Este estudo avaliou a adequação do processo de assistência pré-natal oferecido às usuárias do SUS em Juiz de Fora, MG. A adequação foi de apenas 26,7% quando considerados início e frequência das consultas, 1,9% quando considerados exames laboratoriais básicos, e 1,1% quando considerados exames e procedimentos clínicos obrigatórios. As consultas pré-natais tiveram média de 6,4 por gestante e início aos 17,4 semanas de gestação. Não houve diferenças significativas entre os serviços
Este estudo avaliou a adequação do processo de assistência pré-natal oferecido às usuárias do SUS em Juiz de Fora, MG. A adequação foi de apenas 26,7% quando considerados início e frequência das consultas, 1,9% quando considerados exames laboratoriais básicos, e 1,1% quando considerados exames e procedimentos clínicos obrigatórios. As consultas pré-natais tiveram média de 6,4 por gestante e início aos 17,4 semanas de gestação. Não houve diferenças significativas entre os serviços
Este estudo avaliou a adequação do processo de assistência pré-natal oferecido às usuárias do SUS em Juiz de Fora, MG. A adequação foi de apenas 26,7% quando considerados início e frequência das consultas, 1,9% quando considerados exames laboratoriais básicos, e 1,1% quando considerados exames e procedimentos clínicos obrigatórios. As consultas pré-natais tiveram média de 6,4 por gestante e início aos 17,4 semanas de gestação. Não houve diferenças significativas entre os serviços
Trabalhos Originais 25 (10): 717-724, 2003 RBGO Adequao do Processo de Assistncia Pr-natal entre as Usurias do Sistema nico de Sade em Juiz de Fora-MG Adequacy of the Prenatal Care Process among Users of the Unified Health Care System in Juiz de Fora-MG Tadeu Coutinho 1 , Maria Teresa Bustamante Teixeira 1 , Sulamis Dain 2 , Jane Dutra Sayd 2 , Larissa Milani Coutinho 1 . 1 Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) 2 Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ). Correspondncia: Tadeu Coutinho Rua Batista de Oliveira, 1070/1502 - Bairro Granbery 36010-530 - Juiz de Fora - MG Telefone: (32) 3211-9552/3215-3290 e-mail: coutinho@nextwave.com.br ou coutinho@medicina.ufjf.br Introduo A assistncia pr-natal tem merecido des- taque crescente e especial na ateno sade materno-infantil, que permanece como um cam- po de intensa preocupao na histria da Sade Pblica. No Brasil, a persistncia de ndices preocupantes de indicadores de sade importan- RESUMO Objetivos: avaliar a adequao do processo da assistncia pr-natal oferecida s usurias do SUS em Juiz de Fora/MG e comparar o atendimento nos principais servios municipais. Mtodos: estudo transversal desenvolvido com auditoria em 370 Cartes da Gestante selecionados por amostragem sistemtica entre as pacientes a termo que utilizaram o SUS no atendimento ao parto, no primeiro semestre de 2002 e com pr-natal freqentado em Juiz de Fora. Foi utilizado o teste do 2 para comparar os servios de procedncia das pacientes (nvel de significncia: 5%). A avaliao obedeceu a uma seqncia em trs nveis complementares, sendo examinados: a utilizao da assistncia pr-natal (ndice de Kessner: incio e freqncia dos atendimentos) no nvel 1; a utilizao do pr-natal e dos exames laboratoriais bsicos, segundo o Programa de Humanizao no Pr-natal e Nascimento (tipagem ABO/Rh, hemoglobina/hematcrito, VDRL, glicemia e exame de urina tipo 1), no nvel 2; e a utilizao de exames laboratoriais bsicos e de procedimentos clnico-obsttricos obrigatrios numa consulta pr-natal (aferies de presso arterial, peso, edema, altura uterina, idade gestacional, batimentos cardiofetais e apresentao fetal), no nvel 3. Resultados: a adequao do processo foi de apenas 26,7% (nvel 1), 1,9% (nvel 2) e 1,1% (nvel 3). Foram tambm observados cobertura pr-natal de 99,04%, mdia de 6,4 consultas/ gestante, alm da mdia de 17,4 semanas de idade gestacional na primeira consulta. No houve diferenas significativas entre os diversos servios municipais analisados. Concluses: o pr-natal das usurias do SUS na cidade deve ser revisto qualitativamente, recomendando-se avaliaes peridicas como instrumentos imprescindveis de aperfeioamento. Aos gestores e profissionais de sade cabem aes que aumentem a adeso s normas/rotinas do programa principalmente a solicitao/registro dos exames complementares bsicos e propiciem melhor utilizao do pr-natal pelas pacientes. PALAVRAS-CHAVE: Assistncia pr-natal. Gravidez normal. Pr-natal. Avaliao de assistncia. 718 RBGO - v. 25, n 10, 2003 tes, como os coeficientes de mortalidades mater- na e perinatal, tem motivado o surgimento de um leque de polticas pblicas que focalizam o ciclo gravdico-puerperal. Entretanto, essas polticas tm se fundamentado principalmente no incre- mento da disponibilidade e do acesso ao atendi- mento pr-natal. A prpria literatura especializa- da tem privilegiado a anlise das caractersticas e dos resultados da assistncia, relegando a um segundo plano o estudo da qualidade do contedo das consultas 1,2 . Esse contedo retrata com maior fidelidade o processo do atendimento e tem sido confirmado como preditor significativo do progns- tico do nascimento 3 . a avaliao do processo de um programa de sade que analisa realmente o seu funciona- mento, pois contempla os cuidados efetivamente fornecidos e recebidos na assistncia. Assim, so igualmente importantes tanto as atividades dos profissionais envolvidos no diagnstico e na tera- putica, quanto as atividade dos pacientes na pro- cura e na uti l i zao dos tratamentos disponibilizados 4 . Ademais, a desobedincia s normas e rotinas do programa principalmente a inadequao dos registros das consultas -, tem sido apontada pela prpria literatura como um dos prin- cipais obstculos para o aperfeioamento da qua- lidade da assistncia pr-natal 1 . O Programa de Humanizao no Pr-Natal e Nascimento (PHPN/2000; Portaria/GM n 569, de 1/6/2000) do Ministrio da Sade (MS) foi insti- tudo com o objetivo declarado de assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pr-natal, da assistncia ao parto e puerprio s gestantes e ao recm-nasci- do 5 . Quanto assistncia gestao, o PHPN/2000 determina os parmetros de acesso e freqncia do atendimento e a solicitao de exames com- plementares bsicos. No entanto, o Programa no menciona as atividades clnico-obsttricas de exe- cuo obrigatria numa consulta pr-natal, per- mitindo apenas uma anlise parcial do processo da assistncia gestao. O municpio mineiro de Juiz de Fora foi ca- dastrado no PHPN/2000 no ano de 2001. A cidade, apesar de estar prxima dos maiores centros ur- banos brasileiros e alcanar usualmente boa ava- liao nas pesquisas sobre qualidade de vida, no destoa do quadro nacional e tem persistentemen- te ostentado ndices preocupantes das mortalida- des materna e perinatal. So representativos os nmeros de 2002, fornecidos pelos Comits de Preveno Mortalidade Materna e Infantil na cidade: 89 bitos maternos/100 mil nascidos vi- vos (NV), alm de mortalidade perinatal de 28,2 mortes/1000 NV 6 . Esse estudo se props a analisar a adequa- o do processo da assistncia pr-natal prestada s usurias do Sistema nico de Sade (SUS) em Juiz de Fora, utilizando e complementando os cri- trios de avaliao preconizados pelo PHPN/2000. Alm da avaliao do atendimento individualiza- do objeto clnico, houve tambm preocupao com anlise da dimenso coletiva do programa de cui- dados pr-natais na cidade contedo programtico. Objetivou-se, tambm, a implanta- o de metodologia para avaliaes peridicas do pr-natal. Pacientes e Mtodos Trata-se de estudo de corte transversal, re- trospectivo, baseado na auditoria de cartes da gestante. Na seleo da amostra, foram obedecidos os seguintes critrios de incluso: pacientes usurias do SUS; portadoras do carto da gestante a assistncia pr-natal freqentada em Juiz de Fora e que tiveram partos a termo realizados na Maternidade Therezinha de Jesus (MTJ), locali- zada nesta cidade, no perodo de 1 de janeiro a 30 de junho de 2002. A MTJ entidade beneficente, conveniada com a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e tem a quase to- talidade da sua clientela (99,3% em 2000) com- posta por pacientes usurias do SUS. No perodo estudado, a MTJ foi uma das duas nicas insti- tuies hospitalares que internaram as parturien- tes usurias do SUS em Juiz de Fora, atendendo a 65,3% dos partos desse sistema na cidade, com aumento de 22,2% em relao ao primeiro semes- tre de 2001. A ausncia de mecanismos efetivos de regionalizao e hierarquizao no atendimen- to ao ciclo gravdico-puerperal na cidade contri- buiu para que a amostra pudesse ser considerada representativa da populao-alvo. A opo pelas gestaes a termo (entre 37 semanas e 41 semanas e 6 dias) objetivou maior probabilidade de os cartes da gestante analisa- dos espelharem de modo mais fidedigno e com- pleto o processo da assistncia pr-natal presta- da na cidade. Alm da procura espontnea, seja pela confirmao tardia ou pela maior aceitao da gravidez, a presso familiar e a captao pelas unidades de sade e aes comunitrias locais aumentam a adeso ao pr-natal com o evoluir da gestao. Por meio do mtodo de amostragem siste- mtica 7 , a populao de estudo foi selecionada por Assistncia pr-natal Coutinho et al 719 RBGO - v. 25, n 10, 2003 sorteio e constituda por uma em cada quatro usurias do SUS que tiveram seus partos registrados no livro de admisso da MTJ, no pri- meiro semestre de 2002. Foram selecionadas, ini- cialmente, 520 pacientes. A seguir, foram exclu- das 66 parturientes (12,7%) que freqentaram a assistncia pr-natal em outras cidades, 41 ges- tantes (7,9%) que no apresentaram seus cartes de gestante durante a internao incluindo 5 mulheres (0,96%) que declararam no ter compa- recido a consultas de pr-natal e 43 pacientes (8,3%) que tiveram partos pr-termo. A auditoria foi realizada, portanto, nos cartes das 370 ges- tantes que obedeceram a todos os critrios de se- leo preestabelecidos. Em relao s caractersticas sociodemogr- ficas da amostra, a mdia de idade materna foi de 24,9 anos, havendo predomnio da faixa etria entre 20 e 29 anos (54,6 %) e nmero significati- vo (20%) de gestantes adolescentes (faixa de 10- 19 anos, segundo a OMS). Houve participao de 7,3% das pacientes com idade superior a 35 anos. As duas pacientes mais novas (0,5%) tinham 14 anos e as trs mes mais idosas (0,8%) apresen- tavam 43 anos na poca do parto. Houve predomi- nncia do registro da cor branca (64,9%) e nme- ro significativo de pacientes solteiras (45,4%), ao passo que apenas um tero (33,3%) das pacientes tinha completado o ensino fundamental. Entre as adolescentes, 81,1% eram solteiras. No tocante s suas caracter sti cas reprodutivas, 80,5% das pacientes relataram de uma a trs gestaes com a participao das primigestas em 38,9% da amostra e uma pacien- te (0,3%) teve registradas 18 gravidezes. Essas gestantes tinham sido atendidas no servio tradicional do SUS (n=222; 60%), pelo Pro- grama de Sade da Famlia (n=88; 23,8%), no ser- vio da MTJ em convnio com a UFJF (n=21; 5,7%) e por convnios populares (n=22; 5,9%) e clnicas particulares (n=14; 3,8%). No foi possvel definir a procedncia de trs pacientes. No caso de a ges- tante ter consultado em mais de um servio, con- siderou-se como local de origem aquele em que foi realizado o maior nmero de atendimentos. A anlise dos dados coletados foi realizada por meio da sua categorizao em trs nveis comple- mentares e de complexidade crescente (nveis 1, 2 e 3), facilitando a identificao da origem dos pro- blemas porventura existentes. Por meio desses trs nveis, realizou-se tanto a avaliao da adequao do processo da assistncia pr-natal em todo o mu- nicpio, quanto a comparao entre os servios que atendem as gestantes em Juiz de Fora. No nvel 1, foi empregado o ndice de Kessner 8 para avaliar a utilizao do pr-natal (in- cio e nmero de consultas) segundo os critrios do PHPN/2000 5 . No nvel 2, ampliou-se a anli- se, com a adio dos exames complementares classificados como bsicos pelo PHPN/2000: tipagem ABO-Rh, hemoglobina e hematcrito (Hb/Ht), glicemia em jejum, VDRL e urina tipo 1. No nvel 3, a avaliao abrangeu a utilizao do pr-natal, os exames laboratoriais bsicos e os procedimentos clnico-obsttricos considerados essenciais para adequada assistncia pr-natal: as aferies da idade gestacional, da altura uterina, da presso arterial, do peso e do edema maternos, alm dos batimentos cardacos e apre- sentao fetais. Os pontos de corte relativos a esses procedimentos foram definidos pela possi- bilidade da sua aferio de acordo com a idade gestacional no momento da consulta 2 .
Como po- dem ser aferidos em qualquer poca da gravidez, a presso arterial (PA), o peso, o edema, a altura uterina (AU) e o clculo da idade gestacional (IG) devem ser registrados em todas as consultas, ao passo que a ausculta dos batimentos cardacos fetais (BCF) e o diagnstico da apresentao fetal podem ser detectados clinicamente e devem ser anotados a partir de 20 e 28 semanas de gesta- o, respectivamente. O resultado final da avaliao permitiu clas- sificar o processo da assistncia pr-natal em ade- quado, inadequado ou intermedirio. Considerou- se como adequado o atendimento pr-natal que preencheu todos os seguintes critrios: incio an- terior a 14 semana de gravidez; seis ou mais con- sultas; nmero mnimo dos exames laboratoriais bsicos (ABO-Rh e Hb/Ht: um registro; glicemia, VDRL e urina tipo 1: dois registros) e dos procedi- mentos clnico-obsttricos obrigatrios (AU, IG, PA, edema e peso: cinco ou mais registros; BCF: qua- tro ou mais registros; apresentao fetal: dois ou mais registros). A inadequao foi definida pela ocorrncia de pelo menos uma das seguintes con- dies: incio aps a 27 semana de gestao; duas ou menos consultas de pr-natal; nenhum regis- tro de exame laboratorial; duas ou menos anota- es de AU, IG, PA, edema, peso e BCF ou nenhum registro da apresentao fetal. As demais associa- es definiram o processo de atendimento como intermedirio. Os dados foram digitados em dupla entrada, tabulados e processados utilizando o programa Epi- Info (verso 6.01) 9 . Empregou-se o teste do 2 na verificao comparativa entre os locais/servios de procedncia das gestantes, ao nvel de signifi- cncia de 5%. A pesquisa foi previamente avaliada e apro- vada pela Comisso de tica da Maternidade Therezinha de Jesus. Assistncia pr-natal Coutinho et al 720 RBGO - v. 25, n 10, 2003 Resultados Foi observada grande variedade de modelos de carto da gestante, inclusive dentro de um mesmo servio. Os cartes preconizados pelo MS foram predominantes (69,2%), mas apenas 29,4% corresponderam ao atual modelo oficial. Foi identificada alta cobertura pr-natal (99,04%) em Juiz de Fora. Entretanto, somente 29,7% das gestantes iniciaram o pr-natal no pri- meiro trimestre, ao passo que 9,2% procuraram assistncia apenas nos ltimos trs meses de ges- tao. A idade gestacional mdia de ingresso foi de 17,4 semanas. A mdia de consultas por ges- tante foi de 6,4, mas um tero (33,8%) das pacien- tes no compareceu ao mnimo de 6 atendimen- tos, incluindo 5,1% que freqentaram apenas uma ou duas consultas. Apesar de a data da ltima menstruao (DUM) no ter sido registrada corre- tamente em torno de um tero (35,4%) dos car- tes, a anotao da data provvel do parto (DPP) foi adequada em 91,9% dos casos. Houve, tambm, grande variabilidade no re- gistro daqueles exames laboratoriais considera- dos como bsicos pelo PHPN/ 2000 5 . No momento da internao, 7% das gestantes no portavam a tipagem ABO-Rh. No houve registros da dosagem de Hb/Ht em 21,6% dos cartes, do exame de uri- na tipo 1 em 30%, do VDRL em 23% e da glicemia em 31,1%. A testagem anti-HIV e o exame colpocitolgico (Papanicolaou) tambm no foram anotados em 34,1% e 91,4% dos cartes analisa- dos, respectivamente. Um total de 459 exames ultra-sonogrficos foi registrado em 306 cartes (82,7% das pacientes), mas em 25 anotaes (6,7%) no houve relato da idade gestacional na poca do exame ecogrfico inicial. Dentre os 281 exames ultra-sonogrficos iniciais com relato da idade gestacional, houve predomnio da solicita- o no segundo trimestre (64,7%) e, ainda, por- centagem significativa no ltimo trimestre (15,7%). A mdia de realizao de ultra-sonografia por gestante foi de 1,2, ao passo que o nmero m- ximo de exames realizados, em uma s paciente, foi de seis (Tabela 1). Quanto aos procedimentos clnico-obsttri- cos listados na Tabela 2, a freqncia esperada (5 ou mais registros) das avaliaes que independem de uma fase especfica da gestao foi verificada na maioria dos cartes idade gestacional (58,1%), presso arterial (77,8%), peso (75,4%), e altura uterina (72,7%) , com exceo para a anotao do edema (48,1%). Com relao aos procedimen- tos dependentes da idade da gestao, as freqn- cias esperadas para a ausculta dos BCF (mnimo de 4 registros) e para o diagnstico da apresenta- o fetal (duas ou mais anotaes) foram verificadas em 79,5% e 35,7%, respectivamente. Enquanto pelo menos um registro da presso ar- terial esteve presente em todos os cartes, a ava- liao da apresentao fetal foi o procedimento de menor freqncia, estando ausente, portanto, em 54,3% dos documentos estudados. Tabela 1 - Exames complementares solicitados durante a assistncia pr-natal das gestantes a termo atendidas na Maternidade Therezinha de Jesus de Juiz de Fora, no primeiro semestre de 2002. Registros Tipo (ABO)-Rh Hemoglobina/ hematcrito Urinlise (urina tipo 1) VDRL Glicemia Teste anti-HIV Ultra-sonografia Sim n (%) 344 (93,0%) 290 (78,4) 259 (70,0) 284 (76,8) 255 (68,9) 244 (65,9) 306 (82,7) No n (%) 26 (7,0%) 80 (21,6%) 111 (30,00) 86 (23,2) 115 (31,1) 126 (34,1) 64 (17,3) Um registro n (%) - 235 (63,5) 208 (56,2) 243 (65,7) 194 (52,4) 230 (62,1) - Dois ou mais n (%) - 55 (14,9) 51 (13,8) 41 (11,1) 61 (16,5) 14 (3,8) - Tabela 2 - Procedimentos clnico-obsttricos realizados na assistncia pr-natal das gestantes a termo atendidas na Maternidade Therezinha de Jesus de Juiz de Fora, no primeiro semestre de 2002. Registros Altura uterina (AU) Idade gestacional (IG) Presso arterial (PA) Peso materno (PM) Edema Batimentos cardacos fetais (BCF) 1 Apresentao fetal 2 Vacinao antitetnica Prescrio Sim n (%) 368 (99,5) 303 (81,9) 370 (100) 369 (99,7) 265 (71,6) 368 (99,5) 169 (45,7) 157 (42,4) 257 (69,5) No n (%) 02 (0,5) 67 (18,1) 0,0 (0,0) 01 (0,3) 105 (28,4) 02 (0,5) 201 (54,3) 213 (57,6) 113 (30,5) Um a quatro n (%) 99 (26,8) 88 (23,8) 82 (22,2) 90 (24,3) 87 (23,5) 74 (20,0) 37 (10,0) - - Cinco ou mais n (%) 269 (72,7) 215 (58,1) 288 (77,8) 279 (75,4) 178 (48,1) 294 (79,5) 132 (35,7) - - 1 Um a trs registros/quatro ou mais registros. 2 Um registro/dois ou mais registros. Assistncia pr-natal Coutinho et al 721 RBGO - v. 25, n 10, 2003 A vacinao antitetnica foi registrada em 42,4% dos casos e o relato de cobertura vacinal anterior gestao foi encontrado em apenas 26% dos cartes. Foi registrada a prescrio de pelo menos um medicamento em 69,5% dos cartes. Utilizado para a preveno e tratamento de ane- mia, o ferro, principalmente na forma de sulfato ferroso, teve o maior nmero de registros (252 cartes). Apesar de estarem presentes em 322 cartes (87%), as curvas altura uterina x idade gestacional (AU x IG) e peso materno x idade gestacional (PM x IG) tiveram seu preenchimento completo verificado em apenas 12,1% e 6,5% des- ses cartes, respectivamente. Como pode ser observado na Tabela 3, o es- tudo seqencial e complementar dos registros da utilizao da assistncia, dos exames laborato- riais bsicos e da freqncia dos procedimentos clnico-obsttricos obrigatrios nas consultas per- mitiu constatar os baixos nveis de adequao do processo do pr-natal prestado s usurias do SUS no municpio de Juiz de Fora: 27,6% no nvel 1; 1,9% no nvel 2; e 1,1% no nvel 3. Utilizando os mesmos critrios, a avaliao comparativa entre os locais/servios de procedncia das gestantes estudadas no revelou diferenas estatisticamen- te significativas (p>0,05). Discusso Na metodologia adotada, foi empregada a auditoria, uma das tcnicas de obteno de dados para avaliao da qualidade da ateno mdica. A auditoria mdica pode ser realizada simultnea ou retrospectivamente ao processo de investiga- o e, ao utiliz-la, o pesquisador com experin- cia na rea pode avaliar tanto o processo como o produto. A importncia dos registros mdicos na prtica clnica, ao influenciar os processos de cui- dados, faz com que a auditoria possa refletir a qua- lidade da ateno prestada 10 . Dessa forma, pres- supe-se que, se no foi registrado, o procedimen- to mdico no deve ter sido realizado. Tabela 3 - Adequao do processo de assistncia pr-natal prestada no municpio de Juiz de Fora s gestantes a termo atendidas, pelo SUS, na Maternidade Therezinha de Jesus de Juiz de Fora, no primeiro semestre de 2002. Avaliao do Processo Nvel 1 Nvel 2 Nvel 3 Adequado n (%) 102 (27,6) 7 (1,9) 4 (1,1) Inadequado n (%) 44 (11,9) 179 (48,4) 179 (48,4) Intermedirio n (%) 224 (60,5) 184 (49,7) 187 (50,5) Nvel 1 - Utilizao do pr-natal; Nvel 2: utilizao do pr-natal + exames laboratoriais bsicos; Nvel 3: utilizao do pr-natal + exames + procedimentos clnico-obsttricos. Para estudar a utilizao do atendimento pelas gestantes foi adotado o ndice de Kessner, um dos mtodos mais difundidos para a anlise quantitativa da assistncia pr-natal, que, mes- mo tendo sofrido vrias modificaes desde a sua descrio em 1972, manteve intacta a sua estru- tura nuclear: avaliao do incio e da freqncia do atendimento 8 . A anlise de adequao foi utilizada por ser mais simples e menos dispendiosa que as outras modalidades anlises de plausibilidade ou pro- babilidade , poder usar dados secundrios e re- querer, em geral, uma nica medida a ser com- parada com critrios preestabelecidos, prescindin- do de grupos controle. Se a eficcia da interven- o analisada j foi comprovada, como o caso da assistncia pr-natal, uma nica avaliao su- ficiente para responder maioria das perguntas formuladas pelos gestores nos nveis municipal, estadual e nacional 11 . Entretanto, naquelas ava- liaes de um mesmo programa em diferentes pe- rodos de tempo, h necessidade de duas medidas, no mnimo, para detectar tendncias porventura existentes. A avaliao de plausibilidade exige um grupo controle do tipo histrico, interno ou exter- no, sendo utilizada para descartar os fatores ex- ternos tambm denominados fatores de confun- dimento que podem ser responsveis pelos efei- tos observados num determinado estudo. A anli- se de probabilidade mais complexa, representa o padro-ouro das pesquisas acadmicas de efic- cia e requer randomizao das unidades do estu- do, sendo importante para o desenvolvimento de novas intervenes. A multiplicidade de modelos dos cartes uti- lizados, incluindo aqueles empregados pelos ser- vios pertencentes ao SUS, sabidamente dificulta o estabelecimento de uma rotina de preenchimen- to, a anlise comparativa de algumas variveis e a implantao de um sistema adequado de refe- rncia/contra-referncia. A anlise das caractersticas socioeconmi- cas e demogrficas da amostra estudada revelou porcentagens significativas de adolescentes (20%), de solteiras (45,4%), de multigestas (61,1%) e de pacientes com ensino fundamental incompleto (60,8%). Segundo a literatura, todas essas condi- es se relacionam, no seu conjunto ou isolada- mente, com baixa utilizao da assistncia pr- natal, contribuindo para o aumento da morbimortalidade materno-fetal 12-19 . Neste estu- do, por exemplo, em comparao com as gestan- tes analfabetas (0,8%), as portadoras de escolari- dade superi or a oi to anos apresentaram percentuais maiores tanto da procura pelo pr- natal no primeiro trimestre (33,0% vs. 0,0%), quan- Assistncia pr-natal Coutinho et al 722 RBGO - v. 25, n 10, 2003 to da mdia de consultas (6,9 vs. 4, 3) . A constatao da predominncia do registro da cor branca (64,9%) reflete as mesmas dificuldades encontradas pelo Instituto Brasileiro de Geogra- fia e Estatstica (IBGE) no Censo 2000 (no cons- ta referncia), que apontou o percentual irreal de 6,2% (cerca de 10 milhes) de populao de cor preta, longe de refletir a realidade brasileira. Em termos soci oeconmi co-cul turai s, a sobreposio das questes de gnero e de cor ala- vanca as desigualdades, tornando mais relevan- te esse dado. Ademais, sob o ponto de vista obst- trico, h maior ocorrncia de hipertenso arte- rial, anemia falciforme e vcios plvicos nas mu- lheres melanodrmicas 13,18,20 . A cobertura da assistncia pr-natal encon- trada (99,04%) foi compatvel com os dados forne- cidos pelo SINASC/JF 2001 (99,0%) (no consta referncia) e superior quelas registradas na li- teratura nacional 2,21,22 . A cobertura de um progra- ma constitui indicador importante da sua operacionalidade 23 . Entretanto, essa alta cober- tura foi acompanhada de baixa utilizao do pr- natal (Tabela 3). A maior procura pelos cuidados pr-natais no segundo trimestre (61,1%) retrata o baixo nvel de sensibilizao e conscientizao da comunidade acerca da relevncia do seu incio precoce. O total de consultas de pr-natal preconi- zado pela OMS no deve ser inferior a seis, e qual- quer nmero abaixo desta cifra j considerado como atendimento deficitrio 10 . Neste estudo, parcela considervel (33,8%) das gestantes no compareceu a esse nmero mnimo de consultas. Em relao aos exames laboratoriais, so preocupantes os altos percentuais de falta de re- gistro de variveis relacionadas a intercorrn- cias maternas importantes, como a anemia, as infeces do trato urinrio, o diabete melito e a sfilis. A ausncia de registro do teste anti-HIV em um tero dos cartes, com a sua positividade em trs pacientes correspondendo a 1,2% dos exa- mes realizados e a 0,8% da amostra , aponta a necessidade de esforo maior das equipes de sa- de de Juiz de Fora na orientao sobre a preven- o da transmisso materno-fetal da infeco. Em contraposio, os registros de realizao da ultra-sonografia (82,7%) foram muito superio- res aos nmeros relatados na literatura brasilei- ra, com exceo de Caxi as do Sul RS (96,8%) 10,22,24 . O exame ultra-sonogrfico tornou- se componente importante da assistncia pr- natal moderna e uma das suas principais indica- es consiste na correo e/ou determinao da idade gestacional, como pde ser demonstrado, neste estudo, pela diferena encontrada entre os registros corretos da DUM e da DPP (64,6% vs. 91,9%). Entretanto, houve clara priorizao da ultra-sonografia obsttrica em detrimento dos exa- mes laboratoriais bsicos. O registro inadequado do exame colpocitolgico (8,6%) torna-se ainda mais significativo por ser a gestao o momento ideal e, s vezes, nico para implementar ou consolidar as orientaes e as prticas preventi- vas para a sade feminina. Como conseqncia, a adio dos exames laboratoriais bsicos utilizao do pr-natal (n- vel 2), ao proporcionar avaliao mais qualitativa, resultou na reduo mais acentuada da adequa- o do pr-natal. Aqui, as medidas corretivas de- vem ser mais abrangentes, pois a ausncia do registro de um determinado exame pode se dever a: falta de solicitao do exame pela equipe tcni- ca; falta de registro adequado pelos profissionais, apesar do exame ter sido solicitado e realizado; dificuldades para o agendamento e a realizao do exame pelo SUS; realizao do exame, porm sem retorno ao servio de sade; ou no-realizao do exame motivada pela prpria paciente. A anlise do acrscimo dos procedimentos clnico-obsttricos (Nvel 3) evidenciou, tambm, altos percentuais de falta de registro. A responsa- bilidade pela realizao ou a anotao desses pro- cedimentos cabe fundamentalmente equipe tc- nica e, neste estudo, o atendimento majoritrio (60%) foi realizado por tocoginecologistas, como integrantes das equipes tradicionais do SUS. A ausncia da varivel edema em alguns tipos de carto pode explicar o seu registro inadequado. O edema tem sido desvalorizado como fator complicador da gestao - presena em 50 a 80% das gestaes normais 13 e ausncia em cerca de um quarto daquelas complicadas com eclmpsia 25 -, ocasionando a omisso desse sinal clnico na confeco de algumas modalidades de carto da gestante. Porm, a ausncia de anotao da idade gestacional no pode ser explicada apenas pelos altos ndices de desconhecimento das datas da ltima menstruao (35,4%). Uma anamnese mais acurada pode contribuir para a diminuio desses ndices e do nmero de exames solicitados apenas para a definio da idade gestacional, melhorando a relao custo-benefcio da assistn- cia pr-natal. Quanto falta de registro da apresentao fetal em mais da metade dos cartes, podem ser aventadas algumas hipteses: o despreparo tc- nico para a realizao de todas as etapas do exa- me obsttrico clssico, a pouca valorizao desse procedimento e/ou a comodidade da sua substi- tuio pela avaliao ultra-sonogrfica. O diagns- tico da apresentao fetal realizada no ltimo tri- mestre da gestao deve ser essencialmente cl- Assistncia pr-natal Coutinho et al 723 RBGO - v. 25, n 10, 2003 ABSTRACT Purpose: to evaluate the adequacy of the prenatal care process offered to users of the Unified Health Care System (SUS) in Juiz de Fora-MG and to compare the municipal services. nico, sendo importante na deciso sobre o tipo de parto e na previso de possveis intercorrncias durante o trabalho de parto. Em mais da metade dos cartes (57,6%) no houve registro de vacinao antitetnica, carac- terizando cobertura inferior quelas relatadas na literatura brasileira 10,22,24 . A baixa freqncia de anotao da imunizao das gestantes denota clara incompreenso acerca da importncia desse re- gistro e/ou da prpria preveno do ttano neonatal. A ausncia das curvas que relacionam o crescimento uterino e o peso materno com a ida- de gestacional (13% dos cartes) tambm no pode justificar os ndices extremamente baixos de pre- enchimento completo das curvas disponveis (12,1 e 6,5%, respectivamente). Como concluso, o processo da assistncia pr-natal prestada s usurias do SUS em Juiz de Fora, a despeito da alta cobertura, apresentou bai- xa adequao em todos os locais/servios e nveis estudados. Por terem sido analisados apenas crit- rios considerados mnimos para um atendimento de baixa complexidade, esses resultados se mos- tram ainda mais significativos. evidente a ne- cessidade de uma discusso abrangente envol- vendo obrigatoriamente gestores, profissionais de sade e comunidade sobre a implantao de aes corretivas imediatas e de avaliaes peridicas do pr-natal no municpio. Nesse contexto, a partici- pao efetiva dos tocoginecologistas indispens- vel e a sua atuao deve servir como parmetro para um atendimento pr-natal adequado. Todas essas medidas se revestem de uma maior importncia numa sociedade caracteriza- da por elevada desigualdade social, que refleti- da, no campo da sade, pela existncia de relao inversa entre a disponibilidade da assistncia e as necessidades da populao assistida. No entan- to, so encorajadoras as experincias de outros locais (cidades, regies ou pases) que, com nvel de desenvolvimento igual ou inferior ao nosso, conseguiram reduzir a mortalidade materno-in- fantil por meio de sistemas de sade organizados e abrangentes e que, prioritariamente, utilizaram tecnologias simplificadas e viveis sob o ponto de vista econmico. Methods: a transversal study with auditing was carried out on the records of 370 pregnant women, selected by systematic sampling among women who carried their pregnancies to term and gave birth using SUS services in the first semester of 2002, with prenatal care given in Juiz de Fora. For statistical analysis the 2 test was used to compare the municipal services (level of significance: 5%). The evaluation followed a three- tiered complementary sequence, using: the utilization of prenatal care (Kessner index: beginning and frequency of care) at level 1; the utilization of prenatal care and basic laboratory tests, according to the Humanization Program of Prenatal Care and Birth (ABO-Rh, hemoglobin/hematocrit, VDRL, glycemia and urinalysis), at level 2; and the utilization of prenatal care, the basic laboratory tests and the obligatory clinical-obstetric procedures during a prenatal visit (assessment of blood pressure, weight, edema, uterine fundal height, gestational age, fetal heart rate and fetal presentation), at level 3. Results: the observed adequacy of the process was only 26.7% (level 1), 1.9% (level 2) and 1.1% (level 3). We also observed a prenatal coverage of 99.04%, an average of 6.4 visits per pregnant woman, and an average gestational age of 17.4 weeks at the time of the first prenatal visit. There were no significant differences between the municipal services. Conclusions: prenatal care offered to SUS users in Juiz de Fora should be reviewed from a qualitative standpoint, and periodic evaluations as necessary instruments of improvement are recommendable. Managers and professionals should undertake actions aimed at increasing compliance with norms/routines of the program principally the request/recording of basic complementary tests and which guarantee increased utilization of prenatal care. KEYWORDS: Prenatal care. Normal pregnancy. Care audit. Referncias 1. Peoples-Sheps MD, Kalsbeek WD, Siegel E, Dewees C, Rogers M, Schwartz R. Prenatal records: a national survey of content. Am J Obstet Gynecol 1991; 164:514-21. 2. Silveira DS, Santos IS, Costa JSD. 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