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Paráfrase da Carta aos Romanos

por

C.D. Dodd

CARTA DO MISSIONÁRIO PAULO À COMUNIDADE DOS CRISTÃOS DE


ROMA

A seguinte paráfrase abreviada da Epístola aos R manos visa apresentar numa


linguagem corrente toda seqüência do tema, conservando, na medida do possível,
estilo epistolar característico do original.

Meus caros amigos cristãos de Roma,

Por toda parte aonde vou, ouço falar da fé de vocês e agradeço por isso ao Senhor. Na
minha prece cotidiana peço que me seja concedido visitar vocês. Creio que tal visita
haveria de fazer-lhes bem e certamente também a mim. Com efeito, muitas vezes tenho
tentado ir a Roma mas até hoje sempre tem acontecido algo que me impediu. Não vou
considerar terminado o meu trabalho missionário entre os gentios, enquanto não
houver pregado em Roma. Minha missão é universal e naturalmente não conhece
limites de raça ou de cultura, já que minha mensagem é universal. É a mensagem da
justiça de Deus revelada ao homens sobre um fundamento de fé (1,1-17).

Além do mais, no mundo de hoje só se vê a vingança do pecado. Vejam o mundo


pagão: todos os homens têm um conhecimento de Deus baseado na religião natural
mas o mundo pagão voltou as costas deliberadamente a este conhecimento, e por causa
de toda a sua arrogante filosofia, degradou a religião em idolatria. Como conse-qüência
natural, os costumes morais se corromperam a tal ponto que deveriam todos ficar
horrorizados (1,18-32).

Mas vocês, amigos judeus, não devem ficar pensando em complacência nos pecados do
mundo pagão. Vocês também são culpados. Não confundam a paciência de Deus para
com seu povo com o perdão. Os juízos de Deus são imparciais. Aqui não faz diferença
conhecer ou ignorar a Lei de Moisés. Os gentios têm a Lei de Deus escrita em seus
corações. Se a observam, bem; se não, estão condenados. E quanto a vocês - vocês se
chamam judeus e se orgulham da Lei; mas observam todos os seus mandamentos?
Vocês são circuncidados etc., mas isso de nada vale. Deus olha o interior, no profundo
do seu coração. A seus olhos um pagão honesto é melhor que um mau judeu. Não
quero com isso dizer que não haja vantagem alguma em ser judeu; (disso falarei mais
adiante); mas leiam sua Bíblia e apliquem a si mesmos as duras palavras dos profetas,
que foram faladas - lembrem-se - não a pagãos, mas a pessoas que conheciam a Lei,
como vocês. Não, judeus e pagãos, estamos na mesma situação. Ninguém pode

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considerar-se justo diante de Deus, se se baseia naquilo que realmente fez. A Lei serve
apenas para fazer tomar consciência da culpa (2,1-3,20).

Mas agora, além da Lei, temos a revelação da justiça de Deus [como eu dizia (1,17)]. Ela
é dada por meio da fé, da fé em Jesus Cristo. É dada a todo homem, judeu ou gentio,
contanto que tenha fé. Todos nós pecamos e todos nós podemos ser justificados diante
de Deus. Trata--se de um dom gratuito, que nos é concedido pela sua benevolência.
Somos libertados em Cristo Jesus, que é o intermediário designado por Deus para
destruir o pecado - um intermediário que age com o sacrifício da própria vida e com a
fé da nossa parte. Deus, depois de haver su-portado os pecados cometidos nos tempos
antigos, nos dias da sua paciência, demonstra sua justiça no mundo de hoje, revelando
que ele é justo e que ele justifica os que têm fé em Jesus Cristo. Aqui não há lugar para
vanglória! Não há distinção entre judeu e gentio! (3,21-31).

Mas então que dizer de Abraão? você vai perguntar. Não conquistou ele a benevolência
de Deus pelo que ele fez? De modo algum! Leia sua Bíblia e você verá que a promessa
lhe foi feita antes que fosse circuncidado. A Bíblia diz expressamente que “ele teve fé
em Deus e isso lhe foi levado em conta de justiça”. O mesmo princípio também se
aplica a nós (cap. 4).

[Voltemos ao nosso assunto.] Reconciliados com Deus pela fé, estamos em paz com
Deus, aconteça o que acontecer. O amor de Deus inunda todo o nosso ser; amor
demonstrado no fato de que Cristo morreu por nós, não porque fôssemos pessoas boas
por quem alguém pudesse morrer, mas de fato quando éramos pecadores. Ele morreu,
não por seus amigos, mas por seus inimigos. Pois bem, se quando éramos inimigos
Cristo morreu por nós, com maior razão ele nos salvará agora que somos amigos! Se ele
nos reconciliou com Deus morrendo por nós, com maior razão nos salvará vivendo por
nós e em nós. Disso podemos nos gloriar! (5,1-11).

[Eu disse que Cristo morreu e vive por todos nós. Mas - perguntam vocês - como pode
a vida e a morte de um indivíduo ter conseqüências para tantos?] Vocês acreditam que
todos nós sofremos por causa do pecado de Adão; se assim é, por que não haveríamos
de lucrar com a justiça de Cristo? Sem dúvida, não há de fato comparação alguma entre
o poder do mal que se propaga e o poder do bem que obtém a vitória, pois este é fruto
da benevolência de Deus. Todavia, vocês entendem meu argumento: um homem pecou
- uma descendência inteira sofre com isso; um Homem viveu na justiça - e toda uma
raça adquire com isso a vida. [Mas que dizer da Lei? perguntam vocês.] A Lei veio
apenas para aumentar a cons-ciência da culpa (5,12-21).

Agora desejo responder a uma dificuldade. Tenho ouvido pessoas dizer: “Se o pecado
manifesta a graça de Deus, continuemos a pecar, para que esta graça continue a se
exercer. Por que não trazer o mal, para que venha dele o bem?” (cf. 3,8). Que loucura!
Ser salvos por Cristo significa morrer ao pecado. Pensem no simbolismo do Batismo.
Vocês descem para dentro da água: isso signi-fica ser sepultados com Cristo. Vocês
sobem da água: é ressuscitar do túmulo com Cristo. Isto quer dizer, pois, uma vida
nova, uma vida que vem da união com Cristo vivo. Vocês admitem que quando uma
pessoa morre, ninguém mais a pode condenar pelo mal que possa ter cometido. É como
um escravo libertado de todo poder por parte do seu último senhor. Imaginem-se, pois,

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vocês como mortos. Quando recordarem a morte de Cristo, pen-sem que vocês
próprios - isto é, o seu “eu” mau de antigamente - foram crucificados com ele. E
quando recordarem a sua ressurreição, pensem em vocês como vivendo, com ele, uma
vida nova. E sobretudo, lembrem--se de que Cristo, uma vez ressuscitado, já não morre
mais; assim também vocês, vivendo a nova vida nele, não devem morrer mais. Quero
dizer que o pecado, que antes os dominava, não deve mais escravizá-los; não o
permitam! Vocês são escravos libertados; não se vendam de novo para a escravidão.
Ou, se lhes agrada este termo, vocês agora são escravos, não do Pecado, mas da Justiça
(a expressão forte se deve ao meu desejo de ajudá-los a compreender). Assim como
antes vocês eram propriedade do Pecado, e todas as suas faculdades eram instrumentos
do mal, assim agora vocês pertencem à Justiça, e todas as faculdades que vocês têm
devem ser um instrumento do bem. Libertados do pecado, vocês são escravos de Deus;
é isso o que eu queria dizer. O preço pago ao seu antigo dono era a morte; seu novo
Mestre lhes dá de presente a vida (6,1-23).

Façamos uma outra comparação. Vocês sabem que pela lei a mulher está ligada a seu
marido enquanto ele vive; se ele morrer, ela está livre: pode casar-se de novo se qui-ser
e a Lei não tem nada a objetar. Assim vocês podem se considerar como tendo sido
casados com o Pecado ou com a Lei. A morte os livrou do laço daquele matrimônio
[embora aqui cesse a comparação, pois foi a morte de Cristo que os libertou!] Seja como
for, vocês estão livres - livres, quero dizer, para desposar Cristo. Vocês ti-veram uma
numerosa descendência de más ações pelo seu primeiro matrimônio; devem agora
produzir uma abundân-cia de bons frutos para Cristo. Quero dizer, naturalmente, que
é sua obrigação servir a Deus no espírito de Cristo (6,1-7,6).

Reconheço que minhas palavras podem fazer crer que eu esteja identificando Lei e
pecado. Não é esta a minha intenção. Mas sem dúvida é evidente que a função da Lei é
fazer tomar consciência do pecado. Por exemplo, eu nunca chegaria a saber o que é
cobiça, se a Lei não dissesse: “Não cobiçarás”. A perversidade da natureza humana sob
o domínio do pecado é tal, que a proibição me provoca o desejo. Houve um tempo em
que eu nada conhecia da Lei e vivia a minha própria vida. Depois veio a Lei, o pecado
despertou em mim e a vida se tornou para mim morte. Naturalmente a Lei é boa, mas o
Pecado aproveitou-se dela, para me prejudicar. Sou apenas carne e sangue e carne e
sangue estão inclinados ao pecado. Posso ver o que é bom e o desejo, mas não consigo
pra-ticá-lo; quer dizer, minha mente reconhece a Lei e no entanto lhe desobedeço com
minha perversidade moral. Ou, se assim podemos dizer, há uma Lei para a minha
mente - a lei de Deus - uma outra para a minha conduta externa - a lei do pecado e da
morte. É uma situação semelhante à de um homem vivo acorrentado a um cadáver.
Miséria total! Mas, graças a Deus, a cor-rente foi quebrada. A lei do Espírito de Vida
que está em Cristo, libertou-me da lei do pecado e da morte. Cristo assumiu esta
natureza feita de carne e sangue que está sob o domínio do pecado. O pecado pretendia
ser seu senhor; mas Cristo venceu a batalha; o pecado não teve mais êxito, suas
pretensões foram rejeitadas e a natureza humana foi libertada. O resultado é que tudo
aqui-lo que a Lei visava - justiça, santidade e bondade - se realiza naqueles que vivem
pelo Espírito de Cristo. São duas as formas de vida oferecidas ao homem: a vida da
natu-reza inferior feita de carne e sangue - da qual falei - e a vida do espírito. Temos o
Espírito de Cristo, e por isso podemos viver a vida do Espírito. E afinal este Espírito
infundirá uma vida nova em todo o organismo humano (7,7-8,11).

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Vocês vêem, portanto, que carne e sangue não têm direito algum sobre nós; nós
pertencemos ao Espírito. Os que são animados pelo Espírito são filhos de Deus, [Acima
falei de ‘escravos de Deus’; mas de fato] não somos escravos, e sim filhos - filhos e
herdeiros de Deus, como Cristo; e quando chegarmos a possuir nossa herança, como
será gloriosa! (8,12-18).

Esta, porém, é uma posse reservada ao futuro. No presente, todo o universo se acha
numa situação deplorá-vel e em tal estado aguarda a revelação dos filhos de Deus.
Agora toda a existência parece fútil na sua transi-toriedade; e nós compartilhamos das
angústias da criação. Mas temos a esperança; e o fundamento desta esperança é a posse
do Espírito de Deus - trata-se apenas de um penhor, mas é o suficiente para inspirar-
nos confiança. Realmente toda prece que fazemos - mesmo uma sim-ples prece
inarticulada é a expressão do Espírito den-tro de nós. Sabemos que em tudo Deus está
operando dentro de nós. Seu plano está por detrás de tudo, e ele está a nosso lado. Se
ele nos deu seu próprio Filho, podemos crer que nos dará qualquer outra coisa. Ele nos
ama e nada no mundo nem fora do mundo pode nos separar do seu amor (8,18-39).

[Com isso termino o primeiro tema que queria tratar; mas antes de passar às conclusões
finais, devo retornar a uma dificuldade já apresentada (cf. 3,1-4)]. Se não há diferença
entre judeu e gentio, não terá sen-tido algum o grande passado de Israel? Todas as pro-
messas da Escritura de nada valem? Antes de tudo, per-mitam-me dizer-lhes quanto
lamento a exclusão da nação judaica no seu conjunto da nova vida. Estaria disposto a
renunciar a todos os meus privilégios cristãos, se com isso pudesse encontrar um meio
de conduzir os judeus a esta vida. Mas devemos reconhecer os fatos. E o primeiro fato é
que a nação no seu conjunto jamais foi capaz de conseguir as promessas: desde o início
verificou-se um processo de seleção. Entre os filhos de Abraão só Isaac foi chamado,
entre os filhos de Isaac só Jacó. Se per-guntarmos pelo motivo, a resposta só pode ser:
que Deus não está ligado por nenhuma necessidade histórica ou natural, mas intervém
segundo a sua vontade. Ques-tionar esta vontade é tão absurda quanto o vaso acusar o
oleiro. Além disso, já que alguns membros da raça hebréia sempre prevaricaram, Deus
declarou repetidas vezes que pretendia afinal incluir outros, que não eram membros da
raça hebréia; e é exatamente isto que está acontecendo -agora. Ora, como eu disse, não
tenho desejo mais ardente que o de ver toda a nação salva. Mas a realidade é que os
israelitas recusaram deliberadamente a chance que lhes foi oferecida. Não há nada de
demasiado ele-vado ou de recôndito na mensagem cristã. É algo muito simples: trata-se
de reconhecer Jesus como Senhor e de crer que ele está vivo; só isso. E eles não podem
dizer que nunca ouviram a mensagem, pois Cristo tem suas tes-temunhas por toda
parte. Parece, pois, que Deus teria rejeitado o seu povo para punir sua obstinação. Mas
não penso que seja assim. As promessas de Deus não são Feitas em vão. Em primeiro
lugar, sempre tem havido e ainda há um “resto” fiel do povo judaico. Em segundo
Lugar, quanto ao conjunto do povo, sua presente rejeição da mensagem é apenas um
meio escolhido pela Providência divina para estendê-la aos gentios. A velha oliveira de
Israel ainda está de pé; muitos de seus ramos foram cortados e novos ramos da oliveira
selvagem foram en-xertados em seu lugar. Mas Deus pode reenxertar os cortados, se
for da sua vontade. E creio ser esta sua vontade e que no fim toda a nação voltará a ele
e her-dará as promessas. Então, se a queda de Israel significou para o mundo uma tal
bênção, quanto maior bênção não trará a sua salvação final! O plano de Deus, como eu
disse no início (cf. 1,16), é universal: permitiu que toda a humanidade, judeus e gentios,

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caísse no pecado, só para poder exercer no fim a sua misericórdia para com todos os
homens, tanto judeus como gentios. Quão profundos e imperscrutáveis são seus
desígnios! (cap. 9-11).

Agora posso retomar meu tema principal. Se tal é o modo como Deus nos trata, qual
deve ser nossa resposta? Poderíamos fazer outra coisa senão oferecer a Deus todo o
nosso ser como um sacrifício de gratidão? E de que modo? Com uma vida vivida como
membros de um só corpo. Que cada um cumpra fielmente a própria função. Que o
amor esteja na base de todo relacionamento de um para com outro e do relacionamento
externo de vocês mesmo para com os inimigos. Não excluam o imperador do vosso
amor, mas obedeçam às suas leis e paguem seus impostos. Sim, e paguem todas as
dívidas a todo credor. De fato, o amor é a única dívida aceitável de um para com o
outro. Se você ama seu próximo como a si mesmo, você cumpriu toda a lei moral. Mas
sejam solícitos em tudo, porque já está raiando o dia glorioso (cap. 12-13).

Ouvi dizer que entre vocês há divergências quanto à observância do sábado e o


costume de comer só legu-mes. Aqui se trata de aplicar o que eu disse sobre o amor
fraterno que deve caracterizar todo ato de vocês. Lem-brem-se de que os sabatistas e os
anti-sabatistas, os vege-tarianos e os que comem carne estão todos igualmente a serviço
de um só Mestre. Respeitem as opiniões dos outros. Não pensem só em si mesmos;
pensem nos seus irmãos cristãos e procurem colocar-se na situação deles. Se alguém
lhes parece fraco de espírito, ou escrupuloso, lembrem-se de que se trata sempre de um
irmão seu, e de que Cristo morreu por ele como por vocês e respeitem sua consciência.
Se o exemplo de vocês o levasse a um ato que é indiferente para vocês, mas pecado
para ele, vocês feriram sua consciência. Seria conveniente, colocar assim em perigo uma
alma para salvaguardar a liberdade de vocês em coisas tão secundárias? Se o outro é de
espírito fraco e vocês são fortes, com maior razão vocês devem ajudá-lo a levar o seu
fardo. Lembrem-se: Cristo não procurou o que lhe agradava. Em suma, sabatistas e
anti-sabatistas, judeus e gentios, tratem-se uns aos ou-tros como Cristo os tratou e que
Deus esteja com vocês (14,1-15,13).

Meus caros irmãos, não pensem que eu os julgasse necessitados dessa minha longa
exortação. Vocês são cristãos inteligentes e capazes de se aconselharem uns aos outros.
Todavia, julguei oportuno trazer-lhes à me-mória alguns assuntos. Afinal, sinto que
tenho certa res-ponsabilidade com relação a vocês na qualidade de missio-nário entre
os gentios. Agora completei minha missão que me levou até o Adriático. Vou agora a
Jerusalém para levar as contribuições que recolhi na Grécia. Depois, espero começar a
trabalhar no ocidente e tenho a intenção de ir para a Espanha e de fazer uma parada em
Roma durante a viagem. Orem por mim, para que minha mis-são em Jerusalém tenha
êxito; assim terei condições de ir até vocês (15,14-32).

Recomendo-lhes a nossa irmã Febe. Ela presta um admirável serviço à nossa


comunidade de Cencréia. Façam por ela tudo quanto puderem. Ela o merece.

Lembranças a Priscila e Áquila, a Epêneto, a Maria e a todos os amigos de Roma.

[P. S. – Tenham cuidado com as pessoas que provocam erros. Sejam sábios, gentis.
Desejo-lhes tudo de bom].

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Timóteo, Lúcio, Jasão, Sosípatro e todos os amigos de Corinto enviam saudações. (Eu
também envio saudações – Tércio, o secretário).

Glória a Deus! (cap. 16).

Com meus melhores votos,

seu irmão

PAULO

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