocá-los claramente
como rebeldes que atentam contra a liberdade dos que estão em Cristo
Jesus, então, nem pensar... O tipo de gente acerca do qual Cristo mais
advertiu para que deles nos distanciássemos (Lc 12:1) são mais facilmente
encontrados exatamente dentro das igrejas. E elas costumam tê-los como
referenciais de sabedoria e espiritualidade, de modo que, na maioria das
confrontações, eles são os “espirituais” e os “livres” em Cristo é que são
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“Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos
vorazes, que não pouparão o rebanho” (At 20:29)
parte (Lc 17:20-21), e precisa ser crido para que possa ser visto (Jo 11:40;
II Co 5:7).
Morremos para a Lei a fim de vivermos para Deus (Gl 2:19) e ela não é
mais o motivo para não fazermos o que desagrada a ele, pois não estamos
buscando justiça própria. A nossa convicção de que somos
incondicionalmente amados por Deus é o que nos leva a amar ao próximo
como a nós mesmos, tratando-o como gostaríamos de ser tratados (Mt
7:12). Ora, ”quem ama ao próximo tem cumprido a Lei”, pois “o amor não
pratica o mal contra o próximo, de sorte que o cumprimento da Lei é o
amor” (Rm 13:8-10).
Quanto à sua salvação, aquele que crê na justiça do Calvário considera a
sua justiça própria como perda, por causa de Cristo, a fim de ”ser achado
nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a
fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé” (Fp 3:7-9).
Aqueles que ainda têm a mente cauterizada pelo velho hábito de buscar
justiça própria diante de Deus e só vêem sentido na obediência por força de
mandamentos, saibam que os ensinos de Paulo – inclusive quando ele exige o
rompimento com a Lei - são mandamentos do Senhor (I Co 14:37), os quais,
diferentemente dos mandamentos da Lei, não trazem condenação (Rm 8:1)
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XI - A INUTILIDADE DA LEI
“... tudo que a Lei diz, aos que vivem na Lei o diz” (Rm 3:19)
A Lei foi abolida para os que estão em Cristo porque ela é o parâmetro
de justiça própria que separa os homens (Ef 2:14-15), e o discípulo de
Cristo, a fim de negar a si mesmo e tomar para si a justiça do Calvário (Lc
9:23-24), tem a sua própria justiça como perda, a fim de ser achado não
tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em
Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé (Fp 3:7-9).
A Lei morreu porque Cristo já cancelou, removeu inteiramente e
encravou na cruz o escrito da dívida que tínhamos para com Deus, referente
à nossa justiça própria, o qual constava de ordenanças, era contra nós e nos
era prejudicial, e assim despojou principados e potestades, publicamente os
expôs ao desprezo e triunfou deles na cruz (Cl 2:13-15). Agora precisamos
ser aperfeiçoados no amor (I Jo 2:5-6), e a Lei, que é fraca e inútil, não
serve para este fim, pois nunca aperfeiçoou coisa alguma (Hb 7:18-19).
A Lei é inútil porque as coisas velhas já passaram e tudo se fez novo
(II Co 5:17) e, quando se muda tudo, inclusive o sacerdócio, há também
necessariamente mudança de lei (Hb 7:11-12; I Co 9:21).
A Lei é inútil porque é desnecessária como referencial de conduta para
aquele que é nova criatura em Cristo, pois ele é guiado pelo Espírito (Gl 5:18)
e sabe discernir o que convém (I Co 6:12).
A Lei morreu para que o pecado não mais tenha domínio sobre os que
estão debaixo da Graça (Rm 6:14). Portanto, estar debaixo da Graça e
continuar alimentando alguma forma de justiça própria diante de Deus para
obtenção de direitos pela obediência à Lei e seus derivados sujeita a nova
criatura a permanecer sob o domínio do pecado.
Nós, nascidos do Espírito (Jo 3:8), morremos relativamente à Lei para
pertencermos àquele que ressuscitou dentre os mortos e, deste modo
(mortos para a Lei), frutifiquemos para Deus (Rm 7:2-4).
Talvez precisemos de algumas pregações onde apenas se anuncie,
repetidamente, por horas seguidas: “É pelo Espírito, e não pela Lei! É pelo
Espírito, e não pela Lei! É pelo Espírito, e não pela Lei...”.
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Lei e Graça não caminham juntas. Sabemos que, ou se está cativo da Lei
ou na liberdade da Graça. Não se pode estar na Graça de Cristo e ainda
depender do desempenho em obras da Lei para obter e manter a salvação.
Quanto à nossa condição espiritual (salvação), a transição da Lei para a
Graça se dá imediatamente, no momento da conversão, ao confessarmos a fé
na obra do Calvário e no senhorio de Jesus Cristo em nossas vidas, mas
precisamos conscientizar-nos de que há uma luta constante para nos
livrarmos do domínio da Lei (Rm 7:1), caso contrário ela poderá atrapalhar, e
muito, o nosso relacionamento com Deus e com o próximo, emperrando e
estagnando a nossa vida espiritual.
Muitos dos que se confessam convertidos à Graça de Cristo ainda
trazem consigo o ranço legalista e, vivendo apenas uma religiosidade
autocultuadora e absolutamente inútil ao reino de Deus, afirmam viver na
plenitude da Graça e, achando que as muitas algemas que ainda trazem
consigo são aceitáveis e úteis na caminhada com Cristo, ainda as usam como
argumentação contra a liberdade que há no Espírito, pois algumas dessas
algemas têm um nome bonito, bíblico, inspirador, que sugere espiritualidade
e compromisso com Deus. Mas algemas são algemas, e onde está o Espírito
do Senhor, aí há liberdade (II Co 3:17). O novo nascimento implica um novo
crescimento, e só se pode crescer na Graça mortificando a Lei, de modo que
crianças e adultos na fé discutem e questionam coisas diferentes.
A Lei precisa ser mortificada a cada dia em nossas vidas, pois livrar-se
do seu domínio (trocar a justiça meritória da Lei pela justiça do Calvário) é
um processo gradual, que caminha em ritmo diferente em cada um de nós
(espera-se, entretanto, que todos progridam – Hb 5:12). Às vezes imagino
como seria interessante ouvir de cada renascido na Graça de Cristo um
testemunho sobre o que significou a morte da Lei na sua vida. Que mudanças
cada um já observou em si mesmo, no processo de abandono da Lei rumo à
liberdade da Graça no Espírito... O que ouviríamos?
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Uns são mais livres, outros nem tanto. Os mais livres são aqueles que
corajosamente reconhecem que ainda têm áreas de sua vida sob domínio da
Lei (justiça meritória), mas estão em constante processo de libertação dela,
no qual precisam querer se libertar. Os mais presos à Lei (legalistas) são
exatamente aqueles que sequer reconhecem que ainda precisam se libertar
dela, pois, afogando-se em justiça própria, julgam-se o supra-sumo da
espiritualidade, bem acima da maioria dos irmãos.
O processo de mortificação da Lei caminha paralelamente ao
crescimento no Espírito, numa proporcionalidade inversa. Quanto mais se
tira das costas o peso da Lei, mais se aprende a andar no Espírito. Quanto
mais peso da Lei se põe nas costas, mais difícil será aprender a andar no
Espírito. Quanto mais mortificamos a Lei no nosso espírito, mais somos
vivificados no Espírito de Deus.
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vida em abundância (Jo 10:10), e “aquele que diz que permanece nele, esse
deve também andar assim como ele andou” (I Jo 2:6).
Mas, sem que morramos para a Lei (autojustificação), nada disso
acontecerá (Rm 7:4). Não seremos guiados pelo Espírito (Gl 5:18) e não
frutificaremos para Deus, pois não aprenderemos a discernir a vida com a
mente de Cristo (I Co 2:16), que em nós se manifesta em uma nova
consciência, livre, transformada e capaz de compreender a vontade do
Senhor (Ef 5:17).
96
XV - O MUNDO
CONSIDERAÇÕES FINAIS