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SISTEMA DE TRILHAS: A EXPERIÊNCIA DA RESERVA NATURAL SALTO

MORATO

Antonio Cristiano Vieira Cegana; Alan Yukio Mocochinski


Fundação O Boticário de Proteção a Natureza
Email: antoniocv@fundacaoboticario.org.br Tel. 41 3340-2648
e alanm@fundacaoboticario.org.br Tel. 41 3482-1506

Eixo temático – A Trilha (Planejamento e Manejo)


INTRODUÇÃO

A demanda por oportunidades recreativas em áreas naturais vem aumentando


rapidamente, e dentre as principais atividades estão a caminhada, a corrida, o ciclismo
e o passeio à cavalo, as quais possuem como base as trilhas (TEXAS A&M
UNIVERSITY,1998). Entretanto, a falta de planejamento ou o planejamento
inadequado é encontrado em cerca de 90% delas. Essa situação resulta em alto custo
de construção, de manutenção e consequentemente em impactos ambientais diretos e
indiretos, que muitas vezes se tornam irreversíveis (LECHNER, 2006); COLORADO
STATE TRAILS COMMITTEE, 2000).
Dentre os principais impactos gerados pela falta de manejo de um sistema de trilhas
estão: a erosão do solo, a compactação do solo em pontos desnecessários, a
degradação da flora, as alterações no comportamento da fauna, as mudanças na
hidrologia local, a frustração dos gestores e pessoal ligado a implantação dessa infra-
estrutura e por fim, a frustração dos usuários das trilhas.
No Brasil esses impactos são agravados pelo crescimento desordenado da recreação
em unidades de conservação, impondo uma tarefa e responsabilidade difícil aos seus
gestores, principalmente em conciliar a proteção da biodiversidade com o uso público
(TAKAHASHI, 2004).
Por mais que o planejamento inadequado seja o principal vilão no fracasso de um
sistema de trilhas, a necessidade da integração dos fatores biofísicos e sociais da área
com os objetivos da unidade é fundamental tanto para a implantação de um novo
traçado como para a revigoração de um já existente (LECHNER, 2006); (UNITED
STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE, 2004)
No caso da Reserva Natural Salto Morato a recreação em contato com a natureza é
uma prioridade dentro do planejamento dessa Unidade de Conservação. Diante do
exposto, após a elaboração do plano de manejo em 1996, a área foi aberta ao uso
público com a finalidade de usar seu sistema de trilhas para promover a recreação e
sensibilização ambiental atingindo, desta forma, parte dos objetivos da Unidade.
Atualmente cerca de 6,5 mil visitantes ao ano utilizam o sistema de trilhas da Reserva.
Este vem sendo tecnicamente planejado e implementado com a função de facilitar o
acesso dos visitantes aos atrativos, bem como dispersá-los dentro de um ambiente
natural para minimizar o impacto. No entanto, este processo vem sendo construído
com base nas experiências do trabalho, que serão abordados nesse trabalho.
OBJETIVOS

O presente trabalho busca fazer um retrospecto do planejamento e implementação do


sistema de trilhas da Reserva Natural Salto Morato, discutindo os fatores que
influenciaram na experiência deste processo. Pretende-se também analisar as ações
de manejo de trilhas à luz do conhecimento das técnicas atuais e sua integração com
os objetivos de uma unidade de conservação.
METODOLOGIA

A Reserva Natural Salto Morato é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural da


Fundação O Boticário de Proteção à Natureza localizada no município de
Guaraqueçaba, litoral do Paraná. A Reserva abriga 2340 ha em região de Mata
Atlântica e compõe, com unidades de conservação públicas e outras reservas
privadas, o Mosaico de unidades de conservação do litoral do Paraná e litoral sul de
São Paulo, criado pela portaria nº150 de 8 de maio de 2006, num esforço para
conservação do maior remanescente do bioma. O manejo da Reserva busca garantir a
proteção à biodiversidade, bem como propiciar atividades de pesquisa, capacitação e
ecoturismo. Dentro de seus limites, encontram-se dois dos principais atrativos da
região: o Salto Morato, com 100 metros de altura e a Figueira do Rio do Engenho,
cujas raízes e tronco formam um portal sobre o rio. A visitação anual média é de 6.500
visitantes, concentrada nos períodos de férias escolares (janeiro a março, e julho).
A Reserva foi adquirida pela Fundação O Boticário em 1994. Antes disso, a área
consistia em fazendas, que possuíam usos diversos, como criação de búfalos, e já
existiam atividades recreativas junto aos atrativos citados. No entanto, esta era
desenvolvida de forma inadequada, sem qualquer planejamento e controle. Como
conseqüência, as trilhas tinham como objetivo apenas servir de acesso aos atrativos e
eram locadas visando basicamente ser o caminho mais curto entre um ponto e outro.
Eram comuns os atalhos, trilhas paralelas, situações de risco, dentre outras
inadequações.
Com a aquisição da área pela Fundação O Boticário, visando a criação de uma
Reserva, iniciou-se o processo de planejamento para atingir os objetivos de manejo.
Este processo resultou na elaboração do plano de manejo da Reserva, que orientou a
implementação da infra-estrutura e das atividades desenvolvidas, o que possibilitou a
abertura da área ao público em 1996.
Como a recreação em contato da natureza é um dos objetivos primários de manejo,
estabeleceu-se um planejamento para a atividade com foco nos dois atrativos, o Salto
Morato e a Figueira. Desta forma foi considerada a necessidade de adequações nas
trilhas para que contribuíssem para com atividades interpretativas e contemplativas
durante o trajeto até os atrativos.
O sistema de trilhas da Reserva foi planejado e implementado em distintas fases
coordenadas por diferentes gestores. Esses foram capacitados tecnicamente e
priorizaram ações de manejo fundamentais de acordo com as necessidades e
realidades do período de suas gestões. Posteriormente, a implementação contou com
embasamento técnico de profissionais que começaram a lecionar um curso de
planejamento, implementação e manejo de trilhas em unidades de conservação, que
ocorriam na Reserva. Este suporte possibilitou uma abordagem didática sobre os
problemas enfrentados e as soluções aplicadas. Esta abordagem é a que pretende ser
repassada a seguir.
RESULTADOS/ DISCUSSÃO

Inicialmente foram identificadas demandas diferentes para cada atrativo, com o Salto
Morato recebendo grande parte dos visitantes e a Figueira sendo vista apenas como
uma curiosidade. Estes fatores indicaram que o acesso ao Salto Morato deveria
compor a zona de uso intensivo da Reserva. Já o acesso à Figueira por receber um
fluxo menor de visitantes seria enquadrada na zona de uso extensivo da área.
A seguir são relatadas e discutidas as experiências observadas na Reserva.

Trilha do Salto Morato


Inicialmente o acesso era feito através de uma antiga estrada de 1800 m, seguida de
uma trilha de 600 metros paralela à margem do rio Morato até a cachoeira. Um dos
maiores problemas deste traçado estava no manejo da água, pois a trilha encontrava-
se muito próxima ao rio, num local onde são pequenas as possibilidades de direcionar
as águas das chuvas para fora da trilha. O problema era mais grave em dois trechos:
em um ponto, a trilha estava traçada em uma depressão, fazendo com que o seu leito
se tornasse o local de drenagem da água durante as chuvas, e em outro, a trilha
estava e continua traçada na margem do rio, num local frequentemente inundado por
este. Esse efeito gera a perda de toda estrutura implementada para minimizar os
impactos locais desse trecho, demandando anualmente atividades pesadas de
manutenção que implicam em uma grande quantidade de tempo.
A adequação desta trilha iniciou-se a partir do Centro de Visitantes, que esta a 1500m
do Salto Morato. Nos primeiros 900m, aproveitando o antigo acesso pela estrada com
o objetivo de facilitar a implantação e minimizar o impacto, foram realizados
principalmente trabalhos de estruturação do piso da trilha e construção de estruturas
para a drenagem da água. Apesar dessa parte não estar locada em um ponto
desejável, o trabalho realizado refletiu relativamente bem. Já nos últimos 600m, após
receber basicamente o mesmo tratamento, de acordo com análise técnica, não se
mostrou eficiente, pois o regime de chuvas da região (com 2600 mm anuais de
precipitação) agravou os problemas com a má drenagem e consequentemente em
elevado custo de manutenção.
Desta forma, iniciou-se um novo processo de planejamento e após a análise de sítio
optou-se pela transposição deste trecho para uma encosta próxima. Parte desse
deslocamento está concluído e ficaram evidentes as melhorias na trilha. Além dos
pontos positivos com relação ao manejo da água, mantendo a drenagem natural do
terreno, foi verificado um aumento na qualidade da experiência recreativa, uma vez
que a trilha proporciona aos visitantes uma perspectiva mais completa da floresta.
Apesar das evidentes melhoras identificadas, o trabalho ainda não foi concluído
principalmente por ser um processo que depende de muito tempo e disponibilidade de
pessoal.

Trilha da Figueira
O acesso à Figueira dava-se originalmente por uma estrada interna da antiga fazenda,
com cerca de 2000m de extensão. Apesar da Figueira ser um atrativo singular, o
acesso através de uma estrada, que passava em grande parte por pastos
abandonados, não oferecia oportunidades recreativas satisfatórias aos visitantes
interessados no contato com a natureza. Diante deste quadro, optou-se em construir
uma nova trilha para acessá-la, passando por trechos de florestas íntegras, o que
possibilitava atividades contemplativas e interpretativas no seu trajeto.
Após a implementação da nova trilha, juntamente com as vantagens em termos
recreativos e interpretativos, foram observados alguns problemas com relação à
operacionalização e manutenção. Um dos principais fatores negativos foi o fato de
vários trechos estarem traçados na planície aluvial, em vales ou ainda em cristas
(cumeeira). Nos segmentos de planície aluvial e vales, a drenagem ineficiente
acarretava em grande necessidade de manutenção de piso. Além disto, em épocas
chuvosas, o que coincide com a temporada de visitação, estes trechos permaneciam
intransitáveis, impedindo o acesso dos visitantes ao atrativo. A parte da trilha que esta
locada em cristas, era comum apresentar também problemas de drenagem e terminar
por formar uma calha direcionando a água das chuvas, o que resultava em perda
freqüente da trilha por processos erosivos. Além do mais, esses trechos também não
ofereciam um bom panorama visual da floresta, além de estarem em uma região mais
vulnerável a impactos físicos com freqüência queda de galhos e troncos dificultando o
percurso. Diante disso, eram empregadas atividades rotineiras de manutenção e foram
construídas varias estruturas para o manejo da água, tais como valas de drenagem,
barreiras de água, diques entre outras. Essas ferramentas amenizavam os problemas,
mas o alto custo de manutenção e a necessidade de pessoal para manter tais
segmentos continuaram, assim como as interdições em decorrência das chuvas.
Desta forma, avaliando o planejamento financeiro e propostas de atividades práticas
realizadas em cursos de planejamento, implantação e manejo de trilhas em unidades
de conservação, estes trechos da trilha foram transpostos para o meio das encostas,
evitando os topos de morros e considerando princípios básicos de planejamento de
trilhas, tais como: tipo de solo, declividade, cotas, padrões de drenagem, exposição do
segmento, riscos, entre outros.
Com a implementação dos novos trechos, a diminuição da necessidade de
manutenção foi sensível. Também houve ganhos em termos recreativos, tanto pelo
melhor acesso quanto pelo término das restrições temporárias em decorrência das
chuvas.
As atividades de mudança e readequação do traçado geraram principalmente uma
grande demanda de mão de obra e só puderam ser realizadas com o esforço dos
guarda-parques, voluntários, estagiários e participantes dos cursos de Planejamento
Implantação e Manejo de Trilhas e Manejo em Unidades de Conservação. Como as
atividades de manutenção de trilhas é uma rotina em uma unidade de conservação, os
gestores devem ficar atentos para o volume de trabalho implícito numa atividade de
implementação e readequação de uma trilha.
CONCLUSÃO

Percebeu-se que é imprescindível, ao se trabalhar com trilhas em uma unidade de


conservação, estar plenamente pautado em técnica e ciência para o sucesso das
ações.
Decisões com embasamento técnico resultaram em ganhos operacionais, recreativos,
educativos e interpretativos, contribuindo substancialmente com os objetivos de
manejo da Reserva Natural Salto Morato.
A falta de planejamento resulta em maiores necessidades de trabalho, evidenciando a
manutenção elevada e muitas vezes necessidade de re-implementação da trilha. A
reversão desse quadro depende primeiramente em considerar as trilhas como um
sistema integrado com os objetivos da área, identificando seu contexto. O diagnóstico
bem desenvolvido também é sumamente importante por servir de base para a
elaboração do plano de implementação. E nesse planejamento além do desenho e
construção da trilha, deve considerar a divulgação, educação e interpretação, as
prioridades e principalmente as estratégias de manutenção.
Ações focadas no traçado da trilha podem trazer benefícios não apenas para a
manutenção desta, mas também trazem ganhos na qualidade das atividades
recreativas.
Os gestores de unidades de conservação que trabalham com trilhas devem ter um
bom embasamento de necessidade de mão de obra para implementação de trilhas.
As experiências vivenciadas da Reserva Natural Salto Morato corroboram com
Lechner (2006) ao evidenciar que em áreas íngremes, as trilhas devem ser locadas
preferencialmente no meio da encosta, onde as camadas do solo são mais estreitas e
com um maior coeficiente de drenagem, o que facilita a manutenção do padrão natural
do fluxo da água. Os padrões de passagem do sol e direção do vento também são
fatores importantes para manter o piso seco e estruturado.
BIBLIOGRAFIA CITADA

LECHNER, L. Planejameto, Implantação e Manejo de Trilhas em Unidades de


Conservação. Cadernos de Conservação. Ano 3. nº 3 Fundação O Boticario de
Proteção a Natureza. 2006

COLORADO STATE TRAILS COMMITTEE. Innovative Non-Motorized Trail


Projects And Ideas SHAPINS ASSOCIATES Planners / Landscape Architects
Boulder, CO 2000.23p.

TAKAHASHI, LY. Uso Público em Unidades de Conservação, Caderno de


Conservação, ano 02, nº 02 Curitiba: Fundação O Boticario de Proteção à Natureza,
2004.

TEXAS A&M UNIVERSITY. See: Texas Outdoors: A Vision for the Future. Witt &
Brown et al.1998. Disponível em www.rpts.tamu.edu/tpwd/contrib.htm Acesso em 10
out. 2006.

UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE, Forest Service. Draft


Interagency Trail Data Standards. Content Analysis Team, PO Box 22810, Salt Lake
City, UT.: USDA Forest Service. 2004

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